a multimodalidade no ensino de português como segunda língua

200
Universidade de Brasília UnB Instituto de Letras- IL Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas LIP Programa de Pós-Graduação em Linguística PPGL Janaína de Aquino Ferraz Brasília-DF 2011 A Multimodalidade no Ensino de Português como Segunda Língua: novas perspectivas discursivas críticas

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  • Universidade de Braslia UnB

    Instituto de Letras- IL

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas

    LIP

    Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL

    Janana de Aquino Ferraz

    Braslia-DF

    2011

    A Multimodalidade no Ensino de Portugus

    como Segunda Lngua: novas perspectivas

    discursivas crticas

  • Universidade de Braslia UnB

    Instituto de Letras- IL

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas

    LIP

    Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL

    Janana de Aquino Ferraz

    A Multimodalidade no Ensino de Portugus como

    Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas

    crticas

    Braslia, DF

    2011

  • Universidade de Braslia UnB

    Instituto de Letras- IL

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas LIP

    Programa de Ps-Graduao em Lingustica PPGL

    Janana de Aquino Ferraz

    A Multimodalidade no Ensino de Portugus como Segunda

    Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    Orientadora: Professora Doutora Josenia Antunes Vieira

    Braslia-DF

    2011

    Tese apresentada como requisito

    parcial para obteno do ttulo de

    Doutor em Lingustica Banca

    Examinadora do Programa de Ps-

    Graduao em Lingustica da

    Universidade de Braslia

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus como Segunda Lngua:

    novas perspectivas discursivas crticas

    Janana de Aquino Ferraz

    BANCA EXAMINADORA

    ..................................................................................

    Professora Doutora Josenia Antunes Vieira (Orientadora)

    ..................................................................................

    Professora Doutora Aparecida Regina Borges Sellan (Membro Externo)

    ..................................................................................

    Professora Doutora Elizete de Azevedo Kreutz (Membro Externo)

    ..................................................................................

    Professora Doutora Maria Luisa Ortz Alvarez (Membro Externo)

    ..................................................................................

    Professora Doutora Edna Cristina Muniz da Silva (Membro Interno)

    .................................................................................

    Professora Doutora Francisca Cordlia Oliveira da Silva (Suplente)

    ..................................................................................

  • Aos meus queridos pais, Humberto e Josenilda.

    Ao meu amado marido, Rafael.

    s minhas lindas filhas, Juliana e

    Carolina.

  • AGRADECIMENTOS

    Vou iniciar a tarefa de agradecer por aqueles que me guiaram at esse ponto, os

    primeiros orientadores da minha vida: meus pais, Humberto e Josenilda, ou como hoje

    so mais conhecidos v Aquino e v J, j que nos ltimos 13 anos esses vocativos

    tm sido os mais constantes. Cada um deles foi meu mestre em aspectos que hoje

    marcam grande parte de quem sou. Meu pai, na alegria e no gosto pelas letras, minha

    me, na dedicao e na persistncia pela busca de meus objetivos, nesse ponto ressalto o

    quanto devo a ela no s meu ingresso na vida acadmica, mas a progresso nesta

    tambm. Foram esses primeiros orientadores que me mostraram a importncia dos

    estudos e a eles que dedico toda reverncia mais que merecida.

    Agradeo tambm com especial reverncia orientadora com que o ingresso na

    Universidade de Braslia no primeiro vestibular de 1998 me agraciou, Professora

    Doutora Josenia Antunes Vieira, que no vem somente me acompanhando nessa

    trajetria de 13 anos na vida acadmica, mas que vem VIVENCIANDO comigo cada

    um dos momentos mais importantes de minha carreira desde o convite para o primeiro

    PIBIC (foram trs ao todo), a formatura na GRADUAO, o MESTRADO, o

    DOUTORADO e mais recentemente o ingresso como DOCENTE na UnB. A ela devo

    outra parte de quem sou, a docente pesquisadora. ela a quem, com muito orgulho,

    chamo de me acadmica.

    Agradeo aos professores e s professoras da Universidade de Braslia, muitos

    hoje a quem tenho a honra de chamar de colegas e que em muito contriburam para

    minha formao crtica.

    Agradeo aos membros da banca, o olhar crtico e colaborativo que garante a

    excelncia desta tese.

    Agradeo equipe das secretarias do LIP, do PPGL e de Letras UAB/UnB:

    Humberto, Luis Henrique, Renata, ngela, Ana Marta, Naiane e Carolina, que por

    vrias vezes presenciaram os momentos prvios defesa e ofereceram seu apoio.

    Agradeo s amigas e aos amigos com quem venho compartilhando os

    momentos de estudo, de alegria, de tristeza, de dvida, de crises... sem essas pessoas,

  • essa caminhada seria muito mais penosa: Harrison da Rocha (irmo de alma), Cordlia

    Oliveira, Marcia Niederauer, Flvia Castro, Edna Cristina, Ormezinda M. Ribeiro

    Aya, Mrcio Andrbio, Eni A. Batista, Joana Ormundo, Carolina Andrade, Flvia M.

    Pires.

    Agradeo s minhas irms e irmo de corao: Patrcia Maria Jacob Pereira,

    Marcela da Silva Amaral Cavalvanti e Leandro Dias Carneiro Rodrigues que desde a

    graduao revelaram-se verdadeiros companheiros.

    Agradeo aos meus familiares: meus sogros, Garivaldino e Leda, minha cunhada

    Ana Paula Ferraz, minha prima querida, Alessandra Saraiva Monteiro a mana, meu

    irmo, rico Aquino, pelo apoio moral e logstico durante esse perodo.

    Agradeo ESPECIALMENTE ao meu amado marido, Rafael Cardoso Ferraz,

    que vem trilhando ao meu lado nos ltimos 15 anos uma linda trajetria de vida, sempre

    me apoiando, sempre me mostrando toda sua capacidade de compreenso nos

    momentos de ausncia, de noites em claro, de mau humor, e que NUNCA me deixou

    esmorecer diante dos desafios que se apresentavam. A voc todo meu amor!

    Agradeo tambm de forma ESPECIAL s minhas duas princesinhas: Juliana,

    com sua ternura e tranquilidade, que em muito me inspiram, e Carolina, com sua

    tagarelice contagiante em forma de um sorriso banguela que me faz ganhar o dia. Elas,

    que mesmo privadas de minha presena, em muitos momentos, jamais deixaram de me

    dedicar carinho, de me proporcionar alegrias e de me dar a fora necessria para vencer

    etapa a etapa dessa fase de doutoramento.

    Agradeo, finalmente, a Deus, pelo dom da vida, pela fora e pelo presente

    concedido a mim e que base de uma existncia feliz: minha famlia.

  • Nenhum trabalho de qualidade pode ser feito sem concentrao e auto-

    -sacrifcio, esforo e dvida.

    Max Beerbohm

    http://pensador.uol.com.br/autor/max_beerbohm/

  • RESUMO

    Frente ao constante surgimento de novas tecnologias digitais e ressemiotizao de

    diferentes modalidades da linguagem, esta tese tem como objetivo investigar como a

    lgica organizacional de diferentes mdias pode ser fator determinante para o ensino de

    portugus do Brasil como segunda lngua seja para estrangeiros, seja para indgenas,

    seja para surdos. Neste estudo, defendo a tese de que a sistematizao de trabalho

    multimodal na composio de materiais didticos pode favorecer a abordagem

    crtica de diferentes modalidades lingusticas normalmente empregadas no ensino

    de portugus como segunda lngua. O corpus de pesquisa formado por mdias

    digitais: um CD-ROM, uma unidade didtica e dois sites. A pesquisa de orientao

    qualitativa (BAUER & GASKELL, 2003), privilegiou a interpretao e a

    reinterpretao dos dados. A anlise desse corpus guiou-se por trs questes de

    pesquisa: Como so apresentados os sentidos em mdias constitudas por mais de uma

    modalidade discursiva? Como o ensino de portugus como segunda lngua pode ser

    favorecido por diferentes mdias? Como a teoria da multimodalidade pode guiar a

    seleo e a composio de tarefas para o ensino de segunda lngua. A base terica da

    pesquisa centrou-se na Anlise de Discurso Crtica (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2006)

    que, desde suas origens, j mostrava abertura para investigao cientfica de outros

    modos semiticos alm da oralidade e da escrita, levou escolha da Teoria Semitica

    Social/Multimodalidade (KRESS &van LEEUWEN, 1996, 2001; van LEEUWEN,

    2005). As anlises das mdias selecionadas permitiram-me traar uma sntese da

    proposta de sistematizao de trabalho multimodal como caminho plausvel para a

    elaborao de mdias digitais para o ensino de portugus como segunda lngua em uma

    perspectiva discursiva crtica de forma a atender as demandas especficas do pblico

    alvo do PBSL, usando assim a tecnologia hoje disponvel em favor de educao de

    qualidade que promova o letramento multimodal como insero de indivduos nas

    prticas sociais permeadas de diferentes semioses.

    Palavras-chave: multimodalidade, segunda lngua, mdias, discurso.

  • ABSTRACT

    Faced on the constant emergence of new digital technologies and the

    recontextualization of different modalities of language, this thesis aims to investigate

    how the organizational logic of different media can be a determining factor for the

    quality in teaching Brazilian Portuguese as a second language (BPSL) for foreigners,

    indigenous, and deaf people. In this study, I argue that a systematic work at the

    composition of multimodal instructional materials can facilitate a critical approach of

    different modalities commonly used for teaching BPSL.The research corpus is made up

    of digital media: a CD- ROM, a multimodal teaching unit and two websites. The

    research has qualitative orientation (Bauer & Gaskell, 2003) and the analysis of this

    corpus is guided by three research questions: How is presented the didactic content on

    material composed by different modes of language? How can the organizational logic of

    different media benefit the teaching of Portuguese as a second language? How can

    systematization of multimodal work guide the selection and composition of tasks in

    order to develop competence in of different semiotic resources in target language? The

    theoretical basis of Critical Discourse Analysis (FAIRCLOUGH 2001, 2003, 2006) has

    been investigating other semiotic modes in addition to speaking and writing, which led

    to the choice of Social Semiotics Theory (KRESS & van LEEUWEN, [1996] 2006,

    2001; van LEEUWEN, 2005) and the Depth Hermeneutics (Thompson, 1995) for

    analysis. Analysis of selected media allowed me to draw a summary of a referential for

    systematic multimodal work as a plausible way for the preparation of materials in

    Portuguese as a second language at a critical discursive perspective that aims specific

    demands of BPSL audience. It means to use available technology nowadays in favor of

    educational quality that promotes real inclusion of students in social practices

    permeated of different modalities.

