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Page 1: A MULTIFUNCIONALIDADE DA PARÁFRASE SOB A … · A MULTIFUNCIONALIDADE DA PARÁFRASE SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA ESTRUTURA RETÓRICA Fernando SACHETTI BONFIM1 1. INTRODUÇÃO Neste

A MULTIFUNCIONALIDADE DA PARÁFRASE SOB A PERSPECTIVA DA

TEORIA DA ESTRUTURA RETÓRICA

Fernando SACHETTI BONFIM1

1. INTRODUÇÃO

Neste presente artigo, todas as análises a que nos proporemos terão como ponto

de partida a identificação de processos de paráfrase, fenômeno unanimemente ratificado

pela literatura linguística como de reformulação textual (FÁVERO, ANDRADE &

AQUINO, 1999; BARBOSA, 2000; JUBRAN, 2006; HILGERT, 2010; OLIVEIRA,

2011). Após a coleta de momentos textuais parafrásticos, traçaremos um paralelo entre

os subtipos semânticos de paráfrases, de um lado, e os princípios teórico-metodológicos

da Teoria da Estrutura Retórica (RST), de outro (MANN & THOMPSON, 1988;

TABOADA & MANN, 2006).

A nossa hipótese central reside no fato de que a ocorrência textual de paráfrases

com forte equivalência semântica deixa nítida a relação retórica de reformulação

elencada pela RST; por outro lado, segmentos textuais parafrásticos que mantêm fraca

equivalência semântica com suas matrizes fragilizam a relação retórica de reformulação,

tornando-a mais sutil e de difícil reconhecimento, e acabam por invadir territórios que a

RST concebe a outras relações não somente semânticas, mas também pragmáticas.

Dessa forma, paráfrases de baixa equivalência semântica são um lugar textual

privilegiado para que ocorram sobreposições de relações retóricas (FORD, 1987).

Com essa exposição, pretendemos mostrar que o fenômeno da paráfrase, muito

mais do que meramente reformular semanticamente segmentos textuais, pode exercer

outras funções que, num primeiro momento, não parecem próprias de sua natureza.

1 Mestrando em Descrição Linguística pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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Além disso, essa multifuncionalidade da paráfrase mostra consequências, inclusive, no

plano formal de estruturação textual.

Todos os exemplos analisados neste artigo foram compilados de trabalhos de

outros estudiosos acerca da paráfrase. As fontes serão oportunamente mencionadas.

Compondo esse corpus compilado, serão examinadas amostras das modalidades oral e

escrita de língua.

2. A PARÁFRASE: uma estratégia de reformulação textual

No presente artigo, interessa-nos a literatura sobre o fenômeno do reparo tanto

na modalidade escrita de língua como em sua modalidade falada. Schegloff (1979, apud

BARBOSA, 2000, p. 96) distingue duas grandes categorias de reparo: os reparos com

escopo prospectivo (pré-posicionados, portanto) e os reparos com escopo retrospectivo

(pós-posicionados). Dentre ambos esses tipos, restringiremos nossa investigação aos

reparos pós-posicionados, que podem ser de três tipos: a correção, a paráfrase e a

repetição. Pelo fato de esses três tipos serem estratégias de reformulação textual, o que

todas elas possuem em comum é a necessária presença de um segmento textual

reformulado (uma matriz, uma origem) e um segmento reformulador. O que as

diferencia é a especificação da relação semântica entre a matriz reformulada e sua

reformulação (OLIVEIRA, 2011, p. 27).

A repetição corresponde ao grau máximo de equivalência semântica entre o

segmento reformulado e sua reformulação. A correção, no outro extremo, consiste no

contraste semântico total ou parcial entre matriz reformulada e segmento reformulador.

Já a paráfrase, reparo sobre o qual nos debruçaremos neste trabalho, pressupõe certa

equivalência semântica entre a matriz parafraseada e sua paráfrase propriamente dita;

ela poderia ser chamada de reparo pós-posicionado moderado, uma vez que corresponde

a um meio-termo entre a repetição e a correção.

