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A MÚSICA NA RODINHA: UM RECURSO DIDÁTICO DE SOCIALIZAÇÃO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Amanda Alves Vieira
Paloma Felício Monteiro Maria Cristina Lemes de Souza Costa
Luciene de Oliveira Dias [email protected]
[email protected] Universidade Federal de Uberlândia
Comunicação – Relato de Experiência
Resumo: Neste texto apresentamos um momento da rotina da Escola de Educação Infantil Maria Pacheco Rezende, denominado rodinha, e que tem a música como elemento central. A partir da identificação de seus objetivos e funções apresentamos parte do repertório musical selecionado pelas professoras1 para esse momento e como as músicas são trabalhadas por elas com as crianças. Por fim, relatamos uma proposta de oficina de música voltada para professores da referida escola, que não têm formação específica em música, objetivando musicalizar-lhes e dar-lhes suporte para o desenvolvimento de seu trabalho com música na sala de aula. As reflexões e ações dessa proposta fundamentam-se nos princípios do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998).
Introdução:
Em outubro de 2012 iniciamos, como bolsistas do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência, um projeto de observação na Escola Municipal de
Educação Infantil (EMEI) Maria Pacheco Rezende. Objetivando conhecer a escola, sua
comunidade e sua rotina, especialmente no que tange à presença da música na escola,
acompanhamos as aulas de turmas de crianças de 2 anos e também as diversas
atividades do cotidiano escolar daquela EMEI nos turnos da manhã e da tarde
supervisionados e orientados por uma professora da escola.
A escola não possui nenhum professor especialista em música, porém,
observamos que a música permeia, de forma significativa, a maioria das atividades
realizadas com as crianças. Ela é utilizada para trabalhar os conteúdos que estão
relacionados a aspectos como: identidade e autonomia, conhecimento de mundo,
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O gênero feminino será usado na maioria desse texto quando nos referirmos a professora, pois o
trabalho de observação foi feito apenas com professoras embora na escola observada haja também
professores do sexo masculino atuando na educação infantil.
movimento, expressividade, coordenação e equilíbrio, linguagem oral e escrita, natureza
e sociedade, pensamento lógico-matemático, artes visuais e, a própria música, como
consta na proposta curricular para a educação infantil da EMEI Maria Pacheco Rezende
(ano??), que, por sua vez, toma como base o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (1998).
Para esta comunicação selecionamos, dentre os aspectos observados, a utilização
da música na atividade designada por rodinha e que é realizada rotineiramente em todos
os inícios de aula na EMEI. A observação teve como objetivos identificar como a
música é inserida nesse momento; que músicas compõem o repertório da rodinha; como
as professoras trabalham com a música; quais são os aspectos musicais enfocados e;
quais os desafios na realização desse trabalho pelo fato das professoras não terem
formação específica para ele..
De acordo com Eisenberg e Carvalho (2011), “o valor dado à criança, seu papel
na sociedade e o que se entende por infância sofreram alterações através dos
séculos.”(p.1), Antes a criança era pensada como um adulto em miniatura e hoje a
criança possui uma cultura diferente da cultura dos adultos. A infância nos tempos
modernos é vista como “um longo processo gradual de desenvolvimento e aprendizado”
(p.1). Nesse processo a música tem um papel significativo.
A cantiga de roda que antes era praticada por adultos e crianças hoje ocupa um
lugar de destaque na educação infantil, pois na vida fora da escola quase não se vê
crianças brincando de roda.
. De acordo com Maffioletti apud Eisenberg e Carvalho,(2011, p.2), a música na
educação infantil auxilia na construção de laços afetivos com as crianças e também
oferece um pouco de sua própria cultura, fazendo com que ela se relacione com a
comunidade e construa novos laços.
Pimentel e Pimentel apud Eisenberg e Carvalho (2011), falam sobre a
importância das cantigas de roda, pois, através delas a criança desenvolve a
“socialização, capacidade de liderança, iniciativa, raciocínio rápido, e esperteza” (p.2).
De acordo com as menções acima percebe-se que a música tem papel importante
na educação infantil. Entretanto, a falta do professor de música na escola faz com que
ela seja usada, na maioria das vezes, na rotina da escola, somente como ferramenta para
a realização de atividades extra musicais com as crianças.
