a maldição dos bonzinhos jacqui marson

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L

INTRODUÇÃO

OqueéaMaldiçãodosBonzinhos?

ogo depois do meu aniversário de 45 anos, aconteceu algo que meajudouaperceberque eu sofriamuitodaMaldiçãodosBonzinhos, e,

senãoencontrasseummododequebrá-la,elaacabariapormequebrar.Cumprindo uma obrigação social, meu marido e eu fomos ao

aniversário de 13 anos da ilha de meu primo. Embora a festa fosseacontecer no salão de uma igreja a duas horas de carro de ondemorávamos, fui determinada a me divertir, pois gosto muito dessesparenteseadoroumbombailenocampo,oqueesteeventosepropunhaaser.Às11hdanoite,semquasenenhumálcoolnoorganismo,galopei(estaé a palavra técnica) entusiasticamente bem no meio de duas ileiras departicipantes,paraemseguidaescorregarno imda ilaecair.Fez-seumbarulhomuitoaltoquandomeestabaqueinochão;nãoseicomodescrevê-lo–talvezumbaque,ouatéalgosequebrando–,masaltoosuficienteparaarrancar exclamações de espanto das ileiras de pessoas dançando, alémdeváriaspreocupações:“Estátudobemcomvocê?”Eu,claro,me levanteideumsaltodochãoduro,superagitada,“Estoubem,estoubem”,numavozanimada, e “Continuem!”. Dancei as três danças seguintes, apesar demesentir um pouco nauseada com o choque, e dirigi de volta para casa,porque eraaminhavez .Meu braço latejava e doía todas as vezes que eumudava de marcha, mas achei que icaria melhor de manhã. Quandoacordei,tinhaobraçorígidoedolorido,porémnãopenseiasérionaideiade iraomédico.Nãoqueriadesperdiçarotempodaocupadíssimaequipemédica do hospital de emergência – e, além disso, fui educada para nãofazer tempestade em copo d’água. Como estávamos no período de fériasescolares, passei os dez dias seguintes levando as crianças a atividadesplanejadas,entreelasdirigir322kmparavisitarumaamigaemSomerset,onde íamos remar num lago. Eu lhe disse que meu braço estava muitocontundido e dolorido, e ela me recomendou com persistência que nãoassumisseminhaveznosremos,mas,poralgummotivolouco,“Bonzinho”,insisti queaquilo eramaisdoque justo. Isto levouaoque consideroumafotogra iaicônicaquecaptaapuraloucuranaessênciademinhascrenças

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e comportamento. A legenda dizia: “Jacqui remando com um braçoquebrado(emesmoassimsorrindo).”

Quandofuia inalaohospitaldeemergêncialocal,elesnãomepunirampor desperdiçar seu tempo, mas demonstraram autêntica perplexidadediante de alguém que ignorara as mensagens do próprio corpo durantetanto tempo. “Isso aconteceu há dez dias?”, não paravam de repetir, ebalançavam a cabeça, assombrados. (Apenas para tranquilizar, não fuidiagnosticada com uma fratura exposta. Nem eu sou tão má assim. Eufraturara o rádio na articulação do cotovelo.) Deram-me uma tipoia azul-clara,e,porcontadisso,tivea inalpermissãoparanãousaraquelebraço,agoraqueomundopodiaverqueeuestavao icialmentemachucadaenãoapenas fazendo (o que é proibido) uma tempestade em copo d’água, ouingindo uma doença. Agora me era permitido escapar da tarefaobviamenteimpossíveldeeumesmapediroqueprecisavademodoclaroedireto.Eraavezdeminhabelatipoiadizeràspessoas:essamulherestácomobraçoquebrado–ajudem-na!

Minha enteada, uma aliada da família e ela própria bem próxima àMaldição dos Bonzinhos, enviou-me uma mensagem de texto que dizia:“Afaste-sedafogueira,Joanad’Arc.”Acheiaquilohilárioemuitoperspicaz.Em essência, dei-me conta de que se eu continuasse a agir comosemelhante mártir e insistisse em pôr as necessidades dos outros antesdasminhas,algomuitopiorqueumbraçoquebradopoderiameacontecer.

Naquele dia, iz contato com uma terapeuta, com a qual eu queriatrabalhar fazia dez anos, e deimeus primeiros passos experimentais emdireção ao início da quebra da Maldição (e também ao cultivo dassementesdestelivro).Aprendimuitoapartirdemeusprocessospessoais,assimcomotrabalhandoemminhaprópriaclínicaemLondres,commeusclientes de terapia, os quais generosamente me permitiram partilhar osseus casos com você neste livro. Sinto-me privilegiada por terem medeixadoentraremsuasvidasebatalhas.

PARAQUEMÉESTELIVRO?

Estas são as três perguntas que me fazem com mais frequência sobrequebraraMaldiçãodosBonzinhos:

1.OsBonzinhoscostumamsersemprebonitosegraciosos?

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2.Porquedesejarqueaspessoaspercamabondade?3.Esseéumproblemaapenasfeminino?

Primeiro,quandofalodeumapessoa“Boazinha”,issonadatemavercomaparência ísica; não consiste em ser lindo ou belo. Consiste emserbonzinho – as pessoas geralmente dizem: “Ah, ele/ela é uma pessoa tãoboazinha.”

Para responder à pergunta número dois, este livro não se destina àspessoas que talvez precisem ser mais bondosas em sua vida cotidiana.Destina-se àquelas cuja reação padrão é sempre ser tão boazinha(adorável, compassiva, agradável etc.) que essa atitude passou a serproblemática.Sevocêsesenteaprisionadoemumaarmadilha,semopçõesde outras formas de pensar, se comunicar e comportar, além de serbonzinhoeprestativo,estelivroéparavocê.

Emresposta àperguntanúmero três,não,não se trata apenasdeumproblema feminino. Todos vocês na certa conhecem pelo menos umhomem a quem as pessoas se referem como “bonzinho”, emeu palpite éque isso lhe causa uma sensação de desamparo e é tão problemáticoquantoéparatodasasmulheresBoazinhas.

Em meus 15 anos de experiência clínica como psicóloga deaconselhamento, credenciada pela Sociedade Psicológica Britânica, tenhopresenciado vidas, relacionamentos, carreiras e o bem-estar de muitasmulherese homens prejudicados pela crença de que para seremapreciados,amadoseaceitoselestêmdeselimitaracomportamentosquejulgamaprovadospelosdemais.Elesàsvezes incluemalgunsou todososseguintes: sempre ser educado, amável, prestativo, encantador, divertido,fazeraspessoassesentirembememrelaçãoasimesmas,nãodecepcioná-las,nuncadizernão,evitarcon litoepôrasnecessidadesdosoutrosantesdas delas. Decidi dar a isso o nome de Maldição dos Bonzinhos, pois setratanaverdadedeumparadoxo:todomundoquerserreconhecidocomouma pessoa boa, mas para esses indivíduos isso se assemelha a umamaldição lançada a eles no nascimento por uma bruxa má. Tornam-seaprisionados,sufocadoseoprimidospelopesodasexpectativasdosoutrose sentem que mudar não é uma opção. Os Bonzinhos acreditam queexpressar as próprias necessidades signi icará serem rejeitados, e nãoamados, e, em consequência, reprimem amanifestação demuitas partesimportantes de si mesmos, entre elas sentimentos como raiva e

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ressentimento, os quais em seguida fervem em fogo brando no íntimo.Ninguémtomaconhecimentodoqueacontecedefato,porqueelessempreparecemseragradáveisesorridentes.Então,umdia,oBonzinhoexplodeetodomundosechoca.ApessoaBoazinhasesentedesaprovadae,porisso,acata a própria crença infrutífera de que sua raiva é inaceitável para osoutros.Eassimseperpetuaociclo(ou“Maldição”).

Este livro sugere modos pelos quais você pode, com delicadeza,começar a quebrar aMaldição dos Bonzinhos, libertar-se das sufocantesexpectativasdosdemaiseviverumavidamaiscompletaesatisfatória.

COMOUSARESTELIVRO

Sempre considero melhor começar de forma muito paulatina, pois osucesso é uma brilhante e fortalecedora experiência, além de nosencorajar a tentar mais. No entanto, sinta-se à vontade, por favor, parausarolivrodequalquermodoquefuncioneparavocê.Umaamigabrincoucomigo que, como uma perfeccionista de alto desempenho, ela iria diretoa oCapítulo 9 para tentar as Experiências Comportamentais Avançadas.Isso,claro,éexcelente,seforoquevocêquiserfazer.Nãoháregras.Maseu sugeriria ler o livro inteiro e ver o que repercute em você; se todomundo tiver uma nova ideia ou tentar um novomodo de agir, eu icareimaravilhada, pois sei que foi assim que extraí mais de meus livrospreferidos de autoajuda e aprimoramento pessoal. Depois, costumorecorrer repetidas vezes a eles e, em geral, ganho uma nova percepção,ideia ou recurso. Talvez também seja proveitoso usar um caderno paramanter um registro de ideias, pensamentos ou discernimentos que lheocorram, enquanto você lê o livro. Mas, claro, se essa ideia lhe parecerdetestável,nãoaponhaemprática!

Talvezvocê tambémdescubra,àmedidaque trabalhaneste livro,quevaiquererconversarmaisafundocomumamigoouparentedecon iançasobre algumas das questões suscitadas, ou pensar em procurar umterapeutaparaavançarmaisnessetrabalho.

Boasorte.Elembre-sedequenãosetratadeumacompetiçãoolímpicade dança no gelo, ninguém vai dar notas ao seu desempenho. Trate suaexperiência com compassiva curiosidade, e espero que você possa sentirumpoucodelevezaediversãoaolongodocaminho.

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P

1

UmdianavidadeumapessoaBoazinha

arateajudaradescobrirsevocêseidenti icacomesseconceito,vamosdarumaolhadanumdiahipotéticonavidadeumBonzinho.A pessoa Boazinha acorda e, nummundo ideal, gostaria de fazer um

pouco de chá, ouvir rádio, tomar uma ducha, vestir-se, tomar o café damanhãeentão ir trabalharoudarprosseguimentoaodia.Numcompletomundo de fantasia, ela poderia sonhar emprolongar uma ou todas estastarefas: talvez preparar devagar um belo bule de chá com as folhaspreferidas, relaxar num perfumado banho de espuma, escolhercuidadosamente algumas roupas que sabe que a fazem sentir-se feliz econ iante, selecionar o sapato certo, que combine, mas que também sejaconfortável...Contudo,alguémpequeno(ounãotãopequeno)grita: “Ondeestá meu suéter azul?”, enquanto outro quer saber por que não sobrouleitenageladeira,umatiaacaboudeligarparapedir-lhequeapareçaparavisitaraavó,pois“elaestásozinha,pobrecoitada”,eumaamigalheenviouum texto que expressa uma necessidade desesperada de conversar,porqueonamoradonãolherespondeuàsligaçõespor24horas.

No espaço de vinte minutos após o despertar, não apenas qualquerelementodaversãodefantasiaserevelarisível,masapessoaBoazinhajáanula as próprias necessidades básicas a im de cuidar das alheias. Emqualquermanhãdessas, elapode facilmentesairdecasa, semsequer tertomadocafé,calçandoossapatosquelheapertamosdedosdospésecomxampu seco nos cabelos – faminta, aborrecida e meio aturdida, mastranquilaconsigomesmaporquecuidoudetodoseosmantevesatisfeitos.Osmaushumoresempotencial foramevitados,nãoseouviugritarianemcaras zangadas foram vistas na casa. E, num nível emocional maisprofundo (edecerto subconsciente), ela se sente segura,que seráamadaporque cuidou de todos. Ou, talvez, que não terá problemas, já que nãodecepcionouninguém.

AMUDANÇAÉPOSSÍVEL

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É claro que não somos todos Bonzinhos da mesma forma. ExistemdiferentesmanifestaçõesparadiferentestiposdeBonzinhosemdiferentessituações, mas a semelhança é que muitas vezes nos sentimoscompletamente subjugados pelas expectativas dos outros e não temos amínima ideia de como nos comportar de outro modo. De fato, a própriaideia de fazê-lo, como, por exemplo, recusar um pedido, em geral éapavorante.Criamosexpectativasedepois,emalgumponto,nossentimosterrivelmenteaprisionadosporelas–asaptidõesquenosajudaramacriara expectativa em geral constituem o próprio oposto daquelas queprecisamosparamudá-la.

Indira, que você encontrará novamente no Capítulo 6, descreveu quesuafamíliaatratavacomoumautilidade“disponível24horas”,dequemseesperavalargartudoparadeixarobombeiroentraremseusimóveisparalocação, marcar-lhes as consultas com o dentista e proporcionar cama ecafédamanhã,alémdeexibirumaexpressãodesucessoaosparentesquevinham de longe para visitá-la. Como ilha única e solteira, ela previa,bastante amedrontada, um futuro cuidando de um ou de ambos os paisdoentes, ao mesmo tempo que se sentia uma “ ilha má, ingrata” por lheocorrerem tais pensamentos, e entrava empânico, pois não lhe restavamnem tempo nem energia para conhecer quaisquer homens que asalvassemdasinadefilhasolteira.

Como você vai constatar pelos relatos de outros pacientes neste livro,não existe resposta fácil da noite para o dia. Nossos padrões depensamento,emoçãoecomportamentoemgeralfuncionambemduranteamaiorpartedenossavidaenosservemcomodevem–atéopontoemquedeixamde fazê-lo; ponto em que, poderíamos dizer, eles se transformamdeamigoseminimigos.

O caminho para a mudança consiste em dar passos pequenos,manejáveis–apenaspoucosdecadavez–,planejadoscomacompreensãodequesetratadeumacoisacorajosaeassustadoraoquetentamosfazerparanósmesmos.Indirafezaexperiênciacomametáfora-guiadequeeladeixaria de ser uma loja de conveniência 24 horas, e poderia fechar emcertasocasiões–funcionartalvezcomoacadeiadelojas7-Eleven(aslojasoriginaisabertasatétarde,dassetedamanhãàs11danoite).Ora, talvezisso ainda signi icasse muitas horas de funcionamento, mas tentar sercomouma loja de horário restrito, das nove damanhã às cinco da tarde,teriasidoumamudançamuitograndetantoparaIndiraquantoparaseus

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amigoseparentes.Como diz a terapeuta de família e escritora Harriet Lerner, se você

tentar mudar demais e demasiado rápido, o comportamento daqueles àsua volta gritará “Volte a ser quem você era!”, e isso se tornará umexercícioautodestrutivo.

COMOFUNCIONAAMALDIÇÃODOSBONZINHOS

Retornemosàhistóriademeubraçoquebrado (ver [1]) para entender oqueissonosmostraarespeitodecomoaMaldiçãodefatofunciona–comogeralmentecomeçaecomosemantémdurantetodaumaexistência.

Em essência, todos nós temos várias camadas de regras às quaisaderimos – o que poderíamos chamar de “Regras Pessoais” ou “Regraspara Viver”. Diferentes regras nos são ensinadas e reforçadas pordiferentes agentes sociais na vida, desde pais e parentes a professores,educadores e mais tarde empregadores e instituições públicas, comopolíciaegoverno.Algumasseencontramclaramente inseridasna lei,esevocêasviolarháumapenalidadeapagar.Ealgumas,como“Nãobrinquecomfósforos”ou “Olheparaosdois ladosantesdeatravessara rua”,nossão ensinadas na tenra idade para nos manter seguros. No entanto, asmais ardilosas muitas vezes se assentam em nosso inconsciente. Aliinstituídas pelos pais ou educadores, na infância, essas regras às vezesexercem um enorme poder, e, contudo, raras vezes as expomos à luz dodia(i.e.,ànossaatualrealidadeadulta)easexaminamosparaverseaindaoptamosporviver segundoelas–emresumo, se continuamounãoa serproveitosasparaquemsomosagoraeparaomodocomoqueremosviveranossa vida. Se de fato as examinássemos, poderíamos descobrir quealgumas (ou muitas) estão imobilizadas num modo dicotômico tudo-ou-nada–elasperderamtodaa lexibilidadeesetornaramoqueofundadorda Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Aaron Beck, chamou deRegrasPessoaisRígidas. Você pode identi icar umaRegraPessoalRígida aousar palavras como “devia”, “preciso”, “sempre”, “nunca” (examinaremosisso em mais detalhes noCapítulo 5). Em todo este livro eu grifei aexpressãoRegras Pessoais Rígidas para que você possa identi icá-las comfacilidade.

Assim,nahistóriadobraçoquebrado,minha regrade JAMAISFAZER

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TEMPESTADEEMCOPOD’ÁGUA era, de fato, uma RegraPessoalRígida. Etão poderosa (apesar de semioculta em meu inconsciente) que conseguiignorar sérios sinais de dor no corpo e ainda assim reunir energia paratranquilizarosoutros(“Estoubem.Estoubem!”),estamparumsorrisonorosto,continuaradançar,sembuscarajudamédicadurantedezdias, e irremar.

Essaregra,semamenordúvida,temraízesnainfância:seum ilhosemachuca e desata a chorar, a mãe talvez diga: “Ah, não faça tantoestardalhaço” (desaprovação), ou, ao contrário, se ele consegue fazerpoucocasoecontinuaremfrente,talvezelaoelogieporser“umgrandeevalente soldado” (aprovação). Como os cachorros de Pavlov que foram“condicionados” a salivar quando ouviam uma campainha que sinalizavacomida,mesmo quando ela não aparecia, é possível condicionar criançaspequenas com muita facilidade a validar comportamentos que sãorecompensados(porelogio,aprovaçãoouestrelasdeouro)edescontinuaraquelesquesãocensurados,desaprovadosoupunidos.Naúltimadécada,a comunicaçãopopular de pesquisa cientí ica – via qualquer coisa, desdeprogramas de TV como Supernanny a treinamentos e livros sobrehabilidadesnaeducaçãode ilhosamplamentedisponíveis–temensinadopais, professores e pro issionais de saúde a recompensar oscomportamentosdesejadoseignorarosindesejáveis.Masnaminhaépoca– e ainda emmuitas culturas atuais – as crianças eram frequentementeridicularizadas, envergonhadas, humilhadas ou punidas pelo que seencaravamcomotraçosdepersonalidadeecomportamentosindesejáveis.

Quebrarasregras

Não culpo os meus, nem quaisquer outros pais aqui. Faziam o quejulgavammelhor, e em geral isso consiste em uma versão de como seuspais os haviam educado, ao transmitirem aquelas regras que lhes foramconsciente ou inconscientemente ensinadas. Certos comportamentos ecaracterísticas são “privilegiados” em diferentes sistemas de família,signi icandoaexistênciadecrenças–asquaispodemremontarageraçõesanteriores – em que alguns modos de ser e comportar-se são melhoresqueoutros.

Emminhafamília,achojustodizerqueseprivilegiavaa“dureza”.Nessahierarquia de comportamento, um de meus melhores momentos, como

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umacriança loucapor cavalos, foiquando, aos6anos,umvigorosopôneimeatirounumenormecampodepalharecém-cortada.Umpé icoupresonum estribo, e fui arrastada pelo campo de restolho durante pelomenosdezminutos,ascostasarranhadasesangrandopeloscortesdostalos.Nãoconsigolembrarsechorei–tenhocertezadequesim–,mas,doquetodosnos lembramos, édeque retornei ao cavalo e cavalguei denovo, emboradevesse estar muito assustada. Essa história é contada com tácitaaprovaçãoemminhafamíliacomoumaespéciede“ContoÉpico”;por isso,de forma compreensível, eu a internalizei como algo positivo a meurespeito que eu deveria cultivar (enquanto, ao mesmo tempo, tentavarefrearamenininha“fraca”quepoderiachorarnessasocasiões).

Umaimportanteideiaaquiéque,alémdeexaminaroqueessasregrastalveztenhampassadoanoscustar,podemosrecuarumpoucoeveroquetalvez tenhamos ganhado com elas. Assim, se por um lado posso dizer“Vejacomoessapobremenininhatevedeaprenderapassarporcimadador ísicaeaservalenteatodocusto”,poroutroladotenhodereconhecerque grande parte de minha primeira carreira como repórter de guerraprovavelmente se construiu nesse treinamento. Eu conseguia icar noextremo calor do deserto, em temperaturas abaixo de zero no Ártico,passarsemcomidaoubebida,carregarequipamentopesado,esquivar-medebalas,ecreioquejamaismequeixava.Emgeral,eusorria,“borbulhava”ecuidavadetodosàminhavolta,contavapiadasefaziatodossesentirembem consigo mesmos. Quando somos amáveis, bondosos e generosos, etodo mundo parece gostar de nós, é importante reconhecer que issoconstitui algo que ganhamos com nosso comportamento. Mas quando opreçosetornaaltodemais–emtermosdenossaexaustão,ressentimento,raivareprimidaou faltadecuidadopessoal–, temosdeestarpreparadosparanoslivrardepartedaantigasegurançadessesganhos.

Isso, claro, é muito mais fácil falar do que fazer. Precisamos criarcon iançaemnovas formasde fazeras coisas, antesdepoderatémesmopensar em abandonar alguns dos modos antigos, seguros – até mesmodepoisdenosdarmoscontadopreçoquecustam.

A maternidade, ou paternidade, parece exacerbar quaisquertendências que tenhamos a uma bondade excessiva para nós mesmos.Exaltam-se todas as qualidades que podem reforçar o sentimento – emúltima análise – de ser amaldiçoado, como amabilidade, generosidadeabnegada,denutriçãoecapacidadedecolocarasnecessidadesdosdemais

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na frente das nossas, na idealização contemporânea do genitor perfeito(sobretudo mães). Muitas mulheres só sentem que sua condição deBoazinha é umamaldição depois de avançar vários anos no cuidado dosilhos e perceber que o que antes davam com espontaneidade e amoragoraéaceitocomocertoeesperadopelosoutros.

OBONDOSODIADESUSIE

Susie tem quatro ilhos, entre 5 e 13 anos. Depois da morte do seu pai,quandoelatinha8anos,amãecriousozinhaosseis ilhosetrabalhouemtrês empregos dia e noite, para fazer o dinheiro cobrir as despesas.Consequentemente, as crianças sofreram de falta de atenção materna etiveram de ser autossu icientes desde a infância. Embora tenha enormeadmiração pela mãe, por seu trabalho árduo, sua determinação e seusacri ício, Susie quer dar aos próprios ilhos toda a atenção e apoioamoroso que acha que lhe faltou, e assim optou por ser mãe e dona decasa. Trata-se, claro, de uma tarefa que exige os próprios níveis detrabalho árduo, determinação e sacri ício – apesar de raras vezes serreconhecida como tal. Segue-se um dia da vida de Susie. É extremo,mascaracterísticoemmuitosaspectos.

Susieacordouàs6hdamanhãparapassearcomocachorro,prepararocafédamanhãeembalaroslanches,antesdefazeropercursodelevaros ilhos à escola e, emseguida, correrparauma reuniãodo comitêparaangariaçãode fundosdaescola.Quandosaíadareunião,o telefone tocou.Era um corretor de imóveis lembrando-a de que os novos inquilinos semudariamparaoapartamentodesuamãedaliatrêsdias,eperguntavaseela conseguiria comprar novos guarda-roupas para eles. Sentindo-seculpadae lagradaaocometerumdeslize,Susiepegouocasaco,aschavesdocarroelogosedirigiuàlojaIkea,ondeencheuocarrinhocompesadaspeças de guarda-roupas embaladas, prontas para montar, e juntou-se auma longa, vagarosa ila de pagamento na caixa, na saída. Enquantoaguardava e se atormentava sobre como iria carregar as pesadasembalagens, e quando, diabos, encontraria tempo para montá-las, otelefone tocou mais uma vez. Desta vez, eram duas queridas e velhasamigascomquemcombinaradealmoçar.Elastinhammarcadooencontromesesantes,poisasamigasmoravamforadacidadeeesseeraoúnicodia

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emquetodaspoderiamencaixá-loemseushoráriosocupados.“Eu não tinha esquecido, porque ainda na véspera examinava minha

agendaepensavanoquantoaguardavaansiosaporvê-las.Masnopânicodelidarcomotelefonemadocorretorimobiliário,simplesmenteoapagaradamente”,depoiselamecontouemnossasessãodeterapia.

Os sentimentos de pânico aumentaram no transcorrer do dia, e Susietentava fazer tudo para agradar a todomundo. Ela acabou por correr echegar uma hora atrasada ao almoço, ao tentar espremer-se numa vagaapertada no estacionamento, dar marcha à ré e colidir com um táxiestacionado.Essediaterrível,decompromissosemexcesso,continuoucommaiscorreriafrenéticadepoisqueelapegouos ilhosnavoltadaescolaeos levouparacasa,preparouesupervisionouodeverdecasa,atéquesesentiu obrigada a deitar-se, tremendo e vomitando devido ao quecompreendeu que, na certa, seria uma reação retardada de choque eexaustão.

– Foi tudo porminha própria culpa – disse ela. Em seguida, com umsorrisopesaroso,acrescentou:–Eudeviaterditonão.

– QuaisRegras Pessoais Rígidas você acha que comandaram essasopções?–perguntei-lhecompassiva,porquemuitasmulheresqueconheçoteriam feito omesmo, enos julgarmos comexcessiva severidade consisteapenasemoutracamadaenfraquecedoradedesabonoeautoflagelação.

Susie identi icou que uma regra-chave para ela é: PRECISO SEMPREAGIR COMO ME MANDAM FIGURAS AUTORITÁRIAS. Entendia que issovinha da infância exigida demais, quando a casa era dirigida como umacampanha militar pela mãe, e ai daquele que lhe questionasse aautoridade. Também destacou outra clássica regra da Boazinha: DEVOSEMPREAJUDAROSOUTROS,MASNÃOPOSSOPEDIRAJUDA.Digomuitasvezesamimmesmaeaosmeusclientesoseguinte:penseemalguémquevocêgostaeadmiraepergunteasimesmooqueelefarianessasituação.Susietemumaamigaaustraliana,Kat,queémuitofrancaeassertiva.

–OqueKatteriafeito?–perguntei-lhe.Elariu.– Teria dito ao corretor que a deixasse em paz, que ela resolveria o

casodeacordocomsuaprópriaconveniênciae,emseguida,iriadesfrutardoalmoço.Enacertateriapedidoaalguémquefossepegarseus ilhosnaescola, para que ela aproveitasse o encontro por mais tempo e nãoprecisasseseapressar.Talvezatétomasseumataçadevinho!

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ENTÃO,COMOAPRENDEMOSADIZERNÃO?

Para Indira e Susie, quando se sentem oprimidas pelas necessidades eexpectativasdosoutros,parecequeacoisamaissimplesseriaaprenderadizer não com mais frequência. Isso é o que os amigos e críticos nosaconselham. No entanto, conhecemos tão bem esse conselho que ele setornou internalizado no que chamo de um “dever autoespancador”(reexaminaremos isso no Capítulo 5). Note que Susie sorriu pesarosa edisse:“Eudeviaterditonão.”

– Em que está pensando? – perguntei-lhe numa sessão de terapia. –Quesignificaessaexpressãoemseurosto?

Susiemalparecia ter condiçõesde falar.Por im, respondeucomumavozmuitofraca:

–Achoquemesintoenvergonhadadenãopodermedefendersozinha.Crio uma história engraçada disso, mas na verdade penso: por quenãoconsigodizernão?Sou inteligente.Emdeterminadaocasião, chegueiatéafazer um pouco de treinamento para ser assertiva, por isso conheço ateoria. Cheguei a encenar as habilidades… Eudevia ser capaz de fazê-lo.Mas não consigo. E isso me faz sentir um fracasso total… – A voz seextinguiueelaolhouinfelizparaochão.

SaberemosarespeitodoprogressodeSusiemaisadiantenolivro.Porenquanto,contudo,esseexemploajudaailustrarporque sóoaprendizadode novas habilidades talvez não baste para amaioria dos leitores que seidenti icam com o conceito de um Bonzinho amaldiçoado. É importantetambém examinarmos os sentimentos e pensamentos que se encontramentrelaçadoscomnossoscomportamentos.Ummodosimplesdeentenderisso é ver o diagrama abaixo, que mostra que nossos pensamentos,sentimentosecomportamentosãointerligados.Cadaumin luenciaooutro,e, portanto, em termos teóricos, podemos mudar nossopadrão mudandoqualquerumdosladosdestetriângulo.

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Nodecorrer dos anos, passei a perceber que não existe regra quanto aomelhor lado do triângulo no qual começar a trabalhar com clientes quedesejammudarospadrõesemquesesentempresos.Aterapia,comoeuapratico, constitui um processo colaborador em que o paciente é oespecialista em sua própria vida, e o terapeuta suscita habilidades,experiência e umadiferenteperspectiva.Algumaspessoasquerem saltardiretopara frente e fazer umacoisadiferente, enquantooutraspreferemreexaminar seu passado para entender o que formou os padrõesespecí icos.Namaioriadasvezes,nãose tratadeumprocesso linearquesegue direto em frente, o que acontece é que os pacientes se deslocamparatráseparafrentenessajornadadepercepçãointerna,entendimentoe mudança, enquanto entrelaçam compreensão e questionamento daantiga formadepensar,aomesmotempoqueaprendemeexperimentamnovashabilidadesemodosdefazerascoisas.

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RESUMO

Este capítulo apresentou a ideia de que você não tem de se sentirimobilizado pelas expectativas das outras pessoas para que sempre secomportedemodobonzinho.Vocêpodeselibertardessepadrão.

Concentre-seemfazermudançaspequenas,manejáveis.Penseemcomoseuspensamentos,sentimentosecomportamentosãointerligados–verodiagramaanterior.Sejacompassivoconsigomesmonessajornadademudançaeleveemconsideraçãoospassosparatrás,alémdospassosparafrente.

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A

2

Comotudocomeça–AcriançaBoazinha

pesardoquetalvez lhedigasuaavócoruja,ninguémnascebonzinho.Você pode ter sido um bebê sorridente, precoce, calmo, satisfeito, ou

com grandes olhos castanhos, cílios escuros compridos e cabelos bastos,para quem as pessoas diziam palavras doces, amorosas, quando o viamdeitado no carrinho.Mas bonzinho, no sentido de que falamos a respeitoaqui, nada tem a ver com os atributos ísicos que lhe foram concedidospeloDNA.AMaldiçãodosBonzinhosserefereaumconjuntodecrençasecomportamentosquesetornaramproblemáticosparavocê,eosquaisvocêgostaria de mudar. Agora a boa-nova aqui é que crenças ecomportamentossãoaprendidos.Eporisso,porquesãoaprendidos,podemser desaprendidos, ou, em termosmais precisos, reaprendidos demodosmaisbenéficosemenoscustososparasuasaúde,felicidadeebem-estar.

OCOMPLEXOMUNDODACRIANÇA

A maioria de nossas crenças profundamente arraigadas sobre quemsomos e como devemos nos comportar originou-se na infância, muitasvezes antes que nossa capacidade de pensamento racional sedesenvolvesse,e,porisso,tendemosaacreditaremtudoquenosdisserameavaliamospelaexperiência.Devoltaparacasanoônibusontemànoite,iquei fascinada ao observar duas crianças pequenas sentadas em seuscarrinhos. Uma era uma menininha de mais ou menos um ano e meio,muitocuriosasobretudoqueacercava,inclusivepelosvivoslaçoscor-de-rosanosbonitostênis.Encantadaporeles,tocava-lhesacurvadosarcoseas pontas duras nas extremidades, explorava as diferenças de forma etextura,aprendiaarespeitodeseumundopelaexperiência–exatamentenoqueconsistea tarefadeumacriançapequena,comodiriao“DomadordeCriançaPequena”dotadodemaravilhosacompaixão,odr.ChristopherGreen.Amãe(outalvezfosseababá)pareciaencantadaporela,sorria-lheo tempo todoe faziapequenos ruídosdeencorajamento.Então, comoerainevitável, a menininha conseguiu desamarrar primeiro um laço e em

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seguidaooutro.Passoseguinte–tirarumsapato!Umolhardetotalassombroeprazer

iluminou-lhe o rosto quando ela agarrou seu troféu nos rechonchudosdedinhos.Via-sepelaexpressãonorostoqueapequenanãoestavasendo“travessa”–elaexplorava,eamãe/babáentendeuassimedisse,numtomcalmo,afetuoso,palavrascomo: “Meninabrilhante!Masvamoscalçá-lodevolta porque temos de saltar do ônibus.” Em seguida, tornou a calçá-lo erefazer os laços com completa ausência de raiva ou estresse nosmovimentos. “Ahh, sim”, ouço dizerem os pais atormentados entre vocês,“semamenordúvida,ababá!Nacerta,nãovêahoradesairdotrabalho,às seis da tarde, e passar umanoite tranquila como namorado.” E essassãoideiasválidasdequetratareidaquiauminstante.

Depois que elas desceram do ônibus, entrou uma segunda dupla decriançapequenaeresponsável.Essamãeoubabápareciasemexpressãonorostoe irritada.Acriança,ummeninoumpoucomaisvelho– talvez2ou2 anos emeio –, portantodominavamais a língua e semostravamaisvivaz. A mulher dava-lhe de comer algum tipo de salgadinho, um a um,porém mal o olhava. Depois tirou um copo com bico da sacola e tentoulevá-loàbocadomenino,maselecontinuouaafastá-locomasmãozinhasea gritar “Não” (a palavra preferida dessa idade). Ela manifestou clarafrustraçãoeamboslogoseenvolveramnumabatalha,amãe/babádecarafeiaedesaprovandoemvozalta.Por im(antesqueeusaltassedoônibus),eu a ouvi sussurrar por entre os dentes trincados: “Você émuito idiota!Sentirásedemaistardeeaculpaserátodasua.”

Ora, se o que testemunhei representa a experiência cotidiana dessasduas crianças (provavelmente não, apenas observei um momento notempo), como você acha que elas crescerão? Que acha que vão pensar esentiremrelaçãoasimesmas?Aumsedissequeeleéidiota,àoutra,queela é brilhante. E de fato, nessa idade, as palavras concretas proferidasconstituem a parte menos importante da comunicação contínua entreadultoecriança; tantomaissededuzirádotomdavozeda linguagemdocorpo – os sorrisos e o tom que dizem: “Você é tão boazinha! Estouencantadoporvocê!”oua raivaenfatizadaquediz: “Vocêé insuportável!Vocêmeirrita!”

OCUIDADORBOMOSUFICIENTE

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Agora,porfavor,nãopensequeestousendocríticaefantasiosa;seiqueéimpossível ser o tempo todo amãe/babá exemplar do relato anterior, oumesmoduranteamaiorpartedotempo.Tenhodois ilhos,umaenteadaedois netos, ilhos dela. Considero este o trabalhomais di ícil nomundo, eaquele ao qual talvez se atribuamenos valor emnossa sociedade. Passeialguns dias terríveis quando meus ilhos eram pequenos, em que mesentiamuitosolitária,desvalorizadaesemapoio,enãofui,portanto,100%afetuosa e amorosa com eles. Lembro-me de que chorei nesse mesmoônibus de número 46 quando umamulher idosame repreendeu por eumesentar,comummeninopequenonosmeuspéseumbebênosbraços,num assento preferencial para de icientes ísicos, idosos e pessoas combebêsecriançasdecolo.

–Vocênãoéincapaz–cuspiuela–,éjovemesaudável.Eenquantoeulutavaparamelevantareceder-lheobanco(aMaldição

dos Bonzinhos, claro queme levanteieme desculpei), desatei a chorar emurmurei:

– E quanto àsmães? –Desci do ônibus, dois pontos antes, totalmentehumilhada, enquanto todos os outros passageiros observavam (masninguémfalouemminhadefesa).Achoqueentãogriteicommeu ilhopornada especí ico, porque me sentia furiosa e envergonhada. Portanto, seicomoédi ícilseramãeperfeita.Etambémseiqueémuitomelhortentarser “boa o su iciente” e humana, mas ter a consciência de como nossasaçõescausamimpactoemnossosfilhos–porquedefatoofazem.

AMORCONDICIONAL:SOUCOMOELESCONSIDERAMOMEUCOMPORTAMENTO

Umapesquisa sobre o desenvolvimento infantil desde a década de 1950,realizadaporpioneiros,comoJohnBowlbyeD.W.Winnicott,demonstrouumaforteligaçãoentrecomonosrelacionamosquandocriançaspequenase comosedesenvolvenosso sensodeeu.Emessência, se somos tratadoscomo se fôssemos adoráveis, preciosos e dignos de valor, tendemos acrescersentindo(namaioriadasvezes)quesomosadoráveis,preciososedignosdevalor.Grandepartedascrençasessenciaissobrenósmesmosémuitopositiva.

