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Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ SEED SUPERINTENDÊNCIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUED PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE A NARRATIVA LITERÁRIA COMO FON TE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: “OS SERTÕES” DE EUCLIDES DA CUNHA, UMA POSSIBILIDADE INTERDISCIPLINAR AUTORA: DELIZE GNOATTO NETTO DISCIPLINA DE HISTÓRIA CURITIBA DEZEMBRO/2009

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Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ – SEED

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SUED

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE

A NARRATIVA LITERÁRIA COMO FON TE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA:

“OS SERTÕES” DE EUCLIDES DA CUNHA, UMA POSSIBILIDADE

INTERDISCIPLINAR

AUTORA: DELIZE GNOATTO NETTO

DISCIPLINA DE HISTÓRIA

CURITIBA

DEZEMBRO/2009

Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED

Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ – SEED

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SUED

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE

A NARRATIVA LITERÁRIA COMO FON TE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA:

“OS SERTÕES” DE EUCLIDES DA CUNHA, UMA POSSIBILIDADE

INTERDISCIPLINAR

ARTIGO APRESENTADO AO PDE/SEED COMO

REQUISITO CONCLUSIVO PARA OBTENÇÃO DA LINHA FUNCIONAL TRÊS DA

PROGRESSÃO FUNCIONAL DA SEED/PR.

PROFª DELIZE GNOATTO NETTO – PDE 2009 - HISTÓRIA

ORIENTADORA: PROFª DRA. NÁDIA GAIOFATTO GONÇALVES

CURITIBA

DEZEMBRO/2009

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RESUMO

Este artigo enfoca a narrativa literária como fonte para o ensino de História no qual busquei fazer reflexões sobre conceitos que são fundamentais para o professor desta disciplina, conceitos estes tais como: fonte histórica, currículo, narrativa, interdisciplinaridade, ensino cultura, que são essenciais para uma boa aula de História. Isto exigiu um conhecimento que me levou a embrenhar na leitura da obra literária de Euclides da Cunha “Os Sertões” e nos teóricos que discorrem sobre os conceitos elencados. Optei falar de Canudos por uma fonte alternativa, diferente dos livros de História, entendendo que a narrativa literária é uma possibilidade rica para o processo de conhecimento a respeito do movimento de Canudos e a sociedade da época. Refletir sobre a História, e mais especificamente sobre a História de Canudos por intermédio de uma outra forma de narrativa – a literária, propicia compreender aquele massacre e perceber a História do Brasil na Primeira República com um outro olhar, diferente da historiografia e possibilita estabelecer as interconexões da narrativa literária com a narrativa histórica. Inicio discorrendo sobre historiografia e a dimensão pedagógica do ensino de História em que me reporto a uma discussão sobre fonte, currículo, prática pedagógica e interdisciplinaridade e, adentro com uma discussão sobre o período que compreende a Primeira República focando as questões da cultura e da identidade nacional, finalizando com relatos de experiências com professores e alunos.

Palavras – chave: Currículo. Fonte. História. Literatura. Interdisciplinaridade.

1 Graduada em História pela UFPR; Pós Graduada em Pedagogia para Ensino Religioso pela

PUC/PR ; Mestre em Ciências da Educação pela UIL - Portugal.

Professora de História da Rede Pública do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] ou [email protected]

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ABSTRACT

This article focuses on the literary narrative as a source for teaching History in which I sought to make reflections on concepts that are fundamental to the teacher of this subject, concepts such as historical sources, curriculum, narrative, interdisciplinary, teaching culture, which are essential to a good History lesson. This required a knowledge that led me into the reading of the literary work of Euclides da Cunha "Os Sertões" and the theoretical discourse on the concepts listed. I chose to speak of Canudos from an alternative source, different from the History books, believing that literary narrative is a rich opportunity for the process of knowledge about the movement of Canudos and the society of the time. Reflecting on History, and more specifically on the History of Canudos through another form of narrative - the literary, it provides understanding that mass killing and realize the History of Brazil during the First Republic with a different look, different from the historiography and establish the possible interconnections of literary narrative with the historical narrative. I start discoursing on History and pedagogical dimension of teaching history in which I report me to a discussion of source, curriculum, teaching, and interdisciplinary and house with a discussion of the period covered by the First Republic focused on the issues of culture and national identity, concluding with accounts of experiences with teachers and students.

Key-words: Curriculum. Source. History. Literature. Interdisciplinary.

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INTRODUÇÃO

O que me levou a fazer incursões na Literatura para trabalhar conteúdos da

História foram as minhas inquietações sobre a necessária e urgente utilização de novos

métodos para ensinar a disciplina. Logo que iniciei meu trabalho no magistério,

lecionando História, comecei a questionar sobre o fato de que, em cada turma em que

fazia enquete sobre gostar da disciplina, cerca de 10%, no máximo, gostavam dela.