Por outro lado, o caráter de ludicidade e prazer proporcionados pela música possibilita a
exploração de aspectos específicos da linguagem musical que desenvolvem na criança
as percepções e o gosto pela música. Alguns desses aspectos específicos que podem ser
vivenciados pelas crianças na escola são: a escuta ativa, o improviso, a criação e a
experimentação e também a exploração de instrumentos musicais. (Brito apud
Eisenberg e Carvalho, 2011). Assim, a exploração da linguagem musical pode ser
bastante rica e proveitosa no desenvolvimento da criança quando orientada de forma
adequada, ou seja, respeitando o seu contexto cultural e possibilitando a expressão da
criança por meio dessa linguagem de forma autônoma e criativa.
1)A prática da rodinha na EMEI Maria Pacheco Rezende
A primeira função da rodinha é de recepção e acolhimento das crianças. Ela
estabelece o início da aula e cria um ambiente propício às atividades elaboradas pela
professora, fazendo com que os alunos “entrem no clima da aula”.
É assim que as crianças são convidadas ao ambiente e às atividades da escola, que é
diferente de sua casa, do ambiente externo e dos outros lugares de sua convivência.
O segundo momento da rodinha é o momento em que a professora conversa com as
crianças sobre variados assuntos do cotidiano e cantam co as crianças.
Quando falamos sobre a rodinha, nos remetemos ao momento dentro da rotina
da escola em que observamos a presença invariável da música. Geralmente as
professoras cantam com as crianças canções de cumprimento para desejarem “Bom
dia”, “Boa tarde”, canções que têm função de comando ou que objetivam apresentar
uma história a ser trabalhada, canções para datas comemorativas, como por exemplo:
páscoa, natal, festa junina, ou que almejam estimular a concentração e a prática de
cantar.
Exemplo de músicas trabalhadas nas rodinhas da EMEI Maria Pacheco
Rezende:
Boa tarde como vai você? Meu amigo como é Bom dia coleguinha de volta a escola estou! bom te ver! Palma, palma, mão com mão. Deixei a mamãe em casa, seu amigo agora sou! Agora um abraço de coração. Palma, palma, palma, pé, pé, pé, roda, roda, Nossa escola alegre éh, éh, éh.! Figura 1: Retirada do livro Pirralhada de Thelma Chan e Thelmo Cruz, 2002 Figura 2: Paródia ouvida na escola. Transcrição e editoração: Paulo Valadão
Para ouvir o som do mosquitinho, O sapo não lava o pé, não lava porque não E as batidas do meu coraçãozinho, quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé Pego a chavinha e tranco a boquinha, porque não quer, mas que chulé! hum, hum, hum . . . Figura 3: Canção ouvida na escola. Transcrição Figura 4: Canção folclórica. Transcrição e e editoração: Paulo Valadão editoração: Paulo Valadão
Observa-se nas letras das músicas que são cantadas na rodinha e que citamos
aqui como exemplo, que elas remetem ao ritual de cumprimento, à regras de
comportamento como fazer silêncio, ou de higiene como lavar os pés. Referem-se
também à socialização e à amizade, enfatizando conceitos e valores sociais. Nota-se
também o uso frequente de paródias para a construção musical. Aproveita-se uma
música conhecida e substitui sua letra por outra, contendo elementos que se intenciona
trabalhar com as crianças. Entretanto, observamos que aspectos como afinação, ritmo,
contorno melódico, dentre outros da linguagem musical não são explorados.
Nas observações percebemos que esses aspectos são deixados de lado pelas
professoras, não por desleixo ou falta de vontade, mas pelo fato de não estarem
preparadas para o ensino desse conteúdo específico, a música. A falta de um professor
especializado faz com que esses fatores passem despercebidos na educação infantil. Isso
pode ser detectado também observando a extensão das melodias das canções escolhidas,
pela tonalidade das mesmas, pelos arranjos e gravações usados para apreciação com as
crianças , e também pelos conteúdos das letras das canções.