O amor pode ser condicional ou incondicional. “O amor incondicional”

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signi ica que não há condições vinculadas – que você é amado pura esimplesmenteporquemvocêé,enquanto “oamorcondicional” signi icaaexigênciadecondições:euoamoquandovocêfazx,youzouquandovocênãofaza,bouc.

Paraumacriança, émuitodi ícildiferenciarentrequeméelaeoqueelafaz.Sealguémdizotempotodoaumameninaqueelaéuma“meninamá”poragarrarocaminhãodebrinquedodoirmãobebê,puxarorabodogatooumostrar a línguapara a avó, ela começará a acreditarque é umameninamá.Seameninasórecebeamor,afeto,elogioeatenção,quandosecomporta de certamaneira ou faz certas coisas, ela crescerá acreditandoquesóédignadevalorquandoageassimoufazessascoisas.OpsicólogoCarlRogersdescreveu issocomodesenvolver“condiçõesdevalor”.Oqueseria mais proveitoso, porém, é dizer à criança que ela é amada evalorizada, mas que essescomportamentos não são, e que ela, por favor,não os ponha emprática no futuro. Essa forma de educar (e ensinar) osilhos diferencia o comportamento – o que fazemos –, o qual se podeaprender e desaprender, daquilo que somos – o que é muito menosmodificável.

A maioria das pessoas que sofre da Maldição dos Bonzinhos terádesenvolvidoalgumas,oumuitas,“condiçõesdevalor”infrutíferasquandoeramcrianças.

MONIKA:ALÂMPADADE1.000WATTS

Monika, 39 anos, veio me procurar porque se sentia isolada e ansiosa.Tinhaasensaçãodequenãoconseguiafazeramigoscomooutraspessoaspareciam conseguir e, apesar de manter um bom relacionamento com oparceiro, sua ansiedade social começava a causar atrito entre ambos,sobretudoquandoelanãoqueriapassartempocomosamigosea famíliadele.

À primeira vista, Monika não parecia ser uma “vítima” óbvia daMaldição dos Bonzinhos,mas àmedida que continuamos a conversar, setornouclaroqueoprincipalmotivodenãoconseguirmanteramizadessedeviaaofatodeeladartantodesiqueissoeraexaustivoe insustentável.Tratava-se de um hábito enraizado tão antigo queMonika não conseguiaimaginarserdequalqueroutrojeito.

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–Eunãopossoestarcomalguémenãomedaraele–explicouela.–Sósei ser comouma lâmpadade1.000watts, que tudo iluminaemelhoraohumor.Nãotenhogradação;tenhodedartudoissoouevitarasituação.

Comomuitos Bonzinhos,Monika não considerava sua própria energiacomo um precioso recurso que ela pudesse escolher como, quando e aquem dar. Agia segundo uma inconscienteRegra Pessoal Rígida que lhemandava: SE VOCÊ ESTIVER COM QUALQUER OUTRA PESSOA, PRECISADAR-LHETOTALATENÇÃOEENERGIA.Assimcomono casodequalquerRegra Pessoal Rígida, eu queria ajudar Monika a descobrir o “ou então”existentenofimdisso.

–Então,oquepoderiaacontecersevocênãofossealâmpadade1.000watts?–perguntei.

OcorpodeMonikaseretesoueelapareceuapavoradadiantedeminhapergunta.Emgeral,umafaladoraenérgica,Monikacalou-se.

–Qualéomedo?–insisticomdelicadeza.Monikadesatouachorar.– A desaprovação. Não suporto de modo algum que alguém me

desaprove. Atémesmo estranhos. Soumuito sensível àmínimamudançanalinguagemcorporaldeles.Nãoparodelhesexaminarorostoelersuasexpressões,éumatotalexaustão.

Falamos sobre sua infância. Quando Monika tinha 3 anos, a famíliamudou-separaumaaldeiamuito isoladanomeiodazonarural.Opaieraum caixeiro-viajante que se ausentava muito, e ela acha que a mãe setornousolitáriaeinfeliz.

–Sópassavaumônibusporsemanaparaacidademaispróxima,eelaadorava fazer compras, por isso acho que devia se sentir extremamenteentediada e provavelmente furiosa e frustrada. Levávamosmeu irmão àescolatodamanhã,depoisvoltávamosparacasaepassávamoslongasseishoras juntas. Eu era sua pequena ajudante nos trabalhos domésticos elembro que mamãe icava muito irritada e perdia as estribeiras se eucometesse um erro. Com frequência, enfurecia-se e me dava tapas porfazeralgumacoisaerrada,comonãoverumpoucodepónoaparador.Poroutrolado,tambémpassávamosbonsmomentosjuntasquandoeucantava,dançava, adistraía, e ela icava feliz,me chamavade suamelhor amiga ediziaqueninguémsabiaacalmá-lacomoeu.

– Do que você sentia mais medo: – perguntei – da raiva ou dadesaprovaçãodela?

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– Bem, acredito que uma coisa estava tão ligada à outra que, nainfância, eu não sabia distinguir a diferença. Só sabia que se eu não amantivessesatisfeitaeentretida,elapoderia icarenfurecida,berraremebater.

– Acredita que se alguém desaprovar você agora, você poderia seenfurecereficaragressiva?–perguntei.

Monikaolhou-meespantada.– Não, claro que não, isto é inteiramente ridículo! – Em seguida,

pareceupensativa.–Naverdade, talvezeuacreditequesim.Meumedoétão intenso que deve estar associado a alguma coisa muito forte edramática.Mas claroquenuncaousei colocá-lo à provadepois de adulta,porissotalvez,numcertosentido,euaindaacreditequesim.

SerBonzinhoparasobreviver

Ascriançasnão têmnenhumpoderconcretoparaenfrentare lutar, fugiroupedirajudaaosoutros.Contamcommuitopoucasopções reais, eumadelas é tentar controlar como se comportam para provocar atitudesdesejadasnaquelesquecuidamdelas.Portanto,serBonzinhobempoderiaassemelhar-seaumaquestãodesobrevivência.

ParaMonika,seelaconseguisseagradaramãe,oudeixá-la felizenãozangadanem triste, escaparia dador e dos sentimentosde intensomedoque acompanhavam a expectativa da atitude materna. Mas ela carregouconsigopara a vida adulta uma reaçãoquase fóbica àmínima insinuaçãode desaprovação no rosto de qualquer um – sobretudo demulheres –, amentesubconscienteassociandoessaexpressãoàexpectativadedor ísicaouàdoremocionalderejeição.

Nenhuma das circunstâncias que deixavam a mãe furiosa eimprevisíveleraresponsabilidadedeMonikaquandocriança–elanãoascausava, nem poderia repará-las. Mas, antes dos 7 ou 8 anos de idade,nosso cérebro em desenvolvimento tem muito pouca capacidade depensamentoracionalemuitasvezesantesdessaidaderecorremosaoquechamamde“PensamentoMágico”.Signi icaquepensamospodercontrolaro universo e o comportamento daqueles ao nosso redor. Por isso é quemuitas vezes essa é a fase em que os pequeninos podem ser um poucoobsessivos (“Se eu não pisar nas linhas na calçada, os ursos não vãomepegar”,porexemplo),e fazemacordoscomouniversoparaacalmarsuas

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ansiedades. Assim também podem começar asRegras Pessoais Rígidascomo:SEEUFORSEMPREBOMEAGRADÁVEL(oucuidadosooucaladoouum trabalhador esforçado – ou outros comportamentos aprovados),MAMÃE(oupapaiouoirmãomaisvelho)FICARÁFELIZESERÁAMOROSACOMIGO(ounãovaigritarcomigonemmepunir).Eacrençasereforçaráporqueàsvezesfuncionará.Àsvezesagiremoscomonosmandam,seremosdóceis, amáveis e bons, e aquele que cuida de nósreagirá de maneiraamorosa.Então,comoumviciadomuitopequenoemmáquinacaça-níqueis,continuaremosa tentar tirar a sorte grandemaisumavez, sementenderque nossa vitória foi de fato bastante aleatória, e que não podemoscontrolá-larepetindováriasvezesamesmaestratégiavitoriosa.Claroquequando não tiramos a sorte grande e não “ganhamos” o comportamentodesejadodocuidador,acreditamosqueprecisamostentarcommaisa inco,equeénossaculpaofatodenãoganharmoscommaisfrequência.

Essespadrõesdecrençaecomportamento,quefaziamtodoosentidoeerame icazesemnosajudarasatisfazernossasnecessidadesnainfância,tendemacontinuar,nãoexaminadosenãopostosàprova,navidaadulta,onde nos servem commuitomenos e icácia e com frequência se tornamativamenteinúteis em nos ajudar a ser quem queremos ser. Assim, paraMonika, sua estratégia de ser uma presença divertida de alta energia foie icaz de forma razoável, quando ela eramuito jovem, e umadas poucasopções à sua disposição para lidar com a raiva imprevisível damãe.Masagoraessaestratégiaadeixatãoesgotadaeexaustaqueelaevitareuniõessociais e se sente, portanto, solitária e sem amigas. Meu trabalho comMonika incluiu a buscademeios emque ela pudesse, em segurança, pôrsuas crenças à prova, pela criação, passo a passo, de pequenasexperiências comportamentais para mostrar que a desaprovação dosoutrosnãolevariaaresultadosviolentos,intratáveisouinsuportáveis(verCapítulo8parasabermaissobreessasexperiências).

PESSOAQUEEVITARAIVAOUQUEBUSCAAPROVAÇÃO:QUETIPODEBONZINHOÉVOCÊ?

ComoMonika,muitosBonzinhosclassi icam-senacategoriadePessoaqueEvita Raiva: sentimosdesproporcional temor de con lito, desaprovação oucrítica.Emgeral (masnãosempre), evitaremoso seguinte: reclamarnum

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restaurante, devolver mercadorias em uma loja, fazer qualquer tipo dequeixa(pormaisjusti icadaqueseja),discordardealguémnumdebateoudiscussão,dizernãoaumpedidooupediraalguémquepare(oucomece)de fazer alguma coisa. Também procuraremos evitar o tipo de pessoaraivosa,que fazcampanhaem todoescritório,bairroeparquede recreioescolar, e tenta nos arrebanhar para compartilhar com ela a injustiça eassinar-lheapetição.Essaspessoastendemanosdeixaransiosospelasuasimples presença, mesmo antes que tenham pedido aquilo a que nãopodemosdizernão.

No outro lado da moeda de evitar a raiva, vê-se Aquele que BuscaAprovação. Emminha experiência, amaioria das pessoas que sofrem daMaldição dos Bonzinhos constitui uma combinação da que Evita a Raivacom a que Busca Aprovação – embora para algumas uma estratégia semanifestemaisfortementequeaoutra.

Como evitar a raiva, a busca de aprovação se expressa de muitasformas. No topo de minha própria lista, constaria abrandar, lisonjear esentir compaixão pela pessoa raivosa, violenta, na esperança de que, segostardemim,eladeixarádesentirraiva(nãoqueestejanecessariamentecom raiva demim,mas omedidor de raiva do Bonzinho tende a ser tãosensívelqueéquase impossíveldiferenciar).Emseguidaviriaabuscadeelogio, agradecimentos, gratidão, “notas superiores” (tanto faz o que issosigni ique para você – para Samantha, abaixo, signi icava uma casaimaculadaeroupasinfantisdaBabygrosbempassadas),empreenderboasações, jamais dizer não, tentar assegurar que todomundo goste de você(ou com certeza que ninguém desgoste de você), ser adaptável, útil,atenciosa, amável, educadaeabnegada.Talvezvocê reconheçaalgumas–ou todas – dessas características, e talvez tenhamuitas de suas própriasparaacrescentaràlista.E,claro,nenhumdessescomportamentoséerradoem si. No entanto, sabemos que são infrutíferos para nós porqueacreditamosnãoexistirformasalternativasdesereporissonossentimosaprisionados na armadilha deles. O que almejamos é: ser Bonzinhosquandoescolhemosser.

Sevocêconseguetercertezadequeobtémaprovaçãodaquelesquedefato exercem algum poder sobre você (seu chefe, por exemplo), oumaisprovavelmente,comoadulto,daquelesquede forma inconscienteescolheupara terem poder sobre você (seu companheiro, amigo, pai), sentirá quetudoestábemcomomundo.Momentaneamente,sesentirácalmo,seguro

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e bem consigo mesmo. Por isso é que os Bonzinhos muitas vezes têmtendências perfeccionistas. Tome o exemplo de Monika ( [2]): se elaconseguisse fazerà perfeição todas as tarefas designadas pela mãe,poderiaganharelogio,umolharafetuosoouumabraço.Mas,sequalquercoisa icasse um pouco imperfeita, segundo a mãe, ela poderia recebergritos,crítica,puniçãoouserignorada.

Samantha:quempodemedaraprovaçãoagora?

ParaSamantha,avidasetornaramuitodi ícildesdequetiveraoprimeirofilho,aos35anos:

–Sinto-memeioperdida,nãoseimaisquemsou–disse-meedesatouachorar. – Antes de ter Izzy, eu era muito trabalhadora e ambiciosa, masagora venho deixando tudo de lado. Preocupo-me com o que as pessoaspensamdemim,minhacarreira,minhaaparência.Engordeidesdequetivemeufilhoereceioquemeumaridonãomeachemaisatraente.

A transição para a maternidade causa uma enorme tensão naautoimagemdamaioriadasmulheres.Muitasdaspartescomponentesdesua identidade, seja serem boas no trabalho, gostarem do próprio corpo,seremamigasou companheiras ativas, terem tempopara empreender ascoisas que as fazem sentir-se elas mesmas, em geral desaparecem –algumas para sempre, algumas por apenas um curto período e algumasparaseremsubstituídasporcoisasdiferentes,muitasdasquaiselasaindanemsequerconhecem.

Samantha explicou que era ilha única de pais corujas que lhe diziamqueelaeramuitoespecialepoderiarealizarqualquercoisasetrabalhassecombastantea inco.Loucaporbalé,queriaserbailarinadefamamundial,dançaropapelprincipalemOlagodoscisnesparareceberumestrondosoaplauso.

–Desde os 3 até os 17 anos, iz balé quatro noites por semana e nosfinsdesemanatambém.Minhaprofessoraeramuitosevera.Impulsionava-medeverdade,maseracontidanoselogios;seeutiravaoprimeiro lugarnum exame de balé, o máximo que recebia dela era uma leve curva dolábio, uma sobrancelha erguida e uma advertência de que o exameseguinte ia sermuitomais desa iador, por isso eramelhor eu começar atreinar!

Emnossassessões,Samanthasedeucontadequetodasuamotivação

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consistia na necessidade de elogio, ser literalmente a “preferida daprofessora”(debalé)emqualquersituação.

–Naverdade,achoqueminhaéticadetrabalhovemdeserdançarina.Não posso subestimar o papel que a professora de dança desempenhouem toda aminha necessidade de atenção.Meu último chefeme adorava,poiseuerasempreaqueabriaoescritóriodemanhãouofechavaànoite.Eutrabalhavacomoumalouca,mastudoparaganharseuelogio.

Ondevocêbuscaaprovação?

Muitosdenósreconheceremosversõesdenossaprópriainfâncianorelatode Samantha.Quando a aprovação é escassa, conquistá-la pode tornar-seviciante,poisabuscamosdequalquer fontedisponível,àsvezesde formaindiscriminada.

OpioneiropsicólogoCarlRogersescreveusobreo“localdeavaliação”,que pode ser predominantemente interno ou externo e relaciona-se a sevocê mesmo (interno), julga suas ações, trabalho, realizações ecomportamentoouseéregidomaispelaformacomqueosoutrosparecemavaliá-lo(externo).

Claro que isso varia de situação para situação, e todos somos umamistura de ambos. Mas também temos de ser realistas. Portanto, nocontexto de exames e quali icações externas, por exemplo, você nãoavançaráseseulocaldeavaliaçãointernalhedizquevocêéumestudantenota-A,masnolocaldeavaliaçãoexternaseusresultadosdocerti icadodeconclusãodoensinomédio são todosF.Hoje,umaenormequantidadedeavaliações externas insere-se em nossa cultura muitíssimo competitiva,seja de exames aparentemente in initos a fotogra ias de avaliação noFacebook.

Porém existem chances de que, se você sofre da Maldição dosBonzinhos, o local externo serádelongemais fortequeo interno.De fato,muitos de meus clientes lutam para sentiralgum de seu própriojulgamento, ou valor, de si mesmos. Delegaram o julgamento a outraspessoaseemgeralo iníciodessehábito remontaà infância,quando tudotinhamais a ver como que elesfaziam do que com quemeram. Isso nosremeteàideiadeamorcondicional,noqualvocêtendeasentir-seamadoevalorizadopeloquefaz,enãoporquemé.

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CRENÇASFORMADASNOSSENSÍVEISANOSDAADOLESCÊNCIA

O trabalho com muitos clientes ao longo dos anos mostrou-me que nãoapenas as experiências de amor e afeição da infância colaboram para oestabelecimento de certas crenças e comportamentos que se tornaminfrutíferos na vida posterior; creio que o que acontece conosco nossensíveis anos adolescentes, de crescimento e desenvolvimento, tambémproduzefeitospoderososedelongaduração.

Ella:medodasmeninasmalvadas

DuranteocrescimentodeElla,opaitrabalhavaparaumagrandeempresamultinacionaleeradesignadoaumcargoemdiferentespaíses,porpoucosanos de cada vez. A experiência de Ella envolveu começar em muitasescolas diferentes e sempre se sentir a menina nova, muitas vezes nemsequer capaz de comunicar-se em sua língua materna. Inteligente,aprendendo rápido, Ella não se lembra disso sermuito problemático atéchegaràadolescência.

–Nessaocasião,eufrequentavaumaescolaamericanadeensinomédiocujoambienteera igualao ilmeMeninasmalvadas.Umbandodemeninassuperpoderosas ocupava o topo da Hierarquia da Popularidade, e elaseram completas e absolutas megeras com qualquer uma como eu, meiodiferente, impopular, que usava as roupas erradas e não sabia comoparticipardojogo.Elasridicularizavamosmeuscabelos,omeusotaqueeaminhaignorânciasobreosmeninos.

Ella se sentia isolada, excluída, e internalizava o escárnio de“perdedora”.

–Eusempre icavaemcasanossábadosànoitevendobesteirasnaTVcommamãe e papai. O telefone nunca tocava. Então, na segunda-feira demanhã, todaselas fofocavamarespeitodealgumafestaaquetinhamido,com quem haviam saído e quem gostava de quem, eme excluíam dessemundo de aparência excitante onde toda a ação dos meninos pareciaacontecer.

Ella cresceue se tornouumamulhermuitodependentedaaprovaçãodasamigaseviviaansiosa,commedodeserrejeitadaouexcluídaporelas.SeEllatomavaconhecimentodeumeventosocialparaoqualnãoatinhamconvidado, passava dias analisando o que disse e a quem, para tentar

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entendersehaviaofendidoalguém.Éobcecadaporajustar-seaogrupodeamigos, e, embora possa agora comprar as próprias roupas e gastardinheiroparausaropenteado“certo”,percebequemuitasvezessesenteansiosanumgrupoenãoparademonitoraroquevaidizeroufazer,paranãosedestacareatrairatençãonegativa.

– Sinto-me exausta pela minha constante vigilância. Nunca acho quepossosereumesma,emboranemsequertenhamaiscertezadequemsou.E nunca acho que posso recusar algum pedido ou convite porque nãoqueroofenderninguém.–Tudoissoadeixamuitoinfeliz:–Àsvezespensoquedetestominhavidaesimplesmentequeromemudarparaalgumlugarmuitodistanteecomeçartudodenovo–disse-mesemrodeios.

Muitaspessoasdemonstrarãoa inidadepelossentimentosdeEllaeseudesejodefugir.Vamosencontrá-lamaisadiantenolivro(ver Capítulos4e8) e veri icar como ela fez para conseguir reunir-se com seu verdadeiroeu, fortalecer o seu local interno de avaliação e se tornar menosdependentedaaprovaçãodeseuspares.

A adolescência também constitui um período fundamental noestabelecimento de crenças e comportamentos relacionados a nossanecessidade sexual: sou desejável sexualmente? Meninos/meninasqueremmenamorar?Quetenhodefazerparaserdesejável?

Sarah:aúltimaamigaasairdobar

Sarah,umamulhervivazde36anos,meprocurouporquesentiaquenãoapenas sabotava a simesma, num esforço in indável para perder peso ereduzir o consumo de bebida alcoólica, como ainda mais seusrelacionamentos com homens pelo medo de não ser boa o su iciente.Parecia que adquirira essas crenças inúteismais na adolescência do quenaprimeirainfância.

– Tive uma infância bastante feliz – explicou Sarah. – Minha famíliapassava muita segurança e era uma boa fonte de prazer e diversão.Éramos aquele tipo de família gorda e feliz, como na série televisivaTheDarlingBuds ofMay. Portanto, enquantonosmantínhamosunidos, estavatudo certo nomundo. (Sarah eramestra em autodepreciação cômica – afimdeseanteciparaqualquerum,comoexplicoumaistarde.)

“Mas,quandometorneiadolescente, tudo icoumuitomaisdi ícilpara

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mim. Minha melhor amiga no ensino médio era deslumbrante, o que demodoalgumajudava.Habituei-measersuaamigagorda.Emcertoaspecto,issomeobrigouatornar-medivertidaefácildesegostar.Eumeconsolavacom a ideia: você talvez não goste demim,mas na certame consideraráumapessoasimpática.”

Aolembrar-se,emnossassessões,dealgunsdosdetalhesdolorososdesua adolescência, Sarah teve um lash a respeito de onde talvez tenhamcomeçadosuascrençassobrebeber:

–Numafase,minhaamigabonitatinhaumnamoradoqueera jogadorderúgbi.Euaacompanhavaepassavaalgumtempocomtodososmeninosdotimederúgbieachoquefoientãoquecomeçouomeuhábitodebeber.Eunãopodia ser ameninabonita comquem talvezquisessem sair e porisso me tornei alguém com quem, em vez disso, eles bebessem e sedivertissem.Continuosendosempreaúltimaa sairdeuma festa.Comosmeninosdorúgbi,istoeravistocomoumacoisamuitolegal.

Sarah também passava pela constante e demolidora experiência demeninos lhedarematençãoparachegaràamigamaisdesejáveldopontode vista sexual, de modo que, quando alguém gostava mesmo dela, elatendia a não notar e partir do princípio de que o cara não gostava.Percebeu pela primeira vez em terapia que um menino conhecido aconsiderava uma amiga, mas ela não ousava acreditar que tivessequaisquer sentimentos mais fortes, na verdade era provável que ele sesentissedamesmaformaqueela.

–Elemeescreviacartase icávamoshorasaotelefonetodasasnoites,mas eu sabotei o potencial para um relacionamento romântico entre nóslogode início.Lembro-medequeo leveiaumadiscotecaea certaalturameio que o repeli isicamente, e em seguida vi o olhar confuso em seurosto. Imagino que jamais acreditei que pudesse estar interessado deverdadeemmimcomonamorada.

EmboraessalembrançadeixasseSarahmuitotranstornada,ajudou-aacomeçar a mudar as crenças sobre si mesma e sobre os homens, e apercebercomoasexperiênciasdolorosasdaadolescêncialheconstringiamavidaagora.

CLÁUSULADECOMPAIXÃO:LIVRAR-SEDECULPA

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É importante adquirir percepção e entendimento íntimos em relação aolugar onde se originaram nossas crenças e comportamentos infrutíferos,masdemaneiracompassivaetoleranteconosco,enãocomoumafontedeainda mais desaprovação, crítica e julgamento. Assim que reconhecemosesses padrões, podemos começar a fazermudanças para nos libertar demodos de pensar e ser que já não são mais proveitosos para nós. NoCapítulo6,veremosoqueaconteceuquandoSarahfaloucomoseuantigoeude15anosdemaneiracompassivaefortalecedora.

No mesmo espírito, penso ser importante tentar ampliar acompreensão da função de alguns adultos em nossas vidas que talveztenham in luência na formação desses padrões. Amaioria dos pais faz omelhorquepode,dadassuascircunstânciaseaformacomoelesprópriosforam criados. O quemeus clientes e eumuitas vezes descobrimos, comdelicadarevisãodopassado(verCapítulo5),équesuasmãese/oupaisseachavamcom frequência sobenormeestresseepressãoquandocriavamos ilhospequenos.Talveztivessemtrês ilhoscommenosde5anos,poucodinheiro, nenhuma ajuda e tampouco fraldas descartáveis.Mostravam-seexaustos, mal-humorados e ríspidos. Ou é possível que estivessemdesatinados de dor pela perda de alguém essencial – talvez a perda daprópriamãeoupaiouumbebênatimortoaoqualnunca se referiam.Outalvezopaitrabalhasselongeoutivesseumcasoamorosoequandoestavaem casa desencadeava-se terrível discussão, briga ou tensão. Ou talvezalguémnafamíliasofressedeumadoençaouvíciograve.Nenhumdessesfatos teria sido responsabilidade dos ilhos – que não os causaram, nempoderiamremediá-los.

Tambémé importantenãoesquecerquemuitasdas ideias inovadorassobre o desenvolvimento emocional e psicológico de crianças só setornaramamplamente conhecidas e aceitasmaisoumenosno começodoséculoXXI.ApopularidadedeprogramasdeTVcomoSupernanny,comsuamensagempredominante de que a educação de ilhos é a soma do amorincondicionalcomlimitesclaros,exerceuumain luênciadeamploalcancequeporémnãoerabastanteconhecidopelasgeraçõesanteriores.

DESENHESUAÁRVOREGENEALÓGICA

Talvez seja interessante e proveitoso desenhar sua árvore genealógica

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nessemomento.Poderiaajudá-loapensarsobrecomofoicriadoecomeçara identi icar quais regras e crenças pessoais talvez lhe tenham sidotransmitidas. Você poderia começar pelos avós e trabalhar até o lugaronde você se encaixa. O padrão é usar círculos para as mulheres,quadradospara os homens, ligar os casais comuma linha e pôr os ilhosnuma ileiraembaixodospais,masnão sepreocupedemais comovisualdográfico.

Emterapia,chamamosissodegenograma,eaideiaéinserirquaisquerinformaçõesquepossamajudá-loaobterpercepçãointernadecomovocêse tornouqueméhoje– issopoderia incluir fatosdavida, comodivórcio,mudança de casa, um caso amoroso oumorte prematura. Também podeacrescentar descrições psicológicas das pessoas, como alguém crítico,controlador,amável,generoso–qualquercoisaquesaibaouselembredapessoa. Pode até querer conversar com um membro de con iança dafamíliaparadescobrirmaisdetalhes.Seesseprocessosuscitarlembrançasdolorosas, com as quais pareça demasiado di ícil lidar sozinho, tenteconversarcomalguémemquemcon ieoupenseemmarcarumavisitaaumorientadorpsicológicoouterapeuta.

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RESUMO

Seguem-se as ideias essenciais que examinamos neste capítulo e com asquaisaprenderemosalidarmaisadiantenolivro:

Almejeser“bomosuficiente”.Examineas“condiçõesdevalor”easorigensevalordecertascrençasecomportamentos.Fortaleçaseulocalinternodeavaliação.Livre-sedeculpa.Desenhesuaárvoregenealógicaparaajudaraidentificaraorigemdasregrasecrençaspessoais.

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Q

3

OsdiferentestiposdeBonzinho:Qualdelesévocê?

uando trabalhei como psicóloga na prisão de Holloway – o maiorestabelecimento de detenção feminina da Europa, commais de 400

detentas –, parte de meu trabalho envolvia ensinar um programa detreinamento de comunicação assertiva (uma fonte de algumdivertimentopara amigos e colegas, pois isso constituía uma parte fundamental deminhaprópria luta).Aexperiênciaensinou-meumavaliosa lição:que sãoraras as pessoas que são assertivas em todas as áreas de sua vida.Parecemos todos ter pelo menos um ponto fraco e, de modo inverso, amaioria de nós tempelomenos uma área emque conseguemanter umacomunicaçãocalmaeclara.Oimportantenissosigni icaqueacomunicaçãoe icazéumaaptidãoquepodemosaprender(ouaprenderatransferirdenossas áreasmais fortes), e não uma coisa com a qual pessoas sortudasnascemeoutras,nemtãosortudas,nuncaserãocapazesdeadquirir.

No grupo, izemos um exercício chamado Jogo da Linha, em que sedesenha uma linha imaginária transversal na sala e as personagens doexcelentelivrosobrecomunicaçãoassertiva,dapsicólogaAnneDickson( AWoman in Your Own Right – Uma mulher por mérito próprio), sãocolocadas,teoricamente,aolongodalinhacomrótulosdenomespresosaochão. Numa ponta, icaDulcie Capacho, que reage de forma passiva àssituações, e, na outra,Agnes Agressiva, cuja reação é violenta em termosverbais. Perto deAgnes icaIvy Indireta , que é aquela à qual tendemoschamardepassivo-agressiva,enomeioda linha–aquetodasalmejamosser– icaSelmaAssertiva.Emseguida,euliaemvozaltaalgumassituaçõesetodasnósnosmudávamosparaopontoaolongodalinhaquejulgávamoscorresponderànossarespostaaessasdiferentessituações.Erafascinanteconstatarnoquenosdiferenciávamoseondeéramossemelhantes.

Tomeasituação1,porexemplo:devolverprodutosdefeituososaumaloja.EumeencaminhavaparaolugardeDulcieCapacho,poisessaeraumasituação que eu temia e evitava. As outras mulheres me gozavam comsarcasmos bem-humorados, como: “Senhorita, você é tão medrosa”, aocorrerem todas para o lugar de Agnes Agressiva (“Eu lhes diria vão se

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fo***!”). Mas em outra situação, como defender seu terreno com umcompanheiro crítico, solapador, eu podia icar mais próxima do localassertivo, enquanto algumas gravitavam ao redor deDulcie Capacho, ediziamque essa erauma situaçãomuitomaisdi ícil para elas.Quando setratava de reagir a ummotorista que dá uma fechada na frente do seucarro, icávamos todas emAgnes Agressiva e dizíamos que no espaçoprivadodenossoprópriocarronossentíamossegurasparagritar,xingaretalvezatéfazerumgestogrosseirocomamão.

Também ensinei uma versão do Jogo da Linha a grupos de altosexecutivos (usando brinquedosmacios, em vez dos nomes dasmulheresparacaracterizarosdiferentesestilosdecomunicação– CachorroCapachoe Jacaré Agressivo , por exemplo). Amaioria desses executivos (sobretudooshomens)eramuitoexperienteecon ianteemsuasfunçõesnotrabalho,algunsdelesresponsáveisporcentenasdepessoas,etomavaimportantesdecisõesodiainteiro.E,noentanto,sentiam-setotalmenteimpotentesparadizernãoaumpedidodo ilhopormaisumsacodebalasouademandasexorbitantesdeumacompanheira.

Nossasreaçõesemqualquertipoderelacionamentoousituaçãotêmavercomcon iança,eeladependerádenossoconjuntodecrenças,emoçõesecomportamentosrelacionadosaessepapel,relacionamentoousituação.

ONDEVOCÊÉCONFIANTE?

Poucosdenósconseguemsecomunicarcomcalmaeclarezaemtodasasáreasdavida–éprovávelquetenhamostodosumpoucodeumaáreadevulnerabilidadedaMaldiçãodosBonzinhos.Seguem-seasexperiênciasdealgunsclientesparaajudá-loaidenti icarasáreasquevocêtalvezgostariademudaremsimesmo.

Kirsty–amãeBoazinha

Kirsty reconheceu que fora uma mãe meio relutante. Tinha sentimentoscontraditórios quando descobriu que estava grávida. Embora a novaaventura a emocionasse, as lembranças da própria infância não erammuito felizes, e apavorava-lhe a ideia de que se tornasse semelhante àprópriamãe,queforageniosa,volúveleviolenta.Opaiseausentavamuito,

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emviagensatrabalho,porissoelaimaginavaqueamãe,sozinhacomtrêsfilhospequenos,sesentisseestressadaeinfeliz.

–Nãogostodelacomopessoa;muitasvezesadetesto–disse-meKirsty.–Só lhe telefonoouavisitoquandoabsolutamentenecessário:por sentirculpa,obrigaçãoouporquemeupaimepressionou.

Os sentimentos positivos de Kirsty em relação a sua gravidez secentralizavamnaesperançaderedenção–umaexperiênciareparadoradeserumamãeemtudodiferentedasua.

–Pensoquetudoquefaçocomomãeéparaquemeu ilhonãosesintaemrelaçãoamimcomomesintoemrelaçãoàminhamãe.Nãooqueroemterapiadaquiatrintaanos,seamargurandoemrelaçãoamim!Queroquegostedemim,meameedesejepassartempocomigo.

O ilho de Kirsty, Max, tinha 3 anos quando ela procurou terapia.Sentia-se por completo oprimida e exausta pela sua vida.Numapropostade dar ao ilho amor incondicional irrestrito, quase se tornou totalmenteincapaz de estabelecer quaisquer limites. Não suportava ouvi-lo chorar,porissooacalmavaparadormirtodanoiteemseusbraços, levava-oparaa cama do casal quando ele acordava à noite e passou a sentir cada vezmenossono.Brincavacomeleodiatodoeprogramavaohoráriodafamíliade acordo com suas necessidades e desejos. Ela descreveu a gota-d’águaqueacabouporlevá-laàterapia:

–Semprequevamosaosupermercado,compro-lheumDVDdodisplaypróximo ao caixa, na saída. Sei que não devia ter começado isso, porque,claro,crieiumaexpectativaneledequesempreganharáum.Sedigo:“Não,hojenão,játemosmuitosDVDs”,eledesataachorar,e,sedemoroaceder,eledáinícioaumfaniquitoaosberrosegritosaplenospulmões,demodoquetodomundomeolha,eseioquepensam:quemãeterrível!

MasnaocasiãoemqueKirstymefalavaarespeitodisso,eladefatonãotinhadinheirosu icienteparacomprarumDVD,porissotevedearrastá-loaosberrosparafora,pensandoqueomagoaradeformatãoterrívelqueoprejudicara para o resto da vida. Para piorar, ele se expressava comveemência em seus faniquitos: “Eu odeio você, eu odeio você,mamãe. Euodeiovocê!”

–Não aguento ver a dor e o sofrimento dele – soluçou ela. – E saberque os causei é insuportável. Mas não posso continuar assim. Ele estáarruinandominha vida eme sintomuito ressentida, já culpada por estarmetransformandonaminhamãe.Samjámeodeia.

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De maneira paradoxal, Kirsty criara, ela própria, o enredo que maistemia.

Nem todos os pais Bonzinhos são iguais a Kirsty,mas esse é um padrãomuitocomumparamães(emuitospais).Vocênotaráquecomfrequênciaaspalavrasoutemascomoculpa,ressentimentoecriaçãodeexpectativasse aplicam aos Bonzinhos, que se sentem sem condições de acabar comisso(semcausarmuitaraiva,oquepareceinsuportável).

Amaternidademuitasvezesnutre-sedeideaisculturaisdacondiçãodemulher e pode exacerbar quaisquer tendências que elas já têm àabnegaçãoouaomartírio.ComoescreveSusanFaludiemBacklash[Reaçãoadversa]: “Demonstrações de deferência e martírio... são característicastradicionaisdaculturadehonrafeminina,anunciadascomopromotorasdeaprovaçãosocialeamordemulheres.”Comomeescreveuumaclientequetrabalha,emavançadagravidez,depoisdesuaprimeirasessão:

–Fiqueiabsorvidapela ideiadequeeu tinhadepôrminhasprópriasnecessidadesemúltimolugarquandometorneimãe,docontrárioeuseriauma mãe ruim. Obrigada por me explicar que, se não cuidar de mimmesma e encontrarmeios de “enchermeu tanque” com combustível, nãoposso dar nada de maneira e icaz ao meu ilho. Sinto mais uma vezesperança!

Amanda–acompanheiraBoazinha

Amanda achou que encontrara a inal o verdadeiro amor aos 45 anos esentiu uma felicidade extática. Sofrera uma dolorosa desilusão amorosacausadaporseuprimeironamoradosérioquandotinha23anos,eemborativesseseenvolvidoemmuitosromances,namorose icadas,nãocon iavadeverdadeemhomensdesdeentão.

