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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.474 A “MEMORIA DO PIRARUCU” DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA: DO NASCIMENTO DA MODERNA CIÊNCIA À LEGITIMAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO LINEANA Rafael Ramos Silva 1 ; Eulália Maria A. de Moraes 2 ; Christian Fausto Moraes dos Santos 3 Introdução Alexandre Rodrigues Ferreira, nascido em 1756 na Bahia – Salvador –, brasileiro por nascimento, jovem ainda, deixa a Colônia para ir à busca dos estudos superiores da Europa. Ao chegar a Portugal com 14 anos, pensava nas Ciências Jurídicas, contudo, atraído pelas Ciências Naturais, formou-se em dois de julho de 1778 em “Philosophia Natural”, na Faculdade de Philosophia da Universidade de Coimbra, então renovada pela ação cultural de Pombal. Foi convidado a ocupar uma cadeira na Faculdade, mesmo porque dois anos antes de se formar, já era “Demonstrador de História Natural”. Em 1779 obtém o grau de doutor (CORRÊA FILHO, 1939). Nesse ambiente de efervescência intelectual, assistidos pela publicação da Enciclopédia Iluminista i e as trocas de informações por correspondência dos homens de ciência, Portugal também eclode com o surto renovador na cultura científica, com a reforma do currículo universitário, que tivera início em 1772, pelo Marquês de Pombal. Considerada à margem das conquistas do Iluminismo europeu do século XVIII, as ciências naturais em Portugal, de certa forma, acompanharam a irradiação das luzes francesas e produziram trabalhos, cujas informações, hoje são reconhecidas. Até, recentemente, pouco abordado, o estudo das Ciências Naturais no Portugal do século XVIII, em muitos aspectos, acompanharam a dinâmica das luzes que se manifestavam em boa parte da Europa. O resultado de tal empreitada lusa, no estudo da natureza, produziu trabalhos de grande relevo, hoje reconhecidos pela Historiografia. No final do século XVIII, Portugal abrigava uma ativa 1 Acadêmico do curso de História pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (Fafipar- PR). e-mail: [email protected] 2 Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Professora do Departamento de História da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (Fafipar-PR). e-mail: [email protected] 3 Doutor em História das Ciências e da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ), Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM). e-mail: [email protected]

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Page 1: A “MEMORIA DO PIRARUCU” DE ALEXANDRE RODRIGUES … · CLASSIFICAÇÃO LINEANA Rafael Ramos Silva1; Eulália Maria A. de Moraes2; Christian Fausto Moraes dos Santos3 Introdução

DOI: 10.4025/4cih.pphuem.474

A “MEMORIA DO PIRARUCU” DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA: DO NASCIMENTO DA MODERNA CIÊNCIA À LEGITIMAÇÃO DA

CLASSIFICAÇÃO LINEANA

Rafael Ramos Silva1; Eulália Maria A. de Moraes2;

Christian Fausto Moraes dos Santos3

Introdução

Alexandre Rodrigues Ferreira, nascido em 1756 na Bahia – Salvador –, brasileiro por

nascimento, jovem ainda, deixa a Colônia para ir à busca dos estudos superiores da Europa.

Ao chegar a Portugal com 14 anos, pensava nas Ciências Jurídicas, contudo, atraído pelas

Ciências Naturais, formou-se em dois de julho de 1778 em “Philosophia Natural”, na

Faculdade de Philosophia da Universidade de Coimbra, então renovada pela ação cultural de

Pombal. Foi convidado a ocupar uma cadeira na Faculdade, mesmo porque dois anos antes de

se formar, já era “Demonstrador de História Natural”. Em 1779 obtém o grau de doutor

(CORRÊA FILHO, 1939).

Nesse ambiente de efervescência intelectual, assistidos pela publicação da

Enciclopédia Iluministai e as trocas de informações por correspondência dos homens de

ciência, Portugal também eclode com o surto renovador na cultura científica, com a reforma

do currículo universitário, que tivera início em 1772, pelo Marquês de Pombal. Considerada à

margem das conquistas do Iluminismo europeu do século XVIII, as ciências naturais em

Portugal, de certa forma, acompanharam a irradiação das luzes francesas e produziram

trabalhos, cujas informações, hoje são reconhecidas. Até, recentemente, pouco abordado, o

estudo das Ciências Naturais no Portugal do século XVIII, em muitos aspectos,

acompanharam a dinâmica das luzes que se manifestavam em boa parte da Europa. O

resultado de tal empreitada lusa, no estudo da natureza, produziu trabalhos de grande relevo,

hoje reconhecidos pela Historiografia. No final do século XVIII, Portugal abrigava uma ativa 1 Acadêmico do curso de História pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (Fafipar-PR). e-mail: [email protected] 2 Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Professora do Departamento de História da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (Fafipar-PR). e-mail: [email protected] 3 Doutor em História das Ciências e da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ), Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM). e-mail: [email protected]

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uma esfera política. A atuação desta nas academias, nos teatros e nas óperas comungava com

os ideais propostos pela Idade das Luzes. Devemos considerar que, desde a década de 1770, a

Universidade de Coimbra apresentava uma vitalidade resultante da Reforma Pombalina.

Em 1764, Domênico Vandelli, doutor da Universidade de Pádua, fora indicado, pela

administração pombalina, para a Universidade de Coimbra (CORRÊA FILHO, 1939). Cátedra

em História Natural, Vandelli era um correspondente daquele que seria reconhecido

mundialmente como “pai da sistemática”: o sueco Carls von Linnéii.

A saga de Portugal, juntamente com a Espanha, é de serem pioneiros dos

descobrimentos marinhos, o que seguramente faz com que Portugal, antes de ser letrado ou

culto, seja camponês, viajante e marinheiro. Porém, como podemos avaliar o mundo depois

das descobertas geográficas, tornou-se um mundo “globalizado”. Os humanistas, por

exemplo, esboçaram modelos de relações harmoniosas ao proporem soluções que se

apoiavam ora no simples bom senso, ora nos grandes textos bíblicos. Mas, as implicações

advindas das descobertas dos grandes e ricos territórios, impuseram uma fronteira interna e

um princípio de hierarquia. Uma nova divisão correlata às diferentes formas de vida antípoda,

que habitavam a região anteriormente tida como tórrida. Assim temos da experiência ao saber

metódico, da aventura da “aventura” meticulosamente arquitetada que leva ao contato com o

real, à ciência rigorosa; eis o que se poderia enunciar dos historicamente “descobridores”

portugueses quando buscaram a unidade racional do mundo moderno.

Conforme afirmamos acima, desde 1764, sob a administração centralizadora do

Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1751-1777), projetaram-se reformas

na área da educação e cultura. Não sem dificuldades, diga-se de passagem, uma vez que

dentro do despotismo esclarecido, algumas decisões poderiam colocar em risco o Estado

absolutista, o que pode ser comprovado pela desarticulação dos aldeamentos e das escolas

jesuíticas no Brasil e Portugal (MENDONÇA, 1963). Contudo, a despeito das questões

políticas conservadoras, as reformas do ensino primário, secundário e universitário foram

levadas a efeito por Pombal. É relevante a presença do Cátedra italiano, Domenico Vandelli

que viera da Universidade de Pádua, uma vez que seria o orientador de Alexandre Rodrigues

Ferreira e, na seqüência, o indicaria para dirigir a Expedição ao Brasil – a “Viagem

Philosophica” –; responsabilidade que o naturalista assumiria representando sobremaneira os

interesses de Portugal na Colônia.

As Expedições dirigidas por naturalistas formados em Portugaliii, nesse período, foram

trabalhos endossados pela Coroa e que, para além dos interesses científicos, passaram a

fomentar um inventário de possibilidades econômicas dos recursos naturais das colônias de

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Portugal, em particular o Brasil. Aliás, um alerta para providências que outros países vinham

mantendo, tomando a dianteira em relação às suas colônias. Informado, através de

correspondências com as outras sociedades científicas, Portugal deixa-se convencer pela

necessidade da promoção de pesquisas, estimulando a coleta e observações das colônias, bem

como extensos relatórios das mesmas.

A “Memória do Pirarucu” na Viagem Philosophica

No vasto material coletado por Alexandre Rodrigues Ferreira e seus ajudantes – dois

desenhistas e um botânicoiv – encontram-se o levantamento sobre as espécies de peixes da

região que compreendia a Capitania do Estado do Grão-Pará e Maranhão, entre essas está à

descrição ou “Memória do Pirarucu”. Alexandre Rodrigues Ferreira levanta aspectos

etimológicos, culturais da relação da comunidade com os peixes, assim como uma descrição

etológica. Em sua observação, o naturalista escreve uma memória dedicada exclusivamente a

este peixe da família dos Osteoglossídeos; um registro que não é fortuito (FERREIRA, 1972,

p. 2).

O pirarucu, (Arapaima gigas) tendo múltiplas utilidades, rapidamente foi assumido pela

dieta alimentar dos colonizadores do norte da América Portuguesa e, desde os primeiros

contatos com os nativos daquela região, figura sua importância. Sendo um peixe que pode

atingir até três metros de comprimento e 250 quilos, um único exemplar deste peixe poderia

alimentar mais de uma centena de pessoas. Há ainda o fato de que sua carne é considerada,

até hoje, como tendo excelente sabor. Com relação à sua conservação, provavelmente, desde

antes das observações de Alexandre Rodrigues Ferreira, o Pirarucu já vinha sendo pescado e

beneficiado, utilizando-se a milenar técnica da salga, quando então o peixe é cortado em

pedaços denominados mantas. Para facilitar ainda mais a predileção por sua carne, o pirarucu

é, praticamente, desprovido de espinhas, o que facilita, em muito, seu consumo. Não é por

acaso que o pirarucu foi denominado pelo conquistador europeu, desde o século XVI, de

“bacalhau da Amazônia”, alcunha que resultou dos hábitos gastronômicos observados nos

nativos e assumidos pelo viajante ou colono lusitano.

Para além do enorme volume protéico gerado pela pesca deste peixe, em uma região

onde a criação de animais domésticos de corte ainda era consideravelmente incipiente,

associado às técnicas de conservação que facilitavam sua estocagem, ainda havia outros

atrativos na morfologia do pirarucu. As escamas que o revestem, de tamanho bem

proporcional ao seu tamanho, ainda hoje, são utilizadas na confecção de ornamentos; sua

língua, óssea e áspera também é, até hoje, ideal para se processar uma importante droga do

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sertão. Com a língua do pirarucu, rala-se o guaraná prensado em forma de bastão, ou seja,

uma ferramenta primordial em uma região onde predominava ou predomina a economia

extrativista. Os ovos da fêmea do pirarucu, também servem de alimento; sua pele grossa e

resistente tinha, também, um fim mais nobre que suas vísceras jogadas na beira do rio.

Segundo o manuscrito de Alexandre Rodrigues Ferreira, o peixe conhecido pelo nome de

pirarucu, tem como significado “peixe pintado de urucu” v (FERREIRA, 1972, p. 4).

Nas observações de Alexandre Rodrigues Ferreira sobre a alimentação do pirarucu,

descreve que sua dieta principal era compreendida por “(...) insetos e vermes aquáticos (...)”

(Op. cit, p.14) além de fazer parte de sua dieta uma variedade com mais de seis espécies de

peixes. Ao se comparar as informações coletadas pelo naturalista setecentista suas podemos

confirmar que este tem por hábito ser carnívoro e se alimentar de alguns tipos de peixes

(CAVERO et al, 2004, p. 513), dado que vem corroborar com as observações levantadas pelo

naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira em relação aos hábitos alimentares do pirarucu.

O pirarucu, muito provavelmente, já era utilizado como alimento pelos indígenas da

região amazônica, sendo sua carne servida depois de salgada e seca ao sol. Para sua captura

eram utilizadas diferentes técnicas, como o arpão, o anzol, os tapumes e as varas, materiais

que deveriam ser de grande resistência pelo fato do pirarucu ser “um peixe alentado e

furioso”, além de ser um dos maiores peixes “três varas de comprimento por uma vara e dois

palmos de grossuravi” (FERREIRA, 1972, p.15). Segundo Brandão, o pirarucu é peixe que

desenvolve uma alta taxa de crescimento, já no primeiro ano de crescimento pode alcançar de

sete a dez quilos (BRANDÃO et al, 2006, p. 350).

Alexandre Rodrigues Ferreira também faz menção dos usos culinários da carne do

pirarucu, descrevendo-o como “de pouco ou nenhum sabor” (FERREIRA, 1972, p. 15). Ao

longo do tempo esse uso aumentou e acabou chegando às cozinhas dos restaurantes, tornado-

se um dos peixes mais apreciados, na gastronomia amazônica. O sabor, bem como a ausência

de espinhos na carne deste peixe, são fatores relevantes para o seu enobrecimento o que

consequentemente elevou o valor comercial contribuindo para uma pesca predatória crescente

e elevado risco à espécie. As discussões atuais referentes ao pirarucu são realizadas de modo a

tentar obter uma criação deste peixe em cativeiro e de forma eficaz, proporcionando assim

uma forma de suprir o mercado consumidor e não levar à espécie a lista de extinção

(MURRIETA, 2001).

Ainda segundo Murrieta (2001) o pirarucu é colocado como o maior peixe de escamas

do planeta e seu consumo estava presente nas sociedades pré-cabralianas, como pode ser

comprovado em escavações arqueológicas na Ilha de Marajó, com algumas especulações de

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que seu consumo estaria, em épocas remotas, voltados para rituais esporádicos, uma vez que

apresentam vestígios em pouca quantidade. Atualmente, tem apresentado significativa

importância no cotidiano alimentar das comunidades ribeirinhas e, indiretamente, no de outros

segmentos da sociedade que apreciam, gastronomicamente, o peixe. Dentro da comunidade

pesqueira, o pirarucu vem representando, no campo econômico, uma apreciável fonte de

renda e, no alimentar importante, fonte de proteínas (MURRIETA, 2001, p. 113 -116), haja

vista das comunidades ribeirinhas amazônicas terem certas dificuldades logísticas em manter

animais domésticos que forneçam uma ração protéica diária, pois, nem sempre, a criação de

porcos, gado, ovelhas e aves são viáveis em uma região de floresta amazônica repleta de

predadores e parasitos. Neste sentido, estas questões biogeográficas e ambientais, tornam a

caça e pesca mais viável do que a criação de animais domésticos na obtenção de proteína.

A forma de pesca artesanal realizada atualmente é praticamente a mesma descrita por

Alexandre Rodrigues Ferreira ainda no século XVIII “com anzol, com arpão, com redes, com

tapumes de varas” (FERREIRA, 1972, p.16). Nos dias atuais, a pesca do Arapaima gigas

ainda se vale das mesmas ferramentas descritas pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira

há mais de dois séculos, são ferramentas que atravessaram os séculos de colonização, como,

por exemplo, “arpão [hastea] e o anzol com linha” (Op. cit, p.16). Trata-se de técnicas que

demonstram, não somente, certa ritualidade na pesca do pirarucu, mas também estão

associadas a meios mais aplicáveis ao ambiente e de baixo custo, como, por exemplo, o uso

de tarrafas e malhadeiras que, ao longo dos séculos, tornaram-se práticas mais freqüentes

entre os pescadores da atualidade, mormente em pescadores mais jovens. Tais práticas,

associadas à pesca indiscriminada e comercial do pirarucu são, rigorosamente condenadas por

pescadores tradicionais o que chamou a atenção das autoridades e teve como conseqüência, a

regulamentação da pesca do pirarucu sua regulação a partir de uma normativa do ano de 1991

pelo IBAMA (MURRIETA, 2001, p. 121).

Alexandre Rodrigues Ferreira: o inventário da natureza Amazônica para a Ciência

Alexandre Rodrigues Ferreira entre uma Participaçãovii e outra – no tempo que lhe

restava depois de preparar os materiais descritos nos diários, ou seja, depois de preparar as

remessas ou “caixões” que levavam espécimes animais, vegetais, minerais e/ou artefatos

indígenas para a Metrópole –, mantinha uma rotina de observar e tomar nota dos mais

variados fenômenos da natureza, uma atividade de anotações acerca da natureza

separadamente; um trabalho de naturalista cujos escritos colocavam em prática o exercício de

conhecimentos do “homem de ciência”. A esses escritos dava-se o nome de “Memorias”. Tais

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“Memórias”, hoje distanciadas da densidade científica que cerca um tratado biogeográfico,

respeitando-se as devidas proporções, eram, no contexto intelectual do século XVIII, o que de

mais sofisticado existia em termos de classificação e observação da natureza, haja vista o fato

de Alexandre Rodrigues Ferreira ter, como referencia para a classificação do mundo natural o

Sistema Naturae de Linne. Seus registros e memórias, foram, portanto, o resultado não

somente de uma ampla curiosidade científica de sua época, mas também de uma maneira de

se observar a natureza, maneira esta que se pautava no que de mais sofisticado existia em

termos de referencial teórico e metodológico na Europa setecentista, além de que, Alexandre

Rodrigues Ferreira demonstrava uma respeitável capacidade de trabalho e grande

polivalência, pois, para além do labor de naturalista que descrevia lagartas e especulava sobre

a razão da cor enegrecida do Rio Negro , somavam-se às funções de funcionário da Coroa

que, acima de tudo tinha como prioridade descrever “memórias” que tivessem utilidade

econômica (FERREIRA, s/d, p. 594-5).

Ao analisarmos as anotações de história natural de Alexandre Rodrigues, temos a

impressão de que os registros são feitos de maneira breve para serem retomados futuramente.

Assim, são inúmeras as observações no que dizem respeito à etnografia, zoologia, botânica.

