a misericórdia da póvoa de lanhoso (1928-1950): uma instituição de assistência de mãos dadas...

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CONGRESSO INTERNACIONAL 500 ANOS DE HISTÓRIA DAS MISERICÓRDIAS Atas Braga . 2014 Coordenação BERNARDO REIS

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ResumoPropositadamente fundada, em 1928, para administrar um hospital construído e legado à terra por um “brasileiro”, a Misericórdia da Póvoa de Lanhoso transformou-se, pouco tempo volvido, em palco de grandes rivalidades políticas. Na sua criação estiveram envolvidos republicanos radicais e moderados, monárquicos, integralistas e homens dos movimentos católicos. Mas o tempo de aparente bom convívio viria a durar pouco. As mudanças que levaram Portugal da I República à Ditadura Militar e desta ao Estado Novo tiveram grandes reflexos na vida do país, as quais se refletiram também nesta instituição. O nosso artigo pretende analisar a criação e a posterior instabilidade no seio da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso, a sua importância para a população concelhia, facto que tornou o seu domínio tão apetecível e disputado pela elite local e, por fim, a intervenção do governo central na resolução de alguns desses desentendimentos.Palavras-chave : Misericórdias, assistência, elites locais, Estado NovoAbstractSpecifically founded, in 1928, to manage an hospital built, and donated to the town by a returned “brasilian”, the Misericórdia of Póvoa de Lanhoso became, in short time, a stage of political differences. In it’s creation were involved radical and moderate republicans, monarchists, integralists, and men from the catholic movements. But the time of apparent good fellowship among all would be short. The political changes wich took Portugal from the first republic to the militar dictatorship and from this last one to the Estado Novo had great reflex on the country, wich were also seen on this institution. In our arthicle we intend to analyze the creation and following instability within the Misericórdia of Póvoa de Lanhoso, its importance to the communal population, fact that made its dominance so appealing and disputed by the local parties and, lastly, the government intervention in the settlement of some of these disagreements.Keywords : assistance, Estado Novo, local elite, Misericórdias

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CONGRESSO INTERNACIONAL500 ANOS DE HISTÓRIA

DAS MISERICÓRDIAS

Atas

Braga . 2014

Coordenação

Bernardo reis

Page 2: A Misericórdia da Póvoa de Lanhoso (1928-1950): uma instituição de assistência de mãos dadas com o poder político The Misericórdia of Póvoa de Lanhoso (1928-1950) : an institution

Título congresso internAcionAl

500 Anos de históriA dAs misericórdiAs . ATAS

Autor Vários

Coordenação Bernardo reis

Edição santa Casa da MiseriCórdia de Braga

Fotografias Sérgio Freitas

Tiragem 500 exemplares

Data de saída Setembro 2014

Capa Arranjo gráfico com tema do cartaz do Congresso Internacional 500 Anos de História das Misericórdias (des. Alexandra Esteves)

Preparação gráfica Ulisses_200

Impressão e acabamento Graficamares, Lda.

R. Parque Industrial Monte Rabadas, 10

4720-608 Prozelo - Amares

Depósito legal 380121/14

ISBN 978-972-96038-3-9

O conteúdo dos artigos e a norma ortográfica usada são da responsabilidade dos autores.

9 7 8 9 7 2 9 6 0 3 8 3 9

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A misericórdia da Póvoa de lanhoso (1928-1950): uma instituição de assistência

de mãos dadas com o poder político

The misericórdia of Póvoa de Lanhoso (1928-1950) : an institution for assistance

hand in hand with political power

José Abílio Coelho*Universidade do Minho

[email protected]

resumo

Propositadamente fundada, em 1928, para administrar um hospital construído e legado à terra por um “brasileiro”, a Misericórdia da Póvoa de Lanhoso transformou-se, pouco tempo volvido, em palco de grandes rivalidades políticas. Na sua criação estiveram envolvi- dos republicanos radicais e moderados, monárquicos, integralistas e homens dos movimentos católicos. Mas o tempo de aparente bom convívio viria a durar pouco. As mudanças que levaram Portugal da I república à Ditadura Militar e desta ao Estado Novo tiveram grandes reflexos na vida do país, as quais se refletiram também nesta instituição. O nosso artigo pretende analisar a criação e a posterior instabilidade no seio da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso, a sua importância para a população concelhia, facto que tornou o seu domínio tão apetecível e disputado pela elite local e, por fim, a intervenção do governo central na resolução de alguns desses desentendimentos.

Palavras-chave : Misericórdias, assistência, elites locais, Estado Novo

Abstract

Specifically founded, in 1928, to manage an hospital built, and donated to the town by a returned “brasilian”, the Misericórdia of Póvoa de Lanhoso became, in short time, a stage of political differences. In it’s creation were involved radical and moderate republicans, monarchists, integralists, and men from the catholic movements. But the time of apparent good fellowship among all would be short. The political changes wich took Portugal from the first republic to the militar dictatorship and from this last one to the Estado Novo had

* Doutorando da Universidade do Minho. Membro do CITCEM. Bolseiro da FCT (SFrH/BD/72634/2010).

Congresso Internacional 500 Anos de História das Misericórdias. Actas 301-332

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great reflex on the country, wich were also seen on this institution. In our arthicle we intend to analyze the creation and following instability within the Misericórdia of Póvoa de Lanhoso, its importance to the communal population, fact that made its dominance so appealing and disputed by the local parties and, lastly, the government intervention in the settlement of some of these disagreements.

Keywords : assistance, Estado Novo, local elite, Misericórdias

1. A assistência oficial no concelho da Póvoa de lanhoso durante o século XiX

Durante toda a centúria de oitocentos, como nos primeiros dezassete anos da seguinte, a assistência oficial aos pobres da Póvoa de Lanhoso, con-celho rural do interior minhoto, foi garantida, nos termos das leis vigentes, pela câmara do município1.

A prestação dessa assistência teve lugar através, sobretudo, da manu-tenção de uma casa da Roda, do pagamento de subsídios a amas-de-leite, a crianças desvalidas2 e a doentes que necessitavam de internamento em hospi-

1 Não possuímos informação para séculos anteriores dado o arquivo do município estar bastante depauperado por razões que não conhecemos completamente, mas para as quais deverão ter contribuído várias causas: um incêndio ocorrido na secretaria do antigo edi-fício em finais do século XIX, a “destruição de muita papelada” pelas tropas ali acantonadas durante a monarquia do norte e, já em meados do século XX, pela mudança dos velhos para uns novos paços do concelho.

2 Para um melhor conhecimento sobre expostos e pobreza na infância em Portugal, ler, sobretudo Abreu, Laurinda – Pina Manique. Um Reformador no Portugal das Luzes, Lisboa, Gradiva, 2013; Cubeiro, Tiago Manuel Rodrigues – A assistência à infância em Torres Novas: estudo dos subsídios de lactação concedidos pela Câmara Municipal (1873-1910), dissertação de mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2011; Araújo, Maria Marta Lobo de – “Niños pobres en Portugal: representaciones y prácticas de asis- tencia (siglos XVI-XIX)”, in Roldán, Francisco Núñez – La Infancia en España y Portugal (Siglos XVI-XIX), Madrid, Sílex Ediciones, 2012, pp. 29-42; Lopes, Maria Antónia – “Nacer y sobrevivir: La peligrosa infancia en Portugal durante los siglos XVIII y XIX”, in Roldán, Francisco Núñez – La Infancia en España y Portugal (Siglos XVI-XIX), ed. cit., pp. 43-68; Reis, Maria de Fátima – Os Expostos de Santarém. A Acção Social da Misericórdia (1691- -1710), Lisboa, Edições Cosmos, 2001; Simões, João Alves – Os Expostos da Roda de Góis. 1784-1841, dissertação de mestrado em história contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999; Tiago, Sílvia Maria Bandeira Rodrigues – “Subsídios para o estudo dos expostos em Viana – Século XIX”, Cadernos Vianenses, n.º 32, 1998, pp. 171-206; Sá, Isabel dos Guimarães – “A Assistência à Infância no Porto do Século XIX: Expostos e Lactados”, Cadernos do Noroeste, 5 (1-2), 1992, pp. 179-190; Sá, Isabel dos Guimarães

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tais especializados e, ainda, da disponibilização de facultativos de partido que, para além dos expostos, se obrigavam a “curar” gratuitamente os doentes que apresentassem atestados de pobreza3.

Importa deixar aqui, desde já, duas breves notas. A primeira para se dizer que na área do município, nas datas indicadas e para além da tradicional ajuda prestada pelas confrarias religiosas e da já referida casa da Roda, não existiu qualquer instituição organizada, privada ou pública, de apoio à pobreza ou aos doentes pobres4 e que, apesar da lei de 25 de maio de 1911 o prever expres-samente5, não encontrámos, nas várias fontes consultadas, qualquer refe-rência à criação de uma comissão municipal de assistência antes de meados da década de 1920. A segunda nota é para sublinhar que quando nos referimos aos pobres da terra, sentimos a necessidade de os dividir em dois blocos dis-tintos: o dos expostos, com os quais a câmara gastava anualmente elevadís-simas somas, sempre muito acima das receitas correntes de que dispunha, e todos os outros pobres, alvos de apoios pouco mais que insignificantes6.

No respeitante aos expostos – cujo número anual chegou a rondar, durante boa parte do século XIX, a centena de indivíduos – o apoio, apesar

– “A Casa da Roda do Porto e o seu funcionamento – 1710-1780), separata da Revista da Faculdade de Letras – História, II série, vol. II, Porto, 1985, pp. 161-199.

