a mediaÇÃo da traduÇÃo online de um texto literÁrio na aprendizagem de ... · passagem de...

11
XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016 A MEDIAÇÃO DA TRADUÇÃO ONLINE DE UM TEXTO LITERÁRIO NA APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA Josiane Patricia Brandt Mestranda de Letras Universidade Uniritter FAPA [email protected] RESUMO: Este artigo visa analisar o papel do professor como mediador no processo de tradução de um texto literário por meio da ferramenta Google Tradutor. O enfoque deste estudo vai preocupar-se com o professor enquanto uma figura essencial na mediação do uso do aplicativo de tradução, Google Tradutor, como instrumento mediador na tradução de um poema de Edgar Allan Poe, Annabel Lee (1849). A análise conta com o aporte teórico de dois autores: Vygostky que estuda as especificidades do conceito de mediação entre professor e aluno, pois segundo ele, o desenvolvimento humano está condicionado a aprendizagem, a qual vai perpetuando-se dentre diferentes e instigantes contatos socioculturais, sem os quais não seria possível a aprendizagem; e Benjamin, no conceito de tradução e experiência. Partindo do pressuposto Benjaminiano de que a experiência se dá na confrontação com a realidade e que a tradução oferecida pelo aplicativo não dá conta da significação, discute-se, então, a necessidade do engajamento do aprendiz com a língua estudada, a sua cultura e suas relações sociais para que a aprendizagem se efetive através das experiências vividas, seja em sala de aula, mediadas pelo aplicativo ou não. Palavras-chave: Google Tradutor. Ensino-aprendizagem. Mediador. Instrumento de mediação. Introdução No presente trabalho, a preocupação inicial é tratar a mediação como uma maneira de interação necessária entre um sujeito mediador e um mediado. Para isso, será apresentada, na sequência, a visão do autor Vygostky e como ele discute esse conceito sob a perspectiva da aprendizagem do sujeito de uma língua adicional no contexto escolar, enfatizando que o surgimento de elementos mediadores veio com o intuito favorável ao avanço do aluno na sala de aula e a favor da inclusão de novos instrumentos para essa mediação. Verificou-se, de modo muito breve, que a utilização da ferramenta de tradução – Google Tradutor - na sala de aula, aponta que esse meio de interatividade pode se tornar um instrumento contrário ao progresso do estudante de uma língua se não se fizer presente o papel do mediador no processo de ensino e aprendizagem.

Upload: lamdan

Post on 09-Dec-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

A MEDIAÇÃO DA TRADUÇÃO ONLINE DE UM TEXTO LITERÁRIO NA APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA

Josiane Patricia Brandt Mestranda de Letras

Universidade Uniritter FAPA [email protected]

RESUMO: Este artigo visa analisar o papel do professor como mediador no processo de tradução de um texto literário por meio da ferramenta Google Tradutor. O enfoque deste estudo vai preocupar-se com o professor enquanto uma figura essencial na mediação do uso do aplicativo de tradução, Google Tradutor, como instrumento mediador na tradução de um poema de Edgar Allan Poe, Annabel Lee (1849). A análise conta com o aporte teórico de dois autores: Vygostky que estuda as especificidades do conceito de mediação entre professor e aluno, pois segundo ele, o desenvolvimento humano está condicionado a aprendizagem, a qual vai perpetuando-se dentre diferentes e instigantes contatos socioculturais, sem os quais não seria possível a aprendizagem; e Benjamin, no conceito de tradução e experiência. Partindo do pressuposto Benjaminiano de que a experiência se dá na confrontação com a realidade e que a tradução oferecida pelo aplicativo não dá conta da significação, discute-se, então, a necessidade do engajamento do aprendiz com a língua estudada, a sua cultura e suas relações sociais para que a aprendizagem se efetive através das experiências vividas, seja em sala de aula, mediadas pelo aplicativo ou não.

Palavras-chave: Google Tradutor. Ensino-aprendizagem. Mediador. Instrumento de mediação.

