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Luís Erlin, cmf EM DEUS NÃO EXISTEM ACASOS, EXISTE PROVIDÊNCIA

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Luís Erlin, cmf

EM DEUS NÃO EXISTEM ACASOS, EXISTE PROVIDÊNCIA

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Para todas as pessoas que já tocaram

o Coração de Deus, de modo especial

para minha mãe, que o toca diariamente

através de suas orações.

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Prefácio

A mulher que tocou em Jesus é uma bela obra de ficção alicerçada na história. De ontem e de hoje. A his-tória é bíblica, o autor, Pe. Luís Erlin, conhece-a muito bem. Dos seus estudos e de suas reflexões. Já a conhecia quando, em Roma, vê-se diante de um quadro que lhe diz o que dizer. O escritor alimenta-se desses instantes, dessas inspirações. A obra de arte trata da arte que Deus é capaz de realizar em nossas vidas quando estamos prontos para o milagre.

Dos escritos bíblicos, Luís Erlin tece sua narrati-va. Ficcional, sim. Uma incursão cuidadosa pelas ruas sofridas e esperançosas da literatura. Trata-se da história de uma mulher. Uma mulher que chegou quando sua mãe partiu. Uma mulher condenada por ser mulher. Na-quele tempo, era assim. Talvez, hoje, também seja. Uma

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A mulher que tocou em Jesus

mulher que recebeu quase nenhum amor. Que sofreu os olhares de estranhamento, que cresceu sem os alicer-ces do crescimento. O pai ficou ao longe. Os irmãos, também. O marido parecia cumprir alguma obrigação. Afetos não moravam naquele lar. E vieram os filhos. E os filhos foram reproduzindo as lições do pai. E a crueza dos sentimentos parecia ser o tempero das refeições que faziam. E, aí, veio a doença. Uma doença indesejada.

Naqueles tempos, muitas doenças eram tidas como castigos, maldições, imundícies. A mulher foi expulsa de casa e ficou vagando pelos pedregulhos do mundo. Cortou-se, feriu-se. O sangue já não jorrava ape-nas do seu corpo. Jorrava de seu amanhã. Amanhã? Se-ria possível ter algum amanhã naquelas circunstâncias? E os três filhos? E o marido? E os vizinhos? Não. Não havia ninguém. Havia uma gruta e, naquela gruta, outras mulheres despejadas pela sociedade. Mulheres que tam-bém padeciam de alguma enfermidade, que enfeavam o mundo com as suas culpas. Culpas? O que fizeram elas para serem indignas do conviver? Os homens é que decidiam. E essa mulher condenada ao nada ouviu falar em Jesus. E o amanhã voltou a visitá-la. A esperança, há tanto adormecida, espreguiçou. Quem sabe se ani-maria? Quem sabe?! E Jesus passou por perto, e ela teve a ajuda de alguém para se aproximar. E se aproxi-mou. E tocou em seu manto. Como está no evangelho. E Jesus quis saber quem o havia tocado. Eram muitas pessoas que se aglomeravam. Era difícil de saber. Mas ele sabia que havia alguém, em especial, que o tocava com a fé necessária para o amanhã. Eles se olham. A

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Prefácio

enfermidade se vai. Um sorriso despreocupado surge e uma certeza esquenta as friezas de ontem. Não importa o que passou. Não importam as ausências, os xingamen-tos, as incompreensões. O que importa é o existir. E é a missão que o encontro com Jesus foi capaz de iluminar. Prossegue a história. E vai a história nos envolvendo. As dores dessa mulher se parecem com dores de tantas mu-lheres e homens que adoecem no corpo ou nos afetos. O autor segue nos surpreendendo. E vai lançando valores essenciais em tempos de preconceito, de radicalismo, de ódios, inclusive, religiosos. Faz isso com delicadeza. Não aponta regras. Alimenta conceitos. Estamos famintos de compaixão, de misericórdia.

O lançamento deste livro coincide com o Ano Santo da Misericórdia. Feliz visão do Papa Francisco a de nos convidar à misericórdia. De termos um coração compadecido, de sofrermos com aquele que sofre. De nos sabermos limitados. Todos nós. De nos reconhecer-mos carentes. Tristes tempos de “globalização da indife-rença”, de invisibilidades. Jesus viu aquela mulher. Para Jesus ninguém é invisível. Acolheu Ele a todos, inclusive os que a sociedade julgava não serem dignos. Quem tem o direito a esse julgamento? Quem são esses juízes? Quem a eles outorgou tal poder?