A presença de paráfrases num texto pode se justificar por vários motivos. Na

língua oral, já que o planejamento da fala e sua formulação se dão simultaneamente, o

locutor enuncia segmentos que, a seus olhos, podem ser aperfeiçoados. A pressão típica

do contato interacional faz com isso aconteça, sobretudo para a manutenção de turno e

para a preservação de face. Na língua escrita, o que parece explicar a presença de

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paráfrases é a progressão referencial, o que leva os locutores a promoverem

recategorizações de referentes, necessárias à continuidade da referenciação textual

(OLIVEIRA, 2011, p. 21).

Hilgert (2010, p. 138) esclarece que “a paráfrase retoma, em maior ou menor

grau, a dimensão significativa da matriz”. Ou seja, pode haver paráfrases que mantém

com seu enunciado matriz forte grau de equivalência semântica ou equivalência

semântica mais fraca. O aspecto semântico do processo parafrástico parece estar

intimamente relacionado a seu aspecto formal (estrutural, ou sintático): quando a matriz

e sua paráfrase mantêm forte equivalência semântica, a complexidade estrutural entre

elas é semelhante. Por outro lado, quando a matriz e sua paráfrase mantêm equivalência

semântica baixa, também é baixa a correspondência estrutural entre elas. Vejamos como

isso ocorre nos três exemplos abaixo, nos quais EO significa „enunciado de origem‟ e P

significa „paráfrase‟:

(1) (EO) inclusive ele vai ... suprir perfeitamente ... (P) vai atender

perfeitamente a necessidade da empresa... (HILGERT, 2010, p. 143)

(2) (EO) É manicure, empregados domésticos, cortador de grama, faxineira,

(P) ou seja, um exército de prestadores de serviço. (OLIVEIRA, 2011, p.

68)

(3) (EO) Veja, a ONU somente conseguiu fazer uma conferência sobre a

crise só agora no mês de junho, (P) quer dizer, quase um ano depois da

crise ter se manifestado. (OLIVEIRA, 2011, p. 74)

Em (1), o verbo suprir do enunciado de origem é substituído, na paráfrase, pelo

verbo atender. Ambos os verbos partilham de alta equivalência semântica, o que se

reflete na mesma complexidade léxico-sintática entre EO e P. Em (2), os referentes

manicure, empregados domésticos, cortador de grama e faxineira do EO são

condensados no hiperônimo exército de prestadores de serviço. Se comparado a (1), a

equivalência semântica entre EO e P de (2) é menor, o que se reflete também na

discrepância estrutural entre eles, sendo P estruturalmente muito mais reduzido que EO.

Em (3), a equivalência semântica entre EO e P é igualmente fraca (o interlocutor deve

dispor de dados extratextuais para se dar conta de que houve reformulação). Essa baixa

equivalência semântica também se reflete na estruturação formal, uma vez que P é

estruturalmente mais expandida que EO. Quanto ao aspecto formal das paráfrases, diz-

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se que, em (1), há paráfrase paralela; em (2), há paráfrase redutora; e, em (3), há

paráfrase expansiva.

É claro que o aspecto formal das paráfrases, por estar vinculado à semântica dos

segmentos envolvidos, estará implicitamente presente na nossa investigação do corpus;

no entanto, não faremos grande uso das designações „paralela‟, „redutora‟ e „expansiva‟:

nosso foco residirá nos aspectos semânticos que unem a matriz reformulada e a

paráfrase reformuladora.

3. Teoria da Estrutura Retórica (RST)

A RST é um dispositivo de cunho funcionalista que visa ao estudo da

organização textual. Inicialmente sistematizada em artigo de 1988, da autoria de

William Mann e Sandra Thompson, a RST tem conquistado desde então adeptos que,

em consonância com os postulados da Teoria, se prestam a dissecar textos para que se

mostre evidente a rede de relações retóricas ali subjacentes. Essas relações retóricas

tornam um texto coerente, e emergem desde a articulação entre orações (nível

microtextual) até a articulação entre grandes porções textuais (nível macrotextual). O

postulado básico da RST, portanto, é o de que “toda parte de um texto tem um papel,

desempenha uma função para com as outras partes do mesmo texto” (TABOADA &

MANN, 2006, p. 425).