Introdução No presente trabalho, a preocupação inicial é tratar a mediação como uma maneira de interação necessária entre um sujeito mediador e um mediado. Para isso, será apresentada, na sequência, a visão do autor Vygostky e como ele discute esse conceito sob a perspectiva da aprendizagem do sujeito de uma língua adicional no contexto escolar, enfatizando que o surgimento de elementos mediadores veio com o intuito favorável ao avanço do aluno na sala de aula e a favor da inclusão de novos instrumentos para essa mediação. Verificou-se, de modo muito breve, que a utilização da ferramenta de tradução – Google Tradutor - na sala de aula, aponta que esse meio de interatividade pode se tornar um instrumento contrário ao progresso do estudante de uma língua se não se fizer presente o papel do mediador no processo de ensino e aprendizagem.

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

2

Foram abordadas também, as visões do autor Walter Benjamin no que refere-se à tradução de um texto literário e ao conceito de experiência na educação. Isto significa dizer que ambos serão pensados juntos e não separadamente neste trabalho. Para tanto, é necessário explicitar nosso objeto de estudo. A partir da tradução de um texto literário de Edgar Allan Poe foi possível depreender todos os princípios citados acima, quando imbuídos no contexto escolar de uma língua adicional. Essa análise objetivou compreender o papel do professor como mediador de uma atividade de tradução, ora feita pelo próprio aprendiz ou tradutor especializado, ora pelo tradutor online, uma vez que os produtos finais diferirão devido ao conceito de experiência de Benjamin, pois, para ele, aquilo que a tradução traz não significa, pois não é vivido por aquele que a faz, ou seja, não traz por completo a subjetividade do sujeito. Nosso intuito é, no entanto, em um primeiro momento, esclarecer nossa proposta através desta resumida introdução para que ilustrado nosso objetivo, possamos passar a apresentar o aplicativo Google Tradutor e suas utilizações. Em seguida, percorreremos sobre os fundamentos essenciais de Vygotsky no âmbito da mediação para então, pleitear os conceitos de tradução e experiência de Benjamin a fim de que possamos, na próxima etapa, alinhavar nossa proposta metodológica para a partir dela, proceder com a análise qualitativa dos poemas traduzidos de Edgar Allan Poe, Annabel Lee. De posse de todo esse aparato, teceremos algumas considerações a cerca da análise efetuada com o apoio dos teóricos estudados. O aplicativo: Google Tradutor Diversas são as ferramentas online disponíveis aos interessados em traduzir desde uma palavra até enunciados mais longos. Traremos aqui, a fazer saber, desde aspectos estruturais a aspectos de utilização do aplicativo Google Tradutor. Mundialmente, tem amplo prestígio e permeia por mais de cem línguas, mas devido esta abrangência, não nos cabe aqui fazer avaliações, mas sabe-se que é um poderoso aliado àqueles que se interessam por outras línguas, pois auxiliam na compreensão e na comunicação com diversos indivíduos, independente de suas línguas. O aplicativo, aqui citado, não se limita apenas à atividade de tradução, ele desempenha muito mais do que isso. Sabemos que a função primeira do tradutor Google, quando lembrado, é a ação de digitar toda e qualquer passagem de texto dentro da caixinha de caracteres, selecionar o idioma de origem e o desejado para tal tradução, para então, aguardar que faça o ordenamento das palavras e enfim, nos gere aquilo o qual desejamos. Digo toda e qualquer passagem, pois ele vai além das palavras, ele traduz as imagens das palavras, ou seja, um escrito o qual seja digitalizado, poderá ter sua tradução ao aproximarmos a câmera do celular ao texto que fará a

