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Universidade Federal de São Carlos CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS Departamento de Tecnologia Agroindustrial e Sócioeconomia Rural PEDRO CANESIN NETO A MECANIZAÇÃO DA COLHEITA DA CANA-DE- AÇÚCAR ANÁLISES DOS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS ARARAS - 2010

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Universidade Federal de São Carlos CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

Departamento de Tecnologia Agroindustrial e Sócioeconomia Rural

PEDRO CANESIN NETO 

A MECANIZAÇÃO DA COLHEITA DA CANA-DE-AÇÚCAR

ANÁLISES DOS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

ARARAS - 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE CIENCIAS AGRÁRIAS

DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA AGROINDUSTRIAL E SÓCIO ECONOMIA

RURAL

A MECANIZAÇÃO DA COLHEITA DA CANA-DE-AÇÚCAR ANÁLISES DOS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

PEDRO CANESIN NETO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à Universidade Federal de São Carlos para

obtenção do Título de Especialista em Gestão

de Produção Sucroenergética (MTA).

Orientador: Prof. Octávio Antonio Valsechi

Araras, SP

2010

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Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso

aos meus pais, Paulo e Sônia, que me

apoiaram durante os vários meses de curso

com toda a dedicação e carinho possíveis.

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AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, que foi meu ponto de apoio e busca de

motivação para concluir mais esta etapa de conhecimento em minha vida.

Nada mais justo do que agradecer mais uma vez aos meus pais, que foram os

responsáveis por terem me oferecido uma estrutura familiar que me transformou em um

cidadão de bem.

Faz-se indispensável agradecer de maneira especial meu mestre orientador deste

trabalho de conclusão, Octávio Antonio Valsechi, pelas diversas lições acadêmicas que me

foram passadas durante os meses de realização deste curso.

Sou grato por tudo.

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SUMÁRIO 1. RESUMO............................................................................................................................ 05

2. INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 06

3. A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR.................................. 09

3.1. O INÍCIO DO CORTE MECANIZADO E SUA ABRANGÊNCIA NOS DIAS

ATUAIS....................................................................................................................... 10

3.2. A PREVALÊNCIA DO CORTE MANUAL........................................................ 12

3.3. A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O NOVO

PERFIL DOS TRABALHADORES RURAIS............................................................ 14

3.4. A MECANIZAÇÃO E A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL................................ 19

3.5. A GESTÃO AMBIENTAL NA INDÚSTRIA CANAVIEIRA........................... 26

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 28

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 29

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1. RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto social que a mecanização da colheita da

cana-de-açúcar trará ao estado de São Paulo, frente à atual gestão ambiental no setor, que

acelera este processo, impondo prazos para o final das queimadas como método despalhador e

facilitador do corte da cana-de-açúcar, através da Lei Estadual nº 11.241/2002 e do Protocolo

Agroambiental proposto em 2007 pela União da Agroindústria Canavieira do Estado de São

Paulo (UNICA), junto ao Governo Estadual, a fim de se obter uma redução nos prazos

impostos pela Lei. Outros pontos abordados neste estudo foram as análises dos níveis de

mecanização nas regiões produtoras do Estado, além do número de trabalhadores empregados

no corte da cana e como os mesmos podem ter seus conhecimentos reciclados, como forma de

preparação para estarem inseridos no mercado de trabalho mecanizado.

Palavras-chave: mecanização da colheita; gestão ambiental; cana-de-açúcar; corte manual de

cana

ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate the social impact that mechanization of

harvest cane sugar will bring the state of São Paulo, both the current environmental

management sector, which accelerates this process by imposing deadlines for the end of

burning as a method husked and facilitator of cutting cane sugar by State Law No.

11241/2002 and the Protocol Agroambiental proposed in 2007 by the Union of Sugar Cane

Industry of the State of São Paulo (UNICA), by the State Government in order to obtain a

reducing the time allowed by law Other points covered in this study analyzes the level of

mechanization in the production regions of the state, beyond the number of workers employed

in the sugarcane harvest and how they can have their knowledge recycled in preparation for

are inserted in the labor market mechanized.

Key-words: mechanization of the harvest; environmental management; sugar cane; manual

cutting of cane

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2. INTRODUÇÃO

O presente projeto tem como propósito demonstrar os efeitos que a mecanização da

colheita da cana-de-açúcar trará ao estado de São Paulo, como o final das queimadas e a

redução drástica da demanda por mão-de-obra para o corte manual da lavoura, delineando os

efeitos sociais desta mudança, que já se faz presente, pois segundo informações da Secretaria

Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, o corte mecanizado na safra 2006/2007 já foi de

34,2%, deixando uma projeção para a safra 2007/2008 de 46,6% de área colhida.

A mudança para a colheita mecanizada já tem prazo para ser cumprida em São Paulo,

conforme determina a Lei Estadual nº 11.241, de 19 de setembro de 2002, que dispõe sobre a

eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar, com diferenciação dos prazos,

nos casos de: áreas mecanizáveis, com declividade até 12% – tendo início em 2002, com 20%

de eliminação da queima até 2021, quando ocorrerá a eliminação total da queima; e áreas não

mecanizáveis, com declividade superior a 12% - tendo início em 2011, com 20% de

eliminação da queima até 2031.

Outra medida que antecipa a mecanização é a assinatura do Protocolo Agroambiental

de Cooperação, em 04 de julho de 2007, pelo Governo do Estado de São Paulo, pela

Secretaria de Estado do Meio Ambiente, pela Secretaria de Estado da Agricultura e

Abastecimento, e pela União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (UNICA), com o

intuito de adoção de ações destinadas a consolidar o desenvolvimento sustentável da indústria

de cana-de-açúcar do estado de São Paulo, além de ter como medida principal a antecipação

dos prazos que regulamentam o final das queimadas no estado para 2017. A Organização dos

Plantadores de Cana da Região Centro Sul do Brasil (ORPLANA) também aderiu ao

Protocolo em 10 de março de 2008.

Se este protocolo for cumprido dentro dos prazos propostos, a UNICA, que foi a

entidade que o propôs, terá maior apoio governamental a favor do setor. Apoios estes,

descritos na cláusula quarta do referido protocolo.

A administração pública estadual por sua vez atuará no sentido de: a) fomentar a pesquisa para o aproveitamento energético e econômico da palha de cana-de-açúcar; b) apoiar a instalação de infraestrutura logística sustentável para a movimentação de produtos da agroindústria da cana-de-açúcar no Estado, com ênfase nas exportações [...]; c) conceder o Certificado de Conformidade Agroambiental aos produtores agrícolas e industriais de cana-de-açúcar que aderirem ao Protocolo e atenderem as Diretivas Técnicas constantes deste Protocolo; e d) estimular a adequada transição do sistema de

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colheita de cana queimada para a colheita de cana crua, em especial para os pequenos e médios plantadores de cana, com área de até 150 hectares.1

Como é possível ver, a queima da palha da cana está com os dias contados e este

projeto visa o levantamento das consequências desta mudança na sociedade, analisando

soluções para a recolocação destes trabalhadores no mercado de trabalho. A mecanização da

colheita da cana-de-açúcar, além do benefício pela extinção da queima da palha da cana, vai

trazer desemprego ou novas oportunidades para a região?

