a mariposa no espelho - a. g. howard

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Sumrio

    Capa

    Sumrio

    Folha de Rosto

    Folha de Crditos

    Captulo 1

  • Captulo 2

    Captulo 3

    Captulo 4

    Captulo 5

    Notas

    UM CONTO DA AUTORA DE O LADO MAIS SOMBRIO

    Traduo

    Denise Tavares Gonalves

    Ttulo original: The moth in the mirror

    Copyright 2013 A.G. Howard

    Copyright 2014 Editora Novo Conceito

  • Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo oupor qualquer meio, eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia, ou qualquer outro tipo desistema de armazenamento e transmisso de informao sem autorizao por escrito daEditora.

    Esta uma obra de fico. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos soproduto da imaginao do autor. Qualquer semelhana com nomes, datas e acontecimentosreais mera coincidncia.

    Verso digital 2014

    Produo editorial:

    Equipe Novo Conceito

    Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Lngua Portuguesa.

    Howard, A. G.

    A mariposa no espelho / A. G. Howard ; traduo Denise Tavares Gonalves. -- RibeiroPreto, SP : Novo Conceito Editora, 2014.

    Ttulo original: The moth in the mirror

    ISBN 978-85-8163-609-2

    1. Fico norte-americana I. Ttulo.

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Fico : Literatura norte-americana 813

    Rua Dr. Hugo Fortes, 1885 Parque Industrial Lagoinha

    14095-260 Ribeiro Preto SP

    www.grupoeditorialnovoconceito.com.br

  • 1As maquinaes da Mariposa

    Tem certeza, Morfeu?

    Tenho respondeu Morfeu, tirando as luvas e enfiando-as em seu casaco. Voc,entretanto, parece que precisa ser convencida.

    A magia pulsava nervosamente nas pontas de seus dedos, uma luz azul pulsante logo abaixo dapele. Por causa da ponte de ferro que havia l fora, seus poderes estavam limitados a algunstruques inofensivos, mas suficientes para dar o seu recado, se necessrio.

    O besouro-tapete que de to grande chegava altura dos ombros de Morfeu, depois de estehaver tomado uma poo encolhedora engoliu em seco por trs de suas muitas mandbulas

    estalidantes. Sua pele carpetada tremia.

    No, no. Por favor, o senhor interpretou mal as minhas ressalvas. Os braos ramososdo inseto vibravam enquanto ele folheava as marcaes em ordem alfabtica de sua prancheta,as quais continham todas as lembranas perdidas no Pas das Maravilhas. que ficarespiando os

    momentos esquecidos de um ser humano parece uma maneira tediosa de se passar uma tarde,s isso...

    Morfeu mudou de posio, e suas asas lanaram uma sombra sobre a cara do besouro.

    Ah, mas este humano, em especial, tem muito a me ensinar.

    Esse humano, em especial, havia conseguido capturar algo que Morfeu desejava mais que tudoneste mundo.

    Sente-se disse o inseto, apontando para uma cadeira branca de vinil , e eu prepararei

  • as memrias para o senhor.

    Morfeu jogou as asas para o lado, sentou-se e deu uma tragada no narguil fornecido por seuanfitrio como cortesia. O tabaco doce e fresco passou ardendo pela sua garganta. Ele soproubaforadas de fumaa no ar, formando com elas o rosto de Alyssa. Era fcil imaginar o modocomo seus olhos sempre se cobriam de um azul glido quando ela o via e se enchiam deexcitao e temor ao mesmo tempo. Adorava isso nela: a sagacidade de seus instintosintraterrenos alertando-a a no confiar nele suavizada pelas emoes humanas forjadasdurante a infncia que passaram juntos.

    Antes dela, Morfeu levara a vida em solido, sem nunca precisar de ningum. Ele no fazia amenor ideia do feitio que ela lhe lanara. Ela era mais que uma decepo, sempre jurandodevoo ao lado errado. Mas seu encanto era inegvel. Principalmente quando ela o desafiavaou o encarava com sua indignao de justiceira, o que a deixava com os lbios deliciosamenteposicionados quando rangia os dentes.

    Morfeu colocou o narguil de lado, embora a sensao de queimao em seu peito no tivessenenhuma relao com o fumo. Alyssa era a nica que poderia aplacar o incndio que havia ali,pois fora ela quem atiou aquelas chamas.

    Os dois tinham passado cinco anos juntos como amigos de infncia at que a me dela aarrancou dele, Alyssa sangrando e ferida, e ele ficara se remoendo de remorso e com culpapor causa de um juramento imprudente que havia feito, no qual prometeu se manter longe dela.

    Manter-se afastado da amiga fez com que ele sentisse o gosto da solido pela primeira vez.

    Mesmo todos os anos de claustrofobia que ele passara aprisionado em um casulo antes deencontr-

    la... nem mesmo eles o prepararam para o sofrimento da ausncia dela.

    Ento, por fim, ela havia voltado para ele, fazendo-o reviver todos os antigos sentimentos queele pensava ter dominado. Daquela vez, tambm, tudo foi muito rpido. Ela partira novamente,por escolha prpria. Restaram a dor e a solido excruciantes. Debilitantes.

    Havia apenas seis meses que ela partira do Pas das Maravilhas, e ele no compreendia estevazio corrosivo que s poderia ser preenchido pelo toque dela, por seu perfume, sua voz. Assolitrias criaturas mgicas no ligavam para essas bobagens; no precisavam de companhia,abominavam a bagagem emocional. Sua afeio e lealdade pertenciam ao agreste Pas dasMaravilhas e a nada nem ningum mais.

    Ento o que ela havia feito para mudar isso?

    Ultimamente, cada vez que ele via seu prprio reflexo, no mais reconhecia a Mariposa no

    espelho. Estava incompleto, enfraquecido; e menosprezava isso.

  • Menosprezava ainda mais porque ele havia se esforado tanto para cortej-la, enquanto elaoferecia seu afeto para um reles mortal.

    Morfeu suprimiu um rosnado. Ele no conseguia compreender a sorte de Jebediah, como um

    humano podia ter tanto poder sobre uma rainha intraterrena. Como um simples rapaz era capazde controlar um corao real e mestio to multifacetado, um esprito propenso aopandemnio e loucura. Jebediah puxava Alyssa para baixo, acorrentando-a ao tdio e banalidade do reino humano.

    Ela precisa ser libertada.

    Morfeu havia considerado a possibilidade de matar seu rival, mas Alyssa jamais o perdoaria.

    No. Chegara o momento de tomar medidas criativas.

    Se Morfeu soubesse o que Jebediah havia pensado durante sua jornada pelo Pas dasMaravilhas

    todos os momentos em que ele se sentiu mais aterrorizado, mais desanimado , conheceriaas fraquezas e as foras do mortal intimamente. Ele saberia como enfraquecer Jebediah,contrapondo-o contra si mesmo.

    Essas fraquezas o derrotariam melhor do que Morfeu o faria. E depois, quando tivessedestrudo a confiana de Alyssa em seu cavaleiro mortal, Morfeu estaria l para confort-la econquist-la.

    Voltaria a ouvir a risada de Alyssa do modo como ela ria quando os dois eram crianas, eteria de novo a oportunidade de ser presenteado com o seu sorriso deslumbrante.

    Ele voltaria a ser completo.

    Por aqui, por favor pediu o besouro para que Morfeu o seguisse.

    Morfeu tirou o chapu e passou a mo pelo cabelo. Quando o inseto abriu a porta para um

    compartimento de memrias sem janelas, o cheiro de amndoas vindo de uma travessa debiscoitos de luar fresquinhos que estava em uma mesa de canto se espargiu no ar. Havia umachaise-longue na cor creme colocada contra a parede, e uma luminria de piso em latodecorado que iluminava o espao com uma luz discreta.

    Morfeu concentrou-se no pequeno palco do outro lado do compartimento. Sentiu o corao

    palpitar de ansiedade num ritmo profundo e firme. As cortinas de veludo vermelhoaguardavam o momento de se abrirem para mostrar as memrias de Jebediah na tela prateada.

  • Como o senhor entrar na cabea do rapaz para visitar suas lembranas perdidas, souobrigado pelas normas a avisar-lhe que... as emoes humanas podem ser muito poderosas...podem nos fazer ver as coisas sob uma perspectiva totalmente diferente advertiu o besouro.

    Estou contando com isso. Morfeu deu um sorriso afetado. Conhece aquele ditadosobre amigos e inimigos?

    O besouro coou a pele enrugada.

    Hum... mantenha seus amigos por perto e seus inimigos mais perto ainda?

    Morfeu acomodou-se na cadeira estofada e alisou sua cala risca de giz ao cruzar as pernas,apoiando um tornozelo sobre o outro.

    Melhor ainda se colocar no lugar de seu inimigo. a melhor maneira de controlar seuspassos. Ou de apag-los, caso tenha a oportunidade.

    O besouro, voltando a tremer, esticou o brao fininho e apertou um boto na parede. Ascortinas do palco se abriram, revelando uma tela de cinema.

    Imagine o rosto do rapaz enquanto olha para a tela em branco e vivenciar o passado delecomo se fosse hoje.

    As palavras do besouro eram ensaiadas, at mesmo mecnicas, mas a pulsao de Morfeuficou acelerada. Ele esperou o besouro desligar a luz. Assim que o inseto saiu e fechou aporta, o corpo de Morfeu desmembrou-se nas juntas, flutuando pela escurido como se fossefeito de partculas de p.

    Todos os seus pedaos se uniram novamente na tela prateada, em cores vivas ecinematogrficas, at que ele entrou na cabea de Jebediah, apropriando-se do seu corpo,sentindo suas emoes.

    Naquele momento, Morfeu entregou-se experincia e, pela primeira vez na vida, passou aver as coisas como um humano.