2) Alguns objetivos da rodinha de acordo com a professora supervisora
A rodinha é considerada um momento único no dia, pois é nesse momento que a
professora consegue ter um olhar diferenciado para cada criança, respeitando sua
individualidade. É na rodinha que as crianças se expressam livremente criando um
momento riquíssimo de oportunidades de conhecimento e desenvolvimento integral. As
crianças e a professora exploram saberes e fazeres, trocam ideias, vivenciam os
conflitos que existem entre as crianças e buscam coletivamente as soluções.
Os objetivos principais são: a) estabelecer combinados no grupo; b) desenvolver
a identidade e a autonomia; c) comunicar-se por meio de gestos e sons, d) representar
determinado papel nas brincadeiras desenvolvendo a imaginação; e) estimular a
socialização, cooperação, a autonomia de pensar e agir, o respeito e o desenvolvimento
do saber ouvir e falar; e) desenvolver a ludicidade por meio de cantigas e músicas
infantis; f) explorar a expressão gestual..
A música na educação infantil tem sido, portanto, utilizada para atender a vários
propósitos como: formação de hábitos, atitudes e comportamentos, ensinamento de
conceitos, e também como pano de fundo nos momentos de lazer, descontração e
descanso.
3) Desafios encontrados pelas professores no uso da música na rodinha
De acordo com as observações do grupo e relatos de professoras da EMEI
Maria Pacheco Rezende, algumas enfrentam dificuldades com a utilização da música
em alguns aspectos específicos como por exemplo: na afinação, na entonação, na
execução do ritmo e manutenção da pulsação, na coordenação motora e dissociação
entre a execução musical e a expressão gestual, que geralmente acompanha as canções
na educação infantil.
A afinação e a entonação para a maioria das professoras é um desafio muito
grande e às vezes se torna um problema Frequentemente, por elas não terem uma
referência de altura ou auxilio de um instrumento harmônico ou melódico à disposição,
cantam fora do tom, ou em uma região desapropriada para a tessitura das crianças, que
nessa faixa etária estão com a voz em um registro mais agudo. As professoras, por sua
vez, cantam na rodinha em um tom que lhes é confortável e que geralmente é
inadequado para as crianças ocasionando problemas de afinação.
A criança aprende por imitação e tem a professora como modelo nessas
atividades, portanto a execução precisa e acurada, tanto melódica quanto rítmica da
professora é muito importante.
Em alguns casos mais graves a prática regular de cantar canções em tonalidades
inadequadas tanto para as professoras quanto para as crianças pode provocar fendas ou
calos nas cordas vocais delas. Além disso, existem crianças que têm uma vivência
musical mais sistemática fora da escola, são mais afinadas ou já possuem uma
percepção musical mais acurada e desenvolvida do que as outras crianças e percebem
que suas professoras estão cantando de maneira inadequada e acabam corrigindo-os.
Outro aspecto observado é a questão do andamento das músicas e a coordenação
motora, pois, na maioria das músicas cantadas na rodinha as crianças não ficam
paradas. Elas batem palmas, batem os pés e fazem gestos que as professoras propõem,
mas muitas vezes as próprias professoras não têm segurança de realizar essas várias
ações simultâneas sem prejudicar alguma delas, como por exemplo, o andamento, a
afinação e a coordenação de ambos com os gestos.
4) Possibilidades de contribuição para o desenvolvimento musical do professor
Foi pensando nas dificuldades relatadas pelas professoras que elaboramos
algumas propostas para ajudar no desenvolvimento musical delas. Tais sugestões podem
ser aplicadas por qualquer profissional que não tenha formação sistemática específica na
área de música.
Primeiramente construímos alguns instrumentos de materiais recicláveis para
serem usados na escola, a fim de melhorar os recursos dos professores e deixar em suas
mãos, meios fáceis e práticos para que eles mesmos possam construir novos
instrumentos. Os instrumentos construídos por nós foram tambores, chocalhos, flautas,
pau-de-chuva, flauta de pan e violões.
Em seguida iniciamos a realização de oficinas individuais para todos os
professores da escola que se interessasse por um desenvolvimento musical para
contribuir em suas realizações dentro de sala com as crianças. Nestas oficinas
preparamos atividades musicais simples para serem aplicadas com os instrumentos
construídos.
A primeira delas denominamos de História para sonorizar e tem como
objetivos: estimular a percepção auditiva; improvisar; desenvolver a atenção e
identificação de timbres; despertar a criatividade; promover a interação e a socialização.
Realização:
Apresentar os instrumentos musicais, associar com os sons da natureza e criar
uma história com os instrumentos. Por exemplo:
O sítio da vovó Guida .
Vovó Guida vivia num sítio. Ela achava tudo ali muito silencioso e monótono. Não
havia muitos animais. Ouviam-se apenas o gorjeio dos passarinhos (flautas) e o
barulho das águas do riacho (pau-de-chuva). Às vezes ouvia-se também o barulho do
vento nas árvores (assopro). Tudo era muito tranquilo...
Criação: Maísa Alves
O professor poderá fazer vários sons com flautas diferentes, pau de chuva e
chocalhos, para criar um clima de sítio. Solicitará também às crianças que façam a
sonorização com sons dos instrumentos disponíveis e/ou com sons do próprio corpo.
A segunda atividade intitulamos Trabalhando altura, intensidade, timbre e
duração. Seus objetivos são: estimular a expressão corporal e a criatividade;
diferenciar timbres; identificar sons; classificar os parâmetros do som (altura, timbre,
intensidade e duração); estimular a memória musical.
Realização:
As crianças ficam em círculo. O professor toca o tambor e as crianças repetem o gesto.
Em seguida, o professor toca simultaneamente no tambor, variando a velocidade para
que os alunos possam acompanhar as mudanças de velocidade das batidas com palmas,
estalos, batidas de pés etc..
Variação da atividade:
Uma batida = Pular
Duas batidas = Estátua
Três batidas = Palmas
A terceira atividade, Obedecer ao som e ao ritmo, pode ser realizada na seguinte ordem:
1. As crianças, em pé, formam um círculo.
2. Ao som do tambor, marcham de acordo com a velocidade dada pelo professor.
3. Ao som do chocalho, batem palmas de acordo com a velocidade apresentada.
4. Cantam uma melodia conhecida fazendo o acompanhamento com algum instrumento.
5. Cantam substituindo algumas palavras por batidas no tambor.
Essas atividades podem ser realizadas com crianças de diferentes faixas etárias
e os instrumentos podem ser substituídos por objetos sonoros que os professores
tiverem disponíveis na escola, possibilitando assim a realização em contextos
diversificados.
5) Considerações finais
Ao observar o cotidiano da EMEI pudemos constatar a presença da música de
forma regular, especialmente na rodinha. Entretanto, seu uso fica restrito à reprodução
de canções cantadas pelas professoras ou apresentadas às crianças por meio de
gravações. A exploração da linguagem musical como forma de expressão e
conhecimento fica relegada a segundo plano.
O uso de paródias, ao mesmo tempo que possibilita a inserção de textos relativos
aos conhecimentos e conceitos que as professoras querem trabalhar, também limita a
possibilidade de construção de um repertório musical mais diversificado e culturalmente
rico.
A formação musical dos professores que trabalham na educação infantil é, a
nosso ver, uma necessidade, já que utilizam a música como ferramenta de ensino em
suas aulas diariamente.
Esperamos que esse trabalho possa contribuir com os professores de educação
infantil, no sentido de ressaltar o potencial que a música tem no processo de ensino
aprendizagem quando explorada como linguagem e forma de expressão. Além disso,
estimulá-los a se desenvolverem musicalmente, enriquecendo suas possibilidades de
trabalho na sala de aula.
6) Referências bibliográficas
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental, (1998). Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, v. 3.
CHAN, Thelma; CRUZ, Thelmo. Pirralhada. Jogos e canções para a educação infantil. São Paulo: Via Cultura Edições Musicais, 2002.
EINSENBERG, Z. W. ; CARVALHO. M. C. M. P. A educação das crianças e as
músicas infantis. 2011. Disponível em: <http://www.anped.org.br/app/webroot/34reuniao/images/trabalhos/GT24/GT24-36%20int.pdf> Acesso em: 4 Jun. 2013.
PROPOSTA,Curricular para a educação infantil da EMEI Maria Pacheco Rezende. Documento não publicado, 2006.