    Keywords: multimodality, second language, media, discourse.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Escolas Semiticas com influncias lingusticas

    p.48

    Quadro 2: Os cinco modus operandi e as respectivas estratgias da ideologia

    segundo John Thompson

    p.51

    Quadro 3: Tipos de websites de acordo com a atividade social

    p.88

    Quadro 4: Dispositivos de armazenamento

    p.128

    Quadro 5: Mdias em CD segundo Tanenbaum (1996, p.142) p.129

    Quadro 6: Referencial Multimodal de Desenvolvimento de Mdias para o

    Ensino de PBSL

    p.166

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: O poder da mdia p.18

    Figura 2: Olhar brasileiro p.23

    Figura 3: Etapas Metodolgicas p.27

    Figura 4: Triangulao do corpus p.32

    Figura 5: Interao miditica p.42

    Figura 6: Capa 1 de Veja p.53

    Figura 7: Capa 2 de Veja p.54

    Figura 8: Pgina do blog de Michel Zylberg p.56

    Figura 9: O enfoque da sintaxe visual na proposta da Semitica Social p.60

    Figura 10: Representao do Signo na concepo saussureana (Escola de Paris) p.61

    Figura 11: Signo na concepo da Semitica Social - Representao de carro de

    acordo com a ideologia do produtor de signos

    p.61

    Figura 12: Proibido estacionar, prescrio estrita p.63

    Figura 13: Representao de Governo segundo Quino p.63

    Figura 14: Uma famlia brasileira p.66

    Figura 15: Charge do Cristo de Carlos Myrria p.73

    Figura 16: Cristo Redentor original p.74

    Figura 17: O Cristo na charge p.74

    Figura 18: Sintagma visual da charge p.75

    Figura 19: Linguagem, moldura e recursos visuais p.77

    Figura 20: Texto publicitrio da China in Box sobre as olimpadas de Pequim. p.80

    Figura 21: O mundo digital p.82

    Figura 22: Homepage do website Livemocha p.95

  • Figura 23: Webpage de cursos do website Livemocha p.97

    Figura 24: Cluster do website Livemocha p.98

    Figura 25: Webpage pratique falando do website Livemocha p.100

    Figura 26: Exemplo de cluster no website Livemocha p.101

    Figura 27: Anlise de phase no website Livemocha p.102

    Figura 28: Composio espacial do Significado no website Livemocha p.103

    Figura 29: Anlise do layout segundo o real/ideal no Livemocha p.106

    Figura 30: Primeira trajetria de acesso ao texto de apresentao p.110

    Figura 31: Segunda trajetria de acesso ao texto de apresentao p.111

    Figura 32: Portugus no Planalto Central homepage mapa de anlise de

    clusters

    p.113

    Figura 33: Anlise do cluster 2 p.115

    Figura 34: Anlise dos clusters 3 e 11 p.116

    Figura 35: Ligao coesiva do cluster imagtico 7 p.118

    Figura 36: Ligao coesiva do cluster 2 com a webpage subsequente p.119

    Figura 37: Anlise do cluster 10 ferramenta de busca como fonte de tarefa para o

    ensino de PBSL

    p.120

    Figura 38: Bookaholic p.126

    Figura 39: Tela de crditos do CD-ROM p. 132

    Figura 40: Tela inicial do CD-ROM Ensino de Portugus Escrito para Surdos p.133

    Figura 41: Apresentao de CD-ROM para o ensino de PBSL p.134

    Figura 42: Tela de ndice de contedos no CD-ROM Ensino de Portugus Escrito

    para Surdos

    p.135

    Figura 43: Trajetria Como elaborar uma aula bilngue p.137

    Figura 44: Trajetria de passo a passo p.138

    Figura 45: Trajetria de primeiro passo p.139

  • Figura 46: Texto em pgina impressa Primeiro Passo p.139

    Figura 47: Anlise da Pgina 1 do texto Primeiro Passo p.141

    Figura 48: Trajetria de Aulas p.143

    Figura 49: Trajetria na tela 1 da aula Interpretao de Texto p.144

    Figura 50: Anlise da trajetria em Aulas do CD-ROM Ensino de Portugus

    Escrito para Surdos

    p.145

    Figura 51: Trajetria para a aula Crase, coeso e coerncia p.148

    Figura 52: Tela 1 Aula Crase, coeso e coerncia p.149

    Figura 53: Tela 2 Aula 1 p.150

    Figura 54: Sequncia de composio de modalidades verbal e visual - introduo

    do conceito de genes

    p.152

    Figura 55: Sequncia de composio de modalidades verbal e visual introduo

    do conceito de clonagem

    p.153

    Figura 56: Tela 1 Aula 2 p.155

    Figura 57: Sequncia de composio de modalidades verbal e visual - introduo

    do conceito de genoma

    p.156

    Figura 58: Comunicao mediada pelo computador (CMC) p.161

    Figura 59: Potencialidade de significao de recurso semitico p.171

    Figura 60: Emoticon como subcdigo p.175

    Figura 61: Princpio de integrao multimodal em tela de website p.178

  • SUMRIO

    APRESENTAO p.18

    CAPTULO 1 - AMPLIANDO HORIZONTES PARA A PRODUO DE

    MDIAS DE ENSINO DE PORTUGUS COMO SEGUNDA LNGUA

    p.23

    1.1 Das prticas monomodais do ensino de segunda lngua: anttese p.24

    1.2 Multimodalidade: da intuio sistematizao na produo de mdias (tese) p.27

    1.3 Etapas Metodolgicas p.29

    1.4 A Busca pelos dados: o parmetro qualitativo do corpus de pesquisa p.31

    1.5 Questes de pesquisa p.34

    1.6 Categorias Analticas p.35

    1.6.1 Categorias da gramtica visual (A Teoria da Multimodalidade) p.35

    1.6.1.1 Participantes p.35

    1.6.1.2 Processos narrativos p.36

    1.6.1.3 A Composio Espacial do Significado p.37

    1.6.1.4 O Dado e o Novo p.38

    1.6.1.5 O Real e o Ideal p.39

    1.6.1.6 O Centro e a Margem p.39

    1.6.1.7 A Projeo/Salincia p.39

    1.6.2 Categorias de anlise propostas por Fairclough p.40

    1.6.2.1 Condies da prtica discursiva p.40

    1.6.2.2 Tema p.41

    1.6.2.3 Criao das palavras p.41

    1.6.2.4 Significado das palavras p.41

    1.7 Estrutura da Tese p.41

    1.8 Primeiras Concluses p.42

  • CAPTULO 2 O LUGAR DA MULTIMODALIDADE NOS ESTUDOS

    DISCURSIVOS

    p.44

    2.1 A Incluso da multimodalidade nos estudos discursivos: revisitando

    conceitos e reformulando propostas

    p.45

    2.2 A gramtica do design visual: a sintaxe visual em foco p. 56

    2.3 Gramtica do design visual: algumas aplicaes p.63

    2.4 Primeiras concluses das teorias trabalhadas p.79

    CAPTULO 3 UM OLHAR MULTIMODAL SOBRE WEBSITE DE ENSINO

    DE PORTUGUS COMO SEGUNDA LNGUA

    p.81

    3.1 Recursos semiticos potenciais a servio de tecnologias para o ensino de

    segunda lngua

    p.82

    3.2 A lgica organizacional da webpage p.86

    3.3 Pgina ou tela p.90

    3.4 Anlise do website Livemocha p.92

    3.5 Primeiras Concluses da anlise do Livemocha p.105

    3.6 Anlise do website Portugus no Planalto Central p.107

    3.7 Primeiras Concluses da anlise do website Portugus no Planalto Central p.121

    CAPTULO 4 ASPECTOS MULTIMODAIS PARA O ENSINO DO PBSL:

    CD-ROM E UNIDADE DIDTICA MULTIMODAL EM CD

    p.125

    4.1 O CD-ROM: definio e aplicao ao ensino de segunda lngua p.126

    4.2 Anlise de mdia: CD-ROM Ensino de portugus escrito para surdos p.130

    4.3 Anlise da unidade didtica em CD de ensino de PBSL pra surdos p.145

    4.4 Primeiras Concluses da anlise do CD-ROM e da unidade didtica em CD p.158

    CAPTULO 5 SNTESE DO REFERENCIAL DE TRABALHO

    MULTIMODAL PARA O ENSINO DE PBSL

    p.161

    5.1 O impacto de diferentes tecnologias nas prticas sociais ps-modernas p.162

    5.2 Referencial multimodal de elaborao de mdias para o ensino de PBSL p.165

    5.2.1 Etapa 1: Reconhecimento de caractersticas especficas do pblico alvo p.167

  • 5.2.2 Etapa 2: Escolha da mdia p.169

    5.2.3 Etapa 3: Entendimento da lgica organizacional p.170

    5.2.4 Etapa 4: Escolha de temtica norteadora p.172

    5.2.5 Etapa 5: Seleo de recursos semiticos p.174

    5.2.6 Etapa 6: Aplicao do princpio de integrao multimodal p.176

    5.3 Primeiras Concluses do Referencial de Multimodalidade p.179

    (In)Concluses p.180

    Referncias Bibliogrficas p.187

    Referncias Eletrnicas p.198

    Anexos p.200

  • APRESENTAO

    Figura 1: o poder da mdia

    Fonte: http://lusitanos.wordpress.com/

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    19

    Neste trabalho, a perspectiva lingustica ser o fio condutor para a realizao de uma

    pesquisa no mbito do ensino de segunda lngua. Inicialmente, fao dois esclarecimentos com base

    no trabalho de Grannier (2011, p.1) para contextualizar a proposta desta tese:

    a) diferena entre segunda lngua, lngua estrangeira e lngua materna

    b) diferena de abordagem de ensino para diferentes pblicos do portugus do Brasil

    como segunda lngua

    Sobre a primeira questo, Grannier (2011, p.1) parte da perspectiva de formao do

    docente e do aprendiz e sobre isso a autora assim discorre:

    no que diz respeito abordagem do ensino da lngua, naquilo que existe de mais

    essencial, no h diferena. Em todas as situaes em que cabe uma das

    caracterizaes acima, a lngua portuguesa, para o aprendiz, uma lngua nova.