  • 2Primeira lembrana: kriptonita

    Jeb acordou em uma cama suspensa.

    Estava nu. Por que estava nu?

    Antes que esse fato pudesse ser totalmente registrado, trinta fadas ou mais, do tamanho demariposas, surgiram do ar, acariciando cada parte do seu corpo e sussurrando-lhe. Ele tentoumexer os braos e pernas. As asas das fadas que batiam na velocidade das asas de umbeija-flor

    liberavam partculas parecidas com as ptalas delicadas de um dente-de-leo, que, de algumamaneira, o imobilizaram. As sementes exalavam um perfume de canela e baunilha que foiinundando sua conscincia at que a sala ficou totalmente fora de foco.

    Quando a nvoa se dissipou, ele estava em sua cama, em casa. A noite adentrava pela janela eTaelor estava em cima dele, seminua. A unhas pintadas moda francesinha percorreram ospelos de seu peito e abdmen, dirigindo-se ao cs de sua cala jeans.

    Aquilo no podia ser verdade. Taelor e ele tinham brigado antes do baile de formatura, tinhamterminado tudo.

    Com delicadeza, ele a virou, colocando-a debaixo dele, e apoiou-se nos cotovelos, afastandoo cabelo do rosto dela. Mas no foram os olhos de Taelor que encontraram os dele. Foram osolhos glidos e azuis de Alyssa encarando-o com um ar de admirao e inocncia. Osdedos dele pareciam grandes e desajeitados nas tmporas dela.

    A Al na cama dele?

    No. Isso no podia acontecer. Alyssa nem havia beijado homem algum. E Jeb nunca tinhasido o primeiro de nenhuma garota.

    A Al era intocvel para ele. Ela j passara por muitos episdios turbulentos em sua vida. Eele no era exatamente um exemplo de estabilidade.

    Ele tirou as mos dela e ficou de joelhos.

    Jeb, voc no me quer? perguntou Al, passando a mo no peito dele.

    Ele no conseguiu responder. Seus dedos coavam e pareciam esticar-se, como se estivessemcrescendo. Ele ergueu as mos sob a luz da lua, observando, horrorizado, seus dedos carem,um por um, e se metamorfosearem em lagartas. As lagartas, ento, avanaram lentamente nadireo de Alyssa, e ele no conseguia fazer nada para det-las. Jeb caiu de costas na cama,com as mos sobre o rosto, olhando fixa e incredulamente para os tocos crus e cheios de

  • sangue onde antes estavam seus dedos.

    Gritando, Alyssa tentou sair do colcho, mas as lagartas a pegaram, arrastando-se por sua pelee tecendo teias at que restou somente uma forma se agitando dentro de um casulo.

    Soltem ela! gritou Jeb. Uma luz lampejou em seus olhos, e ento ele j no seencontrava mais em sua cama. Estava em algum lugar da manso de Morfeu, e as fadaspercorriam sua pele, hipnotizando-o... usando algum tipo de feromnio alucingeno.

    Elas esto me segurando aqui para que o Morfeu fique sozinho com a Al. No instante em quea realidade foi percebida, o feitio foi quebrado.

    Jeb pulou correndo da cama suspensa e saiu da nuvem de seduo de suas captoras. Pegandoum travesseiro, ele se cobriu.

    Quero alguma coisa para vestir!

    As fadas flutuavam no ar, seus olhos de liblula observando-o.

    Havia vrias cestas douradas no cho perto dos ps dele. Jeb chutou uma. Suas pequenascaptoras se espalharam pelo ar, em histeria coletiva.

    Gossamer, a fada predileta de Morfeu, designou cinco delas para pegar os morangos querolaram.

    Elas contaram as frutas uma por uma e as colocaram de volta na cesta.

    Jeb chutou outra cesta cheia de contas de leo perfumado. Outras cinco fadas lanaram-se aocho para pegar tudo, parando para contar cada conta antes de guard-la.

    Em pouco tempo, ele j havia chutado todas as cestas. Algumas estavam cheias de ptalas deflores, outras continham loo, outras, ainda, uvas. Ao vir-las, ele conseguira manter amaioria de suas captoras preocupada. Apenas Gossamer e outras duas ainda pairavam emtorno de sua cabea.

    Me d algo para eu vestir repetiu ele , ou vou comear a tirar as plumas dostravesseiros.

    Vocs no esto em nmero suficiente para limpar toda essa sujeira.

    Ele no est respondendo ao nosso feitio murmurou uma das fadas para Gossamer, comos olhos de inseto voltados para Jeb.

    E nem nossa magia acrescentou a outra, amuada. Eu conjurei uma moa daslembranas dele, mas seu subconsciente conseguiu escapar.

  • Sim, este aqui , sem dvida, um desafio concordou Gossamer, numa voz que tilintavafeito um sino. Depois de mandar as outras duas fadas recolherem o contedo da ltima cesta,ela ofereceu a Jeb um robe de seda.

    Ele virou de costas e enfiou a pea de roupa no corpo, assimilando os arredores.

    Morfeu o colocara em uma priso opulenta. A sala era toda revestida com piso de mrmorepreto que refletia a luz laranja dos candelabros. Ele j estava bem familiarizado com o pontofocal: um colcho circular balanante preso por correntes douradas no centro do teto cncavo.Peles e almofadas forravam a cama, perfumadas por ptalas de rosas.

    Apesar de todos esses confortos, faltava a essa sala um detalhe muito importante: uma sada.No havia portas, janelas ou qualquer outra abertura vista.

    Paredes convexas pintadas em cor de lavanda escura eram cobertas por parreiras que seestendiam por toda a sua circunferncia, entrando e saindo do reboco e se entrelaando noscandelabros acesos. Frutas brotavam das vinhas. De quando em quando, as uvas explodiam

    espontaneamente e pingavam seu suco dentro de bacias de pedra posicionadas ao longo dasparedes para apanh-lo. E delas, um lquido viscoso e purpreo era drenado para dentro defontes um abastecimento constante de vinho de fadas com aroma adocicado.

    Ele se lembrava vagamente de ter provado o vinho ao chegar. Desconfiado, tentou resistir, masestava com muita sede. Era impossvel saber que tipo de magia havia no lquido.

    Jeb gemeu e esfregou o rosto. Quanto tempo teria passado bbado e enfeitiado? Ele acabarasendo intil para Alyssa, assim como o pai dele teria sido.

    Onde ela est? perguntou ele, ignorando a harpa que tocava sozinha e que aumentou o

    volume, tentando abafar sua voz. Me diga o que Morfeu est fazendo com ela.

    Minscula, reluzente e confiante, Gossamer acomodou-se em uma almofada de cetim, passou amo pelo colcho ao seu lado e cruzou as pernas, apoiando os tornozelos verdes um sobre ooutro.

    Talvez voc no perceba o que ns, as fadas, somos capazes de fazer. Temos sculos deprtica.

    Podemos lhe mostrar um xtase com o qual voc sempre sonhou.

    Jeb a olhou de cima a baixo e ajustou a faixa de cetim em sua cintura.

    Me desculpe, no sonho com coisas verdes.

    Ele encontrou a mochila de Alyssa debaixo da cama e a puxou. Jeb havia notado alguma coisa

  • dentro dela anteriormente, quando a vasculhara em busca de outra coisa: uma pulseira de ferroforjado que provavelmente ela havia enfiado na mochila quando ainda estava na escola e seesqueceu. Ele havia pesquisado muito sobre fadas quando comeou a pint-las, e sabia queelas no gostavam de ferro se a lenda fosse verdadeira.

    Jeb jogou a mochila sobre o colcho. Os cobertores de pele encresparam-se feito uma onda

    gigante e derrubaram Gossamer de sua almofada. Acionando suas asas com rapidez, elapousou sobre o ombro de Jeb.

    Se Alyssa que inspira suas paixes, podemos realizar essa fantasia. Gossamer bateu

    palmas. As outras largaram seus postos de limpeza e se apressaram a formar um crculo emvolta de Jeb. Uma onda de enjoo lhe invadiu o estmago quando todas as fadas assumiram aaparncia de Alyssa: rplicas perfeitas em miniatura, com cabelo platinado e roupas sensuaisde skatista. Elas liberaram novamente suas sementes de feromnios, cegando-o com o perfumede Alyssa, doce como nctar.

    Brandindo uma almofada, Jeb rompeu com a iluso e dissipou as sementes. As fadas saramaos guinchos e foram se esconder nas vinhas das paredes, com seus corpos brilhantesparecendo cordes de luz piscante e branca.

    Gossamer pairou no ar acima dele, ralhando.

    J chega! Informem ao nosso mestre que o mortal leal garota. No podemos seduzi-lopara que volte ao seu mundo sem ela.

    Jeb ficou resmungando enquanto as fadas se esgueiravam por buracos do tamanho de ervilhasna parede de onde as vinhas entravam e saam. Se ao menos ele pudesse passar por aquelaspequenas sadas tambm... Chegou a pensar em usar a poo encolhedora que ele e Alyssatinham encontrado quando chegaram ao Pas das Maravilhas, mas ela o deixaria to pequenoquanto suas captoras, e ele ficaria indefeso contra Morfeu. A impotncia lhe fervia asentranhas, to profunda como a que ele sentia quando era criana, escondendo-se em umarmrio at que os ataques de fria de seu pai passassem.

    Ele cerrou os dentes. Tinha que haver uma passagem escondida em algum lugar por trs das

    vinhas. Elas o tinham trazido para c; devia haver uma sada.

    Subitamente, ele deu um pulo para a parede mais prxima e arrancou algumas vinhas,lanando-as para todos os lados. O diminuto guincho de surpresa de Gossamer no ointimidou.

    Uvas explodiam em suas mos, libertando seu aroma potente e denso. As plantas viscosas

    cortavam seus dedos feito arames. Jeb aceitou a dor. Era algo que podia controlar

  • diferentemente do tormento dos cigarros acesos que seu pai lhe enfiava na pele, ou dos punhosque lhe socavam o rosto e o estmago. O cheiro da nicotina, o gosto de sangue. Imaginao ouno, eles alimentaram o selvagem em sua alma.

    Ele mergulhou numa espiral vermelha de fria e devastou a sala. Quando finalmente voltou asi e recostou-se na cama, ficou chocado com os estragos que causara.

    Arfando e suando, ele cuidou dos cortes nas junes dos dedos e vasculhou os destroos procura de Gossamer. Ser que a teria machucado? Se sim, talvez fosse mesmo filho de seupai.

    Jeb cerrou os punhos, descontente consigo mesmo.

    Gossamer? Ele se encolheu ao ouvir a prpria voz, rude e inflamada de emoo.

    Um rufar de asas mexeu uma das correntes que prendiam a cama ao teto. Ele respirou, aliviadoao ver a fada. Embora parecesse meio idiota se importar, j que estava prestes a usar apulseira de ferro de Alyssa contra ela.

    Gossamer pousou no cho ao lado das vinhas rasgadas e das cestas que ele tinha derrubado denovo; seus ombros estavam cados, em demonstrao de derrota. Provavelmente, ela no sabiapor onde comear a contar todos os contedos derramados.

    Jeb comeou a vasculhar a mochila. A harpa havia parado de tocar, e o silncio o incomodavafeito o rudo dos ponteiros de um relgio. Cada segundo que ele passava longe de Alyssa adeixava mais vulnervel a Morfeu.

    Seus dedos finalmente encontraram um metal frio. Ele jogou a pulseira de ferro na direo deGossamer, mas mantendo alguma distncia, na esperana de enfraquec-la sem machuc-la.

    Ela gritou e lanou-se ao ar, se debatendo.

    Por favor... afaste isso.

    No at que eu consiga algumas respostas. Jeb segurou uma das asas dela entre oindicador e o polegar, levando-a para a cama e sentando-a sobre uma almofada, tomando ocuidado de manter a pulseira prxima o bastante para intimid-la. Basta cooperar que euno vou machuc-la.

    J est machucando. Ela gemeu, com a pele esverdeada j tingida de turquesa. Noposso usar minha magia... Gossamer levou as mos sobre o rosto. Vai me deixar...horrvel. Abster-me. Sua voz ficou mais calma, como se estivesse falando consigo mesma,e, rangendo os dentes, continuou: Abster-me at a ameaa de dor e contaminao passar.

    Jeb franziu a testa.

  • Ento o ferro vira seus poderes contra vocs? a arma perfeita para usar contra seu chefe.

    Um objeto desse tamanho... s funciona com os menores de nossa espcie.

    Jeb curvou-se, aproximando ainda mais a pulseira dela.

    Muito bem, ento considere isso um detector de mentiras. Toda vez que eu perceber quevoc est fingindo, aproximarei o ferro. Onde est a Al, e o que o seu chefe repugnante estfazendo com ela?

    A cor da fada mudou para um verde azulado. Ela rolou sobre a almofada, as asas lutando parabater. Gossamer as puxou por cima dos ombros at a altura do peito, cruzando-as, como sequisesse conter a sua magia.

    A sua Alyssa est confortvel e sendo bem cuidada. Morfeu est zelando pelo sono dela...

    Jeb soltou um grunhido. Na noite passada, ele havia zelado pelo sono dela, no barco, mudara aposio do corpo dela para que pudesse olh-la de frente e fazer uma promessa, mesmo queAlyssa estivesse sonolenta demais para ouvi-lo. Jeb havia prometido que a protegeria, que alevaria para casa a salvo. E no iria quebrar sua promessa agora.

    Ele precisou resistir ao desejo de destruir a sala novamente.

    Como eu saio daqui?

    Apenas o Morfeu tem os meios para abrir a passagem.

    Jeb inclinou-se para a frente, com o nariz quase tocando o rosto de Gossamer enquantosegurava a pulseira sobre a cabea dela, como se fosse um objeto corrosivo.

    Est dizendo que estou preso aqui at que aquela barata de asas decida me soltar? Ele vaifazer a Al enfrentar o Pas das Maravilhas sozinha?

    Ela choramingou, levando a mo testa.

    No. Como voc provou ser leal, ele permitir que a acompanhe em sua jornada. Voc

    comparecer ao banquete e traaro os planos.

    Banquete?

    A apresentao de Alyssa. Morfeu deseja exibi-la aos outros.

    Que outros?

    Gossamer deixou-se cair, formando um monte de cor prpura e em seguida saiu depressa deseu poleiro. Ela puxou alguma coisa de dentro da almofada um desenho de Al que Jeb no

  • se

    lembrava de ter feito. Lentamente, Gossamer levantou os joelhos e estudou as linhas.

    Voc fez isto enquanto estava sob nosso feitio. Tem poder dentro de seu corao de artista,uma luz que pode iluminar qualquer escurido. Voc captou o interior de Alyssa comperfeio.

    Esse desenho pura fantasia resmungou Jeb. Ele colocou a pulseira de ferro sobre opapel ao lado de Gossamer.

    Ela rolou para o meio do desenho, tentando escapar do metal.

    H mais verdade nesta aparncia de Alyssa do que qualquer coisa que possam me forar a

    falar.

    Jeb puxou o desenho, fazendo Gossamer e a pulseira de ferro rolarem por cima da pelugem.Ele estendeu o desenho sobre uma almofada e percorreu as linhas de carvo com o dedo. Aimagem era igual a todos os outros desenhos de fadas que ele havia feito de Al ao longo dosanos, mas ainda assim no poderia ser mais diferente da garota que ele conhecia.

    Ele a desenhara com o cabelo preso no alto da cabea. Al nunca usava o cabelo daquele jeito.Um vestido preto de alcinhas realava suas curvas. Ela jamais seria encontrada morta em umvestido to convencional. E a nica coisa que se parecia com ela eram as luvas de renda pretasem dedos que cobriam as cicatrizes da palma das mos.

    Fora isso, o desenho era uma fantasia completa. Al estava sentada em um banco de parque

    segurando uma rosa. Rmel e lgrimas escorriam em curvas graciosas por seu rosto. Pensandobem, se parecia com a maquiagem dela na ltima vez que ele a vira.

    Ele ainda no conseguia entender por que, depois de quase se afogar em um oceano delgrimas, o rmel de Alyssa no havia borrado. Apertando os olhos, ele estudou o par de asastranslcidas abertas nas costas dela. As membranas finas tremeluziam sob o nico raio de solque atravessava as nuvens. As asas faziam com que se sentisse estranho, mas Jeb noconseguia perceber a razo.

    Talvez porque elas lembrassem as asas de Morfeu, embora tivessem uma cor totalmentediferente.

    As tmporas de Jeb latejaram. Nada poderia ser pior do que Alyssa sozinha com aquelehomem-inseto. Aquele doido tinha algum tipo de poder sobre ela, havia entrado em sua cabeaquando ela era pequena. O subconsciente pode ser muito poderoso, e se Morfeu ainda tivesseacesso aos sonhos da Al...

  • Como posso derrot-lo? perguntou Jeb com um n na garganta.

    Os olhos bulbosos de Gossamer voltaram-se para os dele. Ela estava fraca demais para searrastar para longe da pulseira, que agora roava sua coxa.

    Ele no ser derrotado. H anos ele espera por este dia.

    Jeb fez cara feia.

    Muito bem, ele o Super-Homem. Mas todo mundo tem a sua kriptonita. Algo de que sente

    medo.

    O confinamento. Gossamer deixou escapar e seu corpo escureceu para a cor de um

    machucado diante da confisso.

    Como assim?

    Gossamer levou o dorso da mo testa.

    Por favor... est muito perto... o ferro... est drenando minha energia.

    Jeb caiu de costas no colcho e afastou a pulseira da fada. Equilibrando-o entre os dedos, eleestudou o ferro sob a luz das velas. A pulseira o lembrou de seu piercing de ferro e daprimeira vez que Al o vira, sua reao de entusiasmo. Ela havia implorado para toc-lo e fezvrias perguntas sobre o processo de colocar um piercing. Seu entusiasmo e ingenuidade, suasinseguranas... Morfeu no hesitaria em usar alguma ou todas essas coisas para manipul-la.

    Jeb precisava convencer Al a sair do Pas das Maravilhas, a esquecer esta jornada paraquebrar a maldio de sua famlia a qualquer custo. Algo muito tenebroso estava espreita,bem perto dela, como no sonho que ele tivera. E Jeb podia sentir que, seja l o que fosse,estava se aproximando.

    Ento vocs querem que ela conserte os erros da Alice original, certo? E se eu consert-los?

    Jeb tentou raciocinar. Vocs enviam a Al para casa e deixam que eu cuide de tudo?

    Impossvel respondeu Gossamer num sussurro arfante, voltando cor verde-clara.

    Engatinhando na direo do desenho, ela passou a pequenina mo sobre a rosa. Ela jpassou nos testes e provou ser a escolhida.

    Testes? Est se referindo a encontrar a toca do coelho para o Pas das Maravilhas e secar ooceano de lgrimas?

  • Gossamer fez que sim.

    Mas eu ajudei a fazer isso.

    por ela que ele esperava. No por voc.

    Jeb levantou a pulseira de ferro uma ltima vez.

    O que ele realmente quer dela?

    Antes que Gossamer pudesse responder, o teto abobadado comeou a tremer. Pedaosespessos de gesso despencaram no solo. Jeb colocou uma almofada sobre a cabea e uma mosobre Gossamer para proteg-la dos detritos. O teto se abriu nas emendas, fazendo a camabalanar e puxando as correntes em direes opostas, de modo que o colcho foi levantado avrios centmetros de altura.

    Depois que os tremores passaram, Jeb olhou para cima. A silhueta escura de Morfeu apareceuem uma abertura no teto.

    Sutileza era um dos ltimos itens na lista de prioridades desse cara.

    J lhe disseram que voc muito escandaloso? rosnou Jeb.

    Morfeu inclinou-se para olhar a sala destruda.

    J lhe disseram que voc um pssimo hspede?

    Parte da responsabilidade daquela baguna era da grandiosa entrada de seu aprisionador, masJeb mordeu a lngua, no querendo arriscar sua oportunidade de ver Al.

    Morfeu relaxou.

    Alyssa o aguarda na sala dos espelhos. E, por favor, tome um banho e faa a barba. Vocser apresentado aos nossos convidados do banquete como um cavaleiro lfico, ento precisaparecer como tal. Gossamer lhe dir como se comportar adequadamente. Morfeu largoualgumas roupas e botas, que fizeram um rudo ao atingir o cho. Aqui est seu uniforme. Ele fez uma pausa e apontou para as correntes. Que pena que voc no tenha asas enenhuma magia intraterrena. Ter que sair da sozinho. E posso assegurar que no ser nadafcil.

    Os msculos de Jeb se retesaram quando Morfeu sumiu de vista; ele sabia que o aviso sereferia a muito mais do que sair daquela sala.

  • 3Segunda lembrana: carnificina

    Jeb limpou o suor da testa. Morfeu estava certo. A escalada para sair de sua priso douradaseria mesmo difcil. Mas isso no significava nada se comparada jornada pelo Pas dasMaravilhas que ele e Alyssa haviam cumprido desde ento. O dia inteiro tinha sido um desafioatrs do outro, com o perigo e a morte aguardando em cada esquina. E agora ele havia perdidoa Al. Os dois tinham se separado pouco antes de ela completar o teste final. Al ficouenfrentando as irms Twid no cemitrio, sozinha, e ele ficou preso aqui no fundo do abismo.

    A noite j havia cado quando ele atingiu o solo e foi uma transio extremamente rpida,como se algum tivesse apagado a luz.

    Jeb sentiu os msculos do corpo endurecerem. Odiava pensar na Al sozinha naquele mundoinsano depois de anoitecer. E mais uma vez, ela provou ser forte o bastante para encarar quasetudo. No final, foi ela quem o salvara mais de uma vez...

    Ele se lembrou dela pairando acima dele um brilho selvagem, flutuando com a graa deuma liblula. Ver as asas dela brotarem tinha sido ao mesmo tempo assustador e milagroso.Jeb mal conseguiu respirar enquanto observava a transformao.

    Falando sinceramente, Jeb ainda no tinha recuperado o flego de quando ela o levara paradentro do abismo e ele gritara: Voc minha corda de segurana! antes de ela subir aindamais alto para o cu. Ele no deveria ter colocado tanta presso sobre ela para salv-lo; tinhaque ter feito o que conseguisse para sair de l por si prprio e encontr-la no meio docaminho. Do contrrio, ela nunca se perdoaria se algo sasse errado.

    A carcaa de um pssaro Jubjub havia amortecido sua queda. Ele limpou nas calas a gosma

    pegajosa que tinha entre os dedos, torcendo o nariz diante dos restos malcheirosos do exrcitoque os perseguia, e acabou caindo no abismo. Jeb procurou ficar de p na escurido. Suasbotas produziam sons de suco toda vez que ele pisava. Ele nunca tivera fricotes; qualqueraverso a sangue e violncia havia sido expurgada uma dessensibilizao gradual que era

  • reforada toda vez que se olhava no espelho e via suas bochechas e olhos inchados, grandes echeios de sangue, que nem um bife malpassado.

    Mas sem uma centelha de luz para gui-lo, a carnificina aos seus ps parecia mais viva do quemorta. Sua imaginao trazia arquivos de todos os tipos, de filmes de zumbis a demnios eassombraes. Seu estmago queimava de nusea. Jeb sentiu-se aliviado ao perceber que os

    assobios que ouvia dentro do abismo eram produzidos pelo vento. E no havia rudos decorrentes fantasmagricas nem gemidos de mortos-vivos.

    Alm disso, seu verdadeiro inimigo era o tempo, mais perigoso do que qualquer coisa quepudesse imaginar. A Al ainda tinha que cumprir a ltima tarefa no cemitrio. E, depois, elesainda tinham que encontrar um ao outro.

    Ele se forou a avanar s cegas at sua mo alcanar a parede do abismo. Antes de descertotalmente, Jeb viu que a mochila de Al tinha ficado presa em uma pedra saliente prxima aocho.

    Se conseguisse encontr-la, poderia contar com uma lanterna. Tateando a superfcie spera dapedra, ele levantava seus ps por sobre os obstculos, tocando os cadveres com os dedosdos ps para mensurar a largura de cada passo.

    Com os cotovelos esbarrando nas pedras, Jeb observou o cu. Um pequeno aglomerado deestrelas brigava com as nuvens, aparecendo para iluminar levemente o lugar ao seu redor,tornando possvel que ele continuasse sem esbarrar no falecido exrcito da rainha. Uma brisamida levantava a poeira feito pequenos tornados. Logo choveria. E neste lugar era possvelque, literalmente, chovesse a cntaros daqueles temporais ruidosos, torrenciais.

    Um calafrio que no tinha nada a ver com a tempestade iminente lhe percorreu a espinha e

    obscureceu qualquer sentimento bom que ele poderia ter encontrado naquele pensamento. Qualera a razo de todos esses testes de Morfeu? Toda vez que a Al conseguia se sair bem emum desses testes, sua forma intraterrena tornava-se mais acentuada. Ser que o intuito eratransform-la completamente para que no pudesse mais voltar ao reino humano?

    Fios de cabelo caram sobre seu rosto, e Jeb os afastou.

    Morfeu afirmara que tudo que ele mais queria era que Alyssa voltasse ao seu lugar. Sua casa.Jeb esperava que ele estivesse se referindo ao mundo deles, o reino humano. Mas e se a Alno estivesse sob nenhuma maldio, no final das contas?

    Ele se lembrou de sua pesquisa sobre fadas, na qual descobriu que elas eram criaturaschamadas de changelings as crias das fadas secretamente deixadas no lugar de bebshumanos roubados.

    Alice Liddell, a tatarav de Al, teria sido uma changeling? Quem sabe foi por isso que ela

  • encontrou a toca do coelho quando era criana por instinto. Isso significaria, de algumaestranha maneira, que aqui era a casa da Al.

    Jeb parou com as especulaes. Elas s levavam a mais dvidas.

    Ele tinha encontrado a mochila. Abriu-a, tirou a lanterna e colocou a mochila nos ombros.

    Ao fechar o zper, ele acendeu a lanterna e percorreu o cenrio com fachos de luz. Os guardasdestrudos pareciam cartas de baralho amarrotadas. Brinquedos descartados. At mesmo ospssaros Jubjub poderiam se passar por brinquedos infantis com o enchimento extrapolandopara fora.

    Com a mochila ajeitada no corpo, Jeb percorreu a circunferncia do abismo sem encontrar

    nenhuma abertura. Pedras que haviam cado bloqueavam qualquer possvel passagem que ele

    tentasse. Era como se ele tivesse cado dentro de um tubo gigante. No havia nenhuma outrasada a no ser na direo para cima.

    Jeb apontou a luz para o gramado a cerca de vinte andares acima a clareira onde Alyssahavia pousado. Estava determinado a encontr-la antes de Morfeu, mesmo que tivesse queescalar as pedras pontiagudas no escuro e sem uma corda de segurana.

    Ele havia acabado de apoiar a lanterna entre os lbios e apoiado o p em um rochedo paratomar impulso quando ouviu uma voz com um sotaque britnico familiar.

    Ao trabalho, homens. Precisamos contar todos antes que as irms Twid enviem sua brigadade duendes para recolher os mortos.

    Morfeu.

    Jeb desceu e quase colidiu com o intraterreno alado, que tinha aparecido do nada, como setivesse aberto um zper no ar e passado por ele. Cavaleiros lficos faziam fila atrs dele,estavam entre vinte e trinta, carregando lanternas e usando o mesmo uniforme de Jeb, s quemenos esfarrapado e sujo.

    Eles passaram sem nem olhar para Jeb, extremamente concentrados na contagem dos corpos.

    Ora, ora, pseudocavaleiro. Morfeu riu com desdm.

    Cada pedacinho de Jeb ansiava por apagar aquele sorriso arrogante e socar aquele rosto. Masele estava em desvantagem. Se quisesse sair desse fosso para encontrar a Al, teria de bancar obonzinho.

    Detesto dizer isso, mas bom v-lo, senhor Mariposa. Jeb guardou a lanterna. Vejoque pegou o espelho para vir aqui.

  • Eu s viajo de espelho. Morfeu ergueu a lanterna e examinou as roupas esfarrapadas deJeb.

    Tem a vantagem de no estragar tanto as roupas. E vou lhe contar outro segredo: se eumantiver as asas daquele lado do avio ele apontou com o polegar para as suas costas,onde metade de seus apndices no era visvel , a abertura fica acessvel para nossa viagemde volta.

    Jeb forou um sorriso.

    bom saber.

    Perfeito, na verdade. Ele poderia voltar com a trupe de elfos e depois tomar o expresso nasala de espelhos para encontrar a Al. Mas, primeiro, teria que distrair Morfeu, baixar a guardadele. Jeb perguntou:

    Esse chapu novo?

    Morfeu ficou radiante.

    Que gentil de sua parte ter notado. meu chapu da Insurreio. Ainda no havia tido aoportunidade de us-lo antes. Com o dedo, bateu em vrias mariposas que formavam aguirlanda na aba do chapu e depois inclinou-se e fez conchinha no ouvido de Jeb parasussurrar um segredo.

    As asas vermelhas representam derramamento de sangue.

    h-h. Jeb cerrou a mandbula diante do indesejado bafo quente no lbulo de suaorelha.

    Depois, olhou para os cavaleiros, discernveis somente por suas lanternas flutuando naescurido atrs dele. Ento, est planejando um motim com o exrcito da rainha deMarfim?

    Morfeu apertou o ombro de Jeb.

    Eu sempre soube que era mais esperto do que os mortais comuns.

    Os msculos de Jeb contraram-se ao contato.

    O que significa que voc estava mandando a Al para uma misso absurda s para sedivertir.

    Cuidado. Jeb no poderia deixar sua desconfiana transparecer. Pelo menos no ainda. Emvez disso, ele se inclinou para ajustar os cadaros das botas e respirou fundo antes de subir.

  • Morfeu apertou sua gravata vermelha.

    Todas as tarefas que pedi Alyssa tinham um propsito. Ele deu um passo para o lado

    quando algum mais passou pelo portal do espelho: um esqueleto do tamanho de um duende,com antenas e olhos cor-de-rosa brilhantes, metido em um colete vermelho.

    Rbido Branco? sussurrou Jeb, incrdulo. Nada daquilo fazia sentido. O Rbido era da

    corte Vermelha. Por que estava aqui?

    Qual o relatrio? Morfeu agachou-se para ficar na altura do Rbido, ainda mantendo asasas enfiadas no portal invisvel do espelho.

    O pequeno intraterreno apertou as mos enluvadas e olhou para Jeb, sua cabea carecarefletindo o brilho suave da lanterna de Morfeu.

    Um de ns, ele ?

    Morfeu sorriu e respondeu por Jeb.

    claro que . Ele ajudou a nossa Alyssa a conquistar o grande e cruel exrcito Vermelho,no lembra?

    Coando a antena esquerda, o Rbido fez que sim.

    Rainha Grenadine neutralizada est. Nos portes da frente e de trs, o castelo guardadoest pelos regimentos trs e sete. Flanqueando a rainha, um crculo de cinco. Sem esquecer dacoroa e seu guardador.

    Ah, sim. O bandersnatch[1]. Bem, quando Alyssa tiver trazido seu prmio do cemitriodas irms Twid, nada mais terei a temer daquela besta medonha. Fez um bom trabalho, senhorBranco.

    Morfeu deu uma batidinha na aba do chapu.

    O Rbido bateu os tornozelos cadavricos um no outro, depois curvou-se e lanou um olhar

    penetrante para Jeb, antes de pular novamente para o portal.

    Ele o seu espio murmurou Jeb, sentindo-se idiota por no ter adivinhado antes.

    Sim.

    Ento todas as vezes que o esqueletinho ameaou a Al, matando-a de susto, era s paramanter a aparncia de lealdade Rainha Grenadine?

  • Os melhores espies so aqueles que jogam dos dois lados com o mesmo vigor.

    Jeb avaliou a distncia as lanternas que balanavam. O tilintar dos cabos de metal e o pisar debotas eclipsavam o suave lamento do vento.

    Certo. J que estamos abrindo o jogo...

    O comentrio de Morfeu o interrompeu.

    Que trocadilho mais delicioso, considerando a posio em que estamos. A lanterna deleapontou para os cadveres dos guardas de cartas.

    Jeb ignorou a piada mrbida.

    Eu ia perguntar por que o Rbido se voltou contra a corte Vermelha.

    Ele era o conselheiro real da Rainha Vermelha quando Alice nos visitou. Deseja ver a

    verdadeira herdeira no trono tanto quanto eu.

    Verdadeira herdeira. Jeb chutou um punhado de terra com uma bota, sentindo o peito

    apertado. Ento tudo isso para destronar Grenadine e abrir caminho para uma novarainha.

    Sim. A lanterna iluminou o rosto de Morfeu, numa expresso de indulgncia sonhadora. E

    estamos muito perto. Em breve, ela ocupar o trono que e sempre foi o lugar dela.

    O lugar dela. Uma hiptese se formava na mente de Jeb, uma ideia ultrajante eincompreensvel, mas, de qualquer maneira, a resposta bvia para todas as dvidas que elevinha remoendo. Todas as dvidas, exceto uma...

    Mas, primeiro interviu Morfeu, varrendo o ar com um gesto desdenhoso , temos queter certeza do que iremos enfrentar quando atacarmos o castelo. Voc e Alyssa conseguirameliminar boa parte da oposio com seus fantsticos movimentos dos ps. Estamos aqui paraavaliar se os nmeros batem com os que o Rbido reportou. Devemos ter certeza de queGrenadine no tem outras cartas escondidas na manga. Ele bateu nas costas de Jeb. Viuo trocadilho? Cartas na manga?

    E deu uma gargalhada.

    Jeb no deu nem um risinho.

    Ah, corta essa. Os guardas dela so de cartas. uma piada como a que voc fez antes, sque mais inteligente.

  • Ah, sim, entendi retrucou Jeb.

    O riso de Morfeu se dissipou.

    Voc no um namorado muito divertido.

    Voc no leva nada a srio? A Al est correndo perigo. Jeb deixou escapar.

    Bobagem. Ela gloriosamente capaz! Voc nunca a viu voando? claro que viu! Estava

    pendurado na corrente que ela segurava. Morfeu voltou a lanterna para a prpria cabea,num arroubo de celebrao. No foi uma bela viso, presenci-la transformando-se no querealmente ? Igual a uma princesa de contos de fada. Ele lanou um olhar dissimulado paraJeb. No concorda?

    Princesa de contos de fada. L estava, saindo da boca do prprio Morfeu, zombando de Jebpor no perceber desde o incio. Jeb apertou as alas da mochila para evitar dar um soco nalaringe de Morfeu.

    Morfeu abaixou a lanterna e depois tirou luvas prateadas de sua lapela.

    No se sinta desprezado, cavaleiro mortal. Sua contribuio no passar despercebida. Eeu sempre pago minhas dvidas. Ento, o tirarei desta vala da morte para demonstrar minhagratido.

    Voc pode me agradecer me deixando ajudar a Al. Ela vai terminar a tarefa muito mais

    depressa comigo do lado. Jeb conseguiu dizer, sentindo um n nas cordas vocais. Seconseguisse chegar at Al, talvez os dois pudessem se esconder de Morfeu no cemitrio dasirms Twid at encontrarem uma maneira de escapar.

    Sinto muito retrucou Morfeu, vestindo as luvas e acenando para que os cavaleiroslficos retornassem. Ela precisa fazer isso sozinha. Voc a ver em breve; todos ns vamosnos

    reencontrar. Uma grande famlia feliz.

    No! exclamou Jeb, perdendo o controle. Ele investiu, mas os elfos foram mais rpidose o contiveram, com os dedos machucando seus cotovelos feridos. Deixe-a sair do Pas das

    Maravilhas, seu filho de inseto...

    Morfeu pressionou um dedo contra a boca de Jeb.

    Ah-h! Essa, voc j usou.

  • Jeb puxou a cabea para trs, deixando o dedo do intraterreno pendurado no ar.

    Sob a luz da lanterna, as joias nas bordas das tatuagens de Morfeu ficaram escuras, da cor desangue seco.

    Ora, ora. Isso so modos de tratar seu salvador? Ele fez cara amuada. Alm do mais,como posso deixar Alyssa sair se ela no est comigo? Da ltima vez que soube, ela estavaentrando no jardim das almas. Mas, quando terminar por l, ela vir ao meu encontro. Elaainda tem um papel muito importante a desempenhar.

    Certo. Porque ela a herdeira do trono. Jeb ouviu, incrdulo, suas prprias palavrasecoarem, como se tivessem sado da boca de outra pessoa. No sei como, mas ela.

    Bravo! Morfeu aplaudiu. Esto vendo o que eu disse, irmos cavaleiros? Olhando

    para os cavaleiros por cima do ombro de Jeb, Morfeu deu tapinhas no peito em cima dagravata vermelha, como se estivesse tomado pela emoo. Mais esperto que um mortalcomum. Pena que tenha as limitaes fsicas de um.

    No importa rebateu Jeb. Ela est fora do seu alcance. Ele deu um tranco noselfos, mas havia muitos segurando-o. Ela deve estar dentro do cemitrio agora, e no podefor-la a fazer nada. Voc mesmo disse que as Twids no deixam voc entrar.

    verdade. Mas ela encontrar o caminho para o castelo sozinha. No momento em que ela

    perceber que estou mantendo presa a coisa que ela mais ama no mundo, vir rastejando paramim, com as asas a reboque.

    Morfeu levantou uma mo e fez um sinal.

    Os cavaleiros lficos soltaram Jeb. Ele girou sobre o calcanhar e atirou a mochila sobre eles,dispersando o grupo feito pinos de boliche. Esticando o brao, ele bateu o punho na testa deMorfeu, desequilibrando-o. Um dos cavaleiros se esforou para permanecer no lugar e mantero espelho aberto. Antes que Jeb pudesse se catapultar e atravess-lo, raios de luz azulgrudaram em sua pele e roupas, feito eletricidade esttica. Eles o arrastaram, controlando-ocomo se fosse um fantoche at ele ficar de frente para Morfeu. Os raios vinham da ponta dosdedos do intraterreno.

    Morfeu aproximou-se.

    Jeb tentou recuar, mas seus msculos travaram, ficaram paralisados.

    Durma disse Morfeu num tom simples, e levou a mo azul fluorescente testa de Jeb,cujo corpo foi percorrido por uma luz pulsante. Ele sentiu um gosto doce, parecido com leite emel, e depois sentiu o aroma de lavanda. Com os dedos apertando o tecido macio da camisade Morfeu, Jeb lutou para manter-se acordado. Mas a luz era muito reconfortante... muito

  • suave... muito calorosa.

    Contra sua vontade, suas plpebras ficaram cada vez mais pesadas e ele caiu no cho, em sonoprofundo.

    4

    Terceira lembrana: engaiolado

    O crnio de Jeb latejava, e havia sangue saindo de seu couro cabeludo e entrando em seusolhos.

    Ele limpou o lquido viscoso e focou no lugar sua volta. Morfeu o tinha trazido para ocastelo Vermelho depois de coloc-lo sob o feitio do sono. Largou-o dentro de uma gaiola namasmorra.

    Jeb no queria ter tomado a poo encolhedora quando acordou, mas o homem-inseto havialhe dado um ultimato.

    Primeiro, ele havia ameaado matar a Al. Mas Jeb rebateu, dizendo que o homem estavablefando, pois sabia que ela era indispensvel. Depois, Morfeu usara de outra arma,ameaando fazer com que a frgil me de Al ultrapassasse o limite da loucura. Isso, ele faria.

    A Al havia lutado muito para salvar a me. Ela morreria se a perdesse para a loucura. Ento,Jeb no hesitou em levar o frasco aos lbios.

    Seu corpo balanava, mas no devido aos efeitos colaterais da poo. A plataforma debaixodele oscilava por causa de suas tentativas de abrir as barras de sua priso usando a cabea uma atitude desesperada que havia resultado em nada alm de um corte logo acima da testa. Amagia de Morfeu

    um fio eltrico e azul mantinha a porta da gaiola fechada e imvel.

    Que bela coisa voc fez, no? entoou uma voz feminina e irritante. Morfeu escolhe

  • quem tem o poder de suprimir sua magia. Obviamente, voc no um dos escolhidos.

    Jeb fez cara feia para sua companheira de priso. Era uma lri um intraterreno parecidocom um periquito, mas normalmente do tamanho de um ser humano. Como os dois tinhamencolhido, a nica coisa que a distinguia dos pssaros do mundo humano eram as tnicas decetim cor de creme com estampas jacquard colocadas sobre suas asas, corpo e pernas, e seurosto humanoide enfiado no meio de plumas vermelhas, como se fosse uma mscara. Ele foicutucado por um bico mais parecido com o chifre de um rinoceronte, posicionado no lugaronde deveria haver um nariz. Os lbios da criatura se agitavam furiosamente.

    O pior de tudo era que a voz dela poderia derrubar a Torre de Pisa com uma slaba. Quandofalava, era como se algum tivesse implantado cirurgicamente alto-falantes nos ouvidos de Jebe travado o volume no mais surdo que uma porta. Ela era uma das muitas razes pelas quaisele tentava sair da gaiola com tanta insistncia.

    A luz bruxuleante das velas na parede iluminava seu ar de arrogncia e deixava o resto damasmorra nas sombras.

    Olhe aqui, Lorina reclamou Jeb depois que a voz dela parou de ecoar. Noestaramos aqui se no fosse pelo seu marido. Ele apontou para a criatura que roncavaabaixo da gaiola, de aparncia to estranha quanto da esposa, com o corpo de um dod,cabea de homem e mos que se projetavam das pontas de suas asas atarracadas. Foi elequem manteve Alice Liddell presa em uma gaiola igual a esta aqui, muitos anos atrs. porculpa dele que a minha namorada a nica que pode destronar a sua rainha. Ser que j lheocorreu que por isso que vocs esto presos?

    O Charlie no fez nada disso! berrou a lri, pairando dentro da gaiola. Alguma vezj lhe passou pela cabea que o Morfeu um cara de pau mentiroso?

    S em todos os segundos de todas as horas. Jeb apoiou-se sobre as barras. Seus joelhoscederam, enfraquecidos pelas tentativas de abri-las usando cada msculo de seu corpo. Eledesabou sobre o piso de metal, empurrando uma fatia de pera j amarelada que estava ao seulado, feito um pequeno sof. A gaiola era um pequenino forte inexpugnvel. Mas noimportava. As barras poderiam ser feitas de espaguete cru, e mesmo assim ele no conseguiriaajudar a Al. Mesmo que escapasse, com este tamanho, Jeb no conseguiria derrotar ningum.

    Charlie, o marido dod de Lorina, no poderia ajudar muito. Ele estava preso por algemas ecorrentes de ferro e cochilava recostado na parede. Embora a gaiola estivesse pendurada bemperto da cabea do dod, no havia nada que Charlie pudesse fazer.

    Morfeu devia ter lanado no homem-pssaro gigante o mesmo feitio do sono que jogara emJeb, mas Charlie j estava se libertando dele.

    Lorina acomodou-se no poleiro no centro da gaiola, balanando sobre a cabea de Jeb feitouma acrobata no trapzio. A cara dela estava to vermelha quanto as suas penas, o que fazia as

  • espadas e copas estampadas nas bochechas quase desaparecerem.

    Como vamos ficar exilados nestas instalaes fedendo a urina, ter bastante tempo paraouvir a verdade bramiu ela.

    Jeb esfregou a cabea para apaziguar a dor lancinante.

    Se puder baixar a voz uns dois decibis, eu agradeceria.

    Abaixar minha voz?

    Aaaii. Jeb enterrou o rosto nas mos.

    O trapzio em miniatura rangia a cada balano, piorando a poluio sonora.

    Para a sua informao, minha rainha adora o som da minha voz. Ela at o elogia...

    O ronco do dod parou, e ele estalou os lbios.

    Isso porque ela protege os ouvidos com cera de abelha, Mais Adorvel das Loucas.

    Seu mentiroso! retrucou Lorina, balanando o poleiro to depressa que Jeb achou que iavomitar.

    Estou preso com correntes de ferro avisou Charlie depois de um bocejo. No tenho

    foras para mentir. Em seguida, pegou novamente no sono.

    Isso pareceu calar Lorina, pelo menos temporariamente.

    Jeb aproveitou o silncio para pensar. "A esta altura, Morfeu j deve ter contado Al sobresua verdadeira linhagem, sobre o que espera dela. Deve estar to chocada... to apavorada".Jeb ansiava tanto abra-la que era como se houvesse uma bigorna lhe pressionando o peito.

    Aquele mariposo deveria ter contado a verdade desde o comeo. Ela nunca escolheria ficar.Mas Morfeu sabia disso e a manipulou sob o pretexto de que ela poderia curar a maldio desua famlia.

    Jeb queria arrancar as asas pretas de Morfeu e enfi-las goela abaixo por t-la enganado,porque no havia cura para o parentesco, e ele sabia muito bem disso.

    Foi a Vermelha quem colocou Alice na gaiola. A lri voltou carga. No o Charlie.

    Mas o seu marido escolheu mant-la presa na gaiola acrescentou Jeb, mesmo sabendoque no deveria. Ele cobriu as orelhas para a estrondosa refutao, mas Lorina s soltou umsuspiro.

  • No. O Charlie tentou fazer a coisa certa pela menina disse ela, consideravelmente maisponderada agora. Ele planejava mandar Alice de volta para o reino humano sem aVermelha saber, mas a rainha descobriu e os arrastou para uma caverna nos picos mais altos emais remotos do Pas das Maravilhas, sem que nenhum de ns soubesse. Ela deixou o Charliecom a vtima dela para poder encenar seu plano-mestre, sabendo que Alice seria cuidada porum prisioneiro que nunca poderia escapar. Porque, como voc deve saber, os dods nopodem voar. Ela me privou de meu marido durante anos. Ele era prisioneiro, assim como amortal.

    Se isso te ajuda a dormir de noite, tudo bem, passarinha.

    Uma comoo de poeira e asas, jacquard e cetim subitamente surgiu e o atacou.

    Voc pode mostrar algum respeito e ouvir?!

    Jeb levantou as mos para se defender.

    Est bem. Shhhh. Eu vou ouvir.

    No havia nada mais que ele pudesse fazer. Morfeu lhe dissera que, assim que Alyssa fossecoroada rainha, ela abriria o portal para o reino humano. Acreditando ou no nisso, Jeb nopoderia fazer nada a no ser ter esperana. Ele no tinha nenhum poder ali. E ter conscinciadisso lhe devorava as entranhas a cada minuto.

    Acomodada diante de Jeb sob um monte de tecido luxuoso, a lri olhou por entre as barras eresmungou alguma coisa para o marido que dormia.

    Seu velho e imprestvel fezzerjub. Eu que tenho que te proteger. Nem sei por que mecasei com voc.

    O dod resfolegou e murmurou, sonolento:

    Porque se casar com o bobo da corte era a nica maneira de ter uma posio na corteVermelha, Senhora das Nnias. E o ronco voltou.

    Viu como deu certo? resmungou ela, com os lbios vermelhos em forma de coraofazendo beicinho por trs da curva de seu bico. Aquele Rbido ossudo e seu corao negrode pedra.

    Ela alisou as penas da nuca e cobriu-as com uma rede decorada por lantejoulas.

    Jeb estendeu a mo para pegar o dedal cheio de gua que seu captor havia deixado ao lado dafatia de pera. Em suas mos, ele era do tamanho de uma caneca de caf. Ele o passou para suacolega de cela, que o pegou com as asas e deu alguns goles.

    Me diga uma coisa, Lori. Se o que voc est dizendo verdade... Observando a atitude

  • defensiva em sua cara bicuda, ele refez a pergunta para poupar seus ouvidos. Como vocescolheu compartilhar o seu lado da histria, talvez pudesse me dizer de que maneira oMorfeu teve participao na priso de Alice.

    Ela sacudiu as gotculas de seus lbios.

    No teve participao nenhuma. Ele gostava muito de Alice e teria feito qualquer coisapara que ela chegasse em casa s e salva. Mas na hora em que ele lhe ofereceu seu conselhocomo lagarta, alertando-a para que evitasse o castelo da RainhaVermelha a todo custo, suametamorfose aconteceu.

    Quando ele emergiu, totalmente transformado, e soube o que havia acontecido com Alice,ficou furioso.

    Est tentando me dizer que ele possui alguma conscincia?

    Pelo menos no que dizia respeito a Alice, sim. A lri ajustou a suntuosa tnica queficava escorregando devido falta de ombros. Morfeu usou todos os seus recursos demagia e acabou encontrando ela e meu marido escondidos nas cavernas dos picos mais altosdo Pas das Maravilhas.

    Infelizmente, j era tarde demais para Alice. Lorina devolveu o dedal a Jeb, agora commetade da gua.

    Jeb endireitou o corpo, fazendo a gaiola balanar.

    Ento por que ele quer ajudar a Rainha Vermelha a colocar outra rainha no trono, quandoele deveria odi-la por ter mantido Alice presa em uma gaiola por tantos anos?

    Talvez ele esteja bravo por Grenadine no ter tentado encontrar Alice assim que esta foicapturada. Mas Grenadine perdeu sua fita de memria e esqueceu a criana.

    Um bom regente teria mais do que uma fita para lembr-la; teria se certificado de que tudoe todos estavam em seu lugar.

    A minha rainha uma boa regente!

    Jeb encolheu-se com o urro agudssimo.

    O ronco do dod parou.

    Minha vociferante esposa diz a verdade, rapaz. Morfeu parece guardar ressentimento peloque ele acredita ser negligncia, mesmo tendo sido somente um descuido.

    Jeb sacudiu a cabea diante de todas as falhas que havia no raciocnio de todos.

  • No. H mais coisas nessa histria.

    Voc tem bons instintos, cavaleiro mortal.

    Jeb olhou para cima, na direo da voz tilintada. Uma luz brilhante flutuou pela pequena janelae entrou pela pesada porta da masmorra. Jeb levantou-se e agarrou as barras da gaiola,inclinando a cabea para ver melhor.

    Gossamer.

    A pequena fada adejou para perto e sussurrou algo para o mgico fio azul que fixava a portade arame, entrando na gaiola. O fio azul deu um n em si mesmo depois de ela fechar o trinco.

    Ela cintilava feito pequenos fogos de artifcio ao pairar no lugar, estudando Jeb com umaexpresso de solidariedade.

    Como os dois agora tinham o mesmo tamanho, Jeb se lembrou de uma pintura que vira certavez, de um artista tcheco, Viktor Olivia. O pintor era famoso por retratar uma fada que seduziahomens, levando-os a se embebedar com absinto. Gossamer personificava essa criatura: umaforma feminina perfeita coberta de poeira verde, e nua, com escamas brilhantes cobrindo-acomo um biquni minsculo.

    Ele havia sentido, quando saiu da sala de espelhos, que Gossamer estava do lado dele e deAlyssa.

    Voc veio ajudar lanou ele, esperanoso.

    Uma chave de cobre, da mesma cor dos olhos dela e quase do comprimento total de seu torso,pendia de seu pescoo. Seu olhar caiu para os ps delicados, como se estivesse lutando contrasi mesma.

    Eu teria vindo mais cedo, mas Morfeu est sempre vigiando o espelho. Agora que ele estcom Alyssa, preparando-a para a coroao, estar ocupado demais para ficar de olho no restode ns...

    at o fim.

    O fim? Jeb apertou a barra ao lado dela, concentrado em seu olhar de liblula. Voctem que me contar tudo.

    A fada olhou para Lorina, que estava se esticando para a porta de arame.

    Voc sabe muito bem que no tem o poder de sair desta gaiola, a menos que eu a abra paravoc.

    Bufando, a lri voltou a voar para o trapzio.

  • Gossamer conduziu Jeb para a fatia de pera e os dois se sentaram. Seu perfume frutado seimpunha sobre o fedor da masmorra e o acalmou o suficiente para ele poder ouvi-la.

    A fada colocou as mos sobre as de Jeb, que descansavam sobre os joelhos.

    Eu j tra meu mestre o bastante vindo at aqui, e sua ira ser enorme. Eu s posso dizerque dentro de uma hora Alyssa estar comprometida para sempre, amarrada ao Pas dasMaravilhas para toda a eternidade. Morfeu planejou tudo para envi-lo de volta, cavaleiromortal... mas sem ela.

    Uma veia na tmpora de Jeb comeou a se contorcer feito uma serpente em uma bandejaquente.

    Ele deu um pulo para cima e bateu a cabea nas barras novamente, tentando amolecer o fioazul, incapaz de controlar a fria exasperada que o fervia por dentro. Mais sangue escorreupor sua tmpora.

    Voc tem que me soltar! Preciso impedir isso!

    Sim, sim! Ns tambm! interviram o dod e sua esposa, em coro. Temos que ajudar a

    Rainha Grenadine a manter a coroa!

    Naturalmente afirmou Gossamer, pegando a mo de Jeb e puxando-o para perto dela.

    Vocs todos tero a oportunidade de lutar e de mostrarem a sua lealdade.

    Mas no posso lutar assim. Jeb chutou uma semente do tamanho de seu p. Voctrouxe algum bolo para crescer?

    No. No a fora de seu corpo que salvar Alyssa, e sim a fora de seu corao deartista.

    Mas eu posso assegurar que no sair deste lugar em sua forma atual.

    A lri desceu de seu poleiro e ralhou com a fada.

    Agora, me escute, sua lacraiazinha. Este rapaz no tem papel nenhum. Ele , no mximo,

    coadjuvante. Eu sou a criada da rainha, e Charlie o bobo da corte. Ns deveramos ser a suaprioridade. Somos honorveis membros da corte, os nicos que podem dar um basta nestapardia!

    Acelerando as asas at virarem um borro enevoado, Gossamer flutuou e colocou as mos nosquadris.

    Quanto ao seu papel, Lorina: voc pode abrir as correntes de seu marido, pois preciso

  • falar com o mortal a ss e tenho pouca tolerncia ao ferro. Ela abriu a porta da gaiola e lhedeu a chave.

    A lri esvoaou correndo, numa comoo de exibicionismo e m vontade.

    Venha, venha, Doura Selvagem chamou Charlie, encorajando a esposa enquanto ela

    flutuava em torno dele, subindo e descendo, incapaz de manter-se firme em alguma altura.

    Apresse-se, por favor. O ferro est me dando fisgadas. Poxa vida! No to difcil assim...tente novamente!

    A cara de Lorina ficou ainda mais vermelha.

    Tente, com a ponta da asa, usar uma chave do mesmo tamanho que a sua cabea, seumeleca!

    Alguns de ns no foram abenoados com dedos, sabia?

    Enquanto o casal estava ocupado, Gossamer sentou-se ao lado de Jeb de novo.

    Voc disse que meu corao de artista pode salvar Alyssa. Naquele quarto na manso de

    Morfeu, tambm... voc disse que eu tenho o poder dentro de meu corao de artista, uma luzque pode iluminar qualquer escurido. Minha namorada est prestes a morrer para mim e paraa famlia dela. No pode haver escurido maior sussurrou Jeb com lgrimas de frustraoque lhe surgiram nos cantos dos olhos.

    Morreria por ela, cavaleiro mortal?

    A espinha de Jeb se retesou. No passado, toda vez que ele protegera Alyssa, sempre se jogarasem nem pestanejar. Seria capaz de morrer por ela?

    Quando o pai de Jeb morreu em um acidente, foi Alyssa quem o salvou. Ele no conseguia

    acreditar que tinha chegado a pensar em morar em Londres sem ela. Precisava dela, todos osdias.

    De seu sorriso compreensivo, de como ela fez suas cicatrizes parecerem medalhas de mritosob seu toque, e de seus olhos incrveis. Mesmo tendo passado por tantas provaes quantoele, havia uma luz dentro dela que nunca se enfraquecia. E essa luz no somente a tornavalinda por fora, mas permitia que ela trouxesse vida aos incrveis mosaicos que fazia.

    Era essa luz tanto a interna quanto a externa que o tinha levado a desenh-la e pint-latantas e tantas vezes.

    Ele olhou para Gossamer, quase incapaz de conter a emoo, agora que havia encontrado uma

  • sada.

    Ela minha melhor amiga.

    Minha musa, meu pincel, minha arte, meu corao. Tudo isso estar morto sem ela.

    Esfregando o rosto, ele limpou o lquido que havia cado de seus olhos e escorrido pelo rosto:

    Eu a amo. Sim, eu morreria por ela. isso que preciso fazer?

    A fada o encarava sem piscar.

    Est disposto a ir alm da morte? A se perder de todos, at de voc mesmo, em um lugaronde as lembranas se esvaem em uma mar escura como tinta? Pois para libertar Alyssa vocter que tomar o lugar da Rainha de Marfim na caixa linguardarte onde ela se encontra presa.

    Jeb lembrou-se da gua escura dentro da caixa que ele havia visto na sala dos espelhos damanso de Morfeu e da cabea fantasmagrica que havia l dentro, e seu corao disparou. Osentimento de autopreservao o invadiu e sua mente comeou a tentar encontrar uma outramaneira. Mas, bem l no fundo, ele sabia que no havia alternativa e que o tempo de Al estavase esgotando. Ele s lamentava no poder dizer a ela, nem uma nica vez, com sua prpriavoz, como se sentia, antes de ser trancado para sempre.

    Aceito.

    E assim ser. Gossamer ficou de p e estendeu os braos. Fraco e entorpecido, Jebaceitou seu abrao. Ela apertou-o com fora e voou com ele para fora da gaiola, pousando nocho. O

    mortal concordou em ser o heri de seu reino. Procurem honrar sua bravura disparou aspalavras para Lorina.

    Lorina havia conseguido soltar seu marido. Ela se sentou no ombro dele, abanando-se comuma asa. Com os olhos arregalados, ela aquiesceu em silncio a demonstrao mais sincerade louvor que poderia ter oferecido. O dod ajoelhou-se ao lado de Jeb, uma presena enormee plumada.

    Teremos uma dvida eterna para com voc, rapaz. O que podemos fazer para ajudar?

    Gossamer apontou para um canto da masmorra, onde um cobertor de juta cobria uma cama,

    chegando at o cho.

    Tragam-me o que est debaixo daquela cama.

    Entorpecido por uma mistura de incredulidade e temor, Jeb observou o dod trazer a caixa

  • linguardarte.

    Lorina ficou perplexa.

    Morfeu manteve a Marfim escondida aqui?

    Gossamer assentiu.

    Por sugesto do Rbido. Ele disse que este era o nico lugar no castelo onde ningum a

    procuraria.

    Depois de pedir a Charlie que abrisse a tampa e arrumasse uma pedra onde eles pudessemsubir para ver l dentro, Gossamer pediu ao estranho casal que se afastasse um pouco paraque ela e Jeb tivessem um pouco de privacidade.

    Jeb afagou as rosas brancas aveludadas que adornavam o exterior da caixa, fascinado pelabeleza do rosto da Marfim quando este veio tona. O olhar cristalizado de assombro delapassava dele para a fada, e voltava cautelosamente curioso. Ele estremeceu ao pensar quetomaria o lugar dela.

    Tinha mesmo que fazer isso?

    Jeb sentiu que Gossamer observava seu semblante.

    Devo perguntar uma ltima vez se est seguro de sua deciso declarou ela. Porquecomo voc est escolhendo ser trancado, e selando essa escolha com seu sangue, a caixanunca o libertar.

    Ningum poder salv-lo. Voc est oferecendo sua eternidade pela da Marfim, uma rainhaque nem sequer conhece.

    Jeb sentiu um n na garganta.

    No. Estou trocando a minha eternidade pela da Al.

    Gossamer sorriu com ternura.

    Eu vi certa vez em seus sonhos que voc teme no ser bom o bastante para a menina.Depois de tal sacrifcio, ningum poder questionar seu valor como homem, e nem seu amorpor ela. Ela beijou-o no rosto, deixando um calor que penetrou seu corao e conseguiuderreter uma pequena poro do terror congelante que l se escondia.

    Gossamer deu-lhe um pincel e recuou.

    Agora, use o poder que somente voc pode exercer. Pinte as rosas com o seu sangue.

  • Jeb foi tomado por uma tontura. Murmurou coisas... sem sentido, temerosas... palavrasagonizantes que ele sabia serem as ltimas.

    Depois, canalizou a raiva, o terror e o desejo por um futuro que ele nunca teria para asestocadas do pincel. Tingiu cada boto branco de vermelho at perder-se dentro das sombrasde seu trabalho, e tornou-se um com sua obra-prima.

    5

    A deciso da Mariposa

    A cena se estendeu e ficou turva enquanto Morfeu era arrastado para fora das lembranas deJebediah e depositado de volta na chaise-longue. A escurido deixava a sala pesada, mas elenem se mexeu para ligar a luminria. O cenrio completamente enegrecido parecia combinarcom os pensamentos obscuros que lhe cruzavam a mente.

    Ele passou o dedo pela coxa, acompanhando as listras do tecido risca de giz e alisando asrugas.

    Por que se sentia to aborrecido? Ele havia encontrado exatamente o que esperava encontrar.As fraquezas de Jebediah estavam mostra: um dio que poderia facilmente ser manipulado,um sentimento de impotncia alimentado por um pai violento e crtico, um cime queprovocava um sentimento temerrio de proteo e que lhe custaria a prpria vida.

    O que Morfeu no tinha esperado encontrar, entretanto, era tanta semelhana entre ele e orapaz. Os demnios do passado atormentado de Jebediah no eram muito diferentes dos seus.Ele sempre se surpreendera sentindo inveja dos humanos... por nunca ter tido o carinho de umpai ou de uma me.

    Ele tambm compreendia o medo de talvez nunca chegar a conhecer completamente aconfiana e a afeio de outra pessoa, simplesmente por ocupar o seu lugar no mundo.

    Contudo, no passado, Morfeu nunca havia considerado isso uma coisa ruim. Ele apreciava seruma alma reclusa e independente. Por vezes, at se vangloriava, quando lhe convinha ser o

  • centro das atenes, naturalmente. Mas a ateno, a afeio ou a confiana no eram coisas deque ele precisava. No at aparecer Alyssa. Depois que ela escolheu ignor-lo, ele noconseguiu funcionar... sentiu-se desastrado e incompetente.

    E agora, depois de colocar-se no lugar de Jebediah, Morfeu compreendia, mais at do que

    desejava, como o lado humano de Alyssa funcionava. Embora metade dela tivesse asas epudesse flutuar sobre as inseguranas e trivialidades dos mortais, a outra metade tinha seusalicerces nas coisas pelas quais qualquer outro humano ansiava: confiana e segurana.

    Tendo visto a coragem, a engenhosidade de Jebediah, e sua lealdade Alyssa, Morfeu soube,sem sombra de dvida, que aquilo era exatamente o que o rapaz oferecia a ela: uma rede desegurana e emoo que a salvaria caso a queda fosse muito alta.

    No era de admirar que ela fosse to cativada por ele. No era de admirar que ele exercessepoder sobre ela. Diabos, o prprio Morfeu ficou morbidamente fascinado pelos honorveistraos morais do rapaz, incomuns em um humano to machucado. Morfeu ficou tentado arecuar e deixar Jebediah ter seu momento de felicidade. Alguns poderiam at dizer que ele ohavia merecido por desejar abdicar de seu futuro, de suas lembranas e de sua vida porAlyssa.

    Morfeu rosnou e caiu para a frente com os punhos cerrados, tentando suavizar o estranho pesoem seu peito. O rapaz no ficaria aqui para sempre. Era um mortal. Um dia, morreria de velho,no mnimo, e Alyssa voltaria a ser um alvo fcil.

    Alvo fcil.

    A mandbula de Morfeu se contraiu. O romance no era uma coisa justa. E nem era um jogo.Era guerra. E, como em qualquer outro campo de batalha, no lhe cabiam a compaixo e amisericrdia.

    O besouro-tapete estava certo. As emoes humanas eram coisas imprevisveis e poderosas.Elas haviam penetrado na cabea de Morfeu, enfraquecido sua determinao.

    Com os cotovelos nos joelhos, ele levantou as mos com as palmas para cima, incapaz de vera silhueta delas no escuro. Ele conjurou um pouco de magia na ponta de seus dedos, em bolaseltricas de plasma do tamanho de ervilhas, e depois enviou as esferas para todos os cantos dasala, os raios azuis deixando rastros como eletricidade esttica. Os dois subiram pelasparedes e em seguida se uniram na forma de uma mulher. A luz pulsava em ritmo hipntico.

    Imaginar Jebediah com Alyssa, mostrando a ela os caminhos do amor, domando seu esprito

    selvagem com suas corriqueiras convenes humanas, queimou a garganta de Morfeu com osabor amargo da inveja.

    Ele no queria que seu lado selvagem fosse dominado por nenhum outro homem, no desejava

  • compartilhar nenhuma parte dela. Morfeu desejava os dois lados: sua inocncia e seu espritodesafiador.

    Que graa poderia haver na dependncia? Que espontaneidade poderia haver em um mundo

    previsvel? Ele poderia lhe oferecer uma eternidade de desafios e paixo, de momentos ternose calmos nas profundezas de chamas vibrantes e tempestades devastadoras a tranquilidadeem meio ao caos.

    O lugar dela era com ele, usando trajes de soberana. Ele tinha tanto a ensinar-lhe sobre o reinointraterreno, sobre as glrias da manipulao e da loucura. Se Morfeu alimentasse seu famintolado intraterreno, suas inseguranas e inibies humanas diminuiriam e, com o tempo,poderiam

    desaparecer. Ela nunca mais ansiaria pelo amor seguro de Jebediah.

    Morfeu invocou sua magia de volta, recolhendo as espirais de luz azul at ficar novamenteenvolto pela escurido. Suas asas varreram o cho quando ele se levantou e ele as ergueu numarco que quase tocava o teto.

    Nada mais de deliberaes. Ele tinha tentado fazer o que era justo em instncias passadas e,sem exceo, isso sempre o prejudicara. Podia ignorar a pontada de culpa que lhe agitava opeito, mas no podia abdicar de suas necessidades pelas necessidades de Jebediah. Ele nuncamais seria ele mesmo sem Alyssa ao seu lado a chama para sua Mariposa. Morfeu nopararia at que ela

    voltasse para o lugar que lhe pertence, no Pas das Maravilhas.

    Para vencer, ele jogaria sujo, colheria os despojos do corao dela do modo que fossenecessrio, no importa o quanto isso custasse para o rapaz mortal. Afinal, este era o modointraterreno. Fazer menos do que isso faria de Morfeu um humano. E ele sabia, agora mais doque nunca, que essa era a ltima coisa que algum dia ele desejaria ser.

    FIM

    Notas

    [1] No poema Jabberwocky, traduo de Augusto de Campos, o termo foi traduzido comoBabassura. (N. da T.)

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