Esta pesquisa pretende demonstrar os efeitos do corte mecanizado da cana-de-açúcar

sobre os trabalhadores rurais do setor no estado de São Paulo, que segundo estatísticas da

UNICA, referentes à safra 2008/2009, é o maior produtor da região centro-sul, com uma área

de 4,45 milhões de hectares, representando 66% de toda região. Diante da problemática torna-

se necessário:

• Avaliar quais cidades da região têm o maior número de pessoas empregadas no corte

manual da cana-de-açúcar;

• Avaliar qual percentual da colheita já é mecanizada em São Paulo e quais os prazos

para a eliminação da queima de cana como método facilitador para o corte manual;

• Avaliar o perfil dos trabalhadores rurais da lavoura da cana-de-açúcar;

• Relatar as consequências das políticas de gestão ambiental e as recentes leis

ambientais, forçando a aceleração da implantação da tecnologia de mecanização

agrícola na agroindústria canavieira;

• Discutir sobre a recolocação no mercado de trabalho dos cortadores de cana e de

meios para tal.

A hipótese é de que a mecanização da colheita da cana-de-açúcar irá causar uma

diminuição drástica dos postos de trabalho no campo, mas se esta mudança for aliada a

políticas públicas e privadas de recolocação destes trabalhadores em outras funções no campo,

ou até mesmo em outros setores da economia, o impacto social causado por esta mudança será

minimizado.

Para a elaboração deste estudo, fez-se necessária a utilização de uma Metodologia

Descritiva que, como o próprio nome já diz, tem a finalidade de descrever, neste caso, o

impacto social causado pela mecanização da colheita da cana de açúcar. Como

complementação, também foi utilizada a Metodologia Aplicada, pois este trabalho é motivado

1 Material disponível no site http://www.unica.com.br/content/show.asp?cntCode={BEE106FF-D0D5-4264-B1B3-7E0C7D4031D6}

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pela necessidade de projetos que reintegrem os cortadores de cana no mercado de trabalho em

sua maioria, até no mesmo setor, mas com outras tarefas.

O tema foi pesquisado a partir do método Bibliográfico, utilizando como base livros,

revistas, jornais, sites e documentos específicos sobre o assunto.

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3. A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA DE CANA-DE-

AÇÚCAR

Antes de se falar sobre a mecanização da lavoura de cana-de-açúcar, é interessante e

oportuno descrever o histórico da cultura de cana no estado de São Paulo.

De acordo com Novaes (2007), a expansão dessa agroindústria no estado de São Paulo

se intensificou a partir da década de 1950, com a valorização do açúcar no mercado, aliado ao

direcionamento de investimentos para a implantação de novas usinas e aquisição de terras

para o plantio de cana. Na década de 1960, iniciou-se uma nova fase expansionista no setor,

devido a algumas restrições feitas pelos Estados Unidos ao açúcar cubano, após a revolução

de 1959. Com isso, o Brasil foi beneficiado, pois aumentou sua cota de exportação no

mercado americano.

Já no início da década de 1970, a expansão e a modernização do setor foram

impulsionadas por ações governamentais, como os Programas de Racionalização e Apoio da

Agroindústria Açucareira (1971/1972), do Planalsucar e do Programa Nacional do Álcool

(PROÁLCOOL - 1975), cujas implantações alteraram a dinâmica econômica dessa

agroindústria, que passou a contar com a montagem de destilarias anexas e autônomas. Nesses

mesmos períodos, as inovações tecnológicas se concentraram nas usinas e a incorporação de

novas tecnologias na lavoura canavieira foi mais lenta. Com isso, a necessidade de matéria-

prima das usinas foi suprida com a expansão da área plantada. Já a partir da década de 1980, o

aumento da produção também se deu pelo aumento da produtividade por hectare, devido à

incorporação de novas variedades de cana-de-açúcar, novas técnicas de cultivo e a

mecanização da lavoura.

O crescimento do setor canavieiro no estado de São Paulo atraiu trabalhadores de

outras regiões para o trabalho na safra. Naqueles tempos não se exigia muita especialização

para o corte da cana, porém nos últimos anos, a realidade do trabalho no campo mudou muito,

uma vez que as usinas passaram a exigir maior produtividade e maior disciplina no trabalho,

devido à implantação do sistema de corte mecanizado, além das mudanças na forma de

gestão, controle e organização do trabalho agrícola. Com essa expansão, passou a se exigir um

novo perfil de trabalhadores na lavoura de cana, buscando maior eficiência em suas funções.

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3.1. O INÍCIO DO CORTE MECANIZADO E SUA ABRANGÊNCIA NOS

DIAS ATUAIS

A mecanização da colheita de cana no Brasil teve sua implantação efetivamente na

década de 1980 e veio crescendo ao longo dos anos. Segundo Macedo (2005), “inicialmente

por uma necessidade das usinas em atenderem seus cronogramas em épocas em que a mão-

de-obra tornou-se escassa, crescendo motivada pela redução de custo e pela pressão ambiental

para o fim das queimadas”.

Atualmente, o corte mecanizado de cana no estado de São Paulo corresponde a 35% da

área colhida. O alto crescimento do sistema mecanizado não alterou significativamente sua

proporção de utilização, pois foi significativo o crescimento da área plantada com cana no

estado.

Ações governamentais de gestão ambiental, como a Lei Estadual Nº 11.241/2002,

forçam a aceleração da mecanização da colheita da cana no estado de São Paulo, mas alguns

autores e profissionais da área afirmam que a aceleração do sistema de corte mecanizado se

deve também pela deficiência de mão-de-obra.

A tendência é de mecanização, não só pela legislação ambiental, mas também devido à falta de mão-de-obra. Muitos trabalhadores da área agrícola estão migrando para outras funções nas usinas, como a de operador de máquinas e equipamentos na indústria. Por isso, a mecanização tem crescido não só na colheita, mas também no plantio da cana (apud NOGUEIRA, 2007, p.78).2

Na Austrália, por exemplo, a mecanização da colheita da cana-de-açúcar já chega a

quase 100% da área cultivada. Este mesmo país, no início da década de 1970, já alcançava

índices em torno de 98% da colheita mecanizada. No Brasil, a mecanização da lavoura

canavieira comparada a outras culturas foi muito lenta, como a cultura de grãos, por exemplo,

que conta com colhedoras precisas há muito mais tempo.