    Em todas essas situaes, o aprendiz j conhece, pelo menos, uma outra lngua - a

    sua lngua materna (L1). Ou seja, a existncia de um conhecimento lingstico

    anterior, configurado na primeira lngua do aprendiz, o que define o

    denominador comum dessas situaes de ensino/aprendizagem (E/A), como o

    E/A de uma nova lngua (LN).

    Nas palavras da autora, o denominador comum da abordagem de ensino de um pblico em

    situao de aprendizagem de uma lngua estrangeira (LE) ou de segunda lngua (L2) exatamente

    a lngua alvo como uma lngua NOVA, em outras palavras, uma lngua no materna.

    Grannier ainda complementa sua explanao com o seguinte:

    o ensino de portugus vai se caracterizar de acordo com as circunstncias em que

    estiver sendo desenvolvido. No ensino/aprendizagem de uma lngua estrangeira,

    na maioria dos casos, o contato com a lngua a ser aprendida s acontece em sala

    de aula, com limitaes de tempo, de oportunidades de estar em situaes

    naturais de uso da lngua, de oportunidades de conhecer outros usurios da lngua

    (alm de seu professor) e de ter contato com a cultura do pas onde se usa a

    lngua. Essas limitaes vo requerer, para um ensino/aprendizagem bem

    sucedido, que o professor lance mo de recursos variados que minimizem seus

    efeitos.

    Por outro lado, o ensino de portugus a estrangeiros (Lp/E) acontece quando os

    estrangeiros se encontram num pas cuja lngua nacional/oficial o portugus.

    Em Angola, no Brasil, em Moambique ou em Portugal, por exemplo, ensina-se

    portugus a estrangeiros vindos de outros pases que queiram aprender nossa

    lngua. Essa situao de ensino/aprendizagem, em imerso no ambiente da lngua,

    costuma ser mais favorvel para a aprendizagem/aquisio, e permite,

    naturalmente, um desenvolvimento mais rpido e mais vinculado realidade do

    que o ensino/aprendizagem como LE, descrito acima. Nesse caso, a sala de aula

    passa a ser um espao a mais para o contato com os usos da lngua e pode ser

    aproveitado de forma diferenciada para um exame mais intensivo da lngua e da

    cultura circundantes.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    20

    J sobre a segunda questo, no Brasil, em se tratando do contexto de ensino de portugus

    como segunda lngua, h trs pblicos em potencial, assim definidos: surdos brasileiros, ndios

    brasileiros e estrangeiros. A existncia desse pblico com demandas especficas vai de encontro a

    uma falsa ideia de que no Brasil todos so falantes de portugus como lngua materna (L1).

    certo que uma grande maioria se encontra nessa situao, mas certo tambm que as minorias

    lingusticas que no possuem o portugus como L1 e vivem no territrio brasileiro contam com

    poucos projetos ou programas de ensino de portugus como segunda lngua.

    Nesse contexto, de acordo com Grannier (2011, p. 5), surge uma iniciativa de formao

    docente diferenciada:

    foi apenas em 1998, na Universidade de Braslia, que se implantou a licenciatura

    em Portugus do Brasil como Segunda Lngua (PBSL), por iniciativa de Enilde

    Faulstich, que havia percebido, no contexto de encontros acadmicos sobre

    poltica do idioma, realizados em outros pases do MERCOSUL, a tarefa que

    cabia s universidades brasileiras. (FAULSTICH, 2000.)

    Essa passou a ser a primeira licenciatura voltada formao de docentes de portugus do

    Brasil como segunda lngua, ou PBSL. Nesse contexto de formao de formadores, tomo como

    ponto de ao outra demanda para o professor de PBSL: qual material ou materiais devem ser

    utilizados para o ensino de portugus como segunda lngua?

    Com uma multiplicidade de tecnologias, saber como discernir entre o que pode ser ou no

    til delega ao professor a tarefa de procurar compreender e estudar diferentes meios para a

    utilizao e o domnio de uma segunda lngua. Inicialmente, isso significa se questionar sobre o

    aporte terico da metodologia de anlise, mas tambm significa, sobremaneira, colocar-se a

    questo dos objetos escolhidos como observveis, aqueles que sero o foco do processo de

    ensino/aprendizagem.

    Assim, muito do que ser apresentado ao longo deste trabalho, deve-se a uma tradio

    consolidada de estudos de segunda lngua/lngua estrangeira, que durante dcadas, esteve atrelada

    a questes sobre a melhoria desse ensino, o que resultou, comparativamente, em pouca ateno e

    observao dedicadas prpria lngua e a suas vrias formas de realizao.

    nesse sentido que esta tese intitulada A Multimodalidade no Ensino de Portugus

    como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas, tem como objetivo investigar

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    21

    como a lgica organizacional de diferentes mdias pode ser fator determinante para o

    desenvolvimento da competncia comunicativa na lngua alvo. Neste estudo, defendo a tese de

    que:

    Para atingir esse objetivo, tomo como corpus de pesquisa, o meio eletrnico para a

    utilizao do portugus como segunda lngua mdias digitais sendo elas: um CD-ROM, uma

    unidade didtica em CD e dois websites. O pblico alvo das mdias selecionadas so estrangeiros e

    surdos brasileiros, pessoas no tm o portugus como primeira lngua.

    Como a escolha do tema surgiu de uma dificuldade de ordem prtica encontrada na

    observao de demandas do ensino de segunda lngua, posso afirmar que a tese a ser defendida foi

    calcada de acordo com as minhas aptides, as minhas qualificaes e as minhas tendncias como

    pesquisadora desta rea, como discorrerei mais detalhadamente ao longo do primeiro captulo.

    Tambm tenho em mente que um trabalho de doutorado deve conter as contribuies

    tericas que a pesquisa pode trazer, a importncia do tema de um ponto de vista geral e de casos

    particulares que sero analisados, a possibilidade de, por meio da pesquisa, sugerir mudanas na

    realidade abarcada pelo tema ou possveis solues para casos gerais e particulares a ele

    relacionados. Por essas razes que oriento a pesquisa sob o escopo terico da Anlise de

    Discurso Crtica Fairclough (2001, 2003, 2006) entre outros e da Teoria da Multimodalidade

    Kress e van Leeuwen ([1996]2006, 2001) van Leeuwen (2005), Baldry e Thibault (2006) entre

    outros.

    O trabalho est organizado em cinco captulos: no primeiro, apresento a tese, a anttese, a

    sntese, a metodologia e o corpus. No segundo, trato do lugar da multimodalidade nos estudos

    discursivos, por meio de uma reviso da literatura que revela como a Anlise de Discurso Crtica

    desde suas origens j mostrava abertura para investigao cientfica de outros modos semiticos

    alm da oralidade e da escrita. No terceiro captulo, analiso sob o enfoque da Anlise de Discurso

    Crtica (ADC), suporte terico-metodolgico da pesquisa, e da Teoria da Multimodalidade os

    a abordagem discursiva crtica multimodal de diferentes semioses lingusticas pode

    favorecer a sistematizao de trabalho na composio de diversas mdias para o

    ensino de portugus como segunda lngua.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    22

    contedos de dois websites de ensino de lnguas: live mocha e Portugus no Planalto Central

    desenvolvido por alunos da Licenciatura em Portugus do Brasil como Segunda Lngua, ambos

    voltados para alunos estrangeiros. No quarto, analiso a lgica organizacional do contedo de um

    CD-ROM e de uma unidade didtica em CD, ambos para utilizao em cursos de aperfeioamento

    para professores de portugus para surdos. No quinto, com base nas concluses das anlises

    anteriores, trao a sntese de minha proposta de sistematizao de trabalho multimodal como

    caminho plausvel para a elaborao de mdias para o ensino de portugus como segunda lngua

    em uma perspectiva discursiva crtica.

  • AMPLIANDO HORIZONTES PARA A

    PRODUO DE MATERIAIS DE

    ENSINO DE PORTUGUS COMO

    SEGUNDA LNGUA

    Figura 2: Olhar brasileiro

    Fonte:http://www.leoni.com.br/post.php

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    24

    Este captulo ter papel de bssola da pesquisa, pois nele apresento uma espcie de plano

    escrito do que desejo investigar e de como ser feita essa investigao. Acredito que, dessa forma,

    no corro o risco de me perder no caminho, desviando-me do problema que pretendo investigar e

    dos objetivos a que pretendo chegar.

    1.1 Prticas monomodais do ensino de segunda lngua: anttese

    Como falar sobre monomodalidade no mundo atual? Bem, paradoxalmente ao que vivemos

    hoje: rodeados de imagens e de outros recursos semiticos permeando-nos e formando diferentes

    redes de significaes e que, naturalmente, acabam por ultrapassar os limites da mais clebre das

    modalidades em sociedades complexas: a escrita, esbarramos na seguinte anttese da atualidade:

    No nego com essa afirmativa a circulao constante de diversas modalidades de linguagem

    nesta rea, especialmente no que tange aos materiais didticos, mas discuto a forma como essa

    circulao ocorre. Trago isso berlinda apoiada no que dizem Kress e van Leeuwen (2001, p.01):

    tem se visto, na cultura ocidental, uma distinta preferncia pela monomodalidade.

    Os mais valorizados gneros da escrita (novelas literrias, resenhas acadmicas,

    documentos oficiais e relatrios, etc) vinham inteiramente sem ilustraes, e eram

    graficamente uniformes, densas pginas impressas. As disciplinas crticas e tericas

    especializadas que se desenvolveram para falar dessas artes tornaram-se igualmente

    monomodais: uma linguagem para falar sobre linguagem (lingustica), outra para

    falar sobre arte (histria da arte), outra ainda para falar sobre msica (musicologia),

    e assim por diante, cada uma com seus mtodos prprios, suas principais

    suposies, seu prprio vocabulrio tcnico, suas principais foras e prprios

    pontos cegos.