Inquiridos sobre o porquê de não gostarem, as respostas eram quase sempre as

mesmas: “tem que decorar muita matéria!”, “porque estudar o passado?”, “que falta esta

disciplina vai fazer na minha vida?”, “é muito chata!”. E por aí vai. Essas inquietações

levaram a um processo de (re) elaboração no formato de ministrar minhas aulas. Passei

a trabalhar com interpretação de textos e construção de Histórias em Quadrinhos e

transitei, junto com meus alunos, na arte da construção dos personagens e na

construção dos textos sobre o assunto pesquisado. Percebi o quanto era importante um

trabalho interdisciplinar, buscando na Língua Portuguesa, na Arte, na Geografia, entre

outras, o apoio e enriquecimento para tal feito. Percebi também o quanto era

estimulante para os alunos aprender desta forma os conteúdos históricos. Em função

dessas experiências, busquei focar minha pesquisa para o Programa de

Desenvolvimento Educacional nessas relações interdisciplinares, o que exigiu um

conhecimento amplo e a me embrenhar na leitura da obra literária de Euclides da

Cunha, “Os Sertões”, para tal intuito. Queria falar de Canudos por uma fonte alternativa,

diferente dos livros de História, entendendo que a narrativa literária seria uma

possibilidade rica para esse processo de conhecimento sobre o movimento de Canudos

e a sociedade da época. Refletir sobre a História, e mais especificamente sobre a

História de Canudos, por uma outra forma de narrativa - a literária, propicia

compreender aquele massacre e perceber a História do Brasil na Primeira República

com um outro olhar, diferente da historiografia, e possibilita fazermos as interconexões

da narrativa literária com a narrativa histórica. Foi maravilhoso! Apaixonei-me pela obra

“Os Sertões” e senti uma certa mágoa, pois percebi que não fui estimulada nos meus

tempos de colegial a fazer a leitura da mesma, nem pela grandeza da obra, nem pela

importância da literatura como cultura geral.

Nesse artigo não me atenho somente na obra de Euclides da Cunha, faço

reflexões sobre outros conceitos que são fundamentais para o professor de História.

Conceitos esses como fonte histórica, currículo, narrativa, interdisciplinaridade, ensino,

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cultura, que são fundamentais para uma boa aula de História. O artigo está organizado

numa ordem de conceitos que, entendo, apresenta uma sequência lógica para uma

melhor compreensão do texto. Começo discorrendo sobre historiografia e a dimensão

pedagógica do ensino de História em que me reporto a uma discussão sobre fonte,

currículo, prática pedagógica e interdisciplinaridade e vou adentrando com uma

discussão sobre o período que compreende a Primeira República, focando na questão

da cultura e da identidade nacional. Para tanto, busco subsídios na obra “Os Sertões”

de Euclides da Cunha, mostrando a importância de se utilizar a fonte literária para inferir

sobre o contexto da época e, principalmente, sobre a cultura. Finalizo o artigo

comentando a experiência na aplicação do meu projeto na escola e as dificuldades que

foram detectadas nesse processo.

HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

A pesquisa histórica atual se esforça em situar as articulações entre a micro e a

macro História, buscando nas singularidades dos acontecimentos as generalizações

necessárias para a compreensão do processo histórico. A Nova História, inspirada na

Escola dos Annales, tem contribuído para análises relativas ao funcionamento das

sociedades (superestruturas) integrando as multiplicidades temporais, espaciais,

sociais, econômicas e culturais presentes num determinado grupo ou coletividade.

Hoje, a História é vista de forma "plural", mudou seus métodos, seus

recortes e seus objetos, ampliou seu foco de análise e de entendimento. As análises

estão se voltando mais para a História do cotidiano das pessoas e, principalmente,

para uma História da cultura.

A história cultural francesa, embora pioneira nesse enfoque, não constitui a

única referência no trabalho e na reflexão sobre a possibilidade de utilização da

literatura como fonte para se entender a História. A produção da história social pelos

historiadores da nova história cultural inglesa vem dialogando com a literatura,

utilizando-a com outras fontes ou mesmo tomando-a como fonte principal de análise.

Essas produções tem outra relação com o texto literário, destacando suas relações

com a realidade social com base na qual foi construído.

Dentro da perspectiva da Nova História Cultural, da Nova Esquerda Inglesa

e das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná de História de 2006, o estudo do

passado permite formar pontos de vista históricos por negação aos tipos tradicional

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e exemplar de consciência histórica. A ruptura com os modelos que pautam suas

produções na linearidade temporal e na redução das interpretações a causas e

conseqüências permitem ampliar explicações e compreensões do fato histórico, pois

possibilitam vários recortes temporais; diferentes conceitos de documento, sujeitos e

suas experiências, numa perspectiva de diversidade; formas de relação ao passado;

entre outros. A historiografia vem dialogando com outras áreas, alargando suas

fontes e potencialidades historiográficas. Segundo Oliveira (2007, p.12). “Esse

movimento na cultura historiográfica, além de produzir novas frentes de pesquisa,

estimulou os ramos tradicionais da área a repensar seus métodos de trabalho.” Essa

diversificação das fontes para a pesquisa e conhecimento históricos promoveram

análises e explicações dos contextos históricos sensivelmente mais enriquecedoras,

pois as concepções de documentos foram revisadas e ampliadas. Como coloca Le

Goff (In: OLIVEIRA, 2007, p.12) a história problema se impôs à história documento

promovendo uma verdadeira revolução documental.

A LITERATURA COMO FONTE HISTÓRICA

O historiador se vale de uma série de fontes que incluem desde documentos

oficiais até notícias na imprensa. Tudo depende do tipo e do tema que se propõe

pesquisar. A relação do historiador com as fontes é a base fundamental da

pesquisa, pois é o que vai edificar e conferir credibilidade à pesquisa historiográfica.

Segundo Ragazzini (2001, p.14), “A fonte é uma construção do pesquisador,

isto é, um reconhecimento que se constitui em uma denominação e em uma

atribuição de sentido; é uma parte da operação historiográfica”. Ela provém do

passado, na verdade, ela é o passado, porém não está mais no passado quando é

interrogada. Ela funciona como uma ponte capaz de corroborar para inferências

sobre o passado desde que lhe seja atribuído significado.