Em todas as “Memorias”, é possível captar o cientista do século XVIII às voltas com um

exercício de ciência que tomava as primeiras notas, mas que ainda não estava devidamente

aprofundado. Em particular, a sistemática zoológica que – pouco difundida à época, como é

compreensível – iniciava os primeiros passos para o que seria uma “sistemática lineana” para

a biologia; em alusão ao criador da nomenclatura, Linnaeus. Podemos inferir, da afirmativa,

as muitas informações que Alexandre Rodrigues Ferreira colheu e registrou segundo os

conceitos e saberes nativos e que, em diversos momentos, deixa bem claro as intenções de um

futuro trabalho de gabinete para ordenar, catalogar e classificar parte da fauna e flora

amazônica brasileira, já que o que enviava para a Metrópole era resultado da observação do

que não passara despercebido ao olhar de um único naturalista.

“Creyo, que tem tido a felicidade de chegar ás Maons de V. EXª digo que creyo, porque depois da ultima carta, que me escreveo Julio Mattiazzi na data de 20 de julho de 1784, nem se quer tenho sabido, se lá tem chegado as producções remettidas. E esta he a mais pungente mortificação que passo, vacilando sempre, se ao penozissimo trabalho, que todas ellas custão em observar, recolher, e preparar sobreviverá a desgraça, de chegarem mal acondicionadas. Novembro de 1784” (LIMA, 1953, p. 191-92).

Entendia, pois, o naturalista do século XVIII, aquilo que temos hoje bem claro. A

bacia amazônica possui a mais rica flora do mundo, com igualmente riquíssima fauna entre

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aves – com destaque para as pernaltas; mamíferos arborícolas – cuja variedade de primatas,

alguns tão minúsculos que podem ser acomodados na palma da mão; e aquáticos – estes

abrigando duas espécies de golfinhos, duas de lontras e uma de peixe-boi. Para Michael

Goulding (1993), aquilo que se constitui cerca de 30 mil espécies da flora já descritas,

corresponde a um terço do total existente na América do Sul. As plantas das planícies

inundáveis, por exemplo, devido à necessidade de adaptações especiais para sobreviverem às

inundações periódicas, desenvolveram-se de forma singular, o que as tornam diferentes

sobremaneira das plantas de terra firme. Avalia o pesquisador Goulding citando exemplo, não

se ter realizado ainda, um levantamento sobre o número total das espécies de plantas das

planícies inundáveis. Ao que devemos concordar com Alexandre Rodrigues Ferreira: o

reconhecimento da flora e fauna da Amazônia não poderia ser trabalho para apenas um

naturalista ou, apenas um século.

“De proposito tenho repetido a remessa das Tartarugas, como quem sabe, que sendo grande a distancia a vencer, e não sendo sempre igual o cuidado dos conductores, vem á ser preciso, multiplicar as preparaçoens, para de alguma vêz escapar huma, ou outra (...). Razão, porq. dêvo dizer a V. Ex.ª, que quanto tem ate agora sido possivel não escapar a os olhos de hum único Naturalista, e este tão pensionado, como me eu tenho visto, com toda a casta de observaçoens Philosophicas, e Politicas, posso seguramente affirmar, q. pela minha p.e tenho formado huma idea geral, do q. por aqui há de productos; Não, que para averiguação de todos quantos há, bastasse a minha vida, mas nem as de huns poucos de Naturalistas, q. se succedessem, e quizessem com especialidade completar a Flora do Estadoviii. Nelle tenho visto q. vivem as plantas de Guiana e q. por conseguinte a Flora daquelle he a mesma q. a deste Paiz, com a differª de infinitas outras, que ou o Naturalista Francez, não pôde ver, ou realmente as não há ally. (...). De V. Ex.ª Muito humilde Cr. Alexandre Rodrigues Ferreira. Barcellos, 14 de Novembro de 1786” (LIMA, 1953, p. 191-92).

A despeito de todos os encargos de caráter político/administrativo, impostos ao

naturalista e que estão presentes em boa parte de seus relatórios – uma vez que ele devia

informar e propor soluções à Coroa –, a “Memoria do Pirarucu” é, por exemplo, alguns dos

momentos em que a reflexão economicista deixa de ter o destaque solicitado e a “Filosofia

Naturalix” têm garantido seu espaço nas reflexões do “homem de ciência” fazendo com que as

descrições obtenham as características de Ciências Naturais. No século XVII e, sobretudo no

século XVIII, há uma ruptura filosófica humanista/racionalista que separa o Homem da

Natureza. Acessá-la, a partir desse momento, demandaria uma racionalidade humana,

responsabilidade da Ciência articulada a algumas práticas que, no contexto histórico, foram

produzidas. As experimentações empíricas, com o auxílio de máquinas e instrumentos

produzidos por artesãos, as novas técnicas e métodos inspirados nas práticas políticas de

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Estados burocráticos e absolutistas, fundamentariam o perfil da Ciência, tornando-a

“revolucionária” (SOARES, 1995, p. 491-505).