    Os mesmos autores afirmam que mais recentemente a dominao da monomodalidade tem

    comeado a se reverter. No somente a mdia de massa, mas tambm documentos produzidos

    por corporaes, universidades, departamentos governamentais etc, tm adquirido ilustraes

    coloridas e layouts sofisticados. Esse desejo de cruzar fronteiras inspirou a semitica do sculo

    h dificuldade em lidar com tantas opes de modalidades da linguagem em uma

    das reas que mais necessita desses recursos: a do ensino de lnguas.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    25

    XXI. Essa quebra de paradigma , sem dvida, algo que no ocorre de maneira brusca, Kress e

    van Leeuwen (2001, p.2) tambm tiveram de se encontrar em suas prprias investigaes na

    semitica visual, o que os levou, de certo modo, a manter segundo suas prprias palavras um p

    no mundo das disciplinas monomodais. Isso revela que no basta termos contato com cores,

    formas, sons, devemos, antes de tudo, ser conhecedores das potencialidades de significao dessas

    outras modalidades alm da escrita.

    Para reconhecer o papel que diferentes modalidades atuando em conjunto podem

    desempenhar, defino inicialmente meu interesse em investigar essa composio de modalidades

    no mbito do ensino por meio da utilizao de materiais didticos. A respeito disso, Belmiro

    (2000, p.12) afirma:

    (...) a presena de novas tecnologias no mundo escolar faz com que se repensem

    formas de atuao do professor. As representaes que se fazem hoje do espao de

    aprendizagem mostram a necessidade de um professor mais gil, atualizado e

    pronto para novos desafios. uma carga muito pesada para quem tem deficincias

    na sua formao inicial e no tem facilidade, pela prpria gesto do tempo escolar,

    entre outras causas, para investir em uma formao continuada. O livro didtico

    hoje, por isso e por vrios outros motivos, uma importante referncia para o

    professor, para o aluno e para a famlia do aluno. (grifo nosso)

    Professores de lnguas, especialmente, tm sede de materiais multimodais prontos para uso,

    isso advm do que Belmiro define como deficincia do tempo de gesto escolar. Nessa lacuna, no

    s o livro didtico, mas tambm materiais didticos que possam, de alguma forma, suprir essa

    necessidade, determinam, em muitos momentos, como os sentidos sero trabalhados em segunda

    lngua e na falta de materiais que possibilitem a realizao de atividades em que diversos recursos

    semiticos sejam, de fato, empregados, os educadores tendem a adotar postura monomodal. Isso

    ocorre de vrias maneiras, para exemplificar, recorro a alguns dados da pesquisa sobre

    multimodalidade no ensino de portugus como segunda lngua de Villas Bas, Vieira e Ferraz

    (2008, p.4). Nessa pesquisa, as autoras buscaram investigar a perspectiva de trabalho multimodal

    em sala de aula de portugus para estrangeiros, doravante PLE, de acordo com o que o docente

    considera relevante para esse fim e por meio da anlise de entrevistas com docentes de PLE e de

    materiais didticos, puderam verificar a dificuldade desses profissionais em trabalhar com textos

    no verbais, como imagens. Vejamos alguns extratos a seguir:

    Pergunta 1: E sobre as leituras dos textos no verbais, com imagens, o que voc considera

    importante para trabalhar em sala de aula?

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    26

    Resposta 1: ... particularmente eu acho um pouco complicado. Que depende muito do nvel do

    meu aluno. Normalmente a charge ou aqueles cartoons de Mafalda eles vm com um texto

    subentendido, e esse subentendido, esse subliminar, o meu aluno, os estrangeiros, normalmente

    no conseguem captar.

    Pergunta 2: Como feita a seleo de textos do cotidiano (propaganda, texto jornalstico...) para

    trabalhar em sala de aula?

    Resposta 2: ...tudo que eu trabalhar com meus os alunos eu tenho que passar pra coordenao e

    a responsvel pela reviso dos trabalhos em portugus muitas vezes barra muitos trabalhos que

    se distanciem das estruturas da lngua...

    As autoras afirmam que as repostas revelam, entre outras coisas, que a dificuldade no trabalho

    com textos multimodais tem origem no no reconhecimento da diferena de construo de

    sentidos nesses textos. Na perspectiva monomodal, esse estranhamento, essa insegurana em

    relao a textos com mais de uma modalidade abre espao para que materiais didticos tomem ou

    no novas formas na conduo das relaes de ensino-aprendizagem (BELMIRO, 2000, p.24).

    Devo assinalar, ainda, que esses manuais vm se transformando e incorporando outros

    contedos de aprendizagem, alm da lngua escrita. Atividades de oralidade, de leitura de

    imagens, entre outras estratgias de produo de sentido, mesmo com tropeos e confuses

    conceituais, convivem nesse suporte. E a habilidade em lidar com essas diversas modalidades

    levam-me a destacar o que dizem Kress e van Leeuwen (2001) sobre a chamada era da

    digitalizao, em que diferentes modos passam tambm a ser operados por uma pessoa de

    mltiplas habilidades, usando uma interface, um modo de manipulao fsica, como, a Internet,

    possibilitando ao indivduo a escolha em expressar um significado por meio de udio, vdeo etc.

    Ao transferir essa noo para a rea do ensino de lnguas, vemos a necessidade de munir o

    professor de materiais que atendam s especificidades de sua sala de aula, de seu pblico alvo, ao

    mesmo tempo em que verificamos a necessidade de um usurio crtico desses materiais, ou seja,

    algum que conhea a potencialidade de significao de cada modalidade da linguagem. Passo a

    discutir na prxima seo, a tese aqui defendida como forma de contribuio social para o ensino

    de portugus como segunda lngua.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    27

    1.2 Multimodalidade: da intuio sistematizao na produo de mdias (tese)

    Para viabilizar o desenvolvimento de atividades que envolvam semioses diferentes da escrita,

    faz-se necessrio trabalho multimodal sistematizado em lugar de prtica intuitiva sobre o que se

    deve fazer. A Teoria da Semitica Social/Teoria da Multimodalidade, proposta por Kress e van

    Leeuwen ([1996] 2006, 2001), est, segundo os autores, inserida na investigao e na pesquisa

    social crtica propostas pela ADC. Na perspectiva dos autores, a leitura de textos multimodais

    socialmente determinada. A proposta dessa teoria toma a linguagem escrita, de modo especial,

    como apenas um dos modos de representao no domnio pblico. Indaga se o modo de

    organizao do discurso perpassa todas as formas de comunicao social e pergunta se a

    concentrao somente na escrita seria suficiente para a compreenso do papel do poder nas

    manifestaes discursivas, pois de acordo com Kress e van Leeuwen ([1996] 2006, p. 374):

    impossvel interpretar textos prestando ateno somente na lngua escrita, pois um texto

    multimodal deve ser lido em conjuno com todos os outros modos semiticos desse texto.

    Assumo, ainda, o que dizem Kress e van Leeuwen (2001, p.4) sobre os discursos serem

    constructos sociais e poderem, portanto, ser realizados de diferentes formas. Nessa perspectiva,

    discuto a constituio lingustica tradicional que segundo os autores: o significado feito de uma

    s vez, para ser falado. Em contraste a essa viso monomodal, os autores vem os recursos

    multimodais disponveis em uma cultura para fazer significados em todo e qualquer signo, em

    todos os nveis, e em qualquer modalidade.

    Na proposta multimodal de significar, encontro o caminho para defender a tese de que:

    sistematizar o trabalho multimodal na composio de mdias condiz

    com a realidade atual de mltiplas significaes e mostra-se como um

    modo de abordar criticamente diferentes modalidades lingusticas

    empregadas no ambiente online e que podem figurar no ensino de

    portugus como segunda lngua.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    28

    No percurso em busca de formas adequadas de se trabalhar contedos em segunda lngua,

    sempre encontramos novas tecnologias que nos fazem repensar as formas de se usar linguagem.

    Arajo (2007, p.15-16) exemplifica como o surgimento do chat possibilitou a utilizao da escrita

    para conversar em tempo real, por meio de um computador e complementa dizendo que: um dos

    desafios trazidos pelas novas tecnologias e que deve ser conhecido e compreendido pelos

    professores a emergncia de novos gneros.

    Adentrar reas desconhecidas ou mesmo propor-se a sair de uma zona de conforto, em

    que se tem uma falsa ideia de segurana, so desafios que de fato existem e esto inquietando

    profissionais que trabalham com o ensino de lnguas. Isso pode ser facilmente verificado no

    discurso de nossos alunos na universidade, que so constantemente confrontados com diferentes

    situaes comunicativas em mdias das mais diversas. Na licenciatura em Letras Portugus do

    Brasil como Segunda Lngua, uma das metas justamente tornar esses alunos capazes de

    desenvolver materiais multimeios no de forma aleatria, como simples usurios, mas como

    indivduos que reconheam o potencial lingustico de websites, blogs, fruns, CD-ROMs, redes

    sociais, entre outros, para o ensino de PBSL. Pensar a multimodalidade no mbito do ensino de

    lnguas pensar em como variadas maneiras de se utilizar a lngua podem oportunizar a alunos e a

    professores experincias de interao em ambiente que conjugue prticas discursivas j

    conhecidas com novas prticas.

    Por meio de diferentes modalidades da linguagem, os significados so construdos e

    passam a ser partilhados e negociados em sociedade. Assim, assumir postura monomodal pode

    representar uma viso parcial sobre como a combinao de recursos semiticos como cores,

    formas e palavras resultam em maneiras diversas de comunicar uma mesma ideia. Nesse sentido,

    Vieira (2010, p.87) sinaliza:

    (...) em contextos multimodais, as imagens transformam-se em referncias diretas

    ou indiretas da realidade fsica e social, sendo necessria uma escolha seletiva,

    dado que as sociedades usam imagens como um modo de legitimar argumentos e

    fatos relatados e descritos, entretanto no podemos ignorar que as imagens usadas

    pelas diversas mdias contribuem com a identificao de formas ideolgicas

    construdas nesses diferentes espaos miditicos e tambm podem revelar a

    manipulao de ideologias que pode ocorrer na seleo de imagens mostradas e

    tambm naquelas que foram expurgadas ou ocultadas.