No estabelecimento da rede textual retórica, pode haver segmentos textuais que

servem de subsídio a outros. Quando isso ocorre, diz-se que há uma relação do tipo

núcleo-satélite, na qual o satélite exerce o papel de suporte para a informação contida no

núcleo. Além das relações núcleo-satélite, pode haver também relações retóricas nas

quais nenhum segmento textual tem papel subsidiário perante o outro. Quando isso

ocorre, isto é, quando ambos os segmentos textuais possuem o mesmo status

informacional, diz-se que há uma relação multinuclear.

Quanto às relações retóricas que compõem o repertório da RST, o artigo original

de 1988 incluía 24 relações, número que, ao longo do tempo, tem sido aumentado por

analistas. De nosso especial interesse neste artigo, ressaltamos a relação retórica de

reformulação, cujas particularidades se mostram na tabela abaixo (na qual N = núcleo, S

= satélite, A = autor, L = leitor):

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Nome da relação Condições em S ou

N, individualmente

Condições em N+S Intenção do A

Reformulação Nenhuma S reformula N,

onde S e N

possuem um peso

semelhante; N é

mais central para

alcançar os

objetivos de A do

que S.

L reconhece S

como reformulação

Como esclarecido na seção 2 deste artigo, a paráfrase é uma estratégia de

reformulação textual. Como tal, parece-nos claro que, quando aplicada à metodologia da

RST, a função reformuladora de um satélite parafrástico deveria ser facilmente

reconhecida pelo leitor/ouvinte. Ou seja, a paráfrase deveria ter a relação retórica de

reformulação como sua decorrência mais evidente. No entanto, isso nem sempre ocorre.

Quando a paráfrase envolve forte equivalência semântica entre o satélite

reformulador e seu núcleo reformulado, a relação retórica de reformulação é, de fato,

instantaneamente detectada pelo leitor/ouvinte. A facilidade no reconhecimento dessa

relação parece, inclusive, dispensar a presença explícita de introdutores de paráfrase,

tais como ou seja, isto é, quer dizer, em outras palavras, em resumo, em síntese

(OLIVEIRA, 2011, p. 10). Por outro lado, quando a paráfrase envolve equivalência

semântica fraca entre o satélite reformulador e seu núcleo reformulado, a relação

retórica de reformulação continua existindo, mas se fragiliza, coexistindo com outras

relações retóricas também elencadas pela RST. Nesses casos de relação de reformulação

menos evidente, o satélite parafraseador pode simultaneamente estabelecer (i) outras

relações semânticas e, ainda, (ii) relações pragmáticas, de cunho mais persuasivo,

argumentativo. Isto é, as relações retóricas se sobrepõem umas às outras. E, quando isso

ocorre, é alta a tendência de marcação por meio dos introdutores de paráfrase: é como se

esses marcadores compensassem a baixa equivalência semântica entre os segmentos

envolvidos na paráfrase.

Não nos esqueçamos de que estamos mobilizando a RST como parâmetro de

analogia. Portanto, quando dizemos que, em ocorrências parafrásticas de fraca

equivalência semântica, o satélite reformulador assume outras relações semânticas ou,

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até mesmo, pragmáticas, estamos nos referindo àquilo que a RST postula como relações

retóricas semânticas e pragmáticas. No arcabouço das outras relações semânticas a que

o satélite reformulador acaba se prestando, estão as relações retóricas de elaboração e de

causa; quanto às relações pragmáticas, citamos a de fundo e a de avaliação.

4. ANÁLISE

Comecemos nossa análise qualitativa pelos casos em que, entre segmento

parafraseador (satélite) e segmento parafraseado (núcleo), há forte equivalência

semântica. Como já expusemos na introdução deste artigo, todos os exemplos que darão

suporte à nossa hipótese foram compilados de trabalhos de outros estudiosos do

fenômeno da paráfrase. O que faremos com tais exemplos, aqui, é associá-los ao

dispositivo da RST para o fim a que nos propusemos. Para tanto, apresentamos os

diagramas arbóreos das passagens analisadas, sistematização típica da RST.

O exemplo (4), abaixo, foi retirado de Oliveira (2011, p. 64). Veja:

(4)

Em (4), há uma relação retórica de reformulação que cose o segmento 3

(satélite) ao segmento 2 (núcleo). O locutor, provavelmente na tentativa de ser mais

claro perante seu interlocutor e de aderir à fala típica de seu nicho profissional

(Medicina), promove uma variação lexical: no núcleo, ele se utiliza do vocábulo

comportamento, expandido, no satélite, pela expressão a forma como esse

temperamento se manifesta. Apesar de ter havido tal variação lexical, é nítida a

intersecção semântica entre o léxico de origem e o léxico expandido de chegada.

