a matança do porco

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Escola Superior de Educação de Santarém Antropologia da Imagem A matança do porco Docente: João Maia e Carmo Discente: Tânia Prates ECM- Pós Laboral 2009/2010

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Page 1: A matança do porco

Escola Superior de Educação de Santarém

Antropologia da Imagem A

matança do

porco

Docente: João Maia e Carmo

Discente: Tânia Prates

ECM- Pós Laboral 2009/2010

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO

Cada vez é mais rara a criação doméstica do porco e tende a desaparecer a tradição da matança.

A matança do porco com os seus rituais, era uma necessidade básica que servia para suprir a falta de carne, na grande

maioria das casas de antigamente. Com o fluxo migratório para os grandes centros urbanos, além de provocar algum

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despovoamento, o contacto com outros hábitos alimentares culturais diferentes, alterou o sistema de alimentação

vigente.

No entanto, mesmo com algumas alterações, há pessoas que continuam a manter viva a tradição da matança do porco,

não por necessidade, mas pelo gosto de ter em casa aquilo que com esforço ajudaram a criar.

Sendo este um ritual milenar, foram editados vários livros, artigos, estudos etnográficos sobre o acto da matança do porco

e a sua importância nas relações interpessoais na comunidade. Durante três dias tive oportunidade de conviver com uma

simpática família, que partilhou em cada momento a sua experiência e hábitos de vida. Neste meu trabalho terei a

preocupação de transmitir o que observei. Partirei, por isso, da realidade dos factos e de alguma literatura produzida

sobre a matança do porco. Apesar de ser uma tradição, não deixa de ser um acto violento, mas devemos insistir para que

as memórias não caiam no esquecimento.

1- O DIA DA MATANÇA

1.1- O sangramento

A região que escolhi para falar sobre a matança do porco é o distrito de Santarém, mais propriamente o concelho de

Coruche.

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Na manhã do dia 24 de Abril de 2010, às 6:30 da manhã, ainda o sol estava meio adormecido, a azáfama era grande e a

família Parreira preparava-se para mais um dos seus rituais: matar dois porcos, criados em ambiente doméstico durante

alguns meses. Os convidados da família Parreira iam chegando para beber o café da manhã. O café consiste numas passas

de figo , pedaços de bolo de mel, café e alguns homens completando com o chamado “mata bicho”, uma mistura feita de

aguardente e café.

Os homens tratam de matar o porco e cortar a carne, as mulheres tratam da cozinha, preparam as carnes confeccionam as

refeições e os enchidos.

A dona da casa distribui ordens precisas ás companheiras, é preciso preparar os “panos” e as “rodilhas”, os “alguidades”,

o balde com limões e cebolas cortados aos pedaços para depois lavar as tripas. Apesar de todo este aparato a dona da casa

está triste pela perda de uma amizade conseguida ao longo de doze meses, porque foi o porco o seu inseparável

companheiro ao qual dedicou parte do seu tempo e vai-se lamentando “eu viu-o crescer, ele até já conhecia a minha voz.

Era já como uma pessoa de família....”

Na pocilga, o porco esconde-se bem ao fundo, nervoso sente que algo está para acontecer.

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Ao mando do dono da casa, os familiares e amigos homens aproximam-se da pocilga, avaliam o animal as arrobas e

preparam-se para o acto. A “trepeça de madeira”, a corda de nylon para atar as patas do animal, o “alguidar” para o

sangue e a faca são alguns utensílios essenciais para a concretização do acto. Os mais novos, curiosos, observam a

movimentação, sempre receosos dos grunhidos do porco e de alguma eventual fuga.