    Finalizada a tarefa de apresentar a tese, passo agora a tratar com mais detalhes das etapas

    metodolgicas.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    29

    1.3 Etapas metodolgicas

    De acordo com Neves (1996, p.1), o desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa supe

    um corte temporal-espacial de determinado fenmeno por parte do pesquisador. Esse recorte

    define o campo e a dimenso em que o trabalho desenvolver-se-, isto , o territrio a ser

    mapeado. Nesse sentido, cabe o estabelecimento de uma agenda de trabalho que garanta o recorte

    de pesquisa, que nesse momento, defino em forma de etapas metodolgicas que, segundo Taylor e

    Bogdan (1998, p.141), referem-se s fases que uma pesquisa qualitativa deve seguir e que esto

    representadas na figura a seguir:

    Figura 3: Etapas Metodolgicas

    Fonte: elaborado pela autora

    A definio do tema/objeto a ser estudado marca o incio do trabalho. A delimitao do

    meu tema teve incio com a percepo do potencial significativo de mdias no ensino de segunda

    lngua e tambm no entendimento da lgica organizacional dessas mdias sem o foco unicamente

    na modalidade escrita. Isso me levou busca de maneiras apropriadas de abordar o tema, devido

    sua abrangncia. Ento, direcionei a pesquisa ao carter multimodal de mdias que podem assumir

    5.Possveis respostas: proposta multimodal de desenvolvimento de mdias para o ensino de L2

    4.Anlise de dados: aplicao das categorias da ADC e da Semitica Social na lgica organizacional das mdias

    3.Coleta de dados: seleo de mdias para o ensino de L2

    2.Estudos tericos: ADC; Teoria da Semitica Social/Teoria da Multimodalidade

    1.Identificao do problema: prticas monomodais de produo de material didtico em L2

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    30

    o papel de material didtico de portugus como segunda lngua para posteriormente traar formato

    de concepo multimodal dessas mdias em cursos de formao de docentes de portugus como

    segunda lngua, levando em considerao a importncia desse conhecimento para o professor de

    PBSL.

    Quanto segunda etapa, os estudos tericos, balizada pela proposta da ADC, da Teoria

    da Semitica Social/Multimodalidade e da Hermenutica de Profundidade, teorias que convergem

    para a linha de investigao cientfica em que se privilegiam as potencialidades de significao de

    diferentes modalidades de linguagem atuando de forma simultnea e que acredito atenderem bem

    aos propsitos de pesquisa a que me dedico. Sobre essa etapa, Flick (2004, p. 60) faz a seguinte

    afirmao: o processo de pesquisa no inicia como uma tabula rasa. O ponto de partida , antes,

    uma compreenso prvia do sujeito ou do campo de estudo. Para reforar sua posio Flick cita a

    primeira regra que Kleining formula para a pesquisa qualitativa: a compreenso prvia dos fatos

    em estudo deve ser considerada preliminar, devendo ser excedida com informaes novas, no-

    congruentes (1982, p. 231 apud FLICK, 2004, p.60).

    Nesse contexto, as suposies tericas ganham relevncia no papel da compreenso do

    objeto que est sendo estudado e da perspectiva sobre este, no como ponto de partida da

    pesquisa, mas sim como resultado de suposies preliminares acerca dos dados selecionados, o

    que coloca a percepo do pesquisador como elemento-chave nessa abordagem.

    A terceira etapa, referente coleta de dados, representa o momento no qual entro em

    contato com o corpus ou material a ser analisado. A quarta etapa, anlise dos dados, a aplicao

    da teoria, nesse ponto vale relembrar que so os dados que determinam a teoria e no o contrrio.

    A quinta etapa o momento de apresentar a proposta de sistematizao multimodal para o

    desenvolvimento de mdias no ensino de segunda lngua como contribuio social que a tese deve

    ter.

    Uma vez apresentadas as etapas metodolgicas, reservo espao na prxima seo

    descrio da coleta de dados e s categorias analticas adotadas, direcionando a anlise pretendida

    luz dos estudos tericos que orientam minha pesquisa.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    31

    1.4 A busca pelos dados: o parmetro qualitativo do corpus de pesquisa

    Bauer e Gaskell (2003, p.30) dizem que o pesquisador social, quando registra ou coleta

    dados em que as aes comunicativas exigem um conhecimento especializado, colhe dados

    formais. Dados formais, segundo Bauer e Gaskell (2003, p.30), no trazem os problemas que os

    dados informais podem acarretar, como impulsos momentneos ou influncia do pesquisador.

    Entretanto, pode haver um problema diferente, como por exemplo, situaes em que ...

    comunicadores dizem representar um grupo social que, na realidade, no representam. O cientista

    social deve reconhecer essas falsas pretenses de representao.

    Dessa forma, assumo nesse momento que a natureza dos dados de minha pesquisa, as

    mdias, foi determinante para a adoo dos procedimentos de anlise dentro da prtica da pesquisa

    qualitativa, no baseada em nmeros. Digo isso por acreditar que a pesquisa social se apia,

    primordialmente, em dados sociais, resultantes de processos de comunicao que constituem o

    mundo em si mesmo.

    A prpria natureza da Anlise de Discurso Crtica (ADC) pede um recorte qualitativo. A

    ADC definida por Fairclough (2001) como sendo um empreendimento interdisciplinar, que

    decorre da concepo de discurso que o autor vem defendendo, e que envolve um interesse nas

    propriedades, na produo, na distribuio e no consumo dos textos, nos processos

    sociocognitivos de produo e de interpretao dos textos, na prtica social em vrias instituies,

    no relacionamento da prtica social com as relaes de poder e nos projetos hegemnicos no nvel

    social. Essas facetas do discurso coincidem com os interesses de vrias cincias sociais e

    humanistas, incluindo a lingustica, a psicologia e a psicologia social, a sociologia, a histria e a

    cincia poltica. Dessa forma, a ADC , ao mesmo tempo, teoria e mtodo, e o que pretendo aqui

    destacar seu uso como mtodo.

    Nesse nterim, pesquisar o discurso buscar por seu(s) sentido(s) em meio ao significado

    expresso nas estruturas sintticas, na disposio do texto, na eleio da ordem direta ou indireta,

    da voz passiva ou ativa, entre outras escolhas que podem ser feitas nos textos escritos. Ao

    trabalhar com multimodalidade no diferente, pois tambm h sentido em gestos, sons e

    imagens. Textos imagticos, por exemplo, apresentam sentidos velados na forma da construo ou

    da apresentao/disposio das imagens, fotos, desenhos, tabelas entre outras modalidades.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    32

    Por essas razes, encontro na abordagem qualitativa o espao para colocar em prtica o

    que Fairclough (2001) considera importante na seleo dos dados, na construo de um corpus de

    amostras de discurso e na deciso dos dados suplementares a serem coletados e usados: a

    perspectiva do(a) especialista e dos pesquisados. Trata-se de um problema prtico saber o que

    til, e como chegar at l, mas tambm de ter um modelo mental da ordem de discurso da

    instituio, ou do domnio do que se est pesquisando, e os processos de mudana que esto em

    andamento, como uma preliminar para decidir onde coletar amostras para um corpus.

    Naturalmente, trabalhar sobre o corpus pode alterar o mapa preliminar. nessa lgica que os

    analistas de discurso dialogam com pessoas nas disciplinas relevantes e tambm com as que

    trabalham na rea da pesquisa para decises sobre quais amostras so tpicas ou representativas de

    certa prtica; se o corpus reflete adequadamente a diversidade da prtica e as mudanas na prtica

    mediante diferentes tipos de situao.

    nessa compreenso de levar em conta a perspectiva do especialista que tomo como guia

    as propostas de Fairclough (2001, 2003, 2006) para a busca pelos dados, tarefa que teve incio em

    minha prpria experincia como linguista e como professora de portugus como segunda lngua.

    No curso de Letras PBSL, buscamos privilegiar os conhecimentos lingusticos necessrios em

    futuros docentes de segunda lngua, no somente como instrumentais, mas como fator de mudana

    social. O docente de segunda lngua deve, antes de tudo, nas palavras de Grannier (2001) ser:

    um especialista em lngua portuguesa: alm de ser um usurio da lngua

    portuguesa, nativo ou no, ele deve conhecer essa lngua, podendo tomar decises

    responsveis (com repercusso de longa durao), tais como qual a variedade, o

    registro ou a modalidade de portugus ensinar.Ter conscincia das diferenas

    existentes entre a gramtica da lngua oral e a gramtica normativa, sabendo

    gerenciar essas diferenas. Saber traduzir suas opes na seleo de textos orais

    ou escritos que apresentem caractersticas fonolgicas, gramaticais, semnticas e

    pragmticas coerentes com seus objetivos.

    O que pode figurar, portanto, como conhecimento lingustico necessrio para saber

    gerenciar diferenas e caractersticas especficas de uma lngua? Foi na busca pela resposta a

    essa pergunta que tive acesso a diferentes mdias compostas por mais de uma modalidade da

    linguagem e que, para serem desenvolvidas e usadas para o ensino de segunda lngua, devem

    passar pelo olhar crtico do linguista, do especialista em lngua. O reconhecimento do potencial

    significativo de material multimodal expande as fronteiras para o desenvolvimento de

    competncia comunicativa por parte de alunos estrangeiros, indgenas e surdos. A organizao dos

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    33

    vrios modos semiticos presentes nessas mdias pode determinar a leitura que ser empreendida e

    como os sentidos podem ser trabalhados.

    Inicialmente, o mtodo de coleta de dados consistiu na busca e na seleo de documentos

    formais: mdias compostas de linguagem verbal e no verbal que tivessem temtica direcionada ao

    ensino de segunda lngua. Nesse processo, busquei uma amostra que garantisse grande

    representatividade multimodal. Assim, o corpus desta pesquisa assim formado:

    1) dois websites de ensino de lnguas, um deles desenvolvido por alunos da

    Licenciatura em Portugus do Brasil como Segunda Lngua e ambos voltados

    para alunos estrangeiros: www.livemocha.com;

    www.portuguesnoplanaltocentral.com.br (offline);

    2) um CD-ROM para utilizao em cursos de aperfeioamento para professores de

    portugus para surdos Ensino de portugus escrito para surdos: orientando

    educadores;

    3) uma unidade didtica em CD de ensino de portugus para surdos: Ensino de

    portugus escrito para surdos: orientando educadores.

    A seleo desse corpus tomou como base o princpio da triangulao de dados que,

    segundo Cohen e Manion (1983, p. 233), definida: como o uso de dois ou mais mtodos de

    coleta/gerao de dados no estudo de qualquer aspecto do comportamento humano. As vantagens

    da pesquisa com este multimtodo so numerosas, visto que um campo de anlise pode ser

    observado de vrias maneiras, assim como quebrar limites entre os diferentes mtodos. Uso

    principalmente a triangulao do corpus em um recorte sincrnico. A triangulao, dessa forma,

    foi pensada no sentido de mostrar na pesquisa como a multimodalidade pode ocorrer em mdias

    diferentes, com composies diferentes, apesar de utilizar as mesmas semioses.