O atraso também é atribuído à relação entre oferta e demanda e ao tímido interesse do mercado. No caso dos grãos, a procura foi muito maior porque o desenvolvimento exigiu uma necessidade mais acentuada de mecanização. Mas a razão principal é que no mundo a colheita de grãos é muito maior que a cultura da cana. Por isso, houve interesse principal em desenvolvê-la inicialmente.3

2 Afirmação de José Ângelo Stafuzza, que é presidente do Comitê Agrícola da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) e diretor da Usina Pioneiros, com sede em Sud Mennucci – SP 3 Trecho de entrevista de Tomaz Caetano Ripoli, pesquisador e professor titular da ESALQ-USP, concedida à reportagem da REVISTA ÁLCOOLBRAS.

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É possível verificar também que a expansão da mecanização do corte da cana não

ocorreu de maneira homogênea, pois as colhedeiras exigem certas condições técnicas e

operacionais, que nem sempre estão disponíveis em todas as usinas paulistas, resultando na

conveniência entre dois sistemas do corte nos próximos anos: o mecânico e o manual; além de

ter causado significativas diferenciações tecnológicas entre as usinas, como se pode observar

no quadro abaixo:

USINASCORTE

MECANIZADOCORTE MANUAL

TOTAL DE TRABALHADORES CORTE MANUAL

CONTRATO DE TRABALHO

PERMANENTE

CANTRATO SAFRISTA

SAFRA

São Martinho 80% 20% 1.600 1.600 0 2005

Santa Sta Cruz 52% 48% 1.440 800 640 2006

Ester 15% 85% 1.225 225 1.000 2005 Tabela 1 - Cortes manuais e mecanizados relacionados a diferentes contratos de trabalho.4

É possível verificar no primeiro exemplo, referente à Usina São Martinho, e em outras

unidades com alto percentual de mecanização, que o contrato de trabalho por tempo

indeterminado torna-se uma exigência. Já no segundo exemplo, a Usina Santa Cruz, que tinha

52% de sua colheita mecanizada em 2006, pretendia ampliar o corte mecanizado para 72% da

área de cana plantada, fechando 640 postos de trabalho e extinguindo a contratação de

trabalhadores safristas. O terceiro e último exemplo refere-se a usinas de baixa utilização da

mecanização, como é o caso da Usina Ester, onde há a predominância do contrato safrista.

Em suma, neste novo cenário que é caracterizado pela expansão com mudanças

tecnológicas na lavoura canavieira, observamos maior segmentação dos trabalhadores no que

se refere aos tipos de contrato de trabalho, que combinam funcionários com contrato por

tempo indeterminado, com residência fixa; trabalhadores migrantes que ficam por mais de

uma safra, com diferentes tipos de contratos na safra e na entressafra e, por fim; trabalhadores

migrantes safristas, que são arregimentados por empreiteiros que prestam serviços a diferentes

usinas.

4 Tabela 1 - Disponível em NOVAES, José Roberto; ALVES, Francisco (Orgs.). Migrantes: trabalho e trabalhadores no complexo agroindustrial canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFScar, 2007.

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3.2. A PREVALÊNCIA DO CORTE MANUAL

Sem dúvida o corte manual da cana-de-açúcar é um trabalho extremamente exaustivo,

para o qual é fundamental que o trabalhador tenha muita resistência física, podendo ser

comparada a de um atleta corredor fundista, pois o trabalhador tem que enfrentar uma rotina

diária de oito a doze horas, realizada sob irradiação solar, poeira e fuligem. Outro fator que

mais agrava esta situação é que o sistema de pagamento é por produção, ou seja, se o

trabalhador interromper seu trabalho para descansar, tomar água ou mesmo ir ao banheiro, ele

terá que interromper seu trabalho por algum tempo, e isso significa menos dinheiro no dia,

pois se ele deixa de produzir não recebe. Segundo Alves (2007), este sistema de pagamento

age como um elemento externo ao processo de trabalho, no sentido de aumentar sua

produtividade, pois atua sobre o psíquico do trabalhador, de forma a motivá-lo a trabalhar

mais, por um lado estimulado pela cobiça de ganhar dinheiro e por outro, de demonstrar que é

forte, é “macho”.

Em busca de maiores ganhos e manter-se no emprego, os cortadores estão trabalhando

cada vez mais, segundo levantamento feito a partir de dados do Instituto de Economia

Agrícola (IEA), órgão da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento. Este estudo

mostra que a média de cana cortada diariamente por um cortador no estado de São Paulo, em

2004, era de 7,94 toneladas, e em 2007, passou a ser de 8,74 toneladas/dia, mais de 10% de

aumento. Já na região administrativa de Ribeirão Preto, esse crescimento foi bem maior em

relação à média estadual. Em 2004, um cortador de cana cortava em média 6,79 toneladas/dia;

em 2007 passou para 9,81 tonelada/dia, resultando em mais de 44% de aumento e mais de

12% acima da média estadual. Em média, o valor recebido por cada cortador

proporcionalmente a cada tonelada de cana cortada, são ínfimos R$ 2,50.

Segundo a pesquisadora do IEA, Maria Carlota Meloni Vicente (apud TOLEDO,

2007), “a região de Ribeirão Preto tem um pessoal quase que permanente e após a adoção da

colheita mecanizada, houve uma diminuição de migrantes [...]. A tendência é dar prioridade

aos da região [...]”.5

5 Material disponível no blog http://blog.controversia.com.br/2007/08/28/para-ganhar-mais-boia-fria-eleva-corte-de-cana-em-sp/>

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3.2.1. Uma jornada de trabalho sofrida

A socióloga da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Maria Aparecida de Moraes

Silva, estuda o cotidiano dos bóias-frias há mais de 30 anos e concluiu que, na região de

Ribeirão Preto, a exigência mínima de produção para cada trabalhador rural gira em torno de

10 toneladas/dia. Segundo a especialista (apud TOLEDO, 2007), “nesta região o total cortado

é maior porque a área foi a que sempre apresentou desenvolvimento científico-tecnológico

maior que as outras”.6

Além de sofrerem com toda a sorte de intempéries, os cortadores de cana vivem uma

rotina desgastante não só pela pressão da produção em larga escala, mas também por

assumirem as mais insalubres tarefas.

Munidos de facões, eles devem cortar a cana com um ou vários golpes na sua base, ou pé; despontá-la e carregá-la com os braços até um local pré-estabelecido, formando montes ou leiras, para que, numa etapa posterior do processo produtivo, tratores carregadores e carregadeiras a transportem para caminhões que irão para a usina. Um cortador de cana que colha 10 toneladas/dia desfere algo em torno de 10.000 golpes de facão.7

Um migrante maranhense, que veio para o estado de São Paulo para trabalhar na

colheita da cana, descreveu sua tarefa de maneira bem objetiva e realista, na ocasião de uma

entrevista de campo.

Sabe, professor, em todo trabalho que a gente faz, tem dia que a gente está de bom humor e o trabalho rende, mas tem dia que a gente está de mau humor e o trabalho não rende. Cortar cana não é assim. Cortar cana não tem mau humor, nem bom humor, tem humor; porque todo dia você tem que cortar aquilo ali. Se não cortar vai faltar dinheiro pras contas. A gente tem que ser macho (ALVES, 2007, p.34).