Nas memórias de Alexandre Rodrigues Ferreira assistimos tal revolução quando este

apresenta a divisão do Reino animal e vegetal dentro dos preceitos que estavam sendo

esboçados pelo sistemata sueco Carl von Linnaeus, ou seja, as considerações do naturalista da

“Viagem Philosophica” não estão, em momento algum, regidas pelo material e/ou

passividade. São considerações que reúnem um conjunto de fenômenos norteados pela lei da

causalidade e apareceram em muitos conceitos científicos modernos. Ainda que, com certa

visão teológica da natureza, visão que fazia parte das reflexões dos savans ou sábios homens

de ciências e que dera origem a chamada “Economia da Natureza”x. Mesmo que, um tanto

quanto inspirado pelo cartesianismo do século XVII, referindo-se aos animais/máquinas. Não

resta dúvida de que o naturalista, em suas conjecturas, deixa vir a tona um cartesianismo que

se mistura à teoria de Linnaeus ao afirmar:

“Ambas as Máquinas (Animal e Vegetal) são hidráulicas. As suas partes sólidas correspondem ao tutano nos animais e à medula nos vegetais; os ossos ao lenho; os músculos aos galhos; à pele o córtex; à cutícula a epiderme; os pulmões às folhas; os dutos venosos aos arteriosos, etc., os vasos suctóricos que conduzem os fluidos, as vesículas que os retém e conservam; as traquéias que atraem o ar. Aos órgãos genitais que correspondem `a frutificação, temos que os estames nas flores são órgãos genitais masculinos cujos cálices servem de lábios ou de prepúcio, e as corolas de ninfa; o pólen de semem, as anteras de testículos, e os filamentos de vasos espermáticos. Os pistilos são femininos cujo estigma é a vulva; o estilete é a vagina; o germe, o ovário por fecundar; o pericárpio, o ovário já fecundado, e a semente, o ovo. A tudo isso provam: 1- a Eficiência; 2 - a Origem; 3 - a Situação; 4 - o Tempo; 5 - as Divisões; 6 - a Castração; 7 - a Estrutura do polén (...)” (FERREIRA, 1972, p. 68).

As atribuições de uma função sexual às plantas comprovam a escola lineana, o que

justifica as considerações do naturalista. A publicação do Systema Naturae, na primeira

metade do século XVIII, escandalizou a Europa. E bem podemos deduzir da repercussão nos

meios, ao observarmos a irreverência das comparações. Reflete Alexandre Rodrigues que

“(...). A juventude que é fogosa, audaz e dócil (...)” e comparável à florescência. Já “À

Virilidade que é sanguínea, forte, relaciona-se à Frutificação” (Op. cit, p.68)

Esta modernidade geográfica, que privilegia a distribuição e diversidade de animais e

plantas em diferentes partes do globo e que encontramos presentes nas crônicas dos viajantes

e naturalistas é assinalada por uma formação intelectual do chamado Século das Luzes, ainda

que, em vários momentos, ainda esteja vinculada à perspectiva de descrição do Mundo

Natural, por longo tempo embasada nos Compêndios da Antigüidade Clássica. Para Capel-

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Saez (1999), uma disciplina científica se encontra plenamente constituída quando,

primeiramente, o problema científico apresentado é suficientemente grande para atrair a

atenção de novos intelectuais com novas propostas, uma vez que consideram as referências

usuais obsoletas. Outro ponto que se apresenta, seria de ordem social, com o reconhecimento

da comunidade científica, que viabiliza a socialização do saber.

Dessa forma, nos intervalos das “Participações” à metrópole, juntavam-se ao “Diário

de Viagem” e às iconografias dos riscadores, as “Memorias” como comprovação da

curiosidade do naturalista. Na Memória sobre o peixe Pirarucu, considerado por Alexandre

Rodrigues Ferreira o bacalhau do Pará ou vaca cotidiana das mesas portuguesas (FERREIRA,

1972, p. 13), após detalhada descrição de toda constituição anatômica na forma latinizada

com dados consideráveis sobre a anatomia, alimentação, processo de desova ou reprodução e

abundância nas Capitanias do Grão Pará e Rio Negro – compreendendo hoje toda a bacia

amazônica – também o descreve segundo a etimologia indígena. Afirma que o denominam

pirá-urucu, devido sua coloração, o mesmo significando entre nós, peixe pintado de urucu,

referindo-se à árvore que produz as sementes com as quais os nativos se pintam e que “já é

muito conhecida pelos botânicos europeus, sob a denominação de Bixa orellana” Com

relação ao peixe-boi, por exemplo, Alexandre Rodrigues Ferreira afirma que o paladar deste

aproxima-se do Atum do reino – Portugal. Já com relação às tartarugas, descreve-as, – nas

suas quatorze variedades, bem como dos vários processos de capturá-las. (FERREIRA, 1972,

p. 13).