    A evocao do corpus selecionado websites, CD-ROM e unidade didtica em CD

    permite o enfoque investigativo sobre como os mesmos contedos podem ser apresentados em

    diferentes mdias, em outras palavras, como os discursos se realizam de formas diferentes. A

    seleo desse corpus foi assim concebida para responder s questes que balizam esta pesquisa e

    que apresento na prxima seo.

    http://www.livemocha.com/http://www.portuguesnoplanaltocentral.com.br/

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    34

    Figura 4: Triangulao do corpus

    Fonte: elaborado pela autora

    1.5 Questes de pesquisa

    Para atingir os objetivos traados para esta tese com o ttulo A Multimodalidade no

    Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas

    crticas foram elaboradas trs questes de pesquisa que balizam a busca por resultados, j

    apresentadas no incio desta tese, mas que retomo nesse momento para guiar o emprego das

    categorias analticas selecionadas para o tratamento do corpus.

    1) Como so apresentados os sentidos em mdias constitudas por mais de uma

    modalidade discursiva?

    2) Como o ensino de portugus como segunda lngua pode ser favorecido por

    diferentes mdias?

    3) Como a teoria da multimodalidade pode guiar a seleo e a composio de

    tarefas para o ensino de segunda lngua?

    websites

    CD-ROM

    corpus

    unidade didtica

    em CD

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    35

    Essas questes sinalizam as formulaes problematizadoras que impulsionam a pesquisa a

    ser empreendida. Uma vez estabelecidas a metodologia e as questes norteadoras, passo agora

    apresentao das categorias de anlise.

    1.6 Categorias analticas

    Como bem sinalizado anteriormente, o carter qualitativo desta pesquisa faz-me adotar

    simultaneamente a metodologia da Anlise de Discurso Crtica (FAIRCLOUGH 2001, 2003,

    2006) e da Teoria da Semitica Social/ Multimodalidade (KRESS e van LEEUWEN, [1996] 2006,

    2001); (THIBAULT E BALDRY, 2006, entre outros). Aliar essas teorias significa aprofundar nos

    estudos da ADC o olhar da perspectiva sociossemitica visual e ampliar o tratamento de aspectos

    ideolgicos de diferentes modalidades. A busca por suplantar a dificuldade de se analisar

    sistematicamente modos semiticos no verbais empregados em websites, CD-ROM e unidade

    didtica em CD pode gerar subsdios para uma anlise mais completa dos aspectos multimodais da

    linguagem, ampliando as perspectivas de compreenso sobre a linguagem e os seus mecanismos.

    Dessa forma, acredito traar o caminho para oferecer proposta inovadora de letramento visual no

    contexto de segunda lngua.

    1.6.1 Categorias da gramtica visual (Teoria da Multimodalidade)

    Kress e van Leeuwen ([1996] 2006) dizem: um texto multimodal deve ser lido em

    conjuno com todos os outros modos semiticos desse texto. Essa premissa um dos principais

    argumentos da Semitica Discursiva ou Social/ Teoria da Multimodalidade. Dessa forma, Kress e

    van Leeuwen lanam mo de categorias de anlise para imagens, das quais destaco as seguintes

    para a anlise de dados:

    1.6.1.1 Participantes

    Participantes o termo tcnico usado para designar objetos e pessoas presentes em uma

    composio grfico-visual. H dois tipos de participantes na modalidade grfico-visual:

    a) Participantes representados: so os participantes que so o objeto da

    comunicao (pessoas, lugares, coisas, incluindo coisas abstratas). So os

    participantes sobre os quais se est falando, escrevendo ou produzindo imagens.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    36

    b) Participantes interativos: so os receptores, para os quais se dirige a

    mensagem. Kress e van Leeuwen ([1996] 2006) utilizam o termo ingls viewer,

    para os leitores dos textos imagticos.

    1.6.1.2 Processos narrativos

    O processo narrativo ocorre quando participantes so conectados por um vetor, sendo

    dessa forma, representados como fazendo algo para o outro. o que Kress e van Leeuwen

    (1996, p. 56) chamam de regra narrativa vetorial. As leis narrativas servem para apresentar,

    revelar aes e eventos, processos de mudana, adaptaes espaciais transitrias.

    De acordo com o tipo de vetor, do nmero e dos tipos de participantes envolvidos,

    distinguem-se os processos narrativos:

    a) Processo de ao

    No processo de ao, o ator o participante do qual o vetor se origina, ou o qual no todo

    ou em parte forma o vetor. Nas representaes (pictures) eles so os participantes mais salientes,

    mais evidentes, por meio do tamanho, lugar de composio, contraste com o segundo plano,

    saturao de proeminncia da cor, perspiccia do foco por meio da salincia para os

    viewers/leitores.

    Quando as pictures/imagens tm apenas um participante, este ser sempre o ator,

    resultando em uma estrutura chamada por Kress e van Leeuwen (1996, p. 61) de no transitiva. A

    ao em uma estrutura no-transitiva no tem um objeto, no feita para ou dirigida para

    algum ou alguma coisa. O processo de ao no-transitiva , ento, anlogo ao verbo intransitivo

    na linguagem (o verbo que no tem objeto).

    Quando uma composio de narrativa visual tem dois participantes, um o ator, o outro

    o objeto. O objeto o participante para quem a ao direcionada. O ator, em um processo

    transitivo, no somente o participante que atua (como no processo no-transitivo), mas o

    participante que instiga o movimento. Assim, a estrutura transitiva imagtica similar sua

    estrutura transitiva verbal, na qual o verbo transitivo necessita de um complemento como o objeto

    direto ou indireto.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    37

    Algumas estruturas transitivas podem ser bidirecionadas, cada participante tem o papel de

    ator e de objeto como no circuito da fala de Saussure (1987), em que ora o componente

    falante, ora receptor, sendo, neste caso, interactuantes.

    b) Processo Reacional

    O processo reacional d-se quando formado o vetor pela linha dos olhos, pela direo do

    olhar de um ou mais participantes representados. No processo reacional, no se fala em atores,

    mas de agentes. Tambm no se fala de objetos, mas de Phenomena (fenmenos). O reagente

    (reacter), o participante que lana o olhar tem de ser necessariamente humano, ou um animal

    uma criatura com olhos visveis e capaz de expresses faciais. O phenomena pode ser formado

    tambm por outro participante, seja representado ou interativo, para o qual o reacter (reagente)

    est olhando.

    c) Processo Classificatrio

    Esse processo classifica participantes pelo tipo de reao que se estabelece entre eles. Em

    um cenrio de participantes, um ter o papel de subordinado em relao a outro participante

    principal. Estruturas classificatrias representam participantes em termos de seu lugar na ordem

    esttica, nos rtulos e nas explanaes verbais que os acompanham.

    d) Processo Analtico

    O processo analtico relata participantes em termos da parte em relao a toda estrutura na

    qual significativa para a interpretao do todo. Envolve dois tipos de participantes: o todo

    (carrier) e algum nmero de atributos possessivos (as partes).

    e) Processo Simblico

    O processo simblico sobre o que o participante ou significa. Esse processo ocorre

    principalmente em fotos. Nos processos narrativos, alm dos tipos de personagens, h alguns

    outros itens na composio do texto que so significativos, como a composio espacial do

    significado, tema da prxima seo.

    1.6.1.3 A composio Espacial do Significado

    A composio espacial do significado pode relatar significados representacionais e

    interativos entre eles por meio de trs sistemas:

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    38

    a) Valor da informao. Refere-se ao lugar dos elementos (participantes,

    sintagmas que se relacionam entre si e com o viewer/leitor), como a localizao

    da informao se na direita ou na esquerda, no alto ou embaixo, no centro ou na

    margem.

    b) Salincia. Os elementos (participantes e sintagmas representacionais) so

    produzidos para atrair a ateno dos viewers/leitores por diferentes graus, como

    realizados por fatores tais como seu lugar em primeiro ou em segundo plano,

    tamanho relativo, contrastes em valor tonal (cor), diferenas de formas etc.

    c) Framing (enquadramento). A presena ou a ausncia de diviso de molduras

    (frames) realizada por elementos que criam linhas divisrias, desconectam ou

    conectam elementos da imagem, compondo ou significando de forma conjunta

    ou no.

    Segundo Kress e van Leeuwen (1996, p. 183), esses trs princpios de composio no se

    aplicam somente a textos visuais simples, mas tambm a textos que combinam o verbal e a

    imagem, e talvez a outros elementos grficos, em qualquer meio (televiso, computador etc).

    Na anlise da composio de textos multimodais, a questo nasce como produto de vrios

    recursos semiticos que podem ser analisados separadamente ou em caminho integrado, ou os

    significados do todo podem ser tratados como a soma do significado das partes, ou as partes

    podem ser olhadas como interagindo e afetando umas as outras. Ento, explicitando as categorias

    de anlise sobre a composio espacial do significado, temos vrios pares que apresento a seguir.

    1.6.1.4 O dado e o novo

    Essa categoria se refere ao valor que dado informao, dependendo se ela se encontra

    esquerda ou direita do layout da pgina. H a generalizao de que quando pictures ou layouts

    fazem uso significante do eixo horizontal, posicionando alguns de seus elementos esquerda e

    outros direita (o que no acontece em toda composio), os elementos localizados esquerda so

    representados como dado e os elementos localizados direita como novo. A interpretao

    dada a essas posies que o dado significa o que apresentado como j conhecido pelo

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    39

    leitor/viewer. O novo significa algo que no conhecido e que o leitor/viewer deve prestar

    ateno especial.

    1.6.1.5 O real e o ideal

    Na composio visual, alguns dos elementos constitutivos esto localizados na parte

    superior, e outros diferentes na parte inferior do espao da picture ou da pgina. Aquele que est

    localizado em cima (top) apresentado como ideal, o que est localizado embaixo (bottom) como

    real. O que est em cima significa que apresentado como o idealizado ou, generalizado, como

    ausncia da informao. O real , em oposio, a informao mais especfica, mais detalhada.

    Assim como o dado/novo, ideal/real pode ser usada na composio de imagens simples e na

    composio de textos com layouts e tambm em diagramas.