A título de conclusão e de exemplificar as inúmeras ações diferentes realizadas por um

cortador que, em único dia corte cerca de seis toneladas de cana-de-açúcar caminhando, ele

acaba percorrendo uma distância de aproximadamente 4.400 metros, em cujo percurso o

mesmo sempre está se abaixando, torcendo-se e/ou carregando peso.

6 Material disponível no blog http://blog.controversia.com.br/2007/08/28/para-ganhar-mais-boia-fria-eleva-corte-de-cana-em-sp/> 7 Material disponível no site <http://www.feagri.unicamp.br/unimac/produtos_canadeacucar.htm>

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3.3. A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O

NOVO PERFIL DOS TRABALHADORES RURAIS

Com a chegada da mecanização das lavouras canavieiras paulistas, que até o momento

ainda não atingiu 100% de abrangência, vários questionamentos já se fazem persistentes,

como a capacitação destes profissionais, para assumirem novos postos de trabalho e serem

reinseridos em um ramo de trabalho que, ambientalmente falando, ainda sofrerá muitas

mudanças.

De acordo com Sérgio Prato, diretor da UNICA, “as novas usinas paulistas já não

contam mais com a figura do cortador de cana, e o papel de inserir esses trabalhadores em

outras áreas [...], deve ser assumida em conjunto por empresas, sociedade e governo”.8

Atualmente, cerca de 42% a 45% da produção de cana do estado de São Paulo já é

colhida por máquinas. Este índice fica acima do nacional, que é de 35% a 37%. Uma pesquisa

feita pela ESALQ/USP mediu os efeitos da mecanização nas lavouras de cana-de-açúcar do

Brasil e apontou os seguintes resultados: entre 1981 e 2004 houve queda de mais de 20% de

trabalhadores rurais no setor (de 625 mil para 494 mil), e em contrapartida, detectou-se um

aumento superior a 166% na produção de cana no mesmo período (de 156 milhões de

toneladas para 415 milhões de toneladas). Este estudo também aponta três razões como

principais motivos para a evolução da mecanização: a econômica, a legal e a social.

Na tabela abaixo é possível analisar a evolução do número desses trabalhadores, entre

os anos de 1992 e 2005, mostrando também, a evolução da formalização do trabalho na área

agrícola da cultura da cana-de-açúcar.

1992 2003 2004 2005

Total Formais Total Formais Total Formais Total Formais

Brasil 674.630 53,6% 448.883 68,8% 494.076 69,6% 519.197 72,9%

NNE 352.905 42,3% 261.283 58,9% 245.050 59,0% 268.759 60,8%

CS 321.725 66,0% 187.600 82,8% 249.026 79,9% 250.438 85,8%

SP 149.360 80,4% 124.534 88,4% 179.156 86,6% 153.719 93,8% Tabela 2 – Empregados com carteira assinada (formais) na área agrícola9

8 Entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, em setembro de 2007. 9 Tabela 2 – Disponível em MACEDO, Isaías de Carvalho. A energia da cana-de-açúcar: doze estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e a sua sustentabilidade. São Paulo: UNICA, 2005.

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Como se vê, o Brasil evoluiu de 53,6% de trabalhadores com carteira assinada em

1992 para 72,9% em 2005, e nos trabalhadores do estado de São Paulo, que é o principal

produtor e representa 29,6% do total de trabalhadores empregados em 2005, encontra-se o

maior índice de trabalhadores com carteira assinada, tanto em 1992, com 80,4%, quanto em

2005, com 93,8%. Também é possível analisar que o número de trabalhadores no estado de

São Paulo evoluiu somente 2,92% de 1992 a 2005.

Este aumento no número de trabalhadores no estado de São Paulo é muito baixo se

compararmos ao índice de aumento da área cultivada com cana-de-açúcar, pois, segundo

dados do anuário estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre as

safras de 1991 e 2005, o Estado passou de 1.852.400 hectares (ha) cultivados com cana-de-

açúcar em 1991, para 3.141.777 ha em 2005, ou seja, uma variação de 70%.

A mecanização vem crescendo a cada ano, e como já se pôde observar, a profissão de

“bóia-fria”, como são chamados os cortadores de cana, está com prazo determinado para seu

fim, ao menos no estado de São Paulo, já que com o final das queimadas, não será mais

possível proceder com o corte manual e, somando-se a questões sociais e econômicas, tornar-

se-á inviável a colheita manual, até mesmo pela busca de maior competitividade no mercado

mundial, otimizando o processo da colheita e obtendo reduções nos custos.

Segundo informações dos sindicatos patronais do estado de São Paulo, baseadas até o

ano de 2005, atualmente o carregamento, transporte e cultivo da cana-de-açúcar são 100%

mecanizados, sendo apenas a colheita aproximadamente 35% mecanizada. Com isso,

podemos concluir que a colheita ainda utiliza um grande contingente de homens e máquinas

(guinchos, caminhões, etc.). Pode-se destacar também, que o processo da colheita da cana-de-

açúcar representa 30% do custo de produção.

Ainda segundo estudos, a queima da cana-de-açúcar contribui para o aumento da

produtividade do trabalhador, porque evita a retirada da palha da cana. Já que o cortador de

cana-de-açúcar ganha por produtividade, as próprias convenções coletivas de trabalho

realizadas definem que o corte manual deve ser de cana queimada. Colher cana crua,

manualmente, é antieconômico e induz à mecanização da colheita.

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3.3.1. O nível de escolaridade dos cortadores de cana será importante somente

após a extinção total das queimadas?

A quantidade de informação que é gerada nos dias de hoje colocou o ser humano em

uma situação na qual não é possível que se esteja desatualizado. Mas isto não é tudo: nunca

em outra época exigiu-se tanto conhecimento acadêmico e especialização de um profissional

como agora.

O mundo vive uma era de mudanças velozes, em que profissões simplesmente

desaparecem da noite para o dia, enquanto outras jamais imaginadas tornam-se indispensáveis

para a vida humana.

Por falar em profissões que tendem a desaparecer em função da rápida modernização

mundial, no estado de São Paulo quem domina esta discussão é o ofício de cortador de cana,

que como já se viu anteriormente, tem data marcada para terminar.

É óbvio que com a implantação total da mecanização o desemprego vai atingir índices

alarmantes no território paulista, porém tal problema poderia ser amenizado se desde a

validação da Lei Estadual nº 11.241, em 2002, medidas palpáveis de capacitação e/ou

requalificação dos cortadores de cana tivessem sido implantadas nas usinas de açúcar e álcool.

Um grande desafio será criar perspectivas para o grande contingente de cortadores de cana-de-açúcar que perderão seus empregos para as colhedoras mecânicas. O nível de escolaridade dos cortadores é obviamente insuficiente para realocá-los em curto prazo. Por isso, parcerias entre os agentes institucionais (UNICA, SENAC, SENAI, FAESP, FIESP, etc.) são necessárias para juntar esforços no processo de requalificação (NEVES; CONEJERO, 2010, p. 219).

Cerca de 150 programas de requalificação dos trabalhadores da lavoura canavieira já

existem, sendo que, dentre eles, o que mais se destaca na mídia é o Programa Renovação,

fruto da iniciativa e da parceria da UNICA com suas empresas associadas e com os

trabalhadores. O Programa Renovação, criado em junho de 2009, prevê a requalificação de

7000 trabalhadores por ano. Destes, 3000 seriam capacitados em cursos profissionalizantes

para o próprio setor sucroenergético (motoristas canavieiros, operadores de colhedora,

eletricistas, mecânicos, soldadores, etc.) e os outros 4000 restantes, requalificados para outros

setores da economia, como avicultura, jardinagem, construção civil, horticultura, costura,

hotelaria, apicultura, etc.

Quando este trabalho se refere ao Programa Renovação como um projeto de grande

destaque midiático é porque, no que diz respeito à divulgação, o programa realmente fez um

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bom trabalho, entretanto não foi possível ter acesso aos dados estatísticos do projeto, sobre

quantos trabalhadores já foram beneficiados e para quais áreas da economia teriam sido

requalificados.

O foco central deste estudo são as consequências da mecanização da colheita das

lavouras canavieiras no estado de São Paulo. Assim sendo, em resposta à pergunta título deste

tópico, para a indústria canavieira paulista, o nível de escolaridade dos cortadores já interessa

nos dias de hoje. E por se tratar do estado responsável pela maior produtividade do setor no

país, a qualificação dos futuros “ex-bóias-frias” interessará ainda mais, uma vez que o estado

já concentra o maior índice de trabalhadores com maior escolaridade e, consequentemente,

melhores salários.

Ramo de Atividades Cana

Brasil R (R$) 495,5

E (anos) 3,5

N-NE R (R$) 316,3

E (anos) 2,3

C-S R (R$) 697,3

E (anos) 4,8

SP R (R$) 810,0

E (anos) 5,1 R: rendimento - R$ / mês E: escolaridade – Anos

Tabela 5 – Valor Médio do Rendimento de todos os trabalhos e da escolaridade das pessoas ocupadas na cana10

Na tabela anterior pode-se notar que no estado de São Paulo, a média de rendimento

dos trabalhadores é maior em mais de 60% do que a média nacional, e quando comparado

com o Norte e o Nordeste, esse contraste se agrava mais, com uma diferença acima de 150%.

Um dos fatores que podem explicar este contraste é o alto desenvolvimento tecnológico do

estado de São Paulo no setor, quando comparado com outras regiões do Brasil. Outro fator

que deve ser analisado é o baixo nível de escolaridade desses trabalhadores, que na média do

estado de São Paulo é de 5,1 anos, sendo 45,7% maior que o nível nacional (3,5anos).

10 Tabela 5 – Disponível em MACEDO, Isaías de Carvalho. A energia da cana-de-açúcar: doze estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e a sua sustentabilidade. São Paulo: UNICA, 2005.

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3.3.2. Mecanização x desemprego

Para que o impacto social causado pela mecanização da colheita da cana-de-açúcar

seja minimizado, é preciso que seja feito um acompanhamento da evolução desse mercado de

trabalho para que sirva de subsídio para a elaboração de políticas públicas que possibilitem

atenuar esse impacto. Para tal fim o Instituto de Economia Agrícola (IEA) realizou uma

pesquisa sobre os percentuais de cana colhida mecanicamente em junho de 2007 dos

municípios produtores do estado de São Paulo.

Os índices de mecanização levantados pelo IEA possibilitam estimar quantas pessoas

foram ocupadas na colheita da safra de 2007. Estima-se que, aproximadamente, 163.098

pessoas estão envolvidas no corte da cana-de-açúcar no estado de São Paulo.

A pesquisa foi realizada em 33 Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDR’s) das

regiões produtoras de cana, como mostra a figura abaixo, obtendo o seguinte resultado: 15

deles encontram-se entre 0% e 29% da colheita mecanizada, ou seja, regiões descritas nesta

faixa não conseguiram cumprir tanto a Lei Estadual nº 11.241, quanto o Protocolo

Agroambiental.

Figura 1 - Índice de Mecanização nos Escritórios de Desenvolvimento Rural - Estado de São Paulo - Junho de

2007.11

Na faixa de 30% a 49% estão 13 EDR’s, como Campinas e Araraquara, as quais estão

dentro do que prevê a Lei Estadual. Já acima de 50%, estão as regiões tradicionais na

produção da cana-de-açúcar, com altos índices de mecanização, como Ribeirão Preto, Franca

e Limeira. Estas regiões estão acima do cronograma que prevê a Lei Estadual e têm

possibilidades reais de cumprir o Protocolo Agroambiental.

Com relação ao número de pessoas ocupadas nessas regiões, o IEA levantou que,

somente as cidades de Araçatuba, Barretos e Jaú são responsáveis pela contratação de 25% da

11 Fonte: Instituto de Economia Agrícola-APTA e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral.

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mão-de-obra no Estado, ou seja, 41.970 pessoas (vide Figura 2). Dentre as três cidades,

somente Barretos tem um índice de mecanização superior a 30%.

Figura 2 - Total de Pessoas Ocupadas nos Escritórios de Desenvolvimento Rural - Estado de São Paulo - Junho

de 2007.12

Regiões consideradas com alto índice de mecanização, como as de Ribeirão Preto,

Jaboticabal e Araraquara, ainda são responsáveis por um grande número de contratações,

26.605 pessoas. Piracicaba, que apresenta um índice de mecanização de 19,4%, é responsável

por empregar 8.730 pessoas.

Outro dado de extrema importância levantado pela pesquisa do IEA, é que, se o nível

de mecanização em São Paulo aumentar 1% a cada ano, isso significará que serão extintos

aproximadamente 2.700 postos de trabalho na função de cortador de cana-de-açúcar, ou seja,

2.700 pessoas desempregadas por ano, a cada avanço da mecanização.

É difícil prever, segundo o IEA, como será recolocada esta mão-de-obra, mesmo

dentro do setor sucroalcooleiro, quanto em outros setores econômicos, dado o baixo nível de

instrução desta classe trabalhadora. Estatísticas como esta devem servir como subsídio para a

implantação de políticas públicas que defendam também, o interesse social do setor

sucroalcooleiro.

3.4. A MECANIZAÇÃO E A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

O motivo principal que levou o Governo de São Paulo a delimitar um prazo para o fim

das queimadas de lavouras canavieiras no território paulista, foi sem dúvida alguma, a

preocupação com a preservação ambiental, cada vez mais forte nos dias de hoje. 12 Fonte: Instituto de Economia Agrícola-APTA e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral.

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A medida promulgada pelo então governador Geraldo Alckmin impôs prazos

gradativos para a eliminação das queimadas, em áreas mecanizáveis e não mecanizáveis, da

seguinte maneira:

ANO ÁREA MECANIZÁVEL (NÃO É PERMITIDA

A QUEIMA DA CANA)

PERCENTAGEM DE

ELIMINAÇÃO

1º ano (2002) 20% da área cortada 20% da queima eliminada

5º ano (2006) 30% da área cortada 30% da queima eliminada

10º ano (2011) 50% da área cortada 50% da queima eliminada

15º ano (2016) 80% da área cortada 80% da queima eliminada

20º ano (2021) 100% da área cortada 100% da queima eliminada

Tabela 6 – Áreas mecanizáveis13

ANO DECLIVIDADE SUPERIOR A 12% E/OU DA

QUEIMA MENOR DE 150 ha

PERCENTAGEM DE

ELIMINAÇÃO

10º ano (2011) 10% da área cortada 10% da queima eliminada

15º ano (2016) 20% da área cortada 20% da queima eliminada

20º ano (2021) 30% da área cortada 30% da queima eliminada

25º ano (2026) 50% da área cortada 50% da queima eliminada

30º ano (2031) 100% da área cortada 100% da queima eliminada

Tabela 7 – Áreas não mecanizáveis14

De acordo com Bergamasco (apud ANGELI, 2006), “no final do período definido pela

legislação, [...] a colheita dos canaviais passará a ser executada por máquinas colhedoras,

devido à grande dificuldade, ao risco e ao custo maior da colheita manual [...]”.

3.4.1. A adesão das indústrias canavieiras

Como foi visto anteriormente, em 04 de julho de 2007 foi assinado um protocolo entre

o Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, a Secretaria de

Estado da Agricultura e Abastecimento e a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo 13 Fonte: Lei Estadual Nº 11.241, de 19 de Setembro de 2002; disponível em http://www.iea.sp.gov.br/out/bioenergia/legislacao/2002_Lei_Est_11241.pdf. 14 Ibid.

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(UNICA), cuja medida principal seria o comprometimento das usinas paulistas em antecipar

os prazos legais que regulamentam o final das queimadas no estado, descritos da seguinte

forma:

a) Áreas com declividade até 12%, consideradas áreas mecanizáveis, e/ou de queima

maior que 150 ha – de 2021 para 2014, adiantando o percentual de cana não

queimada, em 2010, de 50% para 70%;

b) Áreas com declividade superior a 12%, consideradas áreas não mecanizáveis, e/ou

da queima menor que 150 ha – de 2031 para 2017, adiantando o percentual de cana

não queimada, em 2010, de 10% para 30%.

No referido protocolo, as usinas paulistas se comprometem, além da antecipação do

final das queimadas, com outros itens de gestão ambiental, descritos na cláusula terceira,

como:

Não utilizar a prática da queimada da cana-de-açúcar para fins de colheita nas áreas de expansão de canaviais; adotar ações para que não ocorra a queimada, a céu aberto, do bagaço de cana, ou de qualquer outro subproduto da cana-de-açúcar; proteger as áreas de mata ciliar das propriedades canavieiras, devido à relevância de sua contribuição para a preservação ambiental e proteção à biodiversidade; proteger as nascentes de água das áreas rurais do empreendimento canavieiro, recuperando a vegetação ao seu redor; implementar Plano Técnico de Conservação do Solo, incluindo o combate à erosão e à contenção de águas pluviais nas estradas internas e carreadores; implementar Plano Técnico de Conservação de Recursos Hídricos, favorecendo o adequado funcionamento do ciclo hidrológico, incluindo programa de controle da qualidade da água e reuso da água utilizada no processo industrial; adotar boas práticas para descarte de embalagens vazias de agrotóxicos, promovendo a tríplice lavagem, armazenamento correto, treinamento adequado dos operadores e uso obrigatório de equipamentos de proteção individual; e adotar boas práticas destinadas a minimizar a poluição atmosférica de processos industriais e otimizar a reciclagem e o reuso adequados dos resíduos gerados na produção de açúcar e etanol. 15

A Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro Sul do Brasil (ORPLANA)

também aderiu ao Protocolo Agroambiental em março de 2008. Durante este evento, a

Secretaria Estadual de Meio Ambiente divulgou dados comparativos da queima da palha da

cana-de-açúcar no estado de São Paulo, nas safras 2006/2007 e 2007/2008, conforme

descritos na tabela a seguir:

15 Material disponível no site http://www.unica.com.br/content/show.asp?cntCode={BEE106FF-D0D5-4264-B1B3-7E0C7D4031D6}

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SAFRA ÁREA CULTIVADA (ha) MÉTODO COLHEITA PARTICIPAÇÃO

2006/2007 2.132.079 MANUAL - QUEIMADA 65,80%

2006/2007 1.110.124 MECANIZADO - CRUA 34,20%

2006/2007 3.242.203 QUEIMADA E CRUA 100,0%

2007/2008 2.023.215 MANUAL – QUEIMADA 53,40%

2007/2008 1.767.049 MECANIZADO - CRUA 46,60%

2007/2008 3.790.264 QUEIMADA E CRUA 100,0%

Tabela 8 – Queima da palha de cana-de-açúcar – Dados comparativos entre as safras 2006/2007 e 2007/200816

Com base na tabela acima, é possível perceber uma redução na área de queima de 110

mil hectares no estado, assim como uma expansão de 657 mil hectares na área mecanizada.

Com essa análise pode-se visualizar que a expansão da área mecanizada foi de 547 mil

hectares acima da redução das áreas que eram colhidas com a prática da queima,

comprovando que as áreas de expansão de canaviais já são colhidas de forma mecânica.

3.4.2. Como as queimas de canaviais prejudicam a flora e a fauna

Diante do cenário atual, a tendência da mecanização torna-se inevitável no setor

agroindustrial canavieiro por vários fatores, sendo que o principal deles é a pressão das

sociedades nacional e internacional para o final das queimadas nos canaviais, o que

contribuirá para a diminuição da emissão de gases poluentes na atmosfera, da destruição da

vegetação nativa, do extermínio de animais silvestres e da desertificação do solo.

3.4.3. Os impactos sobre a flora

Geralmente os canaviais não estão localizados em áreas isoladas. Na maioria das vezes

eles fazem divisas com outras propriedades rurais, que possuem outros tipos de culturas; ou

até mesmo muito próximos de reservas ambientais. Quando o fogo utilizado nas lavouras

canavieiras perde o controle e avança sobre áreas vizinhas, os prejuízos para a flora são

incalculáveis.

16 Tabela 8 – Dados da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, disponíveis no site <http://homologa.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/relatorio_etanol_verde_2009A.pdf>.

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De acordo com a Associação Cultural Ecológica Pau Brasil, uma organização não

governamental que há mais de 20 anos estuda os impactos socioambientais causados pela

monocultura da cana-de-açúcar, na região de Ribeirão Preto, para se ter uma breve noção

destes prejuízos, basta fazer uma comparação da destruição causada pelo setor canavieiro, na

mesma região.

Segundo Ferreira (2006), “a região de Ribeirão Preto, que até a década de 1970 tinha

22% de cobertura florestal ativa, após o estímulo do PROALCOOL, teve esta área reduzida

para menos de 3% nos dias atuais”.

É muito comum o acesso a publicações que falam de incêndios que destroem

remanescentes de vegetação nativa a partir das queimadas da palha da cana-de-açúcar.

Quando um incêndio derivado da queima da cana-de-açúcar acontece, geralmente fica difícil

encontrar culpados. Um exemplo claro é o incêndio que atingiu durante sete dias a Mata da

Graciosa, localizada no município de Cajuru/SP, em outubro de 2002, e que acabou

devastando mais da metade da área preservada, que configura uma das últimas remanescentes

de mata atlântica na região de Ribeirão Preto.

Para dar início à investigação a Promotoria solicitou [...] a relação de usinas que trabalham com a queimada da cana-de-açúcar ao redor da mata. A Folha apurou que pelo menos três usinas cultivam cana-de-açúcar nas redondezas: Ibirá, Santa Rita e Nova União. A direção da Ibirá nega ter ligação com o fogo, mas considera a possibilidade de o incêndio ter sido causado pela queima da cana. Já a Nova União informou que sua área de cultivo de cana fica distante da mata. A direção da Santa Rita não foi localizada. [...] A Folha entrou em contato com a usina Santa Rita, mas não conseguiu localizar ninguém para falar sobre o caso.17

Na opinião de Ferreira (2006), em uma ocorrência de incêndio de reserva florestal

ocorrido na cidade de Brotas/SP, em 1997, provocado pela queima de um canavial da Usina

da Barra S. A., “os argumentos utilizados pela usina para tentar livrar-se da responsabilidade

pelo incêndio [...] é que haviam sido tomadas todas as cautelas necessárias à queima do

canavial, mas o fogo ficou sem controle, pois o período era de seca”.

O fato principal é que, até que as queimadas de cana sejam completamente extintas,

mesmo que as usinas paguem as multas e indenizações, não há reparação monetária que

recupere a situação original de uma reserva florestal, com sua biodiversidade, seus nichos e

seu equilíbrio, que foram destruídos para sempre pelo fogo.

17 Reportagem disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u61156.shtml.

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Diante dos impactos ambientais causados pelas queimadas dos canaviais, os benefícios

da mecanização da colheita tornam-se indiscutíveis para a preservação da flora. Dentre eles

destacam-se:

• A permanência, no campo, de uma cobertura de folhas e palhas que contribuem

para a manutenção da umidade e o aumento da disponibilidade de nutrientes no solo;

• A coibição do crescimento de ervas daninhas;

• A diminuição do uso de herbicidas;

• O aumento da longevidade do canavial, estabilizando a produtividade em

níveis elevados;

• O aumento dos ganhos ambientais significativos, preferencialmente o

incremento na biodiversidade, gerando sustentabilidade ao sistema;

• A provocação de menor erosão ao solo;

• E a maior atratividade microbiana depois de dois a três anos do sistema

implantado.

3.4.4. Os impactos sobre a fauna

Outro ponto extremamente preocupante que envolve as queimadas de cana-de-açúcar é

o que se refere à morte de espécies animais. Há pouco tempo atrás as queimadas dos canaviais

eram feitas a partir dos quatro lados da plantação (queimada em círculo) e, embora esta

prática seja condenável, por não deixar chance para que qualquer animal ou pessoa possa

escapar do fogo, ela ainda é muito utilizada em vários pontos do país.

No estado de São Paulo, as queimadas têm sido feitas a partir de dois lados da

plantação, com a finalidade de reduzir os riscos de acidentes, mas de qualquer forma, o fogo

tem matado uma quantidade incalculável de espécies da fauna nativa, que vai de pequenos

insetos até grandes mamíferos.

Até o momento não existe um levantamento estatístico sobre a quantidade de animais,

nem de todas as espécies que morrem, em média, por hectare de canavial queimado. Os dados

existentes são escassos e representam uma fração bastante pequena da realidade, pois são

referentes apenas aos animais que são resgatados com vida e levados a um atendimento

emergencial. É por isso que estão fora deste levantamento todos os insetos e praticamente

todas as aves e pequenos roedores, pois são completamente incinerados e sequer deixam

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vestígios notáveis dentro do canavial. Também não estão computados animais que conseguem

fugir, lesionados, que acabam por morrer em outro lugar.

De acordo com o sargento Joaquim Francisco Sorreição, do Batalhão do Corpo de

Bombeiros de Sertãozinho/SP, por causa dos incêndios nos canaviais, muitos animais fogem

assustados para a zona urbana e invadem residências.

Com freqüência somos acionados para resgatar animais dentro da cidade. Já resgatamos cobras, gambás, micos e teiús. Certa vez, em meio ao fogo, encontramos um preá com muitas queimaduras. Nós a levamos ao veterinário, mas ela não sobreviveu.18

Segundo um estudo19 feito por biólogos do Parque Ecológico de São Carlos-SP, desde

1989 tornou-se comum o resgate de animais das queimadas, na maioria das vezes sem

sucesso. A maioria deles é composta por gatos do mato, onças-pardas, lobos-guará, veados,

tamanduás, tatus e cobras.

Pelo fato de muitos animais não encontrarem mais a vegetação nativa para se

restabelecerem em função da devastação causada pela implantação das lavouras canavieiras,

os mesmos adotam o canavial como único abrigo, utilizando-o para sobrevivência e

procriação. Por este motivo, infelizmente tornou-se comum tomar conhecimento de notícias

sobre o resgate de animais feridos em queimadas de canaviais.

A queima da palha da cana-de-açúcar em área de fazenda de Bueno de Andrada, distrito de Araraquara, [...] provocou queimaduras graves em um veado catingueiro fêmea [...]. O animal, que está internado em uma clínica veterinária, tem poucas chances de sobrevivência, segundo o veterinário Júlio Furtado. De acordo com ele, o animal teve 30% do corpo queimado. Os casos de animais feridos pela queima da cana não são raros na região. Em maio deste ano, um filhote de onça, de três meses, foi encontrado em Ituverava com 70% do corpo queimado. [...] Para que esse tipo de incidente não ocorra, ele orienta usinas a soltar rojões na área antes de iniciar a queimada, para que animais fujam antes de se formar o círculo de fogo, que impede a fuga.20

Para a fauna, a mecanização da colheita da cana só trará benefícios. Diante das tristes

constatações, fica fácil concluir que a queimada da palha da cana-de-açúcar, embora muitas

vezes feita com autorização do poder público, é uma prática que infringe a lei, pois provoca

danos na fauna, que é especialmente protegida por leis federais e estaduais.