Muitas vezes, as fontes permitem encontrar materialmente e reconhecer

culturalmente a intencionalidade implícita ao seu processo de produção. Para o

historiador, as fontes são fundamentais para a pesquisa e a base sobre a qual se

debruça para sua pesquisa historiográfica. A variedade das fontes possibilita ao

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historiador a construção do conhecimento histórico e sua definição se dará em

função do seu objeto de estudo.

Buscar entender, por exemplo, o que foi o movimento de Canudos no final

do século XIX, utilizando a narrativa literária como fonte pela leitura e análise da

obra “Os Sertões” de Euclides da Cunha é, privilegiar uma fonte escrita ainda pouco

utilizada pelos historiadores. Essa fonte possibilita uma riqueza de informações que

explicam o contexto, as pessoas comuns, sua cultura e suas relações sociais.

Também contribui para o entendimento do contexto histórico em que o livro “Os

Sertões” foi escrito e a interpretação da narrativa de um dos mais sangrentos

conflitos da nossa História – A Guerra de Canudos, que aconteceu no final do século

XIX, nos anos iniciais dos governos republicanos.

Neste sentido, ao tomar a literatura como representação do real e como

fonte de pesquisa, adentramos e dialogamos com a história social e cultural do povo

brasileiro, codificamos a experiência humana, no tempo e no espaço, utilizando

essas representações sociais como objeto de análise historiográfica. Perceber o

texto literário como produção cultural nos remete que “a cultura é também mediação

entre o indivíduo e suas experiências; é o que permite pensar a experiência, dizê-la

a si mesmo, dizendo-nos aos outros” (PROST, 1998, p.135 In: OLIVEIRA, 2007, pág.

44).

Pela ótica da Nova História Cultural, podemos observar e inferir sobre a

força social do texto analisado, a presença do mesmo na cena da época e o papel

na construção do mundo social.

Mediante uma visão crítica, contextualizada e interdisciplinar, a História,

enquanto disciplina escolar, poderá ampliar estudos sobre as problemáticas

contemporâneas, situando-as no tempo e servindo como arcabouço para a reflexão

sobre possibilidades de mudanças ou continuidades. Acredita-se que a História

abordada no ensino médio poderá propiciar, às novas gerações, analisar, interpretar,

redefinir conceitos e livrar as novas gerações da alienação social que compromete

as identidades individuais e coletivas.

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CURRÍCULO E HISTÓRIA

Segundo Lopes (1999, p.63), pesquisadores em Currículo e em Educação,

dentro de uma linha tradicional ou crítica, parecem estar de acordo “quanto à cultura

ser o conteúdo substancial do processo educativo e o currículo a forma

institucionalizada de transmitir e reelaborar a cultura de uma sociedade,

perpetuando-a como produção social garantidora da especificidade humana”.

Numa perspectiva tradicional de currículo, a cultura de uma sociedade é

entendida como unitária, homogênea e universal. Na análise crítica, o currículo é

interpretado como produção e criação simbólica em que conhecimentos são (re)

construídos continuamente. Nessa análise o currículo é entendido no interior da

cultura de uma sociedade em que as crenças, valores, hábitos constituem o

conteúdo próprio da educação.

Sendo assim, o currículo não pode mais ser pensado como algo estanque,

isolado de todo o trabalho pedagógico desenvolvido pela escola. Não pode ser

concebido como um documento formal, como uma listagem de conteúdos, como um

roteiro a ser dividido conforme os meses/dias/número de aulas, mas sim relacionado

com a identidade da escola, com a comunidade escolar, sendo, portanto,

significativo frente às necessidades e interesses dos alunos.

O currículo, desta maneira, se traduz por uma forma de organizar o trabalho

pedagógico, não desta ou daquela disciplina, mas uma visualização das

possibilidades de realização dentro da escola, com uma prática coletiva,

interdisciplinar, que propicie o entendimento de que o conhecimento não se realiza

fragmentado, numa sequência linear de disciplina, mas acontece quando

conseguimos estabelecer relações e possibilidades, entre todos os conhecimentos

adquiridos, como método de ensino-aprendizagem.

Sacristán (2000, p.109) enfatiza que a questão curricular é marcada por uma

política curricular, a qual “estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o

currículo dentro do sistema educativo, tornando claro o poder e a autonomia que

diferentes agentes têm sobre ele, intervindo, dessa forma, na distribuição do

conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa...”.

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A escola sofre todos os tipos de influências, tanto governamentais como da

sociedade como um todo. Além disso, as concepções filosóficas de educação são

propostas dentro das políticas educacionais que os governos estabelecem nos seus

Estados. Porém, suas tendências e matizes não ocorrem isoladas. O professor, por

sua vez, está sujeito às influências das tendências educacionais propostas. Isto

aparece na sua metodologia e na sua prática pedagógica.

Segundo Fonseca (1997, P.210), “a prática pedagógica dos professores de

História está intimamente ligada às concepções de História, de mundo, de

educação, de escola que foram sendo construídas e cristalizadas ao longo de suas

histórias, nos diferentes momentos e espaços”

Goodson, historiador inglês (In: OLIVEIRA; RANZI, 2003, p.20) sustenta que,

para a compreensão do currículo, é fundamental estabelecer as relações entre as

determinações em um nível macro do sistema educacional com o micronível, pelos

estudos de casos históricos sobre matérias escolares, condição que permite

apreender as mudanças ou permanências curriculares.