    1.6.1.6 O centro e a margem

    Esse tipo de composio textual, muito utilizada por artistas barrocos e, hoje, mais pela

    cultura oriental, significa que aquilo apresentado no centro o ncleo da informao a que todos

    os outros elementos em algum sentido so subservientes. As margens so, portanto, os elementos

    dependentes.

    1.6.1.7 A Projeo/salincia

    A funo principal de integrao dos cdigos como composio a textual. A integrao

    dos cdigos serve para produzir textos, para posicionar os elementos, para dar sentido ao todo e

    para providenciar coerncia e orden-los.

    Uma imagem ou uma pgina tambm envolve diferentes graus de salincia/projeo para

    seus elementos. O dado pode ser mais relevante/saliente que o novo ou o novo mais saliente que o

    dado, ou ambos igualmente salientes/projetados. O mesmo ocorre com o ideal e o real.

    Quanto composio e integrao de cdigos, a projeo julgada com base nas pistas

    visuais. Segundo Kress e van Leeuwen (1996, p. 212), os leitores da composio espacial so

    intuitivamente capazes de julgar o peso de vrios elementos da composio de acordo com o

    destaque dado.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    40

    A projeo no medida objetivamente, mas o resultado de uma complexa interao, da

    relao entre uma gama de fatores, como: tamanho, forma do foco, contraste de tom (reas de alto

    contraste tonal, limites entre branco e preto...), contraste de cor, colocao no campo: se so

    assimtricos no campo visual, ou se aparecem em primeiro ou segundo plano.

    1.6.2 Categorias de anlise propostas por Fairclough

    De acordo com Fairclough (2001), h trs dimenses da anlise que inevitavelmente

    estaro superpostas na prtica. Por exemplo, os analistas sempre comeam com uma ideia da

    prtica social em que se situa o discurso.

    Assim, a sequncia analtica envolve uma progresso cclica que vai da interpretao

    descrio e volta interpretao. Esse processo privilegia a interpretao da prtica discursiva

    (processos de produo e de consumo de texto), em lugar da simples descrio do texto, ao mesmo

    tempo em que possibilita a interpretao de ambos texto e discurso luz da prtica social em

    que se situa o discurso.

    Fairclough ressalta que desnecessrio proceder nessa ordem, os analistas podem comear

    da anlise do texto, ou de fato da anlise da prtica social em que se situa o discurso. A escolha

    depender dos propsitos e das nfases da anlise.

    Entre as vrias categorias propostas por Fairclough para anlise de discurso, selecionei

    para a pesquisa as que apresento a seguir.

    1.6.2.1 Condies da prtica discursiva

    O objetivo especificar as prticas sociais de produo e de consumo do texto, associadas

    com o tipo de discurso que a amostra representa (o qual pode ser relacionado ao gnero de

    discurso). Para isso so necessrias duas perguntas:

    a) o texto produzido (consumido) individual ou coletivamente?

    b) que tipos de efeitos no-discursivos possui essa amostra?

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    41

    1.6.2.2 Tema

    Ao tema corresponde a preocupao em verificar se h um padro discernvel na estrutura

    temtica do texto para as escolhas dos temas das oraes. Os questionamentos que surgem so:

    a) qual a estrutura temtica do texto e que suposies lhe so subjacentes?

    b) os temas marcados so frequentes e, em caso positivo, quais so suas motivaes?

    1.6.2.3 Criao das palavras

    Nessa categoria, o objetivo contrastar as formas de lexicalizao dos mesmos

    significados em outros (tipos de) textos e identificar a perspectiva interpretativa que subjaz a essa

    lexicalizao. Para tanto, prope trs perguntas:

    a) o texto contm itens lexicais novos e, em caso positivo, que significado terico,

    cultural e ideolgico eles tm?

    b) que relaes intertextuais esto delineadas para a lexicalizao no texto?

    c) o texto contm evidncia de perfrase ou relexicalizao (em oposio a outras

    lexicalizaes) de certos domnios de sentido?

    1.6.2.4 Significado das palavras

    A nfase est nas palavras-chave que tm significado cultural geral ou mais local; nas

    palavras cujos significados so variveis e mutveis; e no significado potencial de uma palavra

    como um modo de hegemonia e um foco de luta.

    Aps a apresentao das categorias de anlise, passo apresentao da estrutura dos

    captulos na prxima seo.

    1.7 Estrutura da tese

    A tese est organizada em cinco captulos, a saber:

    Captulo 1 Apresentao da tese, da anttese, da metodologia, do corpus, das questes de

    pesquisa e das categorias analticas

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    42

    Captulo 2 - Reviso da literatura sobre a multimodalidade e sobre a ADC

    Captulo 3 Anlise de websites e webpages de acordo com a teoria selecionada.

    Captulo 4 Anlise de CD-ROM e de Unidade Didtica em CD

    Captulo 5 - Sntese do Referencial de Trabalho Multimodal para o Ensino de PBSL

    1.8 Primeiras concluses

    Cumprida a tarefa de apresentar a estrutura do trabalho, bem como a de enfatizar a tese a ser

    defendida no mbito dos estudos lingusticos, fao um ltimo esclarecimento antes de adentrar o

    segundo captulo: como assumo proposta de pesquisa multimodal, a composio de cada captulo

    desta tese segue essa mesma orientao composicional, iniciando e finalizando com textos

    imagticos diversos que se inserem, de alguma forma, no tema aqui tratado. Esses textos

    compem os sentidos discutidos e funcionam como elementos provocadores de reflexo. O texto

    escolhido para finalizar este captulo de Nanquim e ilustra bem como h certa resistncia em se

    conferir credibilidade aos sentidos veiculados em mdias diferentes da impressa e mostra ainda

    como o poder da palavra escrita perpassa a noo do que real, do que vlido como informao

    e, ao contrrio do que se possa imaginar em termos de mdia, no basta que haja diversidade

    tecnolgica, necessrio desenvolver competncias lingusticas e miditicas de maneira plena.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

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    http://blogdogipo.blogspot.com/2010/09/imagens-de-um-fazer-jornalistico.html

    http://blogdogipo.blogspot.com/2010/09/imagens-de-um-fazer-jornalistico.html

  • O LUGAR DA MULTIMODALIDADE

    NOS ESTUDOS DISCURSIVOS

    Figura 5: Interao miditica

    Fonte: http://midiasjacobina.blogspot.com/

    http://midiasjacobina.blogspot.com/

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    45

    Neste captulo, dedico-me a uma reviso da literatura sobre a Anlise de Discurso Crtica e a

    Teoria da Semitica Social/Teoria da Multimodalidade, procurando no somente apresentar

    conceitos, mas mostr-los de forma contextualizada em anlises prvias que, mesmo no sendo o

    foco deste trabalho, auxiliam na compreenso de como estudos discursivos e semiticos em

    conjunto podem oferecer alternativas para avanos necessrios no desenvolvimento e h anlise de

    corpora lingustico que integre modalidades semiticas diversificadas.

    Dessa forma, nas sees a seguir, abordo o processo de incluso da multimodalidade nos

    estudos discursivos para posteriormente tratar da gramtica da sintaxe visual, cerne da proposta de

    Kress e van Leeuwen que, por sua vez, resulta de uma srie de estudos anteriores includos a

    Halliday, Woodward, Hodge e Kress entre outros.

    2.1 A incluso da multimodalidade nos estudos discursivos: revisitando conceitos e reformulando propostas

    Os significados materializados por meio da linguagem, seja ela verbal ou no-verbal,

    considerando todo o arranjo visual de uma mdia, ou seja, a diagramao, as cores, as figuras, o

    tipo de papel (no caso de texto escrito) ou at como as pessoas se comportam nos textos orais

    (gestos, entonao de voz, expresses faciais) pode ser chamado de multimodalidade. Assim, para

    compreender a relao entre as prticas discursivas e as prticas sociais contemporneas que

    envolvem mdias, j que nelas so produzidos significados e estabelecidas relaes por meio dos

    textos ou discursos nelas veiculados, devemos antes entender como a proposta multimodal passou

    a fazer parte dos estudos discursivos, portanto, julgo necessrio um exame no cenrio de

    investigao semitica.

    Para revisar as bases da Semitica, pontuo as principais influncias desse campo de

    estudos h muito explorado por diversas reas da cincia. Nessa perspectiva, retomo trs escolas

    de semitica que deixaram seu legado expansionista para o campo dos estudos lingusticos, que

    passou a incluir como objeto de estudo outros modos comunicacionais alm da linguagem verbal,

    proposta de Kress e van Leeuwen ([1996] 2006). E sempre de acordo com a proposta multimodal,

    elaboro o quadro abaixo com trs escolas marco dos estudos semiticos, explorando alm da

    modalidade escrita, a modalidade imagtica:

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    46

    Quadro 1: Escolas Semiticas com influncias lingusticas

    fonte: elaborado pela autora

    Essas escolas se propuseram a trazer conceitos lingusticos para o mbito das imagens. Um

    estudo considerado base no campo da Semitica Social o realizado por Hodge e Kress (1988),

    que, ao levar em conta modos semiticos alm da linguagem verbal, abre caminho a trabalhos

    como os de Kress e van Leeuwen (1996); Baldry e Thibault (2006); Royce e Bowcher (2007),

    entre outros. Hodge e Kress (1988) propem uma reconstruo da semitica tradicional, com base

    em crticas sobre o fato de esta negligenciar as funes e os usos sociais dos sistemas semiticos

    pelos produtores dos signos. Assim, uma das premissas da abordagem semitica proposta o

    reconhecimento de que, para se compreender os processos e as estruturas da linguagem,

    indispensvel considerar a dimenso social, tomando-a como ponto de partida para a anlise dos

    A Escola de Praga, nos anos 1930 e incio dos anos 1940, desenvolveu trabalhos no campo das artes e ensejou a aplicao do mtodo estruturalista, base lingustica estudada pelos formalistas Russos.

    A Escola de Paris, nos anos 1960 e 1970, tem base em ideias de tericos como Saussure, Barthes e Metz, entre outros. A esta escola se deve o desenvolvimento de conceitos at hoje ensinados dentro do que se chama semiologia, como os de significante e significado, signos arbitrrios e motivados.

    A Semitica Social tem suas origens marcadas pelos trabalhos de Halliday (1978) na sistmico funcional,de Fairclough e Fowler na ADC, e de Hodge e Kress (1988), tericos que concebem a linguagem como social, um recurso com que se constroem significados orientados para desempenhar funes em contextos sociais.