– Os caras sempre parecem esconder todas as cartas – disse-meAmanda, ao explicar por que buscava terapia. – Você nunca saberealmente o que eles pensam e sempre parecem ter algum encontro dereservanosegundoplano.Masqueroqueessesejadiferente.

AmandaconheceraSimonequeriaavançarparaotipodefelizesparasempre prometido pelo cinema. Mas como todos sabemos, a vida rarasvezeséassimtãofácil.Simonsofreraumdivórcioamargo,oqualodeixararessentido e frágil, e com um ilho adolescente que icava em sua casa

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todos os ins de semana numa pequena cidade a várias centenas dequilômetros de onde Amanda residia. No entanto, ela se lançou norelacionamento com uma impressionante generosidade de espírito,dinheiro,tempoeenergia.

Elaaprendeua jogar “CallofDuty”nocomputador,paraquepudesseatirar em estrangeiros virtuais e criar laços com o ilho hostil, aturava abagunça dele no banheiro, procurava entre as toalhas encharcadas paraencontrarumasecaobastanteparausareemsilêncio jogava foracaixasvazias de pizza deixadas na cozinha. Amanda fazia tudo que achava quedeviafazeranamoradaperfeita–cozinhar,faxinar,passaraferro,emboraSimondefatonãolhepedisseque izessequaisquerdessascoisas.Sofriaalonga viagem de trem para visitá-lo todo im de semana e começou adetestarainevitávelbaldeaçãodetremparaônibusnatardededomingoeaperdado imde semanapessoal ede tempodepôr-se emdia.Eles emgeral falavam ao telefone durante duas horas toda noite, Amandamuitasvezes sentindo compaixão pelo trabalho complicado e os problemas defamíliadele,masminimizandosuasprópriasdificuldadeselutas.

Então a saúde de Amanda começou a sofrer. Ela contraiu dores deestômago a ponto de ir ao seu clínico geral porque pensou que talveztivessecâncerdeestômago.

–Consegueselembrardequandocomeçaramasdoresdeestômago?–perguntei.–Temalgumarelaçãocomoutracoisa?

Elapensouummomento.–Eutinhaacabadodeembarcarnotremnaestaçãodele...–disse.–Lembra-sedoquevocêsentia?–perguntei-lhe.– Sentia-me prestes a estourar de ressentimento. A sensação era de

queeutinhaengolidodemais...–Emseuestômago?– Sim! Minha nossa, é isso, é a dor de estômago. De fato, também a

tenho sentido emminha garganta. Não estou doente: Estou nauseada deressentimento!

Juntas, programamos uma coisa chamada Barômetro doRessentimento:qualéaleitura?Dequepreciso?Quemeimpededepedir?Qualéomedo?Amandaidentificouqueomedoeradeperderseuamor:

–Seeupediroquepreciso,elereprimiráseuamor–alegouela.TambémdescobriuoutrasRegrasPessoaisRígidas:PRECISONÃOCRIAR

CONFUSÃO,PRECISONÃOSERUMFARDO.

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Esse foi o início de percepção interior e compreensão para Amanda;porém,comosabemos,amudançaésemdúvidaapartemaislentaemaisdifícil.VamosalcançarAmandamaisumaveznoCapítulo4.

Não se encontra o companheiroBonzinho apenasna fasedenamoro, emque muitas vezes tentamos nos mostrar “em nossa melhor forma” paraconquistareconservarorapazoumoça.Vocêtalvezsereconheçaemseucasamentoourelacionamentodelongoprazocomoaquelequeparecedardemais,fazertodasasconcessõesou“abrandamentoemocional”.Esetema sensação de que é muito arriscado, que irá se expor demais, e que émuito assustador dizer qualquer umadessas coisas, identi icar, e pedir oque você realmente quer, o que pode variar de umanecessidade prática(“Precisoquevocêmeajudecomaroupaparalavar”)atéuma(muitomaisassustadora)emocional(“Precisodemaisamoreatençãodevocê”).Eissose aplica aos homens, assim como às mulheres, a casais gays eheterossexuais.

Com frequência, os Bonzinhos sentemuma atração subconsciente porpessoasquetêmpoucoproblemaemáreasnasquaiselas lutam(HarvilleHendrix dá uma explicação muito clara desse fenômeno em seu livroGettingtheLoveyouWant [Obtendooamorquevocêquer]).Porexemplo,comoBonzinhosacabamosnumrelacionamentocomalguémquesesenteà vontade com sua própria raiva e a de outras pessoas, e lhe delegamostodootrabalhodecomunicaçãoagressivanorelacionamento(dizernãoàspessoas,conseguirumre inanciamento, tratarcomoconstrutoretc.).Masessaalocaçãodepapéis–ondenossocompanheiroassumeosconfrontos,enquanto nos encarregamos dos comportamentos Bonzinhos – pode sairpelaculatraenosdeixarnossentindointimidados,presosemarmadilhaseressentidos.

Hamish–ohomemBonzinho

Incluo o caso de Hamish aqui para exempli icar que a Maldição dosBonzinhosnãoconstituiumacaracterísticaquea ligeapenasasmulheres.Como comentei antes, tive vários clientes homens que reagiramentusiásticos à ideia e se sentem tão imobilizados pelas expectativas dosoutros quanto às superamáveis mulheres que lutam para expressar oslados suprimidos de si mesmas. Eu já sentia uma forte sensação de que

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Hamish teria esse problema quando a recepcionista que trouxe amarcaçãodesuaconsultadisseefusiva:

–Elepareceumhomemtãobonzinho...Sempre que alguém descreve uma pessoa como “boazinha”, minha

descon iançapõe-seemalerta.Pergunto-me:oquantocustaesseadjetivoparaele?

Logo descobri o custo para Hamish. Ele tinha um sorriso encantador,carismático,e logosemostrouafetuosoeenvolventeaocontarpiadas,mefazer rir.TrabalhavaemTecnologiada Informaçãoeajudava todomundocomproblemanocomputador, emboraessade fatonão fosse sua função.TodosadoravamHamish!Esabedoquemais?Sobseuexteriorsorridente,prestativo,eleardiaderessentimento:

–Sinto-meincrivelmenteenjauladoemtodososaspectosdaminhavida– confessou. – Todomundo acha que sou esse sujeito agradável, e claroquepartedemimé,egostodessapartedemim.Mastambémtenhoesseladosombrioqueborbulhaporbaixo,seescarnecedemimedaquelesquemecercam.

Hamishlutavaotempotodoparamanteroqueeleencaravacomoseuladosombrio, inaceitável, completamente longedavisãodosoutros,oquelhe exigia uma enorme quantidade de esforço e que jamais pode ser aestratégia100%eficazparaninguém.

–Vez por outra, uma coisa de aparência trivialme faz explodir, e emseguida as pessoas parecem esquivar-se de mim, chocadas edecepcionadas.Nãogritonemberro:émaiscomoseeulhesemitisseraivagélidaouflechasemchamasdecruelsarcasmo.

–Queaconteceentão?–perguntei.– Bem, sinto-me tão envergonhado que em seguida ajo com extrema

superdelicadezaparatentarfazerreparações.Peçocomfrequênciaaosclientesquedesenhemumaimagemdequais

qualidadeselesseveemretratandoparaoutraspessoaseoqueescondemousuprimembemnofundodesi(vocêpodefazerfazerissomaisadiante,quando falarmos do exercício do retrato da Maldição dos Bonzinhos).Quando Hamish desenhou seu retrato, fez feixes de luz santi icados aoredordocorpoeescreveuemvoltadeles:“Nãosabedizernão”,“Cuidadetodo mundo” e “Faz malabarismo e mantém todos os pratos girando”.Dentrodocorpoeledesenhouredemoinhosescuroseescreveu:“Meupai.”Opai deHamish abandonou amãe e os dois ilhos pequenos quando ele

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tinha4anos.–Éumhomemfrioedesumano–disseHamish.–Eapavora-meaideia

desercomoele.Somosambosmuitoobstinados–riusombrio.OpadrãobonzinhodeHamish tambémcausavacon litocomaesposa.

Naárduatentativadeserdiferentedopai,elenegavagrandepartedeseuladomasculino;erasuperamáveleconscientedeseuladofeminino,massereprimia tantoqueamulherdiziaqueele era sigilosoeo acusavade tercasosamorosos (sobretudoporqueviracomotodasasmoçasno trabalhoreagiamcomtantoentusiasmoàsuacondiçãodeBonzinho,aqualapenaslhealentavaasdesconfianças,claro).

Por isso, a tarefa de Hamish consistia em ver se ele conseguiriaintegrar os dois lados de si mesmo. Poderia conservar o su iciente do“sujeito agradável” que ele e outros gostavam e apreciavam, ao mesmotempo que permitia transparecer o su iciente de seu lado “sombrio” semqueestechegasseaopontonoqualexplodia?VeremoscomoHamishdeuprosseguimentoaissonoCapítulo4.

Jessica–acolegaBoazinha

Quando Jessica veiomeverpelaprimeira vez,mostrou-semuito excitadacomaideiadaMaldiçãodosBonzinhos.

–Soueu,semtirarnempôr!–exclamou.Achava que não tinha vida alguma fora de um “trabalho sem

perspectiva de progresso”, onde ela trabalhava longas horas extras nãopagas,faziaotrabalhodeduaspessoas,massemnenhumreconhecimentonem apoio e, inevitavelmente, sentia-se muito estressada. Queria perderpeso, fazer amigos, escolher seu relacionamento e aproveitar tudo que acidade tinha a oferecer, mas se sentia esgotada, deprimida e exaustadepoisdecadadiadetrabalho.

–Nadatemsaídocerto.Sinto-mecomoumameninade5anosàesperade que alguémme diga o que fazer emminha vida. – E se pôs a chorar,baixo,mascomumdesamparodecortarocoração.

Os 5 anos foram uma idade fundamental para ela. Seus pais sesepararam quando Jessica tinha 1 ano, e amãe levou-a paramorar comseusprópriospais(osavósmaternosdeJessica),paraqueelescuidassemdamenina,enquantoelaiatrabalharparasustentarafamília.Aos5anos,conseguelembrar-sedeserumamenininhamuitoboaedesesperadapela

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aprovaçãodoavômuitorígido,quecuidavadelatododiadepoisdaescola,e acreditava que se devia observar,mas não ouvir as crianças. Ele tinhaumtemperamento instável,por isso,desdequeelaobedecesseàs regras,izesse o que lhe mandavam, trabalhasse com a inco e icasse calada,Jessicasentia-sesalvaesegura.

Avançados os rápidos 25 anos, porém, Jessica continua a levar a vidagovernada pelas suasRegras Pessoais Rígidas dos 5 anos. As mesmasregras que eram bastante e icazes na satisfação de suas necessidadesagora a fazem sentir-se infeliz, explorada e impotente, pois faz o quemandam,trabalhaduroeficacalada.

–Precisoser capazde lutar sozinhapelosmeusdireitos, recusar todoaqueletrabalhoextraqueempilhamemmimeirparacasanahoracerta.– Jessica sorriu boazinha e acrescentou: –Mas isso é quase tão provávelquantoeuusarjeanstamanho40!

Juntas,desenhamosumretratodecomoJessicasentiaquepareciaaosoutros–umanjosempresorridente,sempreaquiescente–econversamossobreaideiadefazeraexperiênciadeserapenas1%menosboazinha.Oque isso poderia signi icar na prática?, perguntei. Ela conseguiria pensarem alguma coisa que pudesse fazer no dia seguinte que representasseesse1%?

– Que tal dizer não, quando um colega lhe pedir que o ajude a fazerumaplanilha?–Jessicapareceupreocupadaefezquenãocomacabeça.–Qualéomedo?–perguntei.–Surge-lhealgumaimagem?

–Meumedoéque se eu fosse atémesmo1%menosboazinha, agiriacomo uma menina de 5 anos tendo um acesso de raiva que a faria serdemitidaemcincominutos!

Esses são os tipos de medos e imagens que mantêm muitos de nósaprisionados em regras e comportamentos rígidos durante décadas. Sóquando ousamos começar a experimentar fazer algo diferente é quepodemos iniciar a quebra daMaldição. Jessica continuou em terapia porseis meses e se tornou uma realizadora de experiências muito corajosa,chegandomuito alémdo 1%que sugeri a princípio. Examinaremos comoelaconseguiualcançarissonosCapítulos7e8.

Liz–aamigaBoazinha

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Liz,de45anos,viajoucentenasdequilômetrosparaumasessãodeterapiadeduashoras.Elasesentou,comumsuspiro.

–Notrem,hoje,penseidefatoqueessasessãoéminhaversãodeiraum spa. Nãome lembro da última vez que iz alguma coisa apenas paramimmesma.

Desdeodivórcio, cinco anos antes, Lizdisseque se sentia “subjugadapor responsabilidades”. Trabalhava extraordinariamente duro comodiretora executiva de um centro de artes, preocupada com o apoioemocionalesustento inanceirodeseusdoisadolescentesesepropunhaaacompanharumgrandecírculodeamigos.

– Jamais gostei de aborrecer nem decepcionar ninguém,mas agora acoisa chegou a tal ponto que me encontro sobrecarregada decompromissos e me sinto desligada do que quero e até mesmo do querealmentesinto.

Observei queLiz lembrouumpoucouma alunadesobediente quandose referiu à ideia de ter tempo para si e perguntei em que pensava. Elasorriucomtimidez.

–Eupensava:quemvaimerepreender?Juntas, concluímos que um dosmotivos de ela lutar para dizer não a

qualquer coisa e estabelecer limites razoáveis (sobretudo com amigos)constituía um elo da infância entre fazer o que você quer fazer e serdetestável,umamensagemquevinhadopaidesaprovador.

– Há três anos, ele me disse: “Sempre me arrependi de ter lhepermitidoingressarnaquelauniversidade,porquevocêvoltoucomcabelorosae suasprópriasopiniões.”Tivevontadede lhe responder: “Vocênãoprecisadesgostardemimsóporquefaçooquequero.”

Mas o legado disso foi a crença em que para ser apreciada ela devefazer o que pensa que os outros querem, eRegras Pessoais Rígidas queincluíamJAMAISDEVODECEPCIONARALGUÉM.

Perguntei a Liz se ela podia fazer a experiência de deixar amigos namão.Paracomeçardeumaformainsignificante,segura,haviaalgumacoisaque pudesse cancelar que de fato ela não quisesse fazer, e ver comosobreviveriaaoresultado?Eladissequeconcordaraemiraumeventonacasadeumaamiganaquelanoitepara ajudá-la,masnaverdadegostariade icarmergulhadanabanheiraedormircedo.Prometeucancelarevercomosesentia.Tambémaceitoumanterumcadernocomaanotaçãodessae de outras experiências comportamentais. Veremos como ela levou isso

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adiantenoCapítulo9.

AchoquemuitosBonzinhoslutamparanãodizernãoeestabelecerlimitescomamigos,vizinhos,colegaseconhecidos.Sejaaceitariraosseuseventos,receberseustelefonemasemmomentos inconvenientesouserumombrosempredisponívelnoqualchorar, issocomfrequênciatemavercompôras necessidades dos outros antes das suas e não sentir que você tem odireitodedizernão.

OsprofissionaisBonzinhos

Comosabemos,osBonzinhostêmumatendênciaaopensamento“tudo-ou-nada”: se eu não for totalmente 100% em uma coisa, sou a outra coisa(ruim). Isso se traduz muitas vezes como: se eu não for de todocompassivo, não der às pessoas o que elas querem, sou uma pessoamesquinha, egoísta, má (acrescente sua própria palavra negativaadequadaaqui).Issopodelevaraoesgotamentoeaoquesechama“fadigadecompaixão”.Sevocêsóacreditarqueéumaboapessoasetentarajudaros necessitados do mundo e dizer sim aos pedidos e desejos de todomundo,irá,inevitavelmente,tornar-seoprimido,ressentidoeesgotado.

Imagino quemuitas pessoas ao lerem este livro talvez trabalhem naschamadaspro issõesde“assistência”,cujasfunçõesenvolvemocuidadodepessoas doentes ou que precisam de ajuda para enfrentar problemasísicosoupsíquicos,poispensoquese tratadeumavocaçãonaturalparaserBonzinho.Mascomoaatração irresistíveleperigosadamariposaporumachama, trata-sedeuma luzbrilhantequeacabaporqueimarmuitaspessoasdecentesebem-intencionadas.

Talvezvocêsereconheçaemalgunsouemtodososenredosdescritosanteriormente, mas o importante é lembrar-se de que as crenças ecomportamentosqueossustentamsãoaprendidosepodem,portanto,serreaprendidosdeformasquevãocontribuirparasuasaúdeefelicidade.

Examinaremos brevemente osmeios para você quebrar aMaldição evoltaratomarconsciênciadesuasnecessidades,mas,primeiro,talvezsejaimportante perder alguns minutos fazendo o exercício a seguir paradescobrirsuasprópriaseúnicasmaneirasdeserBonzinho.

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OexercíciodoretratodaMaldiçãodosBonzinhos

Segue-seoexercícioquepediaHamisheJessicaque izessem.Trata-sedealgoquemuitasvezesfaçocomclientesnoiníciodenossotrabalhojuntos.É bastante divertido; portanto, ponha um pouco de leveza ao que possaparecer uma “inércia psicológica” opressora que envolve certa relutânciaemmudar.Incluímeupróprioretratoparaajudá-loaentendercomocriaroseupróprio.

Num caderno especí ico, se estiver usando um, ou num pedaço depapel, desenheuma imagemsimplesdeuma iguraque represente você.Ajuda se a igura usar uma túnica triangular, de modo que haja espaçopara você escrever nela; caso contrário, porém, icam ótimos braços epernas “cravados” em linha reta e um círculo simples para uma cabeça.Sempre ponho um grande sorriso no rosto, porque a maioria dosBonzinhostendeasorrirmuito.Personalizarcomalgunsrabiscoscurvoseirregularespara cabelosque se assemelhemaos seus é outrodetalhedequegosto.

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Em seguida, desenhe algumas linhas que irradiampara fora da cabeça edocorpo–meiocomoaquelasemimagensreligiosasdeNossaSenhoraousantos–,deixandoespaçosu icienteparavocêpoderescreverjuntodelas.Também pode pôr-lhes pontas de lecha, se quiser (que apontam paralonge de “você”), pois representam os modos pelos quais você emiteenergiaparaaspessoaseomundo.

Opassoseguinteéescreverpalavrasou frasesao longodessas linhasou lechas que captem sua própria sensação do que você desprende, ouemite a outros. Podem sercomportamentos – por exemplo, sempresorridente,sempredispostoaescutar,arranjandotempoparatodomundo,nunca dizendo não, fazendo outros rirem, mantendo a festa emmovimento...A listaé in indável,masmuitopessoal.Oupodemser regraspessoaisquevocêcomunicaaosoutros,como:estouabertotodasashoras,sempreporeimeucompanheiroprimeiro,nadarecusareiaosmeus ilhos.Anote bem rápido as ideias, sem pensar demais. Trata-se das partes devocê que o deixam feliz que os outros vejam e que são com frequência

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coisas muito positivas, mas podem dar a sensação de esgotamentoincessante.

Agora pense no que vocênão expressa com facilidade (ou nunca) aoutros.Que ica recalcadono íntimo, não expressado e em fervura lenta?Dentro de seu retrato (dentro da túnica triangular, se desenhou uma),anote algumas ideias do que sente estar fervendo em fogo brando aí.Raiva?Tristeza?Ressentimento?Eeu?Sóescrevapoucas coisas– asquelhepareçammaispoderosas.

Agoraolheparao retrato.Nãoprecisa fazerqualqueroutra coisaporenquanto, mas isso lhe dará uma forte consciência visual do que podeestaracontecendodentrodoseutipoparticulardeBonzinho–lembrandoque todomundo se diferencia em relação às situações e relacionamentosnosquaissesentecapazdesecomunicardeformaassertiva.

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RESUMO

Neste capítulo chegamos um pouco mais perto de descobrir o que aMaldição dos Bonzinhos na verdade signi ica para nós e,consequentemente,ondeestamos:

OndeficariavocênoJogodaLinha?Penseemquaisrelacionamentosesituaçõesvocêémais–emenos–confiante.ConfiraoBarômetrodeseuRessentimento.Cuidadocomopensamentotudo-ou-nada.TenteoexercíciodoretratoparalhedarumarepresentaçãovisualdoquetalvezestejacontinuandoparavocêemseuprópriomatizdaMaldiçãodosBonzinhos.

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P

4

Sintonize–Oqueoseucorpolhediz?

ensenovamentenoúltimocapítuloenoexercíciodedesenhoquevocêacabou de concluir – ou talvez apenas tenha imaginado. O que

escreveuno ladodedentroda iguranos redemoinhosborbulhantesdasemoçõesreprimidas?(Asrespostascomunsincluem:raiva,ressentimento,descortesia, desinteresse, egoísmo, medo, crueldade, ira...) Você sesintonizou o su iciente para saber o que esconde do mundo e empurraparaointerior–aquiloqueferveporbaixo.

O próximo desa io é se sintonizarassiduamente com seu corpo paracomeçar a identi icarquando ecomo seus sentimentos semanifestam deforma ísica e como isso se relacionaaoquevocêpensa (pensamentos) eaoquefaz(comportamento).

Quando falodissopelaprimeiravezcomosclientes,ninguémsabedefato a queme re iro, visto que a ideia parece vagademais.Mas tive umaforte sensação, a começar com minha própria experiência, de que essaparte da Maldição dos Bonzinhos envolve neutralizar as mensagens querecebemosotempotododenossocorpo,eseconseguirmoscomeçaranossintonizarcomessasmensagens,poderemosiniciaraquebradaMaldição.Embora a princípio as escutemos, nós as ignoramos; depois isso pode setornarumhábito tãoarraigadoquenemsequerasescutaremosmais, ouparecempequenasvozesespectraisquenossussurramnovento.

Nestecapítulo,queroquevocêsehabitueaescutarseucorpoeouviroqueeletemadizer.Poderíamoschamarissodesuaverdade.Nãoespero,aessaaltura,quevocê tentemudarqualquercoisa,mas lendoospróximoscapítulos comumamenteaberta, vocêvai, dentrodopossível, ajudar a simesmoatentarfazeralgodiferente.

FAÇACONTATOCOMSEUCORPO

Tomeoexemplocomoqual inicieiolivro–meubraçoquebrado.Nosdezdiasentreaquedanadançanoceleiroeaida,a inal,aohospitalparatirarraiosX,recebiinúmerasmensagensdomeucorpo.Primeiroador–aguda,

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se eu estendesse muito o braço, mas quase sempre apenas prolongada,indistinta e latejante. Às vezes, sentia-me vagamente nauseada, contudonão sabia por quê. Minhas noites se tornarammuito incômodas, pois eunão encontrava uma posição confortável, ou, se a encontrava, a dor meacordava seme virasse no sono. Por isso, iqueimuito privadade sono eirritável. Mas não escutava o que qualquer uma dessas mensagens –bastantealtas–tentavamedizer.

Agora,éóbvioquesetratadeumexemplomuitoextremo,porémachoque todos nós constantemente recebemos importantes informações denossocorpo,amaioriadasquaisignoramosounemsequerouvimosmais.É como um rádio transmitindo numa frequência obscura demais paranossos receptores captarem. Muitos de meus clientes levam a vida dopescoço para cima – pessoas sempre analíticas, inteligentes e atentas demaneira impressionante, no entantodesligadaspor completodoque lhesdizocorpo.

Você está respirando agora mesmo? Sim, claro que está, eu sei. Masapenas tome um momento paraprestar atenção à sua respiração. Estásentadoemumaescrivaninha,trabalhandonumcomputador?Lihápoucoque muitos de nós prendemos inconscientemente a respiração, ourespiramos de forma rasa, enquanto respondemos a e-mails. É seu tóraxqueseelevaouéoseuestômagoqueseelevaeabaixacomainspiraçãoeaexpiração?Estáprendendoarespiração,mesmodeleve?Agorafaçaumarápidavarreduradorestantedocorpo,acomeçarcomosdedosdospésementalmente se desloque direto até o topo da cabeça. O que consegueidenti icar?Ondevocê sente calor, frescor, rigidez,dor?Sente fome, sede,dor, necessidade de ir ao banheiro ou de algum ar fresco? Que estáignorando ou suprimindo em seu corpo nesse momento? Começar aprestaratençãoaessasmensagenséumdoscaminhosdevoltaàescolhaeaobem-estar.

NoCapítulo10,vocêencontraráumexercícioderespiraçãoquepoderáfazer,masporenquantotalvezqueiraapenastomarconhecimentodoqueseucorpotentalhedizer.

Jessicaeavontadedefazerxixi

Jessica,acolegaBoazinhaquequeriasermaisassertivanotrabalho(enavida – ver[3]), sabia exatamentea respeitodoqueeu falavaquandome

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referiaescutarseucorpo:– É comoquando você está comumgrupode pessoas e precisa ir ao

banheiro, mas não ousa dizer nada nem se levantar, porque não querinterromperaconversaouatrairaatençãoparasimesma.

–Esseéumótimoexemplo–respondi.–Vocêfazisso?Elapareceupasma,emseguidaenvergonhada.–Achoqueofaçootempotodo;éaregracompletaparamim.Agora,sejamsinceros,quantosdevocêsestãobalançandoacabeçaem

concordância? Desde essa conversa com Jessica, tenho feito a mesmapergunta a muitas pessoas e é fascinante ver quantas admitem muitasvezes ignoraramensagemdocorpodequeelasprecisam iraobanheiro,sobretudo na presença de outras pessoas. Também reconhecem que àsvezes – ou com frequência – ignoramo corpo, quando lhesdiz que estãosedentas, cansadasouestressadas.Masporque, talvezvocê sepergunte,issotemimportância?

Talvez lhetenhaocorridoa ideiade“escutarseucorpo”numcontextomédico ou de exercício ísico. Muitas vezes, um instrutor de ioga oucondicionamento ísicolhediráquepresteatençãoaocorpo,paraquenãose esforce em excesso emachuque ummúsculo ou ligamento.Mas se sesintonizarcomassensaçõescorporaistambémpodeajudá-loasintonizar-se e identi icar suas emoções. As pessoas lutam para reconhecer edesignar seus sentimentos; isso não é algo que em geral nos ensinam afazernaescolaouemcasa.Noentanto,essessentimentossãoemgrandeparteestabelecidos isicamente(daíosubstantivoderivar-se,de“senti[r]”– “mento”), e sevocê consegue começara identi icara sensação, tambémconsegue designá-la como uma emoção. Isso, por sua vez, o ajudará aexaminar o que as emoções poderiamsignificar e como estão ligadas aosseuspensamentosecomportamentos.

Talvez umas das emoçõesmais fáceis de identi icar seja a ansiedade.Trata-se de uma reação demedo a uma ameaça percebida no ambiente,ainda que essa “ameaça” percebida seja de fato umpensamento (comouma lembrança) em nossa mente. Ela é governada por nossa primitivareaçãodefugir,lutarouimobilizar-nos(areaçãofisiológicadocorpoaumaameaça percebida). Veja o modo pelo qual Monika identi icou como suaansiedaderelacionava-seaosseuspensamentosecomportamentos.

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Sintonize-secomseucorpo

Faça contato com seu corpo algumas vezes por dia. Uma boa ideia é colar umpequeno adesivo colorido nas coisas que você usa regularmente – por exemplo, achaleira,ocomputador,oespelhodobanheiro.Depois,semprequevirumdeles,inspirefundoedirijaaatençãoaoseucorpo.

Onde ali se encontra tensão, dor, rigidez? Onde se situam calor, frio, secura,coceira? O que você nota e como isso se relaciona com quaisquer emoções queconsegue identificar?Todasessas informaçõessãodefatoúteisàmedidaquevocêcomeçarasetornarmaisconscientedoquesepassaemseucorpo,quetalveztenha–atéagora–ignorado.

Monikasentemedo

Monika,alâmpadaincandescentede1.000watts(ver[4]), tevedepassarum tempo fora, a trabalho, num curso residencial de uma semana deduração. Chegou à belamansão no campo sentindo-semuito empolgada:uma semana longe da rotina, com todas as refeições preparadas – comoissopoderiaserruim?Naprimeiranoite,elasesentouàgrandemesadejantar, participou do bate-papo e saboreou a deliciosa comida caseira.Sentiu-semeioagitadaedecidiutirarummomentoparasecomunicarcomocorpo.Notouqueocoraçãodisparavaequetinhaabocaseca.Tambémse deu conta de que vinha bebendo um copo d’água após o outro,enchendo-orepetidasvezesdajarra.

Naquela noite, deitada na cama, Monika re letiu sobre seucomportamento.Emcasa,rarasvezestomavaáguaduranteojantarecomcertezanãocincoouseiscopos.

De repente, veio-lhe uma vívida imagem. Ela se sentava à mesa dejantar da família com amãe, o pai e o irmão. Reenchia seu copode águacom tanta frequência que o pai costumava brincar que ele devia instalarumamangueiradiretonamesaparaela.Amãeolhavairritadaeiaenchera jarradenovo,apesardosprotestosdeMonikadequeelapodia fazê-lo.Era muito tenso. A mãe quase sempre se enfurecia com o pai. Sentia-seamarguradaeressentidaporquefaziatantoparacuidardafamíliaeopailidavacomocomportamentoda ilha fazendopiadas,dasquaisMonika, apreferida dele, ria alto, o que parecia deixar a mãe ainda mais furiosa.Colhida no meio deles, Monika lembrava-se de encher in indáveis vezesseucopodeágua–nacertacomoumaatividadeansiosadedeslocamento,

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elaagoraentendia.Derepentetudo icouclarocomocristal:sentar-seàmesadejantarem

meioapessoasdesconhecidasremeteraMonika,deformainconsciente,devolta à tensão de suas refeições na infância. Sentira-se ansiosa àmesa ereagira tomandomuita água, rindomuito alto das piadas e abanando osbraços – tudo de que se lembrava fazer quando criança (muitas vezesderrubava coisas em consequência, o que, claro, agravava a tensão e aansiedade).

Monikadecidiunãofazernadadrasticamentediferente,mascontinuarsintonizada e lembrar-se de respirar mais devagar quando sentisse ocoraçãodisparar.Compreendeuque sua reaçãopareciamuito comoqueelacostumava fazernumareuniãosocialmaior.Omedodequalquer levesinal de desaprovação ou tensão lhe conectava a uma lâmpadaincandescente de 1.000 watts e ela ansiosamente exagerava odesempenhoe irradiavaenergiaantesmesmoquesedessecontadoqueacontecera.

Asmanifestações ísicasdeansiedadesãoprimaspróximasdasderaiva.Osábio Yoda, deGuerras nas estrelas , não se enganou muito quando disseisto:“omedotransforma-seemraiva.”

Hamishsenteraiva

Hamish, o homem Bonzinho (ver[5]), sentia seu ressentimento crescersempre que a mulher deixava a panela de mingau vazia, sem lavar, nabancadadacozinha.Durantemeses,Hamish,zelosoeemsilêncio, lavouapanela – os duros e gelados torrões grudados nos lados, di íceis eresistentes aos seus esforços com a palha de aço. Dentro do corpo, elefervia de raiva e ressentimento não reconhecidos, embora, sem primeiroreconhecer isso, nãopudessepensarnas opçõesque tinhapara agir. Emvez disso, a raiva estourava de forma inesperada em outras ocasiões.Assim, por exemplo, ele talvez se visse gritando com uma forçadesproporcionalquandoamulhersugeriaqueassistissemaMasterChefnaTV:

–Nãoentendoporquevocêgostadisso;éumlixovazio!–criticavaele,paragrandeespantodela.

Ou ladrava insultos a outros motoristas no caminho para o trabalho.

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(Interessante,descobriseresseumclássicodesabafodosBonzinhosparaa raivanão reconhecidaqueparece seguroe anônimo; isto é, até alguémpararocarroeaproximar-separafazê-loseretratar.)

TodasemanaeuinsistiaqueHamishtentasseobservaroqueaconteciaem seu corpo em diversas situações.Muitas vezes, eu lhe perguntava nasessão:

–O que o seu corpo está sentindo agora, nesse instante?Onde está osentimento?

Eraumasituaçãodefatodi ícil,mesmoparaele,comooéparamuitosdenós, sobretudo senos criaramparaacreditarque certas (ou todas as)emoçõesfortessãoruinsouerradaseaprendemosarefreá-las(“suprimi-las”),consequentemente,aténemmaisnotá-las.Maselas,claro,continuamali, e vão semanifestarouafetarnosso corpodeumaoudeoutra forma.Numa semana Hamish chegou à sua sessão e anunciou que tivera ummomentodelâmpadaincandescente.

–Tiveumadesavençacomminhamulher–contou-me.–Epudesentirumaexplosãodeadrenalinanocorpo.

–Issoébrilhante–disseeu(éóbvioquenãomereferiaàaltercação).–Parabénspornotar.Qual foiaexatasensaçãodaexplosãodeadrenalina?Oqueacontecia?

–Bem,eumesentiamuitonervoso,equandoolheiparaminhasmãos,viquetremiamligeiramente.Queriaapenassairdoaposentoomaisrápidopossível, antes que eu dissesse alguma coisa terrível,masminhamulhernãoparavadedispararperguntasemmim.Pensei:seeuabriraboca,tudoterminará;nãohaverácomovoltaratrás.Masminhamulherseenfureceuprimeiro, chorava e gritava que eu era um patife insensível e minhaexpressãopareciaumamáscaravazia.

À medida que Hamish começou a icar mais sintonizado com o queacontecia em seu corpo, ele foi se tornandomais curioso sobre como assensaçõessemanifestavamdeformamelhoroupior,dependendodequaispensamentos relacionava a elas. Quando ele se julgava severamente compensamentos como “Você está icando igual ao papai! Você é mau einsensível.Mariavaidescobrireabandoná-lo”,oestresseerainsuportáveleelesesentiaimobilizado(“comoumcoelhonagrama”).

Isso deixava Maria ainda mais furiosa, pois ela o sentia retraído emtermos emocionais. Mas quando Hamish conseguia verbalizar com calmapara si mesmo – e, por im, para a mulher – o medo que sentia de se

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transformar no pai, ela então tinha condições de tranquilizá-lo e isso osaproximava.

Examinaremos com mais atenção no capítulo seguinte os efeitos denossos pensamentos (sobretudo nosso diálogo crítico interno) em nossasemoçõesecomportamentos.

NOTASSOBREARAIVA

Umamigoaosaberqueeuescreviaestelivroenviou-meume-mail:“Vocêpode tratar do medo que sentimos de nós mesmos pela extensão a quecheganossaprópriaraiva...Assusta-meaforçademinhaprópriaraivaeoefeito que ela causa em outras pessoas... e, invariavelmente, isso leva auma ‘pós-explosão’ por uma forma de choque pelaminha capacidade de‘explodir assim’; em seguida a uma total infelicidade diante do efeitoadversodeminharaiva.”

Como comentei muito antes, um clássico padrão dos Bonzinhos éreprimir quaisquer sentimentos de raiva pormedode entrar em con litocomoutros.Mas isso, claro, revela-se insustentável emúltima análise e araiva sai de uma forma visivelmente descontrolada – assustadora echocante ao mesmo tempo para nós e para os outros. O “Barômetro deRessentimento” emocional que Amanda planejou para usar com ocompanheiro e o ilho dele (ver[6]) pode ser empregado por todos nós.Dá-nos uma chance de identi icar sentimentos no extremo ameno doalcance da raiva (por exemplo, aborrecimento, decepção, mágoa) ereconhecer nossas opções para fazer algo diferente antes que ossentimentos se intensi iquem e se manifestem em fúria e explosãoinadequadas, como descrito acima. A pessoa Boazinha talvez tenha sesentido tão traumatizadapela suaprópriaemuito raraexplosãode raivaque lutaráparanuncamaisdeixá-laacontecer,ocultandoao fazê-lo todosos sentimentos irados de todo mundo, até de si mesma (como faziaHamish). Ela, portanto, ganha pouca ou nenhuma experiência em comolidarcompessoas,situaçõeseconversasdifíceis.

Precisamos nos exercitar para aprender que temos as aptidões paralidar com essas coisas, e é improvável que nossas previsõescatastro icamente temerosas sejam verdadeiras (ver Capítulos7 e8 parahabilidadeseexperiênciascomportamentais).