18 Entrevista concedida ao Jornal do Barão em novembro de 2006. 19 Material disponível no site http://www.adital.org.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=24548. 20 Reportagem disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127026.shtml.

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A esperança é de que com a chegada integral da mecanização da colheita da cultura

canavieira, a matança de animais diminua a ponto de conseguir frear os processos de extinção

de tantas espécies.

3.5. A GESTÃO AMBIENTAL NA INDÚSTRIA CANAVIEIRA

Com o final das queimadas muita coisa vai mudar no setor sucroalcooleiro. A

produção do açúcar, por exemplo, deverá atender a selos de qualificação internacionais, como

o ISO 9000, que designa um grupo de normas técnicas que estabelecem um modelo de gestão

da qualidade; e o ISO 14000, o qual descreve uma série de normas que estabelecem diretrizes

sobre a área de gestão ambiental dentro de empresas.

Com o objetivo de se adaptarem mais facilmente ao cenário futuro no qual o setor será

inserido, muitas usinas, mesmo antes da aprovação da Lei nº 11.241/2002, passaram a criar

mecanismos de sustentabilidade e respeito à biodiversidade. E quando o quesito é

pioneirismo, a cidade de Sertãozinho-SP tem do que se orgulhar. É nesta cidade que está

localizada a Usina São Francisco, detentora da marca Native Alimentos, que desde 1986, com

base no Projeto Cana Verde, passou a buscar o desenvolvimento de um sistema

autossustentável de produção de cana-de-açúcar, baseado na busca da total manifestação do

potencial ecológico e conservacionista desta cultura. Os estudos foram se aprimorando e já

em 1995, a empresa conseguiu colher 100% de sua área plantada, sem a necessidade de

utilizar fogo; o que, na opinião de Leontino Balbo Júnior, um dos diretores da Organização

Balbo, “foi o maior desafio a ser vencido”.

[...] Fomos aprimorando e buscando uma maneira de colher a cana crua, sem queimar, até que em 1995 conseguimos colher 100% da área. Foi aí que nós mudamos toda filosofia produtiva. [...] Nós colhemos a cana crua, espalhamos uma camada uniforme de palha sobre o solo, 20 toneladas de palha de cana por hectare para que em baixo fique fresco e úmido. Nós temos todas as máquinas com esteiras de borracha ou metálicas, que distribui a pressão sobre o solo. Por exemplo, nossa máquina de colher cana pesa 17 toneladas, mas a pressão dela no solo não é maior do que a do pé humano. Para os caminhões de cana, nós temos uns pneus, que têm mais de 70 centímetros de largura, que trouxemos de Israel e da Suécia. No painel do caminhão você tem um botão que faz o pneu murchar, ele fica fofinho, aí se carrega de cana o caminhão do lado da colhedora e quando ele sai na estrada se aperta o botão para o compressor encher os pneus. Nós desenvolvemos

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esta tecnologia aqui. Isto é para não amassar a terra e consequentemente sua vida biológica como, por exemplo, a minhoca.21

Hoje, 15 anos depois deste grande avanço, a empresa tornou-se pioneira na venda de

produtos orgânicos, derivados da cana-de-açúcar, e possui o mais completo programa de

respeito à biodiversidade. Com o apoio de pesquisadores de organizações não

governamentais, atualmente mais de 300 espécies de animais entre répteis, anfíbios,

mamíferos e aves, têm seus hábitos alimentares e de itinerários monitorados. Os projetos de

reflorestamento da usina proporcionaram ainda, um aumento considerável nas espécies de

aves que adotaram o território da usina.

Temos várias espécies. Coruja, joão-de-barro, muito gavião. É um predador excelente. Às vezes temos 20 a 30 juntos comendo lagartinhas. [...] Ele não é seletivo. Ele come de tudo. Ele pega outros pássaros, cobra, minhoca. Quando a máquina colhedora passa ou trator de preparo, eles aparecem em bandos.22

A empresa investiu em consciência ecológica. Ao investir em cursos de capacitação

para seus trabalhadores, desde que a usina abandonou de vez a prática das queimadas,

nenhum funcionário foi demitido em função disso. Eles foram requalificados e transferidos

para outros setores de trabalho na usina, que investe no potencial de seus trabalhadores, sendo

que muitos deles, através do programa de bolsas de estudo criado pela empresa, estão fazendo

cursos superiores. Um exemplo claro que produtividade e lucratividade não são sinônimos de

destruição social e ambiental.

21 Entrevista concedida ao site Planeta Orgânico, disponível em http://www.planetaorganico.com.br/native2.htm. 22 Entrevista de Leontino Balbo Júnior, concedida do site Planeta Orgânico, disponível em http://www.planetaorganico.com.br/native2.htm.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mecanização no setor sucroalcooleiro é um caminho sem volta, que é

imprescindível que o setor o percorra para que obtenha maior competitividade no mercado

internacional, além do atendimento a questões legais e ambientais, que forçam a aceleração

desta mudança, cobrando o fim das queimadas nos canaviais, diminuindo a emissão de gases

poluentes na atmosfera e do trabalho extremamente árduo do corte manual da cana.

A mecanização da cultura da cana-de-açúcar só será responsável por um desemprego

em massa, se as instituições privadas e governamentais não estiverem preparadas para a

mudança. Por outro lado, ela gerará novos postos de trabalho, porém com a exigência de

conhecimentos técnicos mais amplos, que demandarão profissionais melhor capacitados.

Infelizmente não é o caso da maioria das pessoas que irão perder seus empregos no corte da

cana, daí a necessidade de o estado, a sociedade, instituições sindicais e demais instituições do

setor criarem políticas públicas e privadas, procurando meios para minimizar esse problema

tão eminente atualmente, buscando a recolocação dessa mão-de-obra extremamente humilde,

mal instruída, vivendo à margem da pobreza, muitas vezes esquecidos pela sociedade e pelos

poderes públicos.

Essas pessoas enxergam no corte de cana uma esperança de mudança de vida, pois nas

comunidades em que vivem, na maioria dos casos, não possuem acesso à educação ou outros

tipos de emprego. Esta também é a realidade do jovem José Paulo, de 15 anos, que cursa pela

segunda vez a 5º série. Morador da comunidade Ponte do Setúbal, na cidade de Francisco

Badaró/MG, localizada no Vale do Jequitinhonha, quando perguntado sobre qual profissão

gostaria de exercer no futuro, ele respondeu: “quero ser cortador de cana. Quando eu fizer 16

anos, venderei sorvete na praia. Arranjo um dinheiro, ajudo minha avó e quando eu completar

18 anos vou para o corte de cana em São Paulo. O que eu vou ficar fazendo aqui?” 23

A esperança é de que com a chegada da mecanização esta dura realidade mude para

melhor, e que as tantas agressões ambientais diminuam em quantidade e profundidade, dando

às futuras gerações a possibilidade de entenderem que o ser humano só tem a ganhar, quando

trata a natureza com seu devido respeito.

23 Apud PEREIRA, 2007, p.304.

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