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    47

    sistemas de significado. Nesse sentido, verifico a influncia da obra de Halliday, no que tange a

    seus ensinamentos sobre as funes sociais da linguagem, obra sobre a qual discorro a seguir.

    A ligao da Teoria da Multimodalidade com a Lingustica Sistmico-Funcional est na

    origem da Lingustica Crtica (um modelo de anlise textual que combina a gramtica de Halliday,

    1994, com o conceito de ideologia) e da semitica social (FOWLER et al., 1979; HODGE e

    KRESS, 1988; KRESS e van LEEUWEN, 1996, 2001). A definio de linguagem em que ambas

    se baseiam a de lingustica instrumental: o estudo da linguagem para compreender outros

    fenmenos, apresentando caractersticas que dependem do propsito do estudo. Para Halliday

    (1989), ao estudar a lingustica instrumental, compreende-se ao a natureza da linguagem como um

    fenmeno integral.

    A Lingustica Sistmico-Funcional defende a ideia de que os sistemas lingusticos so

    abertos vida social, pois se constroem na interseo das macrofunes da linguagem, a saber:

    a) ideacional a construo e a representao da experincia;

    b) interpessoal a construo e a representao das relaes sociais e das identidades

    sociais;

    c) textual o estabelecimento de elos coesivos (textura).

    Essa abordagem da linguagem fundamental para o desenvolvimento da teoria crtica do

    discurso. Usamos a linguagem constantemente em diferentes contextos sociais de uso: ao interagir

    interpessoalmente, na organizao de experincias, na socioconstruo de nossa identidade, e no

    desenvolvimento e na reconstruo do conhecimento (FAIRCLOUGH, [1992] 2001; 1999) entre

    outras atividades dirias, nas quais a linguagem o sistema mediador. Halliday (1989, p. 3-11)

    afirma, nessa direo, que a linguagem um dentre os sistemas por meio dos quais construmos

    sentidos, e esse sistema se organiza na forma de rede de escolhas lxico-gramaticais. Para o

    autor, combinaes de escolhas codificam e realizam significados. Esses significados so

    negociados e produzidos no processo de interao social por pessoas que, como membros de

    grupos sociais, se engajam em eventos comunicativos por intermdio da linguagem.

    Assim, compreender os eventos comunicativos poder relacion-los aos seus contextos de

    produo e de recepo. Entendo que sob a perspectiva hallidayana, um texto pode ser

    considerado como linguagem realizando alguma tarefa em algum contexto [...] (idem, p. 10) e o

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    48

    contexto em que esse texto se desenvolve pode ser concebido como a situao ou o ambiente que

    produz e produto desse texto (idem, p 5). Com isso, para compreender as diversas atividades

    dirias, o uso da linguagem como mediao da interao em um grupo social, torna-se

    fundamental estudar os textos produzidos nos eventos comunicativos. Destaco a importncia da

    anlise multimodal, nessa perspectiva originalmente hallidayana, que Vieira (2010, p.87) define

    nos seguintes termos:

    para levar a efeito a anlise multimodal, necessrio que tratemos da modalidade

    e dos modos semiticos (HALLIDAY, 1994) que descrevem como as semioses

    podem representar a verdade do mundo real; como as imagens constroem a

    realidade; como elas recortam o mundo e como intencionalmente podem omitir

    detalhes, pois s o gnero humano capaz de criar mundos simblicos,

    modificando-os por meio do discurso.

    Um ponto importante a ser ressaltado nos estudos discursivos diz respeito aos efeitos

    ideolgicos do discurso, que remete ao que Halliday apresentou como funo ideacional e que

    posteriormente foi tratado por Fairclough em vrias de suas obras nas quais o autor dialoga com

    autores de outras reas, dentro da perspectiva transdisciplinar da Anlise de Discurso Crtica. Cito

    como exemplo de linha prxima a de Fairclough, Thompson (1995) que afirma que a ideologia

    opera em uma variedade de contextos da vida cotidiana. Contudo, Thompson (p.35) acredita que a

    interpretao da ideologia deve ser ancorada em uma anlise scio-histrica, na anlise formal

    discursiva com nfase crtica, como tambm em uma anlise semitica, para desmascarar o

    sentido que est a servio do poder, em um modelo que denomina de Hermenutica de

    Profundidade, o qual constitui um arcabouo completo de anlise.Assim, Thompson distingue

    cinco modos pelos quais a ideologia pode operar na modalidade lingustica, nesse sentido, estudar

    a ideologia , ento, estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e para sustentar as

    relaes de dominao. Basicamente, nessa proposta, a ideologia atua, de acordo com cinco modus

    operandi, descritos no quadro a seguir:

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    49

    Quadro 2: Os cinco modus operandi e as respectivas estratgias da ideologia segundo John

    Thompson

    Legitimao apresenta as relaes de

    dominao como legtimas, justas e

    dignas de apoio;

    racionalizao (o produtor de uma forma simblica constri uma cadeia de raciocnio que procura justificar um conjunto de relaes

    sociais e com isso convencer uma audincia de que digno de apoio)

    universalizao (acordos institucionais que servem para o interesse de alguns so apresentados como servindo ao interesse de todos)

    narrativizao (histrias que contam o passado e tratam o presente como parte de uma tradio eterna e aceitvel)

    Dissimulao nega, obscurece e oculta

    relaes de poder, representando-as de

    maneira que desvia a ateno e que passa

    por cima de relaes e processos

    existentes;

    deslocamento (determinado objeto ou pessoa usado para se referir a um outro, e com isso as conotaes positivas ou negativas do termo

    so transferidas para outro objeto ou pessoa)

    eufemizao (aes, instituies ou relaes sociais so descritas ou redescritas de modo a despertar valorao positiva)

    tropo metfora, metonmia (uso figurativo que dissimula relaes sociais)

    Unificao estabelece por meio da

    construo, no nvel simblico, uma

    forma de unidade que interliga os

    indivduos em uma identidade coletiva,

    independente das diferenas e divises

    que possam separ-los;

    estandardizao ou padronizao (formas simblicas so adaptadas a um referencial padro, que proposto como fundamento partilhado e

    aceitvel de troca simblica)

    simbolizao da unidade (envolve a construo de smbolos de unidade, de identidade e de identificao coletivas, que so difundidas

    em um grupo)

    Fragmentao segmenta aqueles

    indivduos e grupos que possam ser

    capazes de se transformar em um desafio

    real aos grupos dominantes, dirigindo

    foras de oposio potencial em direo a

    um alvo que projetado como mau,

    perigoso, ameaador;

    diferenciao (nfase que dada s distines, diferenas e divises entre pessoas e grupos, apoiando caractersticas que os desunem e os

    impedem de construir um desafio efetivo s relaes existentes)

    expurgo do outro (envolve a construo de um inimigo, seja ele interno ou externo que retratado como mau, perigoso ou ameaador

    e contra o qual os indivduos so chamados a resistir coletivamente)

    Reificao apresenta uma situao

    transitria, histrica, como sendo

    permanente, natural, atemporal.

    naturalizao (um estado de coisas que uma criao social e histrica pode ser tratado como um acontecimento natural ou como

    resultado inevitvel de caractersticas naturais)

    eternalizao (fenmenos scio-histricos so esvaziados de seu carter histrico ao serem apresentados como permanentes, imutveis

    e recorrentes)

    nominalizao /passivizao (apagam os atores e a ao; tendem a representar processos como coisas ou acontecimentos que ocorre na

    ausncia de um sujeito que produza essas coisas)

    Fonte: Thompson, 1995

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

    50

    A proposta de Thompson no pretende ser definitiva ou restritiva, em outras palavras,

    esses cinco modos no constituem os nicos modos com que a ideologia opera, bem como as

    estratgias dependem de seu uso e de sua construo em circunstncias particulares. vlido

    ressaltar que tambm existem modos que operam a ideologia na modalidade visual, o que ser

    explicitado no quarto captulo, no qual realizo minha anlise. A Hermenutica de Profundidade

    HP, tambm proposta por Thompson, foi selecionada como procedimento metodolgico para a

    anlise dos efeitos ideolgicos do discurso. um mtodo analtico cujo objeto se refere a uma

    construo simblica significativa que exige uma interpretao, permitindo a elucidao das

    maneiras como as formas simblicas so lidas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e

    as recebem no decurso de suas vidas.

    O referencial metodolgico da HP amplo e compreende essencialmente trs fases que

    no podem ser vistas como estgios separados de um mtodo sequencial, mas antes como

    dimenses analiticamente distintas de um processo interpretativo complexo Thompson (1995,

    p. 365): anlise scio-histrica, anlise formal ou discursiva, e interpretao/re-interpretao.

    Estudos discursivos que investiguem alm do material lingustico, o extralingustico

    podem ser reveladores. Tomemos como exemplo o papel exercido pela grande mdia atualmente.

    Qualquer fato, ao ser publicado em algum meio jornalstico, adquire credibilidade e veracidade.

    Boa parte da populao no faz leitura crtica das notcias, pois acredita estar sendo bem

    informada por determinado jornal ou revista, ou mesmo telejornal. No pretendo adotar um tom

    alarmista sobre a mdia e sim frisar que eventos comunicativos envolvem pessoas e acreditar em

    uma provvel imparcialidade desconsiderar a influncia do meio social.

    Para exemplificar como a linguagem, em suas diversas formas de realizao, pode revelar

    pistas significativas sobre o contexto social em que foi produzida e como a recepo desse texto

    pode contribuir para a veiculao de ideologias e de crenas, cito a revista Veja, de posio

    contrria ao presidente Lula, por um breve exame da construo de suas capas como apresento a

    seguir:

  • A Multimodalidade no Ensino de Portugus do Brasil como Segunda Lngua: novas perspectivas discursivas crticas

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    Figuras 6: Capa 1 de Veja

    Fonte: www.vejaonline.com

    http://www.vejaonline.com/

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    Figura 7: Capa 2 de Veja

    Fonte: www.vejaonline.com

    Em ambas as capas, a revista retrata aspectos negativos do ento Presidente Lula, o que

    derruba o mito de imparcialidade da mdia. Esse significado negativo construdo na primeira

    capa, pelo segundo plano em cor preta atrelada a ideia de tempos de crise, a foto de um Lula

    http://www.vejaonline.com/

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    cabisbaixo, alm do nome de Lula escrito com dois les a e