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Umademinhasclientesmedeuumametáforamaisvisualdasuaraiva,aodescrevê-lacomoorecheioquentedemaçãborbulhandono fornosobuma linda massa de crumble. Ela precisava controlar o calor do recheioparaassegurarqueelenãoborbulhasseacimadacoberturaearruinasseasobremesa.Agiriaquandonecessário,comotirá-lado forno(i.e., retirar-sedafontede“calor”/irritação)oudizeralgumacoisa,calmamente,paraafonte.

OQUEVOCÊNÃOESTÁDIZENDO?

OpassoseguinteparaHamishfoicomeçaraobservaroqueelenãoestavadizendoàmulhernemàspessoasnotrabalhoquetambémofaziamsentir-se furioso. Esse processo de “eliminar antes de editar”, como o chamo,constitui de fato um conjunto de informações úteis a investigar, no qualexaminamospensamentos – sobretudonossas antigas regras e crenças –quenosfornecemenergiaparaasreaçõesemocionaisecomportamentais.

Vejasevocêconseguetentarmonitorartudooqueéprecisopara nãodizeroqueescondeàspessoasemsuavida.Vocêpodeapenasobservaresse monólogo na mente ou poderia tentar anotá-lo, dizê-lo em seucadernocomoaúltimaatividadeànoite.Escrever tendeadarmais forçaàsnossaspercepçõesíntimas;contudo, façaoqueformelhorparaquesesinta mais à vontade. Seguem-se alguns exemplos de clientes aoobservarememonitoraremoqueelesestãoeliminandoeeditando.

Ellaeliminaeeditaseuverdadeiroeu

Devido à sua traumática experiência na adolescência de sentir-seridicularizada,rejeitadaeexcluída(ver [7]),aamizadeexerceuumafortein luêncianavidadeElla,queaplicavaesforçosobre-humanoparamanterumamplocírculosocial,emborasemprecomasensaçãoparanoicadequeaspessoasfalassemaseurespeitopelascostaseaexcluíssemdeeventos.

–Nãosouamelhoramigadeninguém–suspirava.–Noqueserefereaos casamentos e batizados, nunca me convidaram para ser a dama dehonraouamadrinha;sousempreaúltimaescolha...

UmdiapediaEllaquetentassemonitorarduranteumasemanainteirao que ela pensava,mas não dizia, quando em companhia dos amigos. Os

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resultadosforammuitoreveladores.Ellasedeucontadequeeliminavadaedição ao comunicar-se quase tudo que a fazia sentir-se diferente dapessoa com quem conversava. Assim, se eles diziam que adoraram (oudetestaram) um ilme ou uma série de TV, Ella balançava a cabeça emassentimento, ainda que pensasse o oposto total. Quando uma jovem sequeixavadesuafaltadedinheiroequeadorariatercondições inanceiraspara iraumspa,Ellasesolidarizava,masomitiadizerque foraaumspanaquele im de semana mesmo! Até percebia que carregava uma bolsacomamarcaregistradadospaestampadaecomeçavaapensaremcomopoderiaescondê-laouinventarumahistóriasobreporqueacarregava.

– Mais tarde, enquanto escrevia tudo isso em meu diário, comecei aentender o lado engraçado – disse. – Pensei: se isso fosse um desenho,umacaricatura,euestariaen iandoabolsadentrodaboca,natentativadecomê-laparadestruiraprova!

O atentomonitoramento da edição de Ella possibilitou-lhe ver que ascrenças da adolescência continuavam a controlar totalmente seucomportamento: desde que conseguissemanter seu verdadeiro eu ocultodoradar,elaseajustavaefaziapartedogrupo“bacana”quetinhaacessoatodasasfestaseaçãodosmeninos.Sóqueagora,comtodosnafaixadostrintaepoucosanos,essaatitudenaverdadenãofuncionava.Emvezdisso,Ella se sentia isolada enãoeraprofundamente ligada aninguém,porquejamaisousavarevelarseuspensamentosesentimentosverdadeiros.

Alcançaremos Ella mais uma vez noCapítulo 8, para ver como elapassoupelaexperiênciademudarissoaospoucos.

De fato,nãogostodapalavra “conluio”,porquesintoquese tratadeumapalavracrítica,negativa,e,comovocêtalveztenhanotado,tentoevitarumalinguagemcrítica.Masnão consigona verdadepensarnumapalavraquedescreva melhor o que fazemos quando não ousamos expressar nossodesacordoaalguém.Constitui,denovo,medodecon lito:porquecorrerorisco de raiva e desarmonia, quando você pode ignorar o que realmentepensa e viver em harmonia? No entanto, essa vem a um custo para nósmesmos.Maisumavez,nãoestamosousandorevelarquemdefatosomos– nossos valores, crenças, gostos e opiniões –, de modo que tampouco aoutrapessoa jamaispodenaverdade saberquemsomos.A relação sofreporque não é muito autêntica. E nossa sensação de autoestima sofreporquenósnãocon iamosqueaspessoasgostemdenóspeloquesomos–

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sópodemgostardenósporqueconcordamoscomelas.Nãoestoudizendoquevocêdevalogocomeçarafalaraverdade,toda

a verdade e nada senão a verdade; nãome deixe dar-lhe um novo deverpara acrescentar à sua lista de desa ios perfeccionistas (ver Capítulo 5).Quero apenas encorajá-lo no momento a começar a observar quais asverdadeiras respostas que se encontram dentro de sua mente antes deagir movido por elas – trata-se de uma coisa que examinaremos maistarde.Kirsty,amãeBoazinha(ver[8]),deu-meumbomexemplo.

Kirstyeliminaeeditaseusverdadeirossentimentos

AmãedeKirstyapareceuumdiapara tomarcháe, apósobservarqueacasa não estava muito arrumada, que Max não se vestia de formaadequadaequeochánãoeradefolhas,lançou-senumadetestávelfalaçãosobreacunhadadeKirsty,Angela.OmonólogodentrodacabeçadeKirstytranscorreu mais ou menos assim: “Meu Deus, você é uma velha tãomesquinha. Sente-se tão enciumada de Angela porque ela se casou comseuprecioso ilhoenãoéamulherquevocê teriaescolhidoparaele.Eu,naverdade,gostodela;éamelhorcoisaquejáaconteceucommeuirmão,e não vou ouvir você criticá-la dessamaneira ofensiva.” O que Kirsty defato fez, porém, foi sorrir de forma inconvincente diante dos maldososescárnios e protestar com brandura contra o mais desprezível doscomentários (“Ah, mãe, acho que ela faz o melhor possível com ascrianças”) e tentar sugerir pontos de vista alternativos, mas com poucaforçanotomdevozounalinguagemcorporal.

Não estou criticando Kirsty de modo algum. Sua criança interna éativada com extrema força na presença da mãe, por isso, até mesmoexpressar uma minúscula parte de seus pensamentos é incrivelmentedesa iadoreimportanteemsuahierarquiademedo(oqueexaminaremosn oCapítulo 8). E observar seu monólogo interior, discordante, tambémconstitui um fantástico primeiro passo, pois a conscientização quaseinvariavelmentelevaamudar,masemseuprópriotemposuave.

Amandaeliminaeeditaseusverdadeirosdesejos

Encontramos Amanda, a companheira Boazinha, no Capítulo 3. Ela

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começara a sintonizar com o que seu corpo tentava dizer-lhe através deproblemasdeestômago,osquaiscompreenderaqueserelacionavamcoma sua raiva não manifestada – a ideia de que vinha “engolindo” oressentimento,eestelhequeimavaagargantaeoestômago.

Amanda começou amonitorar o que denominamos seuBarômetro deRessentimento,eaobservarocorposemprequeelaaceitava fazercoisasquenãoqueria fazer,oferecia-sea fazercoisas (passara ferro, cozinhar)quenãoqueria fazeroudeixavaaquele telefonemanoturnoprolongar-sepor duas horas quando queria aninhar-se na cama com uma caneca dechocolatequenteeverTV.

Pedi-lhe que tentasse prestar atenção, e depois anotasse as palavrasqueelanãodiziaemsuamente.Amandalogotevealgunsclarosexemplosdo que ela editava. Por exemplo, para o ilho adolescente: “Por favor,ponhaastoalhasmolhadasnoarmáriocomventilaçãoparasecagem”,“NãoquerojogarCallofDutyestanoite”,“Eugostariadealgumtempoasóscomseu pai” e “Acho ofensivo o jeito como você fala sobre as meninas; porfavor, não faça isso na minha frente”. O que ela não disse ao namoradoincluiu: “Posso lhe telefonar de volta mais tarde, quando terminar oepisódio da série de TVThe Killing?”, “Vou tirar algum tempo para mimmesmaneste imdesemana–vouvisitá-lonopróximo”e“nãoqueroquemebatade levenoombroàs11danoiteparasexo,muitoobrigada;umamulherprecisadecaríciaspreliminaresesedução”.

Muitas vezes, os clientes expressamemvoz alta o querealmente queremdizer aosparceiros assimque se veemna segurançadomeu consultório.Demasiadovenenoparecesairdasmaisamáveisbocas.

–Vamospensarnumaformaseguraparavocêdizerpartedissoaoseucompanheiro?–pergunto.

A pergunta em geral é recebida com uma intensa inspirada de ar eumasacudidavigorosadacabeça.

–MeuDeus,não.Eujamaispoderiadizeressascoisasparaele.– Por que não? Qual é seu medo? – pergunto. Quase sempre eles se

mostramtotalmentehorrorizados:–Elesairiaportaaforanumsegundo.(Ouvariaçõessobreessetema.)Parecequeomedodeperderocompanheiroe/ouseuamoréoqueos

mantémmudos–mudos,masfervendoderessentimentoeraiva,osquais,como sempre digo, irão vazar como gás venenoso, de initivamente

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registrado–dealgumaforma–emseuscompanheiros.Examinaremos maneiras corajosas, mas seguras, de dizer o indizível

nosCapítulos8e9;entretanto,examinemosaquiapenas:porqueeditamosaquilo que realmente queremos dizer? Há muitos e complexos motivos,masquedecertosecaracterizamporumacombinaçãodosdoisprincipaismotivadoresidenti icadosnoCapítulo2:evitararaivaebuscaraprovação.Kirsty tentava aomesmo tempo evitar a desaprovação e o desagrado damãe e fazê-la ser mais agradável e aprovadora. Amanda fazia tudo quejulgava necessário para conquistar e conservar o amor e a aprovação docompanheiro. Às vezes, contudo, existem certas pessoas em nossas vidasque nos deixam com a sensação de não termos o direito a sentir eexpressarnossasemoções,sobretudoseessasemoçõesforemnegativas.

OLEILÃODEINFELICIDADES

Umademinhasprimeirasclientes,Adrianna,apareceucomamaravilhosaexpressão: “Leilão de Infelicidades”, em homenagem ao autor AntonChekhov,queexaminoua fundoa totalidadedamisériahumanaemsuasdescriçõesbrilhantes,maslúgubres,davidarussaemfinsdoséculoXIX.

Quando a conheci, Adrianna levava uma vida de incrível di iculdade.Lutava para sobreviver comomãe solteira que trabalhava fora numpaísestrangeiro, sem nenhuma ajuda da família ou do pai de seu ilho. Alémdisso, a melhor amiga de infância – um de seus mais importantesrelacionamentos – ainda lhe exigia apoio (tanto inanceiro quantoemocional),masseomitiaatémesmodeescutá-lanahoradanecessidade.Isso lhe causava enorme dor e mágoa. Quando Adrianna, aos prantos,narrava as conversas das duas, parecia-me que a amiga sempre“superava” as lutas de Adrianna com seus próprios problemas: “Ah, sim,mas pelo menos você tem mãe – a minha morreu” ou “Mas pelo menosvocêtemumfilho;eujamaisencontreiumhomem.”

Muitas vezes quem não é do tipo Bonzinho abana a cabeça emperplexidade diante dessa dinâmica: por que diabos a gente continua aperder horas do dia com esses chamados amigos? Livre-se deles eencontre novos, nos dizem com autoritária certeza. Mas claro que não éfácil assim.OBonzinho, de certamaneira,muitas vezes acredita que, porser mais sortudo que o amigo Leilão-de-Infelicidade, deve sentir-se

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culpado e pagar por isso com uma amizade de mão única que envolveincessante solidariedade, atençãoe apoiopara,de algummodo (emgeralsubconsciente),tornartudomelhorparaoamigo.

Se você relembrar a infância, essa reação em termoshistóricosquasesempre se fundamenta num conjunto de regras e crenças que seformaramemrelaçãoaosadultosessenciaisdesuavida.Acrençatalvezseassemelheaoseguinte:seeu izeressapessoamaisfeliz,elaseráboaparamim.

O que ajudou mesmo Adrianna foi dizer-lhe que não acredito naexistência da hierarquia de dor emocional. Pessoas bem-intencionadassempre tentarão animá-lo lembrando-lhe das boas coisas que vocêcontinua a ter na vida (“bem, pelo menos você ainda tem umtrabalho/casa/casamento/as duas pernas...”) ou pedir-lhe que pense nascrianças morrendo de fome na África ou nas vítimas do mais recentedesastrenaturalepercebacomovocêestábemdevida;isso,porém,serveapenas para envergonhá-lo a sentir que não lhe é permitida sua própriainfelicidade e que essa não tem valor relativo algum numa supostahierarquiadedor.ParaumBonzinho,issomuitasvezescorrespondeàsuacrença arraigada (em geral de infância) em que ele mesmo tem poucovalor, portanto aceita que sua dor tenha menos valor que a de outraspessoas. Adrianna achou essa ideia realmente libertadora, o que lhepermitiu sentir-semais no direito de enfrentar a amigamanipuladora (eprocuraropaideseufilho,embuscadeajudafinanceira).

Juntas, atualizamos suametáfora: elanão escolheuoferecerumpreçomaiornoLeilãodeInfelicidades,masretirousuasinaparatrabalharnelaemparticular,erecusou-seasentir-seculpadapelasinadaamiga.

VOCÊELIMINAEEDITAAVERDADE,EMSEGUIDADÁEMDEMASIA?

O processo segue mais ou menos assim: temos um pensamento corretosobre uma pessoa, mas o alteramos e editamos. Logo em seguida, nossentimos mesquinhos, culpados e envergonhados por haver tido opensamento.Entãocompensamosemdemasiaoferecendoalgomuitobom– uma sugestão concreta de fazer uma coisa que sabemos que nãoqueremosfazer(“Vamosjantar!”ou“Porquevocênãovemepassaalgum

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tempo!” ou “Por que não o ajudo com isso?”) ou palavras Boazinhas quesoam um tanto desonestas (“Ah, coitado, isso parece terrível” ou “Sim,comoousamfazerissocomvocê?”).

Rebecca, cuja história você lerámais adiante (ver[9]), apareceu comumametáforamuitovisualparaasensaçãoqueissolhecausava:

– É como se eu tivesse um problema de vomitar bondade! – explicouela.–Ascoisassimplesmenteparecemsairdabocacomoseeunãotivessecontrole algum sobre elas. Quando me dou conta, é tarde demais paradeteraspalavras.Ofereço coisas sempensar sequero fazê-las.Emgeral,quasedeimediatoperceboquenãoquero:masentãoétardedemaispararetiraroqueeudisse.

Acho que muitos de nós nos identi icaremos com a metáfora deRebecca. Ajuda a trazer mais leveza do que vergonha a um hábitoentranhado que estamos tentando abolir.Mas o que podemos fazer paraimpedir que nossa boca tenha uma vida independente? Precisamos deumapausa,umintervalo,algumpequenoespaçoquenospermitaacessarnossacapacidaderacionaldepensar.Umadasmelhoresmaneirasdefazerisso é dirigir atenção à sua respiração, como esbocei na páginaanteriormente (ou fazer o exercício de respiração, como veremos maisadiante).Issoconduziráseupensamentoaumbomresultado–trata-sedaparte que diria a Rebecca, por exemplo: “Não convide sua colega deapartamentoparairaoparque.Vocêquer icarsozinha,vaisearrependerassimqueaconvidar...”

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RESUMO

Vimos agora que se nos sintonizarmos comassiduidade comnosso corpopoderemos começar a identi icar quaisquer manifestações ísicas denossossentimentosecomoelesserelacionamaoqueestamospensandoefazendo.

Comeceaparardeignorarasmensagensdeseucorpo.Façacontatocomseucorpousandooexercíciosugerido.Examineoquevocêestá“eliminandoantesdeeditar”.Quandocomeçaaidentificaroquevocênãoquer(fazeroudizer),consegueemseguidacomeçaradestacaroquevocêquerdefato?

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Q

5

Descubrasuasantigasregrasecrenças

uaissãoascrençaseregraspessoais,portrásdesejaoquefor,comque você talvez tenha se sintonizado no último capítulo? Por que

ignoramos ou eliminamos antes de editar aquelas sensações ísicas,sentimentos e palavras que agora começamos a tomar conhecimento dequeestãolá?Quemensagensnosdizemquenãodevemosnotarnemagirde acordo com elas?Mensagens sobre nósmesmos, talvez? Por exemplo,“Preciso ser sempre educado” ou “Devo sempre seguir com a maré” outalvez “Jamaisdevocausarconfusão/con lito/desavença”.Equaléomedoqueespreitaportrásdecadapensamentoeação?

IMAGINE-SENUMAESCAVAÇÃOARQUEOLÓGICA

Imagine-se um arqueólogo numa importante escavação histórica. Se vocêpreferir, pode estrelar um daqueles ilmes antigos que envolvem váriospersonagens de culotes caqui e capacetes coloniais, todos em corridadisparadaparaencontrarostesourosoupergaminhosescondidos.Apartequequeroquepensedissoéadescobertadospreciososobjetoshistóricosquecontribuirãoparaesclarecera sociedadedaépocae seu legadoparanós hoje. A princípio, você está escavando por camadas de terra muitocuidadosamentecomumaespátulaespecial.Emseguida,quandobateremqualquercoisaquetalvezseja importante,vocêtrocaaespátulaeusaumpequeno e macio pincel para retirar com delicadeza a terra e o pógrudados no objeto, até poder a inal erguê-lo para a luz e vida do diapresenteecomeçaroprocessodetentaranalisá-loeentendê-lo.

Mascomosabemosapartirde ilmescomoasériedeIndianaJones,hásemprenumerososobstáculosasuperarantesdeoheróiconseguirchegarao antigo tesouro. O mais desa iante desses constitui em geral os vilões,cuja tarefa é afastar Indiana de suameta por quaisquermeios possíveis.Elessão invariavelmentearmadosatéosdentesedesconhecemqualquermisericórdiaquandoatacamcomarmas,flechas,fogoeveneno.

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Pensamentoscríticos–osmalévolosguardiõesdospergaminhosantigos

Nossos equivalentes pessoais dos vilões no cinema são os pensamentoscríticos que rodopiam incessantes dentro de nossa mente. Esse diálogocrítico interno assemelha-se aos malévolos guardiões dos pergaminhosantigosquevigiam–emnossocaso–asregrasecrençascontidasnoquecomeçamosadesenterrar.Setentarmosquestionarumaregraantigaparaviverouumacrençasobrequemsomosoucomodevíamosnoscomportar,esses criminososarmadosapontarão suasarmas, lechase lançadoresdechamas, a im de nos ameaçar e apavorar para que voltemos a noscomportar como antes. Sentimo-nos em inferioridade numérica, além desubjugados,mas, como Indiana Jonesaosaltarparaasegurança, tambémpodemosencontrarformascriativas,inesperadas,paraenfrentareresistiraessesameaçadoresinternos.

Dequeméavozquelheestádizendoisso?

Nossos pensamentos críticos são tão íntimos de nós que talvez nuncaparemos para perguntar de quem eles de fato fazem parte. Isso podeparecerumacoisaestranhadedizer,poispensamosnelescomopartedenósmesmos,masseescutarmoscomatenção,éprovávelqueconstatemosque eles têm um sotaque, tom ou fraseado diferente do modo como emgeral falamos. Isso se deve normalmente ao fato de que os pensamentoscríticos vêm das pessoas signi icativas em nosso passado. E emborapossamsermuitovivosenumerososemnossavidahoje,foinocérebrodenossa infância e adolescência que exerceram maior impacto. Portantoquemestádizendo: “Vocêé tãoburro–nunca faz isso certo!”ou “Vocêétão egoísta – ajude aquela pessoa!” ou “Você é uma perdedora – jamaisterá namorado/promoção/felicidade!” (Usei de propósito pontos deexclamação porque acho que essas vozes sãomuitas vezes estridentes –talvez como a de um professor quando gritava com os alunos para serouvido.)

Realmenteajudafazerumaanotaçãodoquesuasvozescríticastendemadizer,depoisvocêpodeleroqueescreveunummomentotranquiloeverse consegue identi icar quem lhe dizia essas coisas. Uma de minhasclientescompreendeuqueouviaosotaquehúngarodaavócrítica;outra,o

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treinador de patinação no gelo durante um longo tempo. Claro, muitasdessasvozessãodospais.Sevocêdizasimesmaqueéuma“meninamá”(oumenino),aschancessãodequeelavenhadainfância.Massesuavozcríticalhefazumforteataqueverbalporserum“perdedor”,talvezsejadeum colega ou irmão adolescente. Esse processo de identi icação ajudamesmoacomeçara tirara forçaeacredibilidadedessas falaçõescríticasinternas. Assimque você percebe que é sua avó, o treinador ou a colegamalévola de escola que lhe fez sofrer momentos di íceis no interior damente,entãopodequestioná-lasnoaquieagoracomseucérebroracionaladulto.

OcorocríticodeKirsty

Kirsty,amãeBoazinhaqueencontramosno Capítulo3,batalhavacontraacon iançaeaautoestimabaixasdepoisde trêsanos comomãeem tempointegral. Durante o período de nossa terapia, ela decidiu estudar eespecializar-seemmassoterapia.Foidi ícilencontrartempoeenergiaparaencaixar isso na criação do ilho e em todas as suas outrasresponsabilidades, mas ela conseguiu concluir o curso, cumprir as horasdetreinamentocomclienteseformar-se.

Umasemana,Kirstychegouparanossaconsultaparecendototalmentedesmoralizada e deprimida. Contou-me que na véspera lhe aconteceraumacoisaterríveleeladecidiraabandonaranovacarreira.

–Quediabosaconteceu?–pergunteiaoimaginaralgumacoisaterrível.– Bem, eu estava na ila no banco para depositar meu dinheiro das

primeiras três semanas de trabalho. Embora fosse pouco mais de 200libras,pareciaqueeuganharacadacentavocomsangue.

Kirstycontinuoueexplicouquequandochegaraa inalà frenteda ila,não conseguiu encontrarodinheiro. Procurou frenéticanosbolsos, bolsa,até no compartimento secreto em seu diário, mas sem sorte. Contou-metambém que enquanto se esforçava por procurar o dinheiro, as vozescríticas na mente alcançavam uma cacofonia, “como algum coroensandecidodoinferno”.

–Quediziam?–perguntei.–Diziam: “Vocêé tão idiota!Quemvocêpensaqueé?Rá-rá!Eu sabia

queissomalograria,porquevocêfracassaráemtudo.Eagoratodomundonessa iladobancopodeveraperdedoraidiotaquevocêé.Rá-rá-rá-rá!”–

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Kirsty parecia afundar sob o peso da lembrança. – As vozes erammuitoestridenteseimpiedosas,escarnecedorasedesumanas–lembrouelacomumtremor.Caiunumsilênciosombrio.

– Parece que continuam ao seu lado – comentei. – O que você podepensarpara fazê-las iremembora?Existeumavozbenévolaàqualpossaacessarparacontê-las?

Kirstypensouuminstante,emseguidaumsorrisotremeluziupeloseurosto.

– Bem, minha avó, que faleceu há pouco, sempre foi uma grandedefensoraminha.Acreditavaemmimquandooutrosnão.

Eladesatouachorar.–Oquesuaavótalvezlhedissesse?–pergunteidelicada.Houveumapausa longa, em seguidaKirsty respondeunuma voz com

altosotaquedoNortedopaís:–Caiamforaeadeixemempaz,suasvalentonasgrandesedetestáveis;

azucrinemalguémdoseutamanho!–Kirstyriu:–Elaerasemprebastantehostil e durona,minha avó. Dizia tudo sem rodeios e não se preocupavacomboasmaneiras.Massempremedefendia.

Kirstysaiunaquelediacomapromessadetentaracessaravozdaavósemprequeoscríticosmalévoloslheaparecessemnamente.Elavoltounasemanaseguintecomumplanoaindamelhor:

– Agora uso a aliança de casamento dela numa corrente de ouro nopescoço. Toco-a para me ajudar a acessar seu amor e apoio – e alinguagemdebaixocalão!

RETIREOSPODERESDESUASVOZESCRÍTICAS

Comodesenvolvimentodas ideias terapêuticas,aspessoas têm integradoosconceitosoriginaisdaTerapiaCognitivo-Comportamental(TCC)aoutrasideiasparaformaroquesechama“TerceiraOndadaTCC”.Muitasdessasideiasusamasabedoriadeséculosdeexistênciadameditaçãobudista,emgeraldescritacomo“plenaatenção”.Umdessesmodeloschama-seTerapiade Aceitação e Compromisso (TAC) e um excelente livro para se ler arespeitoéTheHappinessTrap [Aarmadilhadafelicidade],deRussHarris,um clínico geral australiano comumestilo de escrevermuito realista.Nolivro,Russdescrevemuitastécnicasquevocêpodeempregarparaafastar-

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se,observar,ouatézombardeseuspensamentosediálogoscríticos.Elasincluem encaixá-las na melodia de uma música bem conhecida, como“Parabéns pra Você”, dizê-las com uma voz cômica ou imaginá-lastransmitidas por um rádio, o qual depois você desliga. Uma cliente quesofriadeexcessodecomilançadissequeusavaessatécnicasemprequeseentregavaaumafarragastronômica.

– A ela se seguia sempre um pilha completa de pensamentosautomáticos negativos de que sou repugnante, fraca e gorda,mas depoiseu começava a contestá-los pondo-os na voz deHomer Simpson, da sériedodesenhoanimadoOsSimpsons.Fazia-asoarcomoHomerdizendo:“Vocêé tãoooooo feia.” Isso lhes tira a aspereza, me faz rir um pouco e emseguida consigo deixá-los pra lá, ou contestá-los reformulando-os,dependendodecomosãorepetitivosospensamentos.

Outras técnicas de TAC incluem reconhecer os pensamentos – porexemplo:“Notoqueestoutendoospensamentosque...”eseparar-sedeles,desse modo você percebe que eles não são averdade e que você é umaentidadeseparadadeles;ousaudá-loscomovelhosamigos:–“Ah,olá,vocêdenovo!”–depoisagradecer-lhesporfazê-lolembrar-sedequevocêéumperdedor,gordo, idiota (insira seuprópriopensamentonegativo,ofensivoaqui).Outraideiaé“Intitularessahistória”comoem:“Ah,maisumavezavelhahistóriado‘Souumfracasso’.”

O antigo jogador internacional de rúgbi da Inglaterra, Brian Moore,disse uma vez numa entrevista que sofreu a vida toda de vozes críticasmalévolas que nunca lhe permitiam desfrutar as vitórias esportivas, asquais lhe diziamque ele foi sortudo naquela vez,mas na verdade é umafraudeeumfracasso.Brianexplicoucomoaprendeuaencará-lascomosefossemdeGollum(otraidordeOsenhordosanéis);diziaquelheagradeciaapreocupação,depoisacrescentava “masagorasemandeemedeixeempaz”.

Outra ideia é pedir a um protetor poderoso, ou alguém em sua vidaatual ou do passado (como a avó de Kirsty – ver[10]), que fale com ospensamentos críticos em seu favor. Mande-os ir embora e pararem deintimidá-lo; talvezacrescentar tambémumelogio fortalecedor: “Vocêserábrilhante,querido; seiqueserá.Vocêconsegue fazê-lo”–oquequerquesejaoqueprecisemandarembora.

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Lutarcomatençãoouconsciênciaplena

Há alguns anos iz um curso de dois meses de Meditação com AtençãoPlena na Universidade Bangor. Durante o curso, as duas instrutorasizeram uma memorável interpretação de papéis. Para simbolizar comomuitas vezes nos sentimos “atacados por nossos pensamentos di íceis oucríticos”, uma mulher permaneceu imóvel, enquanto a outra corria paracimadelabrandindoospunhosfechados,comosefosseatacá-la.Amulhersobataqueemseguidademonstroutrêsdiferentesreaçõesnumavigorosarepresentação visual de como reagimos com mais frequência a essespensamentosatacantes.Aprimeirafoiapenaspermaneceraliparadaeserderrubada (i.e., “imobilizar-se”). Mas isso não fez a atacante ir embora.Mesmocoma“vítima”deitadanochão,aagressoracontinuouaagredi-la.Asegundareaçãofoitentarfugir,abaixar-se,mergulhareesquivar-se,natentativa de evitar a atacante (i.e., “lutar”). Mas claro que ela apenas aperseguiu. E a terceira forma consistiu em defender-se, o que resultounumagrandeeruidosalutadebrincadeira.Umacoisa,porém,perceptível,foi que todos os três métodos de lidar com a atacante envolveram umvisível aumento de energia. Era possível vê-la. E, da mesma maneira, ostrêsmodosdelidarmoscompensamentoscríticosatacantes–emessênciaumaversãodelutar,fugirouimobilizar-se–todosaumentamaenergiaaoredordospensamentosnegativosatacantes.

Asmulheresdepoisdemonstrarama formadeatençãoouconsciênciaplenadeenvolver-secompensamentosagressores:avítimavirou-separaaatacante,tomou-lheasmãosdelicadamentenassuasecomeçouadançarcom ela, cara a cara, com a cabeça erguida e uma postura aberta. Issorepresentavacuriosidadecompassiva–umaexpressãoqueadoroporqueme parece sintetizar ser ativa e aberta, no entanto amável e inquisitiva.Descrevi essa interpretaçãodepapéisparamuitospacientes, e amaioriaadora a ideia de adotar esta atitude em relação aos seus pensamentosdi íceis.Elesmuitasvezestreinamacuriosidadecompassivausandofrasessemelhantes às sugeridas por Russ Harris, como: “Ah, você de novo.Pergunto-meporquevocêapareceuhoje.”–masnumtomdelicado.

IRRADIEUMALUZ

De volta à metáfora da arqueologia, assim que tivermos começado a

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reconheceredemonstrarcuriosidadecompassivaaosperversosguardiõesque constituem nosso diálogo interno crítico, poderemos cuidadosamenteretirar os preciosos pergaminhos e objetos antigos para a luz do dia eirradiarumabondosa tochade indagaçãoneles.Perguntea simesmo:deonde eles vêm?De quem são suas regras e crenças? E,mais importante:continuo a optar por acreditar neles hoje como meu eu adulto maisracionaleconsciente?

As crenças sãomuito poderosas e não necessariamente têm a ver sócom nosso comportamento. Aaron Beck dividiu-as em três categorias:crençasqueabraçamossobrenósmesmos,sobreoutrosesobreomundo.Ele também estabeleceu uma diferença entre crenças condicionais, quesurgem na forma de “Se (alguma coisa)... então (outra coisa)”, e crençasessenciais,queemgeralseachamprofundamentearraigadasechegamaoâmagodequemacreditamosquesomos(emgeralna formade “Eu sou XouY”).

MonikaeElladesvendamalgumasregrasecrenças

Com Monika, a “lâmpada incandescente de 1.000 watts” (ver[11]),trabalhamos com omomento Ah-ah que ela teve na semana que passoucomoresidentenacasadecampo,ondeconseguiraidenti icaraansiedadenocorpo–ocoraçãodisparadoeabocaseca–eassociou-aaomodocomosesentira com frequênciaquandose sentavaàmesade jantarda família(ver[12]).

–Achoquearegraéalgumacoisarelacionadaamanterapaz,mantertodomundo feliz... algo como:PRECISOMEESFORÇARAOMÁXIMOPARAACALMARASTENSÕESEMANTERTODOMUNDOTRANQUILO.

–Senão?–perguntei.–Senão,suponhoqueeusofreria;seriapunidapelaminhamãe.Elatambémdescobriuacrençacondicionaldeque“Seeunãodertoda

minhaenergia, aspessoasnãovãogostardemim”, crenças sobreoutros:“asmulheressãociumentaseperigosas”,“homensemulheressedetestamuns aos outros”; sobre omundo: “vocêprecisa lutar por tudo”; e crençasessenciaisarespeitodesimesma:“Soumá”,“Soudetestável.”

Ella, que se sentia socialmente incapaz pelo “legado das meninasmesquinhas”, compreendeu que cada vezmais eliminava antes de editarqualquer referência a alguma coisa boa em sua própria vida, a im de

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evitarprovocartristeza,raivaouinvejanassupostasamigas.Queregrasecrenças se encontram assentadas no fundo desse comportamento?,perguntei-lhe. Juntas, descobrimos a seguinte lista: “Preciso não parecerdiferente de ninguém”; “Não devo chamar atenção para mim mesma aoexpressarumaopiniãodiferente”; “Precisomeencaixar e icar abaixodoalcancedoradar”e“Seeunão izerpartedogrupo,nuncaarranjareiumnamorado”.

Talvezvocê leia issoe achequeospensamentosdeMonikaeElla sãoloucoseirracionais,masessaéaquestão:nossasantigasregrasecrençasem geralsão irracionais porque acreditamos nelas antes de havermosadquiridocapacidadeparaosprocessosdepensamentomaisavançados,equandotínhamosmuitopoucopodersobrenossaprópriavida.

ATortadeResponsabilidade

Aquiestáumexercícioparaajudá-loadaroutraolhadanascrençasinúteissobresimesmoquetalvezvocêtenhatrazidonoíntimo,incontestadas,desdeainfânciamuitotenra. Crenças como “A responsabilidade é toda minha” (digamos, de manter todomundofeliz)e,seamais insignificantecoisasaierrada,“Aculpaétodaminha;devoserresponsabilizado”,ou“Souum/umamenino/meninamau/má”etc.

Talvez você se lembre dos desenhos de “torta” da matemática do ensinofundamental,mastambémpodepensaremtermosdedividirumatortaemfatias:

Desenheumcírculonumpedaçodepapel.Emseguida,pensenumaperguntaessencialsobresuavida–algumacoisapelaqualvocêsesenteresponsávelenacertaculpadoporquenãofez/nãofazosuficientearespeito.Agorapergunteasimesmo:quemérealmenteresponsávelporisso?Anoteapergunta.Emseguida,dividasuatortaemsegmentoseescrevaemcadaumonomedapessoaaquemcabeaquela“fatia”.Faça-obemrápidoparaqueosubconscientepossaexpressaraverdadeeosseusantigos“deveres”nãoditemaimagem.

Foi assim que Indira (ver acima) efetuou o exercício da Torta deResponsabilidade.Aperguntaqueelafez:queméresponsávelporcuidardemamãe e papai? Ela dividiu sua torta, dando 25% para cada um dosdois.

– A inal, eles ainda não estão doentes nem inválidos; podem resolverquase todas as suas di iculdades. – Indira dividiu a outra metade emquatrofatiasiguais:umaparacadaumdosirmãos,airmãeelaprópria.–

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Sóporquesouaúnicaquenãoécasadaenãotem ilhosnãosigni icaqueseja a que tem de estar disponível durante 24 horas nos sete dias dasemana.

Isso na verdade ajudou Indira a compreender que não tinha de sesentir obrigada a sempre ser a que ajudava, nem a sentir-se culpadaquando não o fazia. Ela escreveu aos irmãos e explicou que ia em breveicar muito ocupada com a procura de um novo trabalho e começar umnamorodaInternet,porissoelesteriamdecompartilharoscuidadoscomamãeeopai.

–Foiumpedidoumtantohostil–disse-me–,mashámuitoematraso.Defato,surpreendeu-mecomoamaioriadelesorecebeubem.Issomedeumuitomaisespaço;tantoemminhamentequantonohorário.

Muitas vezes, quando um cliente examina um problema da infânciaassim,compreendequenãotinhadesesentirdemodoalgumresponsável.Vinhacarregandoculpapessoal–talvezdequemerecessequeousassememdemasiaporqueeleeramauouospaissedivorciaramporquenãoerabomoudignoo su icientede amor–,mas se surpreende ao verquenãodeuasimesmoumaúnicafatiadetorta.

As antigas crenças negativas não desaparecerão da noite para o dia,mas isso sem a menor dúvida começa a mudá-las. Compreender comoadultoquenãoeraverdadeaquiloemqueacreditávamosnainfânciapodeser muito libertador e muda em profundidade o modo de pensarmos eagirmos no presente. Indira sentia-se esmagada sob o peso deresponsabilidadepelafamília,massemelesentiuquepodiamaisumavezrespirar e começar a dar passos pequenos, compassivos para recuperarseuplenoeuvivo.