Ainda segundo o mesmo autor (In: MARTINS, 2000, p.170),

Tampouco se trata de um controle meramente burocrático. Quando aceita-se a mística da prescrição como maneira de melhorar o sistema, reintera-se também as diferentes formas e modos estabelecidos de relações de poder que envolvem a educação.

Para tanto, são fundamentais as discussões e o envolvimento nas questões

que envolvem o currículo no espaço escolar, pois suas propostas de mudanças e

permanências devem ser definidas e aceitas por todos os envolvidos. Mediante uma

visão crítica do professor, uma prática contextualizada e interdisciplinar, o ensino de

História possibilitará ampliar estudos sobre problemáticas contemporâneas,

situando-as no tempo e servindo como arcabouço para reflexões sobre

possibilidades de mudanças ou continuidades e isso deve estar em consonância e

intimamente relacionado com o currículo proposto para a mesma.

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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA

O ensino de História aplicado de forma interdisciplinar pressupõe a

existência de um referencial que permita aos alunos identificar e se identificarem

com as questões propostas. Essa postura visa gerar a capacidade de compreender

e intervir na realidade, numa perspectiva autônoma e desalienante. A

interdisciplinaridade compreendida a partir de uma abordagem relacional, em que se

propõe que, por meio da prática do professor, sejam estabelecidas interconexões

entre os conhecimentos através de relações de complementaridade, convergência

ou divergência. Uma relação dialética entendida como diálogo, como um movimento

de complementaridade e de coordenação de conceitos sem contradição lógica

defendida por Bachelard (In: LOPES, 1999, p.54).

A interdisciplinaridade pode ser objetivada pelo professor de História a partir

dos conteúdos históricos e da sua metodologia aplicada em sala de aula. Para isso,

pressupõe-se que o professor tenha uma visão crítica dos conteúdos e que a partir daí

desenvolva aulas contextualizadas promovendo a interconexão desses conteúdos com

as outras áreas do conhecimento.

Observa-se nas escolas, atualmente, uma preocupação em se trabalhar os

conteúdos de forma interdisciplinar. Porém, percebe-se a dificuldade que muitos

professores têm para entender o conceito de interdisciplinaridade. Este termo invadiu as

escolas a partir da segunda metade dos anos 80 e vem gerando, até hoje, equívocos

em sua definição.

Japiassu (1976) caracteriza a interdisciplinaridade como a intensidade das

trocas entre especialistas e pelo grau de integração das disciplinas no interior de um

mesmo projeto de pesquisa. Entende a interdisciplinaridade como exigência interna das

ciências e uma necessidade para uma melhor compreensão da realidade que as

ciências nos fazem conhecer. Segundo o autor, é necessário que cada professor esteja

realmente impregnado de um espírito epistemológico suficientemente amplo para que

possa enxergar as relações de sua disciplina com as demais, sem, com isso, perder de

vista a sua especialidade. Indica que a divisão das disciplinas é uma "patologia do

saber", um mal a ser combatido. Japiassu (In: FAZENDA , 1979, p.12), enfatiza que

"uma coisa nos parece certa: nenhuma opção crítica pode nascer, nos alunos, quando

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os professores lhes ministram ou incultam um conhecimento que seria a expressão da

verdade objetiva. Esta catequese intelectual é insuportável. O máximo que pode

produzir são diplomados em primeira comunhão científica."

Fazenda (1994) estuda a interdisciplinaridade e apresenta uma evolução

histórico - crítica para conceituá-la. A interdisciplinaridade, segundo ela, é uma questão

de atitude, o que delega para o professor a responsabilidade na ação em sala de aula.

Para que isso aconteça, é necessário que o professor seja um eterno pesquisador para

que possa fazer as devidas correlações com as outras áreas do conhecimento. O que

está sendo valorizado é a postura do professor em sala de aula. Já Petráglia (1993),

enfoca a interdisciplinaridade como um caminho para a superação dos fragmentos

que circundam a educação nos dias atuais e a postura do educador na animação

desse processo interdisciplinar. Por sua vez, Bochniak (1992) afirma que a temática

da interdisciplinaridade parece atraente ao homem distanciado de seu papel de

"fazedor" da História. E deve mesmo parecer, desde que ela possa ser anúncio da

superação das visões fragmentadas com que ele está habituado a ver e pensar seu

anônimo mundo. Já para Luck (1995) a realidade é complexa e o homem encontra-

se desesperado para enfrentar os problemas globais que exigem dele não apenas

uma formação polivalente, como uma formação orientada para a visão globalizadora

da realidade e uma atitude contínua de aprender a aprender.

Enfim, dependendo da maneira que for desenvolvida a prática do professor em

sala de aula, o importante é que trabalhando através de projetos interdisciplinares ou

tomando uma postura interdisciplinar, os professores tenham a certeza de que este será

o melhor caminho para uma educação e um ensino de História dinâmico e dialético,

visando desenvolver entre os alunos a consciência da realidade humana e social, da

qual a escola faz parte, mediante uma perspectiva globalizadora.

O professor, a partir de uma reflexão crítica do seu cotidiano escolar, pode

identificar as dificuldades que resultam da ação fragmentada em que está inserido,

motivando-se para um enfoque interdisciplinar e globalizador do ensino. Valorizar a

identidade cultural, o sentimento de pertencer a um determinado grupo ou nação

depende de um ensino focado na análise crítica das nossas raízes e, principalmente,

da cultura que nos fundamentou. Para tanto, faz-se importante desenvolver no aluno

o elemento da responsabilidade autônoma e a escola deve estimular a criação e a

visão ampla dos conceitos trabalhados. Para tanto, o ensino da História deve

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transpor uma visão dogmática do real e do próprio pensamento e adquirir uma visão

crítica, um método de pensamento e de organização da ação que garanta a

autonomia intelectual e política. Nesse sentido, faz-se importante que o professor

dessa disciplina adote práticas que propiciem aos seus alunos alcançar sua

autonomia enquanto cidadãos e não aliená-los ainda mais; que conduzam seus

alunos nos caminhos da produção e da relação crítica com o saber.

Vale lembrar que a História redimensiona aspectos da vida em sociedade e

o papel do indivíduo nas transformações do processo histórico. O papel primordial

do professor que ministra esta disciplina é o de garantir um ensino capaz de levar o

educando a uma visão crítica do meio em que vive para que, a partir dessa

perspectiva, possa interferir exercendo o seu papel de cidadão consciente e ativo na

sociedade na qual está inserido.

O Ensino Médio é a última fase da Educação Básica e, segundo Gramsci

(2000, p.39), ele deve ser concebido, pensado e organizado como se fosse,

A fase decisiva, na qual se tende a criar os valores fundamentais do ‘humanismo’, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo (indústria, burocracia, comércio, etc.).

Para tanto, faz-se necessário que os professores busquem caminhos menos

lineares, conheçam diversas possibilidades de trabalhar essa disciplina, utilizando-

se de outros métodos e fontes que possibilitem ampliar o conhecimento e a cultura

geral. Tanto professores como alunos sairão com um ganho significativo, pois

poderão perceber a Literatura e a História com outros olhos e com outros

significados.

Para que aconteçam mudanças significativas no ensino da História, o professor

terá que se assumir como um educador consciente do seu papel na sala de aula e na

sociedade como um todo, entendendo a importância de que o aluno seja o sujeito do

seu processo de aprendizagem; que a criticidade deve permear as questões

curriculares; que a criatividade tanto do educador quanto do educando deva ser o que

sobressaia durante todo esse processo; e, fundamentalmente, o professor deve

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compreender que não se trata meramente de uma nova metodologia ou um novo

arranjo de conteúdos, mas, antes de tudo, que a questão curricular passa por uma

outra postura por parte dos atores envolvidos no cotidiano escolar.

Através das interconexões com as áreas do conhecimento poderá ser

alicerçada a interdisciplinaridade construindo assim “significado” [grifo nosso] para o

tema ou assunto proposto. O aluno, por meio de práticas contextualizadas,

internaliza os conhecimentos com mais facilidade e é nesse momento que

efetivamente a aprendizagem acontece. A aplicação de atividades escolares

significativas exigirá do professor uma nova postura, centrada na mediação dos

processos de construção, reconstrução dos conhecimentos escolares. O professor

passa a ser um orientador/mediador do processo ensino-aprendizagem e não mais

um transmissor do conhecimento.

A prática do professor é fundamental para um trabalho interdisciplinar. Sua

postura deve ser inovadora, crítica, participativa, atuante. Ele deve ser conhecedor

dos conteúdos de forma totalizante, ter o domínio dos conteúdos de sua área

específica de ensino e, sempre que possível, recorrer a outras disciplinas para

explorar plenamente os temas de que está tratando. No modelo de escola e de

formação, vigentes na atualidade, a interdisciplinaridade e a contextualização

dependerão, basicamente, da postura do professor em sala de aula.

O importante no ensino de História é que o professor possibilite ao seu aluno a

superação da passividade frente à realidade social e ao conhecimento, propiciando a

compreensão da lógica dessa realidade e da construção do conhecimento.

As diversas ciências se especializaram rapidamente, sob numerosos pontos de

vista. Certa especialização é útil e necessária. Porém, já que as ciências têm algo em

comum, ou podem ser levadas a cooperações recíprocas, então, que se faça através

da atitude interdisciplinar do professor em sala de aula.

Que a História seja ensinada com todo rigor científico do qual faz parte dentro

das ciências humanas e com a devida responsabilidade de propiciar ao aluno um

pensar mais crítico para que possa agir na sociedade, desenvolvendo plenamente sua

cidadania.

CONTEXTO HISTÓRICO DO BRASIL NO FINAL DO SÉC. XIX E ÍNÍCIO DO SÉC. XX

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O Brasil, no final do século XIX e início do século XX não apresentava

mudanças profundas na sua conjuntura econômica e social. Observa-se uma forte e

obsessiva construção de uma utopia de modernização e o esboço de um horizonte

técnico nas grandes cidades do país. Lendo e analisando a obra de Euclides da

Cunha, viajamos na sua história e nos reportamos ao século XIX de forma lúdica, ao

mesmo tempo que aguçamos nossa mente para um retrato muito próximo do real de

como era a sociedade brasileira na época, identificamos também parte dos

representantes da nação - os sertanejos marginalizados e entregues a própria sorte

no interior do Brasil.