3 Sobre médicos de partido, cf. Coelho, José Abílio – “Facultativos dos Partido Municipais: cuidados médicos prestados aos doentes pobres nos concelhos e nos hospitais”, in Anais do IV Encontro Internacional de História Colonial: Os prestadores de cuidados de saúde hospitalar em Portugal e no Brasil, (vol.15), Belém, Editora Açaí/PPHIST-UFA, 2014, pp. 30-42.

4 Os pobres contavam, nas suas necessidades, quer com a caridade privada, em forma de esmola ou do oferecimento de comida e roupas, quer com a praticada pelas irmandades existentes nas paróquias, como acontecia, aliás, em todo o país. Para um melhor conhe-cimento desta matéria, cf. Sá, Isabel dos Guimarães – “Assistência na Época Moderna e Contemporânea”, in Azevedo, Carlos Moreira (dir.) – Dicionário de História Religiosa de Por-tugal, A-C, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 140-149. Sobre pobreza e assistência nos conceitos moral e religioso, social e político, ler Fonseca, Maria Adília Bento Fernandes da – O Recolhimento de Santo António do Sacramento de Torre de Moncorvo (1661-1814). Clausura e destinos femininos, dissertação de doutoramento, Universidade do Minho, 2013, pp. 13-32.

5 Cf. Decreto com força de lei, de 25 de maio, in Diario do Governo, n.º 122, de 26 de maio de 1911, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 2130-2133.

6 Desde o Antigo Regime que “apesar de teoricamente todos os pobres terem direito à esmola, a prática demonstra que nem todos tinham acesso a iguais serviços de caridade e apenas alguns eram considerados merecedores de os receber”. Cf. Araújo, Maria Marta Lobo de – Rituais de Caridade na Misericórdia de Ponte de Lima (Séculos XVII-XIX), Ponte de Lima, Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, 2003, p. 9.

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das sucessivas alterações legais e nomeadamente daquela que acabou com as casas da Roda, manteve-se até aos finais da primeira década do século XX7. Em 1810, por exemplo, a câmara pagava a 84 amas de aleitamento ou criação, a cujo “ordenado”, que podia ir dos 140 réis por 26 dias de aleitamento aos 8.760 réis por dez meses completos da mesma função, se adicionavam os gastos com a renda da casa, ordenados aos seus empregados, enxovais e serviço dos cirurgiões, totalizando as despesas, nesse mesmo ano, os 513.057 réis8.

O número dos expostos e as despesas referentes foram crescendo ao longo das décadas seguintes, com picos elevadíssimos nas de 1830 a 18509. E apesar de, em 1867, as Rodas terem sido extintas10, o facto, na prática e de imediato, não alterou significativamente o número de expostos apoiados na Póvoa de Lanhoso, que se manteve na casa das muitas dezenas, apenas começando a decrescer na última década do século XIX. Em 1900 eram ainda 32 as amas remuneradas e só a partir dessa data o número foi diminuindo progressiva-mente, para se registarem apenas nove, em 190711. No respeitante aos desva-lidos, dispomos apenas de números para as primeiras décadas do século XX, nunca sendo apoiados, anualmente, mais de duas ou três dezenas de casos,

7 Sobre as mudanças legislativas referentes à problemática dos expostos, abandonados e des-validos, deve ler-se Fonte, Teodoro Afonso da – “República, assistência e protecção social de menores em perigo moral”, in Estudos Regionais, II série, 4, Centro de Estudos Regionais, Viana do Castelo, 2011, pp. 173-185.

8 Cf. Arquivo Municipal da Póvoa de Lanhoso (doravante AMPL), Livro das despesas com os expostos referentes aos anos de 1810-1833, fls. 2-12.

9 Em 1849, a câmara teve, de receita ordinária, 221.370 réis, sendo as despesas com a assis-tência, no mesmo ano, orçadas em 845.788 réis. Desta verba, 96.000 réis foram pagos ao cirurgião e os restantes 748.538 réis gastos com a manutenção da casa, a sustentação das crianças e o pagamento de subsídios em débito que vinham de anos anteriores. Neste ano, a câmara teve um saldo negativo de 1.128.661 réis, que foi regularizado pelo lançamento de derramas sobre os habitantes do concelho, com base na “décima predial e industrial, por não haver dados mais seguros”. Cf. AMPL, Livro de actas da câmara de 1949, fls. 113-114v. No ano seguinte, a receita total da câmara foi de 242.730 réis, tendo sido orçamentados, para assistência: 660.292 réis para os expostos (referentes ao ano económico de 1850-1851), 20.000 réis para o hospital dos entrevados e 1.352 réis de propina a médicos de Coimbra. Mesmo não tendo sido orçamentada qualquer verba para o cirurgião do partido, registou-se um saldo negativo de 1.308.511 réis, também ele reposto pelo lançamento de derramas. Cf. AMPL, Livro de actas da câmara de 1850, fls. 146-148.

10 Cf. Reis, Maria de Fátima – Os Expostos de Santarém. A Acção Social da Misericórdia (1691- -1710)..., p. 90.

11 Cf. AMPL, Pasta de expostos da Junta Geral do Distrito, documentos avulso, sem paginação.

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sendo ainda menor os daqueles cujos males pediam internamentos em hospi-tais especializados12.

As despesas com os expostos ao longo do século XIX chegaram, durante décadas inteiras, a ser muito maiores que o próprio orçamento corrente do município. Em 184913 a câmara orçamentou, como receita ordinária, 221.370 réis, enquanto para o mesmo ano económico só o valor destinado à assistência atingia os 845.788 réis. Deste montante, 96.000 réis destinavam-se ao cirurgião do partido, e o restante a remunerar as amas, embora a parte a estas referente incluísse retroativos arbitrados pela Junta Geral do Distrito.

Manter tão elevado custo com a assistência aos expostos era grave pro-blema com o qual o município se debatia. Ainda em 1849, a diferença entre a receita e o total das despesas municipais, acrescidas dos valores em débito, apresentou um saldo negativo de 1.128.661 réis, que viria a ser regulari-zado, ou pelo menos tentada a sua regularização, através do lançamento de derramas sobre os proprietários do concelho com base na “décima predial e industrial”14. No ano seguinte a receita geral foi de 242.730 réis, enquanto a despesa orçamentada para os enjeitados atingia os 660.292 réis. Da diferença entre despesas e débitos resultou um saldo negativo de 1.308.511 réis, o que obrigou a nova derrama15.

Para além do que era gasto com expostos e desvalidos, a câmara apoiava localmente outros doentes pobres disponibilizando-lhes a assistência possível através do facultativo de seu partido. Em 1810, pagava a três cirurgiões dos órfãos, que atendiam também indivíduos reconhecidamente pobres16. No res-peitante à assistência pelos facultativos, não encontrámos fontes que per-mitam calcular o número dos que a ela tinham acesso, mas não era com toda a certeza elevado, pois, para além das consultas gratuitas aos que apresentassem atestados de pobreza, “curavam” os partidistas os seus doentes privados pelo “regime de pulso livre”, exercendo ainda funções de saúde pública, situação que no meio rural se manteve até ao fim da I República. No caso da Póvoa de Lanhoso, entre 1830 e 1906 existiu apenas um partidista para assistir todo o concelho (com uma população que andou entre os 12 000 e os 17 000 habi-

12 As atribuições destes subsídios estão registadas nos livros de atas da câmara do município até aos anos sessenta do século XX.

13 Gostaria de aqui deixar uma palavra de agradecimento ao Dr. Paulo Alexandre ribeiro Freitas, pelas facilidades concedidas na pesquisa documental.

14 Cf. AMPL, Livro de actas da câmara de 1849, fls. 113-114v.15 Cf. AMPL, Livro de actas da câmara de 1850, fls. 146-148.16 Cf. AMPL, Livro das despesas com os expostos referentes aos anos de 1810-1833, fl. 11v.

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tantes, consoante as sucessivas mexidas administrativas que lhe anexavam ou retiravam freguesias), sendo o facultativo obrigado a atender doentes a domi-cílio, o que o obrigava a deslocações constantes que podiam atingir os dez ou quinze quilómetros.

A situação financeira de grande parte destes doentes era confrangedora pelo que, à falta de um atendimento regular, muitos deles morriam sem qual-quer tipo de apoio17. Não virá a despropósito referir-se, contudo, que para além de ser comum as pessoas tentarem resolver os problemas de saúde uti-lizando a mais variada gama de remédios caseiros, tantas vezes ineficientes, era a doença, em geral, aceite com resignação ou até como uma purgação dos pecados que podia ajudar a abrir as portas do céu pelo que, com frequência, esperavam a morte como um desígnio natural18.

Sobrecarregados com derramas destinadas a apoiar os expostos e doentes pobres, os contribuintes ativos protestavam frequentemente contra os altos custos da assistência. Em 1838, a câmara da Póvoa de Lanhoso resolveu dis-pensar os serviços do seu cirurgião por achar que não era conveniente con-tinuar a pagar-lhe os 24.000 réis anuais, lavrando em ata a “repugnância que os povos têm no pagamento de derramas” e decidindo que o faculta-tivo fosse suspenso enquanto não houvesse rendimentos suficientes para a Roda e seus empregados; e que, se absolutamente necessário para exa-minar o estado de saúde dos expostos, se lhe pagasse “o seu diário segundo o costume da terra ou as circunstâncias”19. Parece, pois, poder-se concluir que se tornava menos oneroso os expostos serem vistos em regime de con-sulta privada que pelo sistema de partido, o que evidencia, como dissemos já, que as consultas não seriam em número elevado. Esta decisão da câmara acabaria por não vingar pois, cabendo sempre a última palavra aos órgãos distritais, forte oposição aos dos municípios sempre que estes tentavam ali-geirar os seus compromissos, a dispensa do facultativo não foi autorizada20.