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

3

decodificação das palavras em uma língua, posteriormente para outra. E não para por ai, esse “sujeito” ainda reconhece e manifesta sua “subjetividade eletrônica” sobre o que escrevemos na tela com a ponta de nosso dedo e através de nossa voz. Diante de tamanha utilidade, é imprescindível destacar que clichê se torna, dizer que o Google é o maior disseminador de informações no mundo de uma forma útil e acessível a todos seus usuários. No entanto, difícil não tomá-lo como um recurso acessório ao aprender uma língua, uma vez que, estamos postos em uma sociedade de constantes transformações, que a cada dia apresenta-nos diferentes instrumentos a fim de facilitar e/ou auxiliar o conjunto de necessidades que impetram nossas vidas. O indivíduo atual, é aquele que considera o tempo valioso e quer gastá-lo eficientemente, então, a procura por dados rápidos, ou melhor, muito rápidos, é o que esse sujeito busca. Antes de podermos refletir sobre essa utilização, passamos a apresentação do principal cerne deste trabalho, a mediação do professor da aprendizagem de uma língua adicional. Aspectos de mediação e aprendizagem Iniciamos de fato a motivar as considerações acolhidas por Vygostki relevantes ao nosso estudo. Partimos do pressuposto de que a relação entre desenvolvimento humano e o seu aprendizado está intrinsecamente ligada às preocupações de Vygotsky. Ainda que nenhum modelo para o desenvolvimento do ser humano tenha sido criada por ele, fica claro sua inquietação perante a concepção de indivíduo e auxilia-nos em reflexões sobre diversos aspectos voltados a este tema, os quais serão discutidos ao longo deste. Ao lado disso, Vygotsky preocupa-se com os processos de aprendizado. Segundo ele, o desenvolvimento humano está condicionado a aprendizagem, o qual vai perpetuando-se dentre diferentes e instigantes contatos socioculturais, sem os quais não seria possível a aprendizagem, ou seja, “o desenvolvimento fica impedido de ocorrer na falta de situações propícias ao aprendizado” ( KOHL, 2010, p. 59). Aliado ao processo de desenvolvimento-aprendizagem, faz-se importante altear a ampla necessidade de interação entre os sujeitos de distintos ambientes sociais para que haja uma construção constante de identidades. O papel do outro neste cenário, torna-se imprescindível para a formação intelectual e subjetiva do ser humano. Vygotsky (1993) aponta-nos que o desenvolvimento do sujeito se dá em dois níveis: o primeiro é estabelecido quando percebe-se o que o indivíduo consegue alcançar ele mesmo, ou seja sem o auxílio de um outro; o segundo nível dá-se quando o sujeito desempenha atividades não possíveis de ser realizadas sozinho, mas com o auxílio de um outrem mais capaz que ele próprio. Perante este segundo, achamos proeminente esmiuçar mais um pouco

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

4

a diante, pois abrange muito o que ambicionamos discutir neste trabalho, que versa sobre a tarefa do professor como um sujeito instrutor/assistencial na aprendizagem do sujeito-aluno. A partir dos níveis acima citados - real e potencial, respectivamente – Vygotski demarca como zona de desenvolvimento proximal (ZDP) “a distância entre o nível de desenvolvimento real [...] e o nível de desenvolvimento potencial” (VYGOTSKI, 1984, p.97). Essa zona refere-se, no entanto, ao curso da aprendizagem que o indivíduo passa a fixá-la para si, mediante isso, podemos concluir, conforme Vygotski que “chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa” (2007, p.56), ou seja, aquilo que o sujeito aprende vem de fora e se consolida internamente. A mensagem fundamental para nossa análise é então, o que Vygotski situa, que o aprendizado é inerente ao ambiente sociocultural e consequentemente não se desenvolverá sem o outro. No entanto, para o sujeito que frequenta a escola, o aprendizado precisará ser estabelecido juntamente com os professores e toda a comunidade escolar para que a interpretação de mundo deste sujeito se amplie. O professor é a peça chave primeira para que este desenvolvimento ocorra. O fornecimento de instrumentos que despertem sua vontade de aprender é fundamental para que o aluno crie e recrie os significados a partir do que lhe são propostos na sala de aula e no mundo, formando assim sujeitos de individualidades próprias e pensamentos distintos. A figura do professor é a mediadora deste alcance. É interessante observar que, em situações de ensino, o professor utiliza recursos a fim de dar impulso ao aprendizado. Chama-se isso, de intervenção, quando que ele, desafia o seu aluno com o intuito de que sua ação ocasione efeitos relevantes àquele momento. Os recursos/meios os quais o professor utiliza têm como objetivo “controlar e desenvolver os processos psíquicos” ( FRIEDRICH, 2011, p. 28), e este aluno vai mostrar sua construção a partir dos meios introduzidos nesse intermédio. O que ocorre então, é uma intervenção do professor, que apresenta ao seu aluno diversos instrumentos mediadores para a sua aprendizagem. Pensando na aprendizagem do aluno, preocupa-nos como a aprendizagem de uma língua adicional pode auxiliar no desenvolvimento do aluno quando aliada a uma tarefa de tradução de texto literário no ensino de uma língua adicional, tendo o Google Tradutor como instrumento de mediação entre o aluno e a tradução e a necessidade ainda do professor como mediador dessa tarefa. Para tanto, julgamos necessário abordar os conceitos de Walter Benjamin para interpretar o papel daquele sujeito que traduz um texto original para a sua língua materna.

A tradução e a experiência Lançando-se, primeiramente, sobre o horizonte da tradução, Walter Benjamin é referência. No entanto, seus textos: A tarefa do tradutor (2011) e

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

5

Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana (1992), fazem-nos refletir e discorrer deste assunto o qual será complacente a questão que queremos defender. Algumas das reflexões presentes nos textos citados, Benjamin traz a tona o conceito de tradução:

A tradução é a transposição de uma língua para outra por meio de um continuum de conversões. A tradução passa por um contínuo de conversão, e não por domínios abstractos de igualdades ou semelhanças (1992, p. 189).

Pois, segundo Benjamin, o homem traduz para a sua língua a linguagem das coisas, ou seja, “a palavra humana é o nome das coisas [...] é pura e simplesmente a essência da coisa” (1992, p. 188) quando que “o nome que o homem dá à coisa assenta no modo como ela se lhe transmite” (1992, p.189). De uma forma quase que sublime verifica-se que, aquele que traduz transmite o que lhe passa, o que lhe significa, e isso se deve, a qualquer custo, à diversidade de línguas, experiências e culturas as quais impetram estes sujeitos. Aquele que traduz não espelha o que foi dito no original, mas exprime através de sua tradução, a sua subjetividade sobre o documento de um outro. O tradutor põe se como autor e leitor de sua própria produção, embora conheça a língua estrangeira a qual deseja traduzir, o tradutor entra em negociação tamanha de sentidos para que se materialize quase que fidedigno ao original. A partir dessa consideração, valemo-nos do que conceitua Benjamin sobre o que vem a ancorar-se a tradutibilidade:

A tradução é uma forma. Para a apreender enquanto tal, é necessário regressar ao original, pois nele reside a lei da tradução, contida na sua tradutibilidade. A questão da possibilidade de tradução de uma obra tem um duplo sentido (2011, p.83).

A tradutibilidade é vista com dois caminhos, pois corre para um caminho diferente da obra traduzida, uma vez que a obra original tem seu momento de produção distinto do seu momento de tradução. No entanto, ela é o ponto central entre o texto original e às suas posteriores traduções. Ressalta-se aqui, novamente, que com a tradução renovamos o já existente a todo momento; a linguagem poética do autor hoje, pode não ser a mesma amanhã, e a de hoje, pode emergir novamente. Neste plano, surge nos a tarefa adjunta do tradutor, a de aprimorar/renovar a língua. Benjamin confirma precisamente que “a tarefa do tradutor é a de redimir na língua própria aquela língua pura que se exilou nas alheias, a de a libertar da prisão da obra através da recriação poética” (2011, p. 95-96). Supõe-se que a tradução não deva ser simplesmente uma relação de correspondência entre

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

6

léxicos, mas que detenha, ou ao menos intencione o tradutor, de preservar o sentido da mensagem do autor:

A verdadeira tradução é transparente, não esconde o original, não lhe tapa a luz, mas permite que a língua pura, como que reforçada pelo seu próprio meio de expressão, incida de forma ainda mais plena sobre o original. Isso consegue-se sobretudo pela literalidade na transposição da sintaxe, que mostra como o elemento primordial do tradutor é a palavra e não a frase: a frase é o muro diante da língua do original, e a literalidade uma arcada (2011, p. 94).

Cabe ainda dizer que o tradutor é um mediador entre culturas, ou seja, pressupõe-se que ele constituirá um intermediador entre quem escreveu o texto e o possível leitor. Entendemos até aqui, como sua tarefa, o tradutor evitará imbuir as suas subjetividades ao passo que traduz. Benjamin ainda aborda o conceito de experiência na educação, o qual passamos a inserir em nossa discussão a fim de ser significativo para a compreensão de que as traduções diferem devido ao conceito de experiência que Benjamin constrói. Benjamin escreve Experiência e Pobreza (1985) na passagem do século XIX ao XX. Um ensaio que ele utiliza para tratar questões após a Segunda Guerra Mundial. Nesta obra, ele explica sobre conceitos dos mais variados, incluindo o conceito de experiência. Destaca sobre a importância da experiência adquirida através dos mais velhos e versa sobre as mudanças que não se podem alcançar sem o conhecimento. Benjamin acredita que vivemos em uma sociedade, hoje moderna, que está constantemente em busca de novas informações e conhecimentos, porém nada nos acontece, o conhecimento está lá, interiorizado e intacto. O ser humano deposita suas esperanças em promessas externas devido uma grandeza de opções que tornam sua vida mais agradável. Larossa (2002) destaca que “uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível” (p.21). Benjamin, ao tratar da pobreza de experiências, questiona “qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós? (1985, p. 115). Está claro para ele que vivemos numa cultura de vidro incapazes de inovar.

Não é por acaso que o vidro é um material tão duro e tão liso, no qual nada se fixa. É também um material frio e sóbrio. As coisas de vidro não tem nenhuma aura. O vidro é em geral inimigo do mistério. É também o inimigo da propriedade. (BENJAMIN, 1985. p. 117).

A experiência é rara por falta de tempo e essa falta de tempo, característica do mundo moderno, nos faz querer informações rápidas que ao passo que eram, já não são mais interessantes e então são substituídas por outras e assim consecutivamente. A humanidade não se preocupa em deixar