A Primeira República que, apenas por recorte histórico de estudo,

compreende os anos de 1889 até 1930, foi um momento de grandes mudanças para

a nação brasileira. Momento este bastante profícuo para a pesquisa e debate

histórico, pois efervescia nas discussões da intelectualidade da época toda a

influência da modernidade Européia e Americana. Essas discussões acaloradas no

meio intelectual brasileiro, que viviam principalmente na cidade do Rio de Janeiro –

então Capital da República, eram divulgadas através da imprensa, meio utilizado

como formador de opinião. Sentiam-se os porta-vozes de um Brasil moderno, que

deveria sair do atraso no qual se encontrava há séculos. Esses intelectuais

defendiam uma escola laica e científica gerando um desconforto com a Igreja que

nesse momento separava-se do Estado. Para os intelectuais, a modernidade estava

atrelada ao ensino.

Os intelectuais segundo Vieira (In: OLIVEIRA, 2007, pág. 22) assumiram

uma identidade definida como grupo social não apenas pelas trajetórias de formação

e/ou de produção literárias, científicas ou poéticas, mas também, pelo envolvimento

nas questões públicas.

Euclides da Cunha era um desses intelectuais que refletindo sobre o

massacre de Canudos identifica o distanciamento entre o litoral “civilização

intelectualizada e moderna” e o Sertão “os que estavam à margem da sociedade da

época – os sertanejos”. Com Euclides da Cunha, temos um relato muito próximo do

real, ou seja, daquilo que o escritor entendia como real no modelo de sociedade na

qual estava inserido, embora imbuído de uma forte característica positivista e

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etnográfica, modelos esses, muito aceitos no mundo científico no final do Século

XIX.

Euclides da Cunha, ao contar o que foi a Guerra de Canudos, mostrava as

cicatrizes de um país dividido. Expunha o quadro de uma sociedade que

concentrava o poder político e econômico nas elites litorâneas. Para ele, todas as

populações do interior eram concebidas como os sedimentos básicos da nação. Era

um visionário e, segundo Bosi (In: TUFANO,1993, p.223), “É moderna em Euclides a

ânsia de ir além dos esquemas e desvendar o mistério da terra e do homem

brasileiro com as armas todas da ciência e da sensibilidade”.

Euclides era um homem envolvido com as causas sociais de seu tempo e

sempre defendeu a República, mas chegou a afirmar que a República como estava

sendo implantada, desmoralizara a História do Brasil, pois era o avesso daquilo que

ele sonhara. Ele nunca ocultou o desprezo sem limites que nutria pelo regime

oligárquico que ascendeu com a República. Ao relatar a Guerra de Canudos ele

mostrou as cicatrizes de um país que não conhecia a imensidão do seu território e o

povo que nele vivia. Éramos um país dividido, atrasado, que desconhecia sua

própria gente, sua cultura e sem identidade nacional.

Utilizar a obra literária de Euclides da Cunha nos remete a uma discussão

bem mais interessante, ampla e leva os alunos para uma viagem pela História, pela

cultura, pela formação da nacionalidade brasileira e promove o gosto pela leitura

corroborando para um melhor entendimento da obra literária e a sua relação com o

contexto da época em que a mesma foi escrita. Promove o entendimento da obra de

forma mais abrangente, rica colaborando para o desenvolvimento do senso crítico

nos alunos. Tanto a História como a Literatura, além de se complementarem, serão

vistas e entendidas de forma significativa pelos mesmos.

Enfim, espera-se que este artigo instigue inquietações e discussões que

consideramos importantes para serem refletidas pelos professores em geral e pelos

professores de História em particular. Entendemos que os conceitos elencados e

analisados neste texto corroboram para os professores refletirem sobre suas

práticas e propiciam inquietações e entendimentos para os mesmos.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA COM PROFESSORES

Na aplicação prática do material construído e direcionado aos professores

de História, ao analisar com os mesmos as possibilidades de trabalhar a disciplina,

buscando na literatura uma fonte possível para discussão do conteúdo em um

determinado contexto histórico, pude inferir que foram profícuos e positivos os

debates gerados. Foram discussões calorosas sobre a obra de Euclides da Cunha

em que dois professores que já haviam lido a obra “Os Sertões” levantaram várias

discussões sobre o aspecto geográfico do sertão e da caatinga, do meio difícil onde

os sertanejos, junto com Antônio Conselheiro foram se refugiar e construir o arraial

de Canudos. Refletiram sobre a questão do casamento civil, um dos motivos de

revolta de Conselheiro pelo fato dos republicanos terem instituído os cartórios e o

casamento civil passou a ser cobrado pelos mesmos. Também fizeram inferências

sobre o exército brasileiro, com seu completo desconhecimento do sertão e do

sertanejo o que causou um desgaste e um número muito grande de mortes.

Levantaram questões sobre a formação da nação brasileira, o messianismo, o líder

Antonio Conselheiro, entre outros.

Em cada encontro que tivemos fiz o papel de mediadora dos debates e fui

integrando, aos conhecimentos dos professores, as informações que obtive com a

leitura da obra de Euclides da Cunha e dos conceitos trabalhados nesse artigo. O

envolvimento dos professores foi gratificante pois, do receio inicial de como

entenderiam a proposta do Caderno Temático, passou-se naturalmente para

discussões ricas e cheias de considerações sobre a obra e o contexto do Brasil

nesse período da nossa história. O Caderno Temático, segundo eles está rico e

bastante didático e que auxiliará tanto professores de História e Literatura como de

outras áreas por não ter se limitado só à discussão da obra literária e sim de

conceitos que remetem a reflexões para a escola comum toda.

Também manifestaram críticas ao sistema escolar que acaba por dificultar

um trabalho mais denso e rico para os alunos. Levantaram questões sobre a escola,

sua organização e o próprio descompromisso de muitos professores por não se

atualizarem e refletirem sobre o currículo e não estarem atentos a outras leituras

para enriquecer seu vocabulário e seu conhecimento. Manifestaram certo

descontentamento inferindo que a SEED/PR, nas décadas de 1990 e 2000, vem

direcionando os professores, ora para adotar uma teoria, ora para outra; ora para

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uma metodologia, ora para outra. Isso, segundo eles, vem tirando aos poucos a

autonomia do professor e essas ações nem sempre estão sendo pensadas com o

devido rigor metodológico. Segundo eles, a “Secretaria” (aspas nossas) desconhece

boa parte do dia a dia das escolas, ou seja, as especificidades de cada uma, e que

estão intimamente ligadas às propostas pedagógicas que são definidas para as

mesmas. Fazem críticas também aos Governos que não estão atendendo como

deveriam a sociedade e que em função disso muitas outras demandas estão sendo

solicitadas para as escolas o que descaracteriza o ofício de ensinar. O professor, por

sua vez, sente-se desvalorizado e desmotivado para exercer seu papel – o de

educador. Segundo eles, há muita descontinuidade e fragmentação no processo

educativo. Entendem que a sociedade, e nela a família, devem assumir sua mea

culpa e resgatar seu verdadeiro papel de incutir nos seus filhos os valores

necessários para uma boa relação e convivência social. A escola, por sua vez,

buscar resgatar o ensino dos conteúdos escolares e da cultura geral que é o seu

verdadeiro papel.

Também se manifestaram no sentido de que não existem mudanças

significativas na escola, nem na prática dos professores, nem no aprendizado dos

alunos. Existe um aparato tecnológico em todas as escolas públicas paranaenses,

porém, a utilização desse aparato ainda é muito tímida e quando usados, pouco ou

quase nada de criatividade aparece. O método, ah, o método! Os professores

trocam a lousa pela tecnologia, mas o método continua o mesmo. Poucos

professores inovam e desenvolvem aulas mais interessantes, dinâmicas e

significativas para os alunos.

Neste sentido, fica muito difícil pensar uma escola criadora como nos coloca

Gramsci, e mais difícil ainda pensar uma escola que possibilite formar intelectuais

orgânicos.

O currículo é a vida da escola, é no qual os professores fazem suas

análises sobre sua disciplina identificando àquilo que é importante para o aluno

aprender. Ele não pode ser estanque, não pode estar desconectado das outras

áreas do conhecimento, deve ter um mínimo de continuidade e o compromisso de,

efetivamente, promover a aprendizagem. Do contrário, ficará engavetado, sem valor

pedagógico algum. O que são os planos de aula se não tiverem envolvimento do

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professor na sua confecção? Provavelmente não serão sequer utilizados, e só serão

confeccionados para serem entregues à supervisão no início do ano letivo.

O professor precisa de uma formação densa, muita leitura, informação. Não

pode ministrar aulas por ministrar, precisa de formação e se identificar com o ofício

de educar, pois só assim buscará novos métodos, novas fontes novos

conhecimentos.

Os professores envolvidos nas discussões do Caderno Temático

entenderam a proposta que lhes foi apresentada, gostaram do material e sentem

que muito ainda deve ser feito para os professores chegarem a esse nível de

abstração e entendimento. Perceberam o quanto o currículo é importante para um

ensino crítico e que é importante entenderem muito bem o conceito de

interdisciplinaridade para desenvolverem práticas mais interessantes em sala de

aula, munindo-se de outras fontes como a Literatura por exemplo.

RELATO DE EXPERIÊNCIA COM ALUNOS

Narro aqui três experiências que foram desenvolvidas, num curto espaço de

tempo, nas escolas em que trabalhei até maio de 2009 utilizando os conhecimentos

que obtive na pesquisa do PDE. Embora o público definido para discutir o Caderno

Temático foram os professores, percebi nas minhas aulas o quanto eu tinha para

falar e discutir com meus alunos sobre os conhecimentos adquiridos com a pesquisa

e confecção do referido caderno. Portanto, não me contive em ficar só com a análise

e discussão com os professores e coloquei em prática também com os alunos.

Imbuída de uma leitura crítica da obra “Os Sertões” de Euclides da Cunha

adquiri um conhecimento amplo sobre a Guerra de Canudos, sobre nacionalismo,

modernidade, sertão, sertanejos, tempo, espaço, cultura, sociedade brasileira,

identidade, entre outros.

Trabalhando com grupos e séries distintas - 8ªs séries do Ensino

Fundamental e 2ºs anos do Ensino Médio, pude colocar em prática minhas leituras

com os conteúdos que estavam sendo trabalhados. Nas 8ªs séries, trabalhando com

o conteúdo sobre a Primeira República pude inferir sobre as classes médias, os

representantes da nação, o nacionalismo, as oligarquias locais – o Coronelismo, tão

marcantes na obra de Euclides da Cunha. No próprio livro didático, utilizado na

escola, havia um texto sobre o Coronelismo e remetia ao livro de Euclides da Cunha.

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Mostrei para os alunos a importância da literatura como possibilidade de conhecer

melhor nossa história. Falei da obra de Euclides da Cunha e como ele, embora

muito ligado às elites que viviam no Rio de Janeiro - Capital da República, conseguiu

perceber a marginalização do povo do sertão, o poder dos Coronéis e como sua

narrativa na obra “Os Sertões” é rica de informações sobre o agreste bahiano, sobre

o homem sertanejo e sobre a luta de um dos mais sangrentos conflitos que o Brasil

já presenciou. Para finalizar e avaliar o conteúdo trabalhado utilizei um vídeo da TV

Escola sobre o assunto tratado e solicitei que escrevessem um texto buscando

informações no livro, no texto lido e no filme que lhes foi apresentado sobre a

Primeira República. Os textos produzidos pelos alunos foram rediscutidos em sala

enriquecendo ainda mais o conteúdo sobre os primeiros anos do Brasil republicano.

Houve envolvimento dos alunos pois, além do estímulo para construção dos textos,

fiz também avaliação oral das discussões em sala o que exigiu envolvimento e

estudo dos mesmos.

Nos 2ºs anos do Ensino Médio, nas aulas de Sociologia, discutíamos a

diversidade cultural brasileira e a necessidade de uma identidade nacional, também

bastante enfocada na obra de Euclides de Cunha. Pude dialogar com os alunos e

fazer boas discussões sobre a obra “Os Sertões” em que o autor discute sobre o

verdadeiro representante da nação, que para ele era o sertanejo, pois se

reconheciam como parte da nação e lutavam para garantir seu espaço naquela terra

que decidiram viver. Euclides reconheceu a diversidade do povo brasileiro e

percebeu que o Brasil não era só o litoral onde se encontrava a Capital da

República, mas que no sertão se encontravam os legítimos representantes da

nação. Entrei nas questões do nacionalismo e inquiri sobre o porquê de muitos não

gostarem, por exemplo, de cantar o Hino Nacional, ou mesmo usar camisetas com

estampas da Bandeira Nacional como forma de demonstrar o amor pela pátria,

enfatizando que isso também nos identifica como cidadãos conscientes e envolvidos

com as causas da nação; que não é só a língua falada que nos une como nação,

necessitamos nos identificar com tudo o que dela emana para exercermos a

cidadania plena; que a identidade nacional nos fortalece enquanto nação e dá

credibilidade perante as outras. Para ampliar a discussão solicitei que fizessem uma

redação sobre nacionalismo e identidade nacional para avaliar tudo o que havia sido

analisado e discutido em sala. Retomei as redações em sala com um grande debate

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em forma de seminário levantando as falas que haviam sido colocadas nos textos. A

discussão foi rica e esclarecedora pois levantaram outras questões como: auto

estima, valorização pessoal, preconceito, corrupção, falta de perspectivas, entre

outros, percebendo como isso é parte importante do sentimento de pertencimento ao

grupo e a sociedade na qual estão inseridos.

Nos 2ºs anos do Ensino Médio, agora com a disciplina de História,

trabalhávamos o conteúdo sobre a formação das Monarquias Nacionais Européias e

novamente pude fazer inferências sobre nacionalismo, nação e identidade nacional.

Trabalhamos com o artigo “Uma palavra instável (Nacionalismo)” do crítico literário

Antonio Cândido , cujo endereço para localizá-lo na internet estava referenciado no

próprio livro didático dos alunos. Busquei o artigo, repassei aos alunos e solicitei que

fizessem a leitura e interpretação do texto para avaliação do conteúdo trabalhado.

Fiquei feliz, gratificada e com o sentimento de missão cumprida quando duas

alunas solicitaram para que eu emprestasse o livro de Euclides da Cunha para elas

lerem. Acredito que foi a forma como me reportei à obra que estimulou a vontade

das alunas para a leitura. Isso fez lembrar àquilo que coloquei logo no início deste

artigo, ou seja, a frustração por não ter sido estimulada para ler e perceber a

grandiosidade das obras literárias nos meus tempos de colegial e perdi um tempo

precioso de compreender melhor a história e a cultura do povo brasileiro.

CONCLUSÃO

Essas experiências mostraram que é fundamental para o professor de

História ter um conhecimento amplo da sua disciplina e fazer as interrelações

possíveis com as outras áreas do conhecimento para a formação crítica dos alunos.

Mostraram também que existem caminhos diferentes, com utilização de outras

fontes para o entendimento da História. A narrativa literária é um desses caminhos e

uma fonte que foi largamente discutida e analisada nesse artigo com o intuito de

mostrar como ela pode ser utilizada nas aulas de História e como se torna

gratificante e enriquecedor para professores e alunos essa análise e discussão.

Esta pesquisa confirmou a idéia de que a narrativa literária é uma fonte

profícua para o entendimento do contexto histórico e corrobora para o entendimento

da História por caminhos menos lineares que merecem ser experienciados por

professores e alunos. A receptividade dos professores, reconhecendo o material

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apresentado como muito útil para uso em sala de aula nos dá a certeza de estarmos

trilhando um caminho diferente, mas que bem entendido e aceito, legitima toda a

discussão que foi desenvolvida com os mesmos. Comprovou-se que é possível,

adotar novas fontes para ensinar História e que fica muito mais interessante quando

buscamos fazer a interdisciplinaridade dos conhecimentos percebendo que essa

divisão das disciplinas, como nos fala Japiassu (1976) é uma patologia do saber, um

mal a ser combatido.

Tanto os professores como os alunos perceberam a importância e a

necessidade dos conteúdos serem analisados e explicados de forma interdisciplinar

e como isso enriquece os mesmos corroborando para um melhor entendimento dos

conteúdos curriculares.

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