Conforme postulado pela RST, o satélite 3 é facilmente percebido pelo interlocutor da

1-3

2-3

os pais podem ajudar

a mudar o

comportamento,

OU SEJA, a forma

como esse

temperamento se

manifesta.

Reformulação

No caso do

temperamento que

tem origem genética,

Circunstância

4-5

Elaboração

Eles podem ajudar

seu filho a reduzir ou

silenciar a

intensidade com que

o temperamento

aparece,

mas a

vulnerabilidade

estará sempre lá.

Antítese

1-5

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entrevista como uma formulação alternativa à do núcleo 2, razão pela qual o introdutor

de paráfrase (ou seja) poderia ser dispensado. Segundo Oliveira (2011, p. 65), o ou seja,

nesse exemplo, é um marcador verbal fraco, já que a função parafraseadora, nesse caso,

está muito mais a cargo da alta equivalência semântica entre os segmentos do que a

cargo do marcador em si.

(5) (L = locutor)

Em (5), exemplo retirado de Hilgert (2010, p. 132), o locutor L1 ratifica a

informação de seu primeiro turno (segmento 1 – núcleo) por meio de seu segundo turno

(segmento 3 – satélite). Entre esses turnos, o locutor promove apenas uma variação

lexical, a exemplo do que ocorreu no excerto (4), anterior. A proximidade semântica

entre as expressões rivalidade entre o engenheiro e o técnico e brigam pelas posições é

alta. Isso faz com que, novamente, a relação retórica de reformulação seja facilmente

detectada pelo interlocutor desse diálogo, fato que dispensou a presença de qualquer

marcador de paráfrase.

(6)

Em (6), exemplo também pinçado de Hilgert (2010, p. 132), ocorre uma quase-

repetição entre o satélite 2 e seu núcleo, 1. A quase-repetição é outro recurso de

reformulação textual situada entre a paráfrase e a repetição (BARBOSA, 2000, p. 97),

sendo que a repetição corresponde ao grau máximo de equivalência semântica entre

segmento reformulador e segmento reformulado. Havendo uma quase-repetição e,

portanto, alta equivalência semântica entre os segmentos, o locutor dispensou o uso de

qualquer marcador introdutório de paráfrase.

L2 – existe ...1-3

L1 – poxa em outras

épocas aí ... talvez

hoje mesmo ... existia

uma uma rivalidade

entre o engenheiro e

o técnico ...

L1 – eles brigam

pelas posições...

Reformulação

1-2

a situação do

médico ... também é

uma situação difícil

...

em termos de

mercado de trabalho

também é uma

situação difícil

Reformulação

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(7)

O trecho (7), extraído de Hilgert (2010, p. 133), ilustra bem o conceito de tópico

discursivo, discutido em Jubran (2006). Segundo o autor, tópico discursivo é

“uma unidade discursiva, não restrita ao turno, cujas particularidades

estariam assentadas na integração de enunciados em um conjunto relevante

de referentes e cujos limites seriam dados pela proeminência desse conjunto

em determinado ponto do texto” (JUBRAN, 2006, p. 34).

Como se pode ver em (7), o trecho mantém unidade referencial, o que nos

permite intitular seu tópico como algo do tipo “otorrino e psiquiatria são profissões

rentáveis”. Após apresentar essa ideia central nos segmentos 1 e 2 do diagrama, o

locutor a desenvolve por meio de evidências de suporte e, após tal inserção, retoma e

alinhava o tópico por meio dos segmentos finais 7 e 8. Esses dois últimos segmentos,

portanto, além de claramente parafrasearem os dois primeiros segmentos do diagrama

com alta equivalência semântica, promovem a função textual-discursiva de retomada

(DECAT, 2010), fechando um tópico discursivo.

(8)

1-8

1-8

1-2

diz que ... otorrino ...

é uma coisa que dá

muito dinheiro ...

Lista

psiquiatro pô ...

dando fortunas ...

certo? ...

Lista

3-6

Evidência

((falou rindo))... então

a psiquiatria está

ótimo...