17 Em 1871, a câmara oficiou ao facultativo do seu partido para, nos termos do seu contrato, atender gratuitamente os filhos de uma mãe que se queixava de ter duas crianças doentes e de o partidista se ter recusado a atendê-las. Cf. AMPL, Livro de atas da câmara (1971-1877), fls. 6-6v.

18 Sobre este tema para os séculos XIX e XX, veja-se especialmente Lopes, Maria Antónia – “As grandes datas da existência: momentos privados e rituais públicos”, in Mattoso, José (dir.) – História da Vida Privada em Portugal, ed. cit., pp. 152-193 e, muito especialmente, o subcapítulo “Morte”, pp. 178-191.

19 AMPL, Livro de atas da câmara de 1838, n.º 1, fl. 42v.20 AMPL, Livro de atas da câmara 1838, n.º 1, fl. 149

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A partir de 1845, por decreto de 26 de novembro, os municípios viram-se obrigados a admitir um vice-provedor de saúde, sendo o cargo desempenhado “pelo facultativo de partido, que todas as Câmaras Municipaes, ficam obrigadas a ter”21. Referia o articulado da lei que as cidades de Lisboa e Porto podiam dispor de tantos partidistas quantos os bairros administrativos que cada uma possuísse, devendo as restantes câmaras do país ter partidos para médico e para cirurgião, se a ambos pudessem manter ou, caso contrário, apenas para o facultativo que melhor pudesse satisfazer as necessidades médicas da terra. Observava porém o decreto que os concelhos cujos rendimentos, por dimi-nutos, não possibilitassem o pagamento sequer a um partidista, deviam, por deliberação do respetivo conselho distrital, juntar-se a algum dos circunvi-zinhos para, na proporção dos respetivos rendimentos, contribuirem para o partido do vice-provedor de saúde que exerceria simultaneamente em ambos os concelhos as suas funções22.

Mais uma vez a câmara da Póvoa de Lanhoso começou por resistir à lei, argumentando que não podia suportar tais custos, mas acabou por se vergar, de novo, aos argumentos dos órgãos do distrito e, em 1846, no contexto da revolta da Maria da Fonte que teve epicentro neste concelho, era já este agente de saúde pública que emitia as vinhetas para os enterramentos23.

Até 1906 a assistência aos expostos e aos doentes pobres continuou a ser exercida por um único facultativo municipal e só nesse ano, invocando o “sagrado direito das gentes à saúde”, a câmara decidiu criar um segundo par-

21 Cf. Diário do Governo, n.º 281, de 28 de novembro de 1845, pp. 783-821.22 Cf. ibidem.23 Sobre este assunto, consulte-se Freitas, Paulo Alexandre Ribeiro – O Liberalismo na Póvoa de

Lanhoso: O Administrador do Concelho na Revolução da Maria da Fonte, dissertação de mestrado policopiada, Universidade do Minho, 2010, pp. 24-26; Capela, José V.; Borralheiro, Rogério – A Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso: novos documentos para a sua história, Póvoa de Lanhoso, Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, 1996, pp. 52-60. Pela mesma lei, a vacinação antiva-riólica passou a ser obrigatória e gratuita em todos os concelhos, cabendo às câmaras garantir a sua aplicação através do seu facultativo, sendo “as agulhetas necessárias para vacinar, assim como os vidros, e o pús vaccinico” fornecidos pelo conselho de saúde pública. No município da Póvoa de Lanhoso a aplicação da “limpha vaccinica” acontecia às quintas-feiras, dia em que, como a lei aconselhava se fizesse, era o de maior ajuntamento por ser o dia da feira semanal. AMPL, Livro de actas da câmara, n.º 14, fl. 54. A vacinação pública foi assumida pelas câmaras dos concelhos ruais até à criação dos centros de saúde, em 1971. Branco, António Gomes; Ramos, Vítor – “Cuidados de saúde primários em Portugal”, volume temático, 2001, p. 5, in http://www.ensp.unl.pt/dispositivos-de-apoio/cdi/cdi/sector-de-publicacoes/revista/2000-2008/pdfs/E-01-2001.pdf [acesso em 6.01.2014].

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tido24, passando cada um deles a dar assistência a metade das 28 freguesias que compunham o concelho, cujo número de habitantes rondava os 17 00025.

Até 1917, apesar das várias alterações legais e comportamentais que a I República quis implementar, a assistência oficial no concelho da Póvoa de Lanhoso não sofreu grandes alterações, continuando o município a suportar pouco mais que a manutenção dos dois “médicos dos pobres”26.

O apoio privado, ainda que reduzido para tão grande número de neces-sitados, manteve-se por parte da Igreja e de alguns particulares, destacando-se agora, entre estes últimos alguns “brasileiros” que, regressados ricos ao concelho, sobretudo a partir da década de 1870, se foram constituindo, paulatinamente, como mais uma fonte de apoio aos muitos necessitados.

2. A criação privada de um hospital para os pobres

A abordagem que fizemos no primeiro ponto deste artigo, podendo parecer extravasar a temática sugerida no título, serviu apenas para, mos-trando os antecedentes, justificar o grande impacto social e político que, em 1917, resultou da inauguração de um hospital privado na sede do concelho da Póvoa de Lanhoso, instituição que veio alterar o paradigma da assistência aos doentes pobres da terra. Custeado por um “brasileiro” chamado António Fer-reira Lopes, que na sua construção e equipamento investiu cerca de 150 contos de réis27, foi também por si exclusivamente mantido até falecer, em dezembro de 192728.

A construção, iniciada em finais de 1912, gerou, desde logo, mais de uma centena de postos de trabalho entre jornaleiros, pedreiros, carpinteiros, tro-

24 AMPL, Livro de actas da câmara, n.º 17, fls. 2v.-3.25 Censos da População do Reino de Portugal no 1.º de Dezembro de 1900, volume I, Fogos – popu-

lação de Residência Habitual e População de Facto, distinguindo sexo, naturalidade, estado civil e instrução ementar, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, p. 82.

26 Para se conhecer a assistência neste período, atente-se no trabalho de Teixeira, Maria Elvira – “Assistência. Do fim da Monarquia ao Estado Novo”, in Azevedo, Carlos Moreira (dir.) – Dicionário de História Religiosa de Portugal, ed. cit., A-C, pp. 149-152.

27 Cf. jornal República, n.º 2583, ano VIII, 7 de fevereiro de 1918, p. 1.28 Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso (doravante ASCMPL), Testa-

mento de António Lopes, cópia avulsa, não paginada.

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lhas, pintores e outros profissionais mais especializados29, atividade de que o concelho tanto carecia dado o desemprego existente. Várias foram as per-sonalidades que visitaram o edifício ainda em construção, o mesmo aconte-cendo após a sua abertura, sendo o então já ex-primeiro ministro e futuro presidente da república António José de Almeida a mais alta individuali-dade a fazê-lo. O prestígio de António Lopes na terra, já significativo antes deste melhoramento pelas muitas virtudes que possuía e faziam dele um verdadeiro homem de misericórdia, cimentou-se após a criação do hospital.

Destinado a doentes pobres (embora tivesse, para além das enferma-rias masculina e feminina que podiam comportar até 14 doentes cada uma, alguns quartos particulares para os que pudesse custear internamento), o hos-pital registou, durante os primeiros dez anos de funcionamento inteiramente patrocinados pelo seu fundador, mais de 2 mil internamentos, cerca de 8 mil consultas externas e algo como 15 mil curativos em ambulatório30. Obra gran-diosa, para mais nascida num tempo em que Portugal se encontrava envolvido na 1.ª grande guerra com as consequências nefastas que o conflito provocou também no nosso país, foram ainda os seus corpos médico e de enfermagem que, em 1918, assistiram gratuitamente os epidemiados da pneumónica, num recolhimento especialmente montado para o efeito e também parcialmente custeado por António Lopes31.

A ação benemérita deste homem, que nunca negou apoio aos falhos de fortuna, fosse esmolando-os, fosse construindo bairros de renda económica, fosse dando-lhes emprego nas muitas obras encetadas na terra, apoiando os presos da cadeia, criando prémios escolares, pagando funerais e contas de botica e, por fim, construindo-lhes o hospital que o jornal República classifi-cava, em 1918, como “estabelecimento que pode servir de padrão a todos os que no seu género existem em Portugal, como sendo de todos os melhor”32, granjeou-lhe uma admiração extrema do povo mais pobre da sua terra, para quem se tornou uma espécie de “deus protetor”. Mas não foram apenas os menos abastados que o endeusaram. Também as elites locais, pretendendo, sempre, tirar proveito da proximidade àquela figura tutelar, se renderam

29 ASCMPL, Livro da obra do hospital. C[onta] C[corrente], fl. 28.30 Cf. jornal Maria da Fonte, de 9 de setembro de 1928, s/ número, p. 1.31 Sobre os efeitos desta epidemia em Portugal, conferir Frada, João José Cúcio – A gripe pneu-

mónica em Portugal Continental.1918, Lisboa, Setecaminhos, 2005, in http://www.saudepu blica.web.pt/TrabFrada/Pneumonica_JFrada.htm [acesso em 05.11.2013].

32 Jornal República, n.º 2583, de 7de fevereiro de 1918, p. 1.

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a uma espécie de culto pela pessoa, passando a brindá-lo com homenagens e visitas de cortesia, sendo, quando saía da terra ou a ela voltava depois de estadas em Lisboa, onde habitualmente residia, ou de viagens pela Europa, que regularmente empreendia, recebido com bandeiras, girândolas de foguetes e arruadas abrilhantadas por bandas filarmónicas. O menino pobre que emi-grara ainda sem ter completado 12 anos de idade e que no Brasil permanecera durante cerca de três décadas, ali enriquecendo, era, agora, a figura que todos, pobres e ricos, reverenciavam.