Os mais destemidos preparam-se para filar o porco, dentro da pocilga o dono da casa e o filho tentam atar uma das patas

do animal para este não fugir. É necessária muita força, o porco ao ver-se cercado esperneia e solta grunhidos de revolta,

até que o filho do dono passa o “arganel” pelo focinho e aperta o “nó corrediço”. Num gesto de agilidade e força, o porco

é empurrado e arrastado para junto da “trepeça”. As mãos possantes dos homens, conduzem o animal para cima da

“trepeça”, cada um com a sua função específica seguram o animal para este não se mexer. Um aperta o focinho do porco

com o cordel fino para não morder, outro segura o pescoço do porco de modo que o sangue escorra para o “alguidar”, os

outros seguram as patas e o rabo.

A dona da casa carrega o “alguidar de plástico” que antigamente era de barro para junto da trapeça e ajeita-o debaixo da

cabeça do animal para o sangue cair diretamente para dentro deste.

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Surge o “matador” de faca em punho, lâmina afiada e comprida, introduz a lâmina fatal no tórax, do lado esquerdo do

animal, a fim de ir directa ao coração (é aconselhável não matar à primeira tentativa para haver melhor escoamento do

sangue, bem como melhor limpar as artérias para a boa conservação da carne).

O animal começa a jorrar fluxos de sangue quente em desesperados e dolorosos grunhidos, alguns salpicos sujam a cara

da dona da casa, esta tenta esquecer a todo o custo a agonia do animal, com a colher de pau mexe o sangue num vai-vêm

para o sangue não coalhar. É o único momento em que há contacto ou aproximação entre as mulheres e o processo

específico da matança do animal.

1.2- Imagens seqüenciais do acto do sangramento do porco

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1- Trepeça 2- Preparação dos utencílios 3- Nó corrediço

4- Colocação do porco em cima da trepeça

5- Imobilização do porco 6- O sangramento do porco

2-A CHAMUSCAGEM DO PORCO

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2.1- Chamuscar

Começa a segunda fase da matança, antigamente o processo da chamuscagem do animal era feito com carqueja ou tojo,

que se fazia arder em molhos pequenos. Hoje em dia este processo está praticamente extinto, e para tornar a tarefa mais

fácil e rápida os homens optaram pelo maçarico a gás. Uns começam a chamuscar para queimar os pêlos do animal, bem

como para endurecer o couro, enquanto outros raspam com uma “sachola” ou facas velhas para lhe tiram as unhas

2.2- O Rapar da pele

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7- Os homens começam a chamuscar o porco com um maçarico a gás

8- Endurecimento do couro

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Finda a operação da chamuscagem, segue-se o rapar da pele, procede-se à lavagem que é feita com sal e água. O porco

volta a ser esfregado com uma pedra, uma telha, ou um raro de regador de chapa de zinco e começam a barbeá-lo

impecavelmente com as facas e navalhas.

9- Fim da chamuscagem 10- Lavagem com sal e água 11-Barbemento do porco com facas, e pedra-pomes

3-ABRIR O PORCO

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3.1- Desmanchar

Inicia-se com um corte longitudinal a todo o cumprimento da barriga. com golpes cuidadosos, abre-se o animal sem ferir

os intestinos, que se depositam num tabuleiro colocado em frente. Abre-se a cavidade toráxica, retiram-se os pulmões, o

fígado e a língua, Corta-se a cabeça, destacam-se as «mantas» de toucinho e separa-se a carne segundo o uso e as

necessidades do casal Parreira. Após a desmancha, as mulheres e homens migam a carne para os “alguidares” ou para as

“maceiros”.

Depois de seco o porco, procede-se ao seu esquartejamento, vulgarmente chamado «a desmancha»,o toucinho com

destino à salgadeira, lombos que hão-de ser transformados em chouriços e as «banhas» em farinheiras.

3.2- Imagens sequenciai do acto de esquartejamento do porco

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12- Corte longitudinal 13- O coração 14- As tripas

15- Desmanchar o porco 16- Separação das peças 17- Cortar a carne

3.3-Separação das tripas

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Aberta a barriga desde a garganta até ao ânus, são-lhe então retiradas as tripas que são colocadas dentro de um tabuleiro,

separadas por uma faca ou com as mãos, pois estão agarradas ao chamado “véu” que depois de convenientemente

lavadas em água corredia, passadas várias vezes por água bem quente, esfregadas com sal, limão e com vinho alho e

depois serão usadas para fazer os enchidos.

18- Selecção de separação das tripas 19- Selecção de separação das tripas comas mãos

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3.4- Lavagem das tripas

As tripas depois de bem lavadas em água corrente, passadas várias vezes por água limpa, esfregadas com sal, limão, e

marinadas com vinho e alho serão usadas para fazer os enchidos. Depois de lavadas, as tripas, são atadas na parte inferior

para que possam ser enchidas pela parte superior. È necessário muito jeito para manusear a tripa e um bom estômago

para resistir ao cheiro.

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3.5- Imagens sequenciais do acto da lavagem das tripas

20- Abertura da fossa 21- Pau para virar a tripa 22- Lavagem da tripa

23- Lavagem da tripa 24-Lavagem da tripa (intestino grosso) 25- Bexiga do porco

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4.0- A HORA DO PETISCO

4.1- Ritual do Petisco

Depois do porco desmanchado, vem a hora do petisco. Saborear o primeiro petisco feito com ingredientes retirados do

porco. Carne grelhada (fígado, febras) cortada em pedacinhos temperada com: alho, cebola, azeite, vinagre, sal e pimenta.

Ajuntam-se em pé á volta da mesa, retiram com a ponta da navalha os nacos de carne, à vez, e vão bebendo do vinho

produzido nas adegas caseiras.

26- Petisco dos Adultos 27- Petisco dos Adultos 28- Petisco das crianças

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5-PREPARAÇÃO DOS ENCHIDOS

5.1- O ensacamento dos enchidos

As mulheres encarregam-se de preparar e condimentar as carnes para fazer os enchidos: morcelas, farinheiras, chouriços

(chouriços de sangue), feitos à base de carnes e miudezas de porco,

Os enchidos são ensacados geralmente um ou dois dias depois da morte do porco.

As morcelas são enchidas em tripa de porco (intestino grosso) por serem mais saborosas e adequadas, cozidas em água a

ferver, os chouriços em tripa de porco, as linguiças e as farinheiras em tripa de vaca. Durante o enchimento das tripas,

aperta-se muito bem a carne com as mãos para não ficar ar nenhum no seu interior sendo mesmo a tripa depois picada

com uma agulha de meia para retirar ainda algum ar que, eventualmente, tenha ficado no interior das linguiças e dos

outros enchidos.

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5.2- Imagens sequenciais do acto de preparação dos enchidos

29- Ensacamento manual das morcelas 30- Ensacamento manual das morcelas 31- Morcelas ensacadas

32- Ensacamento das linguiças 33- Ensacamento manual das linguiças 34- Linguiças ensacadas

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6- FUMEIRO

6.1- Secagem dos enchidos

Enchem-se, depois, os invólucros (tripa seca de vaca) de forma a que os enchidos fiquem bem apertados e atados, são

então colocados em varas de pau nas chaminés largas tradicionais por cima da lareira e submetem-se à “ fumagem” para

apanharem o fume do lume, durante três a dez dias, o lume é feito com lenha bem seca de azinho ou sobro. Sabe-se

quando estão “curados” quando se começa a notar a tripa gordurosa.

35-Preparação da secagem dos enchidos 36-Secagem dos enchidos (farinheira branca) 37-Secagem dos enchidos (farinheira, linguiça e chouriço de sangue)

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Conclusão

A matança do porco sempre constituiu um momento alto da vida das populações rurais. Sendo esta uma tradição secular,

que representa fartura para muitos e para outros uma fonte de rendimento. É um ritual familiar, neste caso tratando-se

do Baixo-Ribatejo, tem particularidades próprias que tornam este acontecimento distinto do modo como é praticado em

outras Regiões do País.

A matança do porco como espaço social faz parte da nossa riqueza patrimonial.

Bibliografia

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