a merenda escolar e seu potencial em face da … · 2.1.6 quando já estiver frio, junte o coco, as...

144
FAUSTON NEGREIROS A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI Fortaleza – CE 2009

Upload: vokhuong

Post on 27-Jan-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

FAUSTON NEGREIROS

A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA

SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI

Fortaleza – CE 2009

Page 2: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

S Negreiros, Fauston A merenda escolar e seu potencial em face da

segurança alimentar em Guaribas-PI. / Fauston Negreiros -- Teresina, 2009.

143f. : il Dissertação (mestrado em Educação Brasileira) –

Universidade Federal do Ceará. Orientador: Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra. 1. Educação - Currículo. 2. Segurança alimentar.

3. Merenda escolar. I. Bezerra, José Arimatea Barros – Orient. II. Título. CDD –

Page 3: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

FAUSTON NEGREIROS

A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA

SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI

Relatório de Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação Área de Concentração: Currículo e Ensino Orientador: Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra

Fortaleza – CE

2009

Page 4: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

FAUSTON NEGREIROS

A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA

SEGURANÇA ALIMENTAR EM GUARIBAS - PI

Trabalho apresentado em: 21/01/2009

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra - (UFC)

Presidente da Banca

_________________________________________________________ Profª. Drª. Maria de Lourdes Peixoto Brandão

Examinadora (UFC)

_________________________________________________________ Profª. Drª. Elza Maria Franco Braga

Examinadora (UFC)

_________________________________________________________ Profª. Drª. Helena Alves de Carvalho Sampaio

Examinadora (UECE)

_________________________________________________________ Profª. Drª. Maria Socorro Lucena Lima

Examinadora (UECE)

Page 5: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

“O que o mundo social fez, o mundo

social pode desfazer.”

Pierre Bourdieu

Page 6: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

DEDICATÓRIA

À Helenita Gomes de Negreiros, vozinha, pelo

açúcar, fermento e afeto, indispensáveis ao meu

preparo.

Page 7: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

AGRADECIMENTOS

Ao professor José Arimatea Barros Bezerra pela orientação e motivação contínua que me impulsionaram à conclusão deste trabalho. À professora Maria de Lourdes Peixoto Brandão, por oferecer os instrumentos necessários à resolução de inquietações da pesquisa e assim favorecer o meu crescimento. Aos meus pais, Luiz Gonzaga e Gema Galgani de Negreiros, que apesar de distantes fisicamente nunca soltaram as minhas mãos. Aos sujeitos da pesquisa, cuja contribuição foi imprescindível para que este trabalho se tornasse um fato e cuja participação se fundamenta como primeiro elemento transformador. Por permitirem a troca de conhecimentos para o desenvolvimento de ações futuras. Ao Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da Faculdade de Educação da UFC e ao Núcleo de Educação, Currículo e Ensino por terem contribuído para meu amadurecimento acadêmico. À tia Lourdinha Nunes pelo incentivo implacável e crença constante em meu potencial. À amiga Ana Valéria Lopes Lemos, que me ajudou a editar essa dissertação e os problemas do dia-a-dia. À Ana Lourdes Lucena, pela amizade fiel e leal que tanto me ajudou a crescer durante o mestrado, adoçando o amargo e salgando o insípido. À Samara Mendes pela “co-orientação”, pela amizade, pelos conselhos e pelos temperos da companhia. À Natércia Mendes e Samara Alves, grandes amigas, por mais uma parceria de sucesso, conjugando bons pratos, bons livros e relevantes artigos. A Cleilson Nogueira pelo apoio moral em momentos significativos para a conclusão deste trabalho. A Mauro Furtado, amigo das urgências e emergências, da ciência e paciência, toda a gratidão. A Delite Barros e Carla Andrea, profissionais amigas e amigas profissionais por todo o carinho, confiança e cumplicidade. Ao Instituto Dom Barreto, em nome da Prof.ª Márcia Rangel, pelo incentivo constante e por subsidiar meu crescimento profissional e pessoal. A todos aqueles que acreditaram em mim, por meio de contribuições para este estudo, em especial ao povo cearense pela acolhida calorosa. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES), durante o ano de 2008 pela concessão de financiamento para essa pesquisa.

Page 8: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

RESUMO

Estudo sobre a análise do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) como um instrumento com potencial de desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida frente à situação de fome presente no município de Guaribas – PI. Buscou-se mapear o universo da produção agrícola familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os cardápios da merenda escolar; e apresentar as práticas alimentares da população do município situando sua construção sócio-histórico-cultural; O método utilizado foi qualitativo, História Oral, com abordagem de pesquisa definida como exploratório-explicativa, no qual foram necessários grupos de participantes contemplados por moradores de Guaribas, pais de alunos, técnicos responsáveis pela merenda escolar e pela análise das potencialidades da região geográfica. Estudos acerca das teorias do currículo, dos conceitos sócio-antropológicos de comida e alimento, produção agrícola e situação de fome, aspectos culturais do sertão piauiense e práticas alimentares no espaço escolar, representaram o suporte teórico da investigação. A análise dos dados sucedeu conforme orientações da Hermenêutica de Profundidade, através da qual se dá uma ênfase ao processo de interpretação, possibilitando a compreensão das formas simbólicas enquanto campo-objeto e também campo-sujeito. Por meio desse estudo, constata-se que as formas de utilização do PNAE – política educacional – poderiam constituir potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e superação da fome, podendo garantir segurança alimentar. No entanto, isso não ocorre, em sua plenitude, na operacionalização daquele Programa junto ao município de Guaribas – PI. Palavras-Chaves: merenda escolar; segurança alimentar e nutricional; Piauí; Guaribas.

Page 9: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

ABSTRACT

It is a study about The National Program for Free School Meal (NPFSM) as an instrument with the potential for social development and promotion of the quality of life in the midst of hunger present in the town of Guaribas-PI. It is an effort to map out the universe of family agricultural production at the town, identifying the foods that can be integrated into the menu of school meal; and to present the eating practices of the population of the town situating its social-historical and cultural construction. The method utilized was qualitative, Oral History, with the research approach defined as explorative-explanative, in which it was necessary groups of participants contemplated by the residents of Guaribas, the parents of the students, technicians responsible for school meal and through the analysis of the potentialities of the geographical region. These are the studies around the curriculum theory, the social-anthropological concepts of food and nourishment, agricultural production and the situation of hunger, cultural aspects of the dry regions of Piauí and the eating practices in school spaces, which represent the theoretical base of the investigation. The analysis of the data was done according to the orientations of the Depth Hermeneutics, through which it was given the emphasis on the process of the interpretation, making possible the comprehension of the symbolic forms as field-object and also field-subject. Through this study, we can establish that the ways of the utilization of the NPFSM- educational policy- can constitute the potential element of the stimulus to the local and family agriculture and for the overcoming of hunger, enabling to guarantee food security. However, this does not happen, in its plenitude, in the operationalization of the Program for the town of Guaribas-PI. Key Words: school meal; food and nutritional security; Piauí; Guaribas.

Page 10: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10

CAP. 1 – “COZER O PIAUÍ E DESCASCAR GUARIBAS” – O ESTADO E O MUNICÍPIO EM SUAS CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES ............................. 19

1.1 Comer, comer, comer... Terra à vista! – As práticas alimentares e os alimentos

transportados pela armada de Pedro Álvares de Cabral ................................................................ 19

1.2 Piauí: berço da humanidade ou o caldeirão do inferno?........................................................... 22

1.3 O fim do mundo, uma imensidão quase desconhecida, ou seja, o Piauí ................................. 23

1.4 Descansa a fome no Piauí em berço esplêndido, eternamente? .............................................. 27

1.5 O estado do Piauí: uma caracterização histórica ..................................................................... 29

1.6 E por falar no Piauí, Guaribas como anda você? ..................................................................... 35

1.6.1 Um pouco além/ mais da história local ................................................................................ 37

1.7 Comer hoje no Piauí é... .......................................................................................................... 40

CAP. 2 - GUARIBAS À MODA DA CASA: HÁBITOS ALIMENTARES E SITUAÇÃO DE FOME ..................................................................................................................................... 41 2.1 Bolo de Milho com coco, e sua receita como metáfora para expressar as práticas

alimentares de Guaribas – PI ......................................................................................................... 42

2.1.1 Duas xícaras de chá de massa de milho; duas xícaras de chá de leite; três ovos ................. 43

2.1.2 Uma xícara e meia de chá de açúcar; meia xícara de chá de óleo; uma colher de

sobremesa de fermento em pó ....................................................................................................... 46

2.1.3 Uma xícara de chá de coco ralado ......................................................................................... 49

2.1.4 Modo de preparo: em uma panela, misture a massa de milho, leite, o açúcar e o óleo ........ 55

2.1.5 Leve ao fogo por 5 minutos; desligue o fogo e deixe esfriar ............................................... 59

2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento ...... 62

2.1.6.1 Despeje a massa em uma forma untada e enfarinhada ..................................................... 62

2.1.6.2 E leve ao forno na temperatura média ou baixa por cerca de 45 minutos. Para servir

polvilhe com coco ralado ............................................................................................................... 66

2.1.7 Rendimento: 10 pedaços; ou 8 pessoas ................................................................................. 59

Page 11: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

2.1.8 Tempo de preparo: 1 hora e 10 minutos ................................................................................ 77

2.2 Comer e não comer. A segurança alimentar em Guaribas, alguém determina? ...................... 81

CAP. 3 – O SABOROSO E O INSÍPIDO NA ESCOLA: DISCUTINDO OS TEMPEROS DO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR ............... 82 3.1 A data de fabricação ................................................................................................................ 84

3.2 COMPOSIÇÃO QUÍMICA: escolha de cardápios e aceitabilidade ...................................... 88

3.3 A EMBALAGEM: como os atores vêem a merenda escolar .................................................. 91

3.4 PRESERVAR EM LOCAL AREJADO: operacionalização das propriedades do PNAE ...... 96

3.5 PRAZO DE VALIDADE: aspectos da funcionalidade do PNAE .......................................... 100

CAP. 4 - O CONTEÚDO DO PNAE: POSSIBILIDADES DE USUFRUTO DE SEU PESO LÍQUIDO .......................................................................................................................... 116 4.1 O PNAE como indutor de segurança alimentar e nutricional ................................................. 118

4.2 Necessidade de políticas públicas mais eficazes. .................................................................... 120

4.3 A Merenda educadora .............................................................................................................. 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 130 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 132 APÊNDICES ................................................................................................................................ 138

Page 12: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

10

INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado está organizada em introdução, quatro

capítulos, conclusão e seis anexos. A introdução discorre acerca dos anseios pessoais para a

realização do estudo, a relevância social e acadêmica desta temática, uma breve discussão

sobre a segurança alimentar no Brasil, sob o foco prospectivo das ações desenvolvidas, e a

demarcação dos pressupostos teóricos e metodológicos que guiaram a pesquisa.

O objetivo principal foi de analisar o PNAE como um instrumento potencial de

desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida frente à situação de fome presente no

município de Guaribas - PI. Desdobrou-se esta meta em outras mais: mapear o universo da

produção agrícola familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os

cardápios da merenda escolar; apresentar as práticas alimentares da população do município

situando sua construção sócio-histórico-cultural; identificar as formas de utilização do PNAE

– como política educacional – como um potencial elemento de estímulo à agricultura familiar

local e superação de fome/ garantia de segurança alimentar.

Quando se procura discutir a construção de um fenômeno ou de alguns hábitos

culturais de uma civilização, como a alimentação, logo se remete aos aspectos históricos e

geográficos, que, por conseguinte, construíram novas subjetividades. Apesar de ser bastante

discutida a ascensão de novos sujeitos que se constroem ao longo das gerações, verifica-se

que certos fenômenos ou alguns problemas sociais, se perpetuam, persistem e se repetem de

maneira plenamente funesta à sociedade, como é o caso da fome, da miséria e da pobreza.

Comer é cultura? Sim, comer é cultura. A prática alimentar está permeada por

diversas manifestações culturais, dentre elas o gosto por um determinado alimento, a sua

escolha em determinado momento (horário) de consumo, o modo específico de consumir e

preparar o alimento, os instrumentos utilizados para o seu consumo, e preparo onde e com

quem se come, são indubitavelmente, práticas culturais.

A proposta de pesquisar as relações entre o Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE), a vivência da fome e a promoção da segurança alimentar partiu de

inquietações surgidas em um estudo anterior, realizado no município de Guaribas, Piauí.

Nesse estudo, apresentou-se a necessidade de se “[...] desenvolver a aprendizagem de novas

formas de ação por parte daqueles que vivenciam o fenômeno da fome.” (NEGREIROS,

2003, p. 54). Assim, é proposta deste estudo analisar o PNAE como um instrumento com

Page 13: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

11

potencial de desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida frente à situação de

fome presente no município de Guaribas, Piauí, considerando o fomento de ações nos espaços

educacionais.

O tema da segurança alimentar, muito em voga nos últimos anos, em especial no

que diz respeito às medidas do atual Governo Federal para assegurar o direito de todos os

sujeitos terem acesso a uma alimentação segura e compatível com suas necessidades vitais,

tem provocado discussões por estudiosos, e engajadas no tema, em especial pelo fato de o

problema da fome ter persistido ao longo das décadas, perpetuando e promovendo a

reprodução da inferioridade social.

A relevância desta investigação está na proposta de descrever e analisar uma

política alimentar que pode subsidiar a construção de novos instrumentos/políticas para atuar

diante da realidade que se perpetuou no decorrer de décadas no município de Guaribas.

Instrumento que, possivelmente, poderá ser considerado em futuras pesquisas de caráter

interventivo e, principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento de políticas públicas e

ações pedagógicas, tendo em vista o enfrentamento das desigualdades sociais, com maior

eficácia.

A fome é um tema constante atualmente nos diversos meios de comunicação,

onde tem sido alvo de controvérsias no que concerne à tentativa de sua erradicação. Isso se

deve à postura do atual Governo Federal, que foi a de implantar um programa – Programa

Fome Zero, que atualmente engloba, dentre outros, o Programa Bolsa Família – que visa

garantir a segurança alimentar da população brasileira. Este foi criado para combater a fome e

suas causas estruturais, que geram a exclusão social, garantindo que todas as famílias tenham

condições de se alimentar dignamente e de forma permanente, com quantidade e qualidade

adequadas.

Apesar do extraordinário avanço científico e tecnológico, a civilização moderna

não superou o drama da fome. Ao contrário, por mais paradoxal que possa parecer, as

condições de vida da maioria da população dos países subdesenvolvidos têm se deteriorado

nas últimas décadas. Milhões de seres humanos vivem em estado de pobreza absoluta, pois

sua renda é tão baixa que ficam impedidos de uma alimentação mínima diária satisfatória,

condenados, portanto, a uma crônica subnutrição.

Valente (2002) afirma que o Brasil tem os meios e o conhecimento técnico

necessários para erradicar a fome. Para que esses objetivos sejam atingidos, faz-se necessário

um planejamento prévio, uma vez que a fome não é só efeito, mas também causa da miséria,

Page 14: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

12

pois atrofia o corpo, reduz a capacidade de aprendizado, estreita a esperança e definha o

futuro. Essa afirmação reforça as idéias de Castro (1960), ao apontar que com a perpetuação

da desigualdade e as pressões de mercado, aliadas à inexistência ou descontinuidade de

projetos públicos para tentar solucionar o problema, ele vem aumentando de proporção em

grandes regiões do Brasil, em especial no Nordeste.

Dados coletados pelo IBGE (2000) classificaram o município de Guaribas

(situado na mesorregião do Sudoeste piauiense e na microrregião de São Raimundo Nonato)

como o mais miserável do país. Além de apresentar um elevado índice de desnutrição, a

situação da população ainda se agrava com a falta d’água (escassez de chuvas), de

saneamento básico, de ofertas de trabalho e pelo funcionamento precário dos serviços de

saúde (NEGREIROS, 2003). Por esse motivo, escolheu-se como localidade para a realização

desta pesquisa o município de Guaribas, devido ainda ao reconhecimento e à divulgação em

âmbito nacional da presença latente do problema da fome. Isto tudo se alia à proximidade

geográfica – o pesquisador é ex-residente da aludida microrregião de investigação – e aos

interesses municipal, estadual e nacional, de promoção de pesquisas interventivas

preocupadas com a realidade social, que auxiliem na construção de políticas públicas

funcionais e específicas. É significativo destacar que o pesquisador já desenvolveu estudos

anteriores envolvendo temáticas relacionadas às práticas alimentares e às vivências e

experiências da fome (NEGREIROS, 2003). Esses trabalhos também foram norteadores para

a elaboração da atual pesquisa.

O primeiro capítulo relaciona as características históricas, sociais, econômicas e

culturais do estado do Piauí, traçando comportamentos e costumes, historicamente

construídos, apreendidos e reproduzidos. Em especial algumas das concepções apresentadas

frente ao estado em momentos distintos de sua história, da conquista do território no século

XVI, o apogeu da economia pecuária, até as indicações atuais sobre do Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), que desponta uma de suas cidades, Guaribas, como a mais

miserável da nação. Oportunamente, a localidade também é situada histórica e culturalmente.

No segundo capítulo, é exposta a constituição sócio-histórico-cultural das práticas

alimentares da população do município de Guaribas – PI, explicitando as situações de fome

apresentadas no decorrer das últimas décadas. Destacam-se, as mudanças ocorridas nestas

práticas mediante transformação no espaço físico-geográfico da cidade, como no âmbito

econômico.

Já nos capítulos posteriores, terceiro e quarto, discute-se acerca das práticas

Page 15: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

13

alimentares indicadas nas diretrizes e leis do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o

PNAE, junto ao município de Guaribas – PI sob a gestão de seus responsáveis junto aos

Conselhos de Alimentação Escolar (CAE). Sobretudo, foi o intento mapear o universo da

produção agrícola familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os

cardápios da merenda escolar; e subsequente oportunizar a identificação de formas de

utilização do PNAE como um potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e

superação de fome/ garantia de segurança alimentar.

Finalmente, ressalta-se que nos capítulos dois, três e quatro, os sujeitos que

participaram desta pesquisa tiveram seus nomes preservados, ao mesmo tempo que sugeriram

um prato de comida de maior apreciação ao paladar como palavra de auto-denominação. Em

anexo, encontram-se os instrumentos – roteiros de entrevistas – utilizados para a coleta dos

dados, e algumas imagens do município de Guaribas – PI, espaço geográfico em que foi

ensejada a pesquisa.

• O referencial teórico-metodológico

Para desenvolver este estudo recorreu-se à pesquisa qualitativa, escolha que se

fundamenta na compreensão de que “as principais características dos métodos qualitativos são

a imersão do pesquisador no contexto e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa”.

(KAPLAN; DUCHON, 1998, apud DIAS, 2007).

Acrescenta-se, ainda, que esta abordagem de pesquisa define-se como

exploratório-explicativa, a partir do referencial formulado por Santos (2000). Porque

explorar é tipicamente fazer a primeira aproximação de um tema e visa a criar maior familiaridade em relação a um fato, fenômeno ou processo. Quase sempre se busca essa familiaridade, prospecção de materiais que possam informar ao pesquisador a real importância do problema, o estágio em que se encontram as informações já disponíveis a respeito do assunto, e até mesmo revelar ao pesquisador novas fontes de informações (SANTOS, 2000, p.26).

Por ser exploratório-explicativa, esta pesquisa busca analisar o processo de

implementação do PNAE em Guaribas – PI, tendo como parâmetros de análise a produção

acadêmica já existente sobre práticas alimentares, currículo escolar, segurança alimentar e

políticas públicas de alimentação e nutrição. Portanto, implica considerar o PNAE, como

Page 16: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

14

política sócio-educacional e potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e

superação de fome com sua contribuição para o aumento dos níveis de segurança alimentar

nas famílias envolvidas, com práticas alimentares existentes no município de Guaribas–PI.

O referencial teórico norteador se pauta na Sociologia de Bourdieu (Habitus,

Capital Cultural, Capital Simbólico, Campo) e nas Teorias Críticas sobre Currículo,

dialogando com a produção sobre políticas públicas de alimentação e nutrição, e a produção

sócio-antropológica acerca da alimentação.

Para a realização deste estudo foi necessário agrupar três grupos gerados a partir

dos perfis de sujeitos de pesquisa. Nessa introdução, consta uma breve apresentação desses

grupos, sendo que serão pormenorizados e articulados concomitantemente com os respectivos

referenciais norteadores para a presente abordagem teórica.

Os sujeitos da pesquisa foram selecionados com base em amostras não-

probabilísticas intencionais, visto que estes foram escolhidos conforme os objetivos da

pesquisa. De acordo com Moura (1998, p. 60), “[...] as amostras intencionais se utilizam de

pessoas que, na opinião do pesquisador, possuem, a priori, as características específicas que

ele deseja ver refletidas em sua amostra”.

O primeiro grupo de sujeitos da pesquisa é composto por seis moradores da zona

urbana e/ou rural do município de Guaribas – PI, com no mínimo de 40 (quarenta) anos, que

sempre residiram na localidade e que tenham como principal meio de subsistência a

agricultura. A coleta de dados junto a este grupo visou obter informações acerca da

construção das práticas alimentares da população local de baixa renda, optando-se por

participantes nessa faixa etária, com o intuito de que estes tenham registrado vivências das

possíveis modificações nos hábitos alimentares, produção agrícola, assim como da situação de

fome presente na localidade.

Para auxiliar na discussão dos dados coletados sobre práticas alimentares junto a

este grupo de sujeitos, foram utilizados os estudos de Câmara-Cascudo (2004); Santos (2005);

Levi-Strauss (2004); Damatta (1986); Maciel (2004). Por outro lado, sob uma perspectiva

complementar, foram usadas concepções e estudos fomentados nas obras de Castro (1959)

sobre a fome.

Não obstante, foram utilizados os estudos que abordam os aspectos culturais do

sertão piauiense, no âmbito da História e da Geografia do Piauí, tais como: IBGE (Censo

Demográfico) e Fundação CEPRO, com dados acerca da realidade sócio-política da realidade

piauiense; Costa (2006) que discute sobre as especificidades da escola do sertão piauiense;

Page 17: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

15

Araújo (1991) que apresenta discussões em torno do Estado piauiense e o desenvolvimento

sócio-político-econômico. Recorreu-se, ainda, a textos literários piauienses: Ataliba, o

vaqueiro, de Francisco Gil Castelo Branco; Trinta e Dois, de Fontes Ibiapina, nos quais se

recolheu as percepções acerca das especificidades sócio-histórico-culturais do sertanejo

piauiense que estão no ideal representativo e de representação do cidadão piauiense

interiorano e de baixa renda.

Para a obtenção de dados acerca da integração de alimentos produzidos no

município de Guaribas na merenda escolar, foi composto o segundo grupo de sujeitos desta

pesquisa: a nutricionista e a coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar da Secretaria

Estadual de Educação do Piauí (SEDUC/PI); Nutricionista responsável pela compra da

merenda escolar no município de Guaribas; e seis pais de alunos das escolas públicas do

município de Guaribas – PI, cuja principal renda é a agricultura familiar. Com a entrevista

desses sujeitos visou-se evidenciar os usos e as possibilidades de integração de alimentos

produzidos no município de Guaribas à merenda escolar.

As análises das informações obtidas deste grupo de sujeitos foram realizadas a

partir de estudos acerca das políticas educacionais e suas articulações em redes locais e

nacionais, formuladas por Martins (1994); Pereira (2001); e Pinto (2000); sobretudo

enfocando aspectos das relações de poder, regulação social e controle democrático,

financiamento da educação.

Sobre questões relacionadas às políticas de alimentação escolar e suas implicações

junto aos hábitos alimentares locais (BEZERRA, 2002) e com as especificidades das

comunidades piauienses, em especial àquelas relacionadas às áreas do sertão sudeste do Piauí,

fez-se uso como norteadores da prática de pesquisa os estudos de Negreiros (2003). Destarte,

quanto aos aspectos vinculados à preservação e valorização das formas e hábitos alimentares

locais diante dos aspectos relacionados ao patrimônio cultural, como aduz MALUF (2003),

sobretudo evidenciando as devidas ressalvas quanto à concepção de que nem todos os

alimentos são saudáveis, ou seja, existem casos que o aprimoramento alimentar é

indispensável.

Ainda com intuito de estabelecer articulações com uma perspectiva de Segurança

Alimentar recorreu-se ao Art.4º da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional

(LOSAN). Enquanto que ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, tem-se a Lei das

Licitações e Contratos da Administração Pública (lei 8.666, de 21 de julho de 1993),

complementada pela Medida provisória n°2.026, de 1° de julho de 2000; as cartilhas e

Page 18: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

16

manuais de instruções sobre o Programa, elaborados e publicados pelo Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FUNDEF) e MDS.

Como sujeitos do terceiro grupo temos: Presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais da cidade, o Secretario Municipal de Agricultura; dois Técnicos do

Serviço de Aprendizagem Rural (SENAR) – agrônomo e médico veterinário; Presidente do

Conselho de Segurança Alimentar (CONSEA/PI). As informações provenientes destes

sujeitos foram agregadas àquelas do segundo grupo acima. Da interlocução com estes sujeitos

objetivou-se obter uma descrição sobre a utilização do PNAE como um potencial elemento de

estímulo à agricultura familiar local.

Os dados empíricos provenientes dos participantes do momento da pesquisa

citado acima foram discutidos e confrontados com as concepções de Direitos Humanos

articulada por Bobbio (1992), que discute que a participação ativa e informada dos titulares de

direitos pode ser descrita como um princípio básico dos direitos humanos, bem como a

necessidade de inclusão dos marginalizados nas estratégias para a promoção da realização dos

seus direitos humanos.

As concepções apresentadas acerca da produção agrícola familiar e circulação de

alimentos advindas dos discursos dos referidos sujeitos foram defrontadas com estudos de

Menasche (2007). Destarte, foi prioridade articular essa categoria de análise com aquelas

apresentadas acerca das políticas educacionais e segurança alimentar relatadas anteriormente.

Entre os participantes da pesquisa a coleta dos dados foi realizada através de um

roteiro temático (semi-estruturado) de entrevista (em anexo), utilizando-se como categorias:

práticas alimentares; e, produção agrícola do município. Destarte, vale destacar que

questionários, guias de observação e imagens farão parte dos instrumentos e procedimentos

técnicos a serem utilizados.

Utilizou-se o roteiro de entrevistas para explorar a visão dos pais de alunos da

rede escolar oficial acerca da importância do PNAE, conforme o objeto de estudo

estabelecido. Este instrumento de coleta, segundo Minayo (1994) constitui um instrumento

para orientar uma “conversa com finalidade” que é a entrevista, devendo ser o facilitador de

abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação. Essa parte da elaboração do

roteiro e suas qualidades consistem em enumerar de forma mais abrangente possível as

questões que o pesquisador quer abordar no campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos,

advindos, obviamente, da definição do aludido objeto de investigação (Minayo, 1995, p.121).

O roteiro de entrevistas foi composto por perguntas norteadoras que tiveram o objetivo de

Page 19: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

17

ajudar a desenvolver o diálogo a respeito dos hábitos alimentares, das estratégias adotadas

para a convivência com as situações de escassez de alimentos, das técnicas de cultivo de

alimento e outras formas de obtenção de alimentos.

Para a coleta de dados por meio das entrevistas usou-se como referência a técnica

da História Oral, subsidiada, também, pela compreensão de Memória, segundo Lang et al

(2001); Le Goff (1996); Bosi (2003); Ferreira e Amado (1996) que se caracteriza pelo registro

da história de vida de indivíduos que, ao focalizar suas memórias pessoais, constroem,

paralelamente, uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da

trajetória do grupo social ao qual pertence.

Os sujeitos-participantes relataram livremente suas experiências acerca das

temáticas sugeridas, sendo estes relatos registrados feitos em meio eletrônico de áudio, sendo,

portanto, um instrumento fundamental para compreensão e reconstrução parcial de História de

Vida dos referidos sujeitos. Com isso, seguiram-se então as postulações orientadoras de

Thompson (1992) e Halbwachs (2004), que fazem referência às rediscussões sobre as fontes

históricas, bem como quanto à construção e preservação da memória, respectivamente.

Utilizou-se os estudos de Certeau (1994; 1996) referenciando-se a partir de suas

pesquisas os conceitos de práticas sociais, cotidianas, e a idéia de construção do cotidiano,

reinvenção de hábitos/ estratégias de sobrevivência dentro de uma determinada realidade

local, cultural. Articulando-se este autor com a perspectiva de Bourdieu (capital cultural,

social e simbólico, habitus).

Para obtenção de informações junto aos integrantes dos Grupos II e III foram

utilizadas entrevistas semi-estruturadas com perguntas direcionadas às respectivas

competências dos participantes (em anexo). A elaboração destas entrevistas foi orientada

pelos dados obtidos via documental (centros de pesquisa; fontes documentais; registros

institucionais) e pelos relatos de história de vida dos participantes do grupo I.

• Procedimento de análise dos dados

Nos participantes do Grupo I, foram selecionados aqueles com expressivo

conhecimento acerca dos indivíduos a eles vinculados no ambiente familiar, o que facilitou,

com isso, a aquisição e registro de informações

As sessões de coletas foram transcritos, mantendo no texto todas as informações

constantes da gravação. Posteriormente foram fichadas por categorias de análise.

Page 20: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

18

Depois de colhidos, os dados foram transcritos, categorizados e examinados

através da técnica da Hermenêutica de Profundidade (THOMPSON, 1998), que evidencia o

objeto de análise como construção simbólica significativa, que necessita ser interpretado.

Neste referencial, dá-se uma ênfase ao processo de interpretação, que possibilita a

compreensão das formas simbólicas enquanto campo-objeto e também campo-sujeito. Diante

disso são atentados, com rigor, categorias de estudo que primam pela construção e

preservação da memória e história imóvel, ou seja, diz respeito às permanências de alguns

aspectos sócio-históricos ao longo dos anos e das gerações (LE GOFF, 1996).

A partir dos princípios da Hermenêutica de Profundidade, interpretação da doxa,

análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva, e re-interpretação, foram pautadas as

análises das categorias que emergiram no decorrer do presente estudo. No capítulo II, as

categorias, com o intento de contemplar os princípios de análise já expostos, organizou-se as

categorias a partir de uma receita de bolo, em nosso caso, o bolo de milho, no qual as etapas

de seu preparo constituíram nos procedimentos de preparo do referido prato.

O capítulo III seguiu uma lógica semelhante. As categorias, de forma

analogamente organizadas de acordo a ilustração dos caracteres de um produto alimentício

ofertado em um supermercado ou qualquer espaço onde a alimentação pode ser

comercializada: data de fabricação; composição química; embalagem; preservar em local

arejado; e prazo de validade. Estratégia utilizada, em especial para fomentar uma maior gama

de análises e representações em torno das categorias emergidas.

No capítulo IV as categorias de análise dos dados emergiram das considerações

efetuadas nos capítulos anteriores, impulsionando para uma apreciação mais concisa em torno

do PNAE.

Destaca-se que os relatos dos sujeitos-participantes desta pesquisa tiveram seus

nomes ocultados, assim foram preservados o seu anonimato. Com isso, fez-se uso de palavras

de auto-denominação, no qual os entrevistados escolheram o prato/ comida que mais lhes

proporciona prazer ao palato, com a finalidade de que este substituísse seus legítimos nomes.

Por fim os dados coletados foram articulados com o referencial teórico da

Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu, assim como com os principais eixos teóricos

citados anteriormente acerca das políticas educacionais; práticas alimentares; situação de

fome; segurança alimentar; merenda escolar; agricultura familiar.

Page 21: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

19

CAP. 1 – “COZER O PIAUÍ E DESCASCAR GUARIBAS” – O ESTADO

E O MUNICÍPIO EM SUAS CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES

“No Piauí nasceu Mãe de ‘mim’ e de vocês (Na serra da Capivara) ‘Mim’ quem fala é índio

A língua que falava os "Jês" Beija-flor (RJ) - Samba Enredo 1996.

Tendo em vista o propósito deste capítulo, discute-se inicialmente as relações

subjetivas constituídas em meio às práticas alimentares que permeavam as primeiras ações

educativas no estado do Piauí tendo como meta destacar e fomentar reflexões em torno dos

comportamentos e costumes piauienses, historicamente construídos, apreendidos e

reproduzidos conforme imposições estabelecidas segundo princípios que se respaldam no

conceito de habitus, desenvolvido por Bourdieu.

1.1 Comer, comer, comer... Terra à vista! – As práticas alimentares e os alimentos transportados pela armada de Pedro Álvares de Cabral

As cozinhas locais, regionais, nacionais e internacionais são produtos da

miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais.

Hoje, os estudos sobre a comida e a alimentação invadem as Ciências Humanas a partir da premissa de que a formação do gosto alimentar não se dá, exclusivamente, pelo seu aspecto nutricional, biológico. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações. Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. A historicidade da sensibilidade gastronômica explica e é explicada pelas manifestações culturais e sociais como espelho de uma época e que marcaram uma época. Neste sentido, o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come como se come e com quem se come. Enfim, este é o lugar da alimentação na História (Santos, 2005, p. 2).

Page 22: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

20

Nessa lógica supracitada, compreender uma história de “inabilidades alimentares”

(grifo do autor) vivenciadas no território brasileiro – mais especificamente naquele da região

do Piauí – remete-se, logo em seguida a questionamentos sobre as mais antigas e pioneiras

formas de alimentação que foram fomentadas junto ao Brasil. Assim, como esse se trata de

um país que sofreu substancialmente momentos de dependência de Portugal durante seu

período de colonização.

A primeira vez que o território brasileiro foi explorado por outros povos, como os

portugueses, data-se historicamente que foi efetuado por Pedro Álvares Cabral. Todavia,

como aduz Serrão (1968) “é quase certo que a região já fora abordada por nautas portugueses,

e que a viagem de Cabral não foi de ‘descobrimento’ mas de reconhecimento” (p. 102 – 103).

Essas nuances históricas soam, em especial, como indicativos de que a concepção

vigente por alguns historiadores de que as “Caravelas do Descobrimento”, assim como foram

chamadas, constituíram-se de agentes literalmente exploradores. Em meio que agiram de

maneira a desprezar os valores, hábitos alimentares e manifestações culturais apresentados

pelos nativos (índios). E assim, impondo como legítimas suas próprias aspirações e

julgamentos sociais, plenamente convergentes com aqueles padrões sugeridos – ou impostos,

como citou Bourdieu – pelas classes mais abastadas da alta corte portuguesa. Por conseguinte,

assim sucedeu, e não era para menos, com as práticas alimentares.

A partir de análises da Carta de Pero Vaz de Caminha, articulação promovida por

Paula (1992), constata-se a carta enquanto um documento ímpar da literatura de viagens.

Descreve, verifica e explica uma página da História de Portugal, com um vigor e talento,

acompanhados e simplicidade e enaltecendo as qualidades do povo português, quando em

contato com culturas e etnias totalmente diversas.

A Carta registra as mais variadas informações da terra descoberta nos seguintes

aspectos: morfologia, fauna, flora, humana, alimentação, crenças, habitação, religião e outras.

A importância em se analisar o estudo dos mantimentos trazidos a bordo de uma

nau quinhentista, caracteriza-se como sendo de suma importância. Afinal, como afirmou

Paula (1992), ocorria uma preocupação latente frente à quantidade de alimentos, seu potencial

de conservação diante de longas viagens marítimas, sua tolerância a mudanças de temperatura

entre continentes com climas tão diferenciados. Estas características podem ser contempladas

nos alimentos citados, da própria Carta, a seguir: carnes, pescados secos e salgados, legumes,

favas, manteiga, mel, açúcar, biscoito, trigo, vinho, azeite, sal.

Contudo, é perceptível a ausência das verduras e dos citrinos, logo faltam as

Page 23: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

21

vitaminas B e C. Sabe-se muito bem que as vitaminas, quando não ingeridas durante algum

tempo, levam ao aparecimento de doenças específicas graves, que acabam por matar se os

nutrientes em causa não são de novo fornecidos ao organismo humano em tempo adequado.

De acordo com Paula (1992), “a armada de Vera Cruz demorou 44 dias a pisar terras do Novo

Mundo, sem enfermos” (p.36). Uma consequência disso seria a descrição por parte de Vaz de

Caminha acerca da presença significativa de doentes com a chegada das caravelas no litoral

brasileiro.

É importante destacar que as aludidas preocupações dos portugueses frente às

comidas armazenadas e a forma de preparo e consumo de seus alimentos – o fogão era

posicionado de forma estratégica no barco, que por vezes poderia, inclusive, mudar de local

neste espaço – se constituíram como ações pioneiras no transporte e na locação logística dos

alimentos para longas viagens além de escalas estratégicas.

As referidas práticas denotam uma perspectiva já discutida por Carneiro (2003),

onde efetua uma revelação da cozinha como um microcosmo da sociedade, com todo o

significado simbólico na construção de regras e sistemas alimentares, impregnada de cultura.

No livro, o autor, dentre outros, sugere aos historiadores direções no campo da História da

Alimentação, segundo as perspectivas das Ciências Humanas, que possam revelar a estrutura

da vida cotidiana a partir do universo da comida.

Com essas discussões até aqui apresentadas, constatam-se alguns indicativos da

reprodução da inferioridade social no Brasil desde os tempos mais remotos. Destarte, percebe-

se que aspectos de imposição, postulados ainda em períodos de Brasil Colônia, perduram, e

ganham força. Com isso, o que acaba sendo mais preocupante é que algumas dessas

atividades efetuadas ganham uma roupagem de ações educativas, ou de libertadores, de

geradoras de autonomia quando são desenvolvidas através de espaços ou sujeitos respaldados

com a dimensão da educação, enquanto um instrumento de ascensão social.

No Brasil, as relações entre as práticas de inculcação alimentar iniciaram-se da

forma aludida acima durante o descobrimento. Como se sabe, o país hoje em dia é

classificado como pertencente àquele grupo dos “Países em Desenvolvimento”, terminologia

outrora utilizada como “subdesenvolvido”. Esta classificação deve-se, em especial aos

números alarmantes de pessoas em situação de pobreza e fome que contam no Brasil, que de

acordo com a Fundação Getúlio Vargas relata 55 milhões de pessoas passando fome no

Brasil.

E esses números podem ainda ser visto de maneira mais significativa quando os

Page 24: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

22

mesmos dados evidenciam o Piauí como o estado onde mais é presente a fome no país. Até

que ponto essa condição se deve a que fatores, exclusivamente climáticos, ou estruturalmente

políticos?

1.2 Piauí: berço da humanidade ou o caldeirão do inferno?

Onde fica o Piauí mesmo? Sempre que alguém efetuar essa pergunta, responda

prontamente: está localizado na região Nordeste do Brasil! Fato que necessariamente todo

brasileiro que cursou a terceira série do Ensino Fundamental deveria saber, mas, volta e meia,

um questionamento como este, surge em meio a um diálogo entre grupos de estudantes e/ ou é

apresentado de maneira “divertida” e plenamente permeada de preconceito em espaços

diversificados da mídia nacional. O discurso científico, enquanto questionador, precisa estar

presente de uma perspicácia e de uma autonomia legítimos, e acima de tudo, não-ingênuos.

Essa representação sobre o estado surgiu por quê? Reproduz-se por quê? Mantém-se por quê?

Afinal, o fato de o Piauí ser o estado mais pobre da nação, segundo indicativos do

IBGE (2007) é motivo suficiente para enclausurá-lo no esquecimento em nosso discurso

social, político e acadêmico? A resposta, sem sombra de dúvidas é: Não! Mas, faz-se

indispensável serem promovidas reflexões sobre as potencialidades desta aludida localidade

do território brasileiro, bem como avaliar criticamente estas potencialidades, e sobretudo,

desvendar que fatos históricos permearam, construíram e, ainda hoje mantém esses status ao

Piauí.

Com isso, verificar a luz da ótica educacional da cultura brasileira, perspectivas

de gênese e manutenção de realidades que fizeram e fazem parte das preocupações do povo

piauiense, constitui nossa intenção ao discutir a situação de fome e pobreza.

Vale ressaltar, que o estado apresenta inúmeras potencialidades, possui história e,

por conseguinte, possui uma subjetividade própria. E por isso, existem duas, e não apenas

uma concepção acerca do Piauí. De um lado o estado é concebido como um lugar inóspito e

hostil, como um “caldeirão de quentura, um inferno de quente” (Costa, 2006) e /ou como uma

analogia ao “fim do mundo” (Monsenhor Chaves); e uma outra, que o classifica como um

lugar agradável, de acalento e legitimamente favorável ao crescimento e desenvolvimento

humano, como é presente no discurso de Adrião Neto (2006) “o berço do homem americano”.

Page 25: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

23

Como aborda Bock et al (1999), é justamente em meio às contradições humanas, da

sociedade, que se encontram as explicações e pontos de transformação social. Ou seja,

identificar esses paradoxos frente ao estado do Piauí, implica identificar determinações

danosas para convertê-las.

1.3 O fim do mundo, uma imensidão quase desconhecida, ou seja, o Piauí

Nos primeiros discursos descritivos aduzidos pelas cartas de navegantes que

exploravam o território piauiense era comum que esses relatos tivessem pouca precisão

quanto às suas limitações (Costa, 2006). Uma variedade climática, em alguns períodos

oscilava de maneira bastante paradoxal, o que representava uma tarefa bastante árdua aos

desbravadores das terras, assim como àqueles que efetuaram as primeiras atividades

pedagógicas, como serão apresentadas adiante.

O Piauí fica em um território com fronteiras naturais, tendo características

próprias, o relevo, o clima e a bacia hidrográfica. Possui o território à imagem de um arco. Do

lado oriental, diversas elevações formando o Arco da Fronteira, cadeia de serras que indicam

os limites do Estado.

Apresenta certa homogeneidade a região, ainda que a longa extensão produza suas particularidades, nos diversos aspectos examinados pela geografia. Tratava-se de região de acesso difícil, que só foi conhecida dos colonizadores, no século XVII, e colonizada apenas no século seguinte (COSTA, 2006, p. 91).

Quanto ao clima ocorrem duas estações, uma com chuvas, em geral de dezembro

a maio, chamada erroneamente de “inverno”, e outra sem chuva, “verão”, de junho a

novembro, meses que variam do Sul para o Norte do estado. A média anual de precipitação

pluviométrica é de 600 mm, chegando a ser de 1.000 mm em várias partes, com a temperatura

média de 30ºC. A seca caracteriza-se pela ausência de chuvas, não no período chuvoso, mas

também pela quase total falta de precipitação pluviométrica no período normalmente sem

chuvas. Esta acontece a cada dez anos, em média podendo durar um a três anos (COSTA

2006, p. 95).

O Estado do Piauí está situado entre 2º44 e 10º52’ de latitude e entre 40º25’ e

45º59’ de longitude Ocidental, abrangendo área de 251.529,186 Km². Corresponde a 16,16%

Page 26: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

24

da região Nordeste e 2,95% da área do Brasil, não estão incluídos nessa contagem a área

litigiosa a ser demarcada entre o Piauí e o Ceará. Pertencente ao segundo fuso horário

brasileiro. É o terceiro maior Estado nordestino e o décimo primeiro Estado brasileiro em

extensão territorial (Rodrigues, 2000).

O espaço educacional brasileiro foi construído pelos jesuítas, sobre isso não é

travado nenhum questionamento. Entretanto, no que diz respeito aos efeitos que essa

educação fomentou no Brasil e consequentemente no Piauí de hoje, proporcionando

malefícios e/ou benefícios ao atual sistema educacional.

Os jesuítas assentam, logo ao desembarcarem, os seus arraiais; fundam as suas residências ou conventos, a que chamavam “colégios”; instalam os seus centros de ação e abastecimentos ou se o quiserem, os seus quartéis, para a conquista e o domínio das almas, penetram as aldeias dos índios e, multiplicando ao longo da costa, os seus pontos principais de irradiação. (Azevedo, ano 1963 p. 502).

A eficácia da ação pedagógica jesuítica no Brasil deve-se ao cuidado rigoroso

com o preparo dos mestres instrutores; e a uniformização desta ação. Os conteúdos que eram

trabalhados pelos jesuítas estavam muito bem fundamentados de acordo com as regras

codificadas no “Ratio Studiorum”, que constituía-se em:

Studia Inferiora, esta reunia as disciplinas de letras humanas, de grau médio, com duração de três anos e constituído por gramática, humanidades e retórica, forma o alicerce de toda estrutura de ensino e se baseia exclusivamente na literatura clássica greco-latina. Filosofia e ciências (ou curso de artes), também com duração de três anos, tem por finalidade formar o filósofo e oferecer as disciplinas de lógica, metafísica e filosofia moral. O outro grupo de disciplinas que constituía o método jesuítico era nomeado de Studia Superiora, que baseva-se no estudo da teologia e ciências sagradas, com duração de quatro anos. A Studia superiora visava à formação de novos sacerdotes integrantes da Companhia de Jesus (ARANHA 1996, p.92).

De fato, a educação jesuítica, com seus fundamentos clássicos, alcançou outros

tempos e conseguiu manter as suas bases praticamente intactas. Mas uma grande falha

percebida neste método foi onde muitos buscaram apoio para lutarem contra. O fato de este

ensino manter uma separação entre a escola e vida, na grande vontade de retornar aos

clássicos, fez com que “os companheiros de Jesus” esquecessem as inovações de seu tempo.

No Piauí a ação jesuítica não ocorreu como em outros pontos do Brasil, dois fatos

podem ser apontados para explicar a inexpressiva atuação dos jesuítas na Educação do Piauí:

um primeiro diz respeito à tardia fixação da Ordem em território piauiense. Havendo chegado

ao Brasil em 1549, só na segunda metade do século XVIII se estabelecem no Piauí, movidos

Page 27: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

25

por interesses pecuniários: as fazendas de gado. É verdade que antes já haviam transitado pelo

Piauí – corredor de passagem entre Pernambuco e o Maranhão – sem, entretanto aqui se

fixarem.

Por outro lado, outro fato também significativo, que correspondeu à

orientação da Ordem em relação às atividades desenvolvidas na colônia, notadamente, a partir da implantação do “Ratio Studiorum”. Sabe-se que os propósitos que animaram D. João III em 1549 a enviar os Jesuítas ao Brasil com o aval de Simão Rodrigues então superior da Ordem em Portugal, e que inspiraram o plano educacional de Nóbrega tinha duplo objetivo: o aliciamento do indígena para possibilitar a colonização; e o preparo de uma elite para exercer as funções públicas da colônia (BRITO 1996, p.14).

Os primeiros jesuítas em terras piauienses foram os Padres Francisco Pinto e Luís

Figueira, em janeiro de 1607, chegaram de Pernambuco para evangelizar no Maranhão. O

Padre Francisco Pinto foi morto pelos índios Tacarijus. Os jesuítas voltaram incursionar pelo

território piauiense, em 1711, com a chegada do Padre Manoel Gonzaga e seu companheiro

Manoel da Costa, que vieram tomar posse e administrar as fazendas que Domingos Mafrense

deixou em testamento para a Companhia de Jesus. (Adrião Neto 2006, p.207).

Com a administração das fazendas absorvia por completo os jesuítas, não lhes

restou tempo para exercer suas atividades educacionais e culturais. E somente vinte e sete

anos depois de sua chegada, é que acontece o inicio de suas atividades.

De acordo com Brito (1996, p. 13) somente em 1733 ocorre substancialmente uma

preocupação com a educação do povo com a conquista no referido ano do alvará de

funcionamento de ensino que se denominaria “Externato Hospício da Companhia de Jesus”. O

estabelecimento, entretanto não logrou funcionar em virtude das dificuldades encontradas

para sua instalação decorrente dentre outras coisas da pobreza do meio, da dispersão

demográfica dos núcleos populacionais, muitos distantes uns dos outros, e das precárias

condições de comunicação e acesso entre as Capitanias. Frustrada a organização do

“Externato Hospício”, fazem os inacianos outra tentativa, em 1749 e organizam no Distrito da

Mocha, hoje cidade de Oeiras, o Seminário do Rio Parnaíba. (BRITO, 1996).

O autor supracitado ainda aduz que

A fixação dos jesuítas no Piauí ocorre no último período de sua atuação, quando a Ordem enfatiza a criação de Seminários. Daí a criação do Seminário do Rio Parnaíba, em lugar de uma escola de ler e escrever ou de um colégio e o fracasso da iniciativa em face das condições adversas do meio para a implantação daquela instituição. (p. 18)

Page 28: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

26

Como é discutido por Rodrigues (2000) e Brito (1996) a educação jesuítica no

Piauí enfrentou alguns percalços, dentre eles o enfrentamento de realidades desfavoráveis,

como a fome e a pobreza. Em muitos espaços educacionais, as práticas alimentares fazem-se

presentes. Elas irão manifestar, mais uma vez, aspectos culturais de uma localidade, com isso,

a situação de fome também pode ser característico de uma região, ao ponto de ser possível se

constituir uma Geografia da Fome, em meio que se mapeiem áreas que mais sofram que esse

fato tão funesto como apresentou Castro, (1961) em seus estudos sobre a fome no Brasil.

As práticas alimentares nesse período eram de uma homogeneidade peculiar nas

principais localidades exploradas pelos historiadores, aonde os jesuítas conduziam suas

atividades pedagógicas, sobretudo, concomitante às suas ações inculcadoras eles vivenciavam

os hábitos locais de alimentação, ao mesmo tempo em que impunham outros de seus hábitos,

advindos de suas vivências e cultura anteriores.

Como se sabe, o recorte do estado do Piauí deveu-se aos modos de produção local

de agricultura e pecuária. Com isso, um personagem que surge é o do vaqueiro, típico da

região até os dias atuais, no qual seus hábitos e estratégias alimentares foram parâmetros para

muitos daqueles que pela região do estado passaram. Vale ainda destacar que o nome do

referido estado tem origem nos piaus, peixes abundantes nos rios da localidade, que era

utilizado como fonte de alimentação local, muitas vezes em meio aos espaços pedagógicos –

de práticas jesuíticas – durante este recorte histórico em estudo.

Os vaqueiros piauienses tinham a responsabilidade de cuidar do gado, cabendo-

lhe uma cabeça para cada quatro que criassem (Costa, 2006). A alimentação básica era a carne

de vaca assada em espeto, pois não havia sequer panelas para que cozinhassem, bem como os

laticínios. Disse Matias Augusto de Oliveira Matos que

sem dúvida, o forte da culinária piauiense tem por base o boi e a farinha (produto da rústica mandioca que sobrevive durante os períodos de chuva e de estiagem nas baixadas e nas chapadas). É a dobradinha para todas as regiões do estado, para todas as situações difíceis. (p. 230)

Da carne de gado surgiu a alimentação típica do Piauí, como a paçoca, resultado

da carne seca batida no pilão com farinha de mandioca, e o arroz de maria isabel, com carne

seca cortada e misturada com arroz.

Conseguiram os vaqueiros e as populações rurais do Piauí antigo, ainda, mel

silvestre para a sua nutrição. Havia a coleta de frutos como cajá, caju, bacuri, crioli, buriti e

Page 29: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

27

pequi, com as quais se começou a fazer doces e comidas típicas. Preparava-se também pratos

com a caça local, como jacu, avoante, paca, cotia, capivara e veado, quando as tinham em

quantidade. Nos rios menores pescava-se mandy, curimatá e piau, que depois inclusive deixou

o seu nome no rio Piauí, que por sua vez denominou o novo território (Costa, 2006).

Uma região rica em belezas naturais, belas serras, belos rios, e que por mais que

tenha recebido pouco dessa influência jesuítica quanto às imposições de modelos

educacionais a partir da disposição de classes sociais como esclarece Romanelli (2006)

A Educação dada pelos Jesuítas, transformadas em educação de classe, com características que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou todo o período colonial e imperial e atingiu o período republicano, sem ter sofrido, em suas bases, qualquer modificação estrutural, mesmo quando a demanda social de educação começou a aumentar, atingindo as camadas mais baixas da população e obrigando a sociedade a ampliar sua oferta escolar. (p.35)

Na atualidade as perspectivas de distribuição de renda, como apontam dados do

IBGE (2006) ainda se configuram com um dos maiores problemas enfrentados pelo estado do

Piauí. Em especial por se tratar de construtos que se repetem ao longo das décadas.

1.4 Descansa a fome no Piauí em berço esplêndido, eternamente?

O Piauí tem tomado conta do cenário da imprensa nacional com frequência por

apresentar números alarmantes quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que

tem sido o mais baixo dentre os estados do país.

A situação de fome, miséria e pobreza perduram na região. Durante muitos anos a

fome, segundo Cerri & Santos (2003) tem sido vista como fenômeno natural, ou efeito

secundário de acidentes climáticos, nunca sendo aceito pelas elites como alvo de desigualdade

social, o que vem a embasar mais ainda o que diz Leal (1998, p.03): “não mais recorrente,

mais repetitivo, mais triste e mais drástico”, garantindo que o problema da seca do Nordeste

ainda não foi resolvido pelo simples fato de que para os homens de decisão política da própria

região interessa mais a sua permanência do que sua solução.

Para Negreiros et al (2003), a fome é um fenômeno amplo que incorpora

dimensões relacionadas a diferentes necessidades históricas, culturais e psicológicas, que

exercem influência direta e indireta no ambiente familiar. Para Castro (1961, p. 87) “as

Page 30: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

28

crianças já nascem corroídas pela fome dos pais e se desenvolvem mal pelo uso de uma

alimentação extremamente inadequada”. O autor relata ainda que a fome transmite não só

uma herança de carência biológica, mas também uma funesta inferioridade social, que

permanece ao longo das gerações de maneira latente.

A idéia ganha mais consistência quando é reforçada por Bourdieu & Passeron

(1982) que fazem referência à reprodução cultural da desigualdade, apresentando que os

indivíduos e as instituições que representam a forma dominante da cultura, buscam manter

sua posição privilegiada, apresentando seus bens culturais como naturalmente ou

objetivamente superiores aos demais.

Idéia bastante visível no modelo apresentado pelos jesuítas, como articula

Azevedo (1963) ao discorrer que na primeira incursão na educação popular, fica explícito que

esses religiosos não tinham a idéia de só catequizar, “... mas lançavam as bases da educação

popular e, espalhando nas novas gerações a mesma fé, a mesma língua e os mesmos

costumes, começavam a forjar unidade espiritual e política de uma nova pátria” (p. 507).

Ao seguir a mesma linha de pensamento, no período compreendido entre a

chegada ao Brasil dos jesuítas (1549), até a sua expulsão (1759), em todas as unidades de

ensino (litoral, planalto e posteriormente Sul e Norte) se verificou somente o interesse em

formação humanística, havendo um total desinteresse na formação científica e técnica. O que

possa ter ocorrido devido às imposições do reino de Portugal para a continuidade de tal

omissão.

Não obstante, mais uma vez se torna evidente o caráter exploratório e legitimador

da dominação pelas ações efetuadas no aludido período. As concepções de Bourdieu (2006)

apontam que no conjunto da sociedade, tenderia a prevalecer, portanto, a imposição de um

determinado arbitrário cultural como a única cultura legítima. Os indivíduos normalmente não

perceberiam que os bens culturais tidos como superiores ou legítimos ocupam essa posição

apenas por terem sidos impostos pelos grupos dominantes.

A situação de fome se perpetua, conforme argumentou Negreiros (2003), se não

forem constituídas práticas educativas interventivas que contemplem tanto a instituição

familiar como a escolar. O primeiro por ser o primeiro espaço socializador da criança, sugere

um gama de repertórios comportamentais, por vezes disfuncionais; e a escola, enquanto

prática de ensino institucionalizada trata de reproduzir o habitus constituído a partir das

relações existentes entre as duas instâncias sociais.

A instituição familiar corresponde a um grupo de pessoas, que vive numa

Page 31: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

29

estrutura hierarquizada com a proposta de uma ligação afetiva duradoura, incluindo uma

relação de cuidado entre os seus constituidores – adultos, crianças e idosos – surgidos no

contexto. A família tem que dar subsídios para que o indivíduo adquira valores morais,

éticos, culturais etc., pois fornece a base para o desenvolvimento social, por ser o primeiro

ambiente socializador vivido por parte das crianças em seus primeiros anos de vida (Carvalho,

1997).

Essa idéia é reforçada por Bock et al, (1999), que alude sobre o papel primordial

desempenhado pela família na reprodução de valores que constituem a cultura e das idéias

dominantes em determinado momento histórico, no qual estabelece disputa com outros grupos

sociais, prevalecendo e dando continuidade a um legado que transforma o homem e é

transformado por ele. Os autores ainda apresentam que para analisar o homem é preciso situá-

lo num contexto sócio-histórico-cultural, identificando e desvendando as determinações.

1.5 O estado do Piauí: uma caracterização histórica

Patrocínio (2006) afirma que por quase dois séculos subsequentes ao

“descobrimento”, o Piauí não foi colonizado, ao contrário do que acontecia com os atuais

estados do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; para o autor, o “devassamento e

o inicio da colonização” (p. 10) no Piauí estão intimamente relacionados às bandeiras, que

seguiam atrás de ouro e pedras preciosas. Nunes (2001) afirma que

se penetrações houve, não forma profundas; foram rápidas incursões em busca do ouro ou do índio, e jamais tentativas para colonizar. [...] A terra desconhecida teria que ser devassada e conquistada, e do seio fecundo dos sertões jorrariam novas fontes de enriquecimento (p. 26)

Entretanto, só foram encontrados no estado terras férteis e ótimas pastagens para

criação de gado. Um outro agente para a colonização do estado está relacionado à necessidade

de um percurso terrestre que ligasse a Bahia ao Maranhão.

A área correspondente hoje ao estado do Piauí, na época da sua colonização, era

considerada grande em se considerando a quantidade de colonos que a ocupavam, com suas

propriedades distando cerca de até vinte léguas umas das outras. Esta característica

Page 32: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

30

determinou a tardia nomeação de um governador para a Capitania, criada em 1718 e tendo

designado seu primeiro governante apenas 40 anos depois, em virtude do pouco contingente

populacional e suas implicações, pois a realidade do Piauí à época – início do século XVIII,

era uma população sem vínculo de organização social e isenta à organização política (Nunes,

2001).

Muito embora o povoamento tenha sido acelerado, a densidade populacional era

extremamente baixa, em virtude da grande área territorial tomada, que era efeito da pecuária,

dispersar para crescer. Reflexo disso está no fato de apenas em 1972 ter início a fundação de

vilas, o que tão insistentemente solicitava a Corte, mas a precariedade demográfica da

Capitania não possuía um povoado digno de ser alçado à categoria de vila. Segundo Nunes

(2001), no sertão piauiense, com esse adensamento populacional, a maior parte dos habitantes

eram os “desocupados”, que eram apanhados pelos grandes fazendeiros e distribuídos pelos

latifúndios, assim organizando suas “cabroeiras”, visto que a coesão dos donos das terras era

manifesta pelo poderio que ele tinha de aglutinar ao que estavam no seu entorno, ou seja, “sua

gente”.

Durante os primeiros decênios do século XIX, prosseguem as pesquisas em busca

de novas fontes econômicas. O que se vê no cenário do Piauí desde o governo de D. João de

Amorim – até a independência – foi a continuação da luta entre fazendeiros, chefes de tribo, e

os representantes da coroa, a constituir a característica mais importante da história do Piauí,

na segunda metade do século XVIII, até mesmo a Independência. Nas vésperas da

independência, ainda não havia governo estabilizado. Vivia-se período retardatário de nossa

evolução histórica, de nossa Idade Média. Para to do o Brasil este século marcou por toda

parte a consolidação do poder público; por todo o litoral processava-se com facilidade a

organização política, em virtude do comércio, da agricultura, da indústria açucareira,

atividades que tendem a condensar populações, preparando o ambiente para a estabilização

estatal. Enquanto isso, na região do pastoreio a que pertencia o Piauí, tudo conspirava contra a

ordem: o deserto, a campina, o nomadismo e a tradição de longos anos de vida, dissoluta,

onde o individualismo impunha a lei.

Proclamada a Independência não houve como consequência dessa ocorrência

histórica, modificações profundas ou ainda modificação notável no cenário social do Piauí,

que continuava governado por fazendeiros, encastelados em seu orgulho e prepotência. Não

havia ensino de natureza alguma no Piauí. O que nos unia ao Brasil era incontestavelmente o

comércio de gado, que foi poderoso fator de unidade brasileira. Acerca desse fato Araújo

Page 33: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

31

(1997) expõe:

No Piauí, o novo regime federativo, legitimado juridicamente pela Constituição Estadual de 1891, não trouxe mudanças profundas para o estado. Não obstante, foi um período marcado por lutas pela manutenção de sua autonomia, uma vez que existiam ameaças de o Piauí ser incorporado às unidades federativas limítrofes, em face da alegada insuficiência de recursos para sua auto-sustentação. Contudo, realizaram-se transformações de natureza político-administrativa, que buscavam a consolidação da autonomia do estado (p. 43)

Havia o caos econômico e financeiro por toda parte, e por toda parte periclitavam

as instituições, e o cenário político não era diferente, pois

“nem com o novo regime republicano os governantes piauienses modificaram seus atos, a bem dos setores públicos. Mesmo com o governo republicano, dava-se continuidade à política imperial de esquecimento dos estados pobres, como o Piauí” (Araújo, 1997, p. 72)

As atividades agrícolas e pastoris - fontes de grande riqueza do Piauí - estavam

decrescendo em produção, de ano para ano, em virtude de diversos fatores, tais como a

ausência da renovação e cruzamento com uma boa raça de gado, o absenteísmo, as

dificuldades de transportes e estradas, a rotina do método de uso da terra, ainda dos tempos

coloniais e, ainda, a seca, que implicava a falta de pastagens. No entanto, não se descartava a

ausência de uma política econômica que favorecesse aquelas indústrias.

No período da monarquia, as atividades continuavam as mesmas, não havendo

mudanças significativas na estrutura política-econômica-social do estado (Nunes, 2001). A

promessa de expansão da indústria pastoril, por meio de processos modernos, não foi além

dos planos, pois não alcançou resultado prático. Temerosos com a possibilidade da

emergência de uma nova força na política local, os grandes latifundiários boicotavam

iniciativas de modernização na atividade pastoril no Piauí (Araújo, 1997).

A navegação a vapor foi apenas amostra de modernização na economia política,

mas não solucionou o problema piauiense. Outros vestígios de fomento econômico

manifestam-se, como fruto da angústia financeira. O que vem, entretanto, em socorro do

estado, é a borracha e, em seguida, a cera de carnaúba e o babaçu, produtos naturais da terra

que surgem espontaneamente a impor-se como contribuintes maiores do orçamento, no ensaio

de adaptação do Piauí ao regime federativo (Nunes, 2001).

Desde a colonização do Piauí, a sua atividade principal fora a pecuária,

destacando-se como suporte básico até o início do século XX, quando a atividade econômica

do extrativismo vegetal – a borracha de maniçoba, a cera de carnaúba e a amêndoa de babaçu

Page 34: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

32

se incorporaram no quadro econômico de maior importância para o Estado. Tais produtos,

mesmo inseridos na demanda do comércio internacional, não se consolidam como atividade

dinâmica e duradoura capaz de influenciar nas transformações da estrutura socioeconômica do

Estado (Araújo, 1997).

O regime federativo também não proporcionou mudanças para o Piauí, entretanto,

houve lutas para que o estado mantivesse sua autonomia, visto que eram constantes as

ameaças de que fosse incorporado aos outros estados com os quais fazia limite, para isso

sendo alegada a falta de recursos para que a unidade federativa se auto-sustentasse. Ocorrem,

então, mudanças para que se alcançasse uma maior receita, principalmente no aumento da

fiscalização da requisição dos impostos, que recaiam sobre os principais produtos de

exportação a época, os quais eram o gado e seus derivados (couros, solas, peles, chifres)

(Araújo, 1995). Até essa medida ser tomada, tais artigos.

“escoavam para as províncias limítrofes do Piauí, como Bahia, Ceará e Maranhão, quase sempre como contrabando, em tropas de animais, por áreas onde a fiscalização do Estado não era exercida, o que servia para engrossar a exportação dessas províncias” (Araújo, 1995, p. 68).

Essa dependência com os estados vizinhos, em especial com o Maranhão,

proporcionava atraso econômico e social para o Piauí.

Na capital Teresina, a essa mesma época, ouvia-se da elite um discurso

progressista revestido por um conjunto de mudanças aparentes. Essa aspiração progressista

culminou em projetos políticos que pretendiam iluminação pública, telégrafos, saneamento,

estradas de rodagem e de ferro, assim como projetos para a organização do espaço urbano. A

economia era pautada quase que exclusivamente na atividade de subsistência, com baixo nível

técnico e consequente ignóbil índice de produtividade, contando ainda com as “peculiaridades

históricas e ambientais da região” (Araújo, 1995, p. 20). Mesmo com meios de produção

rudimentares, a cultura do algodão foi de grande importância no comércio de exportação,

inicialmente para a América do Norte e posteriormente para atender as necessidades –

reduzidas – do mercado interno (Araújo, 1991; Araújo, 1995; Patrocínio, 2006; Mendes,

2003).

Ao longo da historia do Piauí, a agricultura mercantil não foi a prática principal da

sua economia, ao contrário das criações de gado, que até meados do século XIX eram

prósperas e representavam a base da economia do estado (Araújo, 1991). Isso denota que o

Page 35: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

33

potencial agrícola (terras férteis abundantes, rios, lençóis freáticos) do estado pouco foi

utilizado até pouco tempo atrás, nos anos de 1990, com as grandes plantações de soja e arroz

no sul do estado, mas o principal, em se tratando de agricultura, é a de subsistência, essencial

para o sustento das populações rurais piauienses.

O interesse, conforme Mendes (2003), na criação de gado no Piauí começou com

os habitantes dos estados vizinhos, devido à situação climática e de solo que propicia a tal

atividade. Mendes ainda afiança que, de acordo com Censos Agropecuários, os recursos

naturais ainda são subutilizados no Piauí, tanto os solos quanto as águas (de superfície e de

solo). A importância da pecuária pode residir no fato de que foi esta atividade a responsável

pela inserção do estado no contexto econômico brasileiro (Brandão, 1995).

Historicamente, a virada do século XIX para os primeiros anos do século XX, foi

a passagem do período monárquico para a República e um momento agitado por crises

políticas que transcorreram todo o país (Araújo, 1995). Pode-se inferir que no inicio do século

XX, de acordo com o que coloca Araújo (1995), a situação político-social-econômica do Piauí

não era diferente do século anterior, pois poucas mudanças haviam acontecido tanto na

produção agrícola quanta na infra-estrutura do estado. Os grupos políticos ainda tentavam

melhorias e aquisições para o Piauí, mas percebe-se que eles não tinham forca suficiente para

alcançar os objetivos almejados.

A situação econômica do Piauí era muito distinta da situação do Centro-Sul, pois

esta região desenvolvia-se de forma rápida – devido à produção do café -, enquanto que no

Piauí e em todo o Nordeste a economia se orientava pela atividade de subsistência, imposta

pelas particularidades históricas e ambientais inerentes à região, tendo ainda como agravante

o nível técnico elementar que tornava baixo o índice de produtividade. A agricultura

orientava-se para o consumo familiar, baseado na pequena produção, utilização de terras

arrendadas de outrem e meios de produção elementares. (Araújo, 1997).

As finanças e a economia sustentaram-se na pecuária, que constituiu a riqueza

básica do Piauí até a primeira metade do século XX.

Muito embora, como colocado anteriormente, a agricultura mercantil não tenha

sido o forte da economia piauiense, a seca atinge incisivamente o povo piauiense, muito pelo

fato da cultura de subsistência ser a principal fonte de alimentação e de pequenas e informais

trocas dessas pessoas. Os produtores rurais ainda enfrentam, ao longo desses anos, da

colonização até hoje, o fenômeno da seca, encarado por Neto & Borges (1987) como uma

calamidade social e que “está ligada ao comportamento do clima, mas, de fato, contém uma

Page 36: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

34

significação bem mais ampla e complexa que a simples ausência ou irregularidade de chuvas”

(p. 15).

Segundo os autores, de 1877 até a época do estudo, as noticias em torno da seca e

a consciência do povo acerca dela mudou muito pouco; ainda é mais cômodo acusar que a

seca é apenas consequência do clima. Até mesmo “órgãos técnicos, políticos e a imprensa

alimentam, sutil ou abertamente, a crença segundo a qual a catástrofe vem do alto” (p. 22). Os

aspectos climáticos piauienses, como infere Brandão (1995), sempre chamaram atenção dos

viajantes desde a época das Capitanias, mesmo com a boa qualidade dos solos para pecuária e

plantio de culturas e pastos.

É mostrado que os estudos especializados que tentam desmistificar esse ensejo

climático da seca ainda são de restrito acesso, porem, são taxativos em afirmar que a perda

das plantações não é provocada pela ausência de chuvas. Relatórios da Empresa Brasileira de

Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) de 1981 afiançam que no Nordeste

brasileiro não falta água e que o semi-árido é região bastante propicia para a prática da

pecuária e da agricultura; outros estudos mais antigos (Lisboa, 1913; SUDENE, 1973 apud

Neto & Borges; 1987) já coligiam que o flagelo da seca não ocorre exatamente nos mesmos

anos e que os índices de chuva estão abaixo do necessário para encher rios, lagos e açudes, e

que o fenômeno social da seca acontece quando a frequência das chuvas é inconciliável com o

período das culturas de subsistência; isso significa que a chuva por vezes vem, entretanto, na

ocasião em que o produtor não estava preparado para recebê-la, ou depois que a produção já

havia sido perdida ou a precipitação vem distribuída irregularmente.

Neto & Borges (1987) afirmam que há casos, no Piauí, de municípios onde

agricultores produzem regularmente bem, enquanto que seus - à mesma época e com os

mesmos cultivos – perdem suas plantações; tais casos, em sua maioria,

“não se tornam conhecidos do publico externo ao município devido ao interesse dos agricultores e das lideranças políticas locais na obtenção dos benefícios dos programas de emergência. Neste sentido, prefere-se apresentar o município todo em estado de calamidade” (p. 24).

É imperioso afirmar que, ainda segundo os autores supracitados, não existe

qualquer região no mundo que seja ou esteja imune a ocorrências climáticas irregulares

semelhantes à do Piauí; não é a falta de água que assola o estado, isto é, “a natureza oferece os

recursos hídricos”, é a organização da sociedade “que não permite aos agricultores tirar (dela)

Page 37: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

35

proveito” (p. 29) para sua subsistência.

Falta, portanto, informação e conscientização para o produtor rural acerca da

questão da seca, pois como coloca Araújo (1991), não faltam medidas para enfrentamento da

seca, já que a primeira intervenção com relação a esse fenômeno data de 1853, pela criação da

Comissão de Exploração, que levou a uma oficialização dos estudos acerca da falta de chuvas

no sertão.

Nunes (2001) sucintamente explicita que

“até meados do século passado, as modificações que se observaram na vida do Piauí tinham caráter mais social que político. Até mesmo a Independência não teve reflexos profundos em nossa história, a modificar sua fisionomia. A integração do Piauí no Brasil só teve seu início em 1845, e em nossos dias ainda está a se processar e a reclamar atenção de homens públicos. Ainda há pedaços do Piauí que pertencem ao Brasil arcaico, ronceiramente a marchar em rumo a seu destino, a evocar ainda a expansão dos currais, na época da conquista” (p. 34).

‘A prática política brasileira, assentada no paternalismo, favoritismo e

clientelismo viabiliza a permanência desse quadro de miséria no cenário atual. O quadro

social dos pobres se insere nas desigualdades culturais persistentes desde os tempos do Brasil

Colônia.’

1.6 E por falar no Piauí, Guaribas como anda você?

O povoamento/colonização da região sul do Piauí, conforme aponta Dias (1986),

deu-se em sua maioria pelas bandeiras, no fim do século XIX e inicio do XX; fica claro, nos

relatos de Dias (1986), que as bandeiras realizadas no sul do estado tinham como missão a

matança e aprisionamento de índios para o apossamento das terras. Os indígenas ofereciam

bastante resistência aos conquistadores, que ainda tinham que lutar contra a falta de recursos,

pois as cortes não mandavam ajuda muito constantemente assim como a ajuda por parte dos

fazendeiros nem sempre era suficiente para aguentar possíveis surpresas no decorrer das

bandeiras (Dias, 1986; Patrocínio, 2006; NUNES, 2007).

Na região de Guaribas, o que aconteceu não foi diferente, tendo-se como peculiar

o fato de que o “desbravador” dessa região, após conquistar dos Tapuias as terras ao redor de

uma lagoa, demonstrou interesse pela área e teve seu anseio prontamente atendido pelo

Page 38: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

36

governador por ser um militar exemplar e exímio conquistador.

Nessa época o Piauí não tinha autonomia, vivia sob a jurisdição da capitania do

Maranhão e essas bandeiras eram custeadas pelos fazendeiros, visto que estes tinham interesse

em acabar com os índios que invadiam suas propriedades.

É míster ressaltar que as áreas pretendidas sempre eram as de proximidade aos

rios e lagos, que permeavam quase toda a extensão do estado, a fim de que estas terras fossem

povoadas com rebanhos bovinos, caprinos, ovino e equino, além da produção de alimentos

para consumo próprio, a princípio.

Segundo Dias (1986), a Lagoa de Caracol – nomeada assim pela forma da lagoa,

logo depois passando a se chamar apenas Caracol – possui características de caatinga, mas

também é “ladeada por baixadas colossais, a suportar árvores de avultados portes, que

constituem espécies florestais de grande valor econômico” (p. 17) e ainda possui o solo

formado, quase que em sua totalidade, de massapé (roxo e amarelo), propício para cultivo de

todas as culturas da região (p. 17). Tais características não são tão distintas do restante do

estado, como mostrado anteriormente.

A geografia da localidade formada por serras e chapadas, na divisa com a Bahia,

sendo considerada uma área de notável beleza, sem contar a fertilidade de suas terras,

sublimada pela proximidade com as nascentes do Rio Piauí. A localização, 566 metros acima

do nível do mar, ainda diferencia positivamente o clima da região em relação ao restante do

estado, que é na maior parte do ano bastante agradável.

Várias versões tentam explicar a origem do nome de Guaribas: na região existia o

macaco da espécie guariba, o antigo dono da região chamava-se Félix Guariba. Ao se

investigar mais profundamente o sentido do nome que esta cidade recebeu, descobriu-se uma

terceira versão, que acredita-se ser significativa, por está relacionada às duas anteriores e pela

referência da fonte.

O primeiro proprietário da fazenda onde hoje é a cidade de Guaribas chamava-se

Valentim José Alves. Valentim tinha um filho chamado Félix que criava um macaco e andava

sempre com o animal nas costas. Na época passavam muitos vendedores a cavalo pelo

povoado, perguntavam o nome da localidade e ninguém sabia responder, pois não haviam

pensado um nome para o lugar. E a partir de então, os próprios viajantes deram ao Félix o

apelido de Félix Guariba (fonte: Prefeitura Municipal de Guaribas, 2008).

Mais tarde o Sr. Félix vendeu a fazenda para os irmãos Antônio Correia do

Nascimento, que em homenagem ao seu antigo dono, batizaram a localidade com o nome de

Page 39: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

37

Guaribas. Guaribas pertenceu primeiramente a São Raimundo Nonato, em seguida a Caracol,

criado através da Lei nº 4.680, de 26 de janeiro de 1994, desmembrando-se do município de

Caracol.

A situação de acesso à cidade na época em que foi instalado o município, era

bastante precária. De Caracol a Guaribas com aproximadamente 50 Km de estrada em leito

natural, que em condições melhores era percorrida em aproximadamente três horas. No

período chuvoso o acesso a cidade ficava intransitável, em função das poças d’água que se

acumulavam ao longo do percurso e dos deslizamentos nos pontos mais altos da Serra das

Guaribas, mais precisamente no trecho denominado Careta.

O isolamento e ausência dos benefícios públicos, como bem, a infra-estrutura,

educação, saúde, água e energia que na época eram ineficientes, fez com que Guaribas

apresentasse o mais baixo IDH do país.

1.6.1 Um pouco além/ mais da história local

Como apontam grande parte dos meios de comunicação, o retrato da miséria tem

nome e endereço no Brasil. Essa localidade se chama Guaribas, município do Piauí,

localizado a 533 km da capital, Teresina. Guaribas é uma cidade de ruas áridas e de barro

amarelado, com uma pequena atividade comercial. População estimada em 4.800 habitantes,

dos quais 1.700 desempregados. Cerca de 60% das casas não têm condições de habitação

razoáveis, das 942 residências, apenas 88 têm banheiros, e seus moradores caminham cerca de

6 km – situação modificada no último ano apenas junto ao perímetro urbano, entretanto é

continuada para aqueles que residem na região continua para buscar água de um poço

(CEPRO, 2005).

A mortalidade infantil em Guaribas, que representa quase o dobro da média

apresentada no país, é de 59,9 por mil nascidos vivos. Por isso, Guaribas é conhecida por ter

péssimos indicadores sociais, não só pela ONU, que a considera como o pior Índice de

Desenvolvimento Humano do País, como pelo IBGE (2006), em razão do pior índice de

vulnerabilidade social. Guaribas é uma das cidades mais pobres do Brasil. Pode-se dizer, sem

medo de errar, que ela é extremamente pobre. Precisa, com a devida urgência, da aplicação

efetiva de políticas públicas que possam minimizar os efeitos da miséria.

Page 40: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

38

O Brasil é um país que, apesar de ter diminuído o número de pessoas pobres,

ainda conta, segundo o IBGE, com 54 milhões de miseráveis. É um número muito elevado,

levando-se em consideração que a vizinha Colômbia tem 40 milhões de habitantes.

O mapa da miséria, segundo o IBGE, mostra que os pobres se distribuem de

forma desigual pelas regiões do País. No Nordeste, 50,9% das pessoas vivem com até meio

salário mínimo mensal. No Sudeste, esse percentual é de 17,8%.

Os dados aludidos em torno das regiões e localidades mundiais, nas quais as

pessoas estão em situação de fome e miséria sempre fazem direcionar atenção aos

significativos estudos de Josué de Castro, em especial em sua obra Geografia da Fome,

publicada originalmente no ano de 1959. Nesta, Castro faz referências à lógica de um

mapeamento de áreas onde a desigualdade social, pobreza e situação de fome são mais

presentes, nos quais o autor discute determinantes e mantenedores sociais para a respectiva

realidade.

Ou seja, compreender a situação atual – de fome – do município de Guaribas

implica a compreensão dos construtos sociais, históricos, culturais, políticos e

comportamentais que contemplam aquele espaço físico e os indivíduos a ele vinculados.

Guaribas está encravada numa área de 3.741 km², na região sudeste do Estado do

Piauí, limitando-se com os Municípios de Canto do Buriti, Jurema, Caracol, Morro Cabeça no

Tempo, Bom Jesus, Santa Luz, Cristino Castro e ainda com Campo Alegre de Lourdes, no

Estado da Bahia. O Município foi emancipado em 1995 e instalado política e

administrativamente em 1997, apresenta uma área urbana complexa onde se vislumbra dois

núcleos populacionais distintos, separados fisicamente por uma depressão na qual figura o

tradicional “açude da água vermelha”, por muito tempo a principal fonte de abastecimento da

população, e socioculturalmente por uma discreta querela política, em que na parte chamada

“Fazenda” estão os menos favorecidos e na outra parte, o que os de primeiro grupo tratam de

“ricos” (CEPRO, 2008).

Nas duas partes, a estrutura das edificações, o traçado das ruas, o índice de

pavimentação e arborização traduzem uma forte carência de ações em infra-estrutura, e como

consequência uma dose relativa de baixa auto-estima dos próprios moradores (CEPRO,

2008).

Do ponto de vista do observador externo, esta divisão física e política do núcleo

urbano vêm comprometendo sobremaneira a consolidação da área como núcleo habitacional

uniforme, no qual as manifestações sociais e culturais possam ser melhor praticadas, a

Page 41: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

39

organização comercial possa disponibilizar um leque maior de produtos e serviços e, quiçá,

daí surjam atividades industriais, hoje limitadas a uma pequena fábrica de pães e uma

carpintaria fracamente equipada.

A área rural onde estavam 71% dos domicílios ocupados, por ocasião da pesquisa,

apresenta-se distribuída em vários povoados, dos quais se destacam: Cajueiro, Brejão, Lagoa

do Baixão, Lagoa de Baixo, Água Brava, Tamboril, Zé Bento, Capim, Barreiro entre outros.

Alguns servidos de energia elétrica, chafarizes, escolas para ensino fundamental e educação

de jovens e adultos, mas com precária estrutura física, vez que é geral a ausência de

calçamentos e vias de circulação entre estes e o núcleo urbano (CEPRO, 2008).

Guaribas é uma cidade com uma base econômica totalmente rural. É da

agricultura – através da roça – que as famílias tiram o sustento. Mesmo as pessoas que

exercem outra atividade, complementam sua renda com a atividade do campo.

As condições de vida de sua população durantes muitos anos foram bastante

complicadas, por estar distanciado dos municípios mais desenvolvidos, o custo de vida

tornava-se mais alto com o tempo, devido ao péssimo acesso que possuía e a escassezes dos

benefícios públicos. Só depois da chegada dos benefícios dos Governos Federal/Estadual e

Municipal (mais evidenciado na Gestão de 2005 a 2008) é que foi percebido algumas

mudanças significativas em Guaribas, com vários investimentos de infra-estrutura, educação,

saúde e assistência social.

Hoje, o município tem um sistema de abastecimento de água cristalina e ainda

atendendo outras comunidades rurais. Ocorreram melhoras junto à administração, à educação,

à saúde e ao atendimento aos menos assistidos, aumentou a renda familiar, cresceu a frota de

veículos automotores no município, a Prefeitura Municipal tornou-se a principal fonte de

emprego no Município. Neste existe hoje um sistema bancário, Correios com Banco Postal e

Caixa Econômica Federal “Caixa Aqui”.

Por último, veio a melhoria da urbanização, construções da Sede da Prefeitura,

praças, colégios, pavimentação de ruas e iluminação pública e melhoria das estradas, etc.

Page 42: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

40

1.7 Comer hoje no Piauí é...

De acordo com pesquisas efetuadas pela Fundação Cepro (2008) a preferência dos

piauienses foi pesquisada em outras áreas diversas, como a culinária. A pesquisa pedia para

indicar livremente o prato mais saboroso da culinária piauiense. Foi eleita a galinha caipira,

com 33% dos votos. Outros pratos da preferência, em ordem decrescente são: maria-isabel

(20%); peixada (10%); capote no arroz (9%); baião-de-dois (7%); carneiro ao leite de coco

(6%).

Outra pergunta relacionava-se à dieta alimentar principal dos piauienses – o

almoço –, pedindo aos entrevistados que relacionassem os tipos de alimentos contidos no seu

almoço do dia ou da véspera, conforme o horário da entrevista. Deu empate técnico entre dois

tipos de almoço praticamente semelhantes: arroz, feijão e carne bovina (21%), e arroz, feijão,

carne bovina e salada (20%). No prato seguinte, pela ordem, estava novamente arroz, feijão,

carne bovina e macarrão, mas com percentual de 7% dos almoços e, no seguinte, arroz, feijão

e frango, 6%, seguindo-se uma lista de pratos com pequenas variações e reduzidas

representações. Descrevendo-se de outra forma, o arroz está presente em 94% dos almoços, o

feijão em 71%, a carne bovina está de volta a 60% das mesas, a salada de legumes em 41%, o

frango em 19%, o macarrão em 17% e o peixe em 9%.

Como é observado, têm-se uma variedade grande de gêneros alimentícios

produzidos/consumidos pelos piauienses. Estes trazem em si, uma gama de hábitos e

interesses sociais embutidos, o que faz com que contradições entre o “alimentar-se” e o “não

alimentar-se” fiquem mais evidentes.

E a situação de fome tão exposta pela mídia? Com o passar dos anos e com a

inserção de algumas políticas sociais alguns números reduziram. Muito embora, ressalta-se

que diminuir as proporções da carência protéica de uma população não seja um sinônimo da

promoção da segurança alimentar. É necessário se discutir se discutir sobre quais construtos

sócio-históricos-culturais estão envolvidos em meio às práticas alimentares. Afinal, o que se

comia em Guaribas antes da inserção das politicas sociais e previdenciárias? Até que ponto a

fome esteve presente? Qual o grau de escassez da comida? Em que se diferencia o ato de

comer em Guaribas? Dentre os objetivos do próximo capítulo está o estabelecimento de

relações entre essas perguntas, a partir da discussão sobre as práticas alimentares do

município de Guaribas – PI.

Page 43: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

41

CAP. 2 - GUARIBAS À MODA DA CASA: HÁBITOS ALIMENTARES E

SITUAÇÃO DE FOME

“Em momentos rituais

ou cerimoniais o alimento é um elemento fixador psicológico no plano emocional e comer certos pratos é ligar-se ao local

ou a quem o preparou”. (Câmara Cascudo, 1983)

Ao preparar um determinado prato ou iguaria alimentar percebe-se que é

frequente a recorrência a pessoas mais hábeis e/ ou aptas a efetuar as indicações práticas para

o cozimento, para a mistura de sabores, para as combinações complementares e distintas de

ingredientes que se conjugam com muita coesão, que, por muitas vezes provocam sensações

ao palato verdadeiramente únicas.

Afinal de contas, seria bastante laboroso para que cada indivíduo submetendo-se a

preparar seu alimento, não estivesse “respaldado” com manuais de receitas, ou acompanhado

por um mestre da cozinha, ou até mesmo algum sujeito mais competente na arte da culinária –

um membro mais velho da família, por exemplo –, pois, teria que a cada tentativa

(re)experimentar e (re)avaliar sabores, texturas, temperaturas, medidas, fusões, e, a propósito

o gosto, a quem se pretende agradar. Gosto, que, aliás, constrói-se a partir de uma gama de

conjecturas sócio-econômico-culturais.

Sobre esse assunto Bourdieu (2006), lança a seguinte pergunta: gosto se discute?

Para Bourdieu questão de gosto se discute sim, sobretudo pelo fato do gosto não ser uma

propriedade inata, uma vez que, este é produzido e é resultado de um feixe de condições

materiais e simbólicas acumuladas no percurso de nossa trajetória sócio-educativa. Para o

autor, o gosto cultural se adquire, mais que isso, é resultado de diferenças de origem e

oportunidades sociais, e, portanto, deve ser considerado como tal.

A partir desse pressuposto, o presente capítulo tem como objetivo apresentar e

discutir a constituição sócio-histórico-cultural das práticas alimentares da população do

município de Guaribas – PI, considerando as situações de fome apresentadas no decorrer das

últimas décadas. Baseia-se em fontes bibliográficas e os discursos de moradores antigos da

aludida localidade.

Com o intento de obter uma maior aproximação acerca das práticas alimentares e

de seus determinantes sociais trabalhar-se-á, com categorias de análise de dados apresentadas

Page 44: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

42

e organizadas – de forma concomitante e análoga – a partir de uma receita de um prato típico

nordestino, o bolo de milho. A presente idéia surge para ilustrar como as potencialidades e

diretividades de uma indicação minuciosa sobre a quantidade dos ingredientes e a maneira de

preparar um prato podem contribuir para explicitar aspectos simbólicos em um determinado

grupo social; além de elucidar significativamente as nuanças que permeiam a maneira de

raciocínio particular sobre os estudos que contemplam as práticas alimentares.

Tendo em vista mais expressividade sobre as práticas alimentares neste capítulo,

os sujeitos entrevistados – moradores antigos do município de Guaribas – PI – terão seus

nomes substituídos por pratos alimentares, escolhidos pelos próprios entrevistados, e eleitos

conforme o agrado, gosto e sentimento de prazer que estes lhes proporcionam. Os discursos

se encontram inseridos em categorias, a saber:

2.1 Bolo de Milho com coco1, e sua receita como metáfora para expressar as

práticas alimentares de Guaribas – PI

O que esse prato tem de regional? Uma resposta plausível à pergunta precisa

conter uma observação nada superficial. Carece, sobretudo, de atenção minuciosa à análise

dos gêneros alimentícios utilizados, aos processos de produção, acesso e consumo alimentar,

bem como verificar aqueles indivíduos envolvidos no modo de preparo de um prato, no ato de

servir, e nas condições sócio-culturais nas quais este é consumido. Desse modo, seguimos as

já mencionadas considerações para examinar criticamente um pouco da história alimentar do

município de Guaribas- PI.

1 O Bolo de milho é um dos alimentos mais consumidos em mesas nas quais são comemoradas as Festividades Juninas. Este caso ilustra um pouco das representações existentes em torno das práticas alimentares nordestinas. É míster apresentar que muitos dos pratos servidos nestas festividades têm como principal gênero alimentício o milho; como exemplo deles temos a pamonha, o mingau de milho, o arrumadinho, o mugunzá, a farofa de cuscuz, entre outros. O período junino destaca ainda o fato de muitos estados brasileiros utilizarem o bolo de milho como um dos protagonistas das mesas familiares e das barracas de alimentação; acontecimento este que o fizeram sofrer adaptações quanto ao seu preparo e à inserção de ingredientes originalmente não utilizados – como é o caso do coco –, que exemplifica bem como algumas modificações dos hábitos alimentares ocorreram mediante interferências de outras culturas alimentares (Câmara-Cascudo, História da Alimentação Brasileira, 2005). Por esse conjunto de especificidades, a receita do bolo de milho foi adotada como roteiro indicador de nossas categorias de análise, principalmente por tornar possível a consideração dos princípios de análise estabelecidos pela Hermenêutica de Profundidade: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva, interpretação/reinterpretarão (Thompson, 1998).

Page 45: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

43

2.1.1 Duas xícaras de chá de massa de milho; duas xícaras de chá de leite; três ovos

As práticas alimentares de qualquer região, povoado, ou localidade apresentam

características que expressam a forma como o grupo social se organiza e estabelece suas

interações com o espaço social e com outros grupos sociais. Destaca-se, com isso, a relação

do homem com os gêneros alimentícios naturais da localidade, em especial, os alimentos

produzidos/consumidos em tempos remotos e aqueles produzidos/consumidos na

atualidade.

A dimensão cultural dos hábitos alimentares se expressa nos padrões, crenças,

idéias e pensamentos de que são portadoras as “culturas tradicionais” (CANESQUI, 1988).

Muitos desses hábitos se referem ao consumo e produção de alimentos ocorridos por meio da

construção de práticas culturais repassadas de pai para filho, sucedidas pelas gerações ao

longo de décadas. A alimentação no espaço familiar faz com que pensemos em um espaço

social organizado.

A família, como instituição social, é o primeiro espaço de convivência em que os

pais se tornam modelos, mitos, exemplos (CHALITA, 2004). Esta corresponde, portanto, a

um grupo de pessoas, que vive numa estrutura hierarquizada com a proposta de uma ligação

afetiva duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os seus constituidores – adultos,

crianças e idosos – surgidos no contexto. A família tem que dar subsídios para que o

indivíduo adquira valores morais, éticos, culturais etc., pois fornece a base para o

desenvolvimento social, por ser o primeiro ambiente socializador vivido por parte das

crianças em seus primeiros anos de vida (CARVALHO, 1997).

Essa idéia é fortalecida por Bock et al, (1999), que refere sobre o papel primordial

desempenhado pela família na reprodução de valores que constituem a cultura e das idéias

dominantes em determinado momento histórico, no qual estabelece disputa com outros grupos

sociais, prevalecendo e dando continuidade a um legado que transforma o homem e é

transformado por ele. Os autores ainda apresentam que para analisar o homem é preciso situá-

lo num contexto sócio-histórico-cultural, identificando e desvendando as determinações.

É em família que os alimentos são consumidos, sentidos, degustados e associados

a diversas sensações da infância, da juventude e da velhice. Isso proporciona aos sujeitos

recordações dos alimentos mais consumidos no decorrer de variados momentos de seu

desenvolvimento, desde a infância até os dias atuais.

Page 46: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

44

A comida, portanto, traz consigo uma memória gustativa que remete as vivências

de uma comunidade, construindo e mantendo a memória social de um grupo ao qual avós e

netos pertenciam pelo simples fato de comerem a mesma comida. A dimensão que estamos

colocando em relevo, no contexto dos estudos de comida e memória, aborda a comida e as

práticas da alimentação com base em sua dimensão comunicativa, ou seja, assim como a fala,

ela pode contar histórias (AMON & MENASCHE, 2008).

No decorrer de minha investigação diante dos grupos sociais de Guaribas – PI,

parti daqueles moradores mais antigos da região, quer tivessem residido em zona rural ou

zona urbana, priorizando os que residissem no município por pelo menos 30 anos. Assim, as

memórias mais remotas de alimentação e comida emergiram indicando os alimentos

consumidos a partir da agricultura como o feijão, o milho, a fava, a mandioca e o arroz (raras

exceções), sendo preparados sob formas diversificadas. Quanto à pecuária, as carnes de porco,

gado e galinha, assim como os ovos eram de consumo frequente.

Antigamente era muito difícil as coisa. Me alimentei de leite materno quando nasci até uns dois anos e depois se alimentava de mingau de tapioca com água, e com leite no período do inverno. Também quando fui crescendo comia fejão, fava, mandioca, milho, e carne de porco e gado, e às vez carne de caça. Mas às vez passava dias sem cume(comer) carne, pois as coisa eram muito difícil... E hoje já é bem mais fácil as coisa, como carne quase todos os dia, de porco, gado ou de galinha, ou às vezes ovos, e feijão, arroz, cuscuz de mi(milho) ou bejú.

(Dona Beiju com carne seca – 68 anos)

Rapaz, se eu for lhe contar é muitas coisa. Era a canjica do milho, fubá do milho. Rapadura, era o beiju de tapioca, que quando não tinha o beiju de tapioca comia o beiju da massa. Tudo isso foi do meu tempo.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos) Era farinha, um mingau com açúcar feito o mingau no dedo. Antigamente ninguém podia comprar uma lata de leite nem um pacote de leite né, então hoje tá tudo mudado... era o feijão com a farinha, uma canjica de milho que minha mãe fazia, era essas coisa assim. O feijão a gente comia sem o arroz, nessa época era poucos que comiam arroz ou só o feijão com a farinha. Gordura era de porco quando acontecia ter... Eu lembro bem que leite num se bebia, que não tinha!

(Seu Carne com tomate bem vermelho, alface, arroz e feijão – 69 anos)

A partir dessas falas, percebemos que, com o transcurso do tempo, alguns

alimentos são produzidos e consumidos com uma maior frequência, logo o abastecimento

alimentar do município de Guaribas era predominantemente oriundo da economia de

subsistência. Do ponto de vista da economia, o município de Guaribas, tem sua base de

sustentação quase que totalmente na agropecuária, onde a agricultura, praticada sob o sistema

tradicional da “roça queimada”, apresenta baixo rendimento e pouca diversidade, destacando-se o

Page 47: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

45

milho, a mandioca e o feijão. A pecuária, constituída principalmente pelos rebanhos de bovinos,

ovinos, caprinos e suínos, forma a base de produção do setor primário (CEPRO, 2005).

As atividades ações dos moradores de Guaribas- PI junto à roça começavam

muito cedo, logo quando se iniciava o amanhecer. Plantavam, sobretudo, milho, feijão,

mandioca, cana-de-açúcar, café e o arroz, com algumas dificuldades devido às condições

climáticas – poucas chuvas – que desfavoreciam sua produção. Destaca-se que o consumo de

carne era pouco frequente. Os estoques e armazenamentos ocorriam em forma de

empilhamento, estratégias que eram de suma importância para o consumo e plantio futuro,

bem como a própria comercialização dos gêneros produzidos.

Quando nós colhia os alimento, a gente estocava pra ter pra amanhã. Naquele tempo não tinha os tambores que tem hoje, o negócio era difícil, mas a gente estocava, o milho mesmo a gente estocava mesmo empilhado. Aqui é o seguinte, a renda na minha juventude era um pouco boa, porque a gente plantava milho, feijão, mandioca, cana. O algodão que não é alimentação mas servia pra vender. Então foram essas as coisas da minha juventude. A gente sempre desperta no interior, 5:30, 6 horas, toma seu cafezinho e parte pra lavoura... Olha, a gente comia feijão, farinha, carne mais nem todo dia porque carne era difícil... Feijão, farinha, arroz por um acaso. Não era diário.

(Seu Carne Assada – 58 anos)

Plantava aqui o feijão, plantava o milho, plantava a mandioca, o arroz. E esse arroz é só quando os inverno era bom, mas é difícil. Às vezes você ganhava só pra despesa aí num dava pra vender, né? Se vendesse num comia.

(Seu Carne com tomate bem vermelho, alface, arroz e feijão – 69 anos)

Na minha infância nunca faltou foi feijão, milho que a gente produzia, farinha, tapioca e a outras coisinha que a gente tinha até pra temperar o café. Quando tinha café de caroço que a gente torrava era o mel da cana, rapadura que nós produzia muito, “num sabe? Algodão aqui existia muito, o que mais vestia aqui era roupa de algodão pra trabalho, calça, camisa. Na minha casa produzia só essas coisa, era algodão, feijão. Era mandioca que nós fazia farinhada, era tapioca e rapadura... Plantava a cana de açúcar. Nós tinha tudo isso.

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Percebe-se que são presentes algumas variações na produção e consumo, de

acordo com a oferta alimentar da economia de subsistência ou extrativa e a renda familiar de

diferentes estratos (CANESQUI, 1988), o que resultou numa dieta capaz de preencher níveis

calóricos, protéicos e vitamínicos mais elevados apenas nos grupos de posição social mais

alta, ou seja, aqueles que apresentavam maiores condições de produção alimentar.

Outro aspecto de destaque que contribui para a referida situação contempla o

acesso à cidade e em sequência aos povoados, que é feito por estradas de chão, atualmente em

Page 48: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

46

precárias condições de trafegabilidade – há três décadas atrás sucedia apenas por meio de

animais –, comprometendo o deslocamento da população, a incipiente produção agrícola

local, constituída basicamente de feijão, milho, mandioca, mamona e fava, bem como o fluxo

de mercadorias e serviços necessários ao abastecimento da população (CEPRO, 2005).

2.1.2 Uma xícara e meia de chá de açúcar; meia xícara de chá de óleo; uma colher de sobremesa de fermento em pó

Os ingredientes envolvidos no preparo de uma refeição cotidiana expressam a

junção de vários padrões de comportamento alimentar, valores, formas de se relacionar com o

espaço físico, com o meio ambiente e com a natureza. A escolha destes segue uma variável,

dentre muitas outras, bastante relevante que é a lógica do uso dos gêneros alimentícios

regionais, advindos do meio ambiente que circundam a flora e fauna de um grupo social

específico.

Entretanto, com mudanças sócio-econômicas e estruturais (acesso de estradas,

aposentadorias e outras rendas) numa localidade, é perceptível que seja verificado a inserção

de outros gêneros alimentícios, em especial aqueles que são industrializados. Caso que

ocorreu de maneira visível em Guaribas – PI, no qual alimentos industrializados chegaram

às mesas dos moradores da cidade, agregando-se àqueles que já se faziam presentes nos pratos

alimentares locais.

Com a melhoria do acesso às estradas, fez com que os sertanejos piauienses

pudessem ampliar suas possibilidades de transporte entre as localidades, vilarejos, municípios,

e até mesmo entre os estados. E com isso, foi facilitada a aglutinação de produtos genéricos e

industrializados frente aqueles produzidos a partir da agricultura familiar, que se tratava maior

forma de renda dos guaribenses (IBGE, 2008).

Muitas das dificuldades enfrentadas pelos moradores de Guaribas – PI há pouco

mais de uma década, estavam ligadas ao acesso a outras localidades e às precárias condições

de acesso à água. Desse modo, as possibilidades de intercâmbio de gêneros alimentícios eram

limitadas.

É o seguinte, alimentação sempre um pouco difícil as coisas, mais sempre a gente se alimentava com as suas produtividade com as suas criações, só que é um pouco difícil, porque a gente morava no interior de Guaribas o chamado Brejão. Então, naquele tempo, as coisa é um pouco difícil de ruim acesso, não tinha água com abundância, não tinha transporte. Então era um pouco difícil pra chegar até a mesa de cada cidadão, a não ser aquele que a gente tinha produção, sempre vinha

Page 49: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

47

daquelas cidade longe, que nem Bom Jesus, através de transporte que nem, burro, porque não existia transporte viu. Trazia o arroz, alguma alimentação melhor, porque aqui não produzia. Hoje a diferença é que existe um bom desenvolvimento. Porque aquilo que a gente não produz aqui vem através dos transporte. É outra vida, nós tamo num mundo novo. Hoje é o seguinte, você ver, vem daqueles grandes abatedor de frango, vem com abundância. Vem alimentação de uma maneira melhor, porque hoje nós tamo num mundo esclarecido que a gente tá vendo o mundo do jeito que ele é. Antes nós passava pela vida e não vivia, hoje você tá vendo alí. Os acesso às comida hoje são bom, o dinheiro são pouco mas através do governo federal e o governo municipal sempre a gente vê o dinheiro. Não é com abundância, mas sempre a pessoa tem o seus troco do dia-a-dia. É porque aquelas família pobre hoje tem a bolsa família que já da uma pequena ajuda, outros tem seus emprego na prefeitura, outros já chega a idade que nem eu, sou aposentado. Porque antes não tinha esse privilégio da pessoa idosa se aposentar.

(Seu Carne assada – 58 anos)

Ao lado dessas atividades do campo, entram as aposentadorias, o rendimentos dos

assalariados, quase que totalmente do setor público, os fundos sociais repassados via programas

assistenciais e os fundos constitucionais administrados pelo poder municipal, que juntos

determinam a base de sustentação econômica do município (CEPRO, 2005). A ausência de uma

base de transformação dos produtos primários, bem como de um suporte de distribuição dos

produtos necessários ao dia-a-dia da população, deixa o Município de Guaribas fortemente

dependente do comércio e seguimentos de prestação de serviços instalados em São Raimundo

Nonato ou em cidades baianas circunvizinhas.

Na atualidade, com a melhoria no transporte e das estradas, bem como por meio

das possibilidades de renda emergidas com os programas sociais, aposentadorias e empregos

públicos, os residentes do município tiveram a oportunidade de consumir outros produtos

advindos dos municípios vizinhos. E assim, ampliando os enfrentamentos às impossibilidades

climáticas, que podem gerar pouca produção de determinados alimentos, como é o caso das

verduras ou de alimentos industrializados como o macarrão.

Você planta ela no tempo de plantio e passa 6 meses pra colher, acompanhava um pouquinho ficava comendo ali e ia sofrer, caçar coisa pra comer. Num é hoje que nem você chega dentro de casa e tem sacos e mais sacos de arroz e aqui depois que passou a ser cidade graças Deus. Tem cidadão rico aí. As mudanças quando passou a fome. O “cabra”, hoje... nós “plantemo” planta 30, 60 quilos de feijão, 70. Certamente quem plantou 70 quilos de feijão plantou 70, 80 saco de 60 quilos. E num acabou a precisão? Acabou.

Page 50: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

48

Porque “miorô”, passou a cidade, as coisa tão mais fácil, chega camelô aqui vende as coisa a gente fiado pra gente ficar pagando “mensal”, se falta uma coisa vai na casa no vizinho e toma emprestado, se numa num tem na outra tem. O cabra trabalhando mais, com mais cuidado com medo de fome, porque ninguém passa mais fome aqui. Aqui hoje come arroz, come macarrão, come todo tipo de verdura que tem. Antes não tinha. A verdura só quando enverdecia a mata. A única verdura era quando chovia que enverdecia a mata, que hoje filho nenhum nosso quer comer sem arroz e sem carne.

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

Agora aí eu lhe digo, da minha lembrança pra cá, eu já comi umas comida mais leve, que quando viajava daqui pra São Raimundo, Remanso. Naquela época trazia um macarrão, porque não tinha aquele negócio de outra coisa. Fazia aquela sopa e dava quando era maiorzinho “num sabe” e quando chegava a época de pegar um “gomozo” seja do que for, mandioca, tapioca, criava a criança desse jeito assi, no leite de gado, pra puder alimentar, porque na criança o intestino é fraco. Num tinha aquele negócio de leite Nestogeno e Ninho coisa nenhuma, e criamo todo mundo forte graças a Deus.

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Em relação aos dados finais apresentados pelo relatório de indicadores sócio-

econômicos do município de Guaribas (PI) da Fundação CEPRO (2005), chama a atenção a

proporção de 86% das famílias, que de uma forma ou outra afirmaram dispor de alguma renda

associada à atividade rural. O grupo de famílias que no município vive exclusivamente da

atividade rural apresentara a menor média de rendimento. De uma outra forma, cita-se como

mais elevada a média de rendimentos dos empregados no setor público.

Outro aspecto relevante presente nas práticas alimentares do município de

Guaribas (PI) é a presença do regime de não suficiência econômica, que não permitia ao

agricultor o provimento de todos os bens alimentares de que necessitava, passando a depender

o seu abastecimento e consumo da aquisição de produtos no mercado urbano (arroz,

macarrão, a massa de milho pré-cozida para fazer o cuscuz; ou os próprios gêneros que são

produzidos na região, mas que em circunstâncias difíceis como a seca e a falta d’água,

tornaram-se escassos).

2.1.3 Uma xícara de chá de coco ralado

Nas práticas alimentares percebemos que, volta e meia alguns pratos incorporam

novos ingredientes, expressando o seu caráter dinâmico, histórico e relacional. E o novo sabor

inserido ao prato, à comida, ou à sobremesa promove uma “renovação” ao paladar.

Entretanto, não se pode esquecer que a inserção de novos gêneros alimentícios em um grupo

Page 51: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

49

social traz consigo uma carga histórico-cultural significativa, em especial de valor simbólico

que pode repercutir nas relações sociais mediadas pela alimentação.

Por conta disso, não deve nos surpreender o fato de que certas comidas

consideradas marcadores étnicos – por exemplo, macarrão, croissants, pizza, o croque

monsieur – estejam perdendo hoje esse rótulo, tornando-se, dentro do mercado global de

alimentos, o que MINTZ (2001) chama de comidas etnicamente neutralizadas. Efeito este que

também parece ter ocorrido com a própria fava no município de Guaribas – PI. Para o autor,

“as comidas se tornam étnicas; e também deixam de sê-lo” (p.35). A comida como índice de

mudança social está relacionada a todos esses fenômenos. No município de Guaribas - PI a

inserção e redução de produção da fava trouxeram consigo algumas particularidades, e, por

conseguinte modificações humanas.

Destacam-se, portanto, dois momentos significativos para a produção e o

consumo da fava. Um primeiro que comporta a sua inserção, ocorrida por meio de sua

importação do estado do Maranhão, que, enquanto novo gênero alimentício na região do

município de Guaribas- PI gerou renda a alguns moradores. Entretanto, outra perspectiva foi

presente, estando relacionada às dificuldades junto ao plantio e à colheita da fava, sendo esta

com pouca praticidade e de difícil manejo.

A fava já foi já com bem “periúdo”, e já tinha meus 20 e poucos anos... É que veio a fava, trazido do Maranhão, comprada pra fazer, servir como alimentação e a gente plantou e deu uma boa renda viu. Eu cheguei a plantar um pouco e colhia até 32 sacas viu. Sem gastar dinheiro, só eu e a minha família... A fava num era bom, era difícil o acesso pra fazer a colheita, e uma baixa renda, o dinheiro era muito pouco. A fava num tem tanto retorno não... é porque a luta é muito pesada viu... é porque o feijão a gente colhe as bagem e bate na máquina. E a fava o pessoal puxa nas rama e não pode bater na máquina. É difícil. é só se fosse colhida, que nem o feijão. Mas pra dar um andamento a pessoa puxava as rama e depois batia. É difícil pra tratar... A planta nem tanto, o ruim é a colheita, viu. Quando o cabra ia pras cidade maior e via os outro plantar feijão fica era besta com tanta facilidade, e depois vinha e dizia pra muié, que ficava em casa esperando com fome... Plantar é a mesma coisa que nem o feijão, o milho, não tem diferença, agora a colheita é mais difícil, é um pouco “dependiosa”.

(Seu Carne assada – 58 anos)

A fava representa para a comunidade de Guaribas - PI um alimento identificador

de seu município. Na região sudoeste do Piauí, apenas neste município é produzida a fava, e

apesar das dificuldades quanto à sua colheita e produção, muitos agricultores residentes da

localidade plantam e colhem fava com a finalidade de venda para outros municípios (IBGE,

2008).

Page 52: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

50

Com o fluxo dos homens do campo para a cidade, o consequente aumento do

número de mulheres na miséria e a nova dieta dos trabalhadores. MINTZ (2001) afirma que a

comida da cidade adquire um significado especial por ser “da cidade”, enquanto que outras

comidas perdem atração justamente porque não são “comida da cidade”. Com isso, o autor

demonstra que a emigração do trabalho masculino pode alterar a vida rural no âmbito local, e

que a comida serve de portadora de significado na medida em que velho e novo, urbano e

rural, masculino e feminino, são conjugados.

Olha naquele tempo o pessoal dero fé de plantar fava no lugar de feijão e sempre era o fluxo naquela época viu. Aí depois “diminuiro”, o pessoal afastaram, e hoje até procuram e num encontram, aí o pessoal começaram a plantar feijão.

(Seu Carne assada – 58 anos)

Alguns estudos de Canesqui (1988) permitem demonstrar o envolvimento de

camponeses e agricultores nas relações de mercado, referidas a relações sociais concretas que

definem os diferentes circuitos de troca, de acordo com o produto, suas propriedades e

destino. Os produtos advindos da agricultura comportavam alternatividade entre consumo e

venda, variável conforme o circuito do mercado e o destino dos produtos. Revelam os

pesquisadores a dependência quase integral do mercado de certas categorias de produtores

para obtenção de bens alimentares.

Novas situações de mercado podem responder pela modificação dos hábitos

alimentares. Isto implica que a adoção ou rejeição de novos hábitos será também produto da

prática e da experiência dos grupos sociais, bem como do que significam para eles. Desse

modo, é percebido que a inserção de novos produtos alimentícios à mesa das famílias

guaribenses, como a carne – bastante escassa – o macarrão e as verduras, sucedeu conforme

variáveis sócio-econômicas através de oportunidades de empregos fixos gerando também

mais rendas contínuas, dando subsídios assim a melhores condições de vida e saúde.

A riqueza é água, é coragem que todo mundo criou pra trabalhar. É um salarinho que a maioria dos pobre tem nessa prefeitura daqui de Guariba, quem num tem muito tem pouco. Quem num é concursado tem, quem é tem. Porque graças a Deus nós “botemo” um prefeito aqui na cidade, esse é junto com os pobre aí, é dia e noite, você num viu ele aqui nesse instantinho, você precisão de ver ele, você chega lá na casa dele e encontra. Fala e é arrumado. Esse é um prefeito que chegou aqui na Guaribas pra dizer assim, não porque ele pega as coisa e “extravei” é por precisão, porque o cabra é socorrista. Adoeceu aqui já sabe. Sim e antigamente aqui quando adoecia um pra sair daqui a São Raimundo Nonato era na rede. Juntava, pegava uma travessa de pau, arrumava a rede lá, juntava dois homem um pegava no pé e outro na ponta e embalava daqui pra lá, mais de 30 homem pra levar daqui pra Caracol pra socorrer num médico. Hoje nós temos 3, da saúde aqui nós temos 4, carro da saúde aqui dentro da cidade. 2 ambulância, 1 L200 e

Page 53: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

51

uma Hilux. E dependendo das D20 se precisa de carro eles pegam outros carro e leva aqui, pra levar pra São Raimundo, Teresina, pra onde quiser leva. Aí num muito? Mudou muita coisa nessa cidade. É o arroz que ninguém comia antigamente, a carne que era difícil comer, macarrão e verdura. Porque hoje ninguém come sem tempero!

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

Alguns atributos – “forte/fraco”, “pesado/leve”, “vitamina”, “gostos/ sem gosto” –

servem para qualificar a dieta consumida ou idealizada, por referência à concepção de

pobreza que comporta desigualdades entre iguais (os pobres) e os outros (os ricos). A

desigualdade entre iguais implica, do ponto de vista dos entrevistados, escalonar a condição

de trabalhadores pobres mediante critérios que incorporam o quantum de salário, a

apropriação de bens de consumo, as formas de inserção e qualificação diante do mercado de

trabalho e a construção de identidades sociais. Restam diferentes graus de pobreza, que não

chegam a ultrapassar uma condição geral de empobrecimento e a avaliação de uma dieta

“fraca”, que o pobre dispõe, a despeito da valorização da “comida forte”, pesada, “com

vitamina” e “sem vitamina” (CANESQUI, 1988).

Comia milho, era o arroz quando nós ia comprar nos agreste. A fava a gente cozinhava ela até fazer o caldo pra depois poder comer... Nós trazia do agreste (a fava) pra plantar aqui. Nós plantava, ia colher, passava meio dia todo pra colher ela, pra depois trazer ela pra casa. Aí passava o tempo todo só comia aquela comida porque num tinha outra. Em outro lugar num tinha, e aí a gente ia pros agreste comprar. Se achasse um patrão bom pra gente, a gente ia ganhando aquele tostão e já trazia... um patrão pra botar a gente pra viajar tocar a tropa nesse tempo, a gente saia com 10, 12 jumento, pro carreiro, pra ia comprar no Cristino Castro... não nós trazia de lá, nós fazia assim: nós tinha um saco de “caruá” e lá nós fazia um saco grande, do tamanho dessa mesa aqui, colocava dentro, costura e trazia uns 3 de lá pra cá. Trazia uma rapadurinha pequena dentro... lá comprava barato... o patrão ajudava, porque a gente ia ganhando. Onde botasse nós pra trabalhar nós ia, e você comprava uns 3 e agente pagava com os cereais, aí servia pra gente, comprava outras coisa e trazia... o arroz, a fava.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

Outro momento significativo para as mudanças de alguns hábitos e práticas

alimentares junto aos grupos sociais, foram a inserção das políticas públicas de benefícios

sociais – os de transferência de renda –, e o surgimento das aposentadorias dos trabalhadores

rurais.

Aumentos consideráveis no consumo de proteína animal, o uso crescente de

alimentos preparados, e o aparecimento da categoria “comidas de criança”, como aduz Mintz

Page 54: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

52

(2001) contribuem significativamente para mudanças junto ao consumo alimentar. Isso

decorre de determinações estruturais e não simplesmente porque “o gosto” das pessoas esteja

mudando.

Com a interferência de variáveis sócio-econômicas, isto é, a melhora da renda dos

moradores do município de Guaribas – PI alguns conceitos como o de “comida de rico”

emergiram associando-o à variedade de alimentos apresentados em um prato, ou na própria

despensa familiar. Ao mesmo tempo, algumas medidas sanitárias foram tomadas junto ao

município, como as tentativas de restringir a criação de animais de pequeno porte no

perímetro urbano.

Hoje tá tudo mudando, come o arroz, come a fava. Todas as coisa que o cara precisa, come uma batata, no lugar mesmo que “prodoze” vende fora, vem uma maçã, vem uma tomate, de tudo tá melhor de que o tempo que eu passei... Tá melhor porque tá muito adiantado pelo lugar... Diferente assim, porque vem do São Raimundo, vem de Teresina, vem de São Paulo, de todo esse lugar vem pra aqui pra terra... Porque teve um prefeito, teve o governo que conheceu o lugar, então ajudou numa parte. É mudança muita por culpa do governo... Eu recebo um cartão. O bolsa-família. Esse que foi cortado, eu recebo agora é o da aposentação (aposentadoria). A vida é muito melhor porque o camarado agora tem o dinheiro e todo mundo confia em vender a gente. E quando a gente não tinha salário ninguém confiava. Se tivesse o cartão aí vendia, aí a gente corria pra comprar aquela coisa.

Hoje a comida é de rico: hoje é o feijão, é o óleo, é a carne de gado, porque porco num tem. É um “tomata”(tomate)bem vermelhinha, uma laranja, um abacaxi bem amerelim que dá gosto, de tudo tem já no lugar. E é porque o porco tá acabando, num tem Cuma(como) antes. O prefeito mandou tirar, porque nóis criava era nas porta de casa, no mei da rua. Ele mandou tirar de cá pro povo num criar na cidade, aí tinha muito porco na cidade aí ele mandou tirar... aí nós num temo. E não foi pra levar não, era pra matar tudinho. Fez foi matar. Ou dava pros outro. Dizendo ele (o prefeito) porque a educação não aceitava pra não dar sujeira na rua. Agora só pode criar porco no roçado, num ele num pode mais comer coisa das rua. E nóis num tinha condições de botar na roça porque era muito longe, e agora é muito difícil pra lá, porque quem tem um animal podia levar, mas quem num tem. Isso já aconteceu tá completando 4 anos. Mas o povo ta comendo mais porco, só que da roça!

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

A comparação entre o “tempo antigo” e os “dia de hoje” ajuda os entrevistados

explicarem as relações de trocas sociais (passadas e atuais) das pessoas entre si e com a

natureza da região na produção alimentar. O “tempo antigo” é idealizado. As relações entre os

homens, por analogia coma razão homem/ natureza, tendem à desarmonia, deixando implícita

a idéia de desordem.

Page 55: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

53

De uma relação de convivência hostil com a natureza (a terra), que dificultava o

provimento alimentar, os lavradores hoje sem terra explicavam um “tempo da fortuna”. A

vida da fazenda, onde detinham parcela de terra “cedida” para o plantio era idealizada por eles

e comportava relações solidárias e harmônicas dos lavradores com os homens (proprietários)

e coma própria natureza, definida como “fértil”, “forte” e “sadia”. Tal situação era valorizada

como ideal e foi-se deteriorando à medida em que certos processos sociais alteraram as

condições de acesso à terra, impondo ao lavrador novas relações de trabalho e modificações

na sua dieta. Esta, ao invés de ser produzida por ele, passa a depender cada vez mais da

compra de bens e serviços. Para o lavrador é o empobrecimento da natureza, a dificuldade de

acesso à terra, a redução na oferta de empregos, a introdução do mercado e a “ambição” dos

patrões que a empurram para a cidade. Considera sua vida na cidade repleta de carências, ao

contrário do tempo de “fartura” de antes.

Era difícil. Antigamente era difícil, tudo. Antigamente você comprava um saco de arroz, tinha que comprar fora. Hoje pra você comprar, compra dentro de casa. Os cara você paga e vem entregar na casa. Antigamente a gente ia de jumento, comprar um saquinho no agreste. É diferente porque tem muita coisa que. Olha, antigamente se adoecia uma pessoa, ela era levada de animal, porque num tinha transporte. Hoje pra todo lado tem um transporte. Quando levava pro outro lugar, porque a gente morava no interior, 10 légua, 30. Num como buscar um carro porque num tinha. Hoje não, aqui hoje tá tudo mudado. Até num lugar que a gente morava lá já tem carro.

(Seu Carne com tomate bem vermelho, alface, arroz e feijão – 69 anos)

As mudança que eu conheci que o povo hoje come o que bem quer, o que existe no Brasil que procura, encontra. Porque se quer comer o arroz tem, se quer comer a farinha tem, se o povo aí quer a tapioca come, a carne num falta dia nenhum, se o camada tem come um macarrão, de tudo que existir. Nessa época a gente num conhecia nem um peixe e aqui num falta, aquele sardinha num falta. Tudo o que o camarada pensar de comer tem. Mudou demais. Antes vocês pegava só o feijão, pegava ali com a manteiga, quase um quilo que arroz, ali tava bom. Enjoa aquela gordura só de porco, o porco enjoa demais, só que é mais sadia do que esse oleoso que tá saindo. Eu me criei, com o óleo que eu conheci era manteiga de gado e o toicinho de porco só. Antes a manteiga de gado e o toucinho de porco era o tempero que tinha pro feijão, e hoje mudou tudo. É um colorido danado! A mudança é porque tem muito óleo de soja, tem de coco de babaçu, tem o óleo de iniro, que ninguém conhecia, hoje todo mundo conhece, hoje até essas criança desse tamanho tão conhecendo. rapaz eu lhe digo que é uma mudança muito especial, porque quem pega dinheiro não fica com ele, porque acostumado a comer melhor, tem que gastar. Se fosse conseguir no começo quando nós tava, num entra não, tem que caçar um temperar, tem que um tomate, tem que ter um repolho, que tudo isso aqui tem e ninguém insistir. Até produzem tudo isso aqui hoje, o camarada, quem conhecia uma maionese pra fazer uma salada? E tudo isso nós temos hoje. Ninguém num sabia o que era isso aí. Hoje nós tamo num mundo novo, bem como tem aquele negócio da bíblia sagrada, num tem o novo testamento, nós tamo no mundo novo hoje, porque o antigo nós

Page 56: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

54

escapemo, mas num era bem não. (Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Alguns estudos orçamentários sobre o consumo alimentar como aponta

(CANESQUI, 1988) mostraram entre famílias assalariadas urbanas paulistas a relação entre

renda e o valor nutricional da dieta. Ressaltou o estudo as baixas proporções do consumo de

nutrientes de origem animal e a importância do feijão e não da carne como fontes protéicas

entre as camadas de baixa renda. Arroz e feijão consistem nos alimentos básicos da cesta de

consumo, sendo as fontes mais importantes de nutrientes e gatos domésticos.

Ainda vale destacar que como apresenta MINTZ (2001) é presente uma estranha

congruência de conservadorismo e mudança que nos acompanha sempre no estudo da comida.

Embora muitas comidas novas venham invadindo a sociedade Guaribense com a

redução do plantio e consumo da fava, por exemplo, requereria um rearranjo social e

simbólico considerável nessa comunidade. Uma vez mais, o novo e o tradicional se revelam

em complexa interação.

2.1.4 Modo de preparo: em uma panela, misture a massa de milho, leite, o açúcar e o

óleo

O plantio, cultivo e preparo dos alimentos trespassa o uso das tecnologias e

instrumentos envolvidos nas práticas alimentares que contemplam estes diferentes

processos. Investiga-se assim os instrumentos utilizados para a colheita de produtos

alimentícios da lavoura, como a enxada, pá e o arado, dentre outros; e ainda aqueles utensílios

aproveitados no preparo das comidas e pratos de um grupo social, como o caso do ralador,

materiais de corte e armazenamento adequado, fogão (à lenha ou elétrico), panelas para o

cozimento, etc.

Estudos sobre alimentação, de forço antropológico, se concentravam em povos

sem uma tecnologia de máquinas, e para quem a comida era uma das preocupações mais

importantes, se não a mais importante diária. Indicavam um interesse considerável na

tecnologia de busca e de uso da comida nas culturas que estudavam. Assim destacavam em

muitos dos estudos o interesse para mapear e categorizar povos mais simples (Mintz, p. 36,

2001) e, sobretudo para elucidar como estas alterações proporcionam mudanças de ordem

social.

Recompor um percurso histórico das tecnologias pode resultar numa interpretação

Page 57: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

55

sobre o quanto essas transformações promoveram mudanças nas subjetividades envolvidas na

alimentação. Por volta de 500 mil anos atrás, o uso regular do fogo no universo doméstico

modificou profundamente a alimentação, assim como os comportamentos sociais a ela

relacionados. O gosto pela carne cozida é corrente entre muitos carnívoros. Todavia, somente

o homem pôde fazer disso uma prática regular e dar os primeiros passos em direção à

alimentação cozida e, depois, à cozinha (Flandrin & Montanari, 1998). Estudos constatam

que, com as primeiras fogueiras, aparecem também os primeiros indícios de cocção de

alimentos. Esta prática, ainda ocasional há mais de 500 mil anos, generalizou-se quando o

fogo foi realmente dominado, ou seja, integrado de forma permanente ao universo doméstico.

Além da vantagem nutricional da cocção dos alimentos, logo ficou patente sua

importância no plano social: favorece, com efeito, a comensalidade, isto é, o hábito de fazer

as refeições em comum, introduzindo no seio do grupo uma divisão de trabalho mais efetiva,

um ritmo de atividades comum a todos e, de modo geral, um nível mais complexo de

organização do grupo.

Em Guaribas – PI, as práticas alimentares seguem uma lógica de proximidade

entre os sujeitos presentes naquele grupo social, isto é, relações sociais são fomentadas em

prol do cuidado coletivo. Com isso, os discursos expressam experiências de sociabilidade

(trocas, aproximações, empréstimos, doações) mediadoras de práticas alimentares.

É o seguinte, a gente guardava o que pudesse servir do dia-a-dia, a gente tirava o daquela despesa e o outro a gente vendia. Num era muito isolado onde morava mas que sempre possuía, umas 10, 15 casa. Dali foi formando o povoado que hoje tá grande.

Quando em casa num s tinha alguma coisa, olha o que a gente muitas vez trocava, no caso, a gente sempre criou muito suíno nessa terra, e alí como era ruim de renda, a gente emprestava pra receber em outra oportunidade

Como num tinha como se vender, pela habitação que não era tão grande, dinheiro difícil né, a gente as vezes emprestava pros outros vizinho. Quando eles tornava eles devolvia... não era nem de pedir. Se pedisse emprestado a gente emprestava... Fomos criado nessa maneira que eu to explicando... não, era 2, 3, 4 ou 5kg que a gente servia. Aí quando chegava a sua vez aí devolvia... As vez você matava um cabrito, aí você servia o seu vizinho.

As propriedades sempre foram perto viu. No máximo 3km. Como num tinha assim o que tem hoje, um arado, uma coisa qualquer, a gente plantava, na enxada, sabe como é que é.

(Seu Carne assada – 58 anos) Neste processo das práticas alimentares muitos métodos e técnicas tendiam ao

desaparecimento, sendo substituídas por outros. Restavam ainda outras modalidades de

abastecimento alimentar complementares, seja a caça ou a pesca e os sistemas de

Page 58: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

56

solidariedade e de reciprocidade: os empréstimos e as trocas alimentares calcados nas relações

de vizinhança e parentesco (CANESQUI, 1988).

Conforme o exposto pela referida autora algumas das características envolvidas

diante da produção e cultivo de gêneros alimentícios, permeia a substituição ou troca do

produto a ser cultivo. Este fato é percebido na realidade das práticas alimentares de Guaribas,

observando as relações dos agricultores com o cultivo da fava e do feijão.

Nós peguemos ajeitemos um pouco de feijão, aí fomo plantar um pouco de feijão pra ver se era melhor de que a fava. Só que o feijão foi melhor de que a fava porque não dava tanta dificuldade pra nós colher ele. Rapaz a fava a gente saia uma hora dessa pra aproveitar o sol e depois batia ela todinha. Dava mais trabalho. O feijão não, o feijão é mais fácil... Já com a fava tinha de puxar ela todinha da rama, pra depois botar ela no sol com 15 dias e bater ela. O feijão quando amadurecer ele tá seco.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

As dificuldades em produzir – plantio do alimento – alguns gêneros alimentícios

procede devido às características específicas e inerentes a um dado alimento, bem como

através das poucas alternativas e sem ajuda instrumental ou com instrumentos elementares

exercem influência direta nas relações culturais e sociais experenciadas em meio a este

processo. Segundo Montanari (2003) a prática da agricultura não é por si só um elemento

suficiente para colocar um povo no âmbito da civilização. Este é nó da questão: intervir

ativamente na fabricação do alimento, construí-lo artificialmente, “inventá-lo”; não se limitar

a tomar o que a natureza (mesmo que estimulada pelo homem) possa oferecer.

Alguns discursos dos moradores de Guaribas - PI mostram que o consumo tem

relação estreita com as formas de produção. Assim, as escolhas alimentares têm relação com o

processo produtivo. No caso em estudo, com o processo produtivo local.

Todo tempo pra nós foi difícil, porque, pra nós colher, foi a custa de jegue. Demorava muito pra trazer as coisa da roça tudinho porque era bocadinho por bocadinho, era gente viajando direto. Acontecia que quando era noite de lua, ficava a gente dormindo nos lugares onde tinha aquelas ruma de milho, enchendo as calha e despachando, quando vinha de dia era cansado, porque o sol era muito quente. Também produzia esse lugar aqui muita fava, até 1974 tinha fava demais, eu mesmo abusei, é uma comida que eu enjoei, só em ser mais trabalhosa de produzir, já dá uma canseira

Era, só dava pra gente colher no mês de maio pra junho. E o lugar que o algodão também era bom podia plantar que ele ainda dava muito. A fartura era dessa época em diante, aí o povo começaram a aprender que plantava esse feijão ligeiro, a safra sempre dava no começo e a gente se livra daquelas dificuldades da seca medonha que a gente fica. Hoje só planta mais esse feijão ligeiro.

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Page 59: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

57

Concepções com a de “fartura” apresentada no discurso acima, configura-se como

um achado histórico significativo, pois mostra que a chegada do “feijão ligeiro”, provocou

uma interrupção (descontinuidade) das práticas de produção e consumo anteriores.

Com grande valor de atuação junto aos aspectos evolutivos das práticas

alimentares, o fogo e suas formas de utilização transformaram as representações sociais em

torno da comida e de sua sucessão de estados de mudança. Por meio dele foram modificados,

do mesmo modo, comportamentos, concepções e condutas frente aos momentos de consumo

da comida.

De acordo com Lévi-Strauss (2004) o fogo sendo utilizado como utensílio

culinário, faz com que os alimentos preparados desta forma sejam mais bem apreciados. Desta

maneira, o autor apresenta a oposição entre o cozido (o forno) e o cru (as saladas),

repercutindo a poisção entre a natureza e a cultura. O autor ainda apresenta que o fogo além

de possuir utilidade culinária, também tinha um sentido ritual: “cozinham-se” indivíduos

intensamente engajados em um processo biológico – recém-nascido, parturiente, menina

púbere. A conjunção de um membro social com a natureza deve ser mediatizada pela

intervenção do fogo de cozinha, normalmente encarregado de mediatizar a conjunção do

produto cru com o consumidor humano, e por cuja operação um ser natural é, ao mesmo

tempo, cozido e socializado.

Na cozinha, fazer a comida no fogão à lenha é muito diferente do fogão com o bujão de gás. No outro tem que pegar a lenha é cedo, e tem que ser da boa, se num for o fogo num presta não, só faz uma fumaça fedorenta, e ainda num cozinha, demora chegar no ponto de comer. Às veiz o ponto nem chega. Mas com o fogãozão bom, num tem labuta não, e a comida se apronta é ligeiro, não dá trabalho nenhum se for comparado. Quem foi criado hoje em dia, com essas mordomia, já vira é outra pessoa.

(Dona Beiju com carne seca – 68 anos) Com a transmissão de valores que constituem a cultura e as idéias dominantes em

determinado momento histórico, são estabelecidas relações com outros grupos sociais,

prevalecendo ou dando continuidade a um legado que transforma o homem e é transformado

por ele. Ou seja, o homem sofre influências do meio ambiente, ao mesmo tempo em que o

transforma a partir de suas ações com ele. Para analisar o homem que se alimenta – ou que

constrói instrumentos/ tecnologias para isso – é preciso situá-lo num contexto sócio-histórico-

cultural, identificando e desvendando as determinações.

Em suma, os instrumentos e tecnologias que mediam os processos e práticas

alimentares unem-se á função mediadora do “cozimento simbólico” apontado por Lévi-

Page 60: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

58

Strauss (2003) como os casos da colher de pau, o pilão, a xícara para beber, o garfo, a faca e o

prato, são intermediários entre o sujeito e seu corpo, presentemente “naturalizado”, ou entre o

sujeito e o mundo físico.

2.1.5 Leve ao fogo por 5 minutos; desligue o fogo e deixe esfriar

A alimentação segue um conjunto de variáveis sociais, culturais, históricas e

econômicas que influenciam e norteiam os hábitos alimentares de um agrupamento social.

Guaribas – PI, ao ser classificada como a cidade mais miserável do país (IBGE, 2005), tornou

explícita uma das relações de proporcionalidade discutida pelos pesquisadores de história da

alimentação, que é a do capital econômico como indicador do que e de como se come.

As fontes de abastecimento alimentar, organizadas na economia urbana, pela

combinação de formas mercantilizadas e não mercantilizadas, estão presentes nos modos de

aquisição alimentar das unidades domésticas. Não é o supermercado, que comporta formas

mais capitalizadas de produção, como a principal fonte de abastecimento alimentar, mas o

armazém e o pequeno comércio que circundam bairros periféricos dos espaços urbanos,

incluindo-se Guaribas – PI.

Prevalecem nas modalidades de abastecimento das famílias, os arranjos

econômicos entre consumidores e os comerciantes; a compra a crédito e em pequenas

porções; o uso do pequeno comércio mais próximo às residências; a combinação de diferentes

fontes de abastecimento (armazém e supermercado) conforme a disponibilidade de dinheiro e

do sistema promocional de vendas dos supermercados e avaliações sobre o preço

(CANESQUI, 1988). Não se excluem outras fontes complementares e transitórias de

abastecimento alimentar calcadas nos padrões de solidariedade dos grupos pesquisados, na

produção doméstica dos quintais e na política assistencial (pública ou privada).

Olha, Guaribas por ser um município de grande produtividade de boas terras, aqueles que têm coragem de plantar, colhem com certeza... Que a fome muita vezes vem através das pessoas que não se esforça. Porque se esforçando com certeza o pão tem... Olha hoje é o seguinte, não tem nem escolha ruim pra se comer, porque dependendo da sua renda se precisa aparece e a gente compra.

(Seu Carne assada – 58 anos)

Fome braba era a de antes... porque os homem não trabalhava. Porque eles pensava que aqui a terra num produzia mandioca nem feijão, nem milho... É porque num tinha coragem, ficavam só olhando mesmo. Porque eles pensavam que a terra aqui não produzia mandioca nem feijão, nem milho. É porque eles num tinha coragem só ficava no mundo mesmo. Só ficava andando... se num achasse

Page 61: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

59

ficava sem comer. Eu sou acostumado a dizer: olha meus filhos, com toda pobreza minha, toda fraqueza de recurso minha, na lei hoje vocês tão criado no berço de ouro igual filho de rico. Porque a criança hoje escolhe o que comer. Ah, não quero isso aqui não, lá vai a mãe procurar outra coisa pra dar o filho. Por que? Porque tem, se não tivesse, tu num ia comer não? Tudo o que você acha com fome é bom. Antes sofria muito, era um sofrimento horroroso. Antes a mulher deitava hoje, levantava 3 hora da manhã e ia à fonte. Lá 4 hora da tarde ela num tinha chegado ainda porque as outra num deixava apanhar, ficava com aquele fecho na boca do poço, cada uma esperando um gole pra beber, e hoje graças a Deus. Sim elas era cansada de sair 5 hora da tarde e chegar no outro dia e chegar 9, 10 horas do outro dia. Se tivesse o que fazer pra comer num fazia porque num tinha água.

Eu não cheguei a essa época não, mas o papai mais a mamãe eles diziam que comeram muito um tal batata de imbu... é no período da fome mesmo. Em 53 eles disseram que aqui teve uma fome que morria gente bem aí de fome.

Batata de pau, disse que matava um gado e botava o sangue todinho pra secar pra pilar pra comer junto com a carne pra dizer que era farinha. Pra dizer que era mistura, o arroz, a farinha era aquele sangue ali pisado... não, num era pra aproveitar mais o boi, é porque não tinha farinha e nem arroz. Em 53, aí eu ouvi eles falar isso aí.

Falava que muito sofrimento,... Eles ia no mato caçar as batata, chegava lá, achavam, cavavam, achava as batata, chegava em casa “relava” e torrava e comia, é porque num tinha outra coisa pra comer.

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

A aquisição de alimentos nos grupos pesquisados comporta o estabelecimento de

hierarquias de necessidades, que se expressa na classificação de produtos considerados “mais

necessários” – arroz, feijão, sal, açúcar, farinha, leite, pão, óleo e outros “menos necessários”

– hortaliças e carnes. Tal hierarquia incorpora critérios econômicos ao preço dos alimentos e a

disponibilidade de dinheiro que obriga a restringir ao mínimo as compras alimentares e a

substituir produtos mais caros ou de difícil acesso, pelos mais baratos, os mais nutritivos pelos

menos nutritivos, observando-se a regra básica de controle e economia. Implica ainda critérios

que avaliam o costume alimentar, a oferta, a qualidade e atributos dos alimentos do ponto de

vista nutricional e suas adequações de consumo, os regionalismos e a preservação ou ruptura

das identidades sociais (CANESQUI, 1988).

Só comia a fava, porque feijão num tinha. Depois que plantava num servia pros outro, porque se a gente fosse comprar eles num vendia porque era pouco. Plantava um litro, o mais rico aqui plantava um prato de feijão e dizia que era rico. Tudo isso era difícil. O milho nós plantava porque trazia dos agreste, Bom Jesus... plantava, e aí ia dar aquele produto pra gente. Quando eles ganhava nós ia vender ele, vendia por 5 conto o saco, 5 conto não 5 mil reis naquela época. Aí vendia fora, ia vender em Caracol, São Raimundo ia passar um mês por fora, vendia e ia trazer outras coisas pra comer. Comprava roupa, quantas vezes o camarada não tinha condições de comprar, comprava só comida, uma roupa de algodão, tecia o pano e a gente vestia.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

Page 62: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

60

Com relação aos gêneros alimentícios, Montanari (2003) relata que o alimento,

historicamente, possui um conjunto de associações simbólicas, nas quais implicavam em

relações de poder como foi o caso da carne a partir do século VIII, onde na cultura das classes

dominantes este valor primário da carne – como instrumento de poder – é fortemente

considerado e afirmado. A carne surge, aos olhos desses grupos, como símbolo de poder, um

instrumento para obter energia física, vigor, capacidade de combate; qualidades que

constituem a primeira e verdadeira legitimação do poder. E vice-versa, abster-se de carne, é

um sinal de humilhação, de marginalização.

A carne era só quem tinha dinheiro que comiam todo dia, de vez em quando nóis comia, num era sempre não mas comia. Às veiz a gente comprava, o porco, do gado, uma criação... a gente comprava dos outro que matava, porque nós num produzia, tinha que comprar o quilo dos vizinho que matava. Pobre mesmo caçava, era o tatu, o bandeira, caititu. Comia, antigamente tinha muito. Botava na panela, cozinhava, se num cozinhasse comia assado. E quando num tinha o feijão nós comia com arroz, ou só a carne com a farinha.

(Seu Carne com tomate bem vermelho, alface, arroz e feijão – 69 anos)

Ao se analisar a composição cotidiana das refeições, observa-se uma dieta

monótona, restrita ao arroz e feijão, à “comida” propriamente dita e a algumas “misturas”

(ovos, batata, macarrão e verduras) e raramente a carne. Trata-se da “comida que pobre come

todos os dias”, conforme se define, detendo a nível ideológico significados referidos por

alguns autores, a identidades sociais e à própria sobrevivência e, por outros, aos modos de

pensar as condições de vida e a posição que ocupam na sociedade. De qualquer forma, a

alimentação é concebida pelos moradores de Guaribas – PI como medida de privação

dimensionando-se as limitações salariais para sobrevivência e o padrão alimentar possível de

ser obtido. Esta avaliação também incorpora ideais de consumo pela incorporação de

necessidades renovadas e de ascensão social, numa perspectiva centrada no indivíduo e não

nas forças sociais organizadas.

A avaliação da dieta, da maneira como é feita pelos entrevistados, revela uma

forma de pensar a alimentação dentro dos parâmetros das condições de vida e trabalho, do

próprio consumo, do corpo socialmente posicionado, dos atributos alimentares e da

construção de identidades sociais, que contraditoriamente favorecem ou negam a condição de

ser pobre.

A comida valorizada, que se dispõe, é aquela “capaz de sustentar o corpo, dar

força e energia para trabalhar, a encher a barriga, deixando a sensação de estar alimentado”

Page 63: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

61

(CANESQUI, p. 214, 1988). Trata-se enfim da “barriga cheia” que preside as práticas de

consumo alimentar, concomitantemente de natureza econômica, ideológica e cultural.

2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento

As questões relacionadas às práticas alimentares (como a forma de adquirir

alimentos; prepará-los para o consumo; o modo de servir; e formas de armazenamento)

se constituem em ações derivadas de vivências subjetivas, sociais e que se reproduzem nos

espaço coletivo. O comportamento relativo à comida, assim, estabelece vínculo direto com a

identidade social, ou seja, revela a cultura em que cada um está inserido.

O que aprendemos sobre comida está inserido em um corpo substantivo de

materiais culturais historicamente derivados. A comida e o comer assumem, assim, uma

posição central no aprendizado social por sua natureza vital e essencial, embora rotineira. O

comportamento relativo à comida revela aspectos da cultura em que cada um está inserido.

Nossos filhos são treinados de acordo com isso. O aprendizado que apresenta características

como requinte pessoal, destreza manual, cooperação e compartilhamento, restrição e

reciprocidade, é atribuído à socialização alimentar das crianças por sociedades diferentes. Os

hábitos alimentares podem mudar inteiramente quando crescemos, mas a memória e o peso do

primeiro aprendizado alimentar e algumas formas sociais aprendidas através dele

permanecem, talvez para sempre, em nossa consciência (MINTZ, 2001).

A alimentação agrega uma amplitude de representações que vão além do

biológico, relacionando-se com o social e o cultural (Maciel, 2004). Portanto, se refere a um

conjunto de substâncias que uma pessoa ou grupo costuma ingerir, implicando a produção e o

consumo, técnicas e formas de aprovisionamento, de transformação e de ingestão de

alimentos.

2.1.6.1 Despeje a massa em uma forma untada e enfarinhada

Aspecto ímpar diante da configuração dos hábitos alimentares corresponde à

aquisição e ao armazenamento de alimentos. A coleta de vegetais é inerente às estratégias

alimentares. Tem sua importância tanto no plano nutricional como no econômico, tanto mais

que o domínio do fogo oferecerá uma nova gama de recursos potenciais, tornando possível o

consumo daquelas plantas que são tóxicas quando cruas, mas comestíveis depois de cozidas

Page 64: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

62

(Flandrin & Montanari, 1998).

Os comportamentos envolvidos na aquisição e no armazenamento de alimentos

ilustram bem elementos da subjetividade do grupo social de Guaribas – PI. A coleta dos

alimentos, muitas vezes é desenvolvida em locais próximos às residências familiares; o

trabalho na lavoura iniciado desde a infância; o empaiolamento do milho para poder conservá-

lo em condições favoráveis ao consumo e plantio futuro, bem como a forma de conservação

da carne (a salga) das criações, expressam particularidades do município e de seus moradores.

Pra tirar uma abelha chamada aruçu. Pra vê se extraia o mel pra dar de comer o filho que era fraquim... Não tinha o que guarda não. Só guardava milho nos paiol, fazia um paiol no meio do quintal e levava os milho pra lá.

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

A gente tinha esse alimento nessa condição, num passava fraco de só comer coisa ruim não. Comia a carne que nós criava, de criação a cabra2, a ovelha, criava o gado3, o que nós queria nós. Num tinha outra saída. Às veiz a carne só escapava se salgasse bem ela pra num estragar!

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Eu sei da minha vida pessoal e sei que tem pessoas que a situação foi pior do que a minha. Porque sempre eu com meus 7 anos comecei a trabalhar pra poder comer e graças a Deus nunca faltou o pão no meu lar, e muitas pessoas são pobres de espírito que não têm disposição aí é difícil.

(Seu Carne assada – 58 anos)

As estratégias de armazenamento no sertão brasileiro contemplam, conforme o

discurso de Câmara Cascudo (2004), os processos de conservação das carnes, queijos, cereais,

enfurnados nas meias-trevas das camarinhas, suspensos nos latos jiraus. As carnes-secas são

guardadas dobradas, com sal em cada volta. A seguir, são arejadas quinzenalmente, raspando-

se o sal e os possíveis bichos que venham a aparecer em sua cobertura. Caso apareçam as

manchas esverdeadas do bolor, envolvem-nas com folhas de marmeleiro (Croton

hemiargireus Muell, Arg., uma euforbiácea) ou de bananeiras, murchas e sem talo. As

garrafas de manteiga ficam em lugar fresco e de pouca luz. O chouriço metem-no na farinha

solta, numa bruaca de couro.

A roça da gente era pertim de casa, nós plantava aqui mesmo dentro da cidade... A

2 A cabra surgiu cerca de 2 mil a. C., enquanto que o carneiro (a ovelha) apareceu em 3 mil a. C., ambos na Mesopotâmia e nos planaltos iranianos. Em: Comida e sociedade: uma história da alimentação, de H.Carneiro publicada em 2003. 3 O boi foi domesticado na Mesopotâmia (cerca de 4.500 a. C.), no Egito e em cidades lacustres da Suíça (cerca de 4 mil a. C.). Em: Comida e sociedade: uma história da alimentação, de H.Carneiro publicada em 2003.

Page 65: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

63

casa era de taipe! Pegava umas coxia botava uma outra madeira por “riba” pegava uns “caibo” e botava. Aí ia pra lagoa bater telha pra poder plantar. Aqui não tinha condições de nós compra “teia” porque não tinha mesmo, nem uma estrada aqui num tinha, pra vender uma coisa tinha que ir no Rio Gracel depois vender lá em Caracol e ir pra São Raimundo. Tudo era difícil pra nós, hoje não que hoje tá mais fácil. A gente colhia as coisa e botava dentro de um tambor! Desse aí de zinco, desses tambor de óleo de carro. Pegava colocava dentro, tampava pra depois conseguir ficar com ela comendo, porque o feijão num dava.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

O domínio dos cereais acompanhou-se de novos recursos técnicos para o seu

preparo, dos quais os mais importantes foram os fornos e os moinhos de moagem. As grandes

conquistas técnicas ligadas ao plantio do trigo4 – primeiro cereal a ser domesticado, conforme

argumenta Carneiro (2003) – foram o uso do arado e, a partir de cerca V a. C., o uso da

atrelagem de animais.

A domesticação dos animais junto às comunidades mais simples é um elemento

significativo nas práticas alimentares junto ao espaço familiar, quer seja através da facilitação

na aquisição de alimentos, através da caçada com o cachorro, e o cavalo para lavrar a terra,

por exemplo; quer seja por meio da domesticação e criação de animais para o abatimento

posterior (MINTZ, 2001).

A relação com os animais domesticados marcou a constituição das primeiras

civilizações. Não só como alimento, transporte, tração, decoração, caça e companhia, mas

como encarnações do sagrado, símbolos totêmicos, personificações dos deuses, os animais

incitam gulas, tabus e complexas regulamentações rituais (CARNEIRO, 2003).

No município de Guaribas - PI, a relação dos grupos familiares que tem como

maior fonte de renda a agricultura, configura-se de maneira bastante interativa com os animais

domesticados, como é o caso do cachorro. Este, considerado um participante indispensável

para as caças de animais, por meio do qual se obteria uma otimização do tempo, facilitando

uma caça mais produtiva. As carnes de caça, assim como são chamadas pelos moradores,

contemplam animais como a cotia, o preá, caititu, tamanduá bandeira, e aves como pombas,

juritis e zabelês.

4 De todas as plantas cultivadas, a mais antiga foi o trigo, que juntamente coma cevada, surgiu na Ásia menor, entre 6 mil e mil a. C. Em Comida e sociedade: uma história da alimentação, publicada em 2003, H. Carneiro apresenta dezoito plantas que foram identificadas como sendo a base de 75% a 80% da alimentação total da humanidade em todos os tempos e em todos os continentes. Entre elas, nove são cereais (trigo, arroz, milho, cevada, centeio, aveia, trigo-sarraceno, milhã e sorgo); quatro são tubérculos (batata, mandioca, batata-doce, inhame); três são arbustos (tamareira, oliveira e vinha); e há um árvore (bananeira); e uma gramínea (cana-de-açúcar).

Page 66: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

64

Destaca-se ainda que alguns dos alimentos produzidos na agricultura familiar

guaribense, a exemplo da mandioca e do milho, são utilizados para alimentação dos animais

domésticos.

A mandioca também servia pra botar pros bicho de casa comer também... os porco, as galinha, as cabra. Na hora de caçar, um bicho do mato, uma cotia, era preciso um cachorro5, quando a gente ia caçar que tinha um cachorro bom, dava tudo certo, num demorava muitas horas não... era só uma manhã caçando ou uma tarde, num levava o dia e a noite toda não!

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

Por outro lado, a grande revolução na conservação das carnes ocorreu no final do

século XV, quando se ampliaram os métodos de salga para abastecer as tripulações em alto-

mar e para transportar grandes quantidades de peixes (Carneiro, 2003).

Já o feijão e o milho sob a forma de armazenamento sertaneja, ficam nas sacas de

couro, em latas de gasolina ou querosene, pintadas de alcatrão, afugentando os assaltantes

vorazes (animais como ratos e baratas, por exemplo), visíveis quando se adentra as

residências e os depósitos familiares em Guaribas - PI. Vez por outra ocorre a exposição ao ar

livre, vento e algum sol, para arejar e limpar, livrando-os do gorgulho. Para legumes e uso

doméstico, derrama-se sebo derretido, com sal fino, misturando-os aos grãos. O feijão

também fica em sacas de pano grosso ou enfaixado nas esteiras de carnaúba, cosidas ao modo

de fardos. Os moradores de Guaribas – PI guardam esses víveres nos paióis, depósitos

construídos na própria residência do proprietário, em compartimento especial para esse fim,

de alvenaria ou taipa. Conservam o milho em espigas, pendurando-as no paiol, fumeiro da

cozinha ou em quarto ensolarado, tradição de lavradores europeus e norte-americanos.

Arrumando as espigas em cima de taboas, no paiol, besuntam as extremidades com calextinta.

Nessa mesma estocagem ficam as batatas e os jerimuns (abóboras). O arroz oculta-se também

nos sacos de couro.

A farinha de uso diário fica nas grandes sacas de imburana (Bursera leptophoes

Engl.) cumaru (Amburana claudii Schw. & Taub.), caixões e em maior porção em surrões de

couro, cosidos. Sobre a tábua do paiol, bem secas, está a reserva de rapaduras, o doce

sertanejo como apresenta Câmara Cascudo (2004). Em Guaribas, sucede de forma

correspondente ao que é narrado pelo referido autor. Muitas vezes, a farinha também é

5 O cão foi o primeiro animal domesticado, contemporâneo da revolução neolítica e serviu de auxiliar da caça e do pastoreio.

Page 67: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

65

utilizada na localidade para auxiliar no armazenamento dos ovos, nos quais são colocados em

baldes grandes cheios de farinha, e distribuídos para que sejam preservados de forma segura,

evitando a quebra.

2.1.6.2 E leve ao forno na temperatura média ou baixa por cerca de 45 minutos. Para servir

polvilhe com coco ralado

DaMatta (1986) fixa uma separação entre comida e alimento, de acordo com a

qual a “comida não é apenas uma substância alimentar mas é também um modo, um estilo e

um jeito de alimentar-se. E o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido, como

também aquele que o ingere” (p. 56). Ao partir deste ponto de vista que compreendemos o

modo de preparar e servir os alimentos, práticas desenvolvidas nos espaços das cozinhas,

como lugar e formas de expressão da identidade cultural.

Acerca da referida concepção, Maciel (2004) afirma que uma cozinha faz parte de

um sistema alimentar – ou seja, de um conjunto de elementos, produtos, técnicas, hábitos e

comportamentos relativos à alimentação –, o qual inclui a culinária, que se refere às maneiras

de fazer o alimento transformando-o em comida. A cozinha de Guaribas- PI agrupa

instrumentos e técnicas diversificadas. O fogão à lenha que já foi o instrumento doméstico

mais utilizado no município, foi substituído gradualmente pelo fogão à gás. Mudança esta que

repercutiu concomitante à substituição de técnicas de preparo com a chegada de gêneros

alimentícios industrializados.

Na época era cozinhado no fogão a lenha. Nessa condições o feijão fervia, lavava bem lavadinho depois temperava só que num faltava era o óleo. Agora o óleo era toicinho de porco, que a gente criava muito e uma manteiga de gado, que meu pai criava um pouco de gado. E com o óleo de hoje o preparo é mais rápido mesmo. Depois que ele morreu desapareceu tudo ligeiro, ele pegava uns 40 e poucos bezerro.

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

O espaço de preparo de alimentos, ou seja, a cozinha de uma determinada

residência constitui-se como um vetor de comunicação (Lévi-Strauss, 2004, p. 311), “um

código complexo que permite compreender os mecanismos da sociedade à qual pertence, da

qual emerge e a qual lhe dá sentido”. São justamente os elementos do cotidiano alimentar, na

construção dos pratos significativos que se expressam as identidades, e dá-se subsídios para a

construção e permanência desta consciência que as sociedades têm delas mesmas para sua

Page 68: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

66

manutenção em futuras gerações.

Seguindo esta referida idéia, a cozinha de Guaribas- PI, enquanto espaço de

socialização, oportuniza a troca de informações ente aqueles que preparam os alimentos. As

atribuições domésticas de preparo são, na localidade, papéis desempenhados pelas mulheres,

nas quais fazem do espaço um local de diálogos, conversas sobre o cotidiano da cidade, e, em

especial, um local de aprendizados acerca das técnicas de preparo dos alimentos, assim como

as formas de se relacionar com este.

Só era nóis “muié” pisando milho e ralando e pisando no pilão pra fazer cuzcuz e farinha pra comer. Só o que tinha. A hora da cozinha pra gente era onde a gente conversava, as mãe ensinava as coisa para as filhas, todo mundo se falava de um tudo, das coisa que acontecia na rua, nas casa alheia (riso)! E assim, a gente sempre acaba sabendo do acontecia e do que era pra ser aprendido, as novidade.

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

Cozinhava a fava e depois jogava com ele – o toucinho de porco – dentro pra cozinhar. Às véiz demorava muito, até ela criar uma aguinha, e depois botava o toicim pra engrossar mais.

Como a tapioca num dava pra nós vender aí nos lugar, nas cidades. Quando viajava pra comprar outras comida (arroz e fava) nós ficava, pra comer um maranhão, uma coisa. Botava a tapioca em espera – é botar uma mandioca, botava em cima de um pote e passava o dia todinho, se matar tudo bem, se num matasse ficava – (deixar em repouso para atingir o ponto ideal de consumo) e depois matava uma cotia, uma juriti, um tatu pra comer junto. A gente com a mandioca fazia a farinha, a tapioca, a borra dela que ela dava também. Era de qualquer jeito, comia até feito o beiju aí dava pra comer porque não tinha outra coisa, comia, bebia água e ia embora pra roça... num misturava com nada, era pura mesmo! Se tivesse um leitão a gente comia com leitão, se num tivesse comia pura.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

Os modos de preparo dos alimentos em Guaribas – PI envolvem saberes bastante

específicos, como: “esperar a aguinha que sai da carne”; “esperar que matasse a mandioca”;

expressam conhecimentos específicos que são passados de gerações em gerações, por meio de

conversas, troca de informações, observações, exemplos, que não podem ser apreendidos

apenas com a prática das descrição verbal do ato de preparo alimentar propriamente dito, mas,

sim, ao experenciar o cotidiano local.

A cozinha de um povo é criada em um processo histórico que articula um

conjunto de elementos referenciados na tradição, no sentido de criar algo único – particular,

singular e reconhecível. Entendendo a identidade social como um processo relacionado a um

Page 69: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

67

projeto coletivo que influi uma constante reconstrução, e não como algo dado e imutável,

essas cozinhas estão sujeitas a constantes transformações, a uma contínua recriação. Assim,

uma cozinha não pode ser reduzida a um inventário, a um repertório de ingredientes, nem

convertida em fórmulas ou combinações de elementos cristalizados no tempo e no espaço

(Maciel, 2004, p. 27).

Na hora de servir os alimentos à mesa, não diferente de outras localidades, os

moradores guaribenses narram cuidados que são essenciais para o usufruto pleno do prato a

ser experimentado. São pensados, portanto, o tempo certo de servir, de colocar um ingrediente

para melhorar o sabor do prato. Caracterizando, formas particulares e detalhistas que

expressam o significado do momento de consumir os alimentos.

Vixe...na hora de botar as comida na mesa tinha ser direitinho. Quando botava a galinha cozida dentro de uma vazia (vazilha) bem grande, era pra deixar a fumaça subindo, e enquanto a fumaça subia, aí nóis cortava o cheiro verde em cima. Assim pegava mais gosto e dava um agradozim (agrado) pra quem tava esperando desde 11 horas pra comer.

(Dona Beiju com carne seca – 68 anos)

A forma de apresentação dos animais para serem comidos, até o século XVI era

inteiriça, mas disfarçou-se, entretanto, na época moderna, quando o aspecto corpóreo da

comida passou a ser escondido, picado em meio a molhos espessos. Da omofagia (comer

carne crua) até a preparação cuidadosa no fogo definiu-se um trajeto que foi o mesmo da

fundação da cultura (CARNEIRO, 2003). E com isso garantiu uma maior gama de

expressividade cultural, bem maiores representações e significados foram conjugados ao

momento de apresentação da comida à mesa.

Desse modo, o município de Guaribas - PI vai à mesa em seu modo de preparar e

servir os alimentos, processos através dos quais expressa suas características culturais, suas

potencialidades, seus sabores e saberes populares, bem como sua transmissão de

conhecimentos alimentares e de papéis sociais às gerações futuras.

2.1.7 Rendimento: 10 pedaços; ou 8 pessoas

A transformação do alimento em comida perpassa por um processo subjetivo. Este

agrega preparadores e consumidores da comida num mesmo âmbito, que se influenciam

mutuamente. Portanto é indispensável que seja articulado com os arranjos da cozinha, a união

de gêneros alimentícios de forma compatível com a quantidade de sujeitos consumidores,

Page 70: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

68

assim como do apetite de cada um destes.

Não obstante, coexistem muitas variáveis operando frente ao rendimento de um

prato, como já foi citado. Entretanto, qual a necessidade ou exigência alimentar dos membros

presentes à mesa? Alguém está em situação de fome? Se estiver, há quanto tempo tem

vivenciado? Renderiam “10 pedaços”, ou serviriam “8 pessoas” o mantimento estando todos

os presentes sem se alimentar adequadamente por extensos períodos? Em todos esses aspectos

é importante considerar o conjunto de particularidades que a vivência da fome traz consigo.

Tem-se o conhecimento de que a alimentação, como narra Maciel (2004), implica

representações e imaginários, envolve escolhas, classificações, símbolos que organizam as

diversas visões de mundo no tempo e no espaço. Assim, concebe-se o ato de alimentar como

um ato cultural, pensando-o como um “sistema simbólico” que contempla uma gama de

códigos sociais que norteiam as relações das pessoas entre si, e destas com a natureza.

Embora possa haver certa margem de manobra individual diante do consumo

alimentar, comportando estratégias de sobrevivência entre camadas de agricultores e

trabalhadores rurais, o seu caráter é sempre de subordinação aos determinantes conjunturais e

da acumulação de um estilo de desenvolvimento (CANESQUI, 1988). Tal consideração

descarta o caráter de sua autonomia, como se os sujeitos transitassem livremente pela

sociedade.

Reforçando a mesma lógica, Woortmann (1996) afirma que em qualquer

sociedade os alimentos são não apenas comidos, mas também pensados. Possuindo a comida,

desse modo, um significado simbólico – ela “fala” algo mais que nutrientes. Então pensemos

em condições nas quais o ato de adquirir os alimentos venha a ser uma ação que exige muito

labor, dificuldades extraordinárias, ou até mesmo que o almejado alimento não seja obtido. E

assim, mesma proporção que as circunstâncias de “comer” operam significativamente nos

sujeitos, o não comer promove no plano simbólico – sem desprezar outras instâncias como a

biológica e a psicológica – uma dimensão de inferioridade social.

As contingências de fome, por muitos anos frequentes no município de Guaribas –

PI, apresentou-se também ilustrada com o fenômeno do êxodo rural. Este modo de proceder,

sair de sua localidade de moradia para residir e trabalhar em outra localidade foi uma arte de

explorar condições mais favoráveis de sobrevivência. Muitas famílias tiveram seus

provedores migrados para as grandes cidades, com o intuito de fazer prosperar as condições

econômicas de sua família (Castro, 1961).

Para os moradores de Guaribas – PI, lidar com as dificuldades desencadeadas pela

Page 71: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

69

vivência da situação de fome foi no decorrer dos anos caracterizado por grandes dificuldades,

nas quais foi frequente a mudança de famílias para outras localidades em busca de emprego e

de melhores condições de vida.

Olha em 1953 eu tinha 13 anos, e vi aquela grande foi uma dificuldade muito grande viu. Muitas famílias retiraram daqui pra outros municípios, outros estados, porque não tinha como ficar. E dali por diante, sempre a gente enfrenta essas dificuldade... as dificuldade é a falta de recurso pra alimentação. É o seguinte, a gente que nem eu mesmo, a partir de meus 20 anos, a gente que não podia ficar por aqui, a gente saia pras outras cidades, Brasília, São Paulo pra ganhar seu pão e mandar dinheiro pra família, e a família pegava e mandava comprar o que não tinha. Isso quase num modo geral, hoje não tem uma pessoa da minha idade do que já passou, aqueles que já foram, que não tenha passado por essa luta. É tanto que hoje muitos, como eu hoje, viajo pra viver a vida. Pra ver meus parente.

(Seu Carne assada – 58 anos)

É imperioso ressaltar que a realidade desencadeada pela vivência da fome latente

no decorrer dos anos, ocorreu, mas não de forma ingênua e despretensiosa. Como José de

Castro relata: “trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura”, por outra

forma.

Foram os interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou, pelo menos, pouco considerável de ser abordado publicamente. O fundamento moral que deu origem a essa espécie de interdição baseia-se pelo fato de que o fenômeno da fome, tanto a fome de alimentos, como a fome sexual, é um instinto primário e por si um tanto chocante para uma cultura racionalista como a nossa que procura por todos os meios impor o predomínio da razão sobre os instintos na conduta humana (castro, 1961, p. 12).

Os moradores mais antigos do município de Guaribas- PI, em parcela significativa

dos relatos, apresentaram manifestações de vergonha ou pudor elevado mediante as narrações

de experiências em que enfrentaram condições de fome em longos períodos do ano. Destarte,

esses sentimentos advindos da contingência de fome são perceptíveis, e igualmente

vivenciados quando narram alterações dos gêneros alimentícios, falta de condimentos e

temperos para o preparo da comida, ou em circunstâncias de poucas perspectivas de

subsistência futura.

Cozida, cozinhava a fava. Cozinha ela e quando tem tempero, tempera, quando num tenha era só cozinha ela na água e no “sali” mesmo, mas é bozim demais, mais é bozim. Aí fui tirando, e todo tempo com medo de fome. Era da lavoura, era feijão, era milho, só que as coisa era pouca. Aqui o povo mais

Page 72: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

70

ainda ganha um litro de feijão, um litro pra plantar só um litro de feijão, pra ficar “bogiando” aí e o resto tirava sofrendo caçando no mato, tirando mel e cavando com o pau de uruçuba que num tinha broca e pra sobreviver a vida, tudo morrendo de fome. Um litro de feijão por safra, um litro. Pra oito pessoas comer, só comia enquanto tava verde, não tinha o que plantar... não tinha o que guardar não, num guardava nada não, ficava só com a vergonha nos peito mesmo. Quando acabava ficava “bogiando” caçando no mato e se virando, caçando coisa, caçava tatu, a caça do mato pra sobreviver... ara caititu, Bandeira, tudo aí que tem. Ah, tem tanta caçinha, juriti, zabelê, cutia, tudo a gente leva, o que achava levava nos peito, porque quem vai com fome, vai com fome. E se tem pouco, a gente faz a comida com o que tem!

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

A permanência de receitas em algumas localidades ou grupos sociais não deriva

unicamente de uma persistência de certos hábitos alimentares, assim como mudanças

verificadas nessas receitas não decorrem apenas da falta dos ingredientes tradicionais. Ambas

podem ser entendidas como parte de uma dinâmica cultural que implica uma constante

recriação de sua maneira de viver, com novas formas e significações. E, neste caso de

Guaribas – PI, de sobreviver, em uma situação de extrema privação alimentar (Maciel, 2004).

Por fome porque aqui tava uma fome preta. Você comia hoje se achasse hoje e agora tchau, não sabia quando é que ia achar comida pra comer não. Aí meu marido saiu daqui fui embora pra Brasília mais um irmão meu chamado E tudo que nós ganhava lá nós mandava pra cá pros nossos pais comer aqui. O salário dos dois juntava e mandava, mandava pra cá pra nóis comer mais meus irmão. Por carta e por quem vinha de lá pra cá porque num tinha nem conta, nem banco, nem ninguém tinha conta. Quem vinha de lá pra cá eles mandava os dois pagamento. Eles ficava só mesmo tomando café nas firma fiado pra quando sair nosso pagamento eles pagar e mandar pra aqui. Servia pros nosso pais comer. Aí acabou o sofrimento do papai nessa época. Aí quando foi em 81 ele faleceu aí “fiquemo” batalhando com a mamãe e a mamãe faleceu agora também. Agora só tem nós mesmo, os filho.

(Dona Beiju com carne seca – 68 anos)

O consumo alimentar cotidiano segue indicações estabelecidas a partir das classes

sociais nas quais os sujeitos estão inseridos. Em outras palavras, as práticas e representações

de consumo alimentar, concretizam a maneira como as pessoas em seus grupos sociais

reproduzem seu modo de vida e sobrevivência. Destaca-se, com isso, a inscrição do consumo

alimentar nas oportunidades diferenciais de vida, ou seja, se salários e rendimentos auferidos,

que expressão inserções diferenciais de força de trabalho, sendo a alimentação elemento

básico de recomposição, manutenção e de sobrevivência. É por referência à família que se

realiza e organiza o consumo alimentar, ainda que os seus determinantes não se esgotem neste

nível (CANESQUI, 1988).

Page 73: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

71

Viver por algum período em abstinência absoluta de alimentos, pode provocar

sensações das mais diversas possíveis. Portanto, a fome promove alterações

comportamentais naqueles que a vivenciam. A fome é um fenômeno amplo que incorpora

dimensões relacionadas a diferentes necessidades históricas, culturais e psicológicas, que

exercem influência direta e indireta no ambiente familiar (Negreiros, 2003). Para Castro

(1961, p. 87) “[...] as crianças já nascem corroídas pela fome dos pais e se desenvolvem mal

pelo uso de uma alimentação extremamente inadequada”. O autor relata ainda que a fome

transmite não só uma herança de carência biológica, mas também uma funesta inferioridade

social, que permanece ao longo das gerações de maneira latente.

O contexto da situação de fome do município de Guaribas – PI fez com que os

espaços familiares lidassem com adaptações de rotina diária, no que diz respeito aos horários

de trabalho na agricultura – tanto iniciar as atividades mais cedo, como passar mais tempo no

ofício –; assim como quanto ao racionamento da comida, da água, com a finalidade distribuí-

lo de forma igual entre os filhos.

Ah meu amigo, no tempo que era difícil, o cara pulava, tinha que caçar jeito de viver porque senão tava ruim... olha, aqui nem água aqui num tinha. Tinha um “ôi” d'água mas quando a gente ia 2 horas da manhã, já não achava, ia chegar era 2h da tarde do outro dia pra poder amparar a situação da água mesmo. Eu ia pra roça quando chegava não tinha água pra beber, hoje é tudo mais fácil por causa do governo.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

Comer antes a pessoa tinha que labutar muito na roça, no meio do mato, e em casa pra racionar a comida e dividir melhor pra render pros fí poder comer, nem que seja um poquim por dia. Pra viver se inventava de um tudo pra comer, comia coisa que nem gosto tinha, e nos dias de hoje, tem gente aí que nem vai procurar nada, fica dentro de casa esperando o dinheiro da bolsa chegar ou vai nas casa dos patrão (homens mais abastados da cidade) pedir uma ajuda pra comer.Tem agricultor aí que desde que ganhou bolsa num planta mais.

(Seu Carne assada – 58 anos)

As dificuldades apresentadas em décadas atrás em Guaribas – PI quanto à

aquisição de alimentos eram bem maiores. Muito embora suas estratégias alimentares atuais

para enfrentar a situação de fome, são permeadas pela falta de perspectiva ou de condições

objetivas de ter outra prática. Por vezes alguns munícipes chegam a abandonar determinadas

práticas agrícolas devido aos benefícios que acabam recebendo por parte de órgãos

governamentais. E estes, por sua vez, visam erradicar a problemática da fome e da miséria

presentes em Guaribas – PI.

Por outro lado, a inserção de políticas públicas de caráter assistencialista,

Page 74: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

72

provocou as modificações de determinadas estratégias criadas pela população local de

mudanças dos hábitos alimentares e de produção agrícola para lidar com a situação de fome.

Com isso, tornou-se presente a pouca perspectiva de condições objetivas para desenvolver

outras práticas sociais de grande parte da população quanto à produção agrícola para a

comercialização, assim como para o próprio consumo familiar.

Vou lhe dizer, o mais difícil é que a gente lutava muito pra buscar essa água né. Voltava pra roça, mas se fosse uma pessoa que tivesse 2 pessoas em casa ia sofrer pra trazer aquelas coisa, um ia busca água e a outra ia pra roça e quando chegava as vezes ainda tava sem almoçar porque não tinha uma água. Tudo era difícil. Eu fui criado aqui vendo todo sofrimento... ficava queto. Não pudia fazer nada. Ia pra roça trabalhar, pra Deus ajudar pra gente num ficar se batendo na dificuldade. Quando a fome vinha nois pegava até as macambira, a batata dela, relava e fazia o beiju. A batata da macambira, cavava ela, relava, como rela a mandioca, passava ela no pano, se tinha a mandioca tudo bem, se num tinha comia ela... Botava pra torcer, deixava ela secar e comia o beiju dela. E às veiz quando num tinha nada comia a Batata de embu... pegava arrancava ela também do chão, com um enxadeco ou um enxada, lavava bem lavadinha, relava, tudo que dava era comida... misturava com pirão ou relava, fazia o mingau dela só com o sal. Aqui tudo era difícil!

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

“As fomes assolam o passado e o presente da humanidade” (Carneiro, 2003, p.

23). Isso pode trazer possíveis danos àqueles que vivenciam este fato. “De inicio, a fome

provoca uma excitação e violenta exaltação dos sentidos, mas logo a seguir vem a fase de

apatia, de tremenda depressão, de náuseas e de dificuldade de qualquer forma de concentração

mental” (Castro, 1961, p. 143). Portanto, uma vivência que causa todas essas alterações na

conduta do indivíduo implicará, possivelmente, em prejuízos na dinâmica dos papéis

familiares centrais.

De forma similar Montanari (2003) comenta que muito mais normal do que

morrer de fome, fato este que ocorre em casos extremos e prolongados de inédia (abstinência

total de alimentos) é conviver com a fome, suportá-la, aparelhar-se para combatê-la dia após

dia (p. 16).

Os munícipes de Guaribas - PI, dentre algumas formas de enfrentamento da

situação de fome postuladas pelo referido autor, apresentaram-se resistentes em suportá-la,

procurando beber mais água quando não se tinha alimento, tentar se distrair com alguma

atividade (ir para a roça, andar pela cidade), ou até mesmo ficar estático, em repouso físico.

De manhã, quando tinha comida comia, quando num tinha num comia. E era levando a vida assim mesmo. Tem que tocar em frente, tinha que era mesmo só encher o bucho d’água, era difícil mesmo comer de manhã por aqui! No almoço era, quando aparecia carne era uma carne do cabrito, era um porco. Às véiz era

Page 75: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

73

pra escolher, almoçava ou jantava, num tinha o que fazer.

Quando faltava, quando era difícil ficava quieto, ia fazer o que? Até quando aparecia de um dia pro outro... Ia pro mato, andava no mato mesmo, aí se num arrumasse num comia... ficava quieto, as vezes ia andar, ia pra roça, se divertir.... ficava parado. Sem fazer nada.

(Seu Carne com tomate bem vermelho, alface, arroz e feijão – 69 anos)

A despeito da falta de unanimidade das classificações alimentares e da ética de

uso elas respondem às finalidades de definição social da área do comestível e da comida e

estabelecem bases para os princípios de acesso, modificações e uso de alimentos. Estas bases

partem de crenças e convicções sobre as relações de troca entre o homem e a natureza,

traduzindo partes de uma visão de mundo que incorpora efeitos sobre o equilíbrio do sujeito à

medida que o homem incorpora parte da natureza para comer, e sobre o habitat, enquanto o

homem transforma e destrói a natureza para comer (CANESQUI, 1988).

Sabemos que algumas estratégias alimentares de enfrentamento da fome

são estabelecidas pelos agrupamentos sociais. Afinal a fome não pode ser concebida como um

fenômeno meramente biológico, conforme sucedeu por décadas. Disto discorda Castro (1946,

p.16) quando afirma que “a fome não é somente um grave problema biológico, é

fundamentalmente um sério problema político, econômico e social. É a expressão biológica

de uma doença racial. É fruto de conjunturas econômicas defeituosas”.

Por conseguinte, coube ao homem lidar de frente com a problemática da fome em

luta da sobrevivência. Montanari (2003) aduz que existem formas distintas de enfrentamento

desta dificuldade, nas quais seguem repertórios de comportamentos indicados pela identidade

cultural de cada grupo social. Ou, em outras palavras, o habitus, entendido como sistema de

disposições duráveis estruturadas de acordo com o meio social dos sujeitos e que seriam

predispostas a funcionar como estruturas que agem como princípio gerador e estruturador das

práticas e das representações.

Esta categoria de análise não corresponderia, no entanto, segundo Bourdieu, a um

conjunto inflexível de regras de comportamento a ser indefinidamente seguidas pelo sujeito,

mas, diferentemente disso, constituiria um “princípio gerador duravelmente armado de

improvisações regradas” (Bourdieu, 1983a p.65). Não só a forma de procurar alimentos, mas

que tipo de “novos alimentos” não convencionais segue esta lógica escolha/ seleção,

sobretudo construída no decorrer dos grupos sociais de origem.

Sim, me lembro de meu velho pai que era baiano. Viveu muito tempo aqui e morreu aqui. Falou de muito tempo numa seca que teve em 32 que disse que pegava a

Page 76: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

74

Croata. Aquela fruta de mucunã, botava de molho pisava que deu até pra inchar, pra lá pra Bahia, agora aqui nós num conhecemo isso. No meu tempo não. Ele arrancava aquela batata de croatá que dá um pó. Aí botava pra secar e batia, que saia aquele pozinho que nem o polvilho mesmo. Batia, dali, lavava, botava pra secar e fazia o beiju pra comer. A fruta da mucunã, num sei se você conhece. Botava ela de molho, inchava, depois botava de molho na água e disse que quebrava. O que ele contava. Quebrava, tirava aquela casca dura, e outra ia pro pilão. Lavava em nove água, mas pra comer o beiju dava inchar. Lavava em nove água, ia lavando e despejando... porque era muito forte e entrava vento. O que fazia dizendo eles que fazia era o beiju e comia... moía no pilão bem moidinha e ia lavar e aquilo ali tirava aquela água que saia muito forte do cravo e jogava fora, lavava nove vez, aí deixava sentado, depois que sentava, pelo final, quem nem é depois que lava num espreme?! Torce e num deixa a tapioca sentar embaixo?! Aí escorria aquela água agora ali, e botava pra torcer num beiju num pano e fazer o beiju e comer. Tinha também aqueles que pegava aquela batata e relava no ralo e comia e tinha um leite, eles botava, misturava no leite pra poder comer, batata do embu. Aliás ele é muito doce mesmo. Era tudo enfrentamento pra poder escapar, isso nóis fizemos por muitos anos!

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

Durante décadas uma das estratégias alimentares de enfrentamento da fome por

parte dos indivíduos do município de Guaribas – PI, foi justamente de procurar alimentos

alternativos, isto é, alimentos que não faziam parte dos hábitos alimentares da comunidade,

como a macunã – tipo de semente de onde se extrai uma massa, comumente consumida por

caprinos – e a batata de umbuzeiro, que passaram a serem preparadas a fim de atenuar a fome,

diante da escassez de outros gêneros alimentícios.

A diferença é grande. Tem uma coisa que eu me esqueci, chegou um ponto de eu ver pessoas entra nos gerais e caçar resina de trapucá pra vender pra arrumar um tostão e furar aquela manisoba. pra vender, e dava dinheiro e a resina também. Tudo aqui eu conheci, eu mesmo num fui, mas conheci. Era meio de viver, porque num tinha outro não, porque a pessoa era fraco demais, apelava pra isso... ainda conheci casinha de terra, em pé de monte assim que nós chamamo urundu, pro camarada passar o inverno caçando resina, pra dormir ali dentro na mata. E se a fome apertar agora hoje em dia tá brabo mesmo, hoje tem muito o que caçar mais o povo tem medo, o Ibama pega.

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Assim sendo, diversificar, como discute Montanari (2003), talvez seja a palavra-

chave para compreender os mecanismos de localização e produção de alimento. Esta foi a

atividade mais substancial utilizada pelas diferentes civilizações no decorrer dos séculos para

lidar com a escassez de alimentos.

A prosperidade nos leva a esquecer o quanto a fome pode ser impositiva, mas

mesmo nesses períodos os hábitos alimentares continuam sendo veículos de profunda

Page 77: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

75

emoção. Como aponta Mintz (2001), nossas atitudes em relação à comida são normalmente

aprendidas cedo, e são, em geral, inculcadas por adultos afetivamente poderosos, o que

confere ao nosso comportamento um poder sentimental duradouro.

Mais especificamente, é na família – e mais tarde na escola – que as relações de

poder são fomentadas e aperfeiçoadas, através da inculcação de conteúdos potencialmente

alienadores por meio de uma imposição autoritária e arbitrária resultante das camadas

dominantes da sociedade. As concepções ideológicas difundidas orientam toda sorte de

condutas cujos objetivos residem na concretização de idéias que regulam o comportamento

desprovido de consciência crítica e por isso, estagnado dos sujeitos, no que confere à

iniciativa de mudança. Estas concepções reproduzem, dentre outras “verdades” a idéia

universalizada e naturalizada de transformação social e do próprio sujeito, desconsiderando o

caráter histórico contido nas dinâmicas sociais manifestas na atualidade. Assim, disseminam-

se idéias que cristalizam as visões de família, escola, sociedade e a educação que delas

advém.

2.1.8 Tempo de preparo: 1 hora e 10 minutos

Quanto tempo é necessário para preparar um almoço? Quantas são as pessoas

envolvidas na preparação dos alimentos, homens, mulheres e crianças estão envolvidas?

Essas variáveis antropológicas e sociais interferem de forma substancial nos significados e

representações reunidas em meio ao consumo alimentar. E destacam, com isso, as

características idiossincráticas dos moradores de Guaribas – PI, tornando-os, possivelmente

semelhantes a outros povos, mas, sobretudo, torna-os distintos e únicos.

As pesquisas sobre as práticas alimentares mostram a família trabalhadora

enquanto lócus da organização do consumo, enfocando-a primeiramente enquanto unidade de

rendimentos. Assim sendo, seus membros compartilham um orçamento doméstico comum,

composto de somatória de salários e rendimentos, oriundos de inserções diferenciais no

mercado de trabalho e de subordinação, também, diferente às relações capitalistas de

produção, que se combinam com relações não capitalistas. O padrão de consumo alimentar

depende e varia conforme modos de inserção no mercado de trabalho, as oportunidades de

rendimentos, associando-se a certas características do grupo familiar (forma de organização,

número de membros aptos ou não para o trabalho, idade dos membros e etapa do ciclo da

Page 78: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

76

vida) e eventualmente de fontes adicionais de renda (CANESQUI, 1988).

As famílias guaribenses em relação à estrutura de ocupação e níveis de

rendimento apresentam uma caracterização bastante específica, conforme relatórios realizados

pela Fundação CEPRO (2005). Neste sentido é importante que se esclareça que foram

somados além dos salários e outros rendimentos facilmente declarados mensalmente,

elementos relacionados à produção agrícola, pecuária e/ou de exploração de pequenos

negócios. Em relação aos dados finais apresentados, chama a atenção a proporção de 86% das

famílias, que de uma forma ou outra afirmaram dispor de alguma renda associada à atividade

rural. O grupo de famílias que no município vive exclusivamente da atividade rural

apresentara a menor média de rendimento. De uma outra forma, cita-se como mais elevada a

média de rendimentos dos empregados no setor público (CEPRO, 2005).

As relações entre as vivências presentes na atualidade quanto às dimensões de

emprego e renda, propicia a percepção de como as experiências passadas contribuíram, de

certo modo, para a reunião das conjunturas sociais do momento presente.

Eu trabaiava o dia todo, desde muito novo na labuta... mas quem cozinhava mesmo era minha mãe, minhas irmã.

(Seu Carne assada – 58 anos)

A mamãe tinha a roça, arrancava mandioca, ligeiramente, as vezes a gente ia pro mato, matava um tatu comia. Matava a caça do mato quando chegava a mamãe tava “troçendo” a massa e outros torrando pra comer aquela coisa grosseira, e a gente comia a bicha doce, as vezes a gente embebedava. Até quando aqui passou a cidade e graças a Deus. Enquanto num arrumasse água num voltava não. Num ia morrer de sede mais os filho. E hoje graças a Deus tá tudo aí na torneira. Os homi ficava caçando coisa e nóis muié também, ia pra roça, ia caçar de espingarda, ia caçar coisa pra alimentar a vida e qualquer coisa o cabra fazia. Comparando num tem comparação, hoje aqui pra nós só é riqueza. Em vista do que nós viva aqui num tem pobre na Guaribas, hoje nóis come!

(Dona Frango com macarrão e tomate, com um feijãozinho do lado – 66 anos)

A gerência e o controle da alimentação do grupo familiar são atribuições

femininas. As pesquisas mostram a divisão dos papéis sexuais na organização e realização do

consumo alimentar familiar pela segregação entre os sexos na gerência dos gastos e no

preparo de alimentação e pela complementação e divisão de responsabilidades entre seus

membros, no caso das compras alimentares.

Além disto, o trabalho feminino no preparo da alimentação rege-se por regras: de

economia e controle, morais, estéticas e de higiene, permeando o próprio trabalho doméstico

Page 79: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

77

referido à cozinha, ao uso dos equipamentos domésticos, aos cuidados com os alimentos e à

casa e à alimentação da família. Comporta ainda aquele trabalho o dispêndio de tempo, uma

organização específica, capacitação e treinamento. Este se obtém mediante um processo de

socialização no âmbito da família, resultando na produção e reprodução de atuais e futuras

donas-de-casa, incorporando-se regras e concepções que presidem o trabalho doméstico e o

próprio consumo (CANESQUI, 1988).

Conforme essa caracterização do preparo da alimentação em Guaribas - PI,

percebeu-se que com a falta de alguns gêneros alimentícios, deixando a sua produção pouca

rica proteicamente, ou mesmo o alimento não ter ficado no ponto ideal para o seu consumo,

eram, dessa maneira, consumidos pelos munícipes. Destaca-se ainda, que as dificuldades em

adquirir a água, na qual era necessário percorrer quilômetros para encontrá-la, mesmo em

poucas quantidades, racionalizando-a para o melhor aproveitamento.

Ela de vez em quando tinha na casa, ela ralava aquele milho, fazia aquele mingau pra nós todo comer, porque num tinha outra coisa. Era muito o povo lá em casa naquele tempo e até hoje ainda é, se eu for contar, era uma base de uns 11, era muita gente. E nós comia era só do que plantava... era o milho, a fava, a mandioca, era a cana, tinha algum leitãozinho também, aquilo ali, a gente botava dentro de uma fava e ia comer ela. Huuum! Fava com carne de porco... Num era ruim não, pro cara comer o cara com fome comia tudo. E eu passava um tempo fora comprando as coisa pra alimentar os outro e ganhar um tostão pra poder chegar em casa e dar pro véio mais a véia comer e os outros irmão. Aqui muitas véiz, colocava as comida no fogo num deixava cozinhar bem cozinhada não, comia era logo. Quando era uma coisa diferente, batata de umbu, batata de muncubira, relava também. Outras vez que num dava pra relar cozinhava ela e comia aqueles pedaços... chegava até dia que comia cru, a gente quando pegava a planta, comia as duas cabeças e trazia o resto pros outros comer em casa.

(Seu Feijão com arroz – 72 anos)

O mais difícil, pra comer sempre nós tinha alimentação, agora difícil era água. Um tanto de gente desse aqui, isso aí era difícil. A gente tinha quando era pra desmanchar a mandioca, tinha não ainda tem, tem os motor tem tudo só que eu parei, tem umas barreira aqui nuns terreno no nosso cercado que tem muita água ainda, pra nós a dificuldade, não tinha dificuldade enquanto tava farinhando e quando secava nós tinha propriedade que chamava lagoa da bosta, água nós ia pegar lá, uma distância de 2km. Era tudo nesse jegue. Era sofrimento muito. Agora pra beber aqui era duro, era um chorero, você pegava de pouquinho em pouquinho, quando uma pessoa pegava por exemplo 20 litros, tinha que dar pra outra, o outro ficar esperando noite e o dia, noite e o dia, todo mundo passou por isso aí aqui.

(Seu Feijão com torresmo – 81 anos)

Mostra-se acima a importância feminina no preparo alimentar, área em que se

Page 80: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

78

exercitavam as mulheres desde a infância, no uso dos procedimentos culinários, basicamente

o cozido e o frito, juntamente com o emprego de temperos, extraídos da flora local (Canesqui,

1988).

Outro aspecto relevante a ser destacado, corresponde às transformações no modo

de produção da agricultura e o gasto energético dos trabalhadores e dos seus dependentes (não

produtivos). Mostrou, entre os assalariados agrícolas a insuficiência dos salários auferidos na

manutenção de uma dieta que pudesse preencher o dispêndio dos gastos energéticos no tipo

de trabalho manual desenvolvido. Tal insuficiência tinha impacto sobre a distribuição

alimentar a família de modo a restar os filhos daqueles trabalhadores uma dieta de qualidade e

quantidade inferiores em relação à consumida pelos chefes das unidades familiares. Isto

resultava em baixos níveis de crescimento e de desenvolvimento para os filhos daqueles

trabalhadores, não atingindo os recomendados pela ciência nutricional. Este estudo introduziu

a importância da família no consumo alimentar, agregando uma preocupação antropológica.

Segundo Woortmann (1980), a família nuclear organiza-se em torno de dois

papéis centrais, ao mesmo tempo categorias ideológicas: o “pai de família” e a “dona-de-

casa”. Tais categorias correspondem evidentemente, ao marido-pai e à esposa-mãe, mas

significam mais que do que apenas isso: ao expressar papéis interdependentes, expressam,

também, como se desenvolverão as relações interpessoais no ambiente familiar. Somente

poderá haver um pai de família se houver uma dona-de-casa (ou mãe de família), e vice-versa.

Pai de família significa mais que um “genitor”; significa “pater”, segundo a clássica distinção

antropológica; significa responsabilidade, respeitabilidade, ser “um homem sério”.

Em resumo, significa ser um homem no pleno sentido da palavra, como uma

categoria cultural. Esse pai de família provê a casa com os meios necessários à reprodução da

família, através da venda de sua força de trabalho, enquanto que a dona-de-casa é aquela que

preside sobre o seu consumo; que toma decisões segundo padrões de economia (doméstica),

seguindo certas regras, de forma a subordinar as necessidades individuais às necessidades

coletivas da família. A organização do grupo doméstico atribui à esposa-mãe o controle sobre

a produção dos valores de uso essenciais à reprodução dos seus membros, e é esse controle

que define a própria essência de ser dona de casa. Diante destas competências destinadas à

mãe e ao pai de família, como de controladora de consumo e de provedor de renda,

respectivamente, estão intimamente articulados à ideologia da família. No entanto, se é

vivenciado por parte desta família o fenômeno da fome, isto causa uma redefinição desses

papéis. Kaloustian (1998) afirma que a ausência de uma renda familiar adequada para a

Page 81: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

79

alimentação desses membros familiares, fará com que o papel de provedor por parte do chefe

de família (o pai) seja dificultado, gerando frustração neste, e remetendo a um conflito pessoal

de sua auto-imagem. Isto implica diretamente na execução do papel da mãe como articuladora

do lar (dona-de-casa), que também não terá seu papel frente à instituição familiar facilmente

executado. Ou seja, possivelmente terá que tomar posturas complementares à do provedor,

atentando-se também à aquisição de recursos alimentares.

2.2 Comer e não comer. A segurança alimentar em Guaribas, alguém determina?

Em meio a essa sucessão de idéias, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o

PNAE, emerge como uma política educacional de fomento à segurança alimentar. Possuidor,

logo, de potencialidades de desenvolvimento social nas instâncias locais, principalmente por

exercer atividade frente ao comportamento alimentar de escolares, e por tal, com uma força

multiplicadora. A partir disso, quais seriam as potencialidades do PNAE como elemento de

estímulo à agricultura familiar local e superação de fome/ garantia de segurança alimentar?

Como os cardápios da merenda das escolas de Guaribas são construídos? A identidade

cultural alimentar dos sujeitos envolvidos é considerada na elaboração do cardápio da

merenda? A produção agrícola local é integrada aos cardápios da merenda escolar? As metas

do capítulo seguinte agregam as interfaces que partem destes questionamentos, todavia

argumentra-se-á acerca das operacionalizações do PNAE no estado do Piauí e no município

de Guaribas, sobretudo estabelecendo confronto com a expressão alimentar dos grupos sociais

em estudo.

CAP. 3 – O SABOROSO E O INSÍPIDO NA ESCOLA: DISCUTINDO OS TEMPEROS DO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

“Seu dotô, os nordestino têm muita gratidão pelo auxílio dos sulistas

nesta seca do sertão. Mas doutô uma esmola ao homem que é

são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Patativa do Assaré (1980)

Percebida por muito tempo como um mero instrumento de reprodução social, a

escola atualmente é vista como um fator crucial na luta contra as desigualdades sociais. Ela

Page 82: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

80

requer ser compreendida justamente a partir da sua inserção histórica e do papel social que

exerce nos contextos específicos em que se faz presente (MARTINEZ, 2005).

Nessa condição, o papel da escola e da educação é fundamental: ser um espaço de

formação para a cidadania. É evidente que uma escola que busque desempenhar esse papel

desenvolve ritos e práticas, no seu cotidiano, que vão além do processo de ensino-

aprendizagem de conteúdos reservados a cada nível e modalidade de ensino (FERREIRA,

2006 citado por AGUIAR, 2006).

Contudo, na atualidade, são nítidas as dificuldades da escola e da família no

processo de reconfiguração e complementação de suas atividades em prol da manutenção dos

valores culturais e da melhoria da qualidade de vida das futuras gerações. Entretanto, ao

transportá-las para uma localidade que apresenta a situação de fome como uma constante ao

longo das gerações, põe em risco as funções sociais dessas instituições, como apresentam

Castro (1960); Negreiros et al (2003); Valente (2002). Os prejuízos trazidos pela fome são de

ordem bio-psico-social, alterando notoriamente o indivíduo e a instituição familiar. E estes,

frutos de uma construção sócio-histórica-cultural, transmitem ao longo das futuras gerações,

uma herança funesta de carência biológica e inferioridade social.

Ao se discutir variáveis como crianças advindas de ambientes familiares

desconfigurados pela situação de fome (CASTRO, 1961; KALOUSTIAN, 1998;

NEGREIROS, 2003) que são submetidas a educadores que também passaram pela mesma

realidade, acredita-se que a atividade educacional seja prejudicada, podendo auxiliar nesse

processo de manutenção do legado nocivo da fome.

Essa situação pode ser melhor compreendida, se tomarmos como referência o que

defende Vygotsky (2000) quanto ao processo de desenvolvimento. O referido autor explica

que este ocorre por meio da interação social, e que as funções psicológicas elementares

encontradas nos bebês darão subsídios para o surgimento de processos mentais superiores.

Portanto, processos interativos afetados por um contexto social nocivo, conflituoso,

influenciarão significativamente nas interações desses indivíduos envolvidos, promovendo

situações que retroalimentarão essa realidade.

Diante disso, Contini (2000, p. 46) descreve que a educação deve ser vista “[...]

enquanto um bem cultural fundamental para a construção da cidadania das crianças e jovens

brasileiros, entendida como um projeto de saúde.” A autora ainda faz referência à concepção

de saúde que é ampliada para além dos limites de doença e está ligada aos vários aspectos que

estão presentes na vida do homem, como moradia, lazer, educação, trabalho etc. Sendo, com

Page 83: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

81

isso, o equilíbrio desses componentes da vida diária que irá formar o grande mosaico da saúde

humana.

A idéia acima apresentada é complementada ainda por Hunt e Mckenna (1993)

que apontam a definição de saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e

social, e não apenas a ausência de doença. Inúmeros estudos mostraram que o bem-estar

subjetivo do indivíduo é o maior determinante para a sua decisão de buscar formas

alternativas de enfrentar as dificuldades de seu cotidiano

A instituição escolar, portanto, como explica Martinez (1996 apud CONTINI,

2000) é um espaço vital para a promoção de saúde e desenvolvimento social. A autora destaca

que essa promoção é uma função do conjunto da sociedade e das suas instituições. A saúde

possui íntima relação com o processo educativo, e “[...] a partir dessa concepção podemos

analisar o papel da escola, como uma das instituições básicas da sociedade, no processo de

desenvolvimento da saúde.” (p. 47). Portanto é bastante significativa e adequada a tentativa

deste estudo, que é de analisar uma política pública de segurança alimentar que acontece no

ambiente escolar, como é o caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Neste terceiro capítulo, discute-se acerca das práticas alimentares indicadas por

meio das diretrizes e leis do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE junto ao

município de Guaribas – PI. Mais especificamente mapeamos o universo da produção agrícola

familiar do município, identificando os alimentos que podem integrar os cardápios da

merenda escolar; em seguida identificamos formas de utilização do PNAE – como política

educacional – como um potencial elemento de estímulo à agricultura familiar local e

superação de fome/ garantia de segurança alimentar.

Utilizou-se as designações: data de fabricação; composição química;

embalagem; preservar em local arejado; e prazo de validade; que ilustram características

de um produto alimentício ofertado em um supermercado ou qualquer espaço onde a

alimentação pode ser comercializada.

As categorias de análise despontaram a partir dos discursos de membros da equipe

do Conselho de Alimentação Escolar da Secretaria Estadual de Educação do Piauí

(SEDUC/PI) – coordenadora e nutricionista; Nutricionista responsável pela compra da

merenda escolar no município de Guaribas; Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

da cidade, representantes da Secretaria Municipal de Agricultura; Técnicos do Serviço de

Aprendizagem Rural (SENAR) – agrônomo e médico veterinário; Presidente do Conselho de

Segurança Alimentar (CONSEA/PI); e pais de alunos das escolas públicas do município de

Page 84: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

82

Guaribas – PI, cuja principal renda é a agricultura familiar.

3.1 A data de fabricação

Construir um produto em grande escala implica atribuir significativa atenção a

dados operacionais para o consumo deste. A data de fabricação corresponde, portanto, ao

marco de término de preparo de um produto, sugerindo-o como pleno e completo para o uso,

conforme as suas indicações e adequações ao público para o qual se destina. Esta analogia,

aqui, elucida eixos de análise para determinadas instâncias ligadas ao funcionamento e

caracterização do programa de merenda escolar; tipos de relações e estudos

desenvolvidos entre as instâncias estaduais e municipais envolvidas no processo de

seleção e fornecimento dos gêneros alimentícios, sobretudo seguindo designações do

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

As relações humanas em todos os âmbitos (política, economia, educação,

sociedade) sofreram grandes mudanças no decorrer das últimas décadas. Do mesmo modo,

ocorreram mudanças significativas em relação às políticas públicas que visaram à segurança

alimentar no Brasil. Como o foco deste estudo é o PNAE, faz-se necessária uma breve

apresentação do itinerário da merenda escolar no Brasil.

De acordo com Bezerra (2003, p. 449), para resolver o problema da fome, a partir

dos anos de 1930,

os estudiosos da alimentação, os nutrólogos, sugeriam o desenvolvimento de cruzadas, campanhas, associações de combate à fome e de educação alimentar e o desenvolvimento de políticas de alimentação e nutrição orientadas pelo objetivo de ensinar o povo brasileiro a comer.

O autor afirma que a evolução dessa política se caracteriza por conter três fases

distintas: a internacional (1955-1973), a nacional centralizada (1973-1993) e a nacional

descentralizada (de 1993 aos dias atuais).

Bezerra (2003) aponta que, a partir de 1993, na terceira fase, portanto, começou o

processo de descentralização do PNAE. No primeiro semestre desse ano, o convênio foi

realizado com aqueles municípios com mais de 50 mil habitantes. Em 1994, foi possível a

adesão dos demais municípios do país. Na atualidade, todos os municípios estão conveniados,

direta ou indiretamente com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),

órgão do Ministério da Educação responsável pelo repasse de recursos para escolas,

Page 85: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

83

municípios e estados.

Há três tipos de descentralização do PNAE: a estadualização, a municipalização e

escolarização. No primeiro, o FNDE repassa os recursos para as secretarias estaduais de

educação, que adquirem os gêneros alimentícios e os distribuem para as escolas pertencentes

à rede estadual. A segunda modalidade pode se desdobrar em duas práticas: o município pode

gerir a merenda somente na sua própria rede de ensino ou, mediante convênio com o estado,

atender às escolas pertencentes à rede estadual de ensino que se localizem na sua área de

jurisdição. Por fim, a merenda escolar pode ser escolarizada, isto é, as escolas tanto

municipais quanto estaduais recebem os recursos financeiros diretamente do FNDE, compram

e preparam sua própria merenda (Bezerra, 2003).

A lei nº 8.913, de julho de 1994, que regulamentou a descentralização da

merenda, apesar de algumas alterações, que aconteceram entre 1994 e 2001, relacionadas à

operacionalização, incumbência de responsabilidades e recriação de controle e fiscalização do

Programa, determina os seguintes objetivos da merenda escolar:

[...] suprir parcialmente as necessidades nutricionais dos alunos beneficiados do PNAE, adequação dos cardápios aos hábitos alimentares regionais; melhorar a capacidade de aprendizagem dos alunos; formar bons hábitos alimentares – educação alimentar; pontualidade no fornecimento da merenda; economia com transportes de gêneros alimentícios e revitalização da economia dos municípios, sobretudo os de pequeno e médio porte (MEC/FAE, 1993, p. 6-10) (MEC/FNDE, 1998, p. 4).

Vale destacar que existem aspectos da Política Nacional de Alimentação Escolar –

PNAE relacionadas às questões operacionais de gestão e caracterização específicas do manejo

de suas diretrizes em cada localidade. Estas alterações/ adaptações possivelmente ocorram no

estado do Piauí.

Percebe-se que apesar das diversas articulações existentes entre o estado e o

município de Guaribas, ainda são presentes empecilhos como dificuldades em fiscalizar os

manejos da merenda escolar e verificar os aspectos logísticos, até a chegada às escolas

municipais da cidade em estudo. Destarte, constata-se que os Conselhos de Alimentação

Escolar (CAE) fazem parcerias com técnicos voluntários, tanto no âmbito estadual como no

municipal. Fato este que conforme relato dos técnicos do CAE, gera empecilhos quanto à

fiscalização e aprimoramentos de futuras ações.

O Plano de Alimentação é muito importante, e ele faz com que se tente desenvolver no nosso estado, no Brasil como um todo, uma segurança alimentar, apesar de sabermos que essa Segurança Alimentar ainda é muito precária. Nós sabemos que

Page 86: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

84

ocorrem vários problemas até essa merenda chegar à boca do aluno. Esses problemas, pouco a pouco, nós sabemos com a fiscalização, com os Conselhos Escolares, eles vem sendo minimizados, mas ainda ocorrem.

Sra. Baião de Dois com bastante Queijo, Nutricionista Membro do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Tem os órgãos, os parceiros que nos ajudam, a fazer realmente essa fiscalização pra ver se essa coisa tá acontecendo ou não tá . Alem do próprio Conselho Escolar, que é dentro da Secretaria e cada escola tem seu Conselho, e a gente tenta revitalizá-los pra que esse Conselho atue realmente. Nós temos o CAE (Conselho de Alimentação Escolar) com os supervisores também municipais, que tá lá em cima, que em cada município é obrigado a ter seu Conselho de Alimentação Escolar, inclusive agora a gente vai ter uma capacitação, do CAE. Essa capacitação quem oferece é FNDE, daí a gente fica na parte de logística, de operacionalização, de ver inscrição, ver local, tudo isso. Esses parceiros são parceiros que a gente não sabe até que ponto a gente pode tá cobrando. Digamos assim, “ele tá fazendo o serviço no CAE? Será se tá ?”, porque todo CAE, todo conselho, você sabe que são voluntariados, essas pessoas vão como voluntário e as vezes essa pessoa acontece um empecilho, uma coisa e tudo dá errado.

A gente tenta, o Estado como um todo, dar algum suporte. Nosso CAE aqui tem uma sala próximo da gente, a gente botou um computador, tenta dar um suporte de vale-transporte pra essa pessoa vir pra cá, mas mesmo ainda é muito precário. A gente tenta fazer essa articulação, essa fiscalização, esse acompanhamento, junto com os Conselhos, com a própria supervisão. Em cada município tem um supervisor nosso, estadual, a gente pede pra tá vendo. Aqui na unidade, na gestão, a gente tem um chek-list, que a gente faz pelo menos duas vezes, a gente desce nas GRE’s (Gerência Regional de educação), que faz realmente o diagnóstico da escola, de todos os programas, não só da merenda, como do livro, de todos os programas, PNDE, a gente faz o levantamento da escola como um todo, de como é que a escola está funcionando. A gente faz essa diagnostico pelo menos duas vezes por ano, mas ainda é muito pouco pra gente tá acompanhando isso aí, todas essas 800 e tantas escolas. Os parceiros são esses. E nessa capacitação do CAE, eles trabalham muito a alimentação, como são as resoluções, como é que se dá esse armazenamento, a Segurança Alimentar (o CONSEA/PI) também é convidada, eles participam, fazem toda essa articulação, esse treinamento, as oficinas e tudo. Aí eles fazem um treinamento com todo o público.

Sra. Pirão de Galinha Caipira, Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

O PNAE, com suas respectivas ações na política de Segurança Alimentar e

Nutricional (SAN), inter-relaciona com o Programa Fome Zero, dentro das políticas

específicas. É gerenciado diretamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

(FNDE) do Ministério da Educação (MEC), que repassa recursos por 200 dias letivos. O valor

atual é de 0, 18 centavos para todos os seguimentos – creches, pré-escolas, escolas

filantrópicas e ensino fundamental.

O terceiro princípio do PNAE refere-se à continuidade de ações, e, então, os

recursos são repassados para cada 20 dias, como estratégia para evitar distorções na utilização

das verbas ou perda, desperdício e/ou compras inadequadas. Outro princípio é a

Page 87: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

85

descentralização, uma vez que de posse dos recursos, compete aos estados e municípios

efetivarem as aquisições, com a vantagem de possibilitar o escoamento dos produtos

regionais. E mais, o processo de descentralização favorece a adaptação dos cardápios à

realidade cultural do público escolar, além de possibilitar ampliar o consumo de frutas,

verduras e legumes frescos em lugar de produtos industrializados, concorrendo, assim, para a

promoção à saúde, que consiste essencialmente, no cumprimento do Art. 208, inciso IV e VI

da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Nesse processo, a distribuição da merenda escolar no município de Guaribas – PI

engloba ações desenvolvidas entre as instâncias estaduais e municipais envolvidas no

processo de seleção e fornecimento dos gêneros alimentícios, ou seja, em termos logísticos,

pode sofrer alterações conforme as dificuldades do contexto sócio-econômico e cultural, ou

por trâmites trabalhosos entre estado e município.

Em relação de como é que se dá a distribuição dessa merenda: eu mesmo faço a compra da merenda em São Raimundo Nonato (cidade localizada a 147 km de Guaribas), de todos os gêneros, eu faço a compra por mês. Então é uma compra muito grande, eu compro todo recurso que vem. Agora eu sempre ultrapasso às vezes uma certa quantia, aí eu comunico pro tesoureiro: “olha, eu passei tantos mil”. Porque não tem como a gente usar só aquilo ali. A partir daí eu faço a distribuição por aluno através de per capita, eu coloco lá um per capita X pra cada criança em relação, eu já tenho um per capita fixo pra carboidrato, pra proteína e de lipídio. Aí todo mês eu faço esse tipo de distribuição, cada escola por exemplo: as escolas são muito descentralizadas, existe escola que tem 10 alunos, outra escola tem 60 alunos, outra escola tem 200 alunos, então pra cada escola existe uma distribuição. São 18 escolas, todo mês são 18 distribuições que eu faço. Aí varia a quantidade. Então é o seguinte: pra mim não é passada essa limitação estadual e municipal, o que é passado são os nomes das escolas, com o nº de alunos, então eu tenho o número da escola, endereço e número de alunos. Ai eu tenho um programa em casa, coloco, jogo tudo isso aí, e já sai com um resultado. Em relação as per capita geralmente varia assim: de carboidrato a gente coloca 50 gramas, por exemplo o pacote de massa de milho é 500 gramas então aquilo ali seria pra 10 alunos e ela crua. De proteína o ideal seria pelo menos no mínimo 20 gramas, mas só que a gente não consegue. Se eu for jogar, por exemplo, 20 gramas de sardinha pra cada aluno no dia que eu for botar a preparação, é uma coisa surreal, não tem dinheiro pra comprar isso tudo, aí fica 12, 13. Agora você imagina o que é 12, 13 gramas de sardinha. É complicado, mas é assim a gente tem que ficar fazendo isso, o que eu faço às vezes é tentar fazer o seguinte: jogar a merenda pra distribuir o total de merenda que eu compro com o recurso pra 3 semanas, e na semana que eu sei que vai faltar, já fazer outra compra. Aí eu utilizo o recurso, como são mais repasses, é de março a dezembro, o mês março, quando já entra o final de fevereiro, aí já faço a 1ª compra, aí o mês de julho não tem aulas, aí o recurso já dá pra ir manejando. Ficar remanejando recurso pra tentar suprir isso.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

Tudo isto chama atenção para quão importante é a preparação dos cardápios.

Page 88: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

86

Idealmente, devem ser definidos por nutricionista, do mesmo modo apresentado em Guaribas

– PI. Pó outro lado, é preciso levar em conta a recomendação oficial para que 70% dos

recursos se destinem à aquisição de alimentos básicos, enquanto o 30% restantes podem ser

gastos com produtos que atendam, de forma saudável, à clientela alvo, dentro das

necessidades nutricionais mínimas. Destaque-se, ainda, que os cardápios devem preservar os

hábitos e as vocações agrícolas regionais, além de se submeterem ao teste de aceitabilidade.

3.2 COMPOSIÇÃO QUÍMICA: escolha de cardápios e aceitabilidade

A reunião de dois ou mais elementos para a formação de um novo produto, a qual

tem um significado único e autônomo, não raro dissociado das noções expressas pelos seus

componentes, caracteriza, justamente, um processo de composição. E este, corresponde,

senão, à característica central para a composição da merenda escolar. De outro modo, aos

aspectos operacionais da construção dos cardápios da merenda escolar.

Segundo Martins et al (2002), a análise do Programa de Merenda Escolar sob o

ponto de vista da Segurança Alimentar remete à dualidade de aspectos a serem enfocados:

quantitativo e qualitativo. O primeiro refere-se “[...] à disponibilidade dos alimentos para

atender ao cardápio pré-estabelecido [...]”, isto é, “[...] a garantia de que todas as crianças do

ensino fundamental e do pré-escolar receberão merenda adequada durante todos os dias

letivos do ano.” (MARTINS ET AL, 2002, p. 66-67).

Enquanto no aspecto qualitativo, a segurança refere-se à qualidade dos alimentos

que integrarão o cardápio, “[...] essa qualidade deverá ser vista de acordo com vários focos:

nutricional; sensorial; higiênico-sanitário; operacional e conceitual.” (MARTINS ET AL,

2002, p. 67). Vale destacar que o estudo aqui proposto apresenta-se na perspectiva de ampliar

a concepção qualitativa da merenda, nos aspectos relacionados à sua dimensão curricular/

pedagógica e instrumento de segurança alimentar e nutricional.

Como é possível observar, a lei apresentada anteriormente (lei nº 8.913, de julho

de 1994), assim como o ponto de vista de Segurança Alimentar, fornecem indicativos do

potencial que o Programa Nacional de Alimentação Escolar tem como promotor de saúde e

como agente de desenvolvimento social – no momento em que promove o fortalecimento da

agricultura local, fomenta novas formas de ação diante da realidade atual – tornando, por

meio dessas duas vias, um atenuante da situação de fome em comunidades que tem como

Page 89: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

87

principal fonte de renda a agricultura, como é o caso do município de Guaribas (IBGE, 2006).

Não obstante, para que os referidos princípios e potencialidades sejam

funcionalmente operacionalizados, são necessárias verificações sistemáticas acerca da

aceitabilidade da merenda escolar no estado do Piauí, em especial considerando a aceitação

dos alunos do município de Guaribas.

A gente coloca uma salada de fruta, por exemplo, não tem aceitabilidade. É a característica da aceitação no Piauí como um todo, claro. A gente tem isso aí porque se faz esse levantamento e a gente sabe disso, e nessas capacitações a gente escuta muitos depoimentos, é no Brasil, infelizmente, eles querem o grosso mesmo. Ainda é um atrativo desse aluno tá indo pra escola, é uma maneira de tá segurando esses alunos em muitos lugares, claro que não é geral, mas ele vai porque ele sabe que vai ter aquela merenda que em casa ele não tem aquela alimentação. E por isso que eles preferem o arroz, o feijão, a carne, mingau de milho, que é realmente mais substancial.

Sra. Pirão de Galinha Caipira, Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Como primeiro critério temos a aceitação do aluno. Apesar dessa fiscalização ou até mesmo essa inspeção ainda ser um pouco falha, o critério básico é se o aluno tiver uma boa aceitação. Se o aluno não gostar do gênero, tiramos do cardápio. Em segundo lugar, a questão do acesso do alimento em nossa região. Tivemos um problema com almôndegas no cardápio anterior [...] Se o gênero não tem fácil acesso no nosso Piauí, então ele também não é comprado, não é requisitado para compra, é basicamente e também a relação da questão financeira, porque só é liberado 22 centavos por aluno, por dia. Então isso também é levado em consideração, nós não podemos fazer compras de gêneros que sejam caros, que não tenham facilidade de aquisição por conta da questão financeira.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

E quanto ao produto federal, a gente vê as complicações, porque é um programa muito grande, depende de muitas pessoas, depende de muita articulação e sempre tem alguns lugares que a gente tem mais dificuldade. No caso dessa merenda centralizada, o problema maior é esse ai, porque entram na licitação, ganham e tudo, e na hora de entregar o produto, às vezes acontece como aconteceu, nem sempre, mas dessa vez a gente teve problema tanto na merenda do EJA, como na merenda das filantrópicas, agora que a gente tá entregando, que a gente faz o cardápio tipo assim pra 100 dias, pro primeiro período todo, porque por conta dessa dificuldade de licitação, de tudo, a gente faz a compra pra 100 dias e entrega o produto na escola onde tem essa modalidade de ensino. Nas demais direciona o recurso.

Sra. Pirão de Galinha Caipira, Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Tem uma nutricionista em cada uma das escolas em Teresina, nas unidades regionais. Em cada regional ela responde por todas as escolas daquela região, então ela faz um cardápio de acordo com as necessidades da escola, tanto a aceitação do aluno, como financeiramente, ela faz um cardápio.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Page 90: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

88

Questão de regionalização no cardápio é o que acontece, porque, por exemplo, se você for ver o que a gente usa no interior: é o cuzcuz, o macarrão, a proteína de soja. É uma coisa mesmo que é adicionado que faz tempo que é colocado, mas não é uma coisa que tem a frequência que você vê nas casas. Hoje em dia muita gente usa, mas você não tem aquela frequência de tá vendo no dia a dia das casas. Não que sejam adequadas à situação, porque, por exemplo: o leite, se houvesse a produção de leite local, na região, na cidade. Seria melhor do que a gente tá comprando leite em pó, por causa do custo-benefício. Seria muito melhor porque é mais barato, é tirado no dia ali, tem uma disponibilidade protéica muito melhor pra criança em relação ao leite em pó, mas já existe essa regionalização. Se você for ver como é diferente a merenda escolar de outras regiões, até mesmo de outros municípios do próprio Estado... Se bem que o leite em pó é melhor para transporte. Você chega, por exemplo, em algumas cidades, em São Paulo, região Centro Oeste, que mesmo a Bahia eu já vi, em outros municípios, em São Raimundo Nonato mesmo, a merenda pode ser arroz com feijão, salada e a carne como se fosse um almoço mesmo. É servido mesmo como um almoço, suprindo todas as necessidades em relação a carboidrato, proteína, lipídios, sais minerais, vitaminas, coisa que não acontece lá (Guaribas - PI) por conta disso. Nas cidades maiores você vê que isso é feito. Em Teresina pode acontecer, São Raimundo Nonato você vê algumas escolas que fazem arroz com frango, que antigamente a merenda escolar era centralizada, ela vinha dos caminhões tudo com produto formulado. Na região Nordeste todo mundo come de forma igual, sem variações, todo mundo deu a contribuição de sua localidade. Que era tudo produto formulado, hoje em dia houve essa descentralização, uma foi por conta desse problema de ficar vindo a merenda, faltava, demorava, às vezes passava meses sem merenda e outra era essa que como vinha demorava pra chegar, o transporte era grande, era tudo produto industrializado, já era assim aqueles sopões, pão, aqueles arroz já, rizotozão, os pacotão de suco em pó, aí o PNAE determinou.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

A escolha dos cardápios e aceitabilidade da merenda escolar indicam um arbitrário

cultural, referente à escolha de gêneros alimentícios específicos quer seja por critérios como

“mais barato” ou por “mais fácil de preparar, armazenar”. Na mesma proporção,

predisposições acerca do gosto local, do tipo “na região nordeste todo mundo come de forma

igual, sem variações” sugerem, ao absolutar a diversidade, o que é tido como uma valorização

dos elementos diferenciados – as chamadas “contribuições” – acaba sendo uma legitimação

de uma dada ordem social, profundamente desigual e hierárquica (Maciel, 2004). A autora

ainda discute que ao afirmar o papel e a participação de diferentes povos das regiões

brasileiras, bem como de raças presentes na miscigenação brasileira, e, colocá-los em

condições de “igual influência” desconsiderando as lógicas de poder incutidas nas relações da

sociedade, é legitimar a supremacia de um grupo social sobre o outro, e assim legitimar uma

visão de harmonia que implica o “mito” da democracia racial/social.

Page 91: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

89

3.3 A EMBALAGEM: como os atores vêem a merenda escolar

Embalar, processo que corresponde ao ato de preservar objetos e mercadorias de

situações de deterioração, ou pôr em condições e contingências convenientes ao usufruto, lhe

dispensando, entre outros caracteres a proteção. A “embalagem” do Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE) é equivalente ao modo como essa política educacional e de

fomento à segurança alimentar é representada por aqueles sujeitos a ela agregados, seja

atuando profissionalmente conforme as mediações de suas diretrizes, seja como beneficiário

do programa. Como o PNAE se apresenta à comunidade de Guaribas - PI? Como a merenda

escolar é vista? É justamente essa perspectiva que nos pretendemos a discutir adiante.

Do mesmo modo, a metáfora anteriormente citada apresenta a relativa fragilidade

da embalagem. Esta, por ser suscetível a variáveis de manejo físico e social entre as pessoas

que se dispõem mobilizá-la – ser rasgada, danificada, por exemplo –, ilustra

significativamente as intempéries que podem também ocorrer frente ao PNAE: falha no

manejo de seus direcionamentos; ou transgressão de diretrizes que fomentam a promoção da

boa qualidade dos alimentos chegados às escolas, pela aceitação dos beneficiados, pelo

respeito às identidades culturais e alimentares.

Alguns dos trâmites para a escolha do cardápio da merenda escolar sucedem de

acordo com as representações das práticas alimentares piauienses, bem como em torno das

avaliações de aceitação por parte dos alunos sobre os alimentos servidos na escola.

O cardápio ele leva–se em consideração o gosto do aluno, a facilidade de se comprar aquele produto e a aceitação e a questão financeira. Então, como hoje o mundo é globalizado, existem determinados gêneros que a gente não considera regionalização, como no caso das almôndegas, que não é produzido no nosso Estado. Mas existem outros que leva sim em consideração, como o mingau de milho, o baião de dois com sardinha. Então leva sempre em consideração a nossa questão cultural no Piauí, que é o arroz misturado, a maria-isabel.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

No caso da EJA, essa das almôndegas que a gente coloca, é porque eles pegam o gênero, a gente não pode botar frango, por exemplo, no cardápio, porque como é que eles vão pegar esse gênero, como é que eles vão pegar uma coisa perecível? Tem que botar produto não-perecível, esses que a gente compra os gêneros no caso da EJA e das filantrópicas, das conveniadas, a gente coloca só enlatados

Page 92: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

90

realmente. No caso da merenda mesmo, da descentralizada, eles fazem frango, fazem maria-isabel, eles compram, lá no cardápio ela coloca e eles compram mesmo, aí faz aquela coisa mais regionalizada, que é coisa que a gente usa mesmo, a nossa região é muito unificada nesse cardápio. Mas nesse cardápio, se você chegar lá em São Raimundo Nonato, em Corrente, eles comem a mesma maria-isabel que a gente come aqui em Teresina. É, é quase que unificado esse nosso cardápio, essa variedade. Galinha caipira, lá tem, aqui também, num tem no cardápio, mas tem o frango com arroz. Aí é muito parecido, faz esse cardápio de acordo com aceitação do aluno, eles querem é comida mesmo, literalmente.

Sra. Pirão de Galinha Caipira,Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Há a dificuldade da questão da regionalização das frutas, porque a fruta não tem tanto acesso à merenda, por causa dessa dificuldade que nós temos. As crianças, os jovens, os adolescentes, eles preferem a refeição, no caso o arroz, mesmo que em menor a quantidade, não considere uma refeição, mas tem que ser o arroz, com o feijão e um tipo de carne. Até pela falta que ele tem em casa, então ele leva essa necessidade pra escola.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Segundo as diretrizes estabelecidas pelo Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE), o respeito aos valores, hábitos e costumes alimentares, é meta primordial

para seu funcionamento em potencial. Entretanto, algumas dificuldades quanto ao transporte

propriamente dito de alimentos; dificuldades em fracionar a verba para a compra da merenda

com a quantidade nutricional/protéica necessária para o número de alunos; ou empecilhos

quanto a avaliações pouco minuciosas dos cardápios; podem prejudicar algumas prerrogativas

que o programa subsidia aos seus beneficiários.

Em geral, a gente se limita, eu como nutricionista, me limito em determinados produtos pra mandar pro interior, por esses fatos de transporte, de armazenagem, acesso e o preço dos gêneros. O leite era uma fonte de proteína que era mais usado na alimentação escolar. Hoje em dia não dar pra usar aquilo como base, o leite como base, porque se eu for comprar quantidade de leite pra suprir a necessidade de todos aqueles alunos, eu vou gastar mais da metade do recurso só com leite, porque o pacote de leite agora é R$ 3,00. Aí não tem condição. Aí existe produto base, de carboidratos, sempre a massa de milho, biscoito, macarrão e pronto. Tem o óleo que sempre vai e proteína é proteína de soja, a sardinha e o leite e aí vai também o açúcar e o achocolatado. Mas são só esses produtos que pode usar. Esses são os produtos, aí a gente tenta fazer uma magicazinha com os produtos pra poder ficar modificando, pras crianças não abusarem. O cardápio eu tento elaborar aqueles preceitos que vêm regulamentados no PNAE da quantidade de lipídio, proteína e carboidrato, mas só que é muito complicado fazer isso aí. R$ 0,22 não dá pra gente obrar milagre com aquilo ali. Não dá. Mas aí eu elaboro o cardápio geralmente em cima disso. Aí é de acordo com o costume da região. Porque mesmo assim a gente tenta consultar pais, professores e até tá verificando com as crianças se elas tão aceitando ou não o cardápio. Aí geralmente é o cuscuz com a sardinha, que eles gostam, o cuscuz com a carne de soja, o macarrão com a soja, eles fazem o sopão de macarrão com a carne de soja, por exemplo. E às vezes eu nem prendo muito as merendeiras na questão de cardápio, de formulação. [...] É o macarrão com soja, cuscuz com sardinha, é o biscoito com leite, aí fica variando. Sempre tem o suco também, o suco de garrafa

Page 93: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

91

que eles reclamam muito que só vai suco de caju, mas é porque é o mais barato, e eu não posso ficar usando o suco em pó.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

De maneira concomitante, às ações das equipes do Conselho de Alimentação

Escolar (CAE) do Estado do Piauí e do município de Guaribas, o CONSEA desenvolve a

integração da atuação e parcerias com estas equipes. Com intento, principalmente, de articular

estratégias para uma maior coesão ao lidar com a insegurança alimentar.

O CONSEA contribuiu na questão de pressionar o governo, no sentido de implementar uma política de alimentação, que antes era merenda escolar. Já era uma normativa do próprio CONSEA e retira-se a palavra merenda escolar e passa a ser alimentação escolar. Porque a gente observa que dentro das escolas as crianças que estão em estado de insegurança alimentar, que vem de casa, elas não conseguiam se alimentar com 25 centavos, ou seja, não é um pão, praticamente. Então, houve um debate a nível nacional, a nível estadual, o debate permaneceu. Há um acompanhamento direto do CONSEA na questão no que tange a alimentação escolar, há um acompanhamento direto, uma negociação com a SEDUC/PI (Secretaria estadual de Educação do Piauí), com a SEFAZ (Secretaria Estadual de Fazenda do Piauí), com o próprio governador. Há até mesmo com o Conselho Estadual de Educação onde ocorre um acompanhamento direto no que tange a alimentação escolar. Há um debate amplo. Passando pra dentro dessas instâncias, eu queria até retratar uma coisa: o Programa Compra Direta que é trabalhado pelo Governo Federal e aqui pelo governo estadual, ele compra toda a agricultura, todo o produto do agricultor rural, e a própria SDR (Secretaria de Desenvolvimento Rural) que é o órgão que está executando, em parceria com o Fome Zero e com a SASC (Secretaria de Assistência Social e Cidadania do Estado do Piauí) e outros, distribui para a própria população naquele município que ele comprou, onde 50% fica pra merenda escolar, ou seja, também, são injetados esses mecanismos. Além da alimentação escolar que é recebida pelo Governo Federal numa conta única diretamente na escola.

Sr. Arroz de cuxá maranhense, presidente do CONSEA – PI.

Dentre os sujeitos envolvidos na promoção da segurança alimentar por meio de

atividades conjuntas e complementares com órgãos já citados, como CAE/PI, CONSEA/PI,

Secretarias administrativas, etc. são presentes também aqueles sujeitos – de importância

inquestionável nos processos de fomento desta política educacional – beneficiários do PNAE:

as famílias dos alunos das escolas de Guaribas – PI, nos quais podem ter suas concepções

expressas através dos pais agricultores, isto é, que possuem como principal renda a agricultura

de subsistência, fonte de renda mais presente na localidade antes da inserção de políticas

sociais do governo, como as políticas de transferência de renda e previdenciárias (CEPRO,

2005).

Lá em casa tem muitas variedades de comida. Tem arroz, feijão. Feijão é o principal que num pode faltar. Se não tiver feijão pra mim a comida não presta. Rapaz, francamente, eles deve ter lá uma merenda boa porque além de tudo o prefeito não deixa faltar a merenda. Olha, tem suco, bolacha, cuscuz, carne. Tudo isso eles participa lá, come que nem rico. Num é carne de caça e coisa grosseira

Page 94: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

92

não! Sr. Arroz com Bife, 46 anos, agricultor, pai de

alunos da escola: 6 filhos.

Sei (sobre a merenda). Tem muitas vezes que eu sei, porque eles (os filhos) fala pra mim que tem. Tem muitas vezes a carne, num é todo dia, é revezando. Num dia muitas vezes tem a carne de jabá. Outras vezes tem o cuscuz com leite. Outras vez faz uma sopa, é revezando. Num é todo dia uma comida só de um tipo. É trocada, um dia uma de um tipo e no outro dia é outra de outro.

Sr. Feijoada com arroz, 38 anos, agricultor, pai de alunos da escola: 3 filhos.

Sei da merenda. Vai o leite, inclusive tem carne moída, tem o arroz doce e biscoito. Que eu saiba é isso, agora se tem outra coisa... Ah, também tem vez de ter o macarrão. O que eu sei é isso. E eles são obrigado a gostar! Tem que gostar. Porque é o que tá tendo. Às vezes ele num gosta do arroz, tem aluno que num gosta do arroz doce, por que num é parecido com as coisa que tem em casa, outros já gosta. Porque o que tem pra comer é aquilo alí, tá na escola, tá com fome tem que comer.

Sr. Carne cozida com beiju, 33 anos agricultor, pai de alunos da escola: 4 filhos.

Eles comem, tem o leite, e tem carne e frango também, tem o macarrão, massa de milho e tem carne moída também. Na merenda da escola eles come é só comida de rico, com uns temperos diferentes dos da gente em casa.

Sr. Macarrão com tomate, 35 anos, agricultor, pai de alunos da escola: 3 filhos.

Meu filho come merenda. Quando tem come, quando num tem... Tem vez que come o cuscuz, e o leite eu num sei não. E as carne moída. E tem vez que falta que o menino chega na casa e diz que falta. Mas tão é dando, num tem que reclamar nada não!

Sr. Frango ao molho com arroz, 28 anos, agricultor, pai de alunos da escola: 2 filhos.

Olha, eles come, tem o arroz, às vezes tem aquela carninha de sol que, é feito uma mistura ali. Tem o macarrão, tem o biscoito, tem o leite. Isso são os primeiros alimentos que eles recebem. Inclusive eu estudei, terminei o ano passado e a turma é véia (velha), papagaio véio (pessoas mais velhas) e nós também tinha um pouquinho da merenda, mesmo que você num aprenda mais tem conhecimento de alguma coisa, tudo que você puder acolher é bom. As comidas de lá é feita diferente das de casa. Num tem tanto gosto, tem muita coisa de pacote. Mas dizem que é mais forte, devia ser mais parecida com a de casa! Sr. Frango com arroz, feijão, salada, batata-frita de um lado e uma farofa no outro,

40 anos, agricultor, pai de alunos da escola: 4 filhos.

Canesqui (1988) expõe que alguns destes atributos – “forte/fraco”, “pesado/leve”,

“vitamina”, “gostoso/sem gosto” – servem para qualificar a dieta consumida ou idealizada,

por referência à concepção de pobreza que comporta desigualdades entre iguais (os pobres) e

os outros (os ricos).

Page 95: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

93

A desigualdade entre os iguais implica [...] escalonar a condição de trabalhadores pobres mediante critérios que incorporam o quantum de salário, a apropriação de bens de consumo, as formas de inserção e qualificação diante do mercado de trabalho e a construção de identidades sociais. Restam diferentes graus de pobreza, que não chegam a ultrapassar uma condição geral de empobrecimento e a avaliação de uma dieta “fraca”, que o pobre dispõe, a despeito da valorização da “comida forte”, pesada, “com vitamina”, e “sem vitamina” (p. 214).

A desigualdade já mencionada aos outros (os ricos; comidas de rico), por outro

lado, não incorpora os mecanismos de exploração, mas é estabelecida mediante comparações

entre o que os ricos podem adquirir, pelo fato de disporem de poder aquisitivo mais elevado:

“boa comida, variedades alimentares e carne todos os dias”. Com isso, o resultado

corresponde não apenas ao anseio de uma dieta de melhor qualidade, mas principalmente uma

dieta que representa uma condição de vida melhor em termos de aspiração de um padrão de

consumo.

3.4 PRESERVAR EM LOCAL AREJADO: operacionalização das propriedades do PNAE

Ação que visa garantir a integridade e a perenidade de algo. Livrar de algum mal;

manter livre de corrupção, perigo ou dano; conservar; livrar, defender, resguardar em local

arejado, ventilado, para que possa tomar novo ar, novo alento; espairecer; arejar-se. Todos

esses caracteres descritivos ilustram bem a preservação de um produto, mercadoria, ou objeto

frente ao seu bom funcionamento, à sua plenitude de propriedades. Com isso, tendo a sua

demonstração – preservar em local arejado – não seguida/conservada, a ocorrência de seu

funcionamento pouco prospectivo.

Analogamente, existem possibilidades similares a uma política educacional. O

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), sob perspectivas futuras de atividades

junto à população, carece de ações sociais coesas, que pensem, sobretudo, num panorama que

preserve suas ações. Conjugando, assim, ações efetivamente atuais, como é caso de algumas

dificuldades apresentadas na operacionalização (gestão) do PNAE, com a finalidade de

aproximar estratégias desenvolvidas no presente momento no estado do Piauí e no município

de Guaribas daquelas avaliadas como ideais/ funcionais.

Page 96: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

94

Todos os programas são muito grandiosos. São muitas pessoas envolvidas, e você sabe da dificuldade que nós temos. Quando você diz assim “vocês fiscalizam, vocês fazem essa inspeção?”, a gente diz que sim, mas por amostragem, porque nós não “temos perna” [capacidade dinâmica]. Nós da secretaria, as próprias regiões e as GRES, não têm. Às vezes diz B, “ah, o município funciona mais a contento”, mas o município só tem aquelas escolas do município. Mas o Estado tem um montante em todo o Estado do Piauí. São muitas escolas pra gente dar conta, a nossa área geográfica é muito grande.

Ainda teve a dificuldade das chuvas. Em algumas o fornecedor deixou na Gerência pra depois a escola ir pegar ou em outro município mais próximo. Avisa pra Gerência Regional, que avisa para escola ir pegar. Mas eles entregam, a gente faz esse acompanhamento direitinho. Aí tem as guias que a gente faz, prepara as requisições, daí ele tem que trazer, são três vias, eles levam lá, a pessoa assina que recebeu a merenda. A gente consta todos os gêneros, as quantidades que tem que entregar. Os recursos vão por depósito bancário, no nome da escola. Todas as escolas, a maioria tem Conselho Escolar que é onde tem a conta. Daí vai direto pra escola e ela recebe esse recurso, daí elas fazem. A gente tem todo o acompanhamento, através do nosso Conselho Escolar, porque a gente sabe que tem gestão e tem “gestão”. Uns fazem esse gerenciamento bem, uns dizem assim “ah, mas é muito pouco, não dá e tudo”, aí tem uns que já quando vão receber o segundo repasse e ainda tem dinheiro do primeiro e tá dando merenda direitinho pros alunos, de acordo com o cardápio e já têm outros que não tem mais nem o dinheiro, nem o gênero e às vezes falta até merenda na escola [referindo –se a Guaribas – P]. A gente tem que tá acompanhando, sistematicamente, fazendo visitas nessas escolas, fazendo todo um levantamento porque se faz necessário isso, até pra ver realmente como é que tá essa entrega dessa merenda. Mas, infelizmente, isso não dá.

Sra. Pirão de Galinha Caipira, Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Igualmente, estamos diante de uma gama de aspectos problemáticos em relação a

uma gestão de política educacional. Como visto são presentes os casos de impedimento ou

impossibilidade de uma fiscalização mais minuciosa acerca dos cardápios, sobre a qualidade

dos alimentos chegados às escolas, sobre as condições de preparo das comidas, e, sobretudo

diante do respeito à identidade alimentar dos alunos de Guaribas – PI. São empecilhos

advindos da conversão de poucos recursos em alimentos qualitativamente protéicos e

nutritivos. Ou como supracitado, acarretando mesmo na ausência da merenda escolar.

Outro problema que nós tivemos em relação às chuvas foi que as escolas, principalmente em Campo Maior, Esperantina, estão sendo ocupadas pelos desabrigados, então a merenda também está sendo entregue em alguns lugares, nas GRES, por conta disso, porque não pode deixar na escola porque esses desabrigados podem ter acesso a essa merenda. O recurso da merenda são pros alunos, eles não podem fazer isso. Nas escolas que tem a merenda descentralizada, ela é feita pela nutricionista responsável por aquela escola, da região responsável. Já a merenda do EJA, ela também é responsável em fazer esse diagnóstico dentro da escola, mas como a maior parte da merenda de educação de jovens e adultos ela é comprada pra 100 dias, por conta de toda essa problemática de licitação, não tem como a gente fazer uma mudança rápida. Vamos dizer: o mingau não tá sendo aceito, nós não temos

Page 97: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

95

como fazer essa mudança, porque ela já foi feita pra 100 dias, ou seja, metade do ano letivo que tem 200 dias. Essa mudança só vai poder ser feita no segundo semestre. Então existe dificuldade de poder mudar o gênero ou a merenda rápido.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Além disso, é possível que sucedam interpretações em torno das condições de

pobreza e insegurança alimentar. Com isso muitos moradores do município de Guaribas – PI,

localidade na qual foi desenvolvido o projeto piloto do Programa Fome Zero, estão passíveis

de interpretações que legitimam e fortalecem as representações mantenedoras das condições

reduzidas de ascensão social. Em especial quando ocorrem apreciações, pouco convergentes

com a identidade cultural do grupo social do município, bem como as influências sócio-

históricas que o construíram e o tornaram uma localidade tão particular em situação de fome,

ao ponto de ter sido eleito como o município mais miserável do país (IBGE, 2003).

Como o Consea vê hoje essa situação de insegurança alimentar no estado? O Consea vê e age da seguinte forma: a partir do momento setorial que o Consea observa que tal setor está realmente em estado de insegurança alimentar, o Consea chama a atenção de todos os órgãos, puxa pra si a responsabilidade de estar articulando as políticas necessárias para fortalecer e para trabalhar aquelas pessoas que estão em estado de insegurança alimentar. Guaribas, em 2003, o povo tinha mais fome de “beleza” [valorização da própria identidade], fome de se auto-afirmar, fome de auto-estima, do que a própria fome de comida. Só que com o passar do tempo, a gente observou que a necessidade do povo inicialmente era de “beleza” e de auto-estima, depois a comida, que comida eles até produziam, eles não sabiam era se alimentar, mas até que produziam.

Sr. Arroz de cuxá maranhense, presidente do CONSEA – PI.

Por outro lado, tomando como referência os princípios enunciados, o PNAE

possui cinco diretrizes básicas: estimular o exercício do controle social; respeitar os hábitos

regionais e a vocação agrícola; oferecer alimentação saudável aos escolares; garantir as

necessidades nutricionais durante o período em que o aluno está em sala de aula; envolver

todos os entes federados. Mas, para que isso ocorra, é indispensável um conhecimento prévio

e isento de julgamentos pré-estabelecidos acerca da população local.

Seria ideal que a prefeitura entrasse com a contrapartida, pra que a gente melhorasse essa merenda. Aí seria sim, no caso, uma melhoria que ia ter, aumentar o aporte energético, não diversificar, porque é muito difícil diversificar por conta de distância, que é tudo comprado em São Raimundo Nonato, aí pra levar pra Guaribas tem transporte, refrigeração, porque a energia é precária, só na cidade, só na sede que a gente entra com algum perecível, alguma coisa assim, mas o interior tem os produtos básicos que é só aquilo ali, que é a maioria. Para a maior parte das crianças, só produto básico mesmo.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

Por conseguinte, somente a partir desse preceito fundamental, atua-se para o

cumprimento de diretrizes nutricionais estabelecidas tecnicamente. Hoje é primordial que a

Page 98: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

96

política não se limite à quantificação nutricional, como apontam suas normas de

procedimento. Ou seja, mesmo existindo uma média nutricional a cumprir (15% das

necessidades calóricas e protéicas), as particularidades locais devem ser consideradas, tanto

no que se refere ao perfil da clientela – faixa etária, por exemplo – como o risco nutricional,

porquanto há municípios como Guaribas - PI, onde a insegurança alimentar e nutricional é

maior, e, portanto, podem necessitar de mais de 15% previstos (CONSEA, 2004). Isto, em

suma, aproximaria o PNAE de uma preservação longitudinal, contemplando futuras gerações.

3.5 PRAZO DE VALIDADE: aspectos da funcionalidade do PNAE

Alimentos com prazo de validade vencida pode ser uma realidade, todos os

consumidores devem ficar atentos a esta informação quando fazem as compras da semana ou

do mês. Esta mesma informação é checada por nós consumidores ao provarmos qualquer

comida, ou mesmo, se esta informação não é apresentada por escrito na embalagem do

produto a ser experimentado, costumeiramente questionamos: quando foi feita essa comida?

Quando foi colhida esta fruta? Quando foi preparada aquela salada? Essas interrogações

demonstram muitas das preocupações humanas frente ao consumo alimentar, em especial pela

verificação em torno da qualidade, legitimidade, valor do que está prestes a ser degustado.

Discutir o que é eficaz nos programas de assistência social e promoção da

segurança alimentar, sobretudo descrever nestes a condição de válido – em todas as acepções

– junto às comunidades nas quais são fomentadas estas políticas consiste em tarefa de

relevante importância, já que tratamos de ações sociais fomentadas a humanos, e por isso

concepções como a de “prazo”, espaço de tempo durante o qual deve realizar-se alguma coisa,

ou seja, uma variável temporal.

Dentre os princípios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) está

o estímulo à agricultura familiar. Destaca-se que a Secretaria Nacional de Segurança

Alimentar (Sesan), em muitos casos, junto com a companhia Nacional do Abastecimento

(Conab), haja vista que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) não dispõe de

estruturas estaduais, tem a seu encargo uma série de ações, com destaque para o Programa de

Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) ou Compra direta Local, instituído

pela Lei 10.696, de junho de 2003. E este, consequentemente, tem em seu princípio básico

bastante convergência e complementaridade àquele apresentado pelo PNAE.

Page 99: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

97

A abrangência e a diversidade das situações que caracterizam o público da

segurança alimentar e nutricional implicam necessidade de utilização de instrumentos

diversos e formas de ação social voltadas para o enfrentamento de situações de fome em

caráter estrutural, emergencial e local. Assim, o Programa Fome Zero inclui ações estruturais,

com políticas voltadas para as causas da fome e da pobreza (geração de emprego e renda,

previdência social, incentivo à agricultura familiar, intensificação da reforma agrária, bolsa

escola e renda mínima); ações específicas, com políticas direcionadas ao atendimento das

famílias (cartão-alimentação, cestas básicas emergenciais, combate à desnutrição materno-

infantil, ampliação da merenda escolar, educação para o consumo, dentre outras) e ações

locais, com políticas a serem implementadas pelas prefeituras e sociedade civil (CONSEA,

2004).

Não obstante, a pouca inter-relação entre ambos os programas – PAA e PNAE –

pode gerar incompatibilidades de suas ações desenvolvidas. Assim, os resultados esperados

através da atuação do PNAE, em destaque para atividades que por dificuldades diversas

impedem o seguimento/ cumprimento de suas diretrizes, podem ter resultados opostos aos

esperados: ao invés de autonomia e estímulo ao trabalho e renda, redução da atividade laboral

junto à agricultura.

Às vezes a pessoa confunde o que é segurança alimentar, ela é o que assegura a toda criança que tá na escola ter o acesso a alimentação escolar, isso é um direito de todos os pré-escolares e alunos de escola fundamental. Agora em relação à agricultura local e associação a segurança alimentar é um fato que a gente vê em diversas prefeituras que funciona, porque a merenda, ela se torna uma coisa mais agradável, com uma palatabilidade muito melhor. A gente consegue trabalhar melhor as crianças com relação a suprir as necessidades não só energéticas como também de vitaminas e sais minerais, coisa que não acontece aqui [em Guaribas – PI]. Porque aqui não funciona a questão da ordem escolar, que infelizmente no interior o povo tá muito amarrado a esses programas emergenciais que o governo federal entrou: bolsa família, enfim. O pai manda o aluno pra escola pra receber a bolsa, o aluno vai pra escola pra merendar. A preocupação no ensino se torna irrisória em relação a esses outros pontos. Se você fosse associar na realidade de fato, como é feito, a associação desse fato na merenda escolar com a agricultura e com as hortas familiares, por exemplo, agricultura familiar, é uma coisa que é muito boa pra merenda em relação a esses pontos de vista, mas aqui não funciona, se funcionasse seria uma boa.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em Guaribas – PI.

A literatura sociológica demonstra claramente que o envolvimento dos pais no

processo educacional seria uma das mais importantes condições do bom desempenho escolar.

O indivíduo, em Bourdieu, é um ator socialmente configurado em seus mínimos detalhes. Os

gostos mais íntimos, as aptidões, as posturas corporais, a entonação da voz, as aspirações

Page 100: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

98

relativas ao futuro profissional, tudo seria socialmente construído (Bourdieu, 2006). Nessa

perspectiva, os pais apresentam um papel preponderante na construção dos indivíduos como

sujeitos sociais; dessa forma, o sentido atribuído por eles à educação dos filhos pode

influenciar de forma plena nesse processo formativo.

Quanto ao sentido atribuído à escolaridade dos filhos, o desencontro família-

escola dá-se na medida em que, ao passo que as famílias se orientam, sobretudo pela “lógica

da eficácia” – aprendizagens escolares que devem culminar em trunfos profissionais e

possibilitar um “se virar” na vida, por exemplo -, muitas ações pedagógicas escolares

distanciam-se desse objetivo. Os processos de significação da escola pelas famílias precisam

ser averiguados, pois os processos de socialização familiar são potencialmente

desencadeadores de elementos favorecedores – ou dificultadores – de êxito escolar, conforme

as afinidades ou os distanciamentos com relação à escola que esses traços engendram

(SWARTZ, 1997).

As lógicas socializadoras populares enraízam-se e perpetuam-se por meio da

socialização familiar, das condições sociais de existência que se afastam das lógicas

escolares, e da própria escolarização (ou falta de escolarização) dos pais, que está na base de

sua relação com a escola, mas também de sua relação com a linguagem e com a cultura

escolar.

Pode se assinalar que as relações entre famílias populares e escola surgem das

relações entre instituições de socialização e de enquadramento de membros de classes

populares, relações consideradas na perspectiva de um controle social exercido sobre as

famílias.

Muito embora, Valla (2000) apresenta que existem dificuldades por parte dos

pesquisadores e estudiosos em “conceber” que classes populares são capazes de “[...]

produzir conhecimento, de organizar e sistematizar pensamentos sobre a sociedade, e dessa

forma fazer uma interpretação que contribui para a avaliação que nós fazemos da mesma

sociedade” (p. 12). Ou seja, trabalhos que venham a ser efetuados nas referidas classes,

quando não contemplam as especificidades locais, observando-as como desprovidas de

cultura e/ou saberes, são, no mínimo, disfuncionais e nocivas.

Ao considerar o contexto social mais amplo, em plena era do conhecimento e da

informação, os sujeitos sociais são certamente classificados de acordo com o seu capital

Page 101: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

99

cultural6 e isso traz responsabilidades à escola de agregar valores a suas práticas culturais e

educativas. É preciso superar as concepções que reduzem o sentido da socialização à

interiorização de normas sociais dominantes ou à produção de indivíduos capazes de viver

em conformidade com as leis e normas próprias a uma formação social em uma dada época.

Trata-se de sair de uma socialização vista como o único produto da ação das instituições

construídas ao longo da história, para concebê-la como um processo contínuo, nos dois

planos da biografia individual e da produção das relações sociais, e que não se reduz,

portanto, à ação de uma instância particular.

Não obstante, a escolarização para as crianças de classes populares é uma

experiência de mudança simbólica e social. E por isso, deve estar atenta, em especial aos

aspectos relacionados ao “como fazê-lo”. Como se sabe, no que diz respeito às ações

efetuadas pelo governo federal – em termos de atribuições de responsabilidades frente à

população – Valla (2000, p. 21) relata que

a tradição dominante no Brasil é a da participação popular, isto é, o convite das autoridades para que a comunidade tenha uma participação mais frequente. Além disso, muitas vezes, as autoridades querem a participação popular para solucionar problemas para os quais não dão conta. Nesta concepção está embutida a idéias de que o aceite ao convite para participar seria uma forma de os governos se legitimarem.

O aprofundamento desses debates na escola é potencialmente rico por possibilitar

aos profissionais de educação, pais e estudantes ampliarem a compreensão acerca das

vinculações da escola com a sociedade e com os projetos socioeducativos, bem como o

(re)conhecimento dos mecanismos de exclusão e discriminação de quaisquer ordens,

presentes na sociedade e na escola, para melhor enfrentá-los e superá-los (ESTEBAN, 2007).

Configura-se, então, como indispensável que ações interventivas frente à

realidade da desigualdade social, sobretudo àquelas desencadeadas pela situação de fome

junto aos grupos sociais de uma localidade específica como a de Guaribas – espaço social que

conjuga famílias, comunidade escolar, conjunturas sociais e suas lideranças – sejam

articuladas de forma coesa com o PNAE, programa já instituído no local. Sobretudo que se

atue de modo que sejam respeitadas as identidades culturais locais e as subjetividades

envolvidas em meio à efetuação do aludido programa.

A referida idéia é reforçada por Cavaliere (2002), que relata que sem o

funcionamento desenvolvido, refletido e continuamente recriado das vias de comunicação

6 É um termo utilizado por Bourdieu para exprimir todo o aparato cultural herdado ou institucionalizado que e adquirido pelo indivíduo através da família (diplomas, nível de conhecimento geral, boas maneiras).

Page 102: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

100

entre família, sociedade e comunidade escolar, tal micro-sociedade será tão frágil que tenderá

a se tornar um mundo artificial e socialmente insignificante ou a ser engolida pela força da

sociedade estabelecida e suas exigências. Destarte, aliado a isso, precisa-se compreender as

visões de mundo que as classes populares elaboram, de modo a melhor apreender sua ação

política, evitando o risco de se fantasiar uma identidade e consciência de classe não

pertencentes àqueles com quem, pretensamente, se pretende atuar.

As famílias do município de Guaribas – PI têm como principal fonte de renda a

agricultura de subsistência (CEPRO, 2005). E esta foi pautada pelo próprio Governo Federal

como um dos focos estratégicos de intervenção junto à insegurança alimentar. É justamente

ao partir dela que é possível transformar o combate à pobreza em um instrumento de inclusão

econômica e produtiva. Com isso, o Programa Nacional de Alimentação Escolar contempla

também esta perspectiva de atuação, relacionando educação, respeito à identidade cultural e a

segurança alimentar e nutricional.

Pensando assim, é com o reconhecimento da agricultura familiar como elemento

expressivo no abastecimento alimentar da sociedade nacional, apesar das fragilidades que se

caracterizam, descritas em detalhes no texto do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional, Políticas de apoio e fortalecimento da agricultura familiar e do agroextrativismo

(Consea, 2004), e que podem comprometer a permanência das famílias rurais no campo em

condições de uma vida condigna.

Ao garantir a compra da produção dos agricultores, o PNAE, por intermédio dos

setores de compra e construção dos cardápios da merenda escolar, pode gerar emprego e

renda nas localidades beneficiadas. Por outro lado, os produtos adquiridos se destinam à

formação de estoques e/ou à distribuição de alimentos em tempo hábil e de qualidade

adequada para o consumo, já que os trâmites para compra e preparos alimentares sucederão na

mesma localidade.

A estratégia do Consea (PI) é trazer todos os conflitos no que tange ou até mesmo todos os debates possíveis para o campo do controle social. Tudo que é trabalhado dentro da instância do Consea, onde os projetos na área de segurança alimentar são aprovados somente com a seguinte técnica: nós temos um projeto aqui da SDR (Secretaria de Desenvolvimento Rural). A SDR traz o projeto e apresenta pro Consea, os conselheiros debatem todo aquele projeto, e vê a viabilidade. Até então se não tiver o aval do Consea, o projeto não é aprovado pra ser encaminhado pros ministérios ou outra instância, ou seja, todos os debates não saem do foco no que tange o controle social. Eles passam pelo Consea para está trabalhando a viabilidade das políticas públicas no que tange a questão da segurança alimentar. Você sabe que o Consea é uma instituição de articulação, ele não é um órgão público de execução, ele é um agente articulador, ele tem atores de diversas

Page 103: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

101

instâncias executoras, seja pública, privada. Então, qual é o papel do Consea ai? E articular as políticas, trazer todas essas políticas no que tange a educação, agricultura familiar, saúde, lazer, esporte, etc pra dentro da discussão. Ou seja, nós temos controle, entre aspas, de toda a política, porque tudo passa pelo CONSEA, só é aprovado qualquer projeto a nível da melhoria da qualidade de vida das pessoas se passar primeiro pelo CONSEA.

Sr. Arroz de cuxá maranhense, presidente do CONSEA – PI.

O CONSEA, enquanto órgão com relação direta com o Programa Nacional de

Alimentação Escolar assume uma diretriz nacional voltada para a articulação entre Estado e

sociedade, cujo objetivo é associar a Política de Segurança Alimentar e Nutricional ao

desenvolvimento econômico e social sustentável. O processo de análise proposto por este

estudo quanto ao exercício do PNAE no município de Guaribas – PI se torna essencial na

construção de indicadores de monitoramento, para mensurar e analisar os efeitos e impactos

do programa como um todo. Assim sendo, o discurso de possíveis beneficiários merece

consideração diante desta discussão.

Produzo na minha roça e quando dá comprador vendo milho, vendo feijão. Se você tá produzindo a mandioca é no tempo, você faz 20 sacas de farinha, você vende. Agora é preço baixo, porque aqui ninguém tem como chamar comprador e nem como ir pra fora vender, é muito longe. Ninguém tem. O que acontece, quem vem lá de fora compra do preço que ele quiser. Dinheiro você num tem, digamos assim, você vai vender 30 sacas de feijão, você vai fretar um carro daqui pra São Raimundo Nonato, quando vai pagar o frente num compensa. Então o que acontece, ao invés de você gastar muito lá, às vezes você pensa de ganhar um pouquinho acaba perdendo mais, às vezes quando é uma oportunidade que tá na alta, o feijão é assim, aqui é 10, 15 dias, até 20. É de acordo com o “chuvoeiro” que tá chovendo, quem colhe primeiro vende num preço melhor. Às vezes o feijão, dá até 200 contos, que tem dado aqui, por último acontece de vender por 40, 50 conto. Vai caindo. Se tivesse algum comprador por aqui ficava mais fácil pra gente se sustentar, mas aqui num tem cooperativa, num tem nada. E acontece quando tem muita saída, a turma gosta de trabalhar, então produz muito. Principalmente o feijão e o milho. Às vezes nem tem é ferramenta suficiente, porque é mais é braçal, hoje o último desenvolvimento pra quem tem o arado, facilita mais as coisas, quem num tem é na enxada, capinar mesmo ali braçal, desse jeito. Sr. Frango com arroz, feijão, salada, batata-frita de um lado e uma farofa no outro,

40 anos, agricultor,pai de alunos da escola: 4 filhos.

A gente trabalha junto com os vizinhos na roça de cada um. Uns com os outros, agricultor troca uma coisa pela outra. Se a plantação dá bem, ganha, aí a gente com os outros vizinho controla, pega uma dia na roça de um e um dia na roça de outro, como o trabalho também, nós trabalha em forma de mutirão, O negócio mesmo é que todo mundo planta, mas num tem quem compre. Se o cidadão for pra outra cidade vender pode até ser melhor, mas aqui ninguém vai comprar o que já tem casa!

Sr. Carne cozida com beiju, 33 anos agricultor, pai de alunos da escola: 4 filhos.

Page 104: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

102

A gente vende, e armazena o outro pra ir comendo aquele período até encontrar outra. O feijão a gente armazena, compra o tambor, armazena dentro de casa, o milho é pra dar pro porco, o gado, o jumento que você tem, o animal. Mas sempre vende, se você ganha 10 ou 15 saca de feijão você vende 10, 15 e 5 você deixa pra consumo. [...] Produzo mel. Eu sou da associação de apicultura. Da casa de mel, porque a gente ta começando. Nós somos 28 sócios. O ano passado a gente teve 1.500 quilos de mel, e esse ano a gente passou pra 2.500 quilos de mel. Tem que plantar e vender também pra comprar as outras coisa. Você tem que vender pra comprar a carne, arroz, porque a gente não produz o arroz aqui, mas através disso comprar as outras coisa que falta dentro de casa. Uma vez falta uma coisa em casa, uma cadeira, um sofá, uma coisa e aí vai construindo essas coisa da renda que você tem.

Sr. Macarrão com tomate, 35 anos, agricultor, pai de alunos da escola: 3 filhos.

Em conformidade com o que já foi exposto, o PNAE ressalta em algumas de suas

propostas a geração de trabalho e renda, principalmente nas áreas rurais e em pequenos

municípios, onde as atividades ligadas à agropecuária e à agroindústria são predominantes.

Nós temos hoje uma ampliação do programa Compra Direta. Qual é a participação? Por exemplo, o Consea, uma instância do programa Fome Zero, juntamente com o CONSB tá ampliando várias políticas. O Compra Direta, por exemplo; não basta você só produzir, você tem que ter como comprar. Nós estamos comprando mel, verduras, galinha, goma, ou seja, toda a produção daquela determinada cidade. Se antes você vendia uma lata de mel por 50 reais, o governo passa a comprar a 80, ou seja, é um ganho, você não precisa mais do atravessador. E o Consea tem contribuído muito no debate com esses órgãos, para que as políticas sejam realmente de fato concretas. Sr. Arroz de cuxá maranhense, presidente do CONSEA – PI.

Com o funcionamento das diretrizes estabelecidas pelo programa ocorrendo de

forma legítima, destacam-se, além do apoio à agricultura familiar, o incentivo ao

autoconsumo e à produção de subsistência, as compras institucionais de alimentos da pequena

produção para a merenda escolar, os estoques de segurança formados a partir da compra dos

agricultores familiares. Entretanto, sem as possibilidades reais de venda das produções

advindas da lavoura familiar, os gêneros agrícolas coletados perdem seu potencial de

sustentabilidade. É relevante pontuar que estão presentes variáveis geográficas e climáticas

que interferem nestes trâmites relacionados às características de cada região, localidade,

identidade cultural, e, no Piauí, assim como em Guaribas, não poderia ser diferente.

Temos como destaque o caju, a cajucultura, nós temos como destaque a apicultura, nós temos como potencialidade terras para o cultivo do algodão – que já foi o ouro branco, mas o bicudo o exterminou quase, mas pode se retomar. Nós temos regiões, microrregiões, para também o cultivo sustentável da mandioca e seria, de

Page 105: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

103

fato, essa nova perspectiva do bicombustível. Então, nós temos potencialidade para a mamona, para o pinhão, para o gergelim, para as nativas, como coco babaçu, o pequi, que são oleaginosas, o tucum, e temos esse potencial todo. Do sertão, do semi-árido nosso, lá tá com muita intensidade o caju, que é um produto alimentício, o mel, que também é um produto alimentício, e, se puxa para pecuária, temos a caprinocultura, que se adapta muito bem no sertão. A alimentação básica nossa é o arroz, milho, feijão, mesmo, e a carne. A carne entra em menor escala não é por falta, é pela condição do poder aquisitivo da população. Nosso estado é grandioso, basta que a própria sociedade e as entidades, as instituições e os cidadãos, tanto os técnicos como políticos encarem programas sérios para cultivo intenso dos produtos alimentícios, porque potencialidade não é carência, nós temos sobrando.

Sr. Arroz com feijão misturado, costelinha e uns três piquizim pra roer, Agrônomo do SENAR/ PI

Muitas são as potencialidades da pecuária e da agricultura piauiense, no entanto

merece um destaque a necessidade de articulação maior entre os programas de incentivo ao

desenvolvimento social e à segurança alimentar e nutricional, e os seus beneficiários. Afinal,

quem são estas pessoas beneficiadas? Quais características e potencialidades estes grupos

sociais apresentam? Quais são os estudos prévios das políticas sociais sobre estes perfis de

agricultores propensos a intervenção? Conhecer implica diretamente em uma intervenção

mais concisa e próxima da transformação social por meio do incentivo adequado.

O grande problema hoje é uma agricultura feita por pessoas aculturadas, que a gente, por exemplo, eu, que trabalho com capacitação, trabalho no SENAR, que é uma empresa que capacita o produtor e o trabalhador rural, a gente tem dificuldade de levar tecnologia pra esse público, porque é um público de pouco estudo, e quando você tem pouca cultura, você tem uma capacidade de absorção de enxergar pouco, de ver só o que tá na sua frente. E ai você às vezes tá falando da tecnologia, tá mostrando a importância, do quanto que ele vai ganhar com aquilo e ele não consegue ver, ele é um homem cego pra tecnologia. Claro que isso não se generaliza, isso é uma questão geral, mas existe os casos de pessoas que absorvem, de pessoas que trabalham melhor.

O governo tem se voltado muito pra esse tipo de produtor, nos últimos tempos, principalmente nesse atual governo que administra o país, a política dele é voltada para o pequeno produtor, para a agricultura familiar. Tá aí o PRONAR derramando dinheiro na mão desse pessoal. Eu tenho acompanhado os assentamentos, de uma forma em geral, através das nossas ações do SENAR, mas o que a gente tem visto é que o retorno disso tem sido pequeno em relação ao que tem sido gasto. Porque, exatamente por essa dificuldade de cultura, o homem do campo não tem conseguido dar uma resposta a esse investimento alto. Você chega na maioria dos assentamentos, e não tem produção. Pecuária leiteira não existe em assentamento, a pecuária de uma forma geral. O governo faz um investimento hoje através, por exemplo, crédito fundiário. O crédito fundiário compra uma terra, entrega pra eles essa terra, faz toda a infra-estrutura necessária ali, faz casa, instala água, energia, depois vem um projeto produtivo, tudo isso e o cara às vezes ainda abandona. Só explora a potencialidade dali, vende a madeira, os animais que ele consegue adquirir com o projeto produtivo, ele compra um animal de péssima qualidade, porque ele não tá interessado em produtividade, em produzir

Page 106: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

104

bem. Então você chega lá e o sistema produtivo não funciona, não consegue funcionar. [...] Infelizmente, eu não sei, eu acho que enquanto não mudar a cultura do nosso homem do campo vai ser difícil. Essa agricultura no momento não tá dando uma resposta que o governo esperava. A meu ver continua sendo uma agricultura de subsistência, quando muito eles tão conseguindo produzir apenas para o sustento deles, e aí não conseguem pagar os investimentos bancários. Uma agricultura que é de subsistência não consegue produzir o suficiente pra pagar o que ele toma emprestado a um banco.

Não adianta também tá só investindo em qualificação, e não tá tendo resultado. Então o SENAR tá muito preocupado com isso. E os nossos resultados não tem sido às vezes o esperado exatamente porque o nosso treinando não tem às vezes o preparo suficiente pra receber um curso nosso e transformar aquilo em produtividade, em ganho de vida, em ganhos econômicos. A maioria dos nossos cursos visa, no fundo, não só produzir mais, mas injetar um recurso a mais no bolso do produtor, do trabalhador rural, não só aperfeiçoando ele naquela atividade que ele já exerce, mas qualificando ele numa nova ocupação. Agora essa resposta não tem sido às vezes a esperada, por conta do nosso público não tá realmente preparado pra receber isso.

Sr. Galinha Caipira, Médico-Veterinário do SENAR.

Como observamos, alguns empecilhos são citados frente a tentativas de orientação

e aprendizagem rural no estado do Piauí, dentre eles tem-se, de acordo com os relatos dos

técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), o despreparo do agricultor

perante as tecnologias, o analfabetismo e a pouca instrução local. Muito embora, sabe-se que

problemas dessa ordem não se configuram como “novos problemas”. Afinal, e o homem do

campo de antes. Tinha mais cultura? Não seria papel dos órgãos competentes com o fomento

de aprendizagens rurais os responsáveis por desenvolver estratégias compatíveis com o

público beneficiário e com a cultura na qual estão inseridos?

Estudar uma determinada localidade sempre implica em investigar as

determinações sócio-histórico-culturais que permeiam a construção dos sujeitos que convivem

naquele espaço. O estado do Piauí, por muitos anos teve sua história cultural associada àquilo

que Renato Castelo Branco designou como a Civilização do Couro (1970), como responsável

pela construção da identidade cultural piauiense, bem como as práticas culturais

contemporâneas ali engendradas.

É imperioso destacar que a aludida pressuposição acima, é aceita

consideravelmente por setores vinculados à gestão cultural do Piauí (Said, 2003). Entretanto,

remete a uma análise histórica para duas questões correlatas: uma que pontua o muito do que

se discutiu sobre a cultura piauiense, e que esteve marcado pela herança de um certo

determinismo histórico, que via a prática cultural das fazendas, como elemento formador da

cultura desenvolvida na localidade; o outro ponto remete ao fato de que, muito embora, apesar

da clara aceitação de predominância da civilização do couro como principal elemento

Page 107: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

105

constituidor da cultura piauiense, ainda é presente a dificuldade para se definir quais

elementos compõem a identidade cultural do Piauí.

A atribuição da definição dos traços culturais desenvolvidos pela sociedade

piauiense à formação histórica do Piauí é plenamente coerente afirmar, como discute Said

(2003):

Por certo, a vida privada nas fazendas foi que determinou, por um longo período, desde a sua gênese, a atividade cultural no território piauiense. Com efeito, por longo tempo, relações domésticas e produtivas nas fazendas, com suas divisões explícitas de atividade comercial, com sua lógica de divisão de poder, com suas segregações sociais e raciais, geraram grande parte da experiência cultural, econômica e política do Piauí. Mas é que pensar a civilização do couro como único elemento que vai caracterizar essa cultura é deixar de perceber que aquele foi um momento específico – mormente tenha sido marcante – da vida econômica, política e cultural piauiense. As marcas daquele período foram legadas à sociedade que iria se construir a posteriori, mas tais traços acompanharam o próprio ritmo de mudanças sociais impostas ao longo do tempo (SAID, p. 341-342, 2003).

Pontua-se aqui que a cultura do vaqueiro e as práticas agrícolas se fizeram

presente da conquista do território piauiense no séc. XVI, tendo seu auge no apogeu da

economia pecuária, no séc. XVII e primeira metade do séc. XVIII. Mas a questão é que a

cultura vaqueira marcou e definiu e está presente na formação da cultura do Piauí.

De certo, aquele momento de produção cultural foi impregnado de determinados

artefatos culturais provenientes da lida com o gado, da labuta nos campos, nos pastos, no

entorno das casas, enfrentando as dificuldades climáticas (condições de seca) que vigorou de

forma praticamente hegemônica, enquanto a vida social se centrava na economia política das

fazendas, isto é, em torno da produção e da comercialização do gado e das atividades

contíguas que as mesmas ensejavam (Said, 2003). Atividades estas que, em suma, anunciam

bem as configurações atuais do modelo sertanejo de cultivo e enfrentamento das dificuldades

vivenciadas no espaço agrícola.

Aqui não tem nem como eu te dizer o que é melhor para criar porque: a gente tem a dificuldade de criar só preso, mas dá certo aqui também. A única dificuldade que a gente tem aqui que ainda não deu pra perceber se é bom pro município o projeto de galinha caipira. Só isso, porque a gente já fez algumas tentativas, mas como aqui não tem um veterinário fica difícil de a gente observar, porque eu mesmo, como secretário, não entendo muito. Aqui tem uma doença chamada, acho que é “goro” como um caroço que dá nos pintinhos, aí morre tudo. Quem tem aquele rebanho maior que é obrigado a se desfazer, e a questão dos patos também, que a maioria planta pouco e quando tem essa dificuldade, que é a falta de água, aí tem que prender os animais, tem que ficar todo dia levando água pra lá, aí falta o pasto e falta água. É esse que eu considero a dificuldade na área de agricultura é na época da seca, quem tem um rebanho maior vai passar por

Page 108: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

106

uma dificuldade maior, aí é obrigado a se desfazer dos animais. Sr. Bife e arroz com batata frita,

Secretário de Agricultura do Município de Guaribas – PI. Aqui o que mais produz é o feijão, milho e mandioca, são os três produtos mais produzidos na cidade, tanto na sede quanto na zona rural. Aqui tem muitos agricultores. Atual nós temos associados na associação, mais de 300 pessoas. Aí eles atualmente planta é mais para o consumo, digamos que ele ganhe 10 sacas de feijão, 30 de milho, no caso ele vende 20 sacas de milho, fica com 10 para o animal, galinha, porco, ou então vem pra ração do gado e o feijão atualmente tem uma boa renda, se eles ganha 10 sacas atualmente eles vende na faixa de umas sete sacas e ficam com três para o consumo. Mas o pessoal reclama muito de não ter oferta boa pra venda, ai tem que vender no preço que oferecer!

Sr. Galinha Caipira misturada com arroz e o pirão,Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guaribas – PI.

Ao longo do tempo, a atividade nas fazendas e regiões de cultivo agrícola

piauiense, em função da decadência do comércio de carne bovina, entrou em colapso,

subsistindo como atividade produtiva complementar e não mais ocupando o posto de principal

produto de exportação da economia piauiense. Não obstante,

foi difundida a crença na imobilidade e na imutabilidade de certas práticas culturais que dali derivaram, o que, grosso modo, contribuiu para generalizar as diversas manifestações culturais de um território marcado pela grande extensão e pela diversidade (SAID, p.342, 2003).

A construção de uma identidade cultural alimentar sofre inúmeras alterações, pois

não se pode em hipótese alguma concebê-la como algo imutável e estático. Apesar de serem

percebidos alguns elementos e artefatos culturais que perduram no decorrer dos anos. Ou, em

outras palavras, “o que confere um caráter identitário a um grupo ou a uma determinada

sociedade são a permanência e valorização de alguns elementos culturais que constituem a

base da experiência dos indivíduos desse grupo ou dessa sociedade” (Said, p.342, 2003).

O mesmo autor ainda relata que o caráter dinâmico da cultura correspondente a

um jogo de enfrentamento e conflito entre grupos sociais distintos que se apropriam dos

elementos surgidos das transformações econômicas e tecnológicas, muitas vezes, novos e

velhos elementos culturais entram em processo de choque, de contágio e de contaminação,

alguns resistindo, outros, menos hegemônicos, transmutando-se. Com isso, tradições culturais

diferentes podem se coadunar. Isso tudo tem a ver com o processo de formação da identidade

cultural, que se dá à medida que se moldam novas formas de experiência social, muitas das

quais ligadas a estratégias de produção e consumo dos bens culturais.

Para a consecução da diretriz do PNAE de respeitar os hábitos regionais e a

Page 109: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

107

vocação agrícola, é necessário estimular o Programa de Aquisição de Alimentos da

Agricultura Familiar (PAA), para que a compra da produção dos pequenos agricultores seja

cada vez maior. Isto requer vencer algumas limitações impostas pela legislação, o que só é

visível por meio da articulação interministerial, com destaque para o Ministério da

Agricultura e Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Companhia Nacional de Abastecimento

(Conab), embora reconheçamos que não é um processo simples, pois envolve outros órgãos

de fiscalização e controle.

De qualquer forma, é consensual que o respeito aos hábitos regionais pode trazer

uma série de benefícios, como a preservação da identidade cultural, das práticas alimentares

saudáveis, inter-relação entre as diferentes culturas e tradições, auto-reconhecimento e auto-

estima dos indivíduos, independente da faixa etária e da etnia.

A nossa adequação é essa, realmente, a nossa cultura alimentar é essa: é arroz, carne e feijão. Nós não temos esse hábito de comer verduras, legumes, frutas, infelizmente a maioria nossa, dos piauienses, é o trivial como a gente chama, arroz, carne e feijão e macarrão.

Sra. Pirão de Galinha Caipira, Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

O iogurte já foi inserido, mas há ainda uma grande dificuldade com o iogurte. Os meninos ainda preferem o salgadinho, que é proibido em toda escola de ensino fundamental. É proibido nessas escolas ter cantina paralela, não existe, é proibido. Quem recebe o recurso não pode ter uma cantina paralela vendendo esses alimentos, que não são alimentos, são frituras. Só que muitas escolas, depois do portão, têm as pessoas que vendem, e que nós não podemos proibir. E na hora do recreio eles chegam no portão e a criança muitas vezes prefere comprar aquela coxinha do que se alimentar com o iogurte que é muito mais nutritivo, com biscoito, prefere se alimentar com a bomba, com um copo de refrigerante do que com a alimentação que é fornecida pela escola, que é um direito dele.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Apesar dos direcionamentos previstos pelo Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE) quanto ao respeito à identidade alimentar, muitas das estratégias fomentadas

quanto à inserção de produtos naturais podem ser de difícil articulação, sofrendo influências

no que compete ao custo e a rejeição das crianças, segundo gestores do Programa.

É, visivelmente, assim, a minha experiência de Teresina, eu não conheço. Mas existe o estímulo no programa. Existe uma lei que define, estadual, que nós deveríamos inserir o mel e a cajuína na merenda escolar, como uma sobremesa, no caso o mel, teria a merenda e mel como uma sobremesa. É uma lei muito importante para a produção, no caso, só aceitaria a compra no caso de cooperativas, a Educação compraria diretamente de cooperativas. Tem uma merenda agora que ganhou a licitação que vai ter o mel como sobremesa, é a do PENAC. É muito importante porque viabiliza a produção. Mas nós temos o outro

Page 110: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

108

lado, porque o mel é muito caro e os R$ 0,22 centavos que é colocado para o aluno às vezes inviabiliza a colocação do mel no cardápio. Porque o lado financeiro, como é uma lei estadual, a não ser que a Educação venha ter recurso para que a gente venha a comprar esse mel, mas na questão, vamos imaginar na EJA, é inviável se colocar o mel, porque não existe recurso pra isso.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de

Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Porque no caso do PNAE, da merenda descentralizada, a que vai pra escola, o Estado já faz um complemento, tem o 22%, três centavos por aluno, e ele já complementa pra poder chegar um recurso maior na escola, ele já faz um complemento de 3% em cima daquele valor. A gente faz o cardápio, procura colocar as coisas pra tá realmente fazendo esse estimulo [da agricultura familiar], mas fica muito difícil tá dentro da escola todo dia, verificando isso aí, se a escola tá fazendo ou se não tá. A gente não tem pernas pra está fazendo esse acompanhamento bem sistemático, bem de perto. A gente vive fazendo capacitações, fazendo visitas, orientando, mas infelizmente não tem ainda aquela coisa bem formalizada, como deveria ter. Existe possibilidade, como essa mesma do mel. Na hora que se conversar, que se ver a aceitação, porque nem toda criança aceita. A cajuína, também. A maioria das crianças, entre uma coca-cola e a cajuína, vai preferir a coca-cola, infelizmente. Teria que ser até uma mudança de cultura, de hábito alimentar, e de cultura mesmo. A gente tenta botar essas coisas que tem um teor nutritivo bem maior, que a própria idade requer e tudo, mas tem que ver a aceitação da criança. Infelizmente a gente tem que trabalhar isso, seriam várias mudanças ao mesmo tempo. Você vê a dificuldade que a gente tem de tá inserindo esses programas, depende de muitas pessoas, são muitos atores. Mas as coisas funcionam ainda, precariamente, mas funcionam.

Sra. Pirão de Galinha Caipira,Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Sobre as dificuldades em inserir mel e cajuína, gêneros alimentícios advindos da

produção agrícola piauiense, no cardápio da merenda escolar local, retratam

convenientemente alguns mecanismos – aparentemente contraditórios – de resistência e

permeabilidade quanto às práticas alimentares. À medida que esses alimentos

(naturais/regionais) são rejeitados, presencia-se a acolhida de alimentos industrializados.

Santos (2005) discute um pouco acerca dessas mudanças:

Diante das transformações impressas pela urbanização e pela globalização, a alimentação passou e continua passando por mudanças que afetam a qualidade dos alimentos produzidos e industrializados. Na verdade, um novo estilo de vida impõe novas expectativas de consumo, que acabam orientando as escolhas de alimentos [...] nesta transição de final e início de milênio, há o triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais. É o estilo jovem de vida que triunfa, estilo este que passou a ser marca mundial, isto é, a juventude praticamente deixa de ser uma etapa da vida para se constituir num estilo de vida. O jeans, o rock, o hambúrguer e a Coca-Cola são expressões simbólicas dessa nova cultura. Os adolescentes ganharam maior autonomia e isso é vislumbrado pela indústria, que vê aí um mercado promissor. Daí as mudanças dos padrões, que parecem menos satisfatórios ao paladar e ao aporte nutritivo em relação ao que eram anteriormente (p.12).

O mesmo autor ainda destaca que o fenômeno do fast-food representa bem a

Page 111: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

109

lógica de consumo do mundo globalizado, no qual alimentos prontos como o sanduíche de

hambúrguer, a pizza, a batata frita e os refrigerantes, preferidos por crianças e adolescentes

protagonizam o caráter do funcionamento e o perfil desta clientela por contemplar as

dimensões do prático e curto prazo no preparo. Contribui-se, com isso, com o aumento do

consumo de produtos alimentares industrializados, bem como de utensílios domésticos que

fortalecem a aquisição destes gêneros prontos para o consumo, como os fornos microondas,

por exemplo.

Em relação à região Sul do Estado, eu posso dizer assim: que é básico em relação aos outros municípios, a alimentação é igual, a merenda é igual, agora, regionalização em relação ao município, não existe porque não existe nenhuma intervenção do município na merenda escolar, ela é totalmente encaminhada de São Raimundo Nonato, assim como os outros municípios dessa região. Então, essa questão de regionalização do cardápio é uma coisa assim que, às vezes, se você for ver em relação ao Estado, em relação à região, é uma coisa regional por conta dos produtos que são oferecidos, que é o costume da alimentação da população e são os produtos mais baratos. Quando a gente faz essa associação de regionalização da merenda escolar, ela tá mais voltada à participação do município em relação à merenda, por exemplo: o município entrar com as hortas, aí produzir produtos básicos que é de costume comer na região, pra tá inserindo na merenda, por exemplo: eles gostam de comer beiju, aí tem as farinhadas, que fazem as tapiocas, pronto, se tivessem uma produção para colocar no município seria uma boa, tem o mel, o mel tá sendo produzido lá, aí seria uma boa em colocar na alimentação das crianças.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

Toda a perspectiva de gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar

(PNAE) perpassa, como já exposto, pelos princípios de estadualização e municipalização da

merenda escolar. Deste modo, prima-se por ações conjugadas entre os dois níveis de

distribuição da merenda escolar, assim como de eleição dos gêneros alimentícios a serem

inseridos no cardápio da alimentação escolar. Todavia, segundo a observação do técnico

responsável pela compra dos alimentos da merenda das escolas do município de Guaribas –

PI, o funcionamento sucede de maneira parcial. No que diz respeito à regionalização do

cardápio no estado do Piauí faz-se possível, enquanto que o mesmo não é viabilizado diante

dos hábitos alimentares do próprio município citado.

Por outro lado, o mesmo profissional elenca, inclusive, algumas das

manifestações culturais em torno da comida, como citada a experiência da farinhada, na qual

são produzidos os beijus, com potencialidade nutricional e de aceitação compatível com os

preceitos do PNAE. São destacados, ainda, a inserção do mel, que corrobora com os

incentivos à produção local. E, acima de tudo, podem se tornar símbolos de uma identidade

Page 112: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

110

através da qual os moradores de Guaribas – PI podem se orientar e distinguir.

Em suma, a inserção de alimentos que destoam daqueles relacionados com os

hábitos alimentares locais, quer seja por dificuldades operacionais, ou financeiras no ato de

fracionar o dinheiro para a compra da merenda escolar, ou mesmo por precária comunicação

entre gestores e fiscalização insuficiente; incompatibilidades existentes entre as características

e diretrizes do programa com os hábitos e costumes da localidade estudada; bem como não

cumprimento de algumas de suas indicações: incentivo à agricultura familiar; estímulo ao

desenvolvimento social, etc. Depõem contra o usufruto, em plenitude, das potencialidades do

PNAE atuando nas escolas e sociedade guaribense.

Desse modo, alimentos produzidos na agricultura familiar de Guaribas – PI como

o milho, o feijão, a mandioca, que possuem significativa produção na localidade, poderiam ser

plenamente inseridos no cardápio da merenda das escolas guaribenses Destacam-se ainda o

leite, o mel, os ovos e as carnes gêneros alimentícios animais derivados da criação de animais

como o bode, a galinha, o porco e o gado, com o mesmo potencial de inserção. Entretanto,

ocorre um privilégio dado aos alimentos industrializados na escolha dos cardápios da

merenda, sob a justificativa de serem passíveis de maior praticidade no manejo e nos acordos

de compra e distribuição estabelecidos pelos técnicos responsáveis pela compra dos gêneros

alimentícios e os estabelecimentos de compra (supermercados de cidades vizinhas, no caso de

Guaribas- PI, ocorre na cidade de são Raimundo Nonato).

Destarte, existem problemas enfrentados pelos agricultores locais em relação à

venda do que produzem. Em outras palavras, produzem os referidos gêneros agrícolas, mas

por não terem possibilidades melhores de venda – às vezes efetuada em outras cidades

vizinhas – pode ocasionar na diminuição do valor real/potencial de venda devido a carência

de compradores fixos mediante suas produções agrícolas.

Page 113: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

111

CAP. 4 - O CONTEÚDO DO PNAE: POSSIBILIDADES DE USUFRUTO

DE SEU PESO LÍQUIDO

“Um, Dois, feijão com arroz Três, Quatro, feijão no prato

Cinco, Seis, falar inglês Sete, Oito, comer biscoito Nove, Dez, comer pastéis" (T.M.M.Almeida, 1998)

Entende-se conteúdo por aquilo que se contém nalguma coisa. Desse modo

implica a prática de conter, ou seja, manter dentro de certos limites; deter; controlar. Sabemos

que um gênero alimentício industrializado, apesar de possuir um conjunto de informações já

ilustradas em tópicos anteriores, como a data de fabricação e a embalagem, destacam-se por

apresentarem indicações que levam ao conteúdo, caracterizando-o. E por conta disso,

habilitando-o ou não ao consumo.

É no conteúdo que estão todas as forças potenciais. E segundo esta perspectiva

que propomos agora discutir as potencialidades do Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE), e assim entender aspectos que o compreendem. Pontuaremos, adiante,

características do programa que encerram em si, o seu poder de segurança alimentar, por meio

do fomento a construção de hábitos que propicia, incluindo suas ações, articulações, parcerias

e coesão, nas quais consistiriam em sua atuação com máximo vigor junto à população da

cidade de Guaribas – PI.

O reconhecimento oficial do direito à alimentação está expresso na Declaração

Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. Implica

dizer que nenhuma restrição à alimentação pode ser aceitável, tendo em vista que o bem-estar

nutricional é um direito humano (Bobbio, 1992). Tal reflexão remete à questão da segurança

alimentar e nutricional e à necessidade de definição do seu conceito. A expressão segurança

alimentar e nutricional (SAN), como princípio geral, pode ser definida como “a realização do

direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade

suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base

práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam

Page 114: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

112

social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (CNSAN, 2004, p.1).

A ausência dessas condições pode ser gerada por quatro fatores, conforme revisão

de literatura elaborada por Pessanha (1998): Escassez de produção e oferta de produtos

alimentares; distribuição desigual dos alimentos entre os membros da sociedade; baixa

qualidade nutricional e contaminação dos alimentos consumidos pela população; e falta de

acesso ou monopólio sobre a base genética do sistema agroalimentar. Daí se concluir que a

noção de segurança alimentar e nutricional inclui quatro conteúdos, a saber: a) produção e

oferta de alimentos; b) direito universal de acesso aos alimentos; c) qualidade sanitária e

nutricional dos alimentos consumidos; d) conservação e controle da base genética do sistema

agroalimentar.

O sertão seria exatamente a região de semi-árido, que é a grande região de Picos, a grande região de São Raimundo Nonato, que é todo o Alto e Médio Canindé, é que é exatamente essa região que tá margeando o rio Canindé, que é um rio que corta o semi-árido. Então, toda essa região de semi-árido se traduz nessas atividades: na agricultura, mandioca, milho, algodão, são culturas mais resistentes à seca, e da parte de pecuária, a ovinocaprinocultura e a apicultura, que é o que se destaca lá nessa região. [...] Essa é a carne mais produzida [caprinos e ovinos], mas se nós falarmos em consumo, ainda o maior consumo é a carne bovina.

Sr. Galinha Caipira, Médico-Veterinário do SENAR.

A minha primeira preocupação, ao chegar a Guaribas, em 2002, foi perguntar pelo Chapadão Alto, eu perguntei quando cheguei lá embaixo “quantos engenhos de rapadura já esteve aqui?”, aí me responderam: “22” e “quantos tem funcionando?”, “4”, então a potencialidade está lá, porque no passado já existiu. Não andei muito na zona rural, muito embora a própria cidade tenha uma característica rural, mas vi que tem sim potencialidade, eu diria até superior a outros municípios da própria região. Eu sou também muito contra o paternalismo. Fico triste e ao mesmo temo indignado quando ouço da boca de quem quer que seja – da maior autoridade a menor cidadão em termos de projeção – quando se lastima miséria. Nosso país, e nele nosso estado, tem potencialidades extraordinárias, então que não cobremos só das autoridades. Cada cidadão, cidadã, tem que exercer sua cidadania, cumprir o seu papel. A ação governamental tem existido em governos anteriores, sim, não sou de tá jogando pedra; no governo atual, porém o cidadão tem que cumprir mais o seu papel. [...] O cidadão tem que acordar.

“Sr. Arroz com feijão misturado, costelinha e uns três piquizim pra roer”,Agrônomo do SENAR.

Conforme apresenta Maluf (2003. p.12) “as políticas de Segurança Alimentar e

Nutricional devem trabalhar a necessidade de dar acesso aos alimentos para os grupos

inseguros, atendendo as dimensões da quantidade, qualidade e regularidade no consumo de

alimentos”. Assim, para o autor o consumo alimentar carece de ser realizado dignamente, de

forma a assegurar que as pessoas possam se alimentar com cidadania, havendo ainda

Page 115: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

113

possibilidades prospectivas com o “empoderamento” da comunidade.

As idéias apresentadas pelo referido autor convergem com as concepções narradas

pelos técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, à medida que

expressam como indispensável a ação governamental que atue para o fomento da autonomia

dos munícipes de Guaribas – PI, discriminando e valorizando, sobretudo suas potencialidades

locais.

4.1 O PNAE como indutor de segurança alimentar e nutricional

Uma vez que o Estado tem como dever proporcionar a educação básica para

todos, e também o de combater a miséria, foram elaboradas políticas públicas que atendam

demandas tanto na área da educação quanto na área social. Dentre estas políticas, o PNAE,

cujas diretrizes tem o caráter de envolver todos os entes federados, é essencial e evidencia

essa política social como Programa sob a responsabilidade das três esferas governamentais:

federal, estadual e municipal, cujos objetivos são voltados para contribuir com a (o):

promoção do crescimento e desenvolvimento do aluno; processo ensino-aprendizagem/

rendimento escolar; formação de hábitos alimentares saudáveis; dinamização da economia

local e geração de trabalho e renda.

O papel da merenda escolar assume uma abrangência particular em localidades

em que as condições de insegurança alimentar é presente. Em Guaribas – PI, o papel da

merenda é narrado pelos técnicos do Conselho de Alimentação Escolar como fundamental

para a promoção da segurança dos alunos beneficiados, mas também como potencialidade de

fomentar aprendizados.

O papel da merenda escolar, ela tem um papel muito amplo, dentro da segurança alimentar no Brasil. Historicamente, a merenda escolar iniciou-se pela carência que existia na alimentação da população brasileira. E hoje ela ainda tá tentando suprir essas carências, mesmo que reduzidas, porque são só 15% da alimentação diária do aluno, mas ela tenta adequar essas, a carência que existe quanto aos nutrientes, aos minerais, que a população não tem. Então, essa merenda, ela tenta possibilitar esse aluno a ingerir esses nutrientes adequados, feito um cardápio por uma nutricionista.

Sra. Baião de dois com bastante queijo, Nutricionista do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Muitos alunos vão pra escola, e a gente não tem como negar isso, por conta dessa merenda, e é até um suporte pra segurar esses alunos, que a gente sabe da

Page 116: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

114

deficiência alimentar dessas crianças e até de adultos na escola. Isso é até, digamos assim, um instrumento de aprendizagem nesse caso, no nosso caso, no Nordeste e de Guaribas principalmente. Essa merenda é fundamental.

Sra. Pirão de Galinha Caipira,Coordenadora do Conselho de Alimentação Escolar do Estado do Piauí.

Em se tratando da contribuição para a promoção do crescimento e

desenvolvimento das crianças que pode ser prestada pelo PNAE, como referendado pelo

CONSEA (2004, p. 60), alimentação e educação nas escolas seriam “processos extremamente

integrados e a promoção da saúde se dá tanto pela difusão das informações quanto pelas

práticas disseminadas nos diferentes espaços escolares”.

De outra forma, a má-nutrição na educação acarreta, sempre, o risco maior de

fracasso escolar, comprometendo o rendimento escolar. Ademais, a formação de hábitos

alimentares saudáveis é condição essencial para transformar creches e escolas em espaços

efetivamente privilegiados para ampliar o acesso à informação sobre saúde e nutrição, pois se

conseguimos mudar os hábitos alimentares o mais cedo possível, é mais fácil termos uma

população adulta sadia, reduzindo os custos elevados do tão oneroso Sistema Único de Saúde

(SUS) e prevenindo problemas sérios na saúde pública.

A formação de hábitos alimentares também é relevante para a construção de

habilidades e competências fundamentais. Dentre elas, autonomia e capacidade decisória. São

fatores decisivos para que o ser humano mantenha relacionamentos afáveis em grupo,

administrando conflitos, desenvolvendo raciocínio lógico, criticidade e criatividade. São

pressupostos discutidos e consolidados pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e

Nutricional (LOSAN), que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

(SISAN).

O Consea, a nível nacional, é subordinado à presidência da república, ou seja, ele é uma instância do gabinete da presidência; a nível estadual, é uma instância do gabinete governador; a nível municipal, uma instância do gabinete do prefeito; ou seja, é uma política que vai além, perpassa, a política de governo. Mas eu queria ressaltar uma coisa, um feito muito grande nos últimos anos, foi a aprovação da LOSAN – lei orgânica de segurança alimentar; em setembro do ano de 2006, foi aprovada essa lei, sancionada pelo presidente Lula, onde a política de segurança alimentar deixaria de ser uma política de governo e passaria a ser uma política de estado, ou seja, a partir daí, todo cidadão brasileiro tem direito de comer e comer bem, em qualidade, quantidade, regularidade. Porque até então não se pensava isso, as políticas eram mais política de governo, políticas setoriais.

Sr. Arroz de cuxá maranhense, presidente do CONSEA – PI.

4.2 Necessidades de políticas públicas mais eficazes

Page 117: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

115

O governo Lula colocou o tema do combate à fome nas agendas nacional e

mundial e deflagrou de uma ampla rede de solidariedade para promover o desenvolvimento

sustentável de regiões e populações à margem da economia (Silva, 2003). Não se trata,

portanto, de uma operação assistencial de grandes proporções destinada a gerar uma

dependência tão grande quanto. A solidariedade só se resume a caridade quando desprovida

de articulação com Políticas Públicas estruturais. Em contrapartida, políticas públicas sem

adesão social, não raro, patinam em burocracia, corrupção e resultados medíocres. Ao

contrário, a combinação entre as duas pontas permite habilitar o indivíduo, a família, a

comunidade e a região a serem protagonistas de sua própria emancipação em pareceria com o

governo.

O aludido autor relata que as políticas sociais efetuadas até então sofreram alguns

embates quando aos seus respectivos processos de efetuação, que, por vezes configuraram-se

como dificuldades ou até mesmo impedimentos operacionais.

Esse é outro diferencial importante embutido na nova arquitetura das políticas sociais: o seu componente de participação. O Brasil tem fome de comida; tem fome de educação; de terra; e de empregos. Mas tem fome primal superior a todas elas: a fome de direitos republicanos de participação. Essa é a mãe de todas as fomes. A ausência de voz organizada gerou um déficit estrutural de democracia na sociedade brasileira que o Fome Zero encara como um obstáculo a ser atacado de imediato, por meio dos comitês gestores. (Silva, 2003, p.49 -50)

Para ser promovida alguma mudança significativa e efetiva para com a realidade

dos indivíduos em situação de fome Silva (2003) aponta para a necessidade de atacar a

herança das desigualdades herdadas e, simultaneamente, construir os marcos reguladores de

uma futura retomada do crescimento com justiça social. Com isso, os comitês gestores surgem

como parceiros em potencial, por constituírem a ramificação local dessa estrutura retificadora.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o CONSEA, é sua contrapartida

federal. Cabe-lhe, entre outras atribuições propor e pronunciar-se sobre diretrizes da Política

Nacional de Segurança Alimentar de responsabilidade do MESA e demais órgãos executores

dessa política, bem como mobilizar a sociedade civil, e estimular a sua participação em

conselhos estaduais e municipais.

Destarte, vale ressaltar que as instâncias acima operacionalizam o processo de

ação e transformação proposto pelo programa Fome Zero. Muito embora, indubitavelmente,

os propósitos estabelecidos pelo programa só ganharam força quando estiverem envolvidos no

âmbito de um planejamento estratégico que lhes dê coerência macroeconômica dentro de um

Page 118: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

116

novo modelo de desenvolvimento nacional (Silva, 2003).

Não obstante, Dagnino et al (2002) em seu estudo na qual faz uma análise acerca

da situação atual de funcionamento dos conselhos gestores de políticas públicas nas áreas de

saúde, criança e adolescente e assistência social, nos níveis municipal, estadual e federal,

chegou à conclusão de que os conselhos apresentam, no cenário atual, uma baixa capacidade

propositiva, exercendo um reduzido poder de influência sobre o processo de definição das

políticas públicas.

A autora supracitada, ainda relata que a institucionalização da participação

popular nas políticas públicas foi um grande avanço, uma conquista importante dos setores

democráticos à qual é preciso dar consequência e efetividade na prática concreta. Se os

desafios, como vimos, são imensos, grande tem sido também a criatividade na busca de

soluções. “Apenas o tempo será capaz de dizer se esses esforços serão suficientes, ou se os

constrangimentos e as limitações atuais inviabilizarão os conselhos como um dos campos de

luta dos setores progressistas pela ampliação e aprofundamento da democracia no Brasil”

(Dagnino et al, 2002, p.100).

Silva (2003) reforça essa lógica mais à frente em seu artigo aduzindo que

justamente o que faltou às políticas sociais anteriores praticadas no país, foi acreditar que o

mercado, por si só, funcionaria como amálgama potencializador das iniciativas contra a

exclusão.

Tudo que se conseguiu, com tímidas exceções, foi o ‘atendimento à pobreza’, que constitui a melhor forma de perpetuá-la. (...) com recursos públicos, com boa intenção, com acertos localizados, mas sem impactos transformadores. Ações dispersas e fragmentadas, por mais focalizadas que sejam não fazem girar a roda da inclusão. (Silva, 2003, p.51)

Arretche (2000) discorre sobre o fato de que no Brasil existem muitos trabalhos

sobre experiências descentralizadas de gestão de programas sociais. Mas análises sobre o

processo global de reforma das políticas sociais, que identifiquem a substituição de um

modelo centralizado por um modelo descentralizado, são raras. Isto é, “poucos são os estudos

que buscam avaliar a natureza das mudanças ocorridas – ou em curso – no âmbito nacional,

de modo que possamos falar de um possível (re)desenho institucional de nosso Sistema de

Proteção Social” (p.23).

As idéias apresentadas pelos três últimos autores acima destacam a importância de

redefinições quanto aos modelos de políticas sociais presentes nas políticas públicas

Page 119: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

117

brasileiras. Contudo, apesar de ocorrerem correspondência entra as idéias dos autores acima,

destaca-se como indispensável uma participação popular mais articulada e ativa, e, sobretudo

homogênea e integrada.

Em suma, é imperioso levar em consideração os espaços institucionais ou grupos

sociais nas quais são veiculadas, desenvolvidas, ou implementadas essas políticas sociais.

Afinal, as ações a serem efetuadas devem ser permeadas por novos aprendizados, novos

modos de agir e de enfrentamento. O espaço familiar de indivíduos em situação de

insegurança alimentar encontra-se envolvido por algumas reconfigurações estruturais – como

já foi apresentado – em seu sistema interacional, que, indispensavelmente requer também uma

assistência em meio que sejam instigadas ações mais integradoras e mobilizadoras, quem dirá

educativas e transformadoras.

Com relação ao governo, tem sido feito um grande investimento a longo prazo através, eu acho que uma coisa que vai dar uma resposta futura, chama-se FUNDEF, fundo da educação, O governo está investindo na educação, tá sendo investido no jovem rural. Hoje o jovem rural além de uma escola, tem um professor mais bem pago, tem ônibus passando na porta da casa dele. Então esse jovem eu acredito que vai ser a resposta de amanhã. Amanhã, no campo, vai ter nele como uma grande resposta.

Sr. Galinha Caipira, Médico-Veterinário do SENAR.

Especificamente sobre a dinamização da economia local, as metas a serem

alcançadas incluem o desenvolvimento da agricultura local. Este, por sua vez, exige o

incentivo ao pequeno produtor, visando à geração de trabalho e renda, como recurso

estratégico para amenizar a insegurança alimentar e nutricional. Para tanto, os gerentes do

Programa nacional de Alimentação Escolar têm mantido contatos sistemáticos com o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Companhia Nacional de

Abastecimento (Conab), para encontrar meios de aperfeiçoar o Programa e aperfeiçoar os

resultados.

Todas estas são medidas que possibilitam a elevação do Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), indicador empregado para mensurar a qualidade de vida e o

desenvolvimento dos povos, em nível mundial, por meio de três parâmetros: longevidade,

nível de educação e oportunidade de acesso a recursos. Também permitem a apreensão de

novos conhecimentos e criam igualdade de condições nas disputas comerciais.

Os relatos dos sujeitos da pesquisa – pais de crianças matriculadas em escolas do

município de Guaribas – apresentaram indicativos de uma relativização da situação de fome;

ou seja, o que se come no espaço familiar não corresponde ao que é indicado pelas ações

Page 120: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

118

pedagógicas das escolas. Ou, em outras palavras, muitas das práticas alimentares vivenciadas

por estes grupos sociais que vivem da agricultura de subsistência e de práticas de caça no

sertão piauiense, não são vistas com “bons olhos”. E a representação daqueles que estão em

situação de fome ganha uma nova configuração: antes da inserção de políticas sociais do

governo e previdenciárias, era relacionada à privação de alimentos por período prolongado;

hoje está vinculada ao consumo de gêneros alimentícios que não passaram pelo tratamento da

indústria, como as carnes de caça e o milho ralado, por exemplo.

Bom, os ganho dependendo da colheita que a gente faz, que a gente colhe. O que faz você ganhar é dependendo do que você produziu, do que for produzido. Ôh rapaz, ia ficar muito feliz. Feliz, sabe porque, só em eu plantando, ter a colheita, vender e tendo meu filho na escola, já é um futuro, aquilo dali vai ter um grande espaço. Porque hoje as coisas é o seguinte: pra quem tem uma boa cultura o mercado é difícil, e quem num tem. Mais distante fica. [...] Se você pudesse alcançar uma coisa mais melhor quem é que num ficava feliz?! Uma merenda de boa qualidade, mais adequada seria bom, saber as comida de lá é a gente que plantou, que colheu, eu ia ficar cheio de orgulho! Sr. Frango com arroz, feijão, salada, batata-frita de um lado e uma farofa no outro,

40 anos, agricultor,pai de alunos da escola: 4 filhos.

Sentia melhor porque se era de eu dar esses passos pra frente, já tava ficando aqui mesmo, e aí consumia aqui, era bem melhor. Mas é difícil sabe... será que na escola eles iam querem comer como pobre come? Num sei não! Nós às vez come carne de caça, mandioca braba do mato. Umas comida selvagem. São comida de quem passa fome. Por aqui, passar fome é comer coisa do mato. Antigamente quando eu era menino, numa tinha essas coisa. Se sentia bem, seria bom (sobre produzir para a merenda escolar). Porque o que eu tava produzindo eles tava comendo na escola. Iam dar valor pras comida do lavrador que planta, caça no mato, e come. Também tem a rapadura que eles tem também na escola.

Sr. Macarrão com tomate, 35 anos, agricultor, pai de alunos da escola: 3 filhos.

Como é observado nas falas dos pais (agricultores) de alunos das escolas de

Guaribas – PI, ao supor a inserção de alimentos produzidos e cultivados na agricultura

familiar, emergem sentimentos de valorização – de si próprios e de seus ofícios – e de orgulho

pelo fato de ocorrer a convergência com os alimentos produzidos pelo trabalho do pai de

família. Destarte, ressalta-se as concepções de que o ato de passar fome é representado pelo

ato comer comida do mato, e de que na escola não se come de maneira semelhante ao espaço

familiar.

4.3 A merenda educadora

De acordo com Fonseca (1988) a merenda escolar em seu período de

Page 121: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

119

centralização colecionava uma série de críticas quanto à sua funcionalidade e efetividade.

Dentre elas, era comum que os alimentos ali destinados chegavam ao seu fim com atraso, em

excesso ou até faltavam. Com isso, causava transtornos ao fornecimento da merenda, quando

muitos alimentos chegavam em condições desfavoráveis ao consumo (pacotes rasgados,

danificados, com data de validade vencida).

Vale destacar que devido à pouca quantidade de fornecedores através da aludida

centralização da distribuição da merenda escolar, viagens longas pelas estradas brasileiras

eram efetuadas, e por conseguinte, aumentavam os custos dos respectivos gêneros

alimentícios (FONSECA, 1988). Não obstante, elevados índices de rejeição ainda eram

constatados, pelo fato desses não serem correspondentes aos hábitos alimentares regionais e

locais, em especial por não respeitar a cultura alimentar infantil.

Muito embora, para que programas e políticas sociais que se utilizam da escola

como mediador institucional de sua práxis, tenham êxito se faz necessário que se conquiste a

adesão das crianças pela percepção destas de que a vivência que ali têm é original,

insubstituível e enriquecedora (CAVALIERE, 2002). Afinal, a merenda escolar possui um

caráter curricular em meio ao espaço educacional. Através dela, é possível promover

aprendizados indispensáveis ao desenvolvimento infantil e juvenil, bem como – com o mesmo

potencial – ferir determinados direitos educacionais e legítimos aos escolares, sem falar do

direito humano básico à alimentação.

A escola vem sendo concebida como espaço de formação para a cidadania, o

pleno desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do indivíduo, intensificando-se, assim a

preocupação em se definir práticas pedagógicas que favoreçam este desenvolvimento. Sobre

esta realidade versa os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que a educação deve pautar

– se nos princípios da dignidade da pessoa, da igualdade de direitos, da participação e co-

responsabilidade pela vida social.

É imperioso analisar, ao tempo em que se é promovida esta discussão, as diversas

representações que a sociedade faz junto à merenda escolar. Parte substancial destas

perspectivas envolve o discurso referente

[...] à distribuição de extraordinários poderes a ela. Referem-se principalmente à sua mistificação, ingenuamente apresentada como antídoto contra o fracasso escolar e a desnutrição. Como ela não soluciona nem pode solucionar o primeiro problema e muito menos o segundo, muitos de sua validade. Não tendo poderes mágicos e não sendo panacéia para os problemas sociais, para nada serve? (FONSECA, 1988, p. 107).

Page 122: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

120

Não obstante, a merenda escolar possui algumas finalidades, dentre as quais

podem ser elencadas a social ou assistencial, a biológica e a educativa. Na primeira finalidade

– social ou assistencial - a merenda escolar assume um caráter paliativo, pois pode apenas

aliviar, atenuar ou remediar o sofrimento infantil, e, por conseguinte, não apresenta eficácia

duradoura, mas sim momentânea. Essa perspectiva em torno da merenda faz-se presente

principalmente pela “[...] precária situação sócio-econômica em que vive a maior parte da

população brasileira, a escola é chamada a cumprir, além da função pedagógica, também a

função assistencial para amenizar o sofrimento infantil.” (FONSECA, 1988, p. 108).

Outra finalidade aduzida pela merenda escolar diz respeito á sua função biológica,

que é o de saciar a fome do aluno durante o tempo em que ele está na escola. Esse objetivo da

merenda não torna a escola um “restaurante”, mas mostra que as cozinhas e refeitórios das

escolas podem ser mais um espaço escolar onde se é possível ter ações pedagógicas. Enquanto

ser com necessidades biológicas, o aluno se sente compelido a ingerir alimentos após algum

período de tempo. Se, no horário em que a criança deveria se alimentar, ela está na escola, é

natural que esta ofereça uma alimentação que satisfaça a necessidade orgânica do aluno, sem

que esta refeição seja vista como paternalismo ou assistencialismo (FONSECA, 1988). Vale

destacar que a presente proposta de pesquisa assume essa função pedagógica junto à merenda

escolar, conforme é exposto nos aludidos pressupostos acima.

O Programa de Merenda Escolar também exerce uma função educativa – lógica

argumentada pelo mesmo autor supracitado – e pode ser utilizado como recurso didático,

sendo adicionado ao currículo da escola. Para tanto, tem a faculdade de ensinar as crianças o

valor dos alimentos, o processo de transformação, de cultivo, a importância na recuperação da

saúde. Destarte, potencialmente com a merenda escolar, pode-se orientar acerca de alimentos

prejudiciais e dar-se início a uma reeducação alimentar.

Destarte, é imperioso observar que Sucupira (1998) destaca as refeições

fornecidas nesses espaços coletivos tem uma dupla vantagem do ponto conforme a ótica

educativa. Uma primeira vantagem está vinculada ao fato de constituir como significativa

ocasião de proporcionar aos alunos o contato com uma variedade maior de alimentos, o que

favorece a incorporação de hábitos alimentares mais saudáveis. Como segunda vantagem, a

autora aduz que é possível fomentar nos educandos a formação de uma atitude de cuidado

com o alimento a ser consumido introduz para a criança a noção de vigilância sanitária. Esta

última entendida como a vigilância das condições ambientais e dos serviços oferecidos à

Page 123: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

121

população, ressaltando a questão da consciência da cidadania e incorporando na sua atuação

uma função educativa mais orientadora e conscientizadora do que punitiva.

As referidas discussões aduzidas anteriormente seguem o mesmo raciocínio

defendido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) frente à concepção de segurança

alimentar, ou seja, visar especialmente à prevenção e o controle de doenças crônicas, a

desnutrição e a obesidade. Afinal, sendo fomentadas em salas de aula discussões sobre os

hábitos e práticas alimentares, assim como as estratégias que as famílias sertanejas utilizam

para enfrentar as restrições e dificuldades alimentares por circunstâncias de fome latente ou

cíclica.

Em se tratando de questões relacionadas ao espaço escolar, assumem um caráter

pedagógico todas as ações cotidianas que na escola são fomentadas e planejadas, quer sejam

de maneira explícita, quer de maneira encoberta ou tácita, todas perpassam pelas atividades

curriculares. Compreende-se como currículo, portanto, a forma como as instituições de ensino

organizam os conhecimentos a serem trabalhados pedagogicamente (MOREIRA & SILVA,

2005).

Com isso, a merenda escolar como prática cultural inerente ao cotidiano escolar,

precisa ser concebida segundo as influências e articulações sofridas pelo próprio currículo.

A merenda escolar tem um papel fundamental na escola, porque ela tem que suprir a necessidade energética da criança em 15% do valor total, e em Guaribas especificamente essa merenda, ela tinha que ser um pouquinho maior o percentual porque ela é como se fosse café da manhã pras crianças, muitas e muitas crianças vão pra escola sem tomar café esperando já essa merenda escolar.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

Destarte, vale destacar que o respeito aos hábitos e práticas alimentares que se

discute aqui inclui, inclusive, detalhes aparentemente banais, como a submissão das crianças a

um arbitrário do horário indicado pela escola. Além disso, o PNAE em suas diretrizes vem

estimulando para que as escolas trabalhem na implantação e manutenção de hortas. Estas

podem ser utilizadas não só para a complementação da alimentação escolar mas também para

enriquecer os currículos, como tema transversal, engajando professores de geografia, história,

ciências ou qualquer outra disciplina, para que o alunado visualize as questões nutricionais de

forma mais ampla.

Oferecer alimentação saudável aos escolares é uma forma de cobrar das

prefeituras a contratação de nutricionistas que respondam tecnicamente por este requisito.

Segundo Bezerra (2003, p. 162) “a merenda escolar extrapola tanto o papel de

Page 124: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

122

complemento alimentar, como os limites de sua cobertura, determinado pela legislação que o

regulamenta”. Desse modo o autor discorre sobre a merenda escolar e suas práticas

pedagógicas e curriculares relando que é possível gerar “um habitus correspondente que tende

a orientar as disposições práticas relacionadas ao comer na escola, à organização do trabalho

pedagógico e à jornada escolar” (p.213). Pensando assim a potencialidade da merenda escolar

que se direciona o olhar sobre esta nas escolas de Guaribas - PI.

Primeiro tem que partir da administração pública, o incentivo, mas só que é uma coisa muito complicada trabalhar com a população que é carente, e a carência não é em relação à carência financeira, à carência alimentar, é uma população carente de instrução, que é um ponto que a gente tava até conversando muito, por exemplo, em relação a modificar os hábitos alimentares de certas regiões, micro-regiões da cidade de Guaribas em específico, que ali é um processo não só de chegar, colocar o produto e dizer: “Use isso! Você vai ter que comer agora isso e isso”. Não é uma coisa que só compete a eles, é mais um processo de modificação de educação da população, não só em relação à educação alimentar, em relação à educação higiênico-sanitária, a educação moral, é uma série de fatores que não tem como a gente separar, é tudo interligado.

Sr. Galinhada, Nutricionista responsável pela merenda escolar em guaribas – PI.

Conforme a fala do técnico responsável pela merenda escolar de Guaribas- PI, em

especial quando discute sobre o arbitrário que envolve a escolha dos cardápios, narrando ser

tarefa complexa decidir abruptamente quais gêneros devem ser inseridos no cardápio com a

finalidade de modificar hábitos alimentares locais. Acerca disso Bezerra (2002, p. 168)

discute que a merenda, “de maneira implícita e sutil, manifesta-se como uma atividade

discriminatória que reforça a submissão do aluno, limita sua capacidade crítica e desqualifica

sua cidadania”. Assim sendo, a merenda carece de ser pensada nesta localidade como

construto pedagógico, e como tal estar permeada de concepções de valorização e respeito aos

discentes em sua plenitude e identidade cultural.

É justamente com a atenção aos processos educativos que o Programa Nacional de

Alimentação Escolar atua, vislumbrando ações cotidianas no espaço escolar. Ações estas que

primam pela transformação social, sobretudo com olhar atento à conjunção dos aprendizados

sociais, culturais, e históricos, a partir da prática curricular junto à escola, a fim de fomentar

autonomia de seus beneficiários.

Em termos numéricos, a clientela ora atendida pelo PNAE totaliza mais ou menos

37 milhões de pessoas. Isto o transforma num programa amplo, com visibilidade até no

exterior. São crianças de creches e da pré-escola, ensino fundamental, além de estudantes

indígenas e quilombolas.

Page 125: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

123

De acordo com dados do CONSEA (2004), o PNAE atinge 97% das escolas

públicas urbanas e este percentual sobe para 98%, na zona rural. No entanto, paradoxalmente,

apesar das discrepâncias regionais ao Norte (N) e Nordeste (NE), as pesquisas apontam o

Sudeste (SE) como a região mais beneficiada. O mesmo em relação ao confronto de áreas

urbanas X rurais, quando o urbano tem primazia.

Finalmente, no caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar, considerando

controle social como a participação da sociedade no acompanhamento da execução da política

pública, de forma organizada, sistemática e individualizada, este é o encargo do mencionado

Conselho de Alimentação Escolar (CAE), como instrumento de participação da sociedade

(quinta diretriz do PNAE). A Medida Provisória No 1979-19, de 2 de julho de 2000, define a

sua composição e suas atribuições.

Em termos de composição, os CAES reúnem representantes do Poder Executivo e

do Legislativo, além de professores, pais e representantes da sociedade civil, como igrejas,

sindicatos, associações de moradores, clubes e organizações não governamentais (ONGs).

Quanto às suas atribuições, como antes mencionado, cabe a eles fiscalizar e analisar as

prestações de contas das entidades executoras.

Tudo isto comprova que qualquer processo social ganha mais qualidade quando

há aproximação entre as instituições. A escola não pode ser vista como autônoma. Quanto

inter-relacionada com as demais instâncias, de qualquer área, como saúde e assistência social,

a comunidade escolar – alunos, professores e pais – tem chances de incrementar segurança

alimentar e nutricional desde a infância, assegurando qualidade de vida condigna à população

brasileira.

Em suma, percebe-se que o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE é

possuidor de potencialidades de desenvolvimento social e promotor da qualidade de vida

frente à situação de fome presente no município de Guaribas - PI. Constatação que é

percebida através de dois aspectos centrais.

O primeiro corresponde ao potencial agrícola do município de Guaribas

relacionado pelos relatos de técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR,

pelos membros do Conselho de Alimentação Escolar do estado e do município, nos quais

apresentam gêneros alimentícios como a carne (de gado, de bode e de galinha), os ovos, o

mel, a mandioca, o feijão, o milho e o leite, que poderiam ser incluídos na merenda escolar.

O segundo aspecto diz respeito às narrativas dos pais de alunos das escolas que

tem como principal renda a agricultura. Estes relatam apresentar dificuldades quanto à venda

Page 126: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

124

dos alimentos que produzem na lavoura familiar. Entretanto, caso estas famílias produtoras

tivessem seus alimentos integrados à merenda escolar, além de gerar maiores possibilidades

de trabalho e renda, estimularia o desenvolvimento social do município de Guaribas – PI, e,

por conseguinte, a superação da situação de fome. Ressalta-se, com isso, que não existe

nenhuma experiência concreta de utilização de produtos da agricultura familiar em políticas

públicas como o PNAE, isto é, nenhum gênero alimentício produzido no município de

Guaribas está inserido na merenda das escolas, quer sejam estaduais ou municipais. O

argumento que é utilizado como justificativa por parte dos técnicos responsáveis pela compra

da merenda está relacionado às dificuldades de manejo da merenda, fiscalização insuficiente e

ao racionamento dos poucos recursos financeiros fornecidos para a aquisição dos alimentos.

Page 127: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou analisar o Programa Nacional de Alimentação Escolar,

por meio da discussão de suas potencialidades apresentadas nas diretrizes que norteiam as

ações dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) junto às escolas municipais e estaduais

do município de Guaribas – PI.

Ao se discutir as práticas alimentares da população do município situando sua

construção sócio-histórico-cultural, constatou-se transformações no universo das práticas

alimentares, em especial aquelas decorrentes da inserção de políticas sociais de transferência

de renda implantados pelo governo federal, bem como as de previdência social.

No âmbito das práticas alimentares do município de Guaribas – PI, a chegada de

novos gêneros alimentícios, ou até alimentos industrializados aconteceu com a melhora da

renda e do acesso à cidade – antes praticamente inviável, realizado apenas com animal – ainda

dificultado por estradas de chão, em precárias condições de trafegabilidade. Ressalta-se que o

escoamento da produção agrícola local, constituída basicamente de feijão, milho, mandioca e

fava, assim como o deslocamento da população para outras regiões e o fluxo de mercadorias e

serviços necessários ao abastecimento da população, ainda hoje é dificultado por estradas mal

cuidadas

Verificou-se que a fava representa para Guaribas - PI um alimento identificador

de seu município. Como já apontado no decorrer desta dissertação, na região Sudoeste do

Piauí, apenas este município produz a fava, e apesar das dificuldades quanto à sua colheita e

produção, muitos agricultores residentes da localidade plantam e colhem fava com a

finalidade de venda para outros municípios. Trata-se, com isso, de elemento de distinção

social para aqueles munícipes.

Além disso, a meta de mapear o universo da produção agrícola familiar do

município, com a identificação dos alimentos que podem integrar os cardápios da merenda

escolar, permite afirmar que é plenamente viável a utilização dos gêneros alimentícios

advindos da agricultura e da pecuária familiar. Entretanto, por meio dos relatos dos moradores

antigos e dos pais (agricultores) de crianças matriculadas em escolares do município de

Page 128: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

126

Guaribas – PI representaram que o que se come no espaço familiar não corresponde ao que é

apresentado na merenda das escolas. Por conta disso, foi atribuído um caráter simbólico a

determinadas comidas e alimentos, como as carnes de caça – tatu, cotia, avoantes, etc. – como

sendo “comidas de pobre”, e devido a essa atribuição, não serem passíveis de inserção junto

ao cardápio da merenda escolar.

Desta maneira, constatou-se, por meio dessa pesquisa, que as formas de utilização

do PNAE – política educacional – podem constituir potencial elemento de estímulo à

agricultura familiar local e superação da fome, podendo garantir segurança alimentar. No

entanto, isso não ocorre na operacionalização daquele Programa. Logo, face à

intersetorialidade inerente ao PNAE, visualizada tanto no âmbito de sua gestão, quanto, e,

sobretudo, na disseminação de suas ações em diversas instâncias governamentais e não

governamentais, nas esferas federal, estadual e municipal, é de se esperar que a avaliação

proposta seja cautelosa quanto a posicionamentos mais amplos, que impliquem em

generalizações.

Destaca-se ainda que a forma como a dieta é avaliada pelos moradores do

município de Guaribas - PI, expressa uma identidade social alimentar, inserida nas condições

de vida e trabalho, e do corpo socialmente posicionado, que paradoxalmente favorecem ou

refutam a condição de ser pobre.

Ao mapear o universo da produção agrícola familiar do município, foram

identificados os alimentos como a carne de gado, de bode e de galinha, os ovos, o mel, a

mandioca, o feijão, o milho e o leite que podem integrar os cardápios da merenda escolar. Por

conseguinte, estaria explícito o potencial do programa diante do estímulo à agricultura

familiar local e superação de fome/ garantia de segurança alimentar na localidade, já que as

famílias de Guaribas enfrentam dificuldades quanto à venda de suas produções agrícolas,

tendo, por vezes, que diminuir o valor do produto para obter alguma forma de retorno

financeiro.

Não obstante, alguns entraves são apresentados por parte daqueles técnicos

responsáveis pela compra da merenda das escolas guaribenses, relatando que existem

dificuldades operacionais quanto ao fracionamento dos recursos financeiros destinado à

merenda, bem como diante do manejo dos alimentos industrializados, com a justificativa de

que seriam mais práticos para a compra e manuseio dos produtos.

Com a mesma veemência, algumas assertivas provenientes deste estudo podem

subsidiar outros estudos e pesquisas destes derivados. Afinal, a pulverização das atividades do

Page 129: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

127

PNAE dificulta a visibilidade, o acompanhamento e o controle, e, por conseguinte, a análise

do programa em esfera nacional, o que significa reconhecer que um dos maiores desafios está

na dificuldade em conhecer e articular conjunturas e estruturas que condicionam a sua

visibilidade e os impactos sociais gerados.

REFERÊNCIAS

ADRIÃO NETO. Geografia e História do Piauí para estudantes – da pré-história à atualidade. 5. ed. Teresina: Edições Geração 70, 2006. ARANHA, M.L.A. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996. ARAÚJO, U. F. Escola, democracia e a construção de personalidades morais. Educação e Pesquisa, São Paulo, vol.26, nº. 02, p.91-107, jul/dez 2000. Disponível em: www.scielo.com.br. Acesso em: 22 de junho de 2007. ARAÚJO, M.M.B. O poder e a seca de 1877 a 1879 no Piauí. Tese de Mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco. Teresina, 1991. _____. Cotidiano e pobreza: a magia da sobrevivência em Teresina. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 1995. _____. Cotidiano e imaginário. Teresina: EDUFPI/Instituto Dom Barreto, 1997. ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralizacão. Rio de Janeiro: Revan, 2000. AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira – introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed. rev. e ampl. Brasília, ed. UnB, 1963. BEZERRA, J. A. B. Comer na escola – significados e implicações. Tese de doutorado em Educação. Universidade federal do Ceará – UFC, 2002. BRANDÃO, T.M.P. A Elite Colonial Piauiense: família e poder. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil; 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. 292 p. BOCK, A. M. B. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo:

Page 130: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

128

Saraiva, 1999. BOURDIEU, P. A Produção da crença – contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre: Zouk, 2006. _____. O poder simbólico. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. BOURDIEU, P. & PASSERON, J.C. A Reprodução – Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora S.A., 1982. BRITO, I. S. História da Educação no Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996. CÂMARA- CASCUDO, L. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004. CAMBRAIA, R. P. B. Aspectos psicobiológicos do comportamento alimentar. Rev. Nutrição, Campinas, 17(2):217-225, abr./jun., 2004. CANO, Inácio. Introdução à avaliação de programas sociais. 3ªed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade – uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campos, 2003. CANESQUI, A. M. Antropologia e alimentação. Revista Saúde Pública, São Paulo, 22: 207 – 216, 1988. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (Org.). A família contemporânea em debate. São Paulo: Educ; Cortez, 1997. CASTRO, Josué de. Geografia da fome. São Paulo: Brasiliense, 1959. CAVALIERE, Ana Maria Villela. Educação Integral: uma nova identidade para a escola brasileira? Educação Social, Campinas, SP, v. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002. Disponível em: <www.scielo.com.br>. Acesso em: 22 de junho de 2007. CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: as artes de fazer. vol 1. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. _____. A invenção do cotidiano: morar e cozinhar. vol 2. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. CERRI, C. & SANTOS, A. C. Fome: história de uma cicatriz social. Revista PUC viva, São Paulo, vol. 5, n. 9. fev./mar. de 2003. CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. 9. ed. São Paulo: Editora Gente, 2004.

Page 131: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

129

CNSA (Conferência Nacional de Segurança Alimentar). Construção de uma política de segurança alimentar e nutricional. II CNSA. Olinda, mar. 2004. CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR (Consea). Alimentação e Educação nutricional nas escolas e creches. In: _____. Princípios e diretrizes de uma Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília, 2004. p.57-60. COSTA, Nelson Nery. O Começo do Piauí: os primórdios e a segunda metade do século XVII. Teresina: Civitas – Cidadania e Políticas Públicas, 2006. CURY, Carlos Roberto Jamil. Políticas inclusivas e compensatórias na educação básica. Cadernos de Pesquisa, v.35, nº. 124, p. 11-32, jan/abr. 2005. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em: 01 de junho de 2007. DAMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. DAGNINO, E. (Org). Sociedade civil e espaços públicos do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. DIAS, W.P. Caracol na Historia do Piauí. 3ª ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1987. DIAS, Cláudia. Pesquisa qualitativa: características gerais e referências. Disponível em <http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2007 ESTEBAN, M.T. Educação Popular: desafio à democratização da escola pública. Caderno Cedes, Campinas, SP, v. 27, n. 71, p. 9-17, jan./abr. 2007. FUNDAÇÃO CENTRO DE PESQUISAS ECONÔMICAS E SOCIAIS DO PIAUÍ - CEPRO. Indicadores Sócio-econômicos do município de Guaribas – PI. Disponível em: <http.cepro.pi.gov.br>. Acesso em 10 jun. de 2008. FUNDAÇÃO CENTRO DE PESQUISAS ECONÔMICAS E SOCIAIS DO PIAUÍ - CEPRO. Relatório de Pesquisa – Piauienses: perfil, valores e aspirações. Disponível em: <http.cepro.pi.gov.br>. Acesso em 23 jun. de 2008. FONSECA, J.P. Municipalização da merenda escolar paulista: In: Revista Educação Municipal nº 3. São Paulo: vol. 1, dez/1988, p.106-115. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV. Apresenta números acerca da fome no Brasil. Disponível em: <http//www.fgv.org.br>. Acesso em 18 set. de 2007. GARCIA, R. W. D. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Rev. Nutr., Campinas, 16(4):483-492, out./dez., 2003.

Page 132: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

130

GOUVEIA, Aparecida Joly (1997). A escola, objeto de controvérsia. In: PATTO, Maria Helena Souza (org.). Introdução à Psicologia Escolar. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Apresenta dados acerca do município de Guaribas. Disponível em: <http//www.ibge.com.br>. Acesso em 12 jul. 2006. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Apresenta dados acerca do estado do Piauí. Disponível em: <http//www.ibge.com.br>. Acesso em 18 set. 2007. INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS – IPEA. Apresenta números acerca da fome no Brasil. Disponível em: <http//www.ipea.org.br>. Acesso em 12 jul. de 2006. LAVINAS, Lena e BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira. Combater a pobreza estimulando a frequência escolar: o estudo de caso do Programa Bolsa-Escola do Recife. Disponível em: www.scielo.com.br. Acesso em: 22 de junho de 2007 LEAL, L. O. P. Seca do Nordeste: veredas e mitos. Revista Manchete Rural, Rio de Janeiro, set. de 1998. LÉVI-STRAUSS, C. O cru e o cozido. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. MACÊDO, S. C. F. Os sabores da cidade: práticas alimentares, hierarquias sociais e seus lugares em Belém do Pará, segunda metade do século XIX. Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom. MACIEL, M. E. Uma cozinha à brasileira. Estudos históricos, Rio de Janeiro, n. 33, p.25-39, jan.-jul. 2004. MALUF, R. Perspectivas para a segurança alimentar no Brasil. Saúde e Sociedade. vol.12 no.1 São Paulo Jan./June 2003. MARTÍNEZ, A. M. Psicologia Escolar e Compromisso Social. Campinas, SP: Editora Alínea, 2005. 259 p. MEC. FAE. Portaria 459/FAE. Regulamentação do Processo de Descentralização do Programa de Alimentação Escolar. Brasília: FAE, 1993. _____. FNDE/DAAE. Orientações básicas para o Programa de Alimentação Escolar. Brasília: MEC/FNDE, 1999.

Page 133: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

131

MENDES, F. Economia e desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2003. MINTZ, S. W. Comida e Antropologia. Uma breve revisão. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 16. n° 47, out. 2001. MONTANARI, M. A Fome e a abundância: história da alimentação na Europa. Bauru – SP: Edusc, 2003. MOREIRA, A.F.; SILVA, T.T. da (Org.). Currículo, cultura e sociedade. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005. NETO, M.D.; BORGES, G.A. Seca seculorum, flagelo e mito na economia rural piauiense. 2ª ed. Teresina: Fundação CEPRO, 1987. NUNES, O. Súmula de História do Piauí. 2. ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2001. ________. Pesquisas para a História do Piauí – volume 1. Teresina: FUNDAPI; Fundação Monsenhor Chaves, 2007. Coleção Grandes Textos. NEGREIROS, F. “Família Fome da Silva Piauí”: reflexões sócio-históricas a partir do mito do Cabeça-de-Cuia. Teresina: Monografia de Bacharelado em Psicologia, Universidade Estadual do Piauí, 2003. PATROCÍNIO, R. História do Piauí – síntese histórica e perfil geográfico. 2. ed. Teresina, Piauí. PAULA, A.N. Os alimentos transportados pela armada de Pedro Álvares de Cabral, segundo a Carta de Pero Vaz de Caminha. Teresina: Instituto Dom Barreto, 2000. PESSANHA, L. D. R. Segurança alimentar como um princípio orientador de políticas públicas: implicações e conexões para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Seropédica, 1998. RODRIGUES, J. L.P. Geografia e História do Piauí – estudos regionais. Teresina: Halley S.A., 2000. ROMANELLI, Otaíza de O. História da Educação no Brasil. 30. ed, Editora Vozes - Petrópolis RJ, 2006. SAID, Gustavo. Dinâmica Cultural no Piauí Contemporâneo. In: SANTANA, R. N. M. Apontamentos para a História Cultural do Piauí (org.). FUNDAPI: Teresina, 2003. SANTOS, C.R.A. A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p. 11-31, Editora UFPR, 2005.

Page 134: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

132

SANTOS, Antonio Raimundo dos. Metodologia Científica: a construção do conhecimento. 3ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. SERRÃO, J. V. História de Portugal, vol. III, O século de Oiro (1495-1580), 1° ed., Editorial Verbo, Povoa de Varzim, 1978. SILVA, G.S. Segurança alimentar: uma agenda republicana. Revista Estudos Avançados - USP, São Paulo, vol. 17, n. 48, mai./ ago de 2003, pp. 45-52. SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão de literatura. Revista Sociologias. Porto Alegre, ano 8, nº. 16, p.20-45, jul/dez 2006. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em: 01 de junho de 2007. SUCUPIRA, Ana Cecília S. L. O ensino da saúde no espaço da escola e creches e a segurança alimentar. In: SIMPÓSIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1, Anais... realizado em São Paulo, de 21 a 23 de setembro de 1998, p. 15-17. Disponível em: < http://www.cip.saúde.sp.gov.br/apresentação.htm>. SWARTZ, David. Pierre Bourdieu: a transmissão cultural da desigualdade social. In: PATTO, Maria Helena Souza (org.) (1997). Introdução à Psicologia Escolar. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo. VALLA, V.V. (org). Saúde e Educação. Coleção o sentido da escola. Rio de Janeiro: DP & A, 2000. VERZA, Severino Batista. As Políticas Públicas de Educação no Município. Ijuí: Editora Unijuí, 2000. 280p. VIANNA, M. J. B. As práticas socializadoras familiares como locus de constituição de disposições facilitadoras de longevidade escolar em meios populares. Educação Social, Campinas, vol.26, nº. 90, p.107-125, jan./abr. 2005. Disponível em: www.scielo.com.br. Acesso em: 22 de junho de 2007. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000. WOORTMANN, K. Casa e família operária. Anuário Antropológico/80, Fortaleza: Edições UFC, 1982. _____. A comida, a família e a construção do gênero feminino. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 29, n. 1, 1996, pp. 103-130.

Page 135: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

133

APÊNDICES

Page 136: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

134

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista com representantes do Conselho de Alimentação

Escolar da Secretaria Estadual de Educação do Piauí – SEDUC

• O papel da merenda escolar.

• Em que se baseiam os critérios utilizados para escolher os gêneros alimentícios/ o cardápio da merenda escolar? Os alunos são consultados?

• Como ocorre a distribuição da merenda escolar em termos logísticos?

• Relação entre o PNAE e a Segurança Alimentar/ e a merenda como estímulo

agricultura familiar.

• A regionalização dos cardápios. A adequação à cultura alimentar.

Page 137: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

135

APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista com representantes (Agrônomos e Médicos

Veterinários) do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR

• Descreva um pouco sobre as características/ especificidades da agricultura/ pecuária do Piauí.

• Quais são as principais fontes de produção do sertão do Piauí quanto à agricultura e à

pecuária?

• O que mais se produz e se consome através da agricultura familiar piauiense?

• Quais são as potencialidades agrícolas e pecuárias da região e município de Guaribas – PI em situação climática normal?

• Em períodos de seca/ infernos irregulares como se caracteriza a ação governamental

em relação à agricultura familiar?

Page 138: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

136

APÊNDICE C – Roteiro de Entrevista com representante do Conselho Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA

• Dados acerca do CONSEA – PI (criação, formação, sistemática de funcionamento).

• Como o CONSEA vê a situação de fome e alimento no Piauí?

• Estratégias/ ações prioritárias do CONSEA para lidar com a insegurança alimentar.

• Quais as ações do CONSEA que envolvem/ são direcionadas para o PNAE?

• Propostas e ações do CONSEA – PI frente à agricultura familiar.

Page 139: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

137

APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista com Moradores mais antigos do município de

Guaribas – PI

• O que você comia na sua infância e juventude?

• O que mudou na alimentação daquele tempo para a de hoje?

• Qual sua opinião/o que você acha dessas mudanças?

Page 140: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

138

APÊNDICE E – Roteiro de Entrevista com Agricultores Pais de alunos das escolas do

município de Guaribas – PI

• Quais são os alimentos produzidos em sua lavoura/ roça / plantação (espaço de domínio

familiar);

• Quando produz além do que consome, o que faz com o excesso?

• Você sabe quais alimentos são consumidos por seu filho na escola?

• Para você como seria (se sente, que ganhos teria plantar e colher alimentos que serviriam

para a merenda escolar dos alunos de Guaribas?

• Que alimentos você/senhor/senhora consumia quando era criança?

Page 141: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

139

APÊNDICE F – Fotos de Guaribas - PI

Visão panorâmica do município de Guaribas – PI.

Page 142: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

140

Avenida principal da cidade.

Escola municipal, localizada na zona urbana da cidade.

Rua da zona urbana de Guaribas – PI.

Page 143: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

141

O “antigo” e o “moderno”: mulher transportando máquina de lavar.

Page 144: A MERENDA ESCOLAR E SEU POTENCIAL EM FACE DA … · 2.1.6 Quando já estiver frio, junte o coco, as gemas, as claras batidas em neve e o fermento..... 62 2.1.6.1 Despeje a massa em

142

Capela da cidade de Guaribas – PI.

Animais criados no perímetro urbano de Guaribas – PI.

Zona rural de Guaribas – PI.