5-6

Justificativa

e de que que você

precisa? de um divã

e paciência

pra ficar ouvindo...

Propósito

São Paulo é uma

cidade cheia de

problemas...

Justificativa

7-8

diz que está dando

muito ... psiquiatria...

Contraste

otorrino... é outra

coisa...

Contraste

Reformulação com função de retomada

inclusive ele vai ...

suprir perfeitamente

...

vai atender

perfeitamente a

necessidade da

empresa...

Reformulação

1-2

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(8), de Hilgert (2010, p. 143), é um exemplo pacífico, que não gera grandes

discussões. A variação do verbo suprir, do núcleo, pelo verbo atender, do satélite, por

serem verbos muito próximos semanticamente, garante por si só a relação retórica de

reformulação e a evidencia, dispensando marcadores explícitos de paráfrase.

Como último exemplo ilustrativo de paráfrases com alta equivalência semântica,

traremos (9), retirado de Barbosa (2000, p. 98), excerto que traz duas ocorrências de

reformulação.

(9)

Nos dois momentos de revisão textual de (9), há forte equivalência semântica

entre satélite reformulador e núcleo reformulado. O segmento 2 se diferencia do

segmento 1 sobretudo pela presença marcada de modalização deôntica (tem que) e pelo

compromisso que o falante também assume como seu (a gente). Por sua vez, o

segmento 4 se diferencia do segmento 3 pela expansão do item lexical compreensão à

construção do sentido, expressões próximas em significação. Note que, em ambos os

momentos parafrásticos, dispensou-se a presença de introdutores explícitos de

paráfrases.

Em seguida, arrolaremos, também, seis exemplos de processos parafrásticos. No

entanto, as paráfrases que seguem se diferenciam das ilustradas de (4) a (9) pelo fato de

envolverem segmentos de baixa equivalência semântica entre si. Note que, à medida

que a equivalência semântica entre segmentos parafrásticos se enfraquece, o satélite

reformulador tem fragilizada sua função primária de reformulação. Coexistindo com

essa discreta finalidade reformuladora, podem destacar-se outras funções de natureza

mais argumentativa, persuasiva, discursiva. O satélite parafraseador, portanto, alça

posições mais pragmáticas do que mera e primariamente semânticas. Uma vez que a

1-2

a questão toda é de

preparar

de de alguma forma

a gente tem que

preparar

Reformulação

3-4

Propósito

para a compreensão

do texto né

para a construção

do sentido do texto.

Reformulação

1-4

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relação retórica de reformulação se sobrepõe a outras, há uma tendência de que os

introdutores de paráfrase sejam explicitados.

Comecemos por (10), retirado de Oliveira (2011, p. 65).

(10)

Numa rápida análise sintática dos segmentos 1 e 2 de (10), vemos que o atributo

assassinos, do satélite, está contido já, mesmo que de forma encapsulada, no pronome

demonstrativo catafórico o, do núcleo. O que o item lexical assassinos faz, portanto, é

detalhar o que já estava presente no pronome o, ainda que somente no nível de cognição

do locutor. Essa é a razão pela qual, entre os segmentos 1 e 2, é muito mais presente a

relação retórica de elaboração do que a de reformulação. De fato, segundo Oliveira

(2011, p. 66), há aí “uma equivalência semântica fraca, pois os interlocutores precisam

ter acesso ao conhecimento extratextual, do julgamento dos supostos responsáveis pelo

ataque terrorista às torres gêmeas”. Uma vez que a relação de reformulação fica

fragilizada, o satélite 2, além de elaborar semanticamente seu núcleo, ainda mantém

com ele certa relação pragmática de avaliação. O adjetivo assassinos, envolto em

subjetividade, explicita a atitude positiva do locutor perante o que já estava encapsulado

no pronome o. Em síntese: entre os segmentos 1 e 2, há uma sobreposição de relações

retóricas (FORD, 1987), dentre as quais a relação de reformulação é a mais discreta,

sobressaindo-se as relações de elaboração e de avaliação. Por fim, é interessante a

presença do marcador ou seja, tipicamente parafraseador, o qual parece compensar a

baixa equivalência semântica entre os segmentos que une.

(11)

1-2

No curso desse

julgamento, Khalid

Sheikh Mohammed e

seus compatriotas

mostrarão o que são,

OU SEJA,

assassinos.

Elaboração

3-5

Justificação

3-4

Não estamos falando

de homens de

substância,

Lista

nem de grandes

personalidades.

Lista

São homens

pequenos.

Resumo

1-5

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Conforma Oliveira (2011, p. 66/67), há paráfrase entre os segmentos 6 e 7, com

equivalência semântica fraca entre si. O locutor de (11), talvez achando que não tivesse

sido suficientemente claro no segmento 6, explicita a informação aí contida por meio da

paráfrase não fizeram a lição de casa, situação que pode ter levado à contaminação ou à

gravidez indesejada. Sobrepondo-se à tênue função de reformulação do segmento 7, a

relação retórica de causa é muito mais nítida, o que talvez explique a presença do

marcador ou seja para compensar a baixa equivalência semântica. Apesar de a relação

de causa ser considerada, na RST, como uma relação semântica, o segmento 7 possui

alta força pragmática, uma vez que ele busca a adesão do interlocutor ao ponto de vista

do locutor do trecho.

(12)

O trecho (12), também retirado de Oliveira (2011, p. 67), é mais um caso de

paráfrase envolvendo segmentos de baixa equivalência semântica. A associação

semântica entre ter paciência e rezar e chance zero de sobrevivência advém muito mais

de conhecimentos extratextuais do que de informações textualmente linearizadas. Dessa

1-10

1-2

O impulso é maior

que o medo.

Você pode ter desejo

e se prevenir.

Antítese

3-10

Elaboração

6-10

6-7

Mas vira e mexe

aparece o parceiro

ou a parceira

contaminada, ou

grávida.

OU SEJA, não

fizeram a lição de

casa.

Causa

8-10

Avaliação

Continuo cada vez

mais descrente.

Lista

Dificilmente você

muda

comportamento.

Lista

Isso é frustrante.

Lista

3-5

Circusntância

Uma outra história é

quando um dos

parceiros é

soropositivo e o

outro não.

4-5

Avaliação

Interessa muito que

essa relação se

perpetue.

Porque se

estabelece critério

de confiança.

Justificação

OU SEJA, zero!1-2

Fundo

Um médico disse

para minha família

que ela deveria ter

paciência

Lista

e rezar.

Lista

1-3

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forma, os segmentos 1 e 2, muito mais do que matriz reformulada por 3, estabelecem

relação retórico-pragmática de fundo, fornecendo o suporte necessário para que o

interlocutor compreenda satisfatoriamente a informação contida no núcleo 3. Sem o

fundo proporcionado pelo satélite, dificilmente o interlocutor compreenderia o núcleo.

Portanto, é muito mais pragmática do que semântica a função de que se revestem os

segmentos 1 e 2. E, mais uma vez, o introdutor de paráfrases ou seja se mostrou

presente.

(13)

Nesse exemplo, segundo Hilgert (2010, p. 141), há uma paráfrase com

movimento semântico de um sentido específico e a um sentido geral. Esse sentido geral

se materializa por meio da expressão léxico-sintaticamente mais abrangente eu acho que

está bastante difícil. Ao invés de o locutor listar argumentos que comprovem seu ponto

de vista trazido no segmento 1, ele parece abortar essa argumentação e formular uma

expressão sintética avaliativa. O cunho avaliativo do satélite reformulador estabelece a

fraca equivalência semântica entre os segmentos, fazendo com que a relação retórica de

reformulação se fragilize para dar maior espaço à relação pragmática de avaliação

(marcada pela modalização dubitativa em eu acho e pelo sintagma bastante difícil).

Salientemos que, diferentemente do que ocorreu nos exemplos (10), (11) e (12), não

houve em (13) a presença de qualquer introdutor de paráfrase.

(14)

1-2

o médico hoje em dia

ele está ... se

sujeitando mui::to ... a

empregos tal

a situação do médico

eu acho que está ...

bastante difícil

Avaliação

Doc. – ((riu)) é

verdade

1-2

L1 – hoje:: fazer

pesquisa é viver de

poesia ...

não dá

Avaliação

L1 – QUER DIZER...

o pessoal não teria

nem nem para a

subsistência...

Elaboração

1-4

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Hilgert (2010, p. 142) considera que, em (14), o segmento 4 parafraseia o

segmento 2, por meio de uma paráfrase expansiva, ou seja, por meio da materialização

textual de uma estrutura léxico-sintática mais complexa. Cremos, no entanto, inclusive

como já se vê no diagrama arbóreo, que o segmento 4 tem como escopo não só o

segmento 2, mas ambos os segmentos 1 e 2. Há, sim, uma frágil relação de

reformulação textual advinda da fraca equivalência semântica entre núcleo e satélite: a

correspondência semântica que há entre esses segmentos é baseada em aspectos

metafóricos (fazer pesquisa é viver de poesia), altamente abstratos. Essa abstração do

núcleo é exemplificada por um exemplo mais concreto no satélite. Por isso é que

dizemos haver aí muito mais nítida (sobreposta, portanto) a relação retórica de

elaboração, de subtipo abstração – exemplo. Novamente, na ausência de alta

equivalência semântica, houve uso de um introdutor de paráfrase (quer dizer).

Para o trecho (15), optamos por não apresentar seu diagrama arbóreo. Devido à

grande extensão da passagem, acreditamos que a visualização do diagrama talvez não

ficasse tão clara. Portanto, segmentamos o trecho em suas 15 unidades discursivas já no

próprio corpo de (15).

(15) Revista Caros Amigos – O senhor diz que essa crise é de produção e

consumo. Explique o que é a crise de consumo.

Márcio Pochmann – (1) O que deu sustentabilidade de longo prazo ao

capitalismo no século 20 foi a produção de bens de consumo duráveis,

(2) como por exemplo, a casa própria e o automóvel. (3) Não são apenas

eles, (4) mas a casa e o automóvel simbolizam o consumo no capitalismo

do século 20. (5) A produção desses bens se difundiu pelo mundo, (6) no

entanto, apenas um quarto da população mundial tem acesso a esse

padrão de consumo. (7) Apenas um quarto. (8) É o que praticamente

temos no Brasil. (9) Para que esse padrão de consumo tivesse padrões

mundiais, (10) especialmente no mundo onde a renda per capita é muito

baixa, (11) foi necessário o aprofundamento do subdesenvolvimento,

(12) que é o que se pressupõe no Brasil. (13) Em outras palavras: para

que aqui no Brasil pudesse se instalar a indústria automobilística e a

produção nacional comparável à dos países ricos (14) foi necessário

concentrar profundamente a renda, (15) para poder viabilizar o padrão de

consumo dos mais ricos.

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Finalmente, em (15), segundo Oliveira (2011, p. 79), os segmentos 13-15

parafraseiam os segmentos 9-12, numa reformulação de fraca equivalência semântica.

No entanto, além de reformulá-los, os segmentos 13-15 facilitam a compreensão da tese

defendida pelo locutor. Por exemplo, a expressão aprofundamento do

subdesenvolvimento, da unidade 11, é explicada pela expressão concentrar

profundamente a renda, da unidade 14. Isto é, o satélite 13-15 promove substituições

lexicais que elaboram seu núcleo, 9-12. A equivalência semântica é fraca, pois é

necessário que o interlocutor seja provido de conhecimentos extratextuais para saber

compreender o conjunto 13-15 como reformulador de 9-12. Portanto, a relação retórica

de elaboração é muito mais nítida. Mais uma vez, houve a presença de um introdutor de

paráfrases (em outras palavras).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do exame feito ao longo deste artigo, pudemos demonstrar que a

paráfrase, muito mais do fenômeno semântico, se apresenta como importante estratégia

discursivo-pragmática de construção textual, deixando marcas, inclusive, no plano

sintático-formal de estruturação de textos. A RST, com sua sistematização

metodológica própria, nos auxiliou nesta tarefa de desnudar a multifuncionalidade do

processo parafrástico, sobretudo em uma de suas variedades semânticas. O resultado

obtido é mais uma evidência a favor da necessidade de se levarem em conta os vários

níveis de estruturação linguística (morfossintático, semântico e pragmático) quando do

estudo de fenômenos linguísticos.

6. REFERÊNCIAS

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109, 2000.

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falado: tipos, funções e marcas. In: NEVES, M. H. M. (org.), Gramática do Português

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