MUDESEUDEVIAPARAPODIA

Essatemsidoumadas ferramentasdepopularidademaisconstantesqueensineiosclientesausaremaolongodosanos.Tantosmedisseramao imde uma série de sessões de duro trabalho emocional – ao descobrirdolorosas lembranças da infância, ousar confrontar pais e companheiros,mudarcombravuraaspectosdi íceisdavidapessoal–queoquemaisosajudoufoi“Essacoisaarespeitodedeviaparapodia–queocorreumesmouma mudança de vida”. Por isso, passo-a adiante aqui como uma

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esplêndidaterapiapreferida,commuitosdefensoresentusiásticos.A teoriamaisumavezvemdas ideiasdaTCCoriginaldeAaronBeck.

Ele escreve que os estados emocionais problemáticos, como ansiedade edepressão,sãoempartecausadosporpadrõesdepensamentoinfrutíferos– sobretudo asRegras Pessoais Rígidas citadas noCapítulo 1, as quais euconsidero vitais para nossa compreensão de por que pensamos e noscomportamosdedeterminadomodo.Estasregrassãoem“pretoebranco”ou dicotômicas porque não nos dão opções, nem quaisquer matizes decinzaentreelas–porexemplo,sucessooufracasso.

Para a sobrecarregada mãe de três ilhos, Susie (ver [13]), uma desuasRegrasPessoaisRígidas era:DEVOSERSEMPREUMAMÃECALMAEAMOROSA/NÃODEVOJAMAISGRITARCOMMEUSFILHOS.Quandoeladefato,inevitavelmente,gritavacomumdos ilhos,sentia-sedepoisterríveleumfracassoporqueviolaraaregra.

Pior do que isso, contudo, é osignificado de violar suaRegra PessoalRígida (impossível e perfeccionista). Signi icava para Susie que ela setransformava na própria mãe, o que, por sua vez, signi icava(irracionalmente, claro) que os ilhos iriam crescer odiando-a e nuncairiam desejar passar algum tempo com ela. Ainda pior, sofreriam gravesdanospsicológicoseemocionais;umaimagemchegavaatéasurgirrápidanamentedeSusie(maisumavezirracional)dos ilhosadultos,destituídos,semcasaemendigandonumpapelãoembaixodapontedeWaterloo.Essespensamentos e imagens extremos nos mantêm num lugar de medo, efalareimaisarespeitodelesnoCapítulo8.

Um exemplo mais mundano que eu com frequência partilhava commeus grupos de Holloway era um “dever” que muitas vezes aconteciacomigo naquelas apressadasmanhãs de trabalho, quando eu corria paraforadacasaedeixavaumapiaempilhadadecoisasdocafédamanhãsemlavar(etalvezalgumaspanelasnãolavadasdanoiteanterior).Diziaamimmesma:

–Vocêdeviaterlavadoalouça.–Ecomoeunãoofizera,repreendia-meemseguidacomdiálogocrítico:–Vocêéumadonadecasatãopreguiçosa;é um senhor fracasso. Não consegue sequer se organizar para lavar ospratos.Vocêépatética.

Agora, que acontece se você muda o “devia” por um “podia” nestafrase? “Eupodia ter lavado a louça.” Para mim, isso logo introduz umelementodeopção.Eupodiaterlavadoalouça,masnessaocasiãoopteipor

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não fazê-lo. Vê como é muito mais fácil do que parece? Seus ombroscurvaram-seunsdois centímetros quando você leu essa delicadapalavra“podia”? Porque “devia” é uma palavra que leva ao autodesânimo quasepor sua própria natureza. É uma palavra severa e, como tal, nos deixamuitoinfelizes.

Os deveres são in indáveis e talvez exista uma gama completa deassuntosdesdeoquevocê “devia”estar fazendocomsuavida (“eudeviaser casado”, “eu devia ser bem-sucedido”, “eu devia ser famoso a essaaltura da vida”) às questões de aparência trivial, como “eu devia sempreusarbatom”ou“eudeviasemprebeberdoislitrosdaáguatododia”.Nadahádeerradocomalgumasdessas ideiascomodiretrizessegundoasquaisconduzsuavida,mas,quandoelassetornamrígidas,têmumatendênciaasetornarumagaiolanaqualvocêsesentepreso.

OdeverdaRespiraçãodoElefante

Háalguns anos, paguei umadesignerde interioresparaque viesse emeaconselhasse sobre quais cores devia escolher para pintar minha casa.Achoquedeviame sentirmuito insegurana época, ou, comodiziaminhaamiga,sofrerde“vergonhadecasa”.Dezanosantes,quandoeupintaraasparedes de cores vivas mediterrâneas, sentira-me con iante em minhasescolhas, mas nessa ocasião senti-me enfraquecida e tola quando essamulher contemporânea, chiquérrima, fez observaçõesmeio depreciativassobre as “cores de quarto de criança” e “vibrante visual de cantinamexicana”.Depoisdemuitosuspirareergueramostrasdetintaemváriastonalidadesdecinza,elaproferiuseuveredicto:

– Acho que você devia pintar todo o andar térreo em Respiração doElefante,daFarrow&Ball.

Ora,paraqualquerumdeoutroplaneta, tempooucultura trata-sedeumaideiaenigmática,senãohilária.

Que cor poderia ser a respiração do elefante? Com certeza seriatransparente, como amaioria das respirações?Mas, na época, esse era oauge do chique e, acredite em mim, a Respiração do Elefante da F&Bcobria algumas das paredesmais elegantes emodernas na Terra. Assim,eu,obediente,compreialatadaamostra,pinteiumametragemdepapelderevestimento e colei-o na parede próxima à TV.Onde elame atormentoudurante ostrêsanosseguintes . Todasasvezesqueeudesabava, apósum

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longoedurodiaembuscadeumpoucodeconfortodeTVnãointelectualouescapista,opensamentopenetrava-meamente:vocêdevia pintar essasala de Respiração do Elefante. E você pode imaginar todo o outrosolilóquiocríticoqueacompanhavao“devia”:essasalaéhorrorosa;pareceuma cantina mexicana; você não tem gosto; é uma perdedora, nãoso isticada; não pode convidar ninguém commais de 10 anos até que atenha repintado comR do E da F&B etc. Não é exagero algumdizer queabrirmãodemeupoderdedecisãoparaaopiniãodaquelasenhorachiquee acreditar que o julgamento dela era superior ao meu sugou a alegriadaquelasala–quasedacasatoda–portrêsanosinteiros.(Paraocasodevocê estar curioso, agora recuperei a crença em meu própriodiscernimentoepinteiassalasnumlindo,antiquadoazul-claroporosoqueajudaamesentirtranquilaeensolarada.)

Para os Bonzinhos, os deveres às vezes criam a sensação de icarempresos numa gaiola feita por nós mesmos, e que não sabemos comocomeçaradesmantelar.Amaiorpartedissotemavercominsegurançaecomparação.Quandonossentimossegurosdequemsomosedequaissãoos nossos valores, gostos e padrões, não nos preocupam o que outrosacham da cor de nossas paredes da sala, do estado da pia nem dosresultados do certi icado de conclusão do ensinomédio de nossos ilhos.Mas, claro, nesse mundo moderno de consumismo avançado, onde omarketingàsvezesfazcomquenossintamosinadequadoseinferioresemtantos aspectos (a im de que compremos os produtos e serviços quefazemnossentir“certos”),éraraapessoaqueconseguesentir-sesegurae“certa”noíntimoemtodososaspectosdesuavida.

Capteseusdevias

Tente essa experiência. Eu gostaria que você, apenas durante um dia,tentassecaptarasimesmoquandousarapalavra“devia”(parasimesmoe para os outros). Veja se consegue captá-la a tempo de mudá-la para“podia” e observe o que acontece com seus pensamentos, sentimentos ecomportamentosquandoo izer.Sepreferir,vocêpoderiafazê-lopormaisde um dia e anotar os resultados em seu caderno. Mas isso não é um“devia”...

Segue-seumavariedadededeveresque reunidaobservaçãodemim

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mesmaedosmeusclientesaolongodosanos:

EudeviapintarminhasaladeRespiraçãodoElefantedaFarrow&Ball.Eudeviaperderunstrêsquilos.Eudeviatermelhorcondiçãofísica.Eudeviacomerminhascincoporçõesdefrutaselegumestododia.Eudeviafazersexocommeucompanheirocommaisfrequência.Eudeviaterparadodesofreradoreopesardolutoaessaaltura.Eujádeviasercasadonessaidade.Eudeviaescovarmeusdentesduasvezespordia.Eudeviatelefonarparaminhamãecommaisfrequência.

SUADECLARAÇÃOPESSOALDEDIREITOS

Antesdeconseguirmudarseucomportamentoeagirdemododiferente,évitalquevocêcomeceaacreditarque temodireito de fazê-lo.OsEstadosUnidos da América têm sua Declaração de Direitos, que garante umnúmerodeliberdadespessoaiseparecefazerparte integraldacidadaniaamericana, ensinada nas escolas e conhecida damaioria. A primeira vezque me conscientizei de fato de que todos temos uma Declaração deDireitosPessoais foi quando li o livro de AnneDickson,AWoman in YourOwn Right [Uma mulher por legítimo direito], no qual ela relaciona 11direitos humanos básicos. Embora eles possam parecer muito óbvios esimplistas, talvez você nunca tenha na verdade pensado neles antes, epode–demodosubconsciente–manterseupróprioconjuntodecrençastrazidasdainfânciaoudasociedadequeagemcontraessesdireitos,eporissoédifícilacreditarqueelesdefatoseaplicamavocê.

ADeclaraçãoPessoaldeDireitosinclui:

Tenhoodireitodeexpressarmeussentimentos,opiniõesevalores.Tenhoodireitodesereumesmo.Tenhoodireitodedizernão.Tenhoodireitodecometererros.Tenhoodireitodemudardeideia.Tenhoodireitodedizerquenãoentendo.

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Tenhoodireitodenãomesentirresponsávelpelosproblemasdeoutrosadultos.Tenhoodireitodemepôremprimeirolugar.Tenhoodireitodenãoserdependentedaaprovaçãodeoutros.

A Declaração Pessoal de Direitos começa a prepará-lo para o próximocapítulo, o qual trata de não apenas dizer a si mesmo que você tem odireito de fazer algo diferente, mas o ajuda a reforçar essas novas eproveitosascrençasnaprática, aosecomportardiferenteemrelaçãoa simesmo.

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RESUMO

Este capítulo sugeriualgumas ideiaspráticasparaajudá-lo a identi icar econtestar as regras e crenças pessoais que fundamentamaMaldiçãodosBonzinhos.

Questioneseuspensamentoscríticoseas“antigas”regraspessoais.Retireospoderesoutorgadosàssuasvozescríticas.Tenteoexercícioda“TortadeResponsabilidade”paraajudá-loaencararalgumasdesuascrençassobumanovaluz.Mudeseus“devia”para“podia”.Torne-seconhecedordesuaDeclaraçãoPessoaldeDireitos.

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E

6

Porqueeumereço–SendoBonzinhoconsigomesmo

m geral nós, os Bonzinhos, damos pouco valor a nósmesmos, temosbaixa autoestima e quase sempre somos muito dependentes da

aprovação dos outros para fazer com que nos sintamos bem conosco.Lembra-se da ideia de Carl Rogers do local de avaliação internaversus olocal externo noCapítulo 2 (ver[14])? Bem, como Bonzinhos em geral,precisamos trabalhar para fortalecer nosso local interno – o que vem daopiniãodenósmesmos,nãodeoutros.

Amaioriadenósconhecealguémqueounosimpressionaounosirritaequepareceterumsensomuitofortededireitopessoal?Bem,precisamosum pouco do que eles têm, e vou compartilhar alguns dos meios deexperimentar e obter isso. As pessoas variam bastante quanto ao quefunciona para elas, portanto tente icar com amente aberta e ver o queachaquetalveztenhacondiçõesdeexperimentar.

AARCADAREDENÇÃO

Um amigo meu que é roteirista de cinema alertou-me pela primeira vezparaestaideia:

– Hollywood exige que toda história tenha o que é chamado de umaArcadaRedenção–explicouele.–Issosigni ica,porexemplo,oclássico“omeninoconheceamenina,omeninoperdeamenina,omeninoconsegueameninano im”.Apartedaredençãoéqueumdeles,ouambos,passeporumadrásticamudançadepersonalidade,emgeralumapercepçãointernainconsciente ou um momento ah-ah que lhes permite prosseguir para oinal feliz. Nós, o público, muitas vezes o conhecemos antes de eles ofazerem, o que intensi ica a tensão dramática de será que eles irão, seráqueelesnãoirão.

Ele me contou que não apenas os ilmes de longa-metragem devemseguiraArcadaRedenção,masquetodoepisódiodeumasérie,comoadeimenso sucesso,Friends, por exemplo, tem sua própriaminiarca –muitasvezesinseridanumaarcamaiorqueabarcaváriosepisódios,como:Rachel

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e Ross vão icar juntos ou não? Se você começar a assistir a ilmes ou aséries e novelas de TV com isso em mente, vai perceber a grandefrequência com que acontece essa situação (embora, claro, existamnotáveisexceções–emgeralcinemarotuladocomo“filmenoir”ou“cinemadearte”,quetendemasermaisfiéisàvidareal).

O problema com a Arca da Redenção é que ela cria uma falsaesperança em todos nós. Em geral, já teremos engolido tanto dessematerialaosermosjovensadultosqueinvestimosmuitonaexpectativadequeaspessoasqueamamos,masquecomfrequêncianosdecepcionamenão nos amam da maneira como queríamos, tenham seu momento deepifaniaou lampejodepercepção inconsciente, ede repentenosamemeapreciem da forma como esperávamos. Isso, claro, raras vezes acontece,porque as pessoas mudam aos poucos, se é que chegam algum dia amudar.ComodisseBradPittnumarecenteentrevista:

–Quandoeu comeceino cinema, ensinaram-mequevocê tinhade terumaarcadepersonagenseteriadeacontecerumaepifania.Comopassardos anos, descobri que isso é um total papo-furado. Nós de fato nãomudamos;evoluímosaospoucos.

Entretanto, nosso investimento nessa ideia é enorme e pode muitasvezes impedir de mudarmos (a única mudança queestá sob nossocontrole),enquantoesperamosqueoutrossetornemquemqueremosquesejam. Descobri que isso não se aplica apenas a casais românticos, maspareceexercerumdomíniobastantefortequandoserefereaospais,e,emmenormedida,irmãose,claro,amigos.

Quando identi ico isso em clientes e peço-lhes que descrevam aesperança que nutrempelo pai ou irmão, quase sempre inclui a ideia dequeelesirãoa)pedirdesculpaspelomalquelhes izerameb)a irmarseuamor e orgulho. A fala ideal se expressamais oumenos assim: “Querido,sei que tenho sido uma mãe/pai/irmão/companheiro ruim ao longo dosanos e cometi erros terríveis, mas o amomais que qualquer coisa, emesintomuitoorgulhosodevocê.Por favor,perdoe-meerecomecemosmaisumavez.”

Sejasuaprópriaredenção

Para parafrasear a Prece da Serenidade usada por grupos de apoio derecuperação: se pusermos nossas energias em tentar mudar o que

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podemos mudar (e aceitar o que não podemos, e ter a sabedoria paradistinguir um do outro), poderemos começar a viabilizar nossaprópria,gradualeamávelredenção.

Grande parte de viabilizar nossa própria redenção é nos darmos osmesmos amor e cuidado que em segredo temos a esperança de que osoutrosnosdeem.A série televisivadaBBCTheConvent enviouumgrupodemulheresaumconventoparaverseissopoderiaajudar-lhesaresolverdealgummodoasdi iculdadesdesuavidaproblemática.Umainesquecívelcena de umamulhermuito infeliz que chorava semparar nãome sai damente. Ela já revelara que tivera uma infância lastimável com o paialcoólatraeamãeseveraecrítica.Agoratinhaquatro ilhoseàsvezessesentia suicida, e queria encontrar um caminho para a paz. Filmaram-nanumasessão individual comuma freiradevozsuavequeparecia teruns92anosetransmitiasabedoriaecompaixão.“Tenhocertezadequevocêéuma boamãe para seus ilhos”, disse a freira bondosa (ou palavras comesseobjetivo).

–Agoravocêprecisaagircomomãeparasimesmacomofariacomumdeseusamados ilhos.Dar-lheconsoloquandoestiverassustada,palavrasde incentivo, comida saudável e descanso. Você tem a competência; deveusá-latambémemsimesma.

Amulherjamaistiveraessaideia,masviucomoissopoderiaajudar.Foimuitocomovente,poiselachoravabaldeseconfessouquecontinuavaaseruma mãe severa e crítica consigo mesma (como sua própria mãe), masgostoudaideiadetentarserparasimesmaamãebondosa,amorosaqueeracomosfilhos.

Nãocreioque sejanecessário ter ilhosparaacessaressasaptidõesequalidades. Pense nas crianças pequenas de que você goste (talvezparentesoua ilhados)ecomoagecomelas–oquelhesdizquandoestãochateadas ou assustadas. O amor e a atenção que você demonstra aosanimais de estimação também é um bommodelo. Em essência, tente serpara simesmo o pai (ou amãe) amoroso, aprovador, o qual você almejaqueosoutrossejam.

EXTREMOCUIDADOCOMOBEM-ESTARPESSOAL

Um livro que passei a adorar éThe Art of Extreme Self-Care [A arte do

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extremocuidadocomobem-estarpessoal],deCherylRichardson.Otítuloem si se revela provocador, pois salienta de forma simpática que existeuma sensação real de risco, perigo e medo na ideia de se preocuparconsigo mesmo de forma adequada. A ideia de talvez reconhecer e pôrnossas necessidades em primeiro lugar,mesmo durante parte do tempo,parece tãoarriscadaqueécomparávelaochamadoesporteradical, comoplanarcomparapente,bungee jumpingousaltardeumlugaraltocomospésamarradosaumcaboflexívelecomprido.

Afirmações

Uma das sugestões mais desa iantes de Cheryl consiste em que vocêfortaleçaseuamor-próprio, literalmente,dizendoasimesmotododiaquese ama. Olhe-se no espelho toda manhã e diga: “Eu amo...” (insira seunome). Enão ria em silêncio!Emquemedida édi ícil atémesmoler isso,quantomaisfazê-lo?Receioqueemboraeupossasemamenordúvidaverovalornaa irmação,sintanoprimeiroobstáculo,ain luênciasuperiorqueexerciam meus próprios mecanismos de defesa. Mas uma de minhasclientesmuito intelectual,deextremopro issionalismo, forçou-sea fazê-lo.Dissequefoiumasdasmaisdi íceistarefasquejáempreenderaatéentão(e tinha diplomas das melhores universidades do mundo), mas quetambém foi incrivelmente transformadora. Ela vinha passando pormomentosdurosemquasetodasasfrentesdevida–divórcio,famílianãosolidária, estresse bastante disfuncional no trabalho, doença e morte deum parente amado – e mal aguentava icar em casa. Ela me contou:“Alguémmedisseoutrodia: ‘Vocêparece feliz’,emedeicontadequeeuacordara naquelamanhãme sentindo feliz pela primeira vez emmais oumenosumanoemeio.”Claro, alémda terapia, ela faziaoutrasmudançasemsuavidaerelações,massentiaquedizer“Euamovocê,Rebecca”,asimesma todamanhã e toda noite no espelho foi fundamental para alterarseuestadodebomhumor.

Aa irmação“Euamovocê”acimatalvezsejaamaisdesa iantecomqueme deparei, porém você pode criar qualquer a irmação que quiser paradirigir-se a como está tentando mudar. Quando eu dava os cursospsicológicos na prisão de Holloway, as a irmações se revelaramsurpreendentementepopularesee icazes.Umadaspreferidasentremeusgrupos constituía “Estou quebrando antigos padrões e avançando”. As

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mulheresaadoravamporqueerapositivaeedi icante,noentantotambémverdadeira para a maioria delas. A única diretriz para formular umaa irmaçãoéqueajudarásevocêcomeçá-lacomoverboestar,naprimeirapessoa do presente do indicativo, seguido por alguma coisa positiva e nopresentedo indicativo. Portanto, vocêpoderia dizer “Estou aprendendo aseramáveleamorosocomigo”ou“Estouaprendendoadizernãoacoisasque esgotamminha energia” ou apenas “Sou uma boa pessoa”. Tambémajuda dizer a a irmação em voz alta ou em sua mente; para um efeitomáximo, diga-a enquanto olha direto para simesmo no espelho, e com amaiorfrequênciaquepuder.

DiáriodeTrêsBoasCoisasporDia

Como eu disse antes, muitos de nós chegamos à idade adulta achandodi ícil pensar em coisas boas a nosso respeito. Sermos severos eautocríticossetornouumhábitodepensarcodi icadonasviasneuraisdenosso cérebro. Trata-se do cenário padrão em nosso computador demonólogo pessoal. Manter um “Diário de Três Boas Coisas por Dia” (ouapenasinseri-lasemseucelular)oajudaráacriarhábitosmaisbenéficoseamáveisdepensar.Éimportantequevocêconsigacomeçaranotarasboasqualidadesquetemedar-seelogioecréditoporelas.Issofazpartedesersuaprópriaredenção–vocêtemdefazerissoparasimesmoprimeiro.

EssateoriavemdomovimentodepsicologiapositivacriadoporMartinSeligman e outros na década de 1990 para nos concentrarmos emobservar e fortalecernossas forças e capacidadede recuperação, emvezdenosconcentrarmosemfraquezasede iciências.Omovimentoacumulouumsigni icativocorpodepesquisabaseadoemtestemunhosparamostrarqueamudançadofocoparaaspectospositivospodeprovocarimportantesmelhorias na saúde mental. Ao obrigar-se a escrever de fato essespensamentos positivos em seu Diário de Três Boas Coisas por Dia, épossívelcriarnovasviasneuraisnocérebro.Aideiaéquedepoisdeduassemanasregistrandocomatençãopelomenosumaboacoisaquevocêfeztodo dia (não tem importância se não puder encontrar três com quecomeçar), pode apenas pensar nas ideias novas, proveitosas sobre simesmosemterdeescrevê-las.

Embora os clientes em geral lutem de fato para fazer isso, os que

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perseveraram relataram que isso lhes proporciona um efeito muitopoderoso na sensação de valor próprio e autoestima. Não é tão di ícilquantoparece,quandopercebequepodeincluirtodosostiposdeaçõesetarefasquetalvezdocontráriovocêdespreze(“Ah,qualquerumteriafeitoisso”) ou aceite como coisa corriqueira (“Mas eu tenho de preparar ojantar de qualquer modo”). É ocomum, não o extraordinário, que vocêprocuraobservar.

Para cada “evento” que registrar, escreva as qualidades pessoais queissolhemostraquevocêtem.Porexemplo:“Compreialgunsnarcisosparaminha mesa. Sou criativa, atenciosa, amorosa.” Ajuda a pensar em comovocê descreveria, em termos generosos, uma boa amiga queempreendesseamesmaação.Mantenhaesseregistroprivadoparaajudara superar a barragem potencial de vozes críticas que desprezarão todopensamentopositivoque você tiver sobre simesmo como trivial, ridículo,convencido, orgulhoso etc. Talvez também ajude usar as ideias queapresentei no capítulo anterior para desa iar suas vozes críticas quandoelassurgirem(ver[15]–[16]).

Seguem-se algumas entradas do Diário de Três Boas Coisas por Diagenerosamente compartilhadas por vários pacientes para dar-lhe umpoucodeinspiração:

Fuiparaotrabalho,emboramesentisseenfermo.Souconfiáveleconsciencioso.Tenteiapoiarmeupaiaotelefonecomasdificuldadesqueelevinhatendo.Souincentivador,atencioso,sinceroedeterminadoaajudar.Tenteimeesforçarbastantenumesportequandoerafácilnãotentareapenasficarláparaparticipardapartesocial.Soudeterminadoeinspirado.Anoteiohoráriodeestudo.Souorganizadoedispostoatersucesso.Canteinumaapresentação.Souconfiante,apreciativoeempenhado.Encontrei-mecommeuex-namorado.Fuicompassivaeindulgente.Escuteisemjulgamentoquandoelefalousobreorelacionamentocomminhaantigamelhoramiga.Fizumaentrevistaemlínguadesinaishojeparaumtrabalhoquemeassusta.Senti-meorgulhosoporterficadocalmoetê-lofeitoassimmesmo.Soucorajoso.

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Umavizinhacomquemeununcameencontraraapareceuprecisandodeajudaparaexaminar-lheagarganta.Elasesentiaenvergonhada,porissoafizficaràvontadeesentir-setranquilaquantoàgarganta.Estranhosmedeixamnervosa,masmesmoassimfuimuitoamistosaeprestativacomela.Pediumareuniãocomagerentederecursoshumanos.Disse-lhequeminhacargadetrabalhoerademasiadaepergunteioquepoderíamosfazeremrelaçãoaisso.Elasemostrouincrivelmenteprestativaedissequenãotinhaamenorideiadequeissofosseumproblema.Fuicorajosoefranco.Ouseipedirajuda.PrepareiumanovareceitadolivrodeJamie.Ascriançasnãogostaram,masfiqueicalma.Souaventureiraeprefirovidaesaúde.AssistiaumprogramadeTVcomX(filha);nósnosaconchegamoserimosjuntos.Souumbompaiereserveitempoparaumpoucodeintimidade.NãofuiaoshowdeFnoúltimominuto,quandoestavacansadodemais.Boadecisão!Estoucuidandobemdemimesemprepossoiraopróximo.Maravilhaacordarsemressaca.Nãocompreiumablusadeestilistaemliquidação,poisfiqueienvergonhadanafrentedeumaamiga.Ligueihojeecomprei-apelotelefone.Agirápidoparacorrigirumerro.Soudinâmica,engenhosaesupereiosentimentodequenãoamerecia.AjudeiaresolverbrigaentreTeJ.Soucriativanasoluçãodeproblemaseumaboamãe.Ajudeiumaamigaaescolherentrealgumasopçõesparadividirapartamento.Souumaboaouvinte,interessadaemmeusamigosedispostaaajudá-los,perceptiva,atenciosa,objetiva,capazdeoferecersugestõeseapresentarnovasideias.CompreiumDiáriodeTrêsBoasCoisasporDiaparaminhaprimaeescreviasprimeirastrêsentradasdasqualidadesqueobservonela.Soucarinhosa,incentivadora,generosa,positiva,desejosadeajudá-laaversuasprópriascaracterísticasboas.Animeiminhaafilhadade4anosbrincandodecavalinhoemmeujoelho.Soudivertida,capazdemerelacionarcomcrianças,desinibida,atenciosa,bondosaeumpoucotola!

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A cliente que compartilhou esses últimos três exemplos disse que osescrevia toda noite antes de ir dormir, e que concentrar-se nas coisaspositivasparecialevaraumdescansonoturnomuitomelhor:

–Antes,euteriaproblemasnãoresolvidosepensamentoscríticosquegiravamaoredordeminhacabeçaetornavammuitodi ícilpegarnosono,masfazeroDiáriodeTrêsBoasCoisasporDiamedeixanumestadomuitomenosansiosoparaadormecer.

Após manter o diário por duas semanas e meia, essa jovem mulherdissequeisso izeraumaenormediferençaemcomoelasesentiaconsigomesma:

–Paramim,issomudouoquemeucérebroprocuraduranteodiatodo.Emvezdememaltratarecon irmar“Vocêéumamerda”,alentepelaqualolhomudoude certomodo, assim estou embusca de “Comqueme sintofeliz?”.

Manteresseregistro,aindaquevocêsóofaçadevezemquando,ajudaa fortalecer um recurso ao qual se pode recorrer em momentos dedi iculdade e insegurança. Você pode reler as entradas e lembrar-se dequando e por que se sentiu bem em relação a si mesmo. A maioria dosBonzinhosparece terumpoderoso tabucontraoautoelogioqueos tornamuito resistentes a esse exercício. Mas persevere – a recompensa époderosa.

Ograndeavanço:cháparaumapessoa

Uma de minhas primeiras clientes era uma pro issional bem-sucedida,incrivelmenteinteligenteemãedetrês ilhospequenos,quenunca, jamais,fazianadasóparasi.Depoisdeunsseismesesdeterapia(elaracionalizouque isso era para melhorar as coisas com os ilhos), durante a qualtrabalhou com extrema diligência para descobrir os padrões depensamentos, sentimentosecomportamentosqueahaviam levadoaumadepressão opressiva, mas funcional, ela chegou com uma aparênciaeufórica.

– Fiz um grande avanço! – anunciou radiante. Sentei-me literalmentena beira da poltrona com expectativa. O que ela poderia ter feito paracausar tão óbvia alegria? – Comprei um jogo de chá para apenas umapessoa–declarou.

Imaginoquedevoterparecidoespantada,poisnuncatinhaouvidofalar

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em jogo de chá para apenas uma pessoa (embora depois eu saísse ecomprasseumparamim).

–Oqueéisso?–perguntei.E minha cliente continuou e descreveu um pequeno bule que se

assentaemcimadeumaxícaraeumpirescombinando.–Obulecontémosu icienteparaduasxícaras–disseela;emseguida

acrescentou,comumsorrisotravesso:–masésóparamim.Issoconstituiusemdúvidaumamudançacrucialparaessamulhertão

abnegada. Quebrou aRegra Pessoal Rígida de que elaNUNCA DEVE PÔRSUAS PRÓPRIAS NECESSIDADES ANTES DAS DA FAMÍLIA (... ou algumacoisaterrívelaconteceria,comoemsuainfância).Comessaexperiênciadetrivialaparência,masincrívelaudácia,elaconseguiucomeçaraquebrarodomíniodessapoderosacrença.Poderíamosdizerqueseucérebroadultoracionalmostrouaosupersticiosocérebroinfantilinternoqueumpequenoprazerasimesmanãocausarianenhumatragédiaparaafamília.Abriuocaminho paramais experiências, entre elas tirar algum tempo de folga aimdeira“encontrosdeartistas”enutrirsuacriatividade(comosugeridopelo excelente livroThe Artist’sWay [Guia prático para a criatividade –Ocaminhodoartista],de JuliaCameron)e investigarcomoredimensionarotempo com a inalidade de trabalhar meio período, ver mais os ilhos eaperfeiçoarsuaescritacriativa.

COMOVOCÊPODEAGRADARASIMESMO?

A marca de beleza L’Oréal monopolizou uma importante ideia quandocriou o slogan “Porque VocêMerece”. Remontamais uma vez à ideia dedireito.Vá,elesincitam,compreesseatraenteprodutodecabelo;vocêtemgrandeepreciosovalorcomoumserhumanomaravilhosoedevetratarasimesmomuitobem.Sóquemuitosdenóslutamos100%parasentir,numnívelmuitoprofundo,quepodemosgastartempo,energia,dinheiroeamorconosco. Na verdade, sentimos o contrário do que nos diz a L’Oréal: quenãosomosdefatomerecedoresdequalquercoisamuitoboaouespecial.Ecommuita frequência, como eu disse antes, os Bonzinhos distribuem seutempo, energia, dinheiro e amor aosdemais enenhuma eles.Mas agora,pelobemde sua sanidade, saúde, felicidade ebem-estar, euo encorajo afazerexatamenteisso.

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Então,qualo seuequivalentedo jogodecháparaumapessoa?Nãoéfácil sugerir ideias,poisomimodeumapessoaéovenenodeoutra,masalguns dos exemplos de meus clientes incluem: nadar, tomar banhosluxuosos,patinar,dançar(sapateado,zumba,dançadesalão,salsa),correr(maratonas ou apenas ao redor do parque), escrever, pintar, visitargalerias de arte, ir a shows de música, passear a cavalo, passear com ocachorro, fazermassagem, ingressar em corais, combinar atividades comamigos (em vez de noites passadas tomando vinho e falando deproblemas), icar na natureza, icar perto de água... a lista é in indável emuitíssimo pessoal. Incentivo as pessoas a se lembrarem das coisas queelas gostavam de fazer quando crianças ou jovens adultos, e ver seconseguem encontrar um modo de fazê-las agora. Talvez assuma umaformaumtantodiferente–porexemplo,umaturmadeauladedança,emvez de deslocar-se de uma boate a outra –, mas que proporcione asmesmas sensações de alegria e liberdade, que são ao mesmo tempofortalecedoras,educadoraseestimulantes.

A cliente que achou que o Diário de Três Boas Coisas por Diatransformouasuasensaçãodevalorprópriofoitambémaqueseesforçoumuito para encontrar atividades que lhe intensi icassem a sensação dedivertimento e prazer sensual. Vinha ignorando ou castigando o corpoduranteanoscomumacombinaçãodealtarealizaçãoacadêmica,di íceiselongashorasdeescritório,umprogramadeginásticanãoprazerosaeumpadrão alimentar com longos períodos sem comer. Avançados quatromeses em nossa terapia, ela izera as seguintes mudanças: passou a teraulasdeum jogosemelhanteao tênis, jogadocomraqueteepetecas,queeram divertidas e sociais; inscreveu-se num curso de meditação comatençãoplenaesessõesdeioga;participoudeumprogramaduranteumasemanadeboa forma ísicanumaresidênciadecampo,FitFarm,que lhemostrou ideias para uma alimentação prazerosa e saudável, além deexercícios; e, por im, foi a um workshop de introdução ao sexo tantrabudista. Também comprou produtos de banho e corpo esplendidamentecheirosos e comida saudável deliciosa para regalar a si mesma e seussentidos. Quando a vi após um intervalo de feriado nacional, elaresplandeciacomforçadevida,energiaeempolgação.Agradeceu-mepordeixá-laencontraressesnovosinteressesemseupróprioritmo:

– Se tivesseme dito nas primeiras poucas sessões: vocêprecisa fazeressas coisas, eu teria resistido totalmente e jamais as teria feito.Mas, em

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vez disso, apenas me mandou icar atenta ao que faz minha energiaaumentar,efoiissoquesegui.

Então, o que faz sua energia aumentar? Isso talvez pareça um poucoobscuroparacomeçar,masserefereàsideiasno Capítulo4easintonizar-se com o que seu corpo está lhe dizendo. Quando alguém lhe dá umasugestãoou lhe fazumpedido,épossívelquealgumacoisaemseucorporeajadeformapositivaounegativa–chamoissodeascensãoouquedadeenergia. (Para muitas pessoas, essa sensação é no estômago, daí aexpressão“reaçãoinstintiva”.)Acontecequaseinstantaneamente,emuitasvezesnãoanotamosouaignoramos.

Aoprocuraratividadesquelheintensi icarãoasensaçãopositivadeeu,monitore combranduraparaonde sua atenção é atraída e o que faz seuinteresse – ou energia – aumentar. Em seguida, no seu próprio ritmo,comece a pôr em prática essas dicas que o seu corpo (ou talvez osubconsciente) lhe dá. Qual atividade te atrai e que você gostaria deexperimentar? Experimente e programe atividades de antemão em seudiárioenãoasmudeporqueoutraspessoas lhepedempara fazercoisas.Priorize você mesmo para variar e veja como isso começa a mudar aospoucosascrençasprofundamentearraigadassobreseuvaloremérito.

Avalieseudia

Uma das ideias que adorei do curso de meditação com atenção ouconsciênciaplenaquefrequenteiháalgunsanosfoioexercício“Avalieseudia”. Desde então o tenho ensinado a muitos clientes, que o acharamsimples,masmuitoeficaz.Segue-seoquevocêfaz:

Façaumalistadecadatarefaeatividadeemseudia,depoisasavaliecomoextenuante,habilitadora(quandovocêsesentircompetente)ouprazerosa,pondoaletraE,HouPaoladodecadauma.Emseguida,penseemcomovocêpodemudaralgunsdositensquesenteestaremextenuando-aparasetornaremprazerososouhabilitadores.