Quando morreu, em dezembro de 1927, este “brasileiro” sem filhos e já viúvo, para além de favorecer com dinheiro e bens grande parte dos seus familiares, empregados e amigos, legou à sua terra natal o hospital que tinha construído, deixando expresso que o mesmo devia ser assumido pela câmara municipal ou, em alternativa, por qualquer outra instituição que já existisse ou que os seus testamenteiros entendessem dever criar para o gerir. Para além de uma farmácia e do prédio onde a mesma se encontrava instalada, legou ao hospital dinheiro e títulos das dívidas públicas portuguesa e brasileira no valor total de 2.680.000$0033 – valor substancial para a época, se considerarmos, por exemplo, que o orçamento do município para 1927 era de 107.865$0034.

Desconhecemos as razões pelas quais António Lopes não aconselhou, ou patrocinou ele próprio, a fundação de uma Misericórdia, instituições multi-seculares e suas bem conhecidas já que, na expressão de última vontade, des-tinou dois prédios e vinte contos de réis em dinheiro à Santa Casa do rio de Janeiro e cinquenta contos de réis ao hospital da Misericórdia do Porto35,

33 Coelho, José Abílio – “António Ferreira Lopes: o legado de um ‘brasileiro’ imbuído de ideais republicanos”, in Araújo, Maria Marta Lobo de et al. – Os brasileiros enquanto agentes de mudança: poder e assistência, Braga / Rio de Janeiro, CITCEM / Fundação Getúlio Vargas, 2013, pp. 153-170.

34 Cf. AMPL, Livro de actas da câmara, n.º 23, fl. 167.35 Para um melhor conhecimento da história das Misericórdias, consultar, entre outros Maga-

lhães, António – Práticas de Caridade na Misericórdia de Viana da Foz do Lima (séculos XVI- -XVIII), Viana do Castelo, Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo, 2013; Franco, Renato – Pobreza e caridade leiga – as Santas Casas de Misericórdia na América Portuguesa, dissertação de doutoramento apresentada na faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S. Paulo, 2011; Araújo, Maria Marta Lobo de – A Misericórdia de Vila Viçosa de finais do Antigo Regime à República, Vila Viçosa, Santa Casa da Miseri-córdia de Vila Viçosa, 2010; Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia Lopes – História Breve das Misericórdias Portuguesas, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008; Araújo, Maria Marta Lobo de – Dar aos pobres e emprestar a Deus: as Misericórdias de Vila Viçosa e Ponte de Lima (Séculos XVI-XVIII), Barcelos, Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa e de Ponte de Lima, 2000; Araújo, Maria Marta Lobo de – Pobres, honradas e virtu-

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sendo, aliás, amigo próximo de outros filantropos que em muito tinham favo-recido algumas Santas Casas. E, por não o ter feito, colocam-se-nos algumas questões. Em primeiro lugar perguntamo-nos se, apesar de a partir de 1912 se ter assumido como republicano, apoiante do partido evolucionista, poderá ter receado o empobrecimento, ou mesmo o estado financeiro aflitivo a que muitas destas instituições estiveram sujeitas durante a I República, especialmente a partir da grande guerra e da pneumónica, como escreveu Maria Antónia Lopes36, não querendo sujeitar a tais perigos o seu hospital e os muitos bens que ao mesmo destinava? Ou terá temido que, se a revolução de 28 de maio fracassasse, como haviam fracassado, antes desta, outras tentativas revolucio-nárias, pudesse regressar ao país a agitação política que se vivera em Portugal, especialmente desde 1921 até ao golpe militar de 1926, sujeitando os bens que legava à “predação”, termo que o próprio utilizou no testamento, pedindo aos testamenteiros que o impedissem37? Por estes ou por outros motivos, que des-conhecemos, o benemérito preferiu deixar o poder de decisão aos amigos e familiares que constituíra testamenteiros, pressupondo, talvez, que eventuais alterações futuras lhes trouxessem indicações mais seguras.

E estes decidiram-se pela criação de uma Misericórdia.À decisão não deve ter sido alheio o articulado da lei 15.809, de 23 de julho

de 1928, emanada do governo da Ditadura Militar, lei essa que, como referem

osas: os dotes de D. Francisco e a Misericórdia de Ponte de Lima (1680-1850), Ponte de Lima, Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, 2000; Abreu, Laurinda – Memórias da Alma e do Corpo – a Misericórdia de Setúbal na Modernidade, Viseu, Palimage, 1999; Sá, Isabel dos Guimarães – Quando o rico se faz pobre: misericórdias, caridade e poder no Império Portu-guês: 1500-1800, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997; Abreu, Laurinda – A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1755: aspectos de sociabilidade e poder, Setúbal, Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, 1990. Devem ainda consultar-se os 9 volumes já publicados dos Portugaliae Monumenta Miseri-cordiarum, edição da União das Misericórdias e do Centro de Estudos de História Religiosa, coordenada por José Pedro Paiva.

36 Lopes, Maria Antónia – “Na Primeira República”, in Sá, Isabel dos Guimarães; Lopes, Maria Antónia – História Breve das Misericórdias Portuguesas, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008, pp. 98-101.

37 “Aos meus amigos e testamenteiros peço e rogo que resolvam com a máxima segurança esta minha disposição, entregando o Hospital à Câmara Municipal do concelho ou qual-quer outra corporação ou instituição pública ou particular, que já exista ou venha a criar-se, ou que os meus testamenteiros possam organizar-se de acordo com o actual administrador o meu sobrinho João Albino de Carvalho Bastos, com tanto que mereça inteira confiança para que esta casa de caridade, por mim estabelecida, não venha a sofrer de predações.” Cf. ASCMPL, Testamento de António Lopes, cópia não paginada avulsa.

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José Pedro Paiva e Paulo F. Oliveira Fontes promulgava medidas destinadas quer ao “reflorescimento” das Santas Casas já existentes, quer ao estímulo à criação de novas Misericórdias nos concelhos onde estas não existissem38. Na decisão dos testamenteiros deve ter pesado ainda a influência exercida por alguns dos homens mais importantes da terra, parte dos quais, apesar de terem servido a I república com a mesma boa vontade com que antes de 1910 haviam servido a Monarquia, nunca renegaram os seus profundos laços aos catolicismo. Afinal, para parte deles, a I República havia-se revelado uma desi-lusão, uma experiência que, como por todo o país, ao chegar ao seu termo “era execrada e desprezada”, fazendo mesmo com que “a segurança que a Ditadura trouxe fosse vista como uma forma de liberdade”39. Por outro lado, tendo o catolicismo sofrido em Portugal, entre finais do século XIX e o fim do pri-meiro quartel da centúria seguinte “um dos mais duros ataques da sua his-tória”, o que no dizer de Manuel Braga da Cruz motivou, logo desde o início de novecentos um ressurgimento vigoroso40, a nova situação política resultante do 28 de Maio iria permitir, finalmente, aos católicos, poderem escolher um trilho consonante com os seus valores, nomeadamente aquele que desde finais de oitocentos ganhara força com a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII41.

38 Paiva, José Pedro; Fontes, Paulo F. Oliveira – “Introdução”, in Paiva, José Pedro (coord.) – Por-tugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 9, tomo I: Misericórdias e secularização num século turbulento: 1910-2000, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa / União das Miseri-córdias Portuguesas, 2010, p. 16.

39 Valente, Vasco Pulido – O Poder e o Povo, 6.ª ed., Lisboa, Alêtheia Editores, 2010, p. 16.40 Cruz, Manuel Braga da – “Prefácio”, in Fontes, Paulo Fernando de Oliveira – Elites Católicas

em Portugal: O papel da Acção Católica (1949-1961), Lisboa, Fundação Gulbenkian / FCT, 2011, p. XIII.

41 Sobre o papel das elites católicas em Portugal e o catolicismo social, ler, sobretudo Fontes, Paulo Fernando de Oliveira – Elites Católicas em Portugal, ed. cit., pp. 5-17; Sardica, José Miguel – “A recepção da doutrina social de Leão XIII em Portugal”, Lusitania Sacra, 16, 2.ª série, 2004, pp. 368-369. Sardica subdivide a história da doutrina social da igreja em quatro períodos. 1.º – corresponde ao pontificado de Leão XIII, viragem do século XIX para o XX, visando combater o movimento socialista e marxista; 2.º – correspondendo aos ponti-ficados de Pio XI (1922-1939) e Pio II (1939-1958), dando respostas católicas ao comunismo russo e à miséria do capitalismo pós-1929. Os dois restantes, resultam dos pontificados de João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978), no primeiro dando forma ao impacto reno-vador do Concílio Vaticano II e o segundo centrando esforços no combate às novas formas de pobreza e exclusão geradas pelos desníveis de desenvolvimento global. Ver ainda Cruz, Manuel Braga da – As Origens da Democracia Cristã e o Salazarismo, Lisboa, Editorial Pre-sença / Gabinete de Investigações Sociais, 1978, pp. 15-117.

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E que instituição podia, para estes homens, encarnar melhor a prática da “doutrina social da igreja” que uma Misericórdia?

Com significativos meios financeiros em mãos e convencidos de que as regras ditadas pela nova situação política nacional favoreceriam aquelas insti-tuições, a decisão de criar uma Misericórdia foi tomada muito rapidamente: o ato fundacional viria a ter lugar, através da emissão do necessário alvará pelo governo civil de Braga, no dia 31 de dezembro de 192842.