Cumprimento o autor, que já publicou outras óti-mas obras, que é cuidadoso com a linguagem e com a narrativa. E, mais do que isso, é cioso de sua missão sacerdotal, de apresentar um Jesus que se permite ser tocado. E que não hesita em curar, em acolher, em amar a quem quer que seja.

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A mulher que tocou em Jesus

Nas entrelinhas deste romance, uma profunda reflexão sobre o significado das religiões e das institui-ções. E mais. Um olhar amoroso para uma humanidade sedenta de humanidade.

Boa leitura.

Gabriel Chalita

Professor, escritor e presidente da Academia Paulista de Letras

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Apresentação

Em uma das viagens que fiz a Roma, tive a opor-tunidade de visitar as catacumbas dos santos

mártires Marcelino e Pedro. Ambos foram mortos no ano 304, durante a perseguição aos cristãos por or-dem de Diocleciano.

As catacumbas estão localizadas na Via Casilina e apresentam uma série de pinturas que retratam pas-sagens evangélicas, com diversos símbolos religiosos.

O afresco que mais me impressionou foi o que retratava a “mulher que havia tocado na orla do manto de Jesus”.

Meu coração se inclinou para contemplar essa pintura.

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A mulher que tocou em Jesus

Fiquei ali por algum tempo sem conseguir desviar o rosto dessa cena iconográfica.

No olhar daquela mulher, eu me senti retratado: eu, com minhas dores e feridas, tentando tocar o manto de Deus. Também visualizei nela o rosto de tantos ami-gos e parentes que sofrem com seus problemas.

Dessa experiência religiosa, surgiu a inspiração para escrever este livro.

A história que escrevo é uma ficção em prosa. Meu intuito é aproximar essa mulher “misteriosa” à nos-sa vida, apresentando uma mulher que nos aponte o caminho de uma vida em Cristo.

É uma ficção, mas poderia ser verdade, pois a história dessa mulher que escrevi, e que você tem em mãos, assemelha-se a muitas histórias de pessoas que Jesus curou, libertou e deu vida nova.

Sempre que leio a passagem bíblica da mulher se estendendo toda só para tocar o manto do Senhor, meu coração se emociona. Esse relato da Sagrada Escritura tem o poder de fazer brotar “misericórdia” em nós... Esse relato desperta compaixão!

Assim, convido você a reviver comigo a história

dessa misteriosa mulher!

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Apresentação

Jesus curando a mulher com sangramento

Afresco na catacumba de Marcelino e Pedro, em Roma, do começo do século IV.

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Oração antes de começar a leitura

Senhor Jesus,quando tu passares por minha vida,

desejo fazer como a mulher que se esticou para tocar em teu manto.

Com todas as minhas forças,estenderei meu braço para que meu dedo toque

a franja de tua roupa.Um simples toque e serei curado.

Um simples toque e serei transformado. O teu olhar sobre as minhas feridas

é a misericórdia que eu preciso.A tua mão estendida em minha direção

é o consolo que minha alma anseia.Quero seguir-te liberto de minhas amarras

por onde tu fores.Amém!

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Evangelho

Ora, havia ali uma mulher que já por doze anos padecia de um fluxo de sangue.

Sofrera muito nas mãos de vários médicos, gastando tudo o que possuía, sem achar nenhum

alívio; pelo contrário, piorava cada vez mais.Tendo ela ouvido falar de Jesus,

veio por detrás, entre a multidão, e tocou-lhe o manto.

Dizia ela consigo: Se tocar, ainda que seja na orla do seu manto,

estarei curada.Ora, no mesmo instante se lhe estancou a fonte

de sangue, e ela teve a sensação de estar curada.Jesus percebeu imediatamente que saíra dele

uma força e, voltando-se para o povo, perguntou:Quem tocou minhas vestes?

Responderam-lhe os seus discípulos: Vês que a multidão te comprime e perguntas:

Quem me tocou?

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E Ele olhava em derredor para ver quem o fizera.Ora, a mulher, atemorizada e trêmula, sabendo o que nela se tinha passado,

veio lançar-se a seus pés e contou-lhe toda a verdade.

Mas Ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal.

(Marcos 5,25-34)

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1A dor

Eis os olhos do Senhor pousados sobre os que o temem,

sobre os que esperam na sua bondade, a fim de livrar-lhes a alma da morte e nutri-los

no tempo da fome. Nossa alma espera no Senhor,

porque Ele é nosso amparo e nosso escudo. Nele, pois, se alegra o nosso coração,

em seu santo nome confiamos. Seja-nos manifestada, Senhor, a vossa misericórdia,

como a esperamos de vós.

(Salmo 32 [33],18-22)

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A dor

—Desejo a morte!

Não suporto mais viver assim!

Meu Deus, se de fato sua existência é real, alivie meu sofrimento e me tire desta vida.

São essas as frases que mais repeti durante doze anos de minha vida.

O fim da minha existência não era um desejo por desgostar de viver; sempre amei a vida; o que eu não suportava mais era a situação em que me encontrava, a dor que carregava.

Hoje não menosprezo dor alguma; quando alguém partilha comigo seu sofrimento, por mais tolo que me pareça ser (e, convenhamos, a dor alheia quase sempre nos parece “birra” infantil), tento não julgar, pois a dor

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A mulher que tocou em Jesus

de outro, quando medida com uma fita métrica por nós, parecerá pequena aos nossos olhos.

Nossa insensibilidade fez muita gente sofrer além da dor de que já padecia.

Para o sofredor, que vive o espinho cravado na alma, ou na carne, não tente dizer: “Você está sofrendo por isso?”.

Aquele que sofre vive a dor, por isso essa dor não tem medida.

O momento da dor, dure quanto durar, pode ser de um vazio eterno mesmo que seja como um estalar de dedos em um segundo.

Quando falo de dor, por mais que essa palavra nos remeta ao físico, ao corpo, tente não pensar assim; a dor de que falo, a dor que passei, vai muito além do corte na carne...

Ter a alma ferida é padecer de uma dor incomen-surável, pouco compreendida pelos outros, pois a dor é sua, e ninguém a vê.

Quando o ferimento é em algum ponto do corpo, as pessoas que nos amam podem até se solidarizar, mas, quando essa dor não se apresenta fisicamente, corremos o risco de ser julgados até pelos mais próximos de nós. Mas não fazem isso por maldade.

Mesmo aqueles que nos amam não conseguem chegar aonde está o crepitar da chama que nos man-tém vivos.

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A dor

Nas minhas orações, não pedia mais a cura da minha doença física, pois a doença parecia pouco para o ferimento que havia se instalado em meu espírito. Implorava o alívio, a ponta molhada do dedo de Deus suavizando a secura da minha alma.

Lembro-me que eu repetia as frases de um salmo, mais ou menos assim:

Quem me dera eu tivesse agora asas de pomba,

eu voaria para um lugar de repouso,eu iria bem longe morar no deserto.

Com muita pressa buscaria um abrigocontra o vendaval e a tempestade [...]

Quando recitava essa passagem bastante poética, implorava não mais viver aqui; meu desejo era fugir para um lugar distante onde não existisse dor, um lugar que me abrigasse, que me abraçasse. Um lugar onde eu pu-desse recomeçar.

No meu íntimo, porém, eu pedia o fim. Suplicava a morte...

No dia em que Ele passou, estava deitada em mi-nha esteira em um estado de mendicância total.

É interessante que os fatos, quando marcam nos-sa vida, podem ser lembrados com uma incrível riqueza de detalhes, inclusive trazendo à tona sabores, cheiros, palavras, diálogos, gestos... Trazendo esse dia para hoje, o agora.

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A mulher que tocou em Jesus

Meu encontro com Ele foi assim: marcou o meu viver eternamente, e não podia ser de outro jeito, foi como deveria ser, conforme os projetos de Deus.

Já havia chegado ao meu limite psicológico e fí-sico. Se algo não acontecesse e se Deus não viesse ao meu encontro, imagino que, com as poucas forças que me restavam, eu mesma iria ao encontro dele.

Da gruta onde eu morava com mais uma dezena de mulheres doentes, escutei uma movimentação inten-sa, muita gente passando, uma gritaria não comum para aquele lugar. Por essa gruta, que ficava perto de uma estrada, passavam, constantemente, viajantes que iam de uma cidade para outra.