As pessoas no curso apresentaram todos os tipos de sugestões, mas ointeressanteeravercomooqueéextenuanteparaumapessoapodeserprazerosoparaoutra.Porexemplo,respondere-mailseraextenuantepara

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muitas pessoas, mas algumas consideraram habilitadoras porque sesentiambemdepois.Umamulherchegouadizerquee-mailsparaelasãoprazerosos porque nunca sabe quem pode tê-la procurado e quaissurpresas e aventuras talvez se achassem à espera em sua caixa deentrada do correio eletrônico. Outra de que me lembro eram viagensdiárias para o trabalho – muitas disseram que isso era extenuante, masalguémsugeriuquesevocêescutaralgumamúsicafavorita,umPodcastoulerumlivrodesuaescolhapodemtornar-seprazerosas.Outras incluíramlevar um bom tempo sentindo o aroma e sabor da bebida preferida demanhã,usarumgelparabanhoagradavelmenteperfumadoesaborearoaroma,passar loçãodecorpoedesfrutarasensação,apreciaranaturezaao redor de você quando tiver a chance, ouvir o canto de passarinhosquandosairdecasapelamanhã...

Grande parte disso envolve usar nossos cinco sentidos. Muitas vezes,parecemos ignorar o olfato, o tato, o paladar e a audição, quando nosconcentramos predominantemente em nosso poder de visão. E comfrequência rangemos os dentes, desligamos nossa consciência sensória eapenas empreendemos as coisas que têm de ser feitas, e, assim, nosprivamos de uma possível riqueza de experiência, ou até de um prazerinesperado.

Conversecomsuacriançainterna

Isso remonta à ideia por trás do que a freira aconselhou à mulherdesesperadana série deTVque citei antes (ver[17]),mas vai umpassoalém e você pode de fato se envolver com seu eu mais jovem como seela/ele estivesse no seu quarto. A primeira vez que tentei fazer isso foidepois de aceitar o conselho de minha supervisora clínica, a dra. LynneJordan. Eu conversava sobre uma paciente bastante raivosa que meassustavaapontode eu temer as suas sessões, embora tambémsentisseque ela era um ser humano com dor e sofrimento que merecia minhaajuda.

–Éasuacriançainternaqueficaassustada–disseLynne.–Oquevocêpoderia dizer para si mesma para se sentir segura antes dessa clientechegar?

Que pergunta mais louca, pensei (em segredo, claro, ao editar meuspensamentosverdadeirosnoclássicoestiloBonzinho).

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–Nãofaçoamenorideia–respondi.– Que tal algo assim: aquela assustadora cliente vai chegar, por que

você não vai brincar na outra sala enquanto eu cuido da situação? –sugeriuLynne,nasuamaneiradireta.

Saíinteiramentenãoconvencida.Masmelembreidaideialogoantesdachegadadaclientenasemanaseguinteepensei:nãotenhonadaaperder–eubempoderia fazerumatentativa.Assim,nodevidomomento,disseàminha criança interna (imaginei a mimmesma com uns 3 anos) que eulidariacomomaterialadultoassustador,eelapodiairbrincaroutirarumcochilonaoutrasalaequeeuamanteriasegura.Eadivinhe?Funcionouàperfeição.Achoqueseparouaparteracionalpré-lógicademeucérebro–a parte que denominei Terror de Criança Pequena (um imenso medorelacionadoaomeuhistóricoderaiva,con lito,confrontoedesaprovação)– de minha capacidade de raciocínio adulto racional; assim, conseguisentar-me no consultório e usar todo meu treinamento, competências eperícia, enquanto a pequena (assustada) Jacqui icou segura (em termosmetafóricos)na“outrasala”.

Desde então tenho partilhado essa ideia commuitos clientes, e comopara muitos que sofrem da Maldição dos Bonzinhos há na maioria dasvezes uma versão do Terror de Criança Pequena em ação, conversar deummodo calmante para ajudar sua criança interna a se sentir segura éuma estratégiamuito prática e proveitosa.Mas, para algunsBonzinhos, aépocatraumáticadavidaforamseusanosadolescentes,porissoparaelestalvezsejamaisútilconversarcomseuadolescenteinterno.

Sarahconversacomseueuadolescente

Sarah, que encontramos no Capítulo 2, sentia-se imobilizada na vida, emparteporcausadascrenças limitantesqueelaadquiriranosdi íceisanosadolescentes,quandoeraa“amigagorda-mas-legal”,sempresupondoqueosmeninos conversavamcomelaapenaspara chegarà sua lindamelhoramiga. Sarah aceitou conversar com seu eu adolescente de 15 anos nasegurança de uma sessão de terapia, para ver se isso poderia ajudar amudarumpoucoascoisas.

Como com a maioria dos clientes, o fato de eu sugerir isso a Sarahgerouencabulamentoeceticismoaprincípio.Pedi-lhequeimaginasseseu

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eumais jovemnacadeirasobressalentedoconsultório, fechasseosolhos,visualizasseefalassecomajovemSarah.

–Conseguedizer-lhetrêscoisasamáveissobreela?–perguntei.–Atenciosa,generosaebastantepositiva–Sarahlogorespondeu.Eulhedissequeachavaqueelapoderiadizermaisalgumacoisa:– Sarah, de 15 anos, está sentada ali e quer saber o que osmeninos

talvezpudessemvernela.Vocêésuafadamadrinha,quelhediz?Elariueemseguidadisse:– Sarah, vai dar tudo certo. No im das contas, não se trata de

aparência. Você é entusiasmada, divertida e interessante. As pessoasgostamdevocêeissovaicontribuirparalevá-labemlonge.–Sarahdepoiscomentouqueessafoiumadasexperiênciasmaisdi íceisqueelajá izeraatéentão.–Foimuitodolorosa.Mastenteiusá-ladeumaformapositivaetenho pensado naquela menina como uma outra pessoa, uma a quemvenhotentandoajudar.

Sarah intensi icou o regime de exercícios ísicos e reduziu o consumodeálcool.Suanovametaeratomaralgunsdrinquessocialmente,masnãoseraúltimaasairdafesta.

–Eumehabitueiadizeràspessoasquenão tinhapersonalidadesemvinho branco Pinot Grigio, mas sei que isso não é verdade. Meu ladodivertido de fato está sempre aqui o tempo todo. As pessoas gostam demimnoescritórioeseiquemeincluonoespaço.

Sarah se inscreveu para participar de uma corrida divertida eingressou num clube de corrida onde, aos poucos (muito devagar),começou a perceber que alguns homens pareciam interessados nela,apesar de estar inteiramente sóbria, vestida em conjunto de moletom ecomsuorpingandonosolhos.

Conversarcomsuacriançaouadolescenteinternonãoéumardilexclusivoque ocorre apenas na terapia. Sempre que você sente uma pontada deansiedade, possivelmente foi o Terror de Criança Pequena (ouAdolescente)queadesencadeou.

Nessesmomentos, lembrar-se de ter uma palavra calmante com esseeumais jovempode,quasequede formamilagrosa, fazê-losentir-semaistranquilo e permitir-lhe acessar seu cérebro de adulto criativo, capaz deresolverproblemas.

Umaamigaminhaquepassavaporumrompimentomuitotraumáticoe

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sentia-seabandonadaesozinhadissequedirigiaocarroe tomavaamãoimagináriadeseueude6anos(aidadequetinhaquandoosprópriospaissedivorciaram),comoseelaestivessesentadanobancodopassageiroaolado. “Pronto, pronto”, dizia, amorosa. “Vai icar tudo bem. Cuidarei devocê.”

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RESUMO

Nestecapítulodescreviinúmerastécnicasquepodemajudá-loacomeçaravalorizarmaisasimesmo.Seguem-seoslembretes:

Penseemtornar-sesuaprópria“redenção”edarasimesmooamoreagenerosidadequeviveesperandoqueosoutroslhedeem.Tenteformularafirmaçõespositivassobresimesmoedizê-lasassiduamente(emboraemparticular).MantenhaumDiáriodeTrêsBoasCoisasporDiaparaobservareelogiaroquevocêfazbem.Penseemmodosdeproporcionarprazerasimesmo–edesfrutá-lossemculpa.Avalieasatividadesdeseudiacomum“E”para“extenuante”,“H”para“habilitadora”ou“P”para“prazerosa”,edepoispenseemmodossimplesnosquaisvocêpoderiamudaralgumasdasletrasE,HouP.Tentefalardeformacalmaeincentivadoracomasuacriançaouadolescenteinternoquandosesentiransiosoousozinho.

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O

7

Refinesuasferramentas

utrodia,umademinhasclientesfalavasobreumadifícilconversaqueprecisava ter. Queria criticar um treinamento oferecido por sua

empresa,queelaachoumuitomaldirigidoelhesolaparaaconfiança.–QueromequeixaraoDepartamentodeRecursosHumanos,masnão

seicomofazê-lode formaadequada.Tenhotantoreceiodemecomunicardemodoerradoeserdealgumaformapunida.Écomoseeuprecisassedesuaajudaparaescolheraferramentacertadomeukitdeferramentas.

Considereiaideiaumametáforatãoboaquebrincamosemtornodissoporalgumtempo.Quetipodeferramentaelaacreditavaprecisarparaessatarefa?

– Bem – respondeu pensativa –, parece bastante delicado, por isso éprovável que eu precise de alguma como uma pequena chave de fenda.Mas enquanto tento escolher a certa, temo pegar a serra de cadeia edesencadearumenormemassacre. Sangueem todosos lugares, comonocinema!

Porisso,segue-seaquiuminventáriodealgumasdasferramentasquetalvez você considere úteis, enquanto começa a planejar para agir e secomunicar de modo diferente. Algumas delas você na certa já conhece,algumas talvez lhe pareçam novidade. A escolha é muitíssimo pessoal,portantoselecioneaquelasquevocêjulgarmaisúteisnasituaçãoqueestáprestesaenfrentar.Depois, lembre-sedemantê-laspolidaseprontasemseukitdeferramentas.

ACESSESEUEUMAISCORAJOSO

Um de meus exercícios preferidos de terapia chama-se Inventário deForças Con iáveis. Encontrei-o quando estudei psicologia de construçãopessoal(criadaporGeorgeKellyapartirdadécadade1960)emodi iquei-oparaempregá-locommeusgruposdaprisãodeHolloway.

A ideia central de Kelly é que todos temos “forças” (alguns poderiamchamá-las de “poderes de recuperação”) e que elas são “con iáveis”

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durantetodaanossavida–sempreseencontramaliparaasacessarmos,ainda que tenham permanecido dormentes durante algum tempo, numperíododenossa vidaquandonãonos sentimosmuito fortes.O exercícioajudaa identi icaressasqualidadesea fazerum “inventário”–ou lista–delas, que ica disponível em épocas de crise, quando precisar de umestímulodecon iança.Nessesentido,émuitosemelhanteaoDiáriodeTrêsBoasCoisasporDiaapresentadonoúltimocapítulo,emborarecorramaisaindíciospessoaisdopassadodoquedopresente.

Pense em épocas do seu passado quando você fez coisas de que seorgulha,pormaisinsigni icantesqueelastalvezpareçamaosoutros.Podeserajudarumamigo,persistiremalgumacoisadi ícilou terseu trabalhoa ixadonaparededaescola.Tenteerelacionepelomenostrês,depoisaoladodelasescrevaasqualidades (ou forças con iáveis)queelasmostramquevocêpossui.Hásemprealgoa identi icar.Porexemplo,aocomprarelereste livrovocêestá tentandomudaralgumacoisacomaqualnãoestáfeliz em sua vida. Isso mostra as qualidades de determinação, pró-atividadeecoragem.Nãodeixesuasvozescríticaslherejeitaremasideias.

SEJASEUPRÓPRIOLÍDERDETORCIDA

Isso se assemelha a pôr suas Forças Con iáveis numa a irmação simples,encorajadora, adequada para a ocasião. Que frase ou slogan você podedizera simesmoantesdedaraquele telefonemadi ícil, enfrentaraquelapessoa complicadaou ver-senumadi ícil situaçãoque lhe exige sermaisassertivo?

Umadasparticipantesdomeuworkshopsugeriuasseguintespalavraspara dizer a si mesma ao lidar com um prestador de serviço grosseiro(jovem): “Vamos, você pode fazer isso! Tem idade para ser mãe dele.Ficará bem.” Outros se inspiraram em sua pessoa encorajadora (como aavódeKirstynoexercício“Retirarospoderesdesuasvozescríticas”),comfrases como: “Você é excelente! Vai nessa!” Tambémpode ser realmenteproveitosolembrar-sedaDeclaraçãoPessoaldeDireitosqueexaminamosnoCapítulo5.Dizerasimesmoalgumacoisacomo:“Tenhoodireitodemecolocar em primeiro lugar”, ou “Tenho o direito de dizer não”, pode sermuitohabilitadornummomentocrítico.

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LINGUAGEMCORPORAL

Pesquisastêmconstantementemostradoquelemosmais informaçõesunsdosoutrosvia comunicaçãonãoverbal–ou linguagemcorporal–doquequalquer outra coisa. O pesquisador pioneiro de linguagem corporal,Albert Mehrabian, pôs a proporção em torno de 55% de linguagemcorporal,38%vocal(sobretudootomdevoz)eapenas7%depalavrasdefato faladas. Portanto, quando você pensa emdizer algo diferente de seutiponormaldecomunicação,oqualporissoparecemuitodi ícil,talvezsejaproveitosoconcentrar-senasmensagensqueseurosto, corpoevozestãoenviando antes sequerde você começar apensarnaspalavras concretasquepoderiaprecisarusar.

Postura

Sevocêse levantarempertigadoeeretoeolharaspessoasnosolhos,vaise sentirmais con iante e irradiará con iança para os outros. Se tiver dedarumtelefonemadi ícil,tentelevantar-seenquantoofaz.Issooajudaráase sentirmais forte, o que, por sua vez, lhe desprenderá a voz.Demodosemelhante, se o chefe aproxima-se de sua escrivaninha para falar comvocê,podeserútillevantar-se,paraquefaleolhonoolhoenãosesintaemdesvantagem,comalguémlhefalandodecima,literalmente.

Em meus grupos de comunicação assertiva, na prisão de Holloway,fazíamosumexercícionoqualasmulherescaminhavamaoredordasalacomposturacurvada,olhosvoltadosparaochãoetc.,depoiseulhespediaquecaminhassemeretase izessemcontatovisual.Elasinformavamqueadiferença que sentiam no corpo era notável; sentiam-se melhores, maisfortes e mais con iantes, enquanto caminhavam em volta ingindo serassim.“FingiratéconseguirSer,nãoésenhorita?”,comodisseumadetenta(semironia,considerandoquecumpriapenaporacusaçãodefraude).

As aulas de cuidados maternos que frequentei quando meus ilhoseram pequenos me ensinaram uma ideia de postura semelhante paracomunicar autoridade tranquila aos ilhos: “Imagine que você é umaárvore magní ica, ou uma rocha”, disse a professora. “Ergue-se forte eirme,enraizadanaterra.”Acheiaimagemdeárvorebastantee icaz,poissigni icaqueseestáenraizadonochão,contudonão totalmente in lexível.Sevocêalgumavezfezaulasdeteatro,movimento,dança,iogaouPilates,é

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provável que lhe tenham ensinado a contrair o estômago, pôr os ombrospara trás e imaginar um io dourado puxando-o do topo da cabeça paraalcançarumaposturaereta.Vocêpodeusaressemétodoou,maisumavez,qualquerumquefuncionemelhor.

Microssinais

Trata-se do que pessoas, como entrevistadores de polícia e jogadores depôquer,procuramparaveri icarsesuspeitosouoponentesestãodizendoa verdade. Eles percebemminúsculas alterações no rosto, sobretudo nosolhos, quando há uma disparidade – ou ambivalência – entre o que aspessoasdizemeoquedefatopensam.

Quando você tiver de dizer alguma coisa di ícil, tente icar atento àsmensagens que se desprendem do seu rosto e do seu corpo, pois talvezelas não correspondam às palavras que você está dizendo. Tentemanterirmecontatovisual,nãoseremexerenãomanusearabocaouasorelhas.Daralgumasinspiraçõesprofundaselentas,ajudaráaretiraratensãodorosto,olhosemandíbula.

Racioneaquelesorrisomaravilhoso

Claro, um dos maiores microssinais passíveis de sugerir que nãopretendemosdizeroquedizemoséonossosorriso.

Entenda, não estou criticando o seu sorriso. É provável que você oconsidereumdeseusmelhoresrecursos,etalvezlhetenhammuitasvezesditoisso.Tenhosorridoconstantementequaseminhavidatoda,oquesemamenordúvidaabriumuitasportasparamim.(Tambémtemmecustadouma fortuna em cremes antirrugas, pois o hábitome é gravado irme napeleemprofundospésdegalinhaeagoratambémvincosaoredordabocaquemefazemparecerumbonecodemadeira.)

AmaioriadosBonzinhos tendeasorriremexcesso.Emgeral, trata-sedeumhábitoprofundamentearraigado,emuitasvezesachamosqueessaé nossa melhor aposta para ter as necessidades satisfeitas: sorrio; vocêgosta de mim; vai querer ser amável comigo e me ajudar. Tambémsabemos que, de certa forma, isso faz as pessoas se sentirem seguras:argumenta-se que as origens evolucionárias do sorriso encontram-se nos

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macacos que arreganham o lábio superior e expõem os dentes parasinalizar que não constituem uma ameaça para agressores em busca deumabriga–umsinalnãoverbaldesubmissão.

Porisso,emboranãohajanadadeerradocomseusorrisomaravilhoso–muitas pessoasmorreriam por ele –, você precisa ter opções e precisapraticá-las. Consegue sorrir quando vocêopta por fazê-lo? Maisimportante,consegueoptarpornãosorrir?

Quando minha amiga Hilary frequentava a escola da faculdade deformaçãodeprofessores de ensinomédio, advertiamaosprofessores emformaçãoqueelestransmitiriamamensagemerradasesorrissemdemaisna sala de aula – que os alunos os julgariam um “contatomanso” e umapessoafácildederrotar,e,antesqueelessedessemconta,teriamperdidoo controle e a autoridade, os quais são muito di íceis de recuperar.Portanto,ensinavam-lheaprestarmuitaatençãoàssuasexpressõesfaciaisquando diante da turma. O conselho que Hilary considerou maismemorável e útil, sobretudo em seu primeiro trabalho numadesa iadoraexperiênciaabrangente foi: “NuncasorriaantesdoNatal.” Issosigni icavaque,quandovocêcomeçaremsetembro, façadecontaqueéumaversãomais severa, menos acomodada de si mesmo durante todo o primeiroperíodo letivo, para estabelecer autoridade e, com esperança, conquistarrespeito. Depois, talvez, possa começar a mostrar seu verdadeiro eu umpoucomaisnosegundoperíodo–i.e.,depoisdoNatal–,incluindoosorrisode vez em quando. Hilary, uma pessoa sorridente, naturalmenteentusiástica,achouissoinestimável.

– É um jogo bastante comum uma turma tentar e fazer o novoprofessor “perdê-la”;portanto,usar linguagemcorporal autoritária semamenordúvidameajudouamanterocontrole–elamedisse.

Asaulasdecuidadosmaternosderam-meconselhosemelhante:– Finja estar aborrecida antes de icar furiosa mesmo – nos dizia

Tamar, a professora nas aulas de cuidados maternos que frequentei. –Quando nos enraivecemos, já perdemos o controle, e isso é assustadortanto para nós mesmos quanto para o ilho, que pressente o perigo nocomportamento imprevisível que acompanha a perda de controle doadulto.

Nas interpretações de papel nas aulas de cuidados maternos, eutentava e dizia algo sério (“Hora de dormir. Agora”), em seguida oarruinavacomumsorrisosuplicante.

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–Você está enviandoumamensagem contraditória ao sorrir no im –disseTamar.–Nãoprecisaserruimnemdesagradável.Apenasodiganumtom calmo, uniforme. E não sorria no im.Você está se comunicando, nãosuplicando.

Issofoimuitodi ícilparamim(eváriasoutrasnogrupo),paracomeçode conversa. Mas quando exercitado, e, sobretudo em conjunto com apostura(“Souumarocha”)eaTécnicadoDiscoArranhado(ver [18]paradetalhes), revela-se uma surpreendente possibilidade e de uma incrívele icácia. Agora, passados 15 anos, quando os garotos visitam e sehospedamporunsdias, façoumabrevecomunicaçãoemtombaixosobreregrasda casa, comumaexpressão séria.Eelesparecemsentir-semuitobem. Sabem como você espera que se comportem e isso decerto épreferível a enfrentar amãe acordada às três damadrugada, aos gritos,quandodecidematacarageladeira.

COMUNICAÇÃOVERBAL

Elimineaspalavrasdesnecessárias

Tente e sejadireto: elimine aspalavrasdesnecessárias e fale semmuitospreâmbulos. Muitas vezes confundimos falar claro e direto com serindelicado e rude. Vivemos numa cultura na qual quase sempre acomunicaçãoindiretaéanorma–sobretudoparamulheres.Nósmulheresinsinuamos, tentamos colocar a culpa nos outros e encantamospessoas acorresponderemàsnossasnecessidadesnãoexpressadas.Edepoistalveziquemosamuadas,queixemo-nosousejamossarcásticasquandoelasnãoassatisfazem.Comfrequência,aúltimacoisaquefazemosédefatodizeroquequeremos.

Eufaziamuitoissoquandotinhaalgodi ícildedizeroupedir,eJocelynChaplin,minhainspiradoraterapeuta,foiaprimeirapessoaquealgumdiachamou-me a atenção direta (com calma e clareza) para isso. Uma vez,quandoeutentavatrocarumaconsultadeterapia,passeiunsdezminutoslhe contando uma história longa e complicada sobre como iam ser asminiférias escolares e eu tinha de levar umdemeus ilhos ao aeroporto,poisele iavisitarumamigonaEspanhaeblá-blá-blá,enchia linguiçacompalavras vazias, hesitantes... ao mesmo tempo que baixava os olhos,desviava-os, não mantinha contato visual e de vez em quando os erguia

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parasorrirdeumamaneiracativante(suplicante?).Ao inaldomeurelato,elamefitounosolhosedisse:

– Jacqui, eunão sei oquevocê estámepedindo. –Euna certaparecimeioaturdidaemagoada,porissoelaacrescentou,muitodelicadamente:–Quequermepedir?Conseguedizê-loclaramente?

Parei e pensei. (Esse é um dos grandes bene ícios da terapia; umespaço seguro no qual você pode exercitar-se a fazer coisas de mododiferente, sobretudo em relação a como age e se comunica numrelacionamento com outro ser humano.) Dei-me conta de que pareciamuitoarriscadopedir-lhealgodiretamente;suponhoqueoriscoestavaemsentirqueelapoderiaficarzangadacomigoporpediroqueeuqueria.Masinspireifundoalgumasvezes,ensaieinamenteoquedefatoqueriapedir–numafraseclara–e,porfim,disse:

– Jocelyn,dáparaadiarmosaconsultadasemanaquevemparamaistardenodia,digamosàumadatarde?

Pelo que me lembro, ela na verdade disse que não, que não seriapossível,masqueeupodiacancelá-lacompletamente.

Em seguida, falamos sobre o efeito na outra pessoa quandoconfundimoseenchemoslinguiçaemnossospedidosourecusascomfatosepalavrasvagasirrelevantes.(Penseemcomoéquandovocêmesmoestána ponta receptora de um pedido ou recusa os longos e prolongadosdemais.)Éconfusoeenigmático.Àsvezes,próximoao im,nãosabemosaocerto o que nos pediram ou disseram, e às vezes perdemos o enredo dahistória, nos sentimos entediados e nossa mente divaga para o que vaipassarnaTVànoite.

Encontreaspalavrascertas

Grandepartedenossoproblemadenãoconseguirrecusarumpedido,oupediroquedefatoqueremos,origina-sedenãosaberaspalavrasadizer,eterpoucaounenhumapráticaemdefatodizê-las.

Encontrei há pouco uma velha amiga que é umamulher de negóciosmuito dinâmica e bem-sucedida; abriu e dirigiu várias empresasarriscadas, há18 anos, desdeque a conheci e empregoumuitas pessoas.Elaestavaacaminhodeconhecerumnovocontatoquelheofereciaalgumtrabalhodeconsultoria.

–Quantovaicobrardele?–perguntei,atítulodeconversa.Elapareceu

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encabuladaemeio imobilizada, comoquandovocêperguntaao ilhode6anos se ele trocou de cueca. Fez-se um silêncio embaraçoso, enquantominha amiga se inquietou e baixou os olhos. – Você não conversou arespeito,nãofoi?–pergunteisurpresa.

– Não consigo fazê-lo – respondeu ela. – Consigo fazê-lo de imediatoparaosoutros,masnãoparamimmesma.

Emseguida izemosumarepresentaçãodepapel,ondelhepediquemeolhasse com tranquilidade e clareza nos olhos e dissesse qualquer coisasemelhante:“Minhaatualremuneraçãodeconsultoriaéde500libraspordia.” Mas não houve meio de que ela conseguisse dizê-lo à vontade, porisso acertamos o seguinte: “Quanto deseja pagar por esse trabalho?” Naverdade, ela não conseguiu sequer usar a palavra “pagar”; emconsequência, decidiu-se por: “Qual é a remuneração diária padrão paraessetrabalho?”Enviou-meumamensagemdetextomaistardeparadizerqueareuniãosaíramuitobemeforarelativamentefácildizeraspalavrasapóstê-lasensaiadocomigo.“Trata-seapenasdeconseguirfazê-lassaíremdeseuslábiospelaprimeiravez–elasaprincípiopareciampresasali.”

Tom

Issoébemimportanteporquetransmiteváriossinaisdemetacomunicaçãoquevãomuitoalémdoqueasprópriaspalavrasdefatodizem.Tomeesteexemplo: você precisa dizer à/ao sua/seu mãe/irmão/irmã/mulher quenão pode comparecer à comemoração de um aniversário primordial. Sedisser:“PrecisofalarcomvocêsobreojantardoaniversáriodeJoe...”numtom hesitante, suplicante, inseguro ou apaziguante, logo abre o caminhopara ser persuadido, tomado de culpa, envergonhado ou manipulado amudardeideia.Agoratentedizê-locomconvicçãoecertezanumtomclaro,tranquilo e forte. Nãoacharia muito mais provável aceitar o que estádizendo? Inclua diretrizes do “Não Amável” (ver a seguir) e talvez, namelhordashipóteses, vocêpossa, aomesmo tempo, sentirque conseguiufazer o que precisava de ummodo criativo para a solução do problemacom ganho mútuo; além disso, disse o que tinha de dizer sem se sentirmuitoculpado.

Como com todas essas estratégias de comunicação, icamos melhorescomaprática,eomelhorafazer,sepossível,éensaiarsozinhonoespelho,

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deantemão,oucomumamigoaotelefone.

ONãoAmável

AmaioriadosBonzinhoslutaemparticularcomaideiadedizernão.Achoqueumaespéciedereaçãofóbicasetornouarraigada.Tememosdizernãoe,assim,evitamosdizê-lo;porissonãotemospráticaalgumaemdizernãoecriamosummedodomedo.

Pus em prática um exercício de workshop em que os participantescaminham ao redor da sala e, toda vez que encontram alguém, têm quefalar não – apenas a palavra “não”. Quantomais tempo eles circulam emvolta, surpreendentemente vão perdendo as reticências e começam agostar de dizer não, além de haver um palpável aumento de energiaintensificando-senasala.

Você pode experimentar isso sozinho, sem umworkshop. Vá a algumlugar discreto e ique na frente de um espelho. Encare vocêmesmo comclarezaecalmanosolhosediganão.Tente-oemdiferentesvozesedivirta-se umpouco. Veja como émais e icaz quando não sorri. Isso começará aquebrarseuprópriotabu.

Agora, avançando um pouco mais essa ideia, examinemos oscomponentesdeum“não”bem-sucedido.Chamo-adeo“NãoAmável”,poispensoque“amabilidade”éumaqualidadeaquemuitosdenósaspiramos.Lembro-medemodobemincisivodaprimeiravezquenoteialguémfazerisso, e teve um efeito duradouro e libertador em mim. Eu visitava umamigoqueestavaorganizandooacessoda imprensaaumgrandeeventoesportivo. Enquanto nos mostrava os estúdios e as posições da máquinafotográfica,eledeuumtelefonemaemseucelular.

– Muito obrigado a vocês por pensarem em nós – ouvi-o dizer, comvisível sinceridade –, mas acho que teremos que recusar dessa vez. Boasortecomamatéria.

–Quemera?–perguntei.–Ah,ojornalSun–respondeuele.–Queriamvirefazeralgumasfotos

nocampocommoçasparaapáginatrês.Ora,meuamigonãogostariadejeitoalgumqueassociassemseuevento

amodelosdetopless;noentantoelerecusoudemaneiramuitoamável.–Vocêfoitãoamável–disseeu,zombeteira.– Bem, boas maneiras não custam nada – retrucou ele. – E a gente

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nuncasabequandotalvezprecisedeumfavor.Portanto,eiscomovocêpodetrabalharoNãoAmável:

Agradeçaàpessoaporpediravocê(ou“pensaremvocê”,comodissemeuamigo).Nadamais,nadamenos.Seestiveraotelefone,inspireedigaessafalaamávelprimeiro.Seestivercomelaempessoa,fiquecalmo,encare-anosolhos,nãoseinquiete.Expressesuarecusademodoeducado,masclaro.Mantenha-abreve.Ospuristastalvezdigam“nuncasedesculpe,nuncaexplique”,masachoquesedesculparfazpartedeamabilidadeeporissoéimportante.Copieafaladomeuamigo,sevocêquiser,poissetratadeumaboa:“Tereiderecusardessavez.”Seissoajudar,ganhetempoparasimesmoenãodecidadeimediato,masdigaqueprecisaconsultarsuaagenda/famíliaouatésimesmo(algumacoisatipo:“Aindanãosei;tenhodepensarsobreoquefareinessefimdesemana/verãoetc.”).Seoptarporisso,éimportantequevocêdigaquandotornaráaprocurá-loscomumadecisãoesejafielaela.Experimenteedêumapositivacontinuaçãoparaterminaremboaenergia.Seforsobrepediralgumtipodeajuda,vocêpodesugeriroutrapessoaquetalveztenhacomoajudar?“Nãopossoadministrarabarracadeboloesteano,masachoqueBettySmithtalvezestejainteressada.”Nãosugiraalguém,anãoserquetenhaumaideiabastanteboadequeelepoderiaquererfazê-lo,contudo;docontrário,vocêestáapenascriandomaisproblemasparasimesmo(quandoBettySmithtelefonar,furiosa).Oupodeoferecerapossibilidadeparamaisadiante,como:“Euadorariareunir-medaquiapoucosmeses,quandootrabalhoficamenosmovimentado.”Maisumavez,porém,sódigaoqueéverdadeparavocê;docontrário,apenascriaráproblemasfuturosparasimesmo.Sefrancamentenãohouveroutrasopções(outraspessoas,outrasdatasetc.),eessebempodeserocaso,penseapenasnoquemeuamigodisseedeseje-lheboasortecomoprojetooudigaalgoagradável,como:“Desfruteaomáximooevento.”Nãoseprolongueparanãoserpersuadido!Issoétãoimportantequeopusemitálicoedei-lheumraropontodeexclamação.Sejapessoalmenteouportelefone,termineaconversacomrapidezeamabilidadeantesqueaoutrapessoapercebasuaculpaemal-estar

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etentemudar-lheadecisãoporalgummotivooumanipulação.

Jessica, a colega Boazinha, achou o Não Amável muito útil com colegasexigentes.

– Direi alguma coisa verdadeira no início, como: “Não gosto de dizernão” ou “Detesto parecer pouco prestativa...mas apenas não posso fazerisso, pois tenho muitos outros pedidos.” Algumas pessoas continuarão ainsistir, mas vários colegas mais sensatos compreendem sua verdade eaceitamarecusa.

ATÉCNICADODISCOARRANHADO

Se você tem idade su iciente para lembrar quando os discos de vinilconstituíamoúnicoformatodisponíveldemúsicagravada,éprovávelquetambémselembredequandoseusdiscosfavoritosficavamarranhadoseaagulha da vitrola emperrava, tocando amesma frase repetidas vezes. Naverdade,amesmacoisaacontececomCDs,porissoamaioriadevocêsteráuma ideia de onde quero chegar com a Técnica do Disco Arranhado.Basicamente, signi ica que você não para de dizer as mesmas palavrasrepetidas vezes à pessoa com quem está tentando comunicar umamensagem clara. O que de fato é bom em relação a isso é ajudá-lo apermanecer calmo e não permitir ser distraído pelas rodovias e atalhosdasfalasquesóservemparadesviaraatençãodoassuntoverdadeirodadiscussão.

Trata-se de outra técnica que aprendi pela primeira vez nas aulas decuidados maternos. Lembro-me da interpretação de um papel onde eupedia ao meu ilho para calçar os sapatos, pois um relógio fazia umameaçadortique-taqueemdireçãoaoprazo inaldepartidaparaaescola.Em pé, irme (como uma rocha), mandaram-me dizer de modo muitosimples e calmo: “Calce os sapatos, por favor, temos de ir para a escolaagora.” O adulto que interpretava meu ilho ignorou-me e continuou abrincar.“Calceossapatos,porfavor”,repeti,tentandonãoalterarovolumeou o tom daminha voz. Em seguida, eu só continuei a dizer “Sapatos” aintervalos regulares – “sapatos... sapatos... sapatos” –, soando como umdiscoemperradoenãoentrandonaquele tomdevozempânico,urgente,que apenas parece aumentar o valor da aposta. Funcionou com meu

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interpretador adulto, que calçou os sapatos, e me senti animadoramentenão estressada.Ah-ah, pensei, isso saiu tudobemnuma interpretaçãodepapel,masnuncafuncionarácomum ilhoreal.Osurpreendente,contudo,équefuncionou.Nãoem100%dasvezes,porémeramuitomaiseficazqueperder as estribeiras, gritar e acabar por chegar atrasada, icardesgastadaeterdeacalmarum ilhoqueirrompeuemlágrimasporqueoassustei.

Muitosdemeusclientes têmusadoessa técnicacomêxitoedizemserrealmente útil quando se planeja uma conversa di ícil. Mas você precisaprestar atenção ao tom de voz. Evite sarcasmo, permaneça afável,reconheçaoqueelesdizem,porémmantenha-sefirmeemsuaopinião.

Jessica me deu o seguinte exemplo usando a Técnica do DiscoArranhado:

– Alguémme pressionava a tomar uma decisão parame encaixar nasua agenda; entretanto eu disse que precisava examiná-la em maisdetalhes.Por issopoderiadar-lhea respostaantesdo imdasemana,emvez de no im do dia? Foi bastante engraçado, porque acho que ambastalvezestivéssemosusandoo“discoarranhado”.Durantealgumtempoeladizia que precisava ser naquele dia, e eu insistia no im da semana. Foiquando pensei que não ia ser eu a voltar atrás, mas tampouco queriacontinuar naquele chove não molha. Então sugeri que ela seguisse emfrentecomorestodoprojetoparanãocausaratrasoseeuainformariademinhaparticipaçãoaofimdasemana.Eelaconcordou.Sucesso!

Eu diria que Jessica usou uma combinação da Técnica do DiscoArranhado com solução criativa de problema, resultando numcompromissodeganhomútuo.Diferentesferramentasdecomunicaçãosãoadequadas para diferentes situações; e, quanto mais ousarmosexperimentar,maisfácilsetornaescolheramaisadequada–sejaachavedefendapequenaouaserradecadeia.

DiscoArranhado,parteII–botaremcamporespostasdifíceis

Oexemplode“sapatos...sapatos...sapatos”queuseiantesparecebastantee icazcomcriançaspequenas,porémcomasmaisvelhaseosadultosissoobviamente consiste numa interação de mão dupla, porque eles têmlinguagem e lógica para retrucar com insolência e, se você apenascontinuararepetiramesmafrase,podeacabarsoandomaiscomoumGPS

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doquecomoumserhumanocalmoeassertivo.Qualquer criança com mais de 3 anos retrucará vigorosamente e

tentará “ganhar” a situação, como mostra o exemplo acima com Jessica.Podem usar manipulação emocional (“Coitado de mim!” – ver Leilão deInfelicidades, capítulo 4), status (“Sou mais importante que você”),humilhação (“Outras pessoas saberiam administrar isso”) ou o que AnneDickson chama de “lógica irrelevante”. O truque é então ambosreconhecerem as respostas um do outro, mas ainda assim continuar arepetirsuamensagemessencial.Tentenão icarpresono conteúdodoqueelesdizemesercontrárioaisso,masdizeralgoassim:“Entendoquevocêestá aborrecido/sob pressão/só fazendo o que o chefe manda...mas...”(insiraerepitaamensagemdediscoemperradoaqui).