3. o papel da elite política local na fundação da misericórdia

O requerimento que solicitava a criação de uma associação de cariz social, adotando a designação de “Misericórdia e Hospital António Lopes da Póvoa de Lanhoso”, seguiu para o governo civil, acompanhando um projeto de esta-tutos simbolicamente datados de 22 do mesmo mês, dia em que se comple-tava um ano sobre a morte do benemérito.

Era o documento primeiramente subscrito por uma comissão composta por sete cidadãos, os mesmos que, no último ano, vinham gerindo a unidade de saúde e se constituíam, agora, como primeiros irmãos: Alindo António Lopes, Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, João Albino de Carvalho Bastos, Manuel José de Sá, Álvaro Ferreira Guimarães, Armando Queirós e António dos Santos Queiroga. Às destes, seguiam-se as assinaturas de outros dezasseis irmãos fundadores: Américo António Lopes, Adriano Vieira Mar-tins, Custódio António da Silva, José Cândido Sampaio Rebelo, Padre José António Dias, José Luís da Silva Júnior, Alfredo António Teixeira Ribeiro, Jacinto Severino da Costa Magalhães, José Joaquim Vieira Mendes, Manuel Inácio de Matos Vieira, António de Almeida, Padre Joaquim de Jesus e Sousa, Gualdino da Silva Lopes, Américo Rodrigues, Cirilo Ferreira Gonçalves da Cruz e Eduardo Albino Lopes, nascendo a Misericórdia, portanto, com um total de 23 irmãos 43.

Analisando os nomes dos fundadores, observa-se desde logo, entre eles, o peso da elite política concelhia (ver gráfico 1).

42 Arquivo do Governo Civil de Braga (doravante AGCB), Cx. 2-A, 5.5.1, Associações, 4.5.1.3, Sociais, Culturais, Assistência (1924-1935), s/ paginação.

43 AGCB, Cx. 2-A, 5.5.1, Associações, 4.5.1.3, Sociais, Culturais, Assistência (1924-1935), s/ paginação.

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Gráfico 1. Número de políticos e não políticos na fundação da misericórdia da Póvoa de lanhoso

Total dos irmãos fundadores: 23

Não políticos: 6

Políticos: 17

0

5

10

15

20

25

Fonte: Estatutos da Misericórdia e Hospital “António Lopes” da Póvoa de Lanhoso, Braga, Tip. da Oficina S. José, 1929, pp. 20-21.

Dos 23 fundadores, apenas seis não estavam, ou viriam a estar a muito breve trecho, ligados à câmara municipal: destes seis um era irmão e dois eram sobrinhos de António Lopes. Bastante ricos tinham ligações ao Brasil, onde, aliás, um deles residia. Os restantes três irmãos fundadores que não integravam a classe política local eram um “brasileiro” de fora da terra com antigas ligações ao benemérito; um comerciante que tinha filhos no Brasil ligados à empresa que António Lopes ali possuíra; e um sacerdote, já idoso, que fora também amigo pessoal do fundador do hospital. Os restantes dezas-sete irmãos que subscreveram a documentação fundacional eram, ou viriam a ser nos anos imediatos, destacados políticos locais. Nove deles haviam sido já presidentes da câmara ou viriam a sê-lo muito proximamente. Dois haviam sido vice-presidentes e outros dois viriam a sê-lo em breve. Dez destes homens tinham ocupado, ou viriam a ocupar muito em breve, cargos na vereação. Em paralelo, ou não, com as funções na câmara, pelo menos quatro destes dezassete indivíduos tinham sido administradores do concelho (ver quadro 1).

Quadro 1

irmãos fundadores Profissões relação / cargos políticos na câmara

Arlindo António Lopes Capitalista Sobrinho do fundador

Francisco Oliveira Guimarães Capitalista Presidente

João Albino de Carvalho Bastos Proprietário Sobrinho do fundador / vice-presidente / vereador

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irmãos fundadores Profissões relação / cargos políticos na câmara

Manuel José de Sá Secretário da câmara aposentado

Presidente

Álvaro Ferreira Guimarães Comerciante Presidente / administrador do concelho / vereador

Armando Queirós Comerciante Presidente / vereador

António dos Santos Queiroga Comerciante Vereador

Américo António Lopes Emigrante no Brasil Sobrinho do fundador

Adriano Vieira Martins Médico Presidente / administrador do concelho

Custódio António da Silva Médico Presidente / administrador do concelho

José Cândido Sampaio rebelo Aj. Notário Vereador

José António Dias Sacerdote Presidente / vereador

José Luís da Silva Júnior Advogado / notário Vice-presidente / vereador

Alfredo António Teixeira ribeiro

Advogado / notário Presidente / vice-presidente / administrador do concelho

Jacinto Severino Magalhães Capitalista, “brasi-leiro”

Amigo do fundador

José Joaquim Vieira Mendes Proprietário Vereador

Manuel Inácio de Matos Vieira Farmacêutico Presidente / vereador

António de Almeida Comerciante Amigo do fundador

Joaquim de Jesus e Sousa Sacerdote Amigo do fundador

Gualdino da Silva Lopes Comerciante Vereador

Américo rodrigues Comerciante Vereador

Cirilo Gonçalves da Cruz Comerciante Vice-presidente / vereador

Eduardo Albino Lopes Proprietário Irmão do fundador

Fonte: Estatutos da Misericórdia e Hospital “António Lopes” da Póvoa de Lanhoso, Braga, Tip. da Oficina S. José, 1929, pp. 20-21; Coelho, José Abílio – Edifício dos Paços do Concelho da Póvoa de Lanhoso: um presente com passado, no prelo.

As ligações de alguns destes homens à política eram bastante longas e transversais. Dos dezassete, dois desempenharam funções políticas na década final da Monarquia, continuando a exercê-las durante a I República, a Dita-dura Militar e, posteriormente, no Estado Novo. Um outro, tendo sido pre-sidente e administrador do concelho após a implantação da República, bem

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como líder local do partido de Afonso Costa durante dezasseis anos, viria a tornar-se simpatizante da Ditadura Militar e do Estado Novo. Vários deles haviam servido a política local durante a I República, serviam-na com a Dita-dura Militar e continuariam a servi-la após a chegada de Salazar ao poder.

Foi pois, desta amálgama de simpatias ou práticas políticas em que se misturavam republicanos radicais e moderados, monárquicos, integralistas e homens que desde há muito militavam nos movimentos católicos, e que ao mesmo tempo se constituíam como a mais importante elite profissional, financeira, religiosa e social da terra que a Misericórdia da Póvoa de Lanhoso se formou44. Mas o tempo, sendo de mudança, gestava já novas grandes altera-ções para os tempos futuros. Em Lisboa, António de Oliveira Salazar prepara-va-se para tomar em mãos o poder total, dando corpo à “ditadura nacionalista de direita”45 que iria imperar no país durante várias décadas. Ora, para que o objetivo se concretizasse, para que o todo fosse alcançado, era preciso unir as partes e, mesmo em concelhos pequenos como aquele a que nos temos vindo a referir, tornava-se necessário afastar dos lugares de influência todos quantos pudessem pôr em causa o caminho a trilhar. O domínio da recém-criada Misericórdia viria a fazer parte dessa estratégia.

4. das “quebras do verniz” à guerra da sucessão

Apesar de a Misericórdia possuir alvará e estatutos aprovados desde finais de 1928, a comissão que gerira o hospital durante o primeiro ano após a morte do fundador continuou a fazê-lo até dezembro de 1929, altura em que entregou à mesa (ou seja, a ela própria), os bens que tinha gerido, pro-cedendo na mesma ocasião à escolha de um provedor e de um secretário. Por unanimidade dos sete membros da comissão, porque, nos termos do artigo 63º dos estatutos, a estes que cabia constituirem-se como “a gerência do

44 Sobre elites locais, conferir, entre outros, os seguintes trabalhos Caeiro, Joaquim Croca – O Papel das Elites Políticas e Sociais na Evolução do Estado Novo, Lisboa, Universidade Lusíada Editora, 2009; Fernandes, Paulo Jorge da Silva – “Elites locais e poder municipal. Do Antigo Regime ao liberalismo”, Análise Social, XLI (178), 2006, pp. 55-73; Serra, João B. – “Os poderes locais: administração e política no primeiro quartel do século XX”, in Oli-veira, César (dir.) – História dos Municípios e do Poder Local. Dos Finais da idade Média à União Europeia, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, pp. 264-280.

45 Amaral, Diogo Freitas do – “Corporativismo, Fascismos e Constituição”, in Rosas, Fernando; Garrido, Álvaro (coord.) – Corporativismo, Fascismos, Estado Novo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 81.

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primeiro triénio”46, foram escolhidos, respetivamente, Arlindo António Lopes e Armando Queirós47.

A escolha para provedor de Arlindo António Lopes, sobrinho, herdeiro e um dos testamenteiros do fundador do hospital, de quem foi, ainda, espe-cial confidente em vida, era natural. Pertenceu-lhe, aliás (para além de gerir os oitenta contos de réis testamentados para suportar as primeiras despesas da “casa de caridade”), a decisão final que levou à fundação da Misericórdia.

Não obstante a naturalidade da escolha, a sua autoridade foi posta em causa logo na primeira assembleia geral dos irmãos, que teve lugar no mesmo dia da reunião da mesa que o elegeu48, quando o quadro do pessoal, aprovado pela comissão de gestão do hospital duas semanas antes, foi criticado por um dos irmãos presentes, o padre José Dias, pároco da vila da Póvoa desde há quatro anos49. Alegava este que não se justificava a criação de alguns cargos, como os de tesoureiro, fiscal e ajudantes de enfermaria. E, embora o provedor tivesse defendido ser o quadro apresentado à assembleia e já aprovado pela comissão de gestão idêntico ao que funcionara em vida de seu tio, o sacerdote manteve a divergência, forçando que fossem as irmãs franciscanas hospita-leiras portuguesas, que ali se encontravam desde a fundação, a gerir todo o serviços de enfermagem50. Após discussão, foi o quadro aprovado consoante a versão apresentada pela mesa, mas o pároco da vila tinha, logo nesse primeiro embate, conseguido vencer o braço-de-ferro com o provedor ao fazer aprovar uma proposta sua garantindo que os lugares discutidos, apesar de aprovados, não seriam preenchidos de imediato e que, quando o viessem a ser, os admi-tidos para as enfermarias desempenhassem as funções sob direta dependência das religiosas51.

46 “Capítulo IX. Disposições transitórias. Artigo 63.º. Para a gerência do primeiro triénio, contado desde o dia 1 do mês de Julho imediatamente anterior à aprovação deste estatuto, considerar-se-há desde já constituída a mesa com os cinco membros da comissão provisoria-mente encarregada da administração do Hospital, com mais os dois vogais por ela agregados a sua na sua sessão de 21 de Novembro deste ano e com os substitutos por ela nomeados na mesma sessão”. Cf. ASCMPL, Estatutos da Misericórdia e Hospital António Lopes da Póvoa de Lanhoso, Braga, Tipografia da Oficina S. José, 1929, p. 20.

47 ASCMPL, Livro de actas da mesa administrativa, n.º 1, fls. 1v.-2.48 ASCMPL, Livro de actas da assembleia geral dos Irmãos, n.º 1, fls. 1-2v.49 Cf. Santos, Manuel Magalhães – Centenário do Padre José António Dias. 1.º Pároco da Fre-

guesia de Nossa Senhora do Amparo, Póvoa de Lanhoso, ed. Autor, 1995, p. 5.50 ASCMPL, Livro de actas da assembleia geral dos Irmãos, n.º 1, fl. 1v.51 ASCMPL, Livro de actas da assembleia geral dos Irmãos, n.º 1, fl. 2v.

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Impor a sua opinião a Arlindo Lopes e, sobretudo, fazê-la aprovar em assembleia de irmãos foi não apenas um ato de rebeldia contra o herdeiro do grande benemérito da terra, contra um dos homens mais ricos do concelho fruto desse herança mas, sobretudo, um teste ao apoio com o qual podia e iria contar no futuro.

Conterrâneo do cardeal Cerejeira e simpatizante declarado de Oliveira Salazar, José Dias, nascido em 1895 e desde 1918 presbítero ordenado pelo arcebispo D. Manuel Vieira de Matos, que certamente também o influen-ciou52, seguira com especial atenção o percurso do futuro fundador da União Nacional, não apenas desde que este há três anos chegara ao governo como ministro, mas desde os tempos em que Salazar era o ídolo do Centro Cató-lico Português e foi deputado pelo partido católico, por Viana em 1919 e por Guimarães em 192153. A ascensão metódica do ainda ministro das Finanças e futuro líder do governo estava, aliás, a ter enormes reflexos na vida pública deste padre da província, a quem deve ter inspirado sobremaneira a célebre frase proferida por Salazar quando em abril de 1928 assumiu pela terceira vez o cargo de ministro: “Sei o que quero e para onde vou”54. O sacerdote parecia comungar da mesma ideia.

A vitória, ainda que por ora pequena sobre o provedor Arlindo Lopes, foi a chispa de que o padre José Dias precisava para expurgar rapidamente a Misericórdia de dois republicanos radicais que ali se encontravam. Um deles, Custódio António da Silva, era irmão e médico contratado do hospital desde o tempo do fundador; o outro, Adelino Pinto Bastos, era médico da unidade de saúde também desde a gestão de António Lopes e facultativo do partido do município. O novo embate deu-se em dezembro de 1930, quando um auto intitulado “grupo de povoenses” que veio a provar-se ser encabeçado por estes dois médicos, fez publicar num semanário da terra um artigo inti-tulado “Uma administração ruinosa”. Em jeito de carta aberta, dada à estampa

52 Sobre a vida religiosa e política de D. Manuel Vieira de Matos, pode ler-se Ferreira, Mon-senhor J. Augusto – Notas biográficas do Ex.mo e Rev.mo Senhor D. Manoel Vieira de Mattos, Arcebispo Primaz, Famalicão, Tipografia Minerva, 1927.

53 Cf. Cruz, Manuel Braga da – As Origens da Democracia Cristã e o Salazarismo, ed. cit., pp. 15-20.

54 Para um melhor conhecimento do percurso político de António de Oliveira Salazar podem ler-se várias obras, mas sobretudo Menezes, Filipe Ribeiro de – Salazar. Uma Biografia Polí-tica, Lisboa, D. Quixote, 2010; Rosas, Fernando – “Salazar, António de Oliveira (1889-1970)”, in Rosas, Fernando; Brito, J. M. Brandão de (dir.) – Dicionário do Estado Novo, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, pp. 861-876.

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em primeira página, criticavam a mesa da Misericórdia de “má gestão” e de favorecimento ao diretor clínico, Dr. Adriano Martins, acusando de “mero favoritismo” o ordenado de 900 escudos mensais de que este auferia. Antigo presidente da câmara e ex-administrador do concelho, Adriano Martins havia sido, durante os 16 anos da I República, a figura política mais influente do concelho. Aliara-se, contudo, rapidamente, aos representantes locais dos governos da Ditadura Militar, pelo que era agora acusado pelos dois antigos correligionários de “político enigmático” e “republicano e monárquico, cle-rical e anticlerical”55.

O artigo veio despoletar um processo que se arrastou na praça pública durante mais de dois anos, com ataques e contra ataques semanais nos dois jornais que então se publicavam no concelho, resultando de tudo isto a expulsão dos dois primeiros de médicos do hospital e a realização de uma grande homenagem concelhia de desagravo ao diretor clínico, organizada pela classe política em funções tendo à cabeça o pároco da vila.

A Misericórdia encontrava-se agora expurgada “dos homens do revi-ralho”. O provedor Arlindo Lopes, que havia sido reeleito em junho de 1931, sentindo-se pessoalmente atacado com a acusação de má gestão, envolveu-se diretamente na batalha contra os dois médicos, de quem fora grande amigo, e aproximando-se do padre José Dias. Mas o tempo iria provar que essa apro-ximação não funcionaria como ele esperava e que, não o sabendo, estava des-tinado a ser próxima vítima na estratégia de tomada do poder na Santa Casa por parte do grupo onde cada vez mais o sacerdote se destacava. Na realidade, Arlindo Lopes era ainda um entrave na estratégia do padre José Dias. Repu-blicano assumido, moderado mas assumido, estava pessoalmente muito mais próximo dos que desejavam uma “outra República, regenerada democrática e socialmente”, que dos que continuavam a acreditar cegamente na Ditadura56.

A partir da sua nomeação como pároco da freguesia sede do concelho, em 1925, foi o padre José Dias estabelecendo alianças com os mais destacados membros das elites locais, favorecido sempre pelas ligações que tinha fora do concelho, primeiro aos homens da Ditadura Militar e posteriormente aos do Estado Novo, entre as quais pontificava a amizade com Albino dos Reis. Essa relação levou a que, em fevereiro de 1934, a câmara pedisse a demissão para permitir a sua nomeação como presidente da corporação, o que acon-

55 Cf. jornal Maria da Fonte, suplemento ao n.º 110, de 21 de dezembro de 1930, p. 1.56 Sobre este tema ler, sobretudo Rosas, Fernando – Salazar e o Poder. A Arte de Saber Durar,

Lisboa, Tinta da China, 2012, pp. 77-82

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teceu a 26 do mesmo mês. Dos quatro indivíduos que o acompanhavam como vereadores, três eram destacados irmãos da Misericórdia; o outro era o admi-nistrador do concelho, tenente Afonso Ferreira Botelho, que viera de Braga exercer funções como agente dos revoltosos de 1926 e se iria tornar, em breve, o maior aliado político do sacerdote no concelho57.

Dominando já a paróquia e o município, a teia de poder que o sacerdote ia tecendo, não estava ainda fechada. Faltava-lhe dominar a Misericórdia, a mais importante instituição do concelho, mais poderosa mesmo que a própria câmara, dados os serviços que prestava e os bens de que dispunha. Esperou pelas eleições agendadas para 15 de junho do mesmo ano de 1934 e, contando já com o apoio de um significativo conjunto de irmãos, quer entre os funda-dores, quer de outros que entretanto foram admitidos, dispôs-se a afastar da provedoria o sobrinho de António Lopes.

Apresentaram-se ao ato trinta irmãos eleitores que, constituídos em duas listas, foram votados uninominalmente. O provedor Arlindo Lopes colheu apenas 11 votos, contra os 19 do padre José Dias58. A eleição foi, porém, alvo de um protesto imediato por parte de João Albino Bastos, cunhado de Arlindo Lopes e sobrinho por afinidade do fundador do hospital, que alegou terem as listas apresentadas a sufrágio medidas diferentes. Tomou então a palavra o irmão e advogado Silva Júnior, alegando na sua intervenção que, “exis-tindo na verdade diversidade nas dimensões das listas entradas, isso não pode influir no resultado da eleição, porquanto, em meu entender se verifica que as listas contem os nomes mais votados [e] teem as dimensões exigidas por lei para as eleições dos corpos administrativos, não se verificando assim nenhuma transgressão ao artigo sessenta e trez do código eleitoral”59. Arlindo Lopes, que presidia à assembleia, também pediu a anulação do ato eleitoral “por as listas vencedoras não terem as dimensões conforme manda a lei”60 mas, mais uma vez, a maioria dos irmãos colocou-se ao lado do sacerdote, dando-o como eleito.

As divergências, as guerras entre irmãos e as fraudes foram coisa comum nas Misericórdias ao longo de toda a sua história. Estabelecimentos de assistência, as Santas Casas foram, ao longo dos seus cinco séculos, institui-

57 AGCB, Copiadores de alvarás, 1.ª Repartição, fl. 126.58 ASCMPL, Livro de actas da assembleia geral dos Irmãos, n.º 1, fls. 4-6.59 Realce-se o facto de Silva Júnior, o advogado que defendeu a legalidade da eleição, ter inte-

grado as duas anteriores mesas presididas por Arlindo Lopes, mas estar já em vias de se

tornar vice-presidente da câmara presidida pelo sacerdote.60 ASCMPL, Livro de actas da assembleia geral dos Irmãos, n.º 1, fls. 4-6.

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ções cujo domínio permitiu às elites de cada terra colher também grandes benefícios próprios. Não podemos esquecer que, para além de praticarem as obras de Misericórdia, tiveram importante papel como fornecedoras de crédito, tendo em geral, entre aqueles que lhes tomavam empréstimo, os pró-prios membros das Mesas ou suas famílias; e que, para além disso, eram as Misericórdias donas de quase todos os hospitais existentes no país. Ora, como dinheiro e saúde foram sempre bens da maior importância, dominar as Mise-ricórdias, ainda que para tanto fosse necessário recorrer a processos menos ortodoxos, era alcançar um poder quase absoluto em cada uma das terras onde existiam. Isabel dos Guimarães Sá afirma que “os casos de fraude existem desde os séculos XVI e XVII”, quando todos queriam ser provedores “e se des-dobravam em estratégias para obter a supremacia estável de um grupo sobre outros”, nomeadamente os “representantes de determinadas famílias ou facções”. A mesma investigadora adianta que no século XVIII se mantinham dificuldades internas, consubstanciadas em processos eleitorais complicados, mas, desta vez, com o sentido contrário, já que devido ao estado depauperado em que muitas se encontravam devido às dívidas que suportavam, e nas quais eram devedores em grande parte os próprios irmãos, “ser provedor significa agora gerir dívidas e créditos malparados”61. Marta Lobo vai mesmo ao ponto de afirmar que as Misericórdias do antigo regime “eram centros de poder em várias vertentes”, circulando as elites locais das terras entre estas e as câmaras, daí tirando “proveitos pessoais e familiares”, o que fazia com que o domínio das suas mesas fosse disputadíssimo62. Com o Liberalismo e durante a I Repú-blica as disputas mantiveram-se, ou reacenderam-se até, com maior vigor. Segundo Maria Antónia Lopes, embora as leis liberais tenham instalado “uma vigilância estrita que impedia a apropriação individual dos recursos das santas casas” (…), “as autoridades fiscalizadoras – os governadores civis e adminis-tradores de concelho – podiam ser os principais interessados em fechar os olhos, se não em proveito próprio, pelo menos para os eleitores dos partidos que representavam e que os nomearam”63. Quer isto dizer que os objetivos que levaram agora à grande maioria das crises internas não eram aparente-mente os mesmos que geraram as disputas e fraudes dos séculos XVI a XVIII:

61 Sá, Isabel dos Guimarães – Quando o rico se faz pobre: Misericórdias, Caridade e Poder no Império Português, ed. cit., p. 84.

62 Araújo, Maria Marta Lobo de – Dar aos pobres e emprestar a Deus: as Misericórdias de Vila Viçosa e Ponte de Lima (Séculos XVI-XVIII, ed. cit., p. 700.

63 Lopes, Maria Antónia – A luta pelo domínio das Misericórdias: da Monarquia Liberal ao Estado Novo (1834-1945), no prelo, pp. 5-6, pela paginação dos originais.

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os objetivos, durante a Monarquia Liberal e a I República, pretendiam levar ao poder político, o que as transformou em “arma de luta partidária”, sendo o domínio das Misericórdia um dos meios de pagamento às elites locais que garantiam aos poderes superiores os votos de que necessitavam para se lá manterem64. Parece-nos que, no caso da Póvoa de Lanhoso, a luta pelo poder na Misericórdia acontecia agora em perseguição a dois objetivos distintos: em primeiro lugar, o domínio pela influência que esta poderia ter localmente no apoio à afirmação de um regime novo que dava os primeiros passos, e que desde há muitas décadas era perseguido pela Igreja da qual o padre José Dias era empenhado representante; em segundo lugar, a possibilidade de gerir não apenas um hospital de grande dimensão para o tamanho da terra, dispondo das mais modernas condições de atendimento aos seus doentes, mas, também, a verdadeira fortuna que o fundador legara à sua obra bem como as possibili-dades que a gestão, do hospital e dos bens que lhe pertenciam, criavam a quem dominasse a instituição. Entre elas, contavam-se a escolha dos que podiam ser internados e tratados, a dos que podiam receber subsídios para funerais e bodos em dias festivos, a dos que podiam comprar e vender produtos ao hospital e a dos que ali procuravam emprego, sendo também importante a ascendência sobre os que lá trabalhavam. No fundo, embora o espírito das leis liberais e republicanas aparentasse mudanças em relação aos objetivos exis-tentes durante o antigo regime, a finalidade mantinha-se: domínio e poder – e tudo aquilo que o poder e o domínio proporcionam a quem os detém Com a ditadura militar, e depois com o Estado Novo, as motivações não sofreram mudanças, antes as apuraram.

Inconformados por se verem afastados da gestão da Misericórdia na qual, por serem quem eram, acreditariam ter lugar definitivo, e não querendo perder o prestígio provindo dos cargos até aí detidos, Arlindo Lopes e João Bastos fizeram seguir uma queixa para o tribunal administrativo. Mas, sem esperarem pela decisão da justiça, os membros que se consideravam eleitos reuniram-se três dias volvidos e marcaram para 2 de julho o ato de posse. Na cerimónia não se encontrava presente Arlindo Lopes, que enquanto pro-vedor em exercício devia presidir à sessão de posse, sendo esta conferida por um dos anteriores mesários que fazia o papel de “provedor substituto”. Entre pares, o padre José Dias foi de imediato eleito provedor, tendo proposto, no seu primeiro ato enquanto tal, “um voto de louvor à Mesa cessante pela

64 Ibidem, p. 91, pela paginação dos originais.

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recta intenção e honestidade com que sempre administrou os interesses desta Casa, o que foi aprovado por unanimidade”65.

O tribunal administrativo viria, contudo, a anular esta eleição. Comuni-cando a sua decisão ao governador civil de Braga, transmitiu-a este ao admi-nistrador do concelho, que era tão só o principal aliado político do agora provedor. Em posse desta ordem, o administrador mandou agendar novas eleições, encarregando de as organizar não o provedor Arlindo Lopes, mas o padre José Dias. Ou seja, quem organizou o processo eleitoral e o acompa-nhou como provedor, foi exatamente o mesmo homem a quem o tribunal tinha apeado da provedoria por entender que a eleição não fora legal.

Revoltados, talvez mesmo envergonhados perante a terra que sempre os vira como sucessores do tio, os sobrinhos de António Ferreira Lopes nem sequer se apresentaram ao novo ato pelo que, sem oposição, foi o sacerdote eleito provedor no dia 7 de agosto seguinte. Tinha vencido mais esta batalha, que representou a vitória final na guerra iniciada cinco anos antes. A partir deste dia, viria a ser reeleito provedor, consecutivamente, até morrer em junho de 1962, ocupando o cargo durante vinte e sete anos.

5. Acusações, condenações e ódios dentro do “situacionismo”

Sendo pároco na sede do concelho, provedor da Misericórdia, presidente da câmara municipal e da corporação de bombeiros voluntários, para além de ter desempenhado outros cargos de menor importância, a que nunca se escusou, o padre José Dias foi secando tudo à sua volta, afastando dos órgãos de poder a maioria das figuras mais prestigiadas da terra e fazendo-se rodear de elites de segunda que, estando a seu lado como mesários, vereadores ou dirigentes associativos, se transformaram numa espécie de apoiantes sem voz. Não obstante ter forçado e usufruído dessa tática de poder, ou talvez por isso mesmo, também foi criando opositores de peso, quer enquanto presidente do município, quer como provedor da Santa Casa, quer, até, como pároco. Foi um daqueles homens de quem se costuma dizer que não merece indiferença: ou é amado ou odiado. E o padre José Dias teve efetivamente quem o amasse e quem o odiasse. E quem, em determinados momentos, aceitasse fazer-lhe frente, mesmo dentre aqueles que comungavam da mesma admiração pelo Estado Novo e por Oliveira Salazar.

65 ASCMPL, Livro de actas da mesa administrativa, n.º 1, fl. 47.

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Os confrontos a que aludimos e que ocorreram especialmente entre os meados da década de 1940 e o início dos anos cinquenta, quando, no rescaldo da II guerra mundial, o Estado Novo de Salazar se viu empurrado para alte-rações de discurso e institucionais, ocorrarem todos no campo político, mas tendo também, como motivação, o seu papel enquanto provedor66.

Em novembro de 1944 foi temporariamente afastado da chefia do exe-cutivo municipal por divergências com então o governador civil de Braga, ocasionadas por queixas de abuso de poder, quer como presidente, quer, especialmente, como provedor. As queixas, apresentadas, e sustentadas as acusações, por outros membros destacados da União Nacional povoense, baseavam-se sobretudo no desvio e venda em “mercado negro” de bens ali-mentares que eram atribuídas ao hospital António Lopes pela Intendência Geral dos Abastecimentos67. Do foro político, o assunto passou ao judicial. Julgado em primeira instância pelo tribunal da comarca, o caso chegou ao supremo, tendo sido dadas como provadas as acusações de desvio e venda de bens que pertenciam ao hospital. Mas a lei, condenando-o levemente, não lançou sobre si anátema inultrapassável pelos membros da sua fação dentro da União Nacional e, em 1950, regressou à política, primeiro como vereador e, quatro meses depois, como presidente68, cargo que manteve até à morte. Em 1948 chegou a ser falado para assumir o cargo de governador civil de Braga, talvez numa tentativa do poder central para o afastar do concelho onde gerava tantos desentendimentos. Os seus opositores, membros da União Nacional local, que entretanto o haviam substituído à frente dos destinos da câmara (1944-1949), fizeram saber com ironia, que melhor seria fazê-lo bispo, lugar para o qual melhor se encontrava talhado.

O principal opositor nesta guerra política entre homens do Estado Novo foi o médico Albino José da Silva que, para além da clínica privada na terra,

66 Sobre o Estado Novo no pós-II guerra mundial, pode ler-se, entre outros Oliveira, César de – “A Evolução Política”, in Serrão, Joel; Marques, A. H. de Oliveira (dir.), Nova História de Portugal (vol XII), Portugal e o Estado Novo (1930-1960), (coord. Fernando Rosas), Lisboa, Editorial Presença, 1992, pp. 55-63.

67 Arquivo da família de Joaquim de Magalhães e Vasconcelos Ferreira Chaves, Ofício da Inten-dência Geral dos Abastecimentos, delegação da Póvoa de Lanhoso, 1948, s/ paginação. Apro-veito a oportunidade para agradecer ao Sr. Dr. Duarte Chaves, filho do Sr. Joaquim Chaves, a simpatia com que nos recebeu e autorizou o acesso ao arquivo da sua casa.

68 AMPL, Livros de actas da câmara, n.º 37, fls. 111v.-114; AGCB, Livro de termos de posse, 1944- -1958, fl. 55.

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exercia como contratado no hospital. Acabou por ser despedido das funções que desempenhava na Santa Casa.

Acossado na política, situação que demorou sete anos a ultrapassar até regressar à presidência da câmara, nunca o padre José Dias se viu afastado da Misericórdia, dado o peso que mantinha junto dos irmãos, quer dos mais antigos quer daqueles que, entretanto, foram admitidos em sucessivas for-nadas. Na Póvoa de Lanhoso, divergindo aliás daquilo que Maria Antónia Lopes aponta para o todo nacional ao afirmar ter sido durante o Estado Novo “que as direcções nomeadas se tornaram sistemáticas e permanentes, desa-parecendo a preocupação de se apresentar como situações excepcionais”69, nunca na Misericórdia, até à morte do padre José Dias (1962) existiu uma comissão administrativa. Mas a possibilidade real esteve sobre a mesa do ministro do Interior e só não surtiu efeitos devido à intervenção de um dos seus homens mais próximos. Em inícios de julho de 1949, o então presidente da câmara Alberto Lopes de Amorim (amigo pessoal e admirador do padre José Dias, a quem antecedeu como presidente da edilidade – de 28 de junho de 1949 a 23 de maio de 1951 – quando se preparava já o regresso do sacerdote), escrevia ao governador civil de Braga uma carta, ali registada como confi-dencial, onde firmava que “os elementos que constituem a Mesa [da Miseri-córdia], são todos pessoas da mais absoluta probidade, bons administradores, zelosos e activos defensores dos interesses daquela Casa de tanto valor social e político que é neles e à volta deles que se reúne tôda a força política naciona-lista deste concelho”70. Na missiva, que denunciava estar iminente uma alte-ração administrativa, Lopes de Amorim, continuando a defender o provedor e os mesários e depois de aludir “ao êxito retumbante, mas real e verdadeiro das últimas eleições neste concelho e que somente se deve ao fervor naciona-lista desses elementos”, pedia ao governador que, junto do ministro de Inte-rior, tudo fizesse para que a lista de candidatos eleita em 15 do mês anterior71,

69 Lopes, Maria Antónia – A luta pelo domínio das Misericórdias: da Monarquia Liberal ao Estado Novo (1834-1945), ed. cit., p. 92, pela paginação dos originais.

70 AGCB, Correspondência confidencial, Cx. 10, 1949-1951, s/ paginação.71 ASCMPL, Livro das assembleias gerais, fls. 11v.-12. Agendada em primeira convocação

para dia um de Junho de 1949, a eleição não se realizou, como era já comum, por falta de quórum. Voltou a reunir-se a assembleia no dia 15 do mesmo mês, estando presentes 43 irmãos, sendo votada uma lista composta pelos irmãos Alberto Lopes de Amorim, Gualdino da Silva Lopes, Júlio Augusto Lopes, Padre José António Dias, Caetano José de Matos Vieira, José Maria de Matos Cruz, José Pereira da Silva Araújo, como efetivos e com 43 votos cada; e Padre Adelino Alves Dias, Afonso Ferreira Botelho, Luiz Pinto da Silva, Amândio de Oli-

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fosse superiormente ratificada, de modo a evitar a “indignação da população católica e nacionalista deste concelho, as complicações políticas que poderiam surgir se a lista submetida à aprovação de Vª. Excia não fosse aprovada”72. O governador, Nery Teixeira, fez seguir a exposição do edil para o ministério do interior e, poucos dias depois, em correspondência, sempre classificada como confidencial, pedia o ministro ao chefe do distrito que se pronunciasse sobre as “considerações de ordem política” expressas no ofício73.

Armando Nery Teixeira era um crítico da atuação do padre José Dias e com ele mantivera, durante anos, “musculada discordância”. Não obstante, reconheceu perante o seu ministro serem “neste momento verdadeiras” as considerações feitas pelo presidente da câmara da Póvoa de Lanhoso, embora aproveitasse para alertar que tinha corrido anteriormente um inquérito sobre eventuais irregularidades graves cometidas pelo provedor padre José Dias, cujo conteúdo ainda desconhecia. Terminava admitindo que “a integração do sacerdote traria vantagens para a política do concelho”74. A intervenção do presidente da câmara junto do ministro do Interior havia surtido o desejado efeito, já que a mesa presidida pelo padre José Dias tomou pacificamente posse a 2 de janeiro de 195075.

6. Palavras finais

Criada nos finais da década de 1920, quando Portugal atravessava um período de profunda crise económica e política, a Misericórdia da Póvoa de Lanhoso transformou-se, muito rapidamente, na mais apreciada instituição do concelho, vindo mesmo, pela assistência que praticava através do seu hos-pital e pelos bens que possuía, a ombrear em importância e a ultrapassar em liquidez e em número de empregos criados, a câmara do município. Também por isso, e repetindo-se o que aconteceu com muitas outras congéneres ao longo dos cinco séculos de história destas instituições, a Misericórdia da Póvoa de Lanhoso foi, após a sua fundação e até pelo menos ao início da década de

veira, Jaime de Araújo Ribeiro, José Raimundo da Silva e Manuel Agostinho Vieira, como suplentes e também com 43 votos cada. Reunidos de seguida, os efetivos eleitos escolheram de novo o Padre José Dias para provedor.

72 AGCB, Correspondência confidencial, Cx. 10, 1949-1951, s/ paginação.73 AGCB, Correspondência confidencial, Cx. 10, 1949-1951, s/ paginação.74 AGCB, Correspondência confidencial, Cx. 10, 1949-1951, s/ paginação.75 ASCMPL, Livro de actas da mesa administrativa, n.º 1, fl. 144.

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1960 palco de inúmeras divergências entre os importantes locais. O facto de possuir um hospital que proporcionava bem-estar à população do concelho, sobretudo aos mais pobres, bem como o de oferecer ocupação a um número significativo de empregados, dominá-la era dominar os votos dos chefes de família que elegiam a câmara e ter, ao mesmo tempo, acesso a bens de riqueza e a outras benesses que à instituição pertenciam mas que, em determinadas ocasiões, foram utilizadas fora dela. O que também não era novo na vida das Santas Casas.

A partir dos inícios da década de 1960, e sobretudo após a morte do provedor padre José Dias, em 1962, tudo se foi alterando. Alguns jovens dirigentes foram assumindo cada vez mais o controlo da instituição. Tra-ziam das universidades por onde haviam passado outros olhares e outras práticas. A entrada de Portugal na EFTA, o começo de uma guerra colo-nial mal-amada, o êxodo de muitas centenas de milhares de portugueses para o centro da Europa e a substituição de Salazar no poder, em 1968, iriam levar a profundas mudanças na sociedade portuguesa. Para além do mais, com o desaparecimento do padre José Dias, ódios que durante décadas se haviam acumulado contra a Misericórdia tenderam a desa-parecer, porque a maioria deles visavam o provedor, não a instituição.

É verdade que a elite local das décadas de 1960 e 1970 manteve o domínio da instituição e que, em muitos casos, os seus membros continuaram a posi-cionar-se paralelamente na Misericórdia e nos órgãos municipais. Mas a sepa-ração de poderes tornou-se efetiva. Uma gestão mais moderna e um grande legado recebido também nos inícios dos anos de 1960, permitiram à Santa Casa crescer, vindo a assumir, ainda nessa década, a administração de um lar de idosos que antes pertencera à paróquia. Entretanto, as divergências entre simpatizantes do Estado Novo foram sanadas, ao passo que os opositores ao Salazarismo, mantendo os seus ideais e a sua luta pela democracia, deixaram de ter na Misericórdia o alvo preferencial das suas acusações. Até 1974, altura em que as divergências, fruto do período revolucionário que se seguiu ao “25 de Abril”, voltou a abrir profundas feridas.

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