Do que se segue, interesses políticos e econômicos da Coroa à parte, não se pode

negar, considerando-se aqui o contexto intelectual da Europa do século XVIII, o caráter

filosófico natural da “Viagem Philosophica”, considerada a primeira Expedição Científica

Portuguesa à América Portuguesa. De interesses voltados ao estudo daquela que seria a

Amazônia brasileira, o trabalho de campo foi executado com competência e dedicação pelo

naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira e sua equipe, embora lamentavelmente impedido de

dar prosseguimento a pesquisa “de gabinete” quando obteve permissão de retornar a

Metrópole portuguesa em 1793.

Com todas as dificuldades, percalços e limitações foi a única grande expedição

científica portuguesa enviada à América portuguesa do século XVIII que, em si mesma,

evocou o exercício da ciência Iluminista quando, então, o naturalista esboço, em suas

observações, seguir a sistemática de Linnaeus, obra que figurava na biblioteca selecionada

para a “Viagem Philosophica”xi. O resultado destes nove anos de trabalho (1783-1792) nos

coloca diante de uma atmosfera intelectual, e não é possível entender o pleno sentido de seu

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trabalho como naturalista e inspetor – das suas observações, conceitos e relatos das “coisas” e

dos homens da América Portuguesa – sem nos reportarmos ao ambiente e momento de

fecunda produção científica do século XVIII.

O pirarucu, grande - Arapaima gigas (Cuvier, 1829), peixe de ocorrência mencionada

em toda Amazônia – no século XVIII e que pode alcançar na sua fase adulta até 150 quilos,

hoje é um peixe de pesca controlada pelo Ibama e com considerável risco de extinção, daí a

criação de Leis Federais para protegê-lo.

Em comentário de nota de rodapé para a obra “Viagem Filosófica pelas capitanias do

Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Memórias Zoologia e Botânica” – publicada em 1972

pela iniciativa do Conselho Federal da Cultura –, Heraldo Britski e José de Lima Figueiredo,

ictiólogos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, ao comentarem a descrição

da “Memoria do Pirarucu” do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, afirmam que uma vez

que a descrição apresenta-se em latim – obedecendo a uma nomenclatura binominal,

conforme regras estabelecidas internacionalmente para a nomenclatura zoológica – se a

publicação da Memória do Pirarucu tivesse ocorrido antes de 1829, ano em que Cuvier e

Agassiz, publicaram a descrição desse peixe, a autoria seria de Alexandre Rodrigues Ferreira

(FERREIRA, 1972, p. 16).

É, pois, a partir da “Viagem Philosophica” que encontramos essa preocupação básica,

naturalista, não a encontrando em seus antecedentes tão claramente. As descrições de

Alexandre Rodrigues Ferreira inauguram um período de viajantes naturalistas que, ao

percorrerem o Brasil de norte a sul, fomentarão um estudo científico sistematizado da flora,

fauna, clima, geografia, etnografia e das possibilidades econômicas.

Aliás, na “Viagem Philosophica” o cientista racional está presente em cada observação

renovadora, quando revoluciona comportamentos seculares, como a mentalidade dogmática

dos jesuítas, em relação à catequese dos indígenas ou os ritos; quando busca as causas dos

fenômenos ou a razão de ser do acontecido na sociedade ou na natureza; quando, enfim, toma

sobre si a responsabilidade da investigação. Eis o que caracteriza o método científico.

Descrições como as do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, dão início a história do

método científico na Modernidade.

Notas

i L’Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné Des Sciencies, Des Arts et Des Métiers: Enciclopédia Iluminista: Indexada em 1759, legitimada por um total de 28 volumes, 71.8181 verbetes e 2.885 pranchas. Já na página de rosto proclamava a pretensão da obra: “Dicionário Raciocinado das Ciências, das Artes e dos Ofícios”. Com uma trajetória de denúncias a Enciclopédia parecia estar com os dias contados, contudo devido o alto investimento de seus editores que agiam com rapidez, revelou-se um sucesso, tendo suas vendas impelidas justamente por aquilo