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

7

marcas na cultura em que vive. Ela está ocupada em acúmulo de bens e com a invenção tecnológica no comando, nos tornamos dependentes de tal forma que já não necessitamos “pensar”. Dessa forma, a falta de experiência se eleva ainda mais, pois não conseguimos memorizar situações, dar sentido, uma vez que são sempre sobrepostas por outras e mais outras. A falta de experiência não produz conhecimento e não desenvolve competência. Entretanto, o ser humano, sujeito escasso de experiências na modernidade, não vivência, não reage a estímulos que encontra pelo caminho. Vive o presente e não faz apreço ao passado. Cabe nos aqui relacionar o nosso objeto de análise ao conceito de experiência de Benjamin. Experiência é viver algo, é sentir, é ser tocado, é se permitir aos instrumentos que elevam nosso conhecimento. Um texto literário, é um instrumento, quando experimentado nos dá a possibilidade de experiência. Pressupõe-se que, o indivíduo que traduz um texto, deve entregar-se a obra e isso por vezes, pode demandar horas, porém o sujeito moderno, é aquele, como dito anteriormente, que necessita de tudo muito rápido. Esse sujeito é aquele que não experimenta de fato, não memoriza, não conserva o que lhe passou. Talvez as considerações feitas até aqui sejam consideradas rasas, porém perpassaremos as novamente na análise que se pretende fazer para que nenhum elemento se perca. As traduções Como objeto da análise, servimo-nos de um texto de natureza literária, um poema de Edgar Allan Poe chamado Annabel Lee (1849). Deste foram retirados os trechos mais proeminentes à análise a qual pretende-se fazer. Para o mesmo poema, duas interpretações diferentes foram apanhadas; a tradução de um profissional, Fernando Pessoa e a outra, de um tradutor eletrônico online, Google Tradutor. Mencionamos, a seguir, uma curta contextualização da relação do poema e seu autor. Como pode-se perceber com a leitura do poema de Poe, a temática da morte de uma linda mulher na obra é aparente. Vemos um narrador apaixonado desde a infância por uma moça chamada Annabel Lee. Esta, por sua vez, morre de alguma doença comum do período o qual foi escrito, século 19. Mesmo que as traduções sejam oriundas de autores distintos, consegue-se depreender o mesmo sentido em ambas, um casal apaixonado separado pela morte. Poeta e escritor norte americano, morreu no ano em que o poema foi publicado, aos quarenta anos de idade. Escreveu muitos textos sombrios e cheios de mistérios. Poe casou-se com sua prima, quando que ele tinha vinte e sete anos e ela, treze. Viveu em depressão devido a morte de sua esposa. Muitas fontes disseminam que ele tenha escrito muitas de suas obras em memória às mulheres que ele amou. Annabel Lee poderia ter sido uma delas.

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

8

Análise Como objeto de análise desta pesquisa, compila-se um poema de Edgar Allan Poe, intitulado Annabel Lee, escrito e publicado em 1849. Nesse corpus, pretende-se analisar as traduções de Fernando Pessoa e do aplicativo online, Google Tradutor, sob a perspectiva teórica de Walter Benjamin, para que de posse dos resultados obtidos possamos fixar nosso objetivo principal; apontar que a figura do professor como mediador se faz necessário na utilização da ferramenta de tradução online quando utilizado como instrumento de mediação entre o texto e o leitor. A seguir, iniciaremos nossa análise através de trechos retirados aleatoriamente das duas traduções. Ao longo de nossa observação, tivemos por algumas vezes interpretações díspares para o mesmo verso. No entanto, verificamos, inicialmente, que as percepções de leitura dos autores da tradução do original diferem claramente em suas ideias. A obra original apresentou traduções com diferenças nítidas e esperadas por se tratar de um tradutor profissional e um eletrônico. Cabe nos aqui, suscitar as mais relevantes características entre os dois. Para isso, observemos abaixo a primeira estrofe do poema original Annabel Lee, de Edgar Allan Poe (1849).

It was many and many a year ago, In a kingdom by the sea,

That a maiden there lived whom you may know By the name of Annabel Lee;

And this maiden she lived with no other thought Than to love and be loved by me.

Fernando Pessoa, grande poeta brasileiro, no verso destacado traduz como “Aquela que eu soube amar”, já o Tradutor online a faz como “Pelo nome de Annabel Lee”. A tradução, a qual foi utilizada a ferramenta do Tradutor, visivelmente demonstra como funciona a tradução literal. Na tradução do profissional, ocorre uma situação inversa. Além de respeitar a gramaticalidade da língua a qual se pretendia tal tradução, preocupou-se em compreender o contexto, o autor do texto e a para que foi escrito. Portanto, Fernando Pessoa detinha de uma percepção a mais, sabia que Annabel Lee significava muito para Poe e que se tratava de uma história de amor entre o eu lírico e ela. Veremos mais uma peculiaridade:

I was a child and she was a child, In this kingdom by the sea,

But we loved with a love that was more than love I and my Annabel Lee

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

9

With a love that the winged seraphs of Heaven Coveted her and me.

Para o Google, a frase destacada teve sua tradução literal, seguindo cada palavra seu significado e posição dentro da frase, Mas nós amamos com um amor que era mais do que amor. Para Fernando Pessoa, está tradução não equivale, fazendo ele suas adaptações ao passo que se coloca no papel de autor e traduz Mas o nosso amor era mais que amor. Vejamos que, por exemplo, o pronome possessivo nosso (our – em inglês) não se encontra no poema original. O que há, é apenas o pronome nós (we) que Pessoa se apropriou para falar de um amor existente entre os dois. Interessante perceber que na tradução online vemos a ocorrência de repetição da palavra amor, quando que, por se tratar de um poema, essa característica deve ser levada em consideração. O mesmo ocorre no segundo verso desta mesma estrofe. Para se referir a ela e eu, Fernando Pessoa utilizou a ambos nos (para substituir eu e ela). A tradução a ambos nos invejar difere claramente da versão do tradutor, Cobiçado ela e eu. Esta última tradução não leva em conta o termo anterior, não deixa claro quem cobiça, já na anterior sim, sabemos que os anjos invejam/cobiçam. Ainda a cerca do verbo Coveted, vê-se a opção do Tradutor pelo verbo cobiçar e não invejar; essa escolha linguística não condiz com a preferência de Pessoa, por conveniência cultural. Nos limitemos a estes trechos, pois teríamos muito o que explanar a cerca das versões encontradas para este poema, mas não nos é interessante neste momento, fazê-las, uma vez que nosso foco é, mesmo que suscintamente, demonstrar que ao traduzir um texto literário, deve-se ter em mente que o Tradutor não o fará como de fato uma tradução deva se constituir e que intervenções deverão ser feitas no aplicativo. Apreços Ao final de nossa pesquisa, por meio da qual procuramos responder à algumas indagações, com o apoio de Vygotsky e Walter Benjamin foi possível perceber que é evidente a importância do professor como mediador no processo de tradução de um texto através do tradutor online, Google Tradutor. As traduções automáticas desconsideram elementos textuais, não levam em conta o contexto de produção nem as experiências vividas pelo autor da obra original muito menos as do possível leitor. O tradutor profissional ou aquele aluno que deseja traduzir um texto literário tem um trabalho árduo pela frente. Por detrás de uma tradução, não há apenas a escolha de léxicos mais adequados, mas sim, uma escolha consciente e reflexiva de sentidos que deverão considerar elementos culturais

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

10

e sociais condizentes ao momento da produção. O tradutor é a pessoa essencial nesta interação. O aluno que tem a tarefa de traduzir com o auxílio do tradutor online, deve ser mediado pelo seu professor, pois é ele quem o auxiliará na negociação de palavras e sentidos para texto específico, pois em uma tradução, a busca pela compreensão do que está nas entrelinhas, ou seja, faz-se necessário uma percepção maior sobre as intenções do autor. Uma tradução que não presencie tais particularidades, é uma tradução literal. A identidade do autor deve ser construída ao passo que traduz, ao contrário disso, há quebra de diálogos.

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016

REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor. In: ____. Escritos sobre mito e linguagem. Trad. Suzana Lages. São Paulo: Duas Cidades, Editora 34, 2011. BENJAMIN, Walter. Pobreza e experiência. In: ___. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985. BENJAMIN, Walter. Sobre arte, técnica, linguagem e política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Antropos, 1992. Biografia de Edgar Allan Poe. Disponível em: http://poestories.com/biography.php. Acesso em: 10 jul. 2016. FRIEDRICH, Janette. Lev. Vigostki: mediação, aprendizagem e desenvolvimento: uma leitura filosófica e epistemológica. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, 2002, p. 19-28. Poema Annabel Lee de Edgar Allan Poe. Disponível em: http://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poems/detail/44885. Acesso em: 17 jun. 2016. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico 5. ed. São Paulo: Scipione, 2010. Tradução do poema por Fernando Pessoa. Disponível em: http://www.insite.com.br/art/pessoa/coligidas/trad/922.php. Acesso em: 17 jun. 2016. VYGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: M. Fontes, 1993. VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.