Isso não é tão fácil quanto eu talvez esteja fazendo parecer. Mas aprática logo levará à con iança, à medida que você ganha experiência ecompetência.Umarespostaquaseuniversaldeclienteseparticipantesdeworkshops (e eles incluem as mulheres de Holloway) a essa técnica aolongo dos anos tem sido uma surpreendente sensação de aumento depodereesperançadepoisdeseusprimeiros sucessos.Como iquei comoenredode “sapatos” e Jessica comseu “Não!”, aspessoas icampasmaseencantadasquandoissofuncionaemuitasvezesgostariamdeterpostoempráticamaiscedo.

OSANDUÍCHEDEFEEDBACK

Issoéensinadoemâmbitobastanteamploàspessoascujafunçãoenvolvefazer processos de tomada de decisões ou trabalho de avaliação, masoutrasquenunca tomaram conhecimentodoque se trata icamemgeralmuito satisfeitas por ter outra técnica de comunicação útil em seu kit deferramentas.

Pensenaavaliação(ouqualquerquesejaasuasituação)emtermosdeumsanduíche,emqueopãodecadaladoébom,masorecheioprecisasermelhorado.Seupãoconstituiasdeclaraçõespositivasquevocêfazsobreapessoa/situação com que está lidando e ashabilidades/desempenho/qualidades dela, antes de perguntar sobre orecheio:“Comovocêpoderiafazê-loaindamelhor?”

Assim, por exemplo, o paciente no início deste capítulo que queria

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contaraoresponsávelpelosRecursosHumanossobresuaexperiênciaemumtreinamentodecidiudizeralgocomo:

– Eu aprecio de verdade o treinamento que você organizou para nós,obrigada. No entanto, teria sido aindamelhor se os treinadores tivessempesquisado nossa área de trabalho mais a fundo; senti que eles nãoentendiamoquefazemosnocampo.Esperoqueessefeedbackajude-oemseuplanejamentofuturo,possofazê-loporescritoseissoajudar.

Essa cliente sentiu que o que precisava era a adequada “chave defendapequena”,juntocomsorriromínimo,algumasinspiraçõesprofundasde antemão e um tom de voz calmo. A serra de cadeia permaneceu nogalpãoeelasesentiumaisumavezencorajadaafalar.

OQUEFARIAMETTE?

TenhoumaamigachamadaMette,queconsideromeumodeloexemplardepessoa assertiva. Como você pode adivinhar pelo seu nome, ela vem daEscandinávia – Dinamarca, para ser precisa –, onde creio haver umanormaculturaldecomunicaçãodireta.Segue-seumexemplodafranquezareanimadoradeMette.Háalgunsanosminhafamíliafoihospedar-secomadela nas férias de verão. Uma hora após a nossa chegada, ela me olhoudiretonosolhosedisse:

– Acabamos de hospedar pessoas e estou farta de cozinhar, por issonãovoucozinharparavocês.Hámontesdelugaresparacomerforae,porfavor,sirvam-seàvontadedequalquercoisanacozinha.

Preciso confessar que iquei chocada com as palavras dela. Mulherestêm permissão para dizer coisas assim?, pensei admirada. Mas, com opassardo tempo, compreendiquenosdivertíamosàbeça,e issosedeviaemgrandeparteaofatodequeseinstalouumaatmosferamuitorelaxada,semnenhuma sensação de ressentimento ou tensão desprender-se comogás venenoso de nossa an itriã. Vim de uma família na qual asmulherestendem a ser o que chamo de cozinheiras de excelente desempenho, eacham que têm de apresentar impressionantes refeições para as visitas,todascaseirasepreparadasnahora.Entretanto,claro,otrabalhoárduoeapressãoportrásdessascomidasdeexibiçãovêmaumpreço,eopreçomuitasvezesconsistede irritaçõeseumaadmirávelcomidacomoaromadoressentimentoedaraiva.Nãodeummaravilhososabor.

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Portanto,ahonestidadedeMettefoiumacompletarevelaçãoparamim.E,claro,issosigni icouquesoubéssemostodosexatamenteemquepénosencontrávamos desde o começo, a clareza émuito libertadora. Eu jamaispoderiasercomoela(emboranós,Marson,acreditemosquedescendemosde vikings dinamarqueses), mas gosto de pensar nela quando me vejodiantedeumasituaçãoemquequerosermaisfranca,maissinceraemaisclara. Pergunto a mim mesma: o que faria Mette? Em seguida penso naresposta, sorrio e sinto umpequeno temor, pois se trata emgeral de umterreno longe demais de onde me encontro em minha jornada decomunicação para ser capaz de reproduzir. Entretanto, penso: como eupoderia avançar apenas umpasso emdireção ao que fariaMette? Isso émuitoútil, emuitomais realizável. Imagino-a comsuas roupasdamodaeumsotaqueatraenteetentodizeroqueprecisodizer.

Você consegue pensar numa igura comoMette que conhece e gosta?Nãotemdeseralguémqueconheçapessoalmente;umademinhasclientesescolheu Katharine Hepburn em uma de suas agressivas personagenscinematográ icas da década de 1950, enquanto outro escolheu IndianaJones. Quem quer que você escolha, evoque sua imagem quando estiverenfrentandouma situaçãodesa iadora na qual gostaria de fazer oudizeralgo diferente de sua habitual resposta Boazinha. Consegue avançarapenas um passo em direção ao que ela poderia fazer? Como isso iriapareceresoarparavocê?

CONSELHODEINTERNET–OTEXTOEOE-MAILBONZINHOS

Paraalgunsdemeuspacientes,amaioriadesuacomunicaçãoéfeitaviae-mail, textoemídiassociais,comooFacebook;eaíéondeelessentemqueseencontraomaiordesafioparaseremassertivos.

Os mesmos princípios se aplicam na comunicação por meios digitais,massemametacomunicaçãodalinguagemcorporal:sejadireto,sejaclaro.Pensenaquiloquevocêquerdizeroupedir,eexpresse-oclaramente.

Uma amiga minha, jornalista freelance, decidiu eliminar todas aspalavras vazias, piadas e emoções loridas de seus e-mails e textos comoumaexperiência–sobretudoporquese fartoudaquantidadede tempoepensamento que levava para compô-los. Disse que poupou um enormetempo,angústia,esesentiurecompensadaporumrespeitomaior.

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–Tornei-memaispro issional eosoutros reagiramnamesmamoeda.Acho que meumedo era de que as pessoas precisassem gostar de mimpara me passar trabalhos, mas na verdade penso apenas que elasprecisam ter con iança emque você pode fazer um trabalhopro issional.Nãocreioqueasemoçõescomuniquemisso!

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RESUMO

Neste capítulo descrevi uma série de ferramentas que podem ajudá-lo acomunicar mensagens que você acha di ícil (por exemplo, dizer não,queixar-se,estabelecerlimites)commaisclarezaeconfiança:

Tenhaconsciênciadoqueseucorpoestádizendo–permaneçaeretoeforte.Presteatençãoaotomdevozelembre-sedemanterumaexpressãoséria,sequiserquelevemsuamensagemasério(issonãofazdevocêumapessoahorrível).Planejeantesoquevocêvaidizer,sepossível.Mantenha-oclaroesimples;nadadepalavrasimprecisas.Lembre-sedo“NãoAmável”,da“TécnicadoDiscoEmperrado”edo“SanduíchedeFeedback”.Pergunteasimesmo:quefariaseumodeloexemplarassertivo?

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A

8

Desafieofatormedo

goraquevocêjátemumconjuntodeferramentasbelamentepolidasàsua disposição, está pronto para o próximo passo: desa iar osmedos

queoimpedemdetentarfazeralgumacoisadiferente.Vouconduzi-loportodo o processo de planejar e pôr emprática suas próprias experiênciascomportamentaisfeitassobmedida.

Você já fez experiências quando criança? Talvez não possuísse umconjunto de química juvenil, mas poderia termisturado pétalas de rosascom água para fazer “perfume” ou terra com água para fazer tortas delama? Agora é hora de tornar a se envolver com seu cientista interno, eadotar uma atitude de curiosidade com a mente aberta. Os pacientesadoramaliberdadedeautodiscernimentoqueissotraz:comoumcientista,vocênãoestácertonemerrado;estáapenastestandoumpalpite,teoriaouhipótese,e senão funcionar,ajuste-ae tentemaisumavez. Issopodeserprazeroso,criativoedivertido.

OQUEÉUMAEXPERIÊNCIACOMPORTAMENTAL?

As experiências comportamentais constituem um veículo incrivelmentepoderosopara amudança. A ideia origina-se domovimento de psicologiacomportamentaldadécadade1950.FaleiantesdoscachorrosdePavloveda ideia de um re lexo condicionado (os cachorros que aprenderam aassociar alimentação ao toque de uma campainha, mesmo sem comida àvista, tinham suas glândulas salivares, na mesma hora, ativadas ebabavam).

Nós, humanos, não somos nada diferentes. Se você teve experiênciasassustadoras no início da vida, suas reações se tornam condicionadas evocêsentemedoemapenasumaassociaçãocomoacontecimento temido.Na infância, eu sentia pavor de qualquer tipo de aranha, e elasproliferavam em nossas férias de acampamento de verão, sobretudo nosvasossanitários.Emconsequência,asimplesideiadeumvasosanitáriodeacampamentoouavisãodeumtijolodecimentomedeixaansiosa.

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Como examinado noCapítulo 2, o comportamento da maioria dosBonzinhos é desproporcionalmente governado por um medo de raiva edesaprovação. Para evitar esses sentimentos perturbadores em nósmesmos, buscamos escapar ou nos defender das situações que podemcausá-los–comocon lito,dizernão,nãodaràspessoasoqueelasqueremetc.Muitasvezes tambémsuperestimamososcomportamentosque fazemcomquenossintamosseguros– levandoaspessoasagostaremdagente,atenuando tensões e con litos, concordando sempre com todomundo etc.No entanto, o que acontece é que aprevisão de um desfecho temido setorna totalmente desproporcional à probabilidade dele acontecer, e,maisimportante, à avaliação de nossa capacidade de lidar com o desfechotemido,mesmoqueeledefatoaconteça.

Aideiadeumaexperiênciacomportamental,portanto,évocêconseguirpôr à prova sua hipótese antiquada de um modo seguro, planejado econtrolado.Issopoderiaseralgoassim:“Seeudissernãoaessapessoa,elavai icarzangadacomigo/nãogostardemim,enãoconseguireisuportararaiva/desaprovaçãodela.”Quandovocêpõeàprovaessaprevisão,armadocom as ferramentas e habilidades polidas que examinamos no últimocapítulo,vai icarpasmoaoperceberquemesmoseissodefatoacontecer,vocêconseguesobreviveraoseudesfechonegativoprevisto.

Podemos nos tornar aprisionados na armadilha de nosso medo domedo,eaúnicasaídaéesclareceressasansiosasprevisões–muitasvezesdo ponto de vista infantil – e em seguida pô-las à prova com coragem, acomeçar com a menor e mais segura. Assim, de acordo com a teoria daTerapia Cognitivo-Comportamental: mude o comportamento, que vocêconsegue mudar os pensamentos e sentimentos. Em minha experiência,esse é o lugar mais e icaz para iniciar o processo de mudança, emborararasvezespareçaomaisfácil.

NOSSAHIERARQUIADEMEDO

Parasuperarumafobia(ou“medoirracional”),ospsicólogosmuitasvezesempregamumatécnicachamadadedessensibilizaçãosistemática(tambémconhecidacomoTerapiadeExposiçãoGradual).

Para começar, você cria uma hierarquia da fobia: do que é menostemidoaoqueémaistemido.Tomeoexemplodaaranha:naparteinferior

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deminhahierarquia,comapontuação1,poderiaserolharafotogra iadeuma aranha, enquanto na superior, com a pontuação 10, poderia sersegurarumaaranhagrande,peluda,comoumatarântula,emminhamão.Usando uma técnica de relaxamento, como respiração controlada, eu emseguida elaboraria “sistematicamente”, e num período de tempo queparecesse confortável,minha hierarquia demedo, expondo-me aosmeusmedos irracionais e dessensibilizando a mim mesma dos estímulos, aocompreender que aranhas não me causarão dano real, e que possosobreviver aomedo. Trata-se de um tipo demétodo tenha-medo... e sigaem frente, embora ele seja um método que antecede ao livro, com essetítulo,deSusanJeffers.

Compilesuaprópriahierarquiademedo

Convido-o agora a compilar suaprópriahierarquiademedoem tornodecomportamentos Bonzinhos que são problemáticos para você,considerando que 1 é omais fácil e 10 omais di ícil oumais assustador(não precisa preencher todos os números de 1 até 10). É óbvio que setrata de uma tarefa inteiramente pessoal; não se sinta envergonhado outoloporsaberqueascoisasquevocêtemenãoseriamumproblemaparaoutras pessoas que você conhece. Somos todos únicos e uma complexainteraçãodonossoDNAcomnossasexperiênciasdáacadaumdenósumconjunto demedos especí icos. Não existe hierarquia demedo universal,assimcomonãoexistenenhumaparadoremocional.

Segue-se minha própria hierarquia de medo feita há alguns anosquandocomeceiseriamenteaaplicar-meaestetrabalho:

1Pediraocompanheiroajudaeapoio3Pedirajudaeapoioaosamigos4Dizernãoapessoasquenãoconheçopessoalmente5Dizernãoaosamigos7Discórdia/con lito/público/grupo (por exemplo, numa loja, no clube

delivro)9Dizernãoaosamigosdifíceis10Ser “autêntica”na companhiadeoutros (zangada, triste, furiosa) e

dizerquandoelesmemagoaram

Jessica, a colega Boazinha, elaborou uma hierarquia para si mesma no

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iníciodenossaterapia:

1 Não pedir desculpas quando alguém bate com força em mim nometrô

2Pediraalguémpararepetiralgoquenãoouvi3Dizer “com licença”quandoalguémse interpuser emmeu caminho,

emvezdepassarespremida4Pediràspessoasquesedesloquemnovagãodometrô5 Perder tempo para guardar minha carteira depois de ter pago a

contanumaloja(prenderafila)6Fazerumaperguntanumapequenareuniãodeequipe7 Não dizer “lamento” quando alguma coisa não é culpa minha no

trabalho8Dizer“maistarde”aumpedidonotrabalho9Delegar,semmedesculpar10Dizer“não”aumpedidonotrabalho

O estágio seguinte é planejar uma experiência para pôr à prova suaprevisão de que alguma coisa ruim e insuportável acontecerá se você defatopuserempráticaumdeseuscomportamentostemidos.Aexperiênciaoajudará a reunir evidênciasparaprovarque a circunstância talveznãoseja tão assustadora quanto você pensou que seria – mas quevocêconsegue sobreviveraomedo,mesmo se for. Comece com algo próximo aofimdesuahierarquia.

Segue-seummodeloparaajudá-lo:

DescrevasuaexperiênciaQualéasuaprevisão/imagemdefantasia?FatordeMedoPresentePrevisãomaisrealistaQuetalentoserecursosvocêpodeusar?FatordeMedoRevisado

Então,depois:

ResultadoFatordeMedoagora?

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Oquevocêaprendeuparasuaexperiênciaseguinte?

O principal objetivo de descrever a previsão fantasiosa é que elamuitasvezes adquiriu proporções cinematográ icas, épicas, que podem sermaisque ligeiramente ridículas. Ao trazê-la para a consciência clara, dessamaneira,vocêconsegueveremquemedidaéextrema,eapossibilidadedeque faça parte de outra época em sua história – talvez quando você erauma criança pequena e impotente e a explosão imprevisível de raiva ehumilhaçãodeumadultotenhasidoapavorante.Comodiriaminhaamigaeterapeutacognitivo-comportamental,Nathalie:“Épossível,maséprovável?”Vocêpodeusarestaperguntaparapensarnumaprevisãomaisrealista,ereduzir um pouco a classi icação do Fator Medo. Vou ilustrá-lo primeirocommeupróprioexemplo.

Minhaexperiênciacomovestido

Se você olharminha hierarquia demedo, devolver um artigo a uma lojaclassi ica-secomoum7.Porisso,paraas inalidadesdestelivro,decidiqueeu faria uma experiência com esse medo e registraria todos ospensamentos,sentimentosecomportamentoqueacompanharamenfrentá-lo.

Primeiro descreverei a cena. Eu comprara um vestido de verãobastantecaroemumapequenaloja,tipobutique.Trata-sedeumdaqueleslugaresquelheenviamumbelocatálogopelocorreio,paraquevocêpossapassarhoras in indáveiscontemplandoas jovensmodelos impecáveis,emdeslumbrantes cenários, e achar, decerto de forma inconsciente, que setivesseumdaquelesvestidosdesedaoucardigãsdecashmerevocêseriaamada,felizelivredeproblemas.

Meu cérebro racional sabe que é assim que funciona a publicidade –associamos a compra de coisas à realização de desejos emocionais. Masmesmo com esse conhecimento, o puxão emocional continua a serpoderoso, sobretudo se você está se sentindo um pouco acima do peso,sem atrativos e con iança, como me sentia no dia em que fui a essadeterminada loja. Por isso, é provável que eu tivesse ido à loja mais embusca de redenção baseada em aparência (ver o mito da Arca daRedenção,capítulo6)doqueatrásdeumaroupaespecí ica,eaassistentedevendascaptouaqueledesejoimprecisoecomeçou,deformapersuasiva

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bastante efusiva, a pôr vestidosnoprovadorpara eu experimentar.Meiahoradepois, saícomumpacote luxuosamenteembrulhado,cujoconteúdoeujásabiaquenãocaíadefatobememmimequenãoousariamuito,seéquechegariaausá-lo.

Levei o vestido para casa, experimentei-omais uma vez, então soubeque eu teria que enfrentar com coragem a di ícil situação de devolvê-lo.Ora, ouço alguns de vocês, mesmo os Bonzinhos experientes, rirembaixinho,poisse tratadeumasituaçãoquenãoachariamdemodoalgumdi ícil. Sei que a tática de compras demuitas pessoas hoje é comprarempunhadosderoupas,levá-lasparacasa,experimentá-lasedepoisdevolvertodas as quenãoquerem.Talvez se eu izesse isso demaneira regular aideia de devolver uma única compra a uma única loja não fosse muitoatemorizadora,masnãofaçooanterior,porissooúltimoéatemorizador.

A essa altura, minhas vozes críticas já se animavam: “Você é tãopatética. Por que não enfrentou aquela jovem vendedora?” e “Você é tãodescuidadacomdinheiro;cometeuumerroidiotaeagoraterádesofrerasconsequênciasenãocomprarmais roupasnovasdeverão.”Nossa!Essasvozesnãosoamofensivasquandoescritas?Sobretudoessaúltimaquenãoapenasécrítica,mashumilhanteepunitiva:devoserpenalizadapelomeuerronãocomprandomaisroupasdeverão!

Continuando com a experiência, porém, foi assim que preenchi oformulário:

Descrevasuaexperiência:iratéalojaepedirumreembolso.Qualésuaprevisão/imagemdefantasia?:queaassistentedalojavaificarfuriosacomigoetentar–demaneiracríticadetestável,solapadora–persuadir-meaficarcomele.Elairá:a)sergélidaecríticadeformahumilhantediantedosclientesevendedoresnumalojacheia,dizendoalgocomo:“Bem,senhora,achoquenãoencontraráemsuaidade(peso/forma)nadaquevácairmelhor”oub)berraregritarcomigo,etalvezmeatacarfisicamente–maisumavezdiantedeumamultidãodeespectadores.FatordeMedopresente:7Previsãomaisrealista:aassistentedalojatalvezfiqueirritada,porémpossosairrápidodeláenuncamaisprecisarvê-ladenovo.Eseelasemostrardefatodifícil,possopedirparafalarcomagerente.Tenhoodireitodedevolveressapeçanoprazode14dias.

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Quetalentoserecursosvocêpodeusar?Possodiminuiroritmodeminharespiraçãoparaneutralizarossintomasdelutaroufugiremmeucorpo(ver[19]).PossousaraTécnicadoDiscoArranhado.FatordeMedorevisado:5Resultado:Espereiumdia,quandotinhatempoemesentiarazoavelmenteconfiante.Entreinaloja.Meuestômagodavacambalhotas.Amesmaassistenteaproximou-se.Eelaficoumesmodanadadavidaquandolhedissequeiadevolverovestido.Noteiporquesuacordialidadeefusivaanteriorforasubstituídaporumsorrisofalsoeolharfrio,duro.Logo,minhaprevisãoestavacerta–atécertoponto;achoquesetratadotipodelojanaqualasassistentesganhamcomissãoportodapeçaderoupavendida;porissoasdevoluçõestêmdefatoimportânciaparaelas,eeucaptaraissoantes.EnquantoelamelançavaoqueoUrsinhoPaddingtonchamavadeseu“olharfixoespecial”,sentiomedoemmeucorpo.Masdeformaresolutainspireifundoedevagaralgumasvezes,acompanhandoocursodoarpelocorpocomoolhodamente(verExercícioderespiração,capítulo10).Tambémdisseamimmesma:“Issoacabarálogoevocênuncamaisiráveressapessoa.Nãotemimportânciaseelaaodeiaagora;nadapodefazerparaprejudicá-la.”Issofoidegrandeerealauxílio.Primeiro,afastou-meumpoucodasensaçãodesercolhidanaintensidadeemocionaldomomentoe,segundo,oreconfortantemonólogomefezsentirmaiscalmaemaissegura(vertambémcapítulo6:"Sarahconversacomseueuadolescente").

O resultado foi que recebi um reembolso e saí da loja sã e salva, e nãohumilhada–defato,senti-meexultante.

FatorMedoagora:2Oquevocêaprendeuparasuaexperiênciaseguinte?:Aprendiaestarpreparadaparaapossibilidadedequeosassistentesdelojatalveznãoajamcomcalmaquandoconfrontadoscomumpedidodedevoluçãodemercadorias,talvezfiquemfuriosos,sarcásticosetentemmehumilhar,masqueeupoderialidarcomisso,seacontecesse,quenãoseriaofimdomundoequeeusobreviveria.Dandoseguimentoàminhaexperiênciadedevolverovestido,fiquei

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tãoencorajadaqueleveiduasoutrascoisasdevoltanamesmasemana(umditafone,apósdoismesesdoprazofinalparaoreembolso,eumsutiãmal-ajustadoquecompraraseismesesantesedoqualnãotinhamaisanota).Naverdade,ambasasinteraçõesserevelaramsurpreendentementesimplesediretas,eopessoaldevendas,compreensivo,tranquiloerazoável.Nosclássicostermosdedessensibilizaçãosistemática,euconseguiaagoraseguraraaranhanamão.Talvezaindanãoatarântula,masumapequenaaranhasaltadora,oqueconstituiudefatoumprogresso.

Priorizesuasexperiências:oqueémaisimportanteagora?

Se for à enfermaria de emergência de um hospital, você será em geralexaminadoprimeiroporumaenfermeiradetriagem.Suafunçãoéavaliara importância – literalmente, em quemedida é ameaçadora à vida –, doferimento ou da enfermidade de cada paciente, e criar uma lista deprioridades de quem deve ser atendido primeiro. Essa pode ser umaproveitosa forma de pensar sobre as experiências comportamentais quevocêgostariade fazer:oqueémaisurgente,nessemomentopreciso , paramudar?Pergunteasimesmooquelhecausamaisinquietação,omantémacordadoànoite,oprimevocêcommaispeso?Outraperguntaimportanteafazer:ondeireiganharmais?Algumascoisasparecemrealmentedi íceisde fazer; no entanto, você na certa iria ganhar muito pouco ao tentarmudá-lasnomomento.Emoutraspalavras,ocustoéprovavelmentemaiorqueo ganho.Nãodeixe isso se tornaroutrodever, senão talvez esteja sepreparandoparamalograresentir-sepioremrelaçãoasimesmo.

Poderia ser útil escrever uma lista de prós e contras para ajudá-lo aobtercertaclareza.Porexemplo,Alison,umaencantadoraparticipantedeum workshop, queria escrever uma carta para a mãe, como suaexperiência comportamental. Desejava explicar por que se sentia tãomagoada pelos julgamentos e críticas feitos por ela, que haviamacompanhado toda a sua vida. Fazê-lo pareceu-lhe terrivelmente di ícil eassustador, e, ao levaremconsideraçãoospossíveisganhoseperdas, elasedeucontadequeeranaverdadeumaexperiênciamuitoarriscada.Nãoeraprovávelqueamãeseencontrassenumaposiçãopropíciaparaouviresses comentários e informações e, consequentemente, poderia com todafacilidade atirá-los de volta nela de maneira defensiva e crítica, o que

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talvez a izesse sentir-se ainda pior e colocar as duas numa situação deimpasse. Expliquei-lhe sobre a Arca da Redenção (ver [20]) e disse queisso disparou meu “alerta arca-da-redenção”: era muito provável que amãe jamais mudasse, a não ser que passasse pela experiência de umacontecimento com consequências por toda a vida ou procurasse terapia(oudecertoasduascircunstâncias).

Alison então pensou um poucomais e sugeriu outro problema com oqualpareciamaissegurofazerumaexperiência,emboranaverdadefossemais urgente em termos práticos. Precisava pedir a antigos clientesdeclarações avaliando o seu trabalho para seu novo site. Isso a deixouansiosa, de modo que adiara entrar em contato com eles. Qual era suaprevisão/imagemdefantasia?Elapensou,eemseguidariu:

– Que todos eles vão telefonar uns aos outros e dizer coisas como:“Comoelaousanospedir?Quedescarada!Eétãoruimnoquefazquenãoconsigopensaremalgumacoisapositivaparadizeraseurespeito!”

DescreversuaimagemdefantasialogopermitiuaAlisonveroabsurdocômicodisso.

– Qual a probabilidade de isso acontecer? – perguntou outraparticipante,amável.–Seráquenãoteriamprazeremajudá-la,sevocêosajudou?

–Suponhoquesim–respondeuAlison, semparecerconvencida.–Euemgeral icaria satisfeitapordarumpareceraalguém, sobretudoseelefossemuitoclarosobreoqueprecisavaequefossemuitoútil.

–EqualéoFatorMedo?–perguntei.–Emtornode7–disseela.Alisondecidiucriarumaexperiênciapelaqualelaescreveriaume-mail

muito claro, detalhando exatamente o que precisava, mas com umacláusula de optar por não fazê-lo que permitia às pessoas recusarem, seestivessemmuitoocupadas.

– Isso me salvará de me sentir rejeitada, se eles disserem não! –observouela,irônica.

–EoFatorMedoagora?–perguntouogrupo.–Baixouparaemtornode3–disseela.–Informareiavocêscomome

saí.Alison telefonouuma semanadepoisparadizerqueenviarae-mails a

três pessoas e todas elas logo enviaram de volta testemunhos muitoelogiosos.

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–Achoqueestabelecerametaemseuworkshopesertestemunhadaeapoiada pelo grupo me fez empreender a ação, o que do contrário eutalvez continuasse a evitar – disse ela. – Sinto-me reconhecida pelasminhasprópriasações,oqueéumacoisapositivaemeencorajaráatentarmais.

Jessicacomeçaafazeraexperiência...

Quandoconheci Jessica,acolegaBoazinha,nósconversamossobrea ideiade ela ser “1% menos boazinha” como uma experiência imediata (ver[21]).Elaoptouportentarnãosedesculparquandoalguémlhedesseumencontrão nometrô.Na semana seguinte, incentivada pelo sucesso dessaexperiência(“Elesnemsequernotaram.Eraavozcríticadentrodeminhacabeça que dizia: ‘Onde estão seusmodos, mocinha?’, a qual identi iqueicomo minha tia, e consegui retrucar”), compilamos uma lista deexperiênciasgraduaisparaJessicatentaremseupróprioritmo.Amaisaltaeradizernãoaumpedidonotrabalho.

Jessica icoumuitomotivadaefoicorajosa.Começouatrabalharnasualista, cadasucessoencorajando-aa subirnasuahierarquiademedo (ver[22]).Segueumtrechodeseudiáriodeterapia,retiradodocomeçodeste:

A pessoa tranquila, paciente, espirituosa e inteligente que eu semprequis me tornar – não vai acontecer da noite para o dia. Talvezconseguir ser assertiva seja a chave. Se eu for assertiva, poderia sertranquila, porque poderia pedir o que quero, e acreditaria que omereço.Seeuacreditarquesouamelhorpessoaquepossoser,nãohámotivoalgumparaficarimpaciente.

E se eu pudesse ser relaxada e tranquila, poderia ser espirituosa,emvezdetagarelaeenvergonhada.Apenasprecisodessasensaçãodecalma interna que me permitiria pedir as coisas sem parecer medesculpar. Issovemprimeiro,ouvemcomaprática?Bem, seé comaprática,seiporondecomeçar.

Os sucessos de Jessica em ser mais assertiva no trabalho causaramsurpreendentes mudanças que ela nem sequer inseriu em sua lista:conseguiuestabelecerlimitesmaisde inidoscomacolegadeapartamento,assumiu uma nova e mais desa iante função no trabalho, dedicou-se a

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novos e ousados passatempos e começou a fazer novos amigos.Demodoalgumfoitudodiretoefácil. Jessicapassouporproblemaselutasehouveocasiõesemqueelaquasedesistiudetentarmudar,emtotalexasperação.No entanto, por obter as coisas devagar e com delicadeza, um pequenopassodecadavez,continuouseudesa io.VocêpodelermaisfeedbacksdeJessicanosCapítulos9e11.

...omesmofazLiz

Conhecemos Liz, a amiga Boazinha, noCapítulo 3, quando ela viajaracentenas de quilômetros para uma sessão de terapia de duas horas que“lhepareceucomouma idaaumspa”,de tãoraroera fazeralgumacoisasópara si. Elapartiunaquela tarde comumestimulante compromissodecomeçar a estabelecer para si experiências comportamentais, sobretudonaáreade“decepcionarosoutrosecuidarmaisdelamesma”.

Aprimeiradeviasernaquelapróprianoite,quandoelairiadizeraumaamiga que não queria ir ao seu evento de leitura de poesia, pois naverdade desejava icar de molho num agradável e longo banho debanheira edepois jantar comos ilhos. Issopareceubastante assustador,masnão impossível para Liz, a quem incentivei que acessasse o seu ladocorajoso, que claramente existiu em muitas situações passadas epresentes.Ummêsdepoiselameenviouume-mail:“Senticomosealguémhouvesseacendidoaluzdepoisdaminhasessão”,escreveu.“Examinardeondevemmeumedodesercriticadafoi imensamentebené ico.Lembrar-medecomomeupaireagiamalquandoeumea irmavacomoadolescenteme fez reconhecer por que continuo tão propensa até hoje a semprequereragradaraspessoas.”

Em relação à suaprimeira experiência comportamental, Liz disse quesesentiramalao fazê-lo,porémenviaraumamensagemdetextoàamigapara desculpar-se por não poder ir à leitura de poesia, e a amiga semostrou totalmente agradável ao saber da sua impossibilidade decomparecer.

– O curioso foi que essa amiga com quem eu tentei meu primeirocancelamentomedissequenãopodiaacreditarque iqueipreocupadaemdecepcioná-la, porque jamais pensaria isso demim, pois sempre fui umaamiga tãoboa.Sabiaquese tivedecancelareraporumbommotivo,nãopor algum capricho casual. Na verdade, demos boas risadas a respeito,

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pois isso em nada se assemelhou à minha previsão receosa de que elaficariafuriosaejamaisiriaquerermeverdenovo.

Lizcomeçouafazerexperiênciascomatentativadecolocarasprópriasnecessidades antes das de outros; no entanto, também informou que secomportara diferentemente no trabalho com uma mulher por quem sesentiaintimidada.

– Em geral apenas compareço à reunião, nada digo e tento icarinvisível–disse.–Mas,dessavez,chegueilácedoetratei-anaverdadedemaneira amistosa. Ela icou meio surpresa, porém reagiu positivamente.Durante a reunião, só falei quando tinha alguma coisa a dizer. Senti-memuitocompetenteequeestavasendo ielamimmesma.Nãopareidemedizer“Qualopiorquepodeacontecer?”e“Nãotemimportânciaseelanãogostademim;nãoprecisoqueelagostedemim,precisoapenasencontrarumaformadetrabalharcomela”.

Você pode descobrir mais sobre como Liz conseguiu reduzir seuscompromissos sociais e criar mais tempo para o que de fato importavaparaelanoCapítulo9.

BRAINSTORMCRIATIVOSEMJULGAMENTO

Liz tentou fazer algodiferente – e foi surpreendentemente e icaz.Mas àsvezespareceimpossívelpensaremummododiferentedefazerascoisas,pois estamos muito presos a nossos habituais padrões de pensamento ecomportamento.

O brainstorm criativo – solucionar problemas com ideias novas,repentinas,semjulgamento,éumatécnicaqueajudadefatoalibertá-lodeseumodo de pensar e permite-lhe sugerir essas novas ideias. Escreva oproblema no alto de uma folha de papel. Em seguida, anote embaixoqualquercoisaquelhevenhaàmentesobrecomoresolveresseproblema.Deixesuacriatividadesemanifestarsemcontroleeanotetodaaideiasemjulgamento algum. Isso é importante porque permite que as ideias esoluçõespotenciais, nãopensadas antes, deslizemalémdas vozes críticassemprevigilantes(verCapítulo5).Porexemplo,sevocêestivessefazendoissocomum ilhoquetevealgumproblemacomoprofessoreocorreram-lhe ideias como: “Ponha-o num foguete para a Lua” ou “Faça-o sersequestrado por piratas”, em seguida apenas as anote tranquilamente,

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examine-as juntas e decida quais opções parecemmelhor para se tentar.Tambémpodeclassi icartodasasideiasde1a10,seissooajudaraobterclareza.

EiscomoatécnicadebrainstormcriativoajudouElla,dequemfalamosnoCapítulo2.

Acompanheiradeapartamentodoinferno(imaginado)deElla

Ella estavapreocupada logo após encontrar umanova companheira paradividir o apartamento, depois que a última ocupante partira após umprolongado silêncio, ressentida. Ficava apavorada com a possibilidade deque tudo também desse errado com essa nova mulher e ela se visseaprisionada em outro desenlace constrangedor, embaraçoso, que adeixassesesentindoculpadaeansiosaemrelaçãoaoaluguel.Issotambémlhereativouascrençasdaadolescênciadeque“nãomeencaixonaturma;asmeninasnãogostamdemim;jamaistereiquaisqueramigos”.

Pedi-lhe que me falasse um pouco sobre a nova companheira deapartamento.

–Bem,elaparecemuitoagradável;quieta,trabalhadora,respeitosadofato de que preciso de muita tranquilidade e silêncio para estudar. MasassimsecomportavaFrankieaprincípio...

Depoislhepediquepartilhassecomigosuaimagemdefantasiadoquepoderia acontecer, mesmo se parecesse ridícula. Ella pensou durantealgumtempo.

– Bem, ela me contou que tem uma relação de idas e vindas com onamorado;imaginoelesseacariciandonosofáenquantotentoestudarou,pior ainda... – Ela interrompeu aqui, como se fosse incapaz de partilharcomigo o horror que se desenrolava no olho de sua mente – ... elestransarem no quarto dela, fazendo muito barulho a noite toda; eu nãoconseguiriadormireissofariaeumesentirsolitáriaeinadequadaporquea) não tenho namorado e b) sou inibida demais para fazer sexo assim,barulhento.–Encarou-mecomolhosarregalados,comosenãosoubessedeondevieraisso.

– E – acrescentei de meu próprio estoque pessoal de histórias dehorror de dividir apartamento – ele passará horas em seu banheiro selimpando e fazendo barulho, depois perambulará pela casa com apenasumapequena toalha enroladana cintura. –Desatamos a rir. –Para você,

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qualaprobabilidadedeserassim?–perguntei.–E,maisimportante,oquevocê pode fazeragora, para lhe tranquilizar amente, antes que aconteçaqualquercoisadifícil?

Ella olhou-me sem expressão. Reconheceu que na sua mente nadahavia entre se sentir aprisionada e impotente na delicadeza de serBoazinha e a espera da inevitável consequência terrível que signi icariaconflitoeangústia.

– Tudo bem, vamos tentar umbrainstorm criativo sem julgamento –propus.

Ora,aindatenhodeconhecerumapessoaquenãogostedosomdisso.Acho que se trata das palavras “criativo” e “sem julgamento” – sãopalavrastãoagradáveis,positivasquelogonosfazemsentirsegurosecomaenergiafluindo.Ellapensouemopções,como:irparaabibliotecaestudarseanovainquilinatrouxerpessoasparaoapartamentoehospedar-secomamigos se a outra estiver com o namorado em casa. Sugeri queconversassecomanovacompanheiradeapartamentoetalvezdecidissemalgumas regras básicas juntas que parecessem razoáveis, como:namoradossótêmpermissãoparaficarnosfinsdesemana.