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que fizera o governo confiscá-la. Ela desafiava os valores tradicionais e as autoridades constituídas do Antigo Regime (DARNTON, 1996 e DIDEROT et.al, 1989). ii Carls von Linné que na forma latinizada passaria a ser conhecido como Linnaeus: Célebre naturalista Sueco, nasceu em Rashul (província de Smaland) em 23 de maio de 1707 e morreu em Upsala em 10 de janeiro de 1778. Aficionado pelos estudos da botânica, criador da nomenclatura binária, ainda hoje constantemente consultada por botânicos e ou zoologistas; sua obra Sistema Naturae (1735), classificação denominada de “natural”, pelo fato de basear-se nas características morfológicas (formas corporais, dos órgãos, anatomia, características das células componentes, etc.) e bioquímicas (químicas interna dos organismos) dos indivíduos vegetais e animais, agrupando as espécies segundo as afinidades que apresentam. Ver BLUND, Wilfrid. El Naturalista. Vida, obra y viajes de Carl von Linné (1707-1778). Barcelona (edición española): Ediciones del Serbal, 1982. iii Simultânea à organização da “Viagem Philosophica”, de Alexandre Rodrigues Ferreira, foram enviados igualmente naturalistas para reconhecimento de outras colônias portuguesas de Angola e Moçambique, sendo a do Brasil a que se constituiria na mais longa expedição portuguesa (1783-1792). iv Acompanharam Alexandre Rodrigues Ferreira na expedição pela região Norte e Oeste do Brasil – mais especificamente a Amazônia brasileira e parte do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul –, o jardineiro botânico Antonio Joaquim do Cabo e dois “debuxadores”, Joaquim José Codina e José Joaquim Freire. Estes últimos, chamados para trabalhar a fauna, a flora e a paisagem representando-as nas centenas de aquarelas e desenhos. v “Peixe pintado de urucu” é definição que seguramente lhe fora dada pela população nativa e que buscara significado na planta conhecida popularmente com o nome de Urucum. A planta classificada como Bixa orellana é largamente utilizada como pigmento natural de cor vermelha, assim já era na cultura indígena quando esses pintavam o corpo com o pigmento extraído desta planta. vi Medida antiga de comprimentos, equivalendo cada “Vara” a um metro e dez centímetros (1,10 cm). vii “Participação” designação que o naturalista dava aos relatórios periódicos que enviava a Coroa dando noticia das regiões, vilas, aldeias por onde passava. As “participações” se faziam acompanhar de relatos tanto da competência do trabalho de um naturalista quanto de informações relacionadas as questões econômicas, políticas e/ou administrativas. viii Os grifos em negritos são nossos. ix O debate Iluminista ganhou importância dentro dos conceitos propagados pelo nascimento da “Filosofia Natural” e a nascente Ciência Moderna que se dividia entre o experimentalismo herdado de Bacon, o racionalismo matematizante de Descartes e Newton abrindo espaço para a Teologia Natural, onde a Natureza é Livro e, tal qual a Bíblia encerra o escrito de Deus. Sobre este assunto ler: MAYR, Ernst. O Desenvolvimento do Pensamento Biológico: diversidade, evolução e herança. Tradução: Ivo Martinazzo. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1998. x Economia da Natureza ou Oeconomia Naturae tem seu desenvolvimento desde 1530, quando a palavra oeconomia referia-se a arte de administrar uma casa o oikos em grego, posteriormente passa referir-se a administração política. Emprestada à Teologia, passou a designar a distribuição dada por Deus nas funções na natureza; um governo divino contribuindo para uma inter-relação perfeita da natureza, cada um com seu atributo. No século XVIII, o discurso da ordenação racional dos recursos naturais é cada vez mais incorporado por uma discussão científica. Nos trabalhos de Ray serão mostradas as cadeias alimentares, a interdependência de todas as formas orgânicas de vida e o risco de se quebrar estas cadeias. Consequentemente, a terra comportaria apenas certo número de população humana afirmaria Derham (PAPAVERO et al., 1997). xi Os Equipamentos listados para a expedição “Viagem Philosophica” eram: uma cozinha de campanha; um laboratório portátil; apetrechos de caça e pesca; uma arca de medicamentos; uma biblioteca com 11 livros contendo; um mapa da bacia fluvial Amazônica; uma cópia manuscrita do diário de viagem pela Capitania do Rio Negro, do ouvidor Francisco Xavier Ribeiro Sampaio (1775); as clássicas obras de Piso e Marcgrave (séc. XVII – Brasil holandês); as obras Systema Naturae do sistemata Linnaeus e a “Planches Illumineé ” de Histoire Naturalle des Oeseaux de Buffon. Os demais equipamentos solicitados para a expedição estão no Apêndice Documental.

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