Eu e as outras mulheres vivíamos das esmolas que esses viajantes nos davam, muitas vezes não por caridade, mas por medo, medo de que nos aproximássemos deles.

Naquele dia o número de pessoas passando era acima do normal, a ponto de me despertar. Todavia, eu não tinha forças para levantar e ver o que acontecia.

Uma senhora enferma, recém-chegada à gruta, chamada Abigail, que estava em melhores condições de saúde que todas nós, foi ver a movimentação e voltou correndo para trazer a notícia de que passava por ali um homem que fazia milagres, o qual muitos acreditavam ser o Messias tão esperado.

Eu já tinha ouvido falar dele, mas, como havia muitos boatos, imaginei que fosse mais um desses falsos profetas que convivem conosco.

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Abigail chegou gritando:

— É Jesus, é Jesus... Em Jericó eu já tinha ouvido falar dele, afirmava ela.

As outras mulheres começaram a se levantar rapi-damente, correndo para a entrada da gruta.

Senti meu coração acelerar e fiquei imóvel por alguns segundos. Abigail, sem que eu pedisse, começou a me levantar à força, dizendo:

— Vamos, fique de pé. Eu te ajudo!

Enquanto eu levantava com o auxílio de Abigail, meu corpo tremia todo. Estava emocionada, mas não sabia explicar a razão; meu coração batia acelerado, en-tão respirei com toda a força, como que sugando do ar a energia necessária para permanecer de pé.

— Eu te ajudo, eu te ajudo, repetia Abigail, inces-santemente.

Era a primeira vez que ficava de pé depois de se-manas naquela esteira, deitada, implorando a morte.

Não posso dizer que pensei muito, apenas fui mo-vida pelo instinto. Bem, pelo menos no começo, eu dizia “instinto”, tentando compreender tudo o que acontecera, mas, depois do encontro com Ele, sei que não fui eu quem o escolhi: foi Ele quem me escolheu.

Não foi instinto, foi o Espírito Santo que usou to-das as ferramentas para me aproximar do Messias.

Louvo a Deus pela vida de Abigail, que serviu de instrumento para promover esse encontro.

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A mulher que tocou em Jesus

Coloquei-me à beira do caminho esperando a caravana passar. Ao meu lado havia outras pessoas em situação semelhante à minha ou até pior. Todos nós estávamos depositando nosso último fio de esperança naquele homem, que eu não fazia ideia quem era.

Conforme Ele se aproximava, as pessoas gritavam e suplicavam que Deus, por intermédio dele, interviesse, curasse e libertasse.

Algo estranho aconteceu comigo: não conseguia gritar, talvez pela comoção que estava vivendo. Abigail estava abraçada comigo, me segurando, e ela também não gritava, mas chorava copiosamente.

Ainda não conseguia vê-lo, pois a multidão era numerosa, mas sentia que Ele estava muito perto.

Pela primeira vez, meus olhos viram algo extraor-dinário. Quando avistei Jesus, minha alma aquietou-se e tive certeza de que Ele não era um homem comum.

Sem mesmo ter trocado uma única palavra com Ele até aquele momento, sem ao menos saber sua histó-ria, tive a plena convicção de que tinha tido uma expe-riência divina.

Bastou um olhar meu em direção a Ele, apenas um olhar, para despertar em mim toda a fé de que preci-sava. Sabia que, a partir daquele momento, jamais seria a mesma.

Ele nem tinha olhado para mim ainda, mas, para mim, esse encontro já tinha acontecido. Eu o vi!

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Hoje fico pensando em tudo isso e me emociono. Todas as vezes que conto essa história eu me comovo, como naquele dia. Agora, neste instante, tenho a nítida impressão de vê-lo novamente, da mesma forma, com o mesmo sentimento.

— Tenha fé, dizia para mim Abigail.

Eu acreditei. Por mais que não fosse curada da minha doença física, sabia que algo maior já tinha me acontecido.

Depois de anos, tive esperança. Esta, creio, foi a maior graça que recebi naquele dia. Quando se perde a esperança, perde-se o gosto pela vida.

Esperar é o mesmo que olhar para a frente e di-zer: “Ainda é possível”!