Ellaficoupasma.– Francamente, jamais pensei nisso; porém, na verdade, é muito

razoável,não?O processo em seguida destrancou-lhe a parte criativa de solução de

problemasdocérebroparapensaremmuitasoutrasestratégiaspossíveis.–Vocêestáapenastransferindoseustalentosnaturais–expliquei.–No

trabalho,vocêéincrívelpararesolverproblemas,mascomacompanheirade apartamento, decerto por motivos históricos, não conseguiu acessaressas aptidões. Você icou empacada no trauma,medo e pânico, os quaistendemanosbloquearacapacidadecriativaderesolverproblemas.

Duas semanas depois, Ella me comunicou que tivera uma conversamuito tranquila e afável com a nova companheira de apartamento, queconcordaracomtodasassuassugestõessemumúnicoindíciodetensão.

–Nãodáparaacreditarcomofoitãosimples–disse.E essas são as palavras que ouço com frequência quando as pessoas

experimentam fazer algo diferente. Quando você inalmente ousa teraquela conversa di ícil, em geral (embora não sempre) ela é muito maissimplesemenosestressantedoquevocêimaginou.

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SAMANTHAEXPERIMENTASERMENOSPERFEITA

Algumas pessoas decidemque suas experiênciasmais importantes serãono intuito dediminuir certo tipo de comportamento, em vez de fazeralguma coisadiferente. Se você re letir sobre os padrões de infância queexaminamos noCapítulo 2, alguns Bonzinhos são estimulados a evitar araiva, a depender da aprovação dos outros ou mesmo a uma complexacombinaçãodeambos.

Samantha,queencontramosnoCapítulo2,decidiuquequeriatentaraexperiênciade fazermenosparaganharaaprovaçãodosoutros,ever seconseguia sobreviver a isso. Quando ainda era bem pequena, Samanthaadorava agradar a exigente professora de balé. Depois, adulta, elatransferiu toda essa busca de aprovação para seu chefe, com longas eduras horas de trabalho e aceitação de responsabilidade. Agora, nalicença-maternidade,achava-senoprocessodetransferirparaomaridoeo bebê. Só que eles não lhe pediram que o izesse, por isso não semostraram tão gratos assim. O marido queria que ela voltasse a ser aantiga pessoa divertida de antes, mas Samantha sentia-se exausta eirritada de tentar ser amulher emãe perfeitas, incluindo passar a ferroaqueles in indáveismacacões de neném da Babygros e usarmaquiagemcompletatododia.

Juntas,descobrimosaprincipalregrapessoalqueserviadebaseparaessescomportamentos.Era: “DEVOSEMPREDAROMÁXIMODEMIM,DOCONTRÁRIO AS PESSOAS VÃO ACHAR QUE NÃO FIZ UM ESFORÇO.”Entretanto, enquanto nos informávamos para tornar mais clara acompreensão dessa regra, Samantha percebeu que se tratava docompromisso de outra pessoa, provavelmente da professora de dança“incrivelmenteinsistente”,queprecisavaqueelafosseabailarinaperfeita.

–Seeualcançasseessavisãodeperfeição,nãocreioquemeumaridode fato fosse querer passar o tempo comigo! Ele não espera que eu sejaessamulherperfeita.Também,àmedidaquenossa ilha icarmaisvelha,não quero lhe transmitir as mesmas di iculdades emocionaisperfeccionistas que tenho. Quero que possa me abordar com seusproblemas quando for mais velha e, se ela souber que também cometialgunserros,eupossasermaisacessível.

Samanthatrabalhouativamenterumoàideiadeser“boaosu iciente”,emvezdeperfeita,depoisdessasessão.Suaprimeiraexperiênciafoiparar

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de passar os macacões da Babygros da ilha; em seguida, avançou parapassarmaisdiassemcolocarmaquiagem.Dissequecitavaaspalavras “éótimoserboaosu iciente”parasimesmaotempotodo,a imdeajudá-laaverascoisasemperspectiva.

As experiências comportamentais descritas neste capítulo são planejadasoupró-ativas.

Trata-se de uma boa posição para começar, porque, ao planejar aexperiência,muitos dos elementos podem icar sob seu controle e, assim,você se sentir mais seguro. É óbvio que não é possível controlar nadacompletamente,masvocêna certa temaopçãodequando conversar comseucompanheirodeapartamento, chefeouparceiroe doque dizer nessaocasião. Isso,porsuavez, intensi icaasaptidõesecon iançaparaquandoascircunstânciasestiveremforadeseucontroleevocêprecisarreagirdeimediato a uma pessoa ou situação di íceis. E como essas coisas podemaconteceraqualquerhora(ecomfrequênciaacontecem),ofereçoalgumastécnicasparalidarcomtaissituaçõesreativasnoCapítulo10.

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RESUMO

Você agora tem algumas ideias de como pensar a respeito e estruturarsuasprópriasexperiênciasparadesa iaropensamentoapavorantequeomantém aprisionado na armadilha de modos inúteis de fazer (ou nãofazer)certascoisas:

Compilesuahierarquiapessoaldemedoeclassifiqueassituaçõesde1(menosassustadora)a10(maisassustadora).Planejeumaexperiênciacomportamentalemtornodeumadesuassituações;escolhaalgumacoisapróximaàparteinferiordesuaescalaepreenchaomodelonocapítulo8paraajudá-loaplanejarepreparar-separaoresultadodocasoquejulguepior.PenseemferramentasimportantesdoCapítulo7quevocêpoderiausaremsuaexperiência.Recompenseasimesmo,sinta-secompoderdedecisãoeplanejeaexperiênciaseguinte.Tentefazerumbrainstormcriativosemjulgamentoparaquelheocorramnovasideiaseopções.

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S

9

Experiênciascomportamentaisavançadas:Ousedesapontar

emprequefalodessaideiaaalgumapessoa,elaarregalaosolhosmeiochocada e espantada, e em seguida sorri. Dá um sorriso de alívio, do

tipo“vocêdeveestarbrincando,issoémuitoridículo”.Noentanto,hámaisque um grão de uma importante ideia aqui – é interessante até mesmoapenaspensararespeito,alémdenosajudaratermaisopções.

PorquesetratadeumaideiatãohorripilanteparaoBonzinho?Qualéa Regra Pessoal Rígida por trás disso? JAMAIS DECEPCIONE ALGUÉM,SENÃO... Senão o quê? Qual omedo que nosmantém aprisionados nessemododeviverexaustivoeextenuante?

Isso signi ica quesempre apoiamos os amigos indo aos seus coquetéisdeaniversário, jantares, festas,reuniões, leiturasdepoesia,exposiçõesdearte,levantamentosdefundosbene icentes,peçasteatrais,jogosdos ilhos,aniversáriosdecrianças,enterrosdospais...sinta-selivreparaacrescentarqualquercoisaquelheocorra–alistaéin indável.Eaquestãoimportanteéa seguinte:nãosãoapenasoseventosdeamigosíntimos queapoiamos,apesar de doença, excesso de trabalho e exaustão; claro que isso (namaioria das vezes) seria uma coisa razoável a fazer. Não, um pequenosegredo dos Bonzinhos é que, já que não sabemos dizer não e semprefaremosumesforçoparaconversarcomosamigosexcêntricos,atenuarasdi iculdades,rirdashistóriaseanedotasdeparentesiludidoseentreterosgruposcomnossasprópriashistórias,tambémtemosatendênciaaacabarnas festas e eventos das pessoas de quem de fato não somos assim tãoíntimos,ouàsvezes(sussurre)dosquaisnemsequergostamostanto,porquesentimosumpoucodereceiooutemospena(outodasastrêsopções).Está balançando a cabeça em assentimento? Foi o que pensei. Mas,acrediteounão,existempessoasnãoconvencionaisexcelentesquequandoconvidadas para o coquetel de aniversário da recepcionista temporáriaapenasdizem:“Lamento,euadoraria ir,masnãovoupodermesmo”,comumsorrisoamávelesemculpa.

Como fazem isso? Bem, você também consegue. Vai precisar retornar

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aoCapítulo7paraadquiriralgumasdasaptidõespráticasdequenecessitaparaatarefaadiante–porém,primeiro,pensoserproveitosoexaminarospadrões de pensamento que tornam tão di ícil a ideia de desapontar osoutros.

DECEPCIONARVERSUSDESAPONTAR

Uma vez, eu dizia à minha supervisora, Lynne, que me sentiasobrecarregada pelo número de novos pacientes em minha clínica deterapia.Naquelasuamaneirasensatahabitual,Lynneperguntou:

–Entãoporquevocêaceitoutodos?Nãoeraóbvio?,pensei.Trabalhamosnaprofissãodeajudar.–Nãoquisdecepcioná-los–respondi,comolevetomdefensivoquese

insinuaquandovocêsabequetalveznãoestejadandoarespostacerta.– Existe uma diferença entre decepcionar e desapontar alguém? –

perguntouLynne.Que pergunta surpreendente, pensei, pois nunca antes a levei em

consideração.Imaginoquepareciestupefata.–Nãoéamesmacoisa?–disseeucomcertahesitação.–Claroquese

alguémficadesapontado,vocêodecepcionou,não?– Bem – respondeu Lynne –, se você tivesse percorrido todo esse

caminho hoje e eu não estivesse aqui por causa de uma crise, icariadesapontada,maseunãoateriadecepcionadointencionalmente–porqueas circunstâncias saíram demeu controle. No entanto, se eu apenas nãotivesseaparecido,euateriadecepcionado.

A ideia era tão inédita para mim que não consegui absorvê-la deimediato.

–Então,seeudissernãoanovospacientesempotencial,elespoderiamse sentir desapontados, mas não os estou necessariamentedecepcionando?

– Bem, você pode recomendar outros terapeutas em que con ia, paraqueassimobtenhamaajudadequenecessitam.Equemsabevocê talvezacabe por decepcioná-los ao se esforçar em excesso para dar-lhes o queeles precisam. Se alguém se sente desapontado, cabe a ele lidar com aprópriaemoção,nãoéresponsabilidadesua.Vocênãoéresponsávelpelasemoçõesdasoutraspessoas.

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SENTIREXCESSIVAEMPATIA

Há numerosos motivos para não conseguir dizer não aos pedidos eexigências de outras pessoas. Como debatido noCapítulo 2, elas secaracterizam em essência pelas versões de Evitação de Raiva eDependênciadeAprovação:medodocon litoeumdesejodeconservarapaz a todo custo, medo da raiva (da sua e da de outras pessoas) e umquerer sentir-se bem consigo mesmo e manter as pessoas gostando devocê.

Masexistetambémumângulodeempatia–nãoqueremosdecepcionaros outros porque sabemos qual a sensação de quando nos decepcionam.Portanto, sentimos uma imensa culpa de que talvez possamos serresponsáveispelossentimentosdemágoadeoutrapessoa.

Para evitar a culpa, muitas vezes falamos sim, quando na verdadequeremosdizer não. Contudo,sabemosde fatocomoosoutrossesentirãoem qualquer situação? Pensamos que sim, porém jamais saberemosrealmente;sópodemosadivinhare fazersuposições,asquaisnaverdadecostumamsebasearna ideiade comoreagiríamos naquela situação–umconceito que os psicoterapeutas chamam de “projeção”, como projetarnosso próprio ilme na tela de outra pessoa. No entanto, na maioria dasvezesnão é uma avaliaçãonadaprecisa, já quenosso ilme é abarrotadodetodaanossahistória,experiência,medosedor.

Assim, por exemplo, se tivesse de despedir alguém, eu icariaapavorada, pois acho que essa é a pior coisa que pode acontecer.Facilmenteteriaumavisãoterríveldessapessoasentadanaportadecasadiantedeumaplacadevende-se,comcriançasenvoltasemtraposeumatigeladeesmola.Enquantominhaamiga,aexecutiva,pensariaqueestavalhedandoachancederealizarumsonhodavidainteira,comonavegarportodo o mundo ou fazer um novo treinamento como artista de circo. Elaveriaissocomoumaoportunidade;euoveriacomoumatragédia.Qualdenósestariacerta?

Provavelmentenenhumadenósduas–porquecadapessoa teráumareação especí ica a qualquer acontecimento. Por isso, precisamosquestionarcomoimaginamosareaçãodealguémquandodissermos“não”a ela ou quando cancelarmos um compromisso com ela. O que acontecequando amigos cancelam um compromisso conosco? Muitas vezes, nossentimos aliviados, pormais que gostemos deles, porque queríamos uma

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noiteparadormir cedo.Entãoporque talveznão aconteçaomesmo comeles? Tente não supor que sabe a reação emocional deles. O pontoprincipal é: você não é responsável pela reação deles; você só pode serresponsávelpelasua.Issonãosigni ica,contudo,quesetransformaránumpsicopataamoral, semnenhumaempatiapor seus semelhanteshumanos.Apenas tente fazer a experiência de reduzir um ou dois graus de suaempatiaeveroqueacontece.Issoétudoqueestousugerindo.

EXCESSODECOMPROMISSOS

Claro, demodoparadoxal, osBonzinhosmuitas vezesdefato acabam pordesapontar as pessoas porque assumem um excesso de compromissos,exatamente por não conseguirem dizer não. Tentando não desapontarqualquerum,lutamosparanãodizernão.Consequentemente,àsvezes(oucomfrequência)assumimostarefasemexcessoenostornamosduas,trêsoumuitomaisvezescomprometidos.

Isso acontece com você? Termina uma noite de sexta-feira comanotações escritas às pressas com muitas canetas diferentes na agendaquedizemcoisassemelhantesàsseguintes:

Ajudaraprepararochádaturmanaescola.DarumpuloàcasadeXedeixar bebidas. Preparar o jantar para a família. Encontrar Y paracinema.TentaraparecerparadizerolánafestadeaniversáriodeZ.

Você acaba cumprindo todas as tarefas de forma insatisfatória (até ocinema icameioprejudicadoporperguntar-sequantotempovãodurarosanúncios, a que horas terminará, durante quanto tempo Y vai quererconversar sobre o ilme, quando você pode, com educação, ir embora,quantotempovaiprecisarparaencontrarolocaldafestadeZ...),algumasdelassesentindoculpada(tevedecorrerdurantetodoojantardafamíliaenãoconseguiuconversardireitocomos ilhoscomogostaria,esópôdeiraté a festa e participar por alguns minutos, pois sua babá tinha de irembora para casa) ou não deu sequer conta de fazer nenhuma delas, jáquesecomprometeuemexcessotambémnaterça,naquartaenaquinta-feira, e desabou na cama por se sentirmal e exausta na tarde de sexta.Essasituaçãoéfamiliar?

Então,qualaresposta?Maisumavez,éousarrealizarumaexperiência

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defazerascoisasdeummodoumpoucodiferente.

DESAPONTEALGUÉMDIARIAMENTE

Ousepôràprovasuaprevisãoocultadequehaveráraiva,desaprovaçãoepessoas saindo tempestuosas de sua vida, indignadas e deixando-o semamigos e não convidado, em vez de sentir-se popular, requisitado eocupado, mas às vezes – com frequência? – superesgotado, exausto eressentido.

AsemanadedesapontarosoutrosdeKirsty

Kirstyseofereceuparatentar fazeressaExperiênciaComportamentalAvançada durante uma semana e aceitou partilhar o diário de suastentativas(osnomesforamtrocados):

Quarta-feiraConseguitriplicarcompromissosestanoiteporquenãoquisdecepcionarninguémefuiumacovarde.DeviameencontrarcomSean,velhoamigodeuniversidadequeestápresoemcasacomosfilhoserarasvezestemchancedesair,iraocinemacomMarie,aquemnãovejoháséculos,emesintoumpoucoculpadaporisso,eaíPaulmelembrouqueeuiacompareceraoseueventodetrabalhonamesmanoite!Soubedoproblemahámaisoumenosumasemana,masadieientraremcontatocomMeSporquemesentiaculpada,consequentemente,aumentandoaculpaemeautocensurandotododiapornãolhestertelefonadoainda...Assim,medeumuitomal-estaretensãodevidoaomedodedesapontá-los.Nofim,envieiume-mailaambos–fugacovarde.Elesforamótimosemrelaçãoaisso,porémnacertateriamsidoaindamaissefossemavisadosantes.Precisosercorajosaparafalarcomaspessoas!Essesdoissãofáceis,porquesãoumpoucoBonzinhostambémenãosequeixariam.Quinta-feiraDeviasairestanoite,depoisdotrabalho,paraencontraraassustadoraBabs.Comopassardodia,percebiqueestavaexaustaequeprecisavadeumanoiteparadormircedo.Bebimuitonoeventodotrabalhonanoiteanterior,fuidormirtardeeMaxmeacordouàsseis.Antes,emhipótesealgumaeupensariaemcancelar.Teriafeitoalguma

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coisaparaacordar,comocomerchocolateoutomarumaduchaedepoisapenassair.E,umavezlá,nãofalariaquemesentiacansada,eentrarianomodoanimado,divertido–outudoquefossenecessário.

Masporestarnasemanade“desapontaralguémdiariamente”,decidienfrentarasituaçãocomcoragemeagarraraoportunidadedefazeralgumacoisadiferente.MeuFatorMedoerabastantealto,poisessaamigaéumapessoaque,nopassado,expressousuadecepçãoemtermosnadahesitantes.Expresseiumaboafalaemsilêncioraivosoqueregistreimuitoaltoemmeusensívelmedidorderaiva.FiqueiTÃOassustadaquedeixeichegaràs5hdatardeparaligar.Fizalgunsexercíciosderespiraçãoprofundaeensaieiminhafala.Meuestômagoreviravaeamãotremia.Incrível,foiparaocorreiodevoz!Quealívio!Deixeiamensagem.Nãomentiouinventeiumadesculpa.Dissequeestavamuitocansadaequeprecisavadeumanoiteparadormircedo.Tambémdissequeesperavaqueelanãoficassemuitochateadaequesabiaqueoutrasamigastambémencontrariamcomela.Emestadodemedo,fiqueiesperandoumtelefonemafuriosodeBabs.Nãoconseguirelaxarparadormir.Envieiumamensagemdetextoparaocasodeelanãoterrecebidominhamensagemdevoz.Porfim,Babsligouefoi...todadoçuraeleveza!Disseparanãomepreocupar,paradormircedoequelogo,logonosencontraríamos.Nãodavaparaacreditarnisso!Minhamaiscorajosaexperiênciaatéagora!Nãodáparaacreditarquenãoativessetentadoantes.Sinto-memuitoencorajadaafazerissomaisvezes.Sexta-feiraDeium“NãoAmável”aocorretordeimóveis,quefoiumpoucofrio,masdepoismeenviouume-maileducado.Culpaminha,poismemostreientusiasmadademaisporumapartamentoruim,poisnãoquismagoá-lo.Comportamentoinsano–Paulécompletamentefrancoemrelaçãoaessascoisas.Seráquemeimportoseocorretornãogostademim?Achoqueemsegredoqueroserumadesuaspreferidas...SábadoClientedifícilnosalãodebeleza.Eunãodisseoqueelaqueriaouvir,elaqueriatempoextra,maseutivedemeateraosmeuslimitesprofissionais–umaverdadeiralutaparamim.Quandoeuiaembora,elacomeçouamecontarumahistóriatristesobreotérminodoseurelacionamento;porcausadissofiqueidilaceradamesmo.Mesentimesquinhaecruel,masmeprendiaosmeuslimites(evoqueionomedochefe,embuscadeajuda).

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DomingoDissenãoàminhagata!Nãoconsigoresistiràmanipulaçãoquandoelachegaàprocuradeumafago:osgrandesolhos,omiadolamentável.Semprepenseiquenãopossorejeitá-la;elasesentirátãotristeeindesejável.Massoualérgicaapelodegato,porissoatémesmoumafagomeprovocavermelhidãoecoceiranosolhos,constriçãoeirritaçãonagargantadezminutosdepois,daípusminhasnecessidadesàfrentedasdelaeaignorei.Dequalquermodo,comoseioqueumagatapensaesente?Jacquiiriadizerqueeuestavaprojetandominhacriançainternarejeitadanagata!

AmãedePaulveioparaoalmoço.Tenteinãoseranoraperfeitaedeixeiatarefadedar-lheatençãoparaele.QuandoelacomeçouafalarsobreosplanosdeNataldafamília,eudissequeaindanãosabíamosoqueíamosfazerequequandosoubéssemosainformaríamos.Minhasograpareceumuitíssimodanadadavida,poisemgeraleuconcordavacomtudo.Sentiu-seinoportuna.Reaçãomaisdifícilatéagora.Segunda-feiraComeçandonovoregimedesonocomMax.Estabelecerlimitesmaisclarosemrelaçãoàhoradedormire,quandoeleentraremnossacama,levá-lodevoltaparaadele,comamabilidade,mascomfirmeza.Olivrodizqueissointerromperáohábitoem14dias.Esperoquesim,poiséárduomesmoparatodosnós.Maxchoroudurantemaisoumenosumahora,oquemedilacerouocoração.Paulmedáapoio,eissoajuda.Terça-feiraOaquecedorquebroudenovo!Sinto-medeixadanamãopeloencanador,emboraeutenhadedicadohorasdetempoecháconstruindoumaboarelaçãocomeleparaquenostratassebem.Fuimeiodistantecomeleaotelefoneefaleiaverdade–estamoscongelando!Mariememandoucomprarsegurodeboiler,aívocêsabeemqueterrenopisaenãotemdedesperdiçarenergiasendotãoBoazinha.

PergunteiaKirstycomoelasesentiadepoisdesuasemana.–Foisurpreendentemedarconta,atécertoponto,decomopossome

sair bem. As pessoas se importaram muito menos do que imaginei e semostraram muito mais razoáveis. Algumas das situações pareceram umtanto leves, e sabe de uma coisa? Aquela noite para dormir cedo queganhei me proporcionou a força e a energia para começar a tentar otreinamento de sono com Max, que acho que pode fazer uma enorme

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diferençaparaaminhasanidade!–Qualfoiapartemaisdifícil?–perguntei.– Sem amenor dúvida,minha sogra. Ela icou chocada, acho, por não

meveremminhaidentidadedecapacho.Foiumpoucoestressantedepoisdisso;creioqueeladefatoseenfureceucomigo.

Kirsty e eu concordamos que haveria com certeza mais desa iosadiante para ela, enquanto decidisse perseverar em não pôr sempre emprimeirolugarasvontadesdosoutros.

PREPARE-SEPARAO“SEJAQUEMVOCÊERA!”

OqueKirstyenfrentoucomasografoiofenômeno“SejaQuemVocêEra!”–tãobemdocumentadoporHarrietLerneremseuclássicolivroTheDanceof Anger [A dança da raiva]: você começa a mudar as regras, fazendoalgumacoisadiferente,easpessoasàsuavolta–asqueinadvertidamentevocê treinou para esperar certas coisas de você, quase sem a menordúvida, irão icar desapontadas. Algumas icarão magoadas e furiosas, eexpressarão isso em termos bem violentos (como o ilho de Kirsty), eoutrasdemodomaisindireto(comoasogra).Aindaoutrasdesaparecerãode sua vida quando perceberem que as antigas regras de entrosamentoparecem ter mudado e elas não querem jogar de acordo com as novas.Todasaspessoasirãodecertoinformá-lodecomosesentemdeummodooudeoutro.Eissoconstituiofenômeno“SejaQuemVocêEra!”.

Você,claro, icarátãosupervigilanteaomenorsinaldessasemoções,asquais passou a vida toda tentando evitar, que elas na verdade nadaprecisam dizer – é provável que amais leve insinuação de um canto deboca inclinado para baixo ou um olhar cerrado lhe envie o detector deameaçadocérebro–asamígdalas–àfrenéticamarchaacelerada(ver“Otigre na mente”, capítulo 10). Quando isso quase inevitavelmenteacontecer,tenteselembrar,acimadetudo, porquevocêquismudar–qualfoisuamotivação?Naspalavrascelebrizadaspelomovimentodosdireitoscivis:mantenha os olhos no prêmio. Talvez seja possível que você queiraser um modelo exemplar para seus ilhos (como identi icou Samantha –ver[23])ousedêcontadequese tratadeum importantecaminhoparamelhorarasaúdeeobem-estar(comodescobriuAmanda–ver[24]).

Tente não oscilar em seu recente comportamento assertivo, pois isso

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vai enviar mensagens contraditórias e permitir às pessoas (sobretudocrianças)duvidaremdoquevocêdiz.O comportamento “SejaQuemVocêEra!”dascriançastalvezincluamanipulação,tropeçoemculpaoupunição,como icar emburrado ou retirar amor e afeto. Recorra ao apoio de umamigo de con iança para tentar icar irme, sobretudo se a meta lhe évaliosa.Eàsvezesserevelaumaboaideiaexplicaraosentesqueridosdemaneiratranquilaeclaraporquevocêestámudandoasregrasecomoissotalvez seja melhor para todo mundo. Se você acredita em sua própriajusti icativa e que tem o direito de fazer o que está tentando fazer, éprovávelquepossaconvencê-lostambém.

OPROGRESSODELIZ

Liz,aamigaBoazinhaquevocêencontroupelaprimeiravezno Capítulo3,viviaaexperiênciadedesapontaraspessoashámaisdeumano,quandoentrei em contato para ver como estava se saindo. Ela escreveu num e-mail:

Sinto quemuitas coisasmudaramem consequência deminha terapia.Nogeral,achoquesoumaistranquilaemuitomenosestressadadoqueera. Embora não tenha eliminado por completo o estresse de minhavida, lido melhor com isso agora. Percebi que tinha um senso deobrigaçãodevertodososmeusamigosassiduamenteequestioneiessedever.Empreendiumcorretoebom“atodeesvaziar”noquesereferiaaosmeusamigos.Aquelesquepermanecemsãoumprazeremetorneimais feliz, entretanto foi uma jornada longa e di ícil. Tenho algunsamigos íntimos agora e isso combina melhor comigo. Sinto-memuitíssimomaisnocontroledetodososmeusrelacionamentosporquenãoosconsideromaisumapressãoouumaobrigação.

Entretanto, de longe, o melhor resultado se revelou norelacionamento com meus ilhos. Isso se encontra o mais perto deperfeito ao qual acho que haverei de chegar. Aprendi a relaxar emcertas circunstâncias e escolher minhas batalhas cuidadosamente.Disso resultou que estamos todos mais próximos, conversamosbastante, passamos mais tempo juntos e seus amigos passam maistempo emminha casa que na deles. De fato, às vezes aindame sinto

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meio não valorizada e não atendida, e com frequência conto até dezquando a casa ica uma bagunça e caótica, PORÉM pre iro uma casabagunçadaeumrelacionamentoíntimoaoopostodisso.

Os relatosdeKirstyeLizdemonstramaprovocaçãodedecepçõesóbviasem escala relativamente grande. No entanto, que tal causar umas maissutis? Que aconteceria se optássemos pornão sorrir de formaencorajadora, rir de piadas e boatos de pessoas, fazer-lhes perguntasinteressadaseserumaboamediadora?Chamoessasdemicrodecepções.

PENNY,HOMENSEMICRODECEPÇÕES

Num de meus workshops, o debate concentrou-se nessa ideia demicrodecepçõesepediaosmembrosdogrupoquevissemseconseguiriampensar em seus próprios exemplos, para começar a proporcionarconsciência a esses comportamentos. Umamulher respondeu que se deucontadequefaziaisso,sobretudocomhomens.

– Não tenho a intenção de parecer arrogante – disse constrangida –,mas os homens muitas vezes sentem paixonites por mim quando nemsequergosto deles. Acho que talvez tenha passado a vida fazendo o quevocêdescreve,emboranuncativessepercebido issoe tambémsemsaberque existia qualquer outra maneira de ser. – Penny, uma glamourosadiretoradeescolanafaixados50anos,riudesseterrívelreconhecimento.– Escutem: – disse, falando corajosamente com o grupo – casei-me trêsvezes porque não quis decepcionar os homens que quiseram se casarcomigo.

Não constitui exagero algum dizer que se desprendeu um audívelarquejodorestantedogrupo.

–Vocêestábrincando,não?–perguntouumamulhersentadaao ladodela.

– Quem dera que eu estivesse – respondeu Penny, envergonhada. –Meuúltimomaridopediu-me em casamentonoDia dosNamorados, numrestaurante deslumbrante. Enquanto ele me estendia um anel, vi avulnerabilidade em seus olhos, o temor de que talvez o recusasse, esimplesmentenãoconseguimeconvenceradizernão.Eusabia,enquantodiziasim,quenãoqueriamecasarcomele,equeissonãoeraacoisacerta

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afazer,noentantonãopudesuportarveradoreadecepçãoemseurosto.–Nossa!–exclamouavizinha.–Estánamorandoagora?–Bem,de fatomarquei umencontrohoje à noite, comumhomemde

quemgosto,masnãoosu iciente,eacabodepensarsobreapossibilidadede fazer a experiência de ser menos entusiástica, rir menos de suashorríveis piadas e me mostrar um pouco mais fria, um pouco maisverdadeira.Serádifícil,contudo.Velhoshábitosdemoramaextinguir-se.

Descobriremosoque aconteceu como encontrodePennyno Capítulo11.Segue-se,enquantoisso,outrodesa iodeExperiênciaComportamentalAvançada.

AJUDEMENOS–SENTE-SEEMSUASMÃOS

Conseguefazeraexperiênciade–literalmente–sentar-seemsuasmãosenão se oferecer como voluntário quando existe a necessidade de umvoluntário (ou às vezes nem sequer uma óbvia necessidade de umvoluntário)? QuantasRegrasPessoaisRígidas vocêvaiquebrar aoverumanecessidade e nada fazer? Como outras pessoas sempre terãonecessidades,ademandaé in indável.Masquetalassuas necessidades–ondeelasseencaixamnessacrença?

Fui desa iada a fazer isso há muito pouco tempo. Esperava o ônibusnúmero 46 e um pequeno drama começou a se desenrolar. Umamulherapressada, parecendo estar meio em pânico, começou a perguntar àspessoas na ila qual era o trajeto do ônibus e quando devia chegar. Umminutodepois,erguiosolhoseaavisteicomoutramulherda ila,empénarua, tentando enlouquecidamente acenar e tomar um táxi. Eu estavasentada num banco demadeira atrás do ponto de ônibus, tomandomeucaféparaviagemedesfrutandodeumraroeleveraiodesoldeprimaveraemminha clara pele de inverno (ver Avalie seu dia, capítulo 6), quandosenti a tensão penetrar emmeu corpo. Eu conseguia sentir a ansiedadedasduas, damulherA e damulherB, na tentativa de fazer comqueumtáxi parasse.Desprendiamuma linguagemcorporal tensa e desesperada.Comecei a inventar uma história em torno do que eu via: a mulher Aprecisava chegar a um encontromarcado urgente,mas estava perdida eatrasada, e a mulher B tentava, sem sucesso, ajudá-la. Eu sentia seacionarem as vias neurais de Boazinha no cérebro e dizer-me: Ajude-as!

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Envolva-se! Em vez disso, porém, dei algumas respiradas profundas eperguntei a mim mesma: posso de fato fazer mais do que elas já estãofazendo?

Concentrei-me com toda a atenção nas sensações ísicas no aqui eagora – o gosto do meu café, o calor do sol – para tentar me acalmar.Quando, em seguida, ergui os olhos, amulherA partira, após decerto terencontrado um táxi ou encontrado sua própria solução. O que quer quehouvesseacontecido,minhaajudanãofoinecessária.

Nãoseenvolva.Senteemsuasmãos.

COMOPEDIRAJUDA

Em geral, no outro extremo das crenças e comportamentos ilustradosanteriormente que levam a ajudarmos em excesso, está a enorme lutaenvolvida em pedir ajuda para si próprio. Eu a incluí nas ExperiênciasComportamentaisAvançadasporque,emváriosaspectos,talvezissosejaacoisamaisdi ícilparamuitosBonzinhos.Vocêestáseencolhendodemedoao ler isso?Ou estava –mais provável – prestes a pular toda essa seçãoporquenãoquerpensararespeito?

Os pacientes conversammuito comigo sobre por que não conseguempedir ajuda. Os temas comuns são várias versões deRegras PessoaisRígidas,como:PRECISOSERFORTE,AUTOSSUFICIENTEEINVULNERÁVELEM TODAS AS OCASIÕES. Se em seguida peço para que pensem sobrecomosesentiriamsedefatopedissemajuda,surgeinvariavelmenteoladooposto da regra: SE EU PEDIR AJUDA, SEREI VISTO COMO TÃO FRACO,CARENTE E VULNERÁVEL QUE OS OUTROS PODERIAM SE APROVEITARDE MIM E EU FICARIA ENDIVIDADO COM ELES. Outras regras comunstendemaserversõesdecontroleeperfeccionismo,asquaisemgeraltêmcomobaseansiedadenãoreconhecida.Porexemplo:denadaadiantapedira alguém para ajudar porque não o fará demaneira adequada, em todocaso;émaisrápidoemaissimplesapenasfazertudoissosozinho.

Esse modo de pensar, claro, fomenta ressentimento, martírio eisolamento e a seguinte crença: estou inteiramente sozinho com todasessasresponsabilidadesenãoexisteninguémquepossameajudar.

AhistóriadeSusie

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Sevocêselembrar,noCapítulo1falamosdeSusie,quefoicriadacomseuscinco irmãos por umamãe viúva que trabalhava em três empregos paraconseguirsustentara família.Aregra familiar implícitaera:nunca falaraninguémdesuavidanempedirajudaaalguém;permanecemosunidosenosviramossozinhos.Susielevaraconsigoessaregraparaavidaadultae,embora fosseboa empedir aos ilhosque colaborassemcoma suapartedo trabalho (comoela eos irmãoshaviam feito), rarasvezes con iavaemalguémenuncapediaajudaaosoutros,anãoserquepudessepagá-losdealgummodo.

Trabalhamos nisso durante meses em nossas sessões. Susie, umamulhermuitoperspicaz, foi rápida ementender a ligação entre o fato deque se sentia emocionalmente isolada, pois ninguém a conhecia ouentendia, e o fato de que ela não partilhava com ninguém seuspensamentos e sentimentos que não fossem fortes e enfrentados comsucesso.

– Todos acham que sou essa supermulher onipotente! – queixava-separamim.

– Mas por que todos acham isso? – perguntava eu. – Só você podepermiti-los conhecer a verdade: que você é um ser humano, batalhadoracomotodosnós.

Noentanto,contemplarissopareciaumcaminhoarriscadodemaisparaSusie. Ela sabia que era porque sua criança interna sentia pavor dequebrar a regra da família; em certo nível a sensação assemelhava-se aumaquestãodevidaoumorte,maseradifícilpersuadiracriançainternaadeixarseueuadultotomarainiciativadesearriscar.

Encorajada e apoiada por nosso trabalho na terapia, Susie de fatocomeçou a correr esses importantes riscos. Tornou-se íntima de duasoutrasmãesepassoua revelaraspectosde sua identidadequeanteselamantinha trancados de forma segura e secreta. Também lhes pediualguma ajuda prática em trazer os ilhos um dia por semana da escola,para que pudesse fazer um curso que era importante para suanecessidadedeseexpressar.

OprogressodeJessica

As regras de conduta familiar da colega Boazinha Jessica tambémmandavam que você continuasse um trabalho, mesmo desagradável,

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sozinhoenãopedisseajuda.Aconsequênciadissofoiquefazerperguntasnotrabalhodeixava-asesentindovulneráveletolaporqueela deviasabero que fazer ou ser capaz de resolver sozinha. Mas, enquanto ascendiacorajosaemsuahierarquiademedo(ver Capítulo8), Jessicasedeucontadequeprecisavapedirajudaaochefeparaestabelecerlimitesedizernãoaos colegas que faziam pedidos exorbitantes. Ela não poderia fazer issosozinha.Segue-seumaentradadeseudiáriodeterapia:

Ser franca de verdade commeu gerente foi um grande passo. Eu defato disse que achava di ícil dizer não a alguns dos pedidos e prazosinais que não eram muito razoáveis. Causou-me uma sensaçãobastante assustadora porque era como se eu estivesse criticando oscolegasquenosprocuravamcompedidosdeúltimahora.Maseledisseque achava que eu tinha razão! Sugeriu que eu tentasse primeirorecusar sozinha e que podia sempre me remeