a malária no brasil - scielo · porque hoje em dia a malária no brasil se concentra pra-ticamente...

41
A malária no Brasil Dentre as doenças transmissíveis, a malária é hoje o princi- pal problema brasileiro. Nos últimos anos vem sendo muito alta a velocidade de crescimento de sua taxa de incidência, acompanhando, aliás, uma tendência internacional Entre- tanto, poucos anos sonhava-se em erradicá-la, tão pro- missoras pareciam as ações de saúde pública então emprega- das. Por que esta notável reversão? Teria sido possível evi- tá-la, ou trata-se de um fenômeno contra o qual não se dis- põe de armas ? Para abrir esta seção de Debate em nossa nova revista, o Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública reu- niu quatro especialistas que, por mais de três horas e com a participação do auditório, debateram vários aspectos da questão. A principal exposição foi a do Dr. Pedro Tauil, Diretor Ge- ral do Departamento de Erradicação e Controle de Ende- mias da Sucam, que fez uma descrição da malária e de seu combate, hoje, no Brasil, apresentou dados relativos ao au- mento da incidência da doença, relatou as dificuldades en- frentadas pela Sucam. Seguiu-se a ela a fala do Prof. Leônidas Deane. Grande en- tomologista e homem de notável cultura, refez brevemente o caminho do conhecimento e da luta contra a malária. A seguir, o Dr. Paulo Sabroza, do Departamento de Epide- miologia da ENSP, apresentou o que para ele seriam os pon- tos cruciais do problema. Finalizando, o Dr. Cláudio Ribeiro, do Departamento de Imunologia do IOC, apontou alguns dos caminhos percorri- dos na busca da vacina antimalárica. O que vamos ler a seguir é uma reelaboração, pelos autores, do que então disseram e que, por meio dos Cadernos de Saúde Pública, levamos ao alcance de um público maior. TAUIL: No trabalho diário da Sucam no controle da malária, identificam-se problemas cuja solução não está na própria instituição; está nas instituições de pesquisa, de ensino, e, principalmente, está em outros setores da sociedade que também trabalham na Amazônia. É destes problemas que quero falar. Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra- ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre- senta uma distribuição homogênea. Ela se focaliza em deter- "O principal dado do programa da malária é a migração intensa, desordenada, desesperada.''

Upload: others

Post on 03-Jul-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

A malária no Brasil

Dentre as doenças transmissíveis, a malária é hoje o princi-pal problema brasileiro. Nos últimos anos vem sendo muitoalta a velocidade de crescimento de sua taxa de incidência,acompanhando, aliás, uma tendência internacional Entre-tanto, há poucos anos sonhava-se em erradicá-la, tão pro-missoras pareciam as ações de saúde pública então emprega-das. Por que esta notável reversão? Teria sido possível evi-tá-la, ou trata-se de um fenômeno contra o qual não se dis-põe de armas ?

Para abrir esta seção de Debate em nossa nova revista, oCentro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública reu-niu quatro especialistas que, por mais de três horas e com aparticipação do auditório, debateram vários aspectos daquestão.

A principal exposição foi a do Dr. Pedro Tauil, Diretor Ge-ral do Departamento de Erradicação e Controle de Ende-mias da Sucam, que fez uma descrição da malária e de seucombate, hoje, no Brasil, apresentou dados relativos ao au-mento da incidência da doença, relatou as dificuldades en-frentadas pela Sucam.

Seguiu-se a ela a fala do Prof. Leônidas Deane. Grande en-tomologista e homem de notável cultura, refez brevementeo caminho do conhecimento e da luta contra a malária.

A seguir, o Dr. Paulo Sabroza, do Departamento de Epide-miologia da ENSP, apresentou o que para ele seriam os pon-tos cruciais do problema.

Finalizando, o Dr. Cláudio Ribeiro, do Departamento deImunologia do IOC, apontou alguns dos caminhos percorri-dos na busca da vacina antimalárica.

O que vamos ler a seguir é uma reelaboração, pelos autores,do que então disseram e que, por meio dos Cadernos deSaúde Pública, levamos ao alcance de um público maior.

TAUIL:No trabalho diário da Sucam no controle da malária,

identificam-se problemas cuja solução não está na própriainstituição; está nas instituições de pesquisa, de ensino, e,principalmente, está em outros setores da sociedade quetambém trabalham na Amazônia. É destes problemas quequero falar.

Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea. Ela se focaliza em deter-

"O principal dado do programada malária é a migração intensa,desordenada, desesperada.''

Page 2: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

minadas localidades - eu não digo nem municípios - queconcentram grande parte dos casos. E por que estas locali-dades concentram os casos? Porque são sedes de projetos dedesenvolvimento econômico e social que determinam fluxosmigratórios de grande importância social, processando-se deforma bastante intensa e em condições muito precárias.

Quando se fala do aspecto social da malária, o que é demaior importância em sua transmissão? Além dos hábitosdas pessoas, existe um problema básico: desde a época deCarlos Chagas, nós acreditamos que a transmissão da malá-ria é fundamentalmente domiciliar, pelos hábitos dos veto-res e pelos hábitos das pessoas ficarem a maior parte dotempo em casa. Porém, na região amazônica, nessas locali-dades de alta transmissão, esse princípio não subsiste por-que o tipo da habitação - sem paredes - não abriga as pes-soas, quer dizer, não cria uma barreira entre as pessoas e omosquito; ao mesmo tempo, dificulta o seu controle, por-que não se tem onde colocar o inseticida, que é um dos fun-damentos do programa clássico de controle e de erradicaçãoda malária. Desde 1947 o inseticida é a principal arma,quando se começou a usar o DDT no país - esporadicamen-te, mas se começou. A erradicação era feita por etapas, ini-cialmente, com o DDT aplicado na região Nordeste e o salcloroquinado na região amazônica. Deste eu quero falarinicialmente.

O uso do sal cloroquinado, tão bombardeado, tão critica-do posteriormente, tem um princípio que é muito impor-tante e que, na minha opinião particular, é muito válido:diante das dificuldades operacionais de trabalho na regiãoamazônica - acesso muito difícil a localidades em grandeparte do ano - a possibilidade de se fazer chegar uma subs-tância quimioprofilática, através de consumo obrigatório,esse princípio ainda merece ser pensado. Hoje em dia noBrasil foi abandonado, basicamente por três razões. Primei-ra, a dificuldade de se controlar a entrada do sal cloroquina-do na região amazônica. Segunda, por um problema técni-co: a cloroquina é muito solúvel em água e em regiões úmi-das ela se deposita no fundo do saco; com isso a populaçãoingere uma quantidade inadequada nas partes superficiais equando chega ao final o sal fica muito amargo, pelo gostoda cloroquina, e então jogava-se fora a parte de baixo. Ter-ceira, é que posteriormente se passou a atribuir ao uso indis-criminado do sal cloroquinado o aparecimento de cepas re-sistentes de Plasmodium falciparum por subdosagem que apopulação estava ingerindo de cloroquina. Essa é uma inter-rogação, mas é uma hipótese que pode explicar o apareci-mento de muitas cepas resistentes aqui no Brasil. Por outrolado, o uso indiscriminado e por tempo indeterminado decloroquina traz problemas: como vocês sabem, pode trazerproblemas principalmente de natureza oftalmológica. Essas

Page 3: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

razões todas levaram ao abandono, posteriormente, do salcloroquinado.

Então se passou a utilizar também o DDT na região ama-zônica. A área malárica do país, isto é, a área onde há con-dições de transmissão da doença é grande parte do territó-rio nacional. Nós temos 6,9 milhões de km2 dos 8,5 mi-lhões existentes no país. Somente o Rio Grande do Sul, oDistrito Federal e a ilha de Fernando de Noronha é que sãototalmente não-maláricos, isto é, não há condições de trans-missão; no restante do país todos os estados são totalmenteou parcialmente maláricos. Por exemplo, no Rio de Janeirotemos a presença do vetor em determinadas áreas, o queexige da Sucam uma vigilância ativa, uma vez que a entradade pessoas da região amazônica pode gerar focos de malária.São Paulo, para se ter uma idéia, com a pressão de entradano ano passado teve 1.600 casos, e este ano já teve focos au-tóctones de transmissão na região do rio Paranapanema e nafronteira com Mato Grosso, focos de importância epidemio-lógica, por malária introduzida por pessoas provenientes daregião amazônica.

Como eu falei, em 1961 foi usado o sal cloroquinado naregião amazônica, e até 1972 houve variações quanto à co-bertura da área malárica em termos de inseticida. A partirdeste ano se alcançou uma regularidade maior. Agora esta-mos partindo não mais para uma cobertura total da área detransmissão, mas, por razões econômicas e epidemiológicas,estamos procedendo a um sistema de estratificação epide-miológica, procurando atuar prioritariamente nas áreasidentificadas como geradoras de casos de malária. A estraté-gia atual que o Brasil adota foi recomendada numa reuniãoda Assembléia Mundial de Saúde e dividiu o país em duaspartes: uma, a região amazônica ou da Amazônia legal, queé a área de erradicação a longo prazo; isso pode ser entendi-do como um eufemismo para controle, porque, na época,quando se optou entre controle ou erradicação, isso criouuma polêmica bastante grande no mundo todo e pratica-mente o nome controle foi abandonado do vocabulário ma-lariologista. E, como não se podia propor uma erradicaçãona região amazônica, pelas dificuldades dessa erradicação,optou-se por "área de erradicação a longo prazo", enquantoque "área de erradicação a curto prazo" seria fora da regiãoamazônica, onde, na verdade, a gente espera nesses próxi-mos dois anos extinguir os últimos Jocos residuais. A meto-dologia utilizada contra a malária se baseia na bonificaçãointradomiciliar do inseticida de efeito residual que atua emsuperfície e que mata o mosquito por contato. Esse é oprincípio, visando não acabar com o Anopheles, mas inter-romper a transmissão através da eliminação dos mosquitoscontaminados que, por ocasião do seu repasto sanguíneo,pesados, pousam nas paredes e, encontrando inseticida, são

Page 4: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

então eliminados e não reproduzem a doença em outras pes-soas.

A BUSCA E O TRATAMENTO DE CASOS

A verdade é que a busca e o tratamento de casos nuncafoi, a não ser em áreas especiais, a ênfase do programa -são feitos para se reduzir também em termos epidemiológi-cos a fonte de contaminação do mosquito. E é bom que sediga que a malária humana é uma malária só humana; nósnão temos reservatórios de importância epidemiológica emoutros animais. Então, esgotado o parasita no homem, adoença estaria erradicada. Medidas complementares são uti-lizadas, usando drenagem, saneamento, aterro de criadou-ros, limpeza de criadouros e aplicação de larvicidas quandonão se pode eliminar o criadouro.

Os fundamentos que norteiam o programa de erradica-ção, em todo o mundo, são: primeiro, a transmissão domici-liar da doença; segundo, a disponibilidade de um inseticidaque atua por efeito residual em superfície, por contato; ter-ceiro, a possibilidade de esgotamento natural do parasita nohomem, quer pela morte, quer pelo tratamento - ou então,no momento em que as pessoas infectadas adquirem imuni-cidade, elas podem naturalmente esgotar o parasita dentrode si mesmas.

Page 5: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

O mapa I mostra a situação em 1983: a parte pontilhadaé a área de erradicação a longo prazo; esses pontos fora daregião amazônica são os pontos de focos residuais. Essa áreahachureada horizontalmente é chamada de "prioridade 1",onde se concentra o maior número de projetos de desenvol-vimento sócio-econômico, atraindo grandes fluxos migrató-rios. Então, por exemplo, desde a divisa com a Colômbiaaté Manaus, o Solimões todo e o Médio Amazonas até a di-visa com o Pará, temos uma área onde praticamente nãoexiste malária: uma área de população estável, que tambémnão apresenta uma alta densidade do principal vetor, Ano-pheles darlingi. E, como é área de população estável, as ca-sas são mais ou menos adequadas. Tudo isso permitiu quese suspendesse inclusive a borrifação de DDT nessa área.O gráfico I mostra a incidência parasitária anual. 1970 regis-trou o índice mais baixo de incidência de malária no Brasil,em torno de 51 mil casos registrados. E é bom lembrar que,na década de 40, segundo publicações de Barros Barreto, aestimativa era em torno de 6 milhões de casos de malária.Então houve realmente uma redução. Mas na região amazô-nica, a partir de 70 - que coincide com a intensificação daocupação da Amazônia, com incentivos fiscais para empre-sários de outras áreas investirem na região - a situação epi-demiológica se reverte, levando hoje não só ao aumentoabsoluto do número de casos, mas também ao aumento re-lativo em termos de taxa de incidência: 297 mil casos foramregistrados em 1983. O gráfico II mostra os números abso-lutos.

Page 6: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea
Page 7: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Para esse acréscimo do último ano, temos várias explica-ções; não justificativas, mas explicações. Primeiro, tivemosproblemas de medicação. Segundo, tivemos problemas rela-tivos ao abastecimento de inseticida — a única fábrica queproduzia DDT no Brasil fechou suas portas, tivemos que im-portar, e todo o processo de importação é extremamentelento, cheio de burocracia. Levamos quase um ano, e no se-gundo semestre desse ano chegamos ao nível mais baixo decobertura entre o programado e o realizado: menos de 60%do programado foram cumpridos por falta de inseticida.Outra coisa também aconteceu em 1983: subiu a relação en-tre Plasmodium falciparum e vivax; sempre houve predomí-nio de Plasmodium vivax em relação ao falciparum, mas,com a deterioração do programa nesse último ano, a ten-dência é aumentar o número de Plasmodium falciparum emrelação a vivax. Nós ainda tivemos em 1983 mais vivax, maso número de falciparum já chegou muito perto do vivax.

As tabelas I e II mostram a situação da malária em 1983.Para se ter uma idéia, temos o registro de 297.687 lâminaspositivas, sendo que 286 mil da região amazônica. Fora des-ta região, tivemos 10.600 casos positivos, dos quais 9.910foram importados da região amazônica ou de outros países,mas principalmente da região amazônica. Portanto, tivemosautóctones 1.386 casos. Então, em torno de 99,5% dos ca-sos de malária ocorreram na região amazônica da área a lon-go prazo.

Page 8: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Isto, se por um lado nos anima, não afasta o perigo queoutros países estão correndo. O Peru, por exemplo, estátendo malária hoje numa região onde há muito tempo jáhavia sido interrompida a sua transmissão, na sua área maisrica, a área do Pacífico. A Colômbia está com um númeroabsoluto de casos maior que o do Brasil. E a Turquia, quechegou a um número muito pequeno de casos, voltou a tertransmissão, exportando casos para a Grécia, para a Romê-nia, criando um problema para os países desenvolvidos. En-tão, como se vê, o problema da malária não é so brasileiro;as razões brasileiras são muito importantes e precisamos tra-

Page 9: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

balhar nesses fatores, mas é um problema que está se agra-vando em todo o mundo, não só na América Latina, masem todo o mundo subdesenvolvido. Ocorreu agora recente-mente um episódio num país que estava com a malária sobcontrole, o Paraguai, que teve um episódio gravíssimo. Nóstivemos, inclusive, que mandar medicamentos, porque elesjá estão despreparados para essa situação. Bom, isso é paramostrar a vocês que há necessidade de se manter a vigilânciafora da região amazônica, porque não podemos correr esserisco que outros países estão correndo, de "sujar" áreas jálimpas de malária.

Page 10: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

O mais importante foco no ano passado foi Camaçari:357 casos. Camaçari está nas vizinhanças de Salvador, umaárea de alta importância econômica, com populações proce-dentes da região amazônica, em busca de emprego no pólopetroquímico numa área, Recôncavo Bahiano, onde existevetores, darlingi e acquasalis. Nessa região tivemos um focode grandes proporções, quando não tínhamos tido nenhumdesses focos no ano de 1982 (quando o maior foco fora daregião amazônica foi de 71 casos, em Pernambuco). Houve,provavelmente, falhas na detecção precoce desse foco deCamaçari, o que mostra que é preciso estar sempre atento àreintrodução de casos provenientes da Amazônia. Tivemosfocos na Bahia, no Espírito Santo, em Goiás - fora da re-gião amazônica de Goiás - Minas Gerais, Rio de Janeiro -aqui, em Poço das Onças, Duque de Caxias, tivemos 5 ca-sos - no Piauí, em Alagoas. O Piauí é um lugar onde apare-cem muitos focos, dada a proximidade com o Maranhão.

Também num lugar que há 20 anos não tinha malária, novale do São Francisco, em Propriá, tivemos um foco em tor-no de 20 casos e que foi controlado, mas isso sempre criapânico na população.

Temos algumas explicações para o problema da maláriana região amazônica.

Condições de ordem ambiental - temos temperatura,umidade elevada, chuvas abundantes. Isso favorece a proli-feração do mosquito e também encurta o período de vidaextrínseco do Plasmodium no mosquito, tornando mais rá-pida a capacidade infectante do mosquito infectado numportador.

Habitações precárias que facilitam a atividade vetorial -o contato homem/vetor é muito intenso em determinadaslocalidades da Amazônia, não só pela falta de paredes, maspelo hábito de dormir de calção por causa do calor. Então,com o dorso nu, o peito nu e as pernas descobertas, há umaextensa superfície para o contato do mosquito.

Larga dispersão e antropofilia do principal vetor - na re-gião existe um vetor de muita importância, de dispersãobastante grande e com preferência por sangue humano: oAnopheles darlingi

Entre os fatores que dificultam o controle, temos:

Baixa densidade demográfica e dispersão populacional -isso faz com que os custos do programa na região amazôni-ca, como se diz brincando, sejam custos amazônicos. EmRondônia, por exemplo, nossas viaturas têm uma vida mé-dia em torno de dois anos; não agüentam por períodos maisprolongados. O consumo de combustível é enorme. Nósusamos óleo diesel nos barcos, e a cota de óleo diesel daSucam é cortada anualmente, na política do governo de re-duzir o consumo de combustível. Então, nessas circunstân-cias, os custos de um programa são muito elevados .

Page 11: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

O rendimento do guarda na Amazônia é diferente do rendi-mento do guarda no Nordeste. Em termos de número decasas, há guardas que fazem no máximo quatro casas pordia, o que faz com que o programa exija maior mão-de-obra. Todos são fatores que elevam os custos do programa.

Acesso difícil a grande número de localidades - há loca-lidades nos altos rios onde, na época da seca, não há barcoque chegue até lá; por outro lado, há áreas nas várzeas quena época do inverno se inundam. Isso exige que os ciclos debonificação estejam adequados a essas condições.

Fluxos migratórios — como já falamos, esse é o principaldado do programa de malária: é o fluxo migratório intenso,desordenado, desesperado, muitas vezes, em que as pessoasvivem em condições precaríssimas de habitação, pessoasprocedentes de áreas onde há muito tempo não há malária,que têm uma suscetibilidade muito maior para a doença, fa-zendo com que os casos não só atinjam parasitemias maiselevadas como também com riscos de letalidade maior.

Presença de Plasmodium falciparum resistente à cloro-quina em algumas áreas — nós temos cepas de Plasmodiumfalciparum resistentes à cloroquina, que é a única medica-ção disponível para uso em massa, com segurança, pelo nos-so guarda. Temos outras drogas que atuam no Plasmodiumfalciparum resistente ou que ainda não criou um grau de re-sistência suficiente, mas essas drogas não podem ser usadasem uma distribuição maciça, através do pessoal não médico.Nem todas essas resistências à cloroquina são de grau 3 ouresistência 3, que é a mais alta, isto é, onde a parasitemianão só não cai, como se eleva. Pela resistência existente -como vimos nos trabalhos recentes desenvolvidos pela Divi-são de Epidemiologia da Sucam — temos ainda, vamos dizerassim, autoridade para continuar usando a cloroquina, umavez que 70% dos casos são sensíveis ou R1, isto é, há umaeliminação da parasitemia, mas que depois de algum tempopode recrudescer. Nós estamos aguardando a liberação deum produto, que vamos discutir daqui a pouco, que poderáresolver esse problema.

Atividade exofílica do vetor em alguns locais - é um as-sunto discutível, e eu sigo orientação do Prof. Deane, deque primitivamente o Anopheles darlingi é um mosquito sil-vestre. É claro, ele se domicilia à medida em que haja umadensidade de casas suficiente para ele preferir o domicílio.Mas, o que acontece? A população procedente do Paraná -já constatamos isso em Rondônia, na região de Ariquemes,por exemplo — tem hábitos diferentes: eles ficam trabalhan-do nas linhas de colonização até mais tarde, até 6:00h. Àhora do pique da atividade anofélica, a partir das 5:00, 5:30da tarde, eles estão no campo, expostos a picadas de mos-quitos. Isso impossibilita o controle através de inseticidadentro de casa. Numa epidemia de malária que houve em

Page 12: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Belém, uma das razões era as pessoas ficarem fora de casa(acho que antes da televisão), tomando a fresca, conversan-do na hora do crepúsculo. Isso fazia com que as medidas in-seticidas não fossem tão eficazes quanto em outras áreas on-de esses hábitos não existiam.

ESTRATÉGIAS DE ATAQUE

Quando analisamos o Pará, vemos que, dos 83 municí-pios, somente 15 são de alta transmissão e são responsáveispor 78,6% dos casos de malária no estado. Isso mostra oque tentei falar no começo, a concentração dos casos demalária ou a focalização dos casos da malária na região ama-zônica. No Acre, os municípios de Rio Branco, Plácido deCastro e Senador Guiomar são os mais importantes. Pará eRondônia hoje são responsáveis por mais de 60% da maláriano país e, na verdade, a concentração de esforços nessasáreas é uma meta que nós estamos desenvolvendo. No últi-mo mês de maio, pela primeira vez, o estado do Pará mos-trou, comparado com maio do ano anterior, um menor nú-mero de casos de malária. Um aprimoramento operacional,com determinadas medidas que se está tomando, poderámelhorar um pouco essa situação; a Sucam no momentobusca uma adequação da estratégia, pois não temos nenhumprincípio milagroso para modificar a forma de atuar.

Duas coisas são importantes.

Primeira, o envolvimento de outros setores da sociedadeno controle da malária. Vamos dar um exemplo: o INCRAe a Eletronorte são duas instituições de muita importânciana região amazônica, pelos projetos que desenvolvem. Já ce-lebramos convênios com ambas. O INCRA, no momento,está bastante sensibilizado para o problema: já no traçadotopográfico dos seus projetos eles estão procurando respei-tar os divisores de água, para dificultar a formação de novoscriadouros ao lado das estradas. Isso é um comprometimen-to oficial. Ademais, nos projetos novos, eles têm fornecidodois metros cúbicos de madeira serrada, antes que as pes-soas tenham tempo de fazer suas casas definitivas, para quedesde o primeiro momento se tenham condições de aplicaro inseticida. Finalmente, ele nos mantém informados dosfluxos migratórios, porque às vezes se descobria em determi-nada área uma explosão de gente chegando, e já era um pro-jeto de assentamento do INCRA. . . Esses acordos, essa arti-culação interinstitucional nós estamos buscando. Com aEletronorte também, depois de muito esforço, conseguimossensibilizar a empresa para esse trabalho conjunto, tantofornecendo recursos para áreas de inundação — para a popu-lação que vai sofrer influência do Lago de Tucuruí — comotambém para pesquisas que têm sido desenvolvidas na área,além de medidas protetoras a tempo, para se evitar a explo-são de malária nessa área.

Page 13: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Segunda, a participação da população. Nós temos umexemplo recente, que é o projeto de assentamento de Ju-mas, no Amazonas, onde o trabalho de uma educadora daSucam foi bastante eficaz no envolvimento da populaçãono sentido de participar não só na identificação precoce doscasos de malária, mas também na aplicação de óleo queima-do nos criadouros próximos das residências, com óleo for-necido pelo Batalhão de Engenharia do Exército. Nós acre-ditamos que sem uma articulação assim nós não consegui-mos muito êxito. Lamentavelmente, estender isso para todaa área amazônica é um pouco difícil. Por exemplo, no ga-rimpo a situação não é tão fácil assim; o grau de envolvi-mento comunitário no caso do projeto de assentamento émuito maior, o grau de adesão comunitária é muito maiorno projeto de assentamento do que no garimpo. Aqui nósencontramos dificuldades maiores, mas eventualmente ten-tamos a colaboração dos donos dos garimpos, quando é viá-vel eles mesmos aplicam inseticidas - temos um teste, atual-mente, no Pará, onde os próprios donos dos garimpos apli-cam o inseticida em ultrabaixo volume, em áreas com casassem parede.

Essa é uma adequação estratégica: a articulação inter-setorial e a participação da população. Ainda não temos ins-trumentos suficientemente eficazes para que isso seja rápi-do; e, pela própria natureza, é um trabalho difícil.

PRIORIDADES DE PESQUISA

Ao lado disso, temos necessidade de algumas pesquisasque pudessem melhorar nosso arsenal tecnológico, um ins-trumental mais adequado para a realidade da Amazônia. Emtermos de pesquisa, considerando o vetor, parasita e hospe-deiro, nós estamos, no primeiro caso, apoiando estudos quemostrem, confirmem ou tragam novos elementos a respeitodos vetores da malária na região amazônica, para que, emfunção disso, possamos conhecer um pouco melhor o com-portamento e a biologia dessas espécies vetoras, o que pode-rá trazer uma adequação melhor das medidas a serem apli-cadas.

Especificações da relação parasita/vetor — uma hipótesejá levantada algum tempo atrás e agora renovada é a de quealguns vetores só transmitem o Plasmodium vivax; o darlingitransmitiria vivax e falciparum. É uma hipótese, e realmen-te, com o advento de uma técnica descoberta pelo grupo daProfa. Ruth Nussenzweig, que está trabalhando com a vaci-na, obtivemos um subproduto de extrema importância:através de radioimunometria está se podendo verificar, comanticorpos monoclonais, a espécie de Plasmodium que in-fecta determinados vetores; antes, pela dissecção, não po-díamos chegar à identificação da espécie do esporozoíto.

Page 14: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Hoje, essa técnica poderá trazer elementos importantes comrelação ao aspecto da especificidade vetor/parasita.

Inseticidas alternativos ao DDT - O DDT é um organo-clorado, condenado na agricultura, recomendado ou tolera-do na saúde pública. Eu queria explicitar que nós o estamosutilizando por recomendação ainda da Organização Mundialde Saúde, pois o DDT usado em saúde pública é colocadoem superfícies; quando a pessoa recebe esse DDT, é por as-persão, não por ingestão, onde a absorção é muito maior,como na agricultura. E estudos da OMS, feitos pelo Prof.Waldemar de Almeida há algum tempo, coordenados por eleaqui no Brasil, mostraram que os guardas da Sucam (naque-la época, Serviço de Malária) expostos durante muito tempoao DDT, não chegariam a ter níveis tóxicos de organoclora-do no tecido gorduroso. Em saúde pública ele é tolerado.Mas é claro que, se tivéssemos um inseticida com odor me-nos intenso, melhor aceito pela população, com efeito resi-dual semelhante ao DDT, nós o preferiríamos, porque esta-mos tendo, cada vez mais, dificuldades no abastecimentodo mesmo, pelas razões que comentei no começo.

Formas mais eficazes de aplicação — Muitas vezes, nessaregião de casas sem paredes, a aplicação de inseticida na for-ma de ultrabaixo volume, aplicações espaciais do inseticidapodem ser tentadas, para viabilizar um pouco essa ação noprograma.

Controle biológico - É uma coisa muito importante.Hoje também já se fala em Bacillus esfericus, que teria efei-to residual maior, do que o Bacillus turingiemis israelensis;mas nós ainda não o introduzimos na rotina, porque nãotemos ainda informações suficientes que nos autorizem ouso desses produtos. Estamos apoiando pesquisas nessaárea. Recentemente esteve no Brasil uma autoridade nessecampo, dando uma consultoria à Sucen, o órgão que cuidadas endemias de São Paulo, procurando mostrar o uso doBacillus turingiensis no controle de simulídeos, e a Sucenficou muito entusiasmada.

Em Porto Velho, estamos, atualmente, solicitando umaconsultoria para que se possa propor um projeto de utiliza-ção de peixes larvófagos ou então de inseticidas biológicos,como são chamados esses bacilos, para verificar a possibili-dade de reduzir o número de criadouros, o que poderá redu-zir o risco de transmissão da doença naquela cidade.

Larvicidas ecologicamente mais seguros - A gente usamuito, como larvicida, o óleo queimado; mas hoje já é maisdifícil obtê-lo. Há outros, ecologicamente mais seguros e depreço acessível. O Temefós pode ser utilizado, mas seu cus-to o inviabiliza para uso em grandes extensões. Essas ativi-dades larvicidas são reservadas para as áreas urbanas ou peri-urbanas, ou pequenas localidades; ninguém está pensando

Page 15: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

em aplicar larvicida pela Amazônia toda, mas em determina-das áreas eles têm a sua indicação.

Relativo ao parasita:

Cultivo contínuo de Plasmodium - toda a potencialida-de desse cultivo não está explorada ainda, mas alguma coisase visualiza: por exemplo, a caracterização iso-enzimática decepas de Plasmodium falciparum numa eventualidade de seprecisar usar uma vacina como a que está sendo desenvolvi-da na França, também por um pesquisador brasileiro,Dr. Hildebrando Pereira da Silva, que é uma vacina cepa-específica, não espécie-específica. Então é preciso ter a ca-racterização das espécies na área onde ela vá ser utilizada.Por outro lado, há o fornecimento de antígeno puro, querdizer, antígeno sem "contaminação" do doador do antíge-no para testes sorológicos que poderão ser desenvolvidos.Não há ainda no Brasil quem cultive Plasmodium vivax, sóexiste cultivo contínuo de Plasmodium falciparum. Pareceque nos Estados Unidos se conseguiu agora o cultivo devivax. O cultivo contínuo também serve para testar a sus-cetibilidade do Plasmodium aos diversos antimaláricos, e,por outro lado, tentar descobrir mecanismos que possamretardar o aparecimento dessa resistência.

Estudo de novas drogas antimaláricas - isto é funda-mental, uma vez que estamos encontrando resistência dePlasmodium falciparum às drogas atuais, e essas novas dro-gas precisam unir o custo à operacionalidade. A mefloquinaé a droga que está mais avançada nesse momento no mun-do. A mefloquina é muito operacional, porque é usada emdose única, via oral e bastante eficaz. Está sendo testada emZâmbia, Tailândia e no Brasil, já em fase final de ensaios clí-nicos, no Hospital Barros Barreto, em Belém. Essa drogapromete muito, em termos de eficácia.

Desenvolvimento de uma vacina - A epidemiologia damalária na região amazônica se aproxima muito da epide-miologia da febre amarela, porque as pessoas entram namata. O indivíduo não vai ter o mínimo de proteção, nãohá maneira de protegê-lo, quando ele vive dentro da mata.O estudo de uma proteção individual por um agente imuno-profilático eficaz seria fundamental; teria um papel muitogrande no controle da malária.

Aprimoramento de técnicas sorológicas de diagnóstico -o diagnóstico hemoscópico, apesar de ser bastante específi-co, não é suficientemente sensível para detectar portadoresassintomáticos, pessoas com baixa parasitemia e que este-jam entre uma crise e outra de vivax, entre uma recaída eoutra de vivax. Em Santa Catarina nós desenvolvemos umtrabalho que teve uma participação de educação sanitáriamuito grande, porque é uma população muito resistente aouso prolongado do DDT. Fizemos diagnósticos sorológicosde toda a população e só tratamos daqueles sorologicamen-

Page 16: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

te positivos; com isso reduziu-se o universo de vinte e pou-cas mil pessoas — que seria um tratamento coletivo e dificil-mente aceito - para uma população de 500 pessoas, que oaceitou bastante bem, porque essas pessoas viram que ti-nham alguma marca, apesar de nós sabermos que estávamospecando por excesso — mas, se eventualmente tivesse algumportador, ele estaria naquele grupo com sorologia positiva.Mas a técnica sorológica por imunofluorescência tem algunsproblemas e eventualmente uma técnica mais simples seriamais prática.

Relativamente ao hospedeiro, temos:

Estudo dos diferentes complexos de transmissão - a for-ma de transmissão da malária na Amazônia é diferente daforma de transmissão em outras áreas. Não que o agente ouhospedeiro, ou o vetor, sejam diferentes, mas pela maneira,pela forma como as pessoas vivem, pelo tipo de habitação,formam-se complexos diferentes de transmissão.

Determinação de nível de imunidade de populações -para nós, hoje em dia, não há uma técnica que meça a imu-nidade da malária, os anticorpos humorais não são suficien-tes para medir o grau de imunidade protetora que o indiví-duo possui, apenas mostra um contato maior ou menor como parasita.

Estudo de determinantes sócio-econômicos da doença —para nós é um dos estudos mais importantes; estamosapoiando o Cedeplar, de Minas Gerais, que está estudando afronteira agrícola brasileira e preocupado em ver o papelda malária, como a malária repercute na população e tam-bém a percepção que a população tem da doença e seus me-canismos de controle.

Em poucas palavras, era isso o que eu tinha a dizer. Creioque já me alonguei demais, e gostaria de ouvir os outros co-legas.

PROF. DEANE:

Todos nós, sem dúvida alguma, aprendemos muito com apalestra do Tauil sobre a expansão da malária e sobre oque a Sucam está fazendo para enfrentar o problema.

A gente está vendo que esse aparente fracasso - porquese pode assim supor, erradamente, pelo aumento do númerode casos que ocorrem anualmente - não é absolutamenteum fracasso, é uma situação realmente inevitável. A gentetem a impressão de que a malária na Amazônia, hoje, é maisum problema de ecologia humana; naturalmente ainda exigealguns estudos - não vou dizer que a pesquisa seja dispensá-vel, realmente ela pode ajudar bastante em alguns aspec-tos — mas esse incremento da malária naquela região é maisum problema de ecologia humana.

"Nem sempre o que é modernorealmente substitui o que não é

moderno".

"não é de se admirar com oque está acontecendo agora

no Brasil".

Page 17: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

São, aliás, dois os fatores que acho muito importantes.Primeiro, a ecologia humana, quer dizer, essa imigração pra-ticamente desordenada e incontrolada na região amazônica.Segundo, a questão de verbas. Realmente, para o controleeficaz da malária, aqui no nosso país, seria necessária verbamuitas vezes maior que a atual. É um problema que exige,naturalmente, ainda algum estudo, mas em comparação comos dois fatores citados, a pesquisa é quase secundária, porquese fosse possível controlar a imigração para a Amazônia deoutra maneira, e se houvesse verba suficiente, tenho a im-pressão que o problema, talvez mesmo sem muitas investiga-ções científicas, poderia ser controlado. Quero só lembrarque, mesmo antes de se saber que a malária era transmitidapor mosquitos, já em várias partes do mundo existia umcerto controle da malária - a relação entre malária e águasparadas, por exemplo, é muito antiga: os romanos já faziamo controle nos arredores de Roma, naturalmente pela seca-gem de pântanos. Paludismo vem de palus, que significaexatamente água estagnada ou pântano.

As relações entre os vetores e as possibilidades de se con-trolar a malária têm na sua história alguns aspectos interes-santes. Em 1898 Ross descobriu que a malária das aves eratransmitida por mosquitos, e, no ano seguinte, Grassi, Bas-tianelli e Bignani verificaram que a malária humana eratransmitida por anofelinos. Ross tinha demonstrado a trans-missão da malária aviária por culicinos, mas foram os italia-nos que mostraram, na verdade, a transmissão da maláriahumana por anofelinos - embora Ross tenha recebido o Prê-mio Nobel pela descoberta. Mas a verdade é que, um anodepois da descoberta da transmissão da malária aviária, pormosquitos, e no ano em que os italianos descobriram atransmissão da malária humana por anofelinos, já Rossestava em Serra Leoa, na África, fazendo as primeiras cam-panhas antimaláricas baseadas no conhecimento do vetor.Essas campanhas eram feitas pela maneira que se podia pen-sar naquela ocasião: eliminando os criadouros das larvas dosmosquitos, eliminação feita por métodos de pequena hidro-grafia, isto é, aterro, drenagem etc. E mesmo naquela épocajá se começou a usar querosene no controle das larvas, por-que se sabia que em lugares onde se depositava querosene,ou óleo, havia a eliminação das larvas dos mosquitos.

O primeiro controle eficiente de malária foi aparente-mente o feito em 1901, na Malásia. Malcolm Watson - uminglês recém-formado - foi para lá e, entusiasmado com asdescobertas do seu patrício Ross, resolveu tentar o controlenos arredores de Kualalumpur, a capital do país. Havia ma-lária perto de uma área florestada, ele desmatou a área e amalária desapareceu, porque o transmissor era um mosqui-to chamado Anopheles umbrosus, que cria na sombra. Elemesmo, alguns anos depois, tentou usar igual processo decontrole numa área, montanhosa, da Malásia; procedeu ao

Page 18: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

. . . acabar com os criadouros,ainda com os criadouros, sempre

com os criadouros de mosquitos".

desmatamento durante um surto de malária e esta aumen-tou muito. Por que? Porque o transmissor era diferente; erao Anopheles maculatus, uma espécie heliófila, que cria emdepósitos ensolarados, ao contrário do umbrosus, que criaem depósitos sombreados. Esse mesmo Watson, ainda naMalásia, conseguiu controlar a malária em áreas litorâneas,por sistemas de diques, impedindo a entrada da água salgadaem terrenos onde a chuva provocava uma concentração decloretos, ótima para o desenvolvimento de um anofelino, oAnopheles sundaicus, que cria em água salobra. Então, esseindivíduo utilizou métodos diferentes para o controle damalária, mas o que na verdade resultou na eliminação damalária nas áreas onde trabalhou foi o serviço de drenagemque instituiu. Drenagem às vezes superficial, mas foi ele quemprimeiro utilizou drenagem subterrânea para o controle demalária, e seu trabalho resultou realmente numa diminuiçãomuito grande do paludismo nas regiões da Malásia ondeatuou.

Outro caso: quando os americanos tomaram as Filipinasdos espanhóis, no fim do século passado, resolveram esta-cionar os soldados nos flancos das montanhas, porque na-quela época a idéia que se tinha era que a malária era umadoença de pântanos; então, em vez de deixar seus soldadosnas planícies pantonosas, os acamparam nos flancos dasmontanhas; ao contrário do que esperavam, ocorreu umgrande surto de malária, porque o transmissor nessa área erao Anopheles minimus, que cria em córregos de montanhas.

Esses fatos, ocorridos logo no príncipio do século, foramacumulando informações segundo as quais foi se verificandoque a malária não era transmitida por anofelinos, mas pordeterminadas espécies de anofelinos, que tinham hábitos di-ferentes e que portanto era muito importante saber qual erao transmissor em cada área, para se poder controlar adoença. Porque existem anofelinos que são heliófilos nassuas fases imaturas, criam em lugares ensolarados, enquantooutros criam em lugares sombreados; mosquitos que criamem água parada, outros em água corrente; mosquitos quecriam em água doce, outros em água salobra. Enfim, os cria-douros são tão variados que, realmente, sem se conhecerquais eram os criadouros preferenciais, naquela época, nãose podia fazer controle de malária. Porque, no início dascampanhas contra a malária, o controle visava as larvas dosmosquitos; era feito só contra as larvas, contra os criadou-ros - drenagens, aterros, retificações de vales, desfloresta-mento, aplicação de óleo eram os métodos que se usavam nocombate à malária, todos ligados exclusivamente à luta anti-larvária.

No princípio do século houve alguns trabalhos de con-trole que foram bastante eficientes. Por exemplo, o contro-le da malária no Canal do Panamá, que foi realizado porGorgas, depois do sucesso que a Comissão Americana obte-

Page 19: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

ve na campanha contra a febre amarela em Cuba, comba-tendo o Aedes egypti. No Panamá essa campanha foi feita jáde uma maneira um pouco diferente, utilizando em grandeparte o quinino como profilático; mas ao mesmo tempotentando acabar ainda com os criadouros. Eram os métodosentão usados e que traziam resultados vantajosos.

Naturalmente que nessa época também se pensava naproteção contra os mosquitos adultos; não se lutava contraeles, mas se procurava deles proteger as pessoas. Por exem-plo, por telagem de casas, como foi feito na construção doCanal do Panamá. Mas o combate ativo era feito pelo anti-larvário, baseado nessas medidas de engenharia sanitária etambém na aplicação de óleo. Por volta de 1922, um ame-ricano, Barber, verificou a importância do verde Paris comolarvicida contra os anofelinos. E, a partir dessa época, come-çou a se utilizar também esse larvicida, que teve uma vidade uns dois decênios, sendo utilizado em muitas campanhas,com bastante sucesso, sob a forma de um pó muito fino queflutua — e como as larvas dos anofelinos se alimentam nasuperfície da água, elas é que são realmente atingidas peloverde Paris.

Pois bem, desde o princípio do século se descobrira que,queimando crisântemo (e depois se verificou ser por causado piretro), se podia matar os mosquitos adultos de deter-minadas áreas, o piretro foi assim o primeiro adulticida em-pregado com eficiência, embora a queima de enxofre, porexemplo, tenha sido utilizada para afugentar anofelinos emalgumas campanhas de controle, como, por exemplo, nascampanhas feitas por Carlos Chagas no princípio do século.Carlos Chagas, aliás, foi quem primeiro imaginou, acho queem 1905, não me lembro bem, a possibilidade de se comba-ter a malária na sua transmissão intradomiciliária, porqueantes disso se achava que, de um modo geral, ela era trans-mitida principalmente fora das casas. Mas, depois dessa veri-ficação sobre o crisântemo, se passou a tentar utilizar adul-ticidas, inseticidas à base de piretro, no interior das casas. Aprimeira aplicação feita com sucesso foi em Freetown, naÁfrica do Sul, por Park Ross. Depois, em 1934 ou 1935, naÍndia, Russell o utilizou com proveito em campanhas contraum anofelino chamado Anapheles culicifacies, que era otransmissor principal na área trabalhada.

Nessa época, surge então em nosso país um problemamuito importante, que vai pôr à prova os métodos de con-trole de malária, métodos esses que terão repercussão inter-nacional: a malária transmitida pelo Anopheles gambiae,no Brasil. Como vocês devem saber, Adolpho Lutz, em1928, esteve no Rio Grande do Norte estudando insetos eemitiu a hipótese da importação de algum mosquito exóge-no, inclusive da África para o Brasil. Era um homem de cul-tura parasitológica muito grande, foi talvez o maior parasi-tólogo que nós tivemos no Brasil, um indivíduo que traba-

Page 20: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

' o gambiae em 1938 causoutalvez a maior epidemia de

malária ¡á ocorrida nocontinente".

lhou em insetos, em vermes, em protozoários; uma contri-buição fantástica, a do Lutz. Pois bem, essa hipótese da im-portação se confirmou dois anos depois, quando um ameri-cano que trabalhava no serviço de febre amarela — RaymondShannon — descobriu, em Natal, um foco com milhares delarvas de Anopheles gambiae no ancoradouro de barcosfranceses que vinham de Dacar para o Brasil. Naturalmente,chamou a atenção (ele trabalhava em febre amarela) do ser-viço dele e também das autoridades brasileiras a respeitodesse aspecto inteiramente inesperado, a existência de ummosquito de um outro continente, de uma outra regiãogeográfica — principalmente sendo um mosquito que era, eé ainda hoje, considerado o principal transmissor de maláriado mundo inteiro.

Pouco depois disso começou um surto de malária em Na-tal, onde em um bairro de 12 mil pessoas houve 10 mil casos,mas o controle foi feito com um certo sucesso, utilizandoos métodos usuais de combate aos criadouros. Depois essemosquito foi se expandindo durante alguns anos, subindopela costa, mas sem provocar grandes surtos epidêmicos, atéque, em 1938, causou, no vale do Jaguaribe, no Ceará, talveza maior epidemia de malária já ocorrida em nosso continen-te. Nessa época foi feito um grande esforço para controlar amalária. Estava-se perto da Segunda Guerra Mundial, e osamericanos ficaram com medo de que esse anofelino atingis-se o Canal do Panamá; resolveram então dar verbas grandespara tentar evitar que isso acontecesse. Com isso, fez-se umacordo de cooperação entre a Fundação Rockefeller e o Go-verno Brasileiro para a fundação de um Serviço de Maláriado Nordeste, destinado apenas ao combate ao Anophelesgambiae; e esse serviço foi realmente muito eficiente, porqueem dois anos erradicou esse anofelino do nosso país.

A erradicação foi feita exclusivamente por medidas queprecederam o DDT, não havia DDT naquela época — entre1938 e 1940; essas medidas foram: primeiro, uma disciplinaférrea no Serviço; depois, a simplicidade dos processos: asmedidas escolhidas eram simples, mas que só foram simplesporque se aprendeu os hábitos do transmissor na área. Foramfeitos estudos que levaram a descobertas importantes: pri-meiro, que esta cepa do Anopheles gambiae introduzida noBrasil era doméstica, 100% doméstica, e muito antropófila.Eu trabalhei durante toda essa campanha e, fazendo-se pes-quisas de laboratório e de campo relativas a esse assunto, ve-rificou-se que não se capturava nunca o Anopheles gambiaefora das casas, mesmo com isca humana; nunca se capturavatambém em nenhum animal - cavalo, burro, boi — só nohomem, e no homem dentro de casa. Essa domesticidade eessa antropofilia eram de tal ordem que na região costeirado Ceará e do Rio Grande do Norte havia áreas onde os mo-radores das regiões praianas dormiam na praia, fora de casa,porque não podiam fazê-lo dentro das casas, onde era possí-

Page 21: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

vel capturar-se 1.500, 2.000, 2.500 gambiae numa só noite.Esse mosquito era, assim, exclusivamente doméstico, fatoque foi muito favorável ao seu controle porque, sendo ex-clusivamente doméstico, a utilização de um inseticida dentrodas casas pôde reduzir em muito a densidade da populaçãodesse transmissor. Outro fato igualmente importante quefoi descoberto na ocasião diz respeito aos criadouros e mos-tra a importância do conhecimento da ecologia do mosqui-to na transmissão de uma doença: verificou-se que o Ano-pheles gambiae não criava em depósitos sombreados, nãocriava em mata, mas exclusivamente em pequenas coleçõesde água limpa e bem ensolorada. Eram os únicos criadourosimportantes. Isso facilitou tremendamente a luta antilarvá-ria, porque foi muito fácil localizar criadouro por criadourode gambiae naquela área do Nordeste onde ele havia se ex-pandido.

O Serviço de Malária do Nordeste chegou a ter quatromil pessoas trabalhando para evitar a expansão desse mos-quito. Nesse trabalho, a área foi dividida de tal maneira quecada guarda era responsável por uma légua quadrada de so-lo; cada seis guardas tinham um guarda-chefe que era res-ponsável por eles; cada seis guardas-chefes tinham um super-visor; esses supervisores eram fiscalizados por médicos. Aárea foi toda bem dividida, de maneira que numa certa épo-ca se conhecia, não vou dizer todos, mas praticamente todosos criadouros do gambiae. Esses criadouros eram tratadoscom verde Paris semanalmente, e as casas eram aspergidaspor dentro com piretro (era o Flit), mensalmente. Aplicaçãode Flit, intradomiciliária, mensal, e de verde Paris, semanal,em todos os criadouros: esses foram os fatores que resulta-ram na eliminação desse mosquito, coisa que ninguém pen-sava que pudesse ocorrer.

O enorme sucesso da campanha antigambiae no Brasilteve repercussão internacional, porque, pela primeira vez, seeliminou de uma região zoogeográfica um transmissor dedoença procedente de outra região zoogeográfica. Agora,para dar uma idéia, para justificar a opinião de que para ocontrole de malária é indispensável que a gente tenha verbassuficientes, o exemplo do Serviço de Malária do Nordestepode ser mencionado: era uma área pequena, com quatromil pessoas trabalhando só para controlar aquele mosquito,cujos hábitos se conheciam bastante bem. Aliás, logo se ve-rificou que ele não ia poder chegar ao Canal do Panamá, jáque não poderia atravessar a região amazônica, por ser ummosquito de áreas ensolaradas. Isso trouxe um certo alívioaos que estavam temerosos de que ele chegasse até o Canaldo Panamá.

Nessa época foi, entretanto, também essencial para ocontrole da malária a tremenda disciplina que havia no Ser-viço. Alguns exemplos: nos laboratórios havia pessoas encar-regadas de examinar lâminas de sangue; grupos de dez, cada

"foi essencial para o controleda malária a tremenda disciplinaque havia no Serviço".

Page 22: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

"em comparação com outrosproblemas, a parte da pesquisa é

quase secundária".

uma com seu microscópio, o chefe do grupo ligava o relógiodespertador às oito horas da manhã, para iniciar o trabalho;durante dez minutos cada um examinava uma lâmina, apósdez minutos o relógio tocava, eles passavam para outra lâ-mina; quando completava 50 minutos, paravam e tinham dezminutos de descanso; às nove horas recomeçavam, dez mi-nutos para cada lâmina, dez minutos de intervalo em cadahora e isso o dia inteiro. Mas não era só isso; outro fato é quenós que controlávamos o laboratório todos os dias tínhamosque pôr lâminas positivas no meio das outras para verificarse os examinadores estavam atentos; e, se ocorria qualquerengano, a pessoa que o cometia perdia o dia de salário. Issoque acontecia com as lâminas de sangue, passava-se tambémcom as larvas e com os adultos dos mosquitos. No exame delarvas, cada equipe compunha-se de duas pessoas: umaauxiliar que montava as larvas nas lâminas, cinco larvas porlâmina, e uma que as examinava e escrevia os resultados -isto é, se havia aparecido um gambiae no meio. Havia umacerta porfia entre o pessoal que examinava os mosquitos eas larvas, porque no fim do dia cada um escrevia num qua-dro-negro o seu nome e o número de exemplares que tinhaidentificado. E cada um procurava identificar o maior nú-mero, para ficar com prestígio dentro do serviço. Mas acon-tece também que em alguns tubinhos com as larvas, e nascaixinhas com adultos nós éramos obrigados a pôr, de vezem quando, um exemplar de gambiae para testar a atençãodos técnicos. E, se o rapaz ou a moça que identificava aque-le material se enganava, perdia também o dia de salário. Nosegundo engano, eram três dias de salário perdido, entãoninguém podia se enganar. Portanto, esse rigor tremendo,algo desumano, foi também um dos fatores do sucesso dacampanha. Hoje seria praticamente impossível conseguir umadisciplina como a do tempo da campanha contra o Anophe-les gambiae.

Só depois dessa campanha apareceu o DDT. A históriado controle de malária depois do DDT já é conhecida portodos. Foi uma revolução extraordinária em relação ao con-trole de doenças transmitidas por insetos e que deu uma es-perança, aliás exagerada, quanto a esse controle - a pontode se ter pensado que a profissão de entomologista-médicoia desaparecer. Ninguém tinha pensado no aparecimento daresistência dos insetos aos inseticidas, que fez com que sur-gissem uma porção de problemas ligados ao controle da ma-lária. A gente sabe que no início essas campanhas foram ex-tremamente eficientes. Na Índia, em dez anos, a partir de1951, a malária reduziu-se mais de mil vezes: em 1951 haviade 75 a 100 milhões de casos de malária anuais, e em 1961eram 50 mil. Mas, a partir de 1961, a tendência muda: em65 já havia subido um pouquinho, até que em 1977 a malá-ria tinha passado de 50 mil casos para 50 milhões.

Portanto, não é de admirar o que está acontecendo agora

Page 23: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

no Brasil, porque na Índia esse aparente fracasso (que depoisfoi contornado) deveu-se a fatores semelhantes: surtos demigração desordenada, aquela extrema confiança na simpli-cidade dos métodos de controle, o relaxamento da fiscaliza-ção, porque o pessoal treinado já foi ficando mais velho,mais cansado, menos entusiasmado. No Ceilão e em outrospaíses também houve a mesma coisa, esses grandes insuces-sos transitórios. Em muitos lugares isso se deveu à resistên-cia dos transmissores aos inseticidas. Essa resistência entãotem que ser contornada. Como? Procurando outros métodosalternativos: a volta a métodos que eram usados antes dosmodernos inseticidas. Quando eu tinha muito contato como pessoal que fazia o controle de malária no Brasil, minhaimpressão era de que se tinha medo de usar métodos quenão fossem esses recomendados pela OMS — que são apenasa aplicação de DDT nas casas e o uso sistemático de drogas.Bom, esse é um método geral, que pode dar resultados naenorme maioria dos casos, mas, como existem situaçõesmuito específicas em cada área, não se pode ser muito rígi-do em relação a isso. Acontece que muitos dos administra-dores das campanhas antimaláricas têm uma impressão fal-sa de que só os lá de fora sabem das coisas, e podem, por is-so, ditar regras para o nosso trabalho; o pessoal local fica as-sim com um pouco de medo de utilizar métodos que pareçamantiquados. Em muitos lugares se poderia controlar a malá-ria utilizando métodos que foram empregados com sucessono princípio do século, mas em geral se tem medo de pare-cer atrasado e então se quer usar sempre os métodos maismodernos. Mas nem sempre o que é moderno realmentesubstitui o que não é moderno.

Então, como disse o Pedro Tauil, a Sucam está interessa-da em tentar uma porção de alternativas nas atuais campa-nhas de controle de malária, coisa que é muito justa e quetem que ser feita sem o menor preconceito, sem nenhum,medo de se parecer antiquado. Onde for prático fazer aterro,onde for prático fazer drenagem, é isso o que tem que serfeito. No passado, tivemos alguns exemplos disso em nossopróprio país. Na década de 20 e 30 se controlou a maláriana Baixada Fluminense, que era tremendamente malaríge-na, e esse controle foi feito com bastante eficiência só comserviços de engenharia sanitária: drenagem, retificação devalas, aterros. Quando se fez a represa do Ribeirão das Lajes,por exemplo, se imaginava que haveria grandes surtos demalária nas redondezas, porque o Anopheles darlingi estavalá por perto e as grandes represas são tradicionalmente fo-cos importantes desse mosquito, que é importante transmis-sor do paludismo. Não ocorreram os surtos previstos. Porque? Porque o encarregado da parte médica do sistema daLight, que construiu a represa, era um indivíduo que resol-veu estudar os criadouros do mosquito; verificou que o dar-lingi não cria em lugares limpos, nas margens de represas li-

"É importante ter gente bempaga, que não queira perder oemprego".

Page 24: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

vres de vegetação. Então o trabalho dele era limpar as mar-gens do Ribeirão das Lajes, limpeza que foi feita permanen-temente. Não houve epidemia de malária em função dessarepresa. São exemplos que monstram que a gente pode con-trolar a malária, desde que haja dinheiro suficiente, porquerealmente esse é um fator indispensável. No caso do Ribeirãodas Lajes havia suficiente dinheiro, a Light estava altamenteinteressada em dar todos os recursos econômicos necessáriospara evitar a malária ao redor da represa, e isso foi consegui-do só com a limpeza das margens da mesma. O fato é quenão se deve ter preconceito em relação a medidas de contro-le da malária, há que utilizar os métodos que tenham dadoresultado, mesmo que isso tenha sido há 50, 80 anos atrás.

Com o advento do DDT, naturalmente, o combate à ma-lária foi muito simplificado e mesmo na Amazônia houvecampanhas bem sucedidas, numa época em que não havia osatuais problemas de imigração maciça e incontrolada equando as verbas eram adequadas.

Lá no Pará, por exemplo, na segunda metade da décadade 1940, a Divisão de Malária do SESP efetuou uma campa-nha bastante eficiente. Na verdade, foi na cidade de Breves,no Pará, em 1945, que o DDT foi pela primeira vez aplicadosistematicamente no controle de malária na Amazônia. Fa-ziam-se então quatro aplicações anuais de DDT nas casas, erealmente se acabou com a malária na cidade de Breves. Lo-go depois se passou a fazer o controle nas cidades de Beléme Manaus, e depois em Macapá, Oiapoque e Mazagão, no en-tão território do Amapá, e mais tarde em muitas cidades doPará, Amazonas e Acre, onde se baixou extraordinariamentea incidência de malária. O controle foi possível porque ha-via suficiente dinheiro para aplicar regularmente inseticida,e um batalhão grande de guardas bem pagos — como tambémhaviam sido, aliás, os guardas do Serviço de Malária do Nor-deste, da campanha antigambiae, que ganhavam mais doque o prefeito de Aracati, por exemplo. É importante tergente bem paga, que não queira perder o emprego.

Portanto, para o controle da malária na Amazônia, em-bora sejam desejáveis estudos visando a conhecer melhor osatuais hábitos dos principais vetores após as profundas al-terações ambientais criadas recentemente pelo homem, ouprocurar novos transmissores, os dois fatores que hoje meparecem merecer mais ênfase são uma racionalização da imi-gração e verbas adequadas. Isso enquanto não se dispuser datão ansiosamente esperada vacina.

"O mais importante, para avaliaras dificuldades do programa, é

observar as coberturas que vêmsendo obtidas".

PAULO SABROZA:

O número de casos registrados de malária no Brasil vemmostrando uma tendência de crescimento exponencial noperíodo de 1974 a 1983, com taxa média anual de 17%. Es-

Page 25: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

te aumento explosivo, como foi apresentado, ocorreu porconta da incidência na região amazônica, que representou97% dos casos do país nos últimos três anos. Os restantes,em sua maior parte, são casos importados desta região ousecundários à introdução de indivíduos infectados proce-dentes da Amazônia para áreas receptivas onde a transmis-são já fora interrompida.

A expansão da endemia na Amazônia e o risco de rein-trodução de malária nas regiões onde ela já foi erradicadasão dois problemas que têm causado crescente preocupação.A falência do programa na Amazônia, quando avaliado emrelação à sua efetividade ou às metas a que se propôs, con-trasta com o êxito no restante do país, onde — ao se realiza-rem as previsões de eliminação dos últimos focos no litoralsul e região Centro-Oeste - terá sido conseguida a erradica-ção da malária em uma das maiores áreas contínuas inter-tropicais.

A estratégia clássica utilizada para a erradicação nas re-giões Nordeste, Sudeste e Sul, que se mostrou tão eficaz, sebaseou, fundamentalmente, na diminuição, até o esgotamen-to total, das fontes de infecção nas populações humanas enos vetores, sem alterar a densidade destes e mantendo a re-ceptividade das áreas. Com isso, há o risco de grandes epi-demias - pois a maior parte da população não possui maisimunidade - se o parasita for reintroduzido e medidas ime-diatas de controle focal não se realizarem.

Desta forma, a interrupção da transmissão — obtida atra-vés de grandes recursos financeiros e esforço humano — cor-re risco de vir a perder-se quando, ao ocorrer a ocupação dafronteira agrícola da Amazônia, grandes contingentes popu-lacionais, desiludidos e infectados, retomarem aos seus lo-cais de origem ou se dirigirem a outros pólos de atração demão-de-obra. Já agora a vigilância epidemiológica não temconseguido impedir que a cada ano novos focos de maláriavoltem a ocorrer em áreas onde a borrifação com D.D.T. jáfoi suspensa, obrigando a esforços urgentes para interrom-per novamente a transmissão. Em 1983, 22 destes focosforam detectados.

A concentração de atenção e recursos na Amazônia, ab-solutamente justificável, pode resultar na dificuldade demanter o trabalho com a qualidade necessária nas áreasonde a erradicação já foi obtida, prejudicando o resultadode muitos anos de atividades. As perplexidades que o cresci-mento da endemia malárica na Amazônia tem trazido àque-les que atuam no programa decorrem principalmente das di-ficuldades em prever a "evolução do problema e da ausênciade novas estratégias de intervenção que sejam alternativaspara as realidades onde falharam os métodos tradicionais.Quanto às causas da tendência crescente da endemia, desdea metade da década passada já estava bem estabelecida a

"Há o risco de grandesepidemias, fora da Amazônia,pois a maior parte da populaçãonão possui mais imunidade".

Page 26: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

associação entre o modo de ocupação da Amazônia na atualconjuntura e o aumento da transmissão da malária.

Freqüentemente a baixa efetividade do programa tem si-do atribuída ora a problemas culturais e biológicos, como aexistência de casas desprotegidas e sem paredes onde se co-locar o inseticida residual e à resistência do Plasmodium fa l -ciparum às quatro-aminoquinoloxinas, ora à migração. Nãose pode "deixar de valorizar estas questões, mas é precisoconsiderar que a resistência biológica dos vetores ao D.D.T.,que realmente inviabilizaria o programa atualmente propos-to, nunca foi observada no Brasil. Dificuldades de acessoaos domicílios e inexistência de paredes complicam as ope-rações de campo, podendo, em certas circunstâncias locali-zadas, inviabilizar as práticas tradicionais, obrigando à uti-lização de estratégias alternativas.

Mais importante para se avaliar as dificuldades do progra-ma como um todo é observar as coberturas que vêm sendoobtidas e que seriam insuficientes para o controle destesproblemas. Segundo os dados da SUCAM, em 1983 foramrealizadas 14.647 borrifações domiciliares no Amazonas,divididas em dois ciclos, mas que correspondem apenas acoberturas de 77,9% e 56,5% em cada ciclo, em relação àmeta programada. As coberturas em Rondônia, de 56,2%e 50,7%, mostram que nesta área de grande fluxo migrató-rio a metade da população em risco ficou sem a proteçãodo inseticida no período de maior transmissão.

Em decorrência do grande número de indivíduos infec-tantes, portadores de gametócitos, e da taxa básica de re-produção da malária (uma das mais altas entre as doençastransmissíveis), a cobertura inadequada (e, principalmente,a falta de regularidade nas aplicações do inseticida) e a la-tência entre o início da doença e o tratamento são suficien-tes para explicar a permanência da transmissão e seu caráterexplosivo, à medida que migrantes sem experiência imuno-lógica e cultural com a malária aumentam a cada ano o con-tingente de suscetíveis.

Em relação à persistência de taxas elevadas de transmis-são, a mobilidade populacional resultante do modelo dedesenvolvimento econômico adotado na Amazônia é maisimportante que a migração propriamente dita - a de indiví-duos de áreas não endêmicas. As dificuldades de acesso aotrabalho e à terra, nunca concretizado de forma permanen-te, já que os pólos de desenvolvimento exigem apenas tran-sitoriamente grandes contingentes de trabalhadores disponí-veis, obrigam os indivíduos a se deslocar continuamente, im-pedindo sua fixação e, em conseqüência, investimentos namelhoria da habitação e no saneamento do meio.

Os fatores que impedem sua fixação são, portanto, res-ponsáveis pelo processo gerador da malária, pelas dificulda-des enfrentadas pela Sucam em utilizar com efetividade as

Page 27: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

medidas tradicionais e pela reintrodução da malária onde asua transmissão já havia sido interrompida.

A persistência da transmissão em taxas elevadas leva àdiminuição de idade onde ocorre a primeira infecção, entreaqueles nascidos na área. As crianças de menos de dois anose os migrantes recém-chegados, com menos de dois anos depermanência nas áreas endêmicas, são grupos especialmentesujeitos a risco de morrer por malária, já que a primo-infec-ção por Plasmodium falciparum tem grande letalidade, quan-do o doente não é tratado oportuna e adequadamente. NaAmazônia esta espécie é responsável por aproximadamentemetade dos casos de doença registrados e, com freqüência,mostra algum grau de resistência aos medicamentos dispo-níveis.

Não se dispõe de nenhum dado confiável sobre mortali-dade por malária na Amazônia, nem sobre a contribuiçãorelativa da doença na mortalidade infantil ou na incapaci-dade do homem para o trabalho. Entretanto, mesmo comos dados de mortalidade atuais - muito subestimados pornão incluírem áreas rurais onde a endemia prevalece e espe-cialmente deficientes em relação à mortalidade em criançasde menos de cinco anos — vemos que em Rondônia, nosanos de 1979 e 1980, a malária foi a segunda causa mais fre-qüente de morte, precedida apenas pelas infecções intestinaismal definidas; foram registradas 347 mortes, corresponden-tes a 5,7% do total de óbitos.

Os dados disponíveis para estimar a magnitude do pro-blema são aqueles que se considerava suficientes quando oobjetivo era a erradicação da malária a curto prazo: o núme-ro de casos e os indicadores calculados a partir destes dadose da produtividade dos serviços eram suficientes para avaliara evolução do programa, em termos de metas atingidas.

Sucede que recentemente se reconheceu a inviabilidadede erradicar a malária da Amazônia nas circunstâncias atuais;passou-se a trabalhar dentro de uma perspectiva de um pro-grama de controle. Ora, programas de controle visam priori-tariamente evitar a mortalidade, diminuir a morbidade e emseguida a transmissão. Por sua vez, a diminuição de mortali-dade e de morbidade exige tratamento eficaz, oportuno, defácil acesso e gratuito, que não pode ser oferecido por umprograma vertical sem a participação da rede básica de servi-ços de saúde, que ainda tem baixa cobertura e operaciona-lidade na maior parte das áreas endêmicas.

Programas de controle exigem ainda aplicações diversifi-cadas de medidas adequadas às diversas situações. Isto pres-supõe pessoal especializado, com formação em epidemiolo-gia e entomologia, com capacidade técnica adequada, e des-centralização administrativa, de modo que possam ser toma-das decisões a nível regional e local relacionadas com priori-dades e definição de estratégias.

"A primo-infecção porPlasmodium falciparum temgrande letalidade".

Page 28: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

"Não há atualmente recursoshumanos suficientes, nemcondições de recrutá-los e

retê-los, com os salários quesão oferecidos".

Décadas de aplicação rotineira de uma mesma metodolo-gia buscando a erradicação e de uma política progressiva deaviltamento salarial do pessoal que trabalha em saúde e edu-cação no setor público resultaram em que se pode afirmarnão haver atualmente recursos humanos suficientes compreparação adequada; há menos ainda condições de recrutá-los e retê-los com os salários que são oferecidos, para traba-lhar nas áreas endêmicas.

Coloca-se freqüentemente a esperança do controle damalária nos resultados de duas linhas de pesquisas: novasdrogas antimaláricas - como a mefloquina - e a vacina.

As duas trariam contribuições importantes, mas limita-das: às novas drogas o Plasmodium falciparum tem respon-dido com o rápido desenvolvimento de resistência, e de nadaadianta para as populações periféricas a disponibilidade denovos medicamentos se a estes os doentes não tiverem aces-so quando necessitarem.

As vacinas, ao que sabemos hoje, deverão oferecer umaproteção limitada no tempo, sendo muito útil para a prote-ção de grupos de exposição transitória, como militares ouoperários especializados de grandes obras, mas não pareceviável a obtenção de altas coberturas na população geral,através de vacinações repetidas.

A reversão da atual tendência explosiva da malária naAmazônia e do risco de reinfestação de novas áreas estámais na dependência da fixação do homem à terra, de seuacesso a serviços de saúde eficazes e que disponham de me-dicamentos adequados, da garantia de recursos humanos emateriais suficientes para a borrifação periódica dos domi-cílios com a cobertura necessária das áreas prioritárias, e daparticipação das comunidades organizadas nas decisões rela-tivas às suas questões de saúde.

CLÁUDIO RIBEIRO:

Perspectivas em Imunologiada Malária.

A resposta imune inespecífica -a "tempestade imunológica"

Quando estudamos a imunologia da malária, encontra-mos um fator comum a toda imunologia parasitária: umaenorme complexidade antigênica a nível do parasita, o queacarreta, por parte do hospedeiro, uma resposta imune quepoderia ser classificada em 3 tipos — resposta inespecífica,resposta específica não protetora e resposta específica pro-tetora. Evidentemente é a terceira resposta que nós busca-mos nos estudos que visam a obtenção de uma vacina.

Os médicos clínicos envolvidos no tratamento de pacien-tes com malária estão habituados a receber proteinogramasmostrando elevações importantes da fração gamaglobulinano soro desses pacientes. Esse aumento deve-se a uma hiper-produção de IgG e de IgM, e hoje sabe-se que somente umapercentagem reduzida destas imunoglobulinas (Ig) é especí-

Page 29: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

fica de antígenos (Ag) parasitários. A maior parte parecenão estar relacionada com a estrutura antigênica do parasitae pode conter anticorpos (Ac) dirigidos contra Ag de outrasespécies (heteroanticorpos — como, por exemplo, hemáciasde carneiro) ou do próprio indivíduo auto-anticorpos - co-mo, por exemplo, Ags nucleares ou Ags da própria Ig. Aaparição destes Acs parece estar relacionada com a presençade substâncias parasitárias dotadas de propriedades de ativa-ção policlonal de linfócitos-B (APB), ou seja, substânciasmitogênicas capazes de induzir simultaneamente e de ma-neira inespecífica a proliferação e a ativação de vários clo-nes de linfócitos-B levando-os à síntese de Acs de diferentesespecificidades.

Além disso, a APB parece estar envolvida não só na hiper-gamaglobulinemia e na produção de Ac heterófilos, mastambém na produção de alguns auto-Ac que poderiam terum papel patogênico, como, por exemplo, os auto-Ac anti-eritrocitários e anti-linfocitários que podem estar envolvidosrespectivamente na anemia e na imunossupressão que acom-panham a doença. A APB pode também levar de maneira di-reta, por mecanismos ainda não bem esclarecidos, à imunos-supressão. Assim, podemos pensar que a identificação destassubstâncias mitogênicas poderia permitir o desenvolvimentode processos de imunização que impediriam o desenvolvi-mento desses fenômenos imunopatológicos auto-agressivos(como a auto-imunidade anti-eritrocitária e a anemia) e mes-mo prejudiciais ao controle da doença (como a imunossu-pressão), quando estivermos, no futuro, vacinando indiví-duos contra a malária.

Cabe talvez citar aqui também a enorme potencialidadeque representa o desenvolvimento de processos de imuniza-ção levando à formação de anticorpos anti-idiotipo para ocontrole de respostas imunes nefastas ao organismo. Os Acsanti-idiotipo reconhecem especificamente determinantes an-tigênicos da imunoglobulina, expressos, na grande maioriadas vezes, no sítio de ligação do Ac com o Ag correspon-dente. Eles reagem, portanto, somente com os Acs específi-cos desse Ag e podem, quando injetados em um indivíduo,aumentar ou suprimir a produção deste Ac. Esse exemplode modulação específica da resposta imune talvez tivesseemprego — no caso da malária e em determinadas condi-ções — no controle das respostas auto-imunes anti-eritroci-tária e antilinfocitária.

Entretanto, estudar a imunopatologia da malária temtambém interesse a nível de pesquisa fundamental. Assim,a existência destes mitógenos plasmodiais, assim como a dosfenômenos de APB e de auto-imunidade em indivíduos infec-tados, ilustram o interesse da malária como modelo de estu-do de doenças onde esses fenômenos se associam a um ver-dadeiro estado auto-imune, sem que seja possível determinarde maneira inequívoca a participação e a relevância de cada

Page 30: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

mecanismo imunopatológico envolvido. De fato, nessasdoenças ditas auto-imunes, além de prováveis fatores ambien-tais, um determinismo genético importante parece estarimplicado no seu desenvolvimento.

Essa situação contrasta, evidentemente, com aquela ob-servada em indivíduos sem nenhuma predisposição genéticapara o desenvolvimento dessas doenças e que têm repentina-mente o seu sistema imune exposto a agentes patógenos(como o Plasmodium) dotados de propriedades de ativaçãopoliclonal de linfócitos-B. Nesses indivíduos os fatores cau-sais exógenos, não sendo associados a componentes endóge-nos (genéticos), podem ter a sua relevância no processo deativação de células-B estudadas de maneira mais rigorosa.

Eu gostaria de dizer algumas palavras sobre essa respostaimune que, embora não seja suficiente para proteger o orga-nismo, pode ser detectada por técnicas imunológicas clássi-cas e permitir a triagem de indivíduos expostos à infecção.Por exemplo, a detecção de Acs séricos ditos marcadores(ou "testemunhas") por técnicas soro-imunológicas simples,como a imunofluorescência indireta, permite a identificaçãode casos de malária que dificilmente seriam detectados porexame parasitológico direto como a gota espessa e o esfrega-ço. A sorologia encontra sua aplicação maior em áreas endê-micas, onde indivíduos parcialmente imunes apresentamraramente parásitos detectáveis por exame direto, ou nadetecção de casos de infecção por Plasmodium a recrudes-cencia como o P. vivax, já que o indivíduo totalmente assin-tomático pode ser portador do parasita. A importância dadetecção e do tratamento precoce destes casos foi muitobem ilustrada pelo exemplo dado pelo Dr. Tauil, da erradi-cação da malária em uma área de Santa Catarina, após trata-mento de todos os indivíduos com sorologia positiva, o quejustificou o "pecado por excesso" ao qual ele se referiu.

Além disso, devemos ter em mente a possibilidade decriação de microfocos de transmissão em áreas não endêmi-cas, e sobretudo a enorme ameaça que esses indivíduos re-presentam em termos de malária pós-transfusional. Em paí-ses industrializados, onde a imigração de africanos é grande,esse é um problema como o qual as autoridades sanitáriasestão constantemente preocupadas. Um exemplo disso é atentativa de padronização de técnicas e produção de kitspara o diagnóstico da malária pela equipe do Professor Char-les Salmon, no Centro Nacional de Transfusão Sangüínea,na França.

Uma limitação da soro-imunologia clássica é que é neces-sário algum tempo para haver uma resposta por parte dohospedeiro contra o parasito, para que esses Acs testemu-nhas sejam encontrados no soro. Mas uma variante das téc-nicas usuais procura evidenciar antígenos solúveis que seriamdetectados com auxílio de Acs específicos do Plasmodium.Resultados recentes obtidos pela equipe da Dra. Ruth Nus-

A resposta imune específica nãoprotetora - "o desperdício"

Page 31: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

senzweig sugerem que em um futuro próximo se poderádetectar, por técnicas imunoradiométricas e com auxíliode Ac monoclonais, estágio e espécie (mas não cepa) especí-ficos, a infecção com parasitemia não detectável por examedireto no sangue periférico.

Um outro passo importante na soro-imunologia foi dadopela mesma equipe que, durante pesquisas que visavam acaracterização de antígenos do estágio esporozoíto do Plas-modium com propriedades vacinantes, identificou e sinteti-zou recentemente um peptídeo envolvido no processo deadesão do esporozoíto ao hepatócito. Esse peptídeo sintéti-co é reconhecido por Ac monoclonais que protegem passi-vamente animais de laboratório e inibem a infectividade deesporozoítos in vitro. Portanto pode-se prever que a utiliza-ção de ensaios imuno-enzimáticos ou imunoradiométricossensíveis, empregando o peptídeo sintético para a pesquisados Acs correspondentes no soro, permitirá a avaliação dostatus imune de um indivíduo através de um teste imunoló-gico, recurso com o qual não contamos até o presente mo-mento, como já foi dito anteriormente.

A vantagem que representará o emprego da imunoprofi-laxia para controle da malária já foi citada aqui; entretanto,quando falamos em vacina contra malária, a primeira per-gunta que se faz é: será possível elaborar uma vacina eficazcontra uma doença que, em condições naturais, não induzuma imunidade protetora completa e duradoura?

Nós sabemos de fato, já há algum tempo, que os indiví-duos nativos de áreas endêmicas desenvolvem progressiva-mente um grau de imunidade parcial (dita premunição) e,uma vez ultrapassada a idade crítica de 5-6 anos, estão pro-tegidos contra formas graves e letais da malária. Essa imuni-dade de aquisição lenta e progressiva é incompleta e bastantelábil. Assim, um indivíduo adulto que tenha vivido durantetoda a sua vida em uma área endêmica, exposto crónicamen-te ao risco da infecção, pode, ao se deslocar para uma regiãonão endêmica por um período superior a um ano, perder oseu estado de "pré-imunidade", contrair a doença e vir a fa-lecer.

As razões desta imunidade parcial e lábil são várias e fo-gem ao assunto da minha intervenção, mas vale lembrar acomplexidade antigênica do parasito e a variabilidade dasrespostas imunes induzidas por esses múltiplos antígenos.Algumas dessas respostas são positivas para o hospedeiro eoutras negativas, ou seja, protegem o parasito.

Assim, talvez possamos prever que com a caracterizaçãoe o isolamento de um ou mais antígenos que induzam umaresposta imune positiva e eficaz (nefasta para o parasito)obtenhamos mais facilmente resultados positivos do que aprópria natureza, que trabalha com o "pool" de vários antí-genos que representa o parasito. Desta forma, a resposta àpergunta que formulamos anteriormente talvez seja sim.

A resposta imune específicaprotetora - "o tiro certeiro"

Page 32: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Evidentemente, os antígenos mais interessantes em ter-mos de vacina são aqueles presentes nos estágios de desen-volvimento do parasito que são mais expostos ao sistemaimune, ou seja, as formas "invasivas" do parasito: o esporo-zoíto, que é a forma infectante inoculada pelo mosquito eque vai parasitar o hepatócito; o merozoíto, forma infectan-te liberada pelos esquizontes hepáticos e eritroeitários quevai parasitar as hemácias; e os gametócitos, que correspon-dem aos estágios sexuados infectantes para o mosquito.

Alguns grupos, como o do Dr. Hildebrando Pereira da Sil-va, do Instituto Pasteur, de Paris, e o do Dr. Luc Perrin, emGenebra, estão trabalhando com as formas intra-eritrocitárias(merozoítos) e têm alguns resultados bastante interessantese promissores. Outros estão empenhados em produzir umavacina contra as formas sexuadas que, na verdade, seria umavacina que protege o mosquito, mas isso não tem a menorimportância, pois, se interrompermos o ciclo sexuado nomosquito, estaremos interrompendo também a transmissãoda doença. Mas o estágio esporozoíto é aquele que tem sidoalvo de estudos mais aprofundados pela equipe do NewYork University Medical Center, chefiada pelos ProfessoresRuth e Vitor Nussenzweig, que identificaram, com a ajudade Ac monoclonais, caracterizando e sintetizando (para al-gumas espécies plasmodiais) antígenos da superfície do es-porozoíto de 5 espécies plasmodiais diferentes. Esses Agsapresentam comunidades estruturais antigênicas e funcio-nais e estão envolvidos na resposta específica protetora.

Durante algum tempo acreditou-se que os esporozoítosnão eram capazes de induzir uma resposta imune eficaz,uma vez que a sua passagem na circulação ocorria por umperíodo de tempo muito curto (30 minutos). O interesse naimunidade anti-esporozoítica surgiu quando se observouque era possível vacinar, no caso da malária aviária, com es-porozoítos atenuados por luz UV ou formol, o que se con-firmou na malária de roedores usando-se esporozoítos irra-diados. Vandenberg mostrou que 2 a 3 inóculos eram capa-zes de proteger por dois meses 90% dos camundongos da in-fecção por P. berghei, normalmente letal. Vandenberg de-monstrou também que, para proteção, era necessário que osesporozoítos fossem obtidos na glândula salivar no 17o diade desenvolvimento. Os Ags envolvidos na proteção estavamausentes do oocisto jovem, mas presentes nos oocistos ma-duros e nos esquizontes hepáticos, nas 30 primeiras horasde desenvolvimento. Um fato curioso: o uso de adjuvantesnão era necessário e, pelo contrário, não melhorava ou atédiminuía a imunogenicidade, o que também acontecia seesporozoítos mortos eram utilizados, o que sugeria a neces-sidade de que o esporozoíto entrasse no hepatócito. Isso foiconfimiado pelos trabalhos de Spitalny, em 1970, mostran-do que esporozoítos irradiados causam realmente um granu-loma hepático.

Page 33: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

O soro dos animais hiperimunes inibia a infectividade doesporozoíto e causava um depósito de material na parte pos-terior do parasito (reação dita "circum sporozoite precipi-tation" - CSP), quando incubado com este estágio do Plas-modium.

Em 1974, 1975, foram feitas nos Estados Unidos algu-mas experiências no homem, talvez um pouco precoces, deexposição de voluntários a mosquitos irradiados infectadospor P. vivax ou P. falciparum; três dos cinco indivíduos sub-metidos a esse processo de imunização apresentaram prote-ção ao desafio, que durou de três a seis meses. Mais tardeobservou-se que os anticorpos anti-esporozoítos estavam pre-sentes em 90% dos indivíduos em áreas endêmicas, emboranão exista uma correlação invariável entre presença destesAcs e proteção na malária experimental do roedor.

Entretanto, os estudos realizados com esporozoítos irra-diados obtidos a partir de dissecção individual de mosquitoslevantavam o problema técnico de obtenção de material degrande quantidade para produção de vacinas. Eles foram po-rém extremamente úteis, na medida em que estimularam oscientistas a desenvolverem programas de pesquisa envolvi-dos na identificação, caracterização e purificação de Ags demembrana protetores, para sua posterior obtenção por sín-tese química ou engenharia genética.

Um primeiro trabalho nesse sentido foi publicado narevista Science, em 1981, por Nobuka Yoshida, uma brasi-leira que trabalhava na época com a Dra. Ruth Nussenzweig,em Nova York. Foi o primeiro de uma série de trabalhosque tiveram como conseqüência a identificação de uma "fa-mília" de proteínas (ditas "proteínas CSP") da membranado esporozoíto, que tem praticamente as mesmas proprie-dades, e que colocaram a equipe dos Drs. Ruth e Vitor Nus-senzweig na lista dos fortes candidatos à descoberta de umavacina contra a malária humana.

Vejamos como isso aconteceu:Imunizando camundongos com esporozoítos irradiados,

Nobuka Yoshida obteve células esplênicas que, fusionadascom uma linhagem de plasmocitomas, deram origem a umhibridoma secretante de um Ac monoclonal (AcMo) quereagia com Ags de superfície do esporozoíto de P. berghei,dando a reação de CSP. Esses Acs, quando incubados in vi-tro com os esporozoítos, aboliam a sua infectividade e, maisainda, eram capazes de impedir a infecção, quando passiva-mente transferidos em doses de 50 a 300 ug a animais nãoimunes. Esses dados sugeriam que as experiências realizadasanteriormente, demonstrando a incapacidade de soro imunede proteger passivamente animais não imunes, poderiam serexplicadas pela insuficiência de Acs de alta afinidade nestessoros. Estudos bioquímicos mostraram, posteriormente,que esses Acs reconheciam uma banda única de precipitaçãoem eletroforese de gel de poliacrilamida que se comportava

A vacina anti-esporozoíto -"eliminando o mal pela raiz "

Page 34: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

como peptídeo de peso molecular 44.000. Esse antígeno foi,por isso, chamado de Pb-44 (Pb de Plasmodium berghei) e éo primeiro da família de proteínas CSP. Ele está presenteem toda superfície de esporozoítos obtidos a partir das glân-dulas salivares de mosquito; em "placas", nos esporozoítosde oocistos maduros; igualmente presentes em formas hepá-ticas jovens e ausentes destas formas, após 30 horas de de-senvolvimento.

O Ag era espécie e estágio específico, ou seja, o AcMocorrespondente não reagiu nem com esporozoítos de outrasespécies plasmodiais, nem com outros estágios de desenvol-vimento do P. berghei.

Na prática, embora outros Ags do interior do esporozoí-to possam apresentar reações cruzadas com formas eritroci-tárias, os Ags da membrana do esporozoíto não induzemproteção cruzada contra formas eritrocitárias; uma exceçãoa esta regra corresponde a um trabalho recentemente publi-cado na revista Nature, mostrando que um de vários AcMoanti-esporozoítos testados reagia com formas eritrocitárias.

Enfim, o Pb-44 é um componente maior da superfície doesporozoíto e Ags dessa família de proteínas CSP já foramidentificados em 5 espécies plasmodiais. Em todos os casosexistem enormes comunidades estruturais antigênicas e fun-cionais. O fragmento Fab monovalente desses AcsMo tam-bém inibe a adesão e a penetração de esporozoítos em hepa-tócitos in vitro, indicando que o epitopo reconhecido poresses Acs coincide ou está intimamente relacionado com asáreas da molécula de proteína CSP envolvida na interaçãodo parasita com a célula do hospedeiro.

Esses dados indicam que as proteínas CSP são muitoimunogênicas, e mostrou-se, por ensaios de competição, queum único epitopo da molécula parece concentrar a maiorparte da sua atividade imunogênica; este epitopo, reconheci-do por todos os AcMo específicos da proteína CSP, está en-volvido na adesão e penetração de esporozoíto no hepató-cito. Para se ter uma idéia de até que ponto esse epitococoncentra a imunogenicidade do esporozoíto, basta dizerque a pré-incubação do esporozoíto com um AcMo dirigidocontra este epitopo inibe 70% a 90% da fixação de Ac poli-clonais de um soro hiperimune na superfície do esporozoíto!!

A próxima surpresa veio com a constatação da expressãopolivalente desse epitopo na molécula; pode-se de fato mos-trar por imunoradiometria que monômeros de proteína CSPligam simultaneamente duas ou mais moléculas do mesmoAcMo. A seqüência de nucleotídeos revelou na proteínaCSP de P. Knowlesi a existência de 12 repetições de 12 ami-noácidos e a síntese da seqüência de 12 aa revelou que elaera capaz de inibir a reação do AcMo com a proteína CSP.O mesmo fenômeno foi observado com a proteína CSP doP. falciparum, onde o seqüenciamento de nucleotídeos reve-lou aproximadamente 30 repetições de 4 aa, dos quais só 3eram diferentes.

Page 35: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Essa multiplicidade de expressão de um epitopo na mo-lécula cobrindo a superfície do esporozoíto seria responsá-vel pela sua grande imunogenicidade. De fato, todos osAcMo produzidos no N.Y.U.M.C. até o presente momentosão dirigidos contra este epitopo único. Além disso, essesAcMo que reagem com o epitopo repetitivo neutralizam ainfectividade do esporozoíto in vitro.

Um fato interessante, e que reflete a alta especificidadedesse epitopo para o estágio esporozoíto da espécie Plasmo-dium, é que essa seqüência de nucleotídeos parece ser ex-tremamente infreqüente, não tendo sido observada nenhu-ma homologia com outros peptídeos já catalogados.

A expressão múltipla desse epitopo na proteína CSP le-vanta o problema da conservação de uma estrutura repetiti-va dentro de uma proteína. Três hipóteses poderiam serconsideradas. A primeira admite que essa repetição seria ne-cessária para manutenção da estrutura da proteína. A segun-da postula que essa seqüência teria que ser mantida e repe-tida, de maneira a assegurar o desempenho de uma funçãovital, como, por exemplo, na interação inicial com um re-reptor no hepatócito do hospedeiro. A terceira hipótese le-vantada pelo Prof. Vitor Nussenzweig é que a expressão re-petitiva desse epitopo na proteína CSP e na membrana doesporozoíto serviria para aumentar a imunogenicidadedeste. Embora aparentemente paradoxal, essa hipótese ébastante tentadora, porque, de fato, uma vez dentro do hos-pedeiro, o esporozoíto entraria rapidamente no hepatócitoe, no final de algumas horas, deixaria de expressar esses an-tígenos, escapando da eficiente resposta imune que ele mes-mo teria suscitado e que destruiria novos esporozoítos quetentassem penetrar no organismo depois dele. Desta formao hospedeiro estaria protegido de uma infecção muito gran-de que acarretaria a sua morte e conseqüentemente a do pa-rasito.

Esses resultados bastante promissores em termos de imu-noprofilaxia indicam que a vacina anti-esporozoítos serámuito provavelmente uma realidade, em um futuro nãomuito distante; entretanto, alguns problemas inerentes auma vacina anti-esporozoítos terão que ser resolvidos antesque essa vacina mostre-se viável para o uso no homem.

É preciso que testes em homens demonstrem a sua eficá-cia e a ausência de efeitos colaterais como a indução de res-postas imunes nefastas para o organismo, como a auto-imu-nidade e a formação e deposição de complexos imunes nostecidos. Esse ponto é realmente importante, porque, traba-lhando com os AcMo que desenvolvemos em 1982 em cola-boração com o Dr. Jorge Kalil, (por ocasião de um projetocomum aos Departamentos de Parasitologia Médica do Hos-pital Pitié-Salpétrière e de Imunologia de Transplantes doHospital St. Louis, em Paris), nós pudemos observar que, deoito AcMo específicos de formas sangüíneas de P. falci-

Page 36: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

parum, dois davam reação positiva por imunofluorescênciacom antígenos tissulares de mamíferos.

Um outro problema a ser resolvido é o da imunogenici-dade do peptídeo sintético e o da eventual necessidade douso de adjuvantes sem toxicidade para o homem.

Um obstáculo também a ser transposto concerne à imu-nossupressão que podem apresentar indivíduos expostoscronicamente à infecção palustre. Orjih e Nussenzweig de-monstraram, na malária experimental do roedor, que ani-mais infectados com formas eritrocitárias e vacinados comesporozoítos irradiados apresentavam uma resposta imunediminuída e eram menos bem protegidos contra o desafiocom esporozoítos vivos do que controles normais imuniza-dos da mesma forma.

Por outro lado, a especificidade de estágio dos Ags pre-sentes na superfície dos esporozoítos, e a ausência de pro-teção cruzada contra formas eritrocitárias evoca o problemada malária pós-transfusional contra a qual os indivíduos va-cinados com a vacina anti-esporozoítica não estariam abso-lutamente protegidos. Esses fatos demonstram a provávelnecessidade de associações com vacinas dirigidas contra ou-tros estágios do Plasmodium (anti-merozoítos, por exem-plo).

Durante os trabalhos de identificação de Ags espécie es-pecíficos da superfície do esporozoíto, Pedro Potocnjak eFidel Zavala desenvolveram no N.Y.U.M.C. testes imunora-diométricos muito sensíveis e específicos, capazes de detec-tar a presença de esporozoítos mesmo em pequenas quanti-dades (até 100 esporozoítos por inseto) no mosquito. Estestestes podem identificar a espécie infectante no hospedeiroinvertebrado, o que não se pode fazer por critérios morfo-lógicos. Além disso, o teste pode triar centenas de mosqui-tos em poucas horas, o que contrasta com a laboriosa tarefaque consiste em dissecar individualmente, sob a lupa, asglândulas salivares de mosquitos onde estão os esporozoítosinfectantes. Dois tipos de testes são mais usados. O primeiroemprega um AcMo específico da proteína CSP de uma de-terminada espécie plasmodial acoplado a uma fase sólida (àparede de um tubo de ensaio de plástico ou de um poço deuma microplaca). Esse AcMo vai fixar a proteína CSP doesporozoíto, caso o mosquito esteja infectado e, após la-vagens, usa-se o mesmo AcMo marcado com I125 para se re-velar a fixação da proteína CSP na primeira camada doAcMo (fixado no plástico). Como nós já vimos, é a multipli-cidade de expressão na proteína do epitopo reconhecidopor este AcMo que permite que um só AcMo seja suficientepara se fazer o teste. O segundo tipo de teste usa o princí-pio da inibição da ligação do AcMo anti-idiotipo (marcadocom I125) ao idiotipo (expresso no sítio de ligação doAcMo anti-esporozoíto) pelo próprio esporozoíto. Assim,se o mosquito estiver infectado, o esporozoíto vai se fixar

A imuno-entomologia

Page 37: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

no AcMo anti-esporozoíto fixado na fase sólida, inibindo afixação do Ac anti-idiotipo (radiomarcado) no mesmo sítio,o que vai acarretar uma diminuição da radioatividade finalna fase sólida.

O advento destes testes está modificando substancial-mente o arsenal metodológico dos entomologistas para estu-dos epidemiológicos e atesta mais uma vez a importância daimunologia na abordagem dos diferentes aspectos da Medi-cina Tropical.

Dr. Tauil

DEBATE

— Bem, vou começar respondendo ao Dr. Paulo Sabrozana questão do pessoal. Tomemos por exemplo o entomolo-gista. Realmente, se ele já é figura rara no mundo científicobrasileiro, na Sucam é mais raro ainda, porque temos muitadificuldade de segurar essas pessoas em termos salariais. Amesma coisa se pode dizer com relação a todos os profissio-nais de nível superior. Por exemplo, em Rondônia nós tí-nhamos um diretor e um técnico; agora nós pudemos, atra-vés do Pólo-Noroeste, recrutar cinco elementos que foramrecentemente treinados e que deverão estar trabalhando re-gularmente ainda esse ano. Mas o problema é geral no Servi-ço Público Federal; na verdade, não se tem elementos sufi-cientes para garantir uma adesão total do pessoal ao progra-ma, em virtude das vicissitudes que se passa para desempe-nhar um trabalho em tempo integral e dedicação exclusiva.Nós esperávamos um aumento pouco maior agora, mas sótivemos 65%, e isso está provavelmente inviabilizando a fi-xação de sanitaristas. Sanitarista está ficando uma categoriaem extinção, a ponto de estarem entrando na Justiça agora,não aceitando a posição do DASP. Então esse problema depessoal de nível superior talvez seja o mais grave atualmen-te na Sucam ou no Ministério, porque nós só podemos con-tratar através de expedientes, de tabelas temporárias quenão dão nenhuma garantia para a pessoa. Para isso eu nãovejo solução a curto prazo; nós temos uma proposta enca-minhada ao Ministro, que se interessou e encaminhou aoDASP, aumentando o incentivo funcional, mas até agora asrespostas são negativas. A situação é verdadeiramente angus-tiante.

Em relação à estratificação, nós compreendemos a estra-tificação não como uma coisa estática, principalmente naAmazônia. Então, nas áreas de prioridade 2, onde não seestá dando cobertura por inseticida, nós estimulamos asinvestigações, o que chamamos, talvez inadequadamente, deaumento da vigilância. Essa vigilância é feita através dosguardas de epidemiologia, que mantêm a diretoria informa-da da situação epidemiológica da área. Quando se detectaqualquer anormalidade em termos de fluxos migratórios,

Page 38: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

em termos de aumento de incidência de malária, essa áreaentra na prioridade 1. Isso é o que nós temos feito. Como oDr. Paulo Sabroza falou, essa estratificação tem razões epi-demiológicas, mas tem também, fundamentalmente, razõesde ordem econômica, porque não estamos em condições defazer uma cobertura de toda área malárica da Amazônia. Oscritérios usados nessa estratificação são baseados em váriosfatores. Primeiro, no que a gente chama de receptividade,isto é, a presença do vetor em densidade suficiente para im-plantar a transmissão ou para desenvolver epidemias na área.Segundo, a vulnerabilidade da área, quer dizer, uma áreaque receba, ou vá receber, maior fluxo de pessoas passa aser considerada com mais atenção. Terceiro, as condiçõesde ordem ambiental, ecológicas, que mostram que aquelaárea poderá ser receptiva para malária. Existem alguns ou-tros detalhes, mas isso é o fundamental.

Em relação ao problema da migração e mobilidade, issona Amazônia é muito importante. O Dr. Agostinho CruzMarques, da Sucam, tem um trabalho muito interessante,onde mostra onde foram detectados os casos de malária -quase dá para perceber a mobilidade dessas pessoas dentroe fora da Amazônia. O que nos parece é que principalmenteo garimpeiro é bastante nômade nessa área, e muitos deles,já com muitas crises de malária, podem se transformar emportadores assintomáticos - e fica mais difícil ainda de serdetectado pelo serviço de vigilância. A migração é o princi-pal. Não estou atribuindo à migração o papel de vilão dahistória — ela é conseqüência de uma série de situações so-ciais - mas a forma como o processo migratório se dá éque favorece essa transmissão e dificulta o controle.

Pergunta: — Por que, se aumentou a incidência de malária, dimi-nuiu o consumo de DDT?

Dr. Tauil — Nós, no momento, estamos reduzindo o consumo deDDT no país. Por que? Porque estamos tirando extensasáreas de borrifação, localizadas na região, a curto prazo; áreasque hoje já estão na chamada fase de consolidação. A quedano consumo do DDT está em função da redução da área deatuação, porque antigamente em todo o Brasil se usavaDDT. Hoje estamos gastando em média apenas duas mil to-neladas por ano.

Mas há outro problema. No Brasil não se produz maisDDT. Quem produzia era a Hoescht; ela fabricava oito miltoneladas, nós consumíamos duas mil e o restante era utili-zado na agricultura do cacau e da cana. A partir de 31 dedezembro de 1983, o DDT foi excluído do uso em agricul-tura, e isso traz para a empresa produtora uma vulnerabili-dade muito grande, porque nós e a Sucen, em São Paulo,seríamos os únicos compradores do DDT; por outro lado,traz uma vulnerabilidade para nós também, que depende-ríamos de uma só firma. O Brasil detém, através da Far-Manguinhos, a tecnologia da síntese do DDT, isso não é

Page 39: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

problema, quer dizer, se eventualmente for preciso fazer oDDT, pode-se fazer. O que acontece é que, comercialmente,está difícil encontrar uma empresa que se interesse por isso.A Matarazzo e a Norquisa estão mostrando interesse emfabricar, mas desde que haja um mínimo de garantia; masquem pode dar garantia de aquisição? Nós pensamos aténo próprio Ministério da Saúde, a própria Fundação Oswal-do Cruz, ter a sua linha de produção, porque é um instru-mento de segurança nacional. O mesmo acontece com medi-camentos, que nós só dominamos a síntese de um medica-mento que a Sucam consome, que ainda não está sendofabricado no Brasil, mas é o único que já tem a síntese aqui;o resto, tudo é importado. Nós consideramos isso uma ex-trema vulnerabilidade em termos de segurança no país, eestamos tentando agora, através da Secretaria de Ciência eTecnologia do Ministério da Saúde, que a Far-Manguinhospossa pelo menos coordenar essa síntese de drogas; não quevá comercializar aqui no Brasil, mas pelo menos deter a sín-tese - para que, na eventualidade de um bloqueio econômi-co, nós tenhamos saídas próprias.

Outro problema é o da opinião pública, que está contrao uso de organoclorado; estamos tendo problemas comonunca tivemos. Nosso Superintendente agora está no RioGrande do Sul, que é um estado extremamente sensível aosagrotóxicos, para discutir o uso de BHC numa área onde oprefeito proibiu, pela campanha contrária a seu uso na agri-cultura. E o fato é que a malária, na verdade, não tem mui-to apelo político, porque está atingindo pessoas que estãodistantes dos grandes centros de decisão.

- Eu queria adicionar alguma coisa sobre o que o Pedro Dr. M. AragãoTauil falou sobre o DDT. Eu tomei parte naquele manualque vocês editaram e posso dizer que não foi fácil segurar oDDT e o BHC ali. Havia uma porção de gente que achavaque lá não se devia mencionar nenhum dos dois. Há uns 10dias atrás eu também tomei parte no grupo da Associaçãodos Engenheiros Agrônomos aqui do Rio de Janeiro que fezum substitutivo para entrar no lugar de três projetos queestão na Assembléia Legislativa do Estado sobre a Lei dosAgrotóxicos. É impressionante o ódio que o pessoal temcontra o DDT. Para mim, isso é o resultado de uma campa-nha das multinacionais de inseticida, porque o DDT é muitobarato; e olha, entre outras coisas, a OMS foi conivente nis-so. Você pega um data-sheet da OMS, ela dá como dose letaldo DDT, se não me engano, 250,270 miligramas/quilogra-ma; isso foi determinado com o DDT dissolvido em óleocomestível, e eu não conheço nenhuma formulação de DDTque seja dissolvido em óleo comestível.

— Em que estágio está a pesquisa da mefloquina? Você Perguntapode falar mais sobre essas novas drogas?

- A mefloquina está pronta para ser lançada no comér- Dr. Tauilcio. Há também a clindamicina, já no comércio, o nome é

Page 40: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

Dalacin; essa droga, nós a consideramos muito útil, mas co-mo retaguarda, para mão de médico; não aconselhamos seuuso indiscriminado, e achamos que deve ser utilizada noscasos resistentes a outros esquemas. Está se propondo que amefloquina, para evitar o aparecimento de resistência preco-ce, seja comercializada associada à sulfa e à pirementamina,porque, mesmo não havendo sinergismo, haveria uma soma-tória de efeitos. Eu acredito que, para um indivíduo bemtratado, no hospital, relativamente precoce em termos demalária, há armas, hoje. Não é para se ficar desesperado,porque há armas que levam à cura, não existe nenhumacepa que resista a toda essa bateria de drogas. Nós achamosque os casos de gestantes são casos graves; a gestante comPlasmodium falciparum é caso grave; não se pode bobearnum caso desses, mas existem armas que permitem que, emtermos individuais, ninguém entre em pânico por não existirdroga contra a malária. Agora, não existem drogas para usoem massa num programa. Nós esperamos que a mefloquinapossa trazer inclusive uma visão diferente do programa. De-pois de muito sofrer na Amazônia com o problema da malá-ria, nós estamos agora com esperanças. Tem uma pessoa naSucam que desenvolveu um modelo teórico de uso de dro-gas o qual ainda estamos discutindo. Com o advento damefloquina, que tem as características de ser uma droga deataque, de dose única e que cura radicalmente o falciparum,eventualmente a medicação poderá ter um papel não apenassubsidiário no programa, mas, nessas áreas onde há uma re-sistência, há uma relativa ineficácia do DDT, a medicaçãoassumiria um papel mais importante, atuando no outro eloda cadeia epidemiológica, que é o esgotamento do reserva-tório o mais precocemente possível. Como também se falouaqui, nós não podemos esperar soluções gratuitas de pessoasde outros países, porque quem está vivendo o problema damalária, hoje, são os países subdesenvolvidos; o interessedos países desenvolvidos é apenas de formular uma drogaque possa ser vendida aqui. Fora disso eu não vejo muitointeresse, a não ser que a malária comece a ameaçar nova-mente os países desenvolvidos. Nós já esperamos demais porsoluções mágicas; mesmo a vacina a gente tem esperado an-gustiadamente, mas sabemos que não é fácil, e a perspectivanão é assim tão a curto prazo. Então nós precisamos buscarnossas fórmulas, e isso tem sido uma preocupação constantedentro da Sucam. Esse modelo teórico parece bastante con-sistente, é baseado nas teorias desde Ross — a fórmula deRoss, da prevalência atual e da prevalência primitiva - até ostrabalhos de MacDonald, trabalhando-se na redução da capa-cidade vetorial e no esgotamento do parasita. Essa fórmulateoricamente está bem consistente, mas na prática não temosuma experiência vivida para poder dizer se funciona ou não.Vamos fazer uma experiência agora, provavelmente no Ama-pá, numa área de garimpo onde não dá para usar inseticida.

Page 41: A malária no Brasil - SciELO · Porque hoje em dia a malária no Brasil se concentra pra-ticamente na região amazônica; e, mesmo aí, ela não apre-senta uma distribuição homogênea

- A Sudam, nas normas que regem a concessão de bene- Perguntafícios, dispõe de uma cláusula que coloca claramente a ne-cessidade de determinados controles para evitar a propaga-ção das endemias. Sabemos que isso é uma letra morta; seriapossível, a seu ver, alguma pressão política no sentido detransformar essa norma em algo real, que pudesse ser aten-dida pelas empresas?

- Eu me sinto . . eu fui representante do Ministério da Dr. TauilSaúde na Sudam, e essa resolução saiu no último dia ... nodia 15 de março de 79, antes de mudar o governo; foi frutode uma conscientização muito grande dos conselheiros daSudam. havia muita resistência, porque implicava ônus fi-nanceiro. Depois disso, a Sudam caiu muito no seu nível deinvestimento; e os programas que existem naquela resoluçãonunca foram seguidos nem pelo Banco do Brasil, nem peloBanco da Amazônia, que são conselheiros também - haviarecomendações para os pequenos projetos que eles finan-ciassem. O BNDES, agora, no momento em que acrescentouo S, tem um grupo muito sensível a isso, inclusive estão ne-gociando a introdução de cláusulas que visam a proteçãocontra malária, febre amarela e leishmaniose em projetosda Amazônia financiados pelo BNDES. Bom, existe a nor-ma, a resolução deve ser cumprida. Mas a Sudam tem difi-culdades de acompanhar adequadamente os projetos quefinancia. Eu acredito sinceramente que toda pressão é váli-da, porque também acredito que as medidas propostas lána Sudam resolvem — onde foram aplicadas, resolveu. Gran-des projetos, como o da Volkswagen, Bradesco, esses proje-tos que podem fazer o que você recomenda, não tiveramgrandes problemas de malária - simplesmente tomando me-didas adequadas de triagem das pessoas que entram para oprojeto, condições de moradia pelo menos dignas, uma casacom paredes, telada. Nessas áreas a malária não tem condi-ção de progredir. Nós já fizemos, várias vezes, investidaspara que isso seja cumprido e estamos fazendo agora nego-ciações, às vezes até com os próprios empresários individual-mente, com a Associação de Empresários da Amazônia, pa-ra tentar implantar estas normas. Eles têm interesse, porquefica mais caro transportar o doente de malária de avião. En-tão há interesse econômico também das empresas, que têmprocurado a Sucam para fazer um trabalho conjunto.