Era esse esperar que eu havia perdido. Já não esperava e, com isso, também não mais acreditava. Não podemos afirmar que cremos se não esperamos.

Por isso, a depressão é algo muito cruel, pois nos tira a esperança e, consequentemente, a fé.

E, sem fé, somos como borboletas presas dentro de um recipiente pequeno e muito bem fechado. No começo da prisão, ainda batemos nossas asas na esperança de voar. Entretanto, com o passar do tempo, percebemos que voar não vale a pena, pois estamos gastando energia em vão.

A prisão, muitas vezes, acaba sendo mais forte que a gente. No momento em que desistimos de voar, embora ainda estejamos vivos, a morte já nos beija a alma.

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A mulher que tocou em Jesus

Viver sem esperança é contrair matrimônio com a morte antes mesmo de morrer. Viver sem fé é parar de bater as asas buscando libertar-se; viver sem fé é decretar a morte do que nos move: o Espírito.

Ao ver as pessoas ao meu redor, percebi que exis-tiam dores piores que a minha. Existiam situações de vida bem mais desesperadoras. Mas como já afirmei – a dor não pode ser medida – esta foi apenas uma impressão que tive.

Foi por essa razão que não me senti digna de falar com Ele. Vendo os flagelos dos outros enfermos, cada vez mais me convencia: “Não sou mais que esses outros que também imploram clemência”.

Fui caminhando lentamente atrás da multidão, acompanhando a legião de moribundos que buscavam, como eu, uma razão para continuar vivos.

Algumas pessoas gritavam por Ele:

— Jesus, Filho de Davi, estou aqui.Toca-me, por favor!

Vez ou outra, Ele parava, segurava a pessoa pela mão e dizia algumas palavras que eu não conseguia ouvir. Em cada momento que isso acontecia, a multidão ficava ainda mais emocionada. O desespero para conseguir um toque, uma palavra dele era tanto que a multidão se comprimia.

Então me dei conta de que não conseguiria dispu-tar a atenção dele com todos aqueles doentes. E pensei comigo mesma: “Se eu tocar, ainda que seja na orla de seu manto, estarei curada”.

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Continuei seguindo a multidão, sempre amparada por Abigail, que dizia palavras de incentivo:

— Vamos! Você consegue!

Mesmo passando por aquela forte emoção, brotou em minha mente, de forma rápida, um questionamento:

“Como pode esta mulher, enferma como eu, estar pensando em mim, e não nela. Ela devia estar buscando a própria cura, e não perdendo tempo comigo”.

São mistérios da caridade humana que nem sem-pre conseguimos explicar.

É por essa razão que as Sagradas Escrituras dizem que somos a imagem e a semelhança de Deus.

Muito tempo depois, fui descobrir que essa capa-cidade que temos de amar e doar-nos ao extremo nos torna santos... Doar a própria vida para que o outro viva!

Seguindo a multidão, eu repetia em meu interior: “Bastará um toque na orla do seu manto! Apenas um toque em seu manto! Em seu manto, apenas um toque, e serei curada!”.

Foi nesse momento que uma senhora idosa trope-çou e caiu no chão.

Ele, então parou e se dirigiu em direção à mulher, que estava, mais ou menos, a uns 2 metros de mim. Então meu coração acelerou novamente.

Por um instante fez-se um silêncio; Ele se aproxi-mou da mulher e lhe estendeu a mão.

— Levanta-te, minha filha, disse Ele.

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A mulher que tocou em Jesus

A mulher, em um salto, pôs-se de pé, louvando e agradecendo.

— Deus ouviu o clamor da minha prece, dizia re-petidamente.

Ele pôs as mãos sobre a senhora durante alguns segundos. Soprou sobre ela e disse:

— Esteja liberta! Vá em paz!

“Quem é esse homem – eu me questionava – que olha para os que estão caídos?”. Em geral, tendemos a olhar para os que estão de pé, e não o contrário. “Quem é esse homem que, com um simples gesto, é capaz de nos devolver a dignidade perdida há anos?”.

Assim que Ele se virou para seguir seu caminho, estando eu tão próxima dele, percebi que aquela seria a minha grande chance, talvez a única.

Juntei todas as minhas forças e me aproximei dele por trás. Estando a pouco menos de meio metro, esti-quei meu braço direito e com toda a minha força alcancei seu manto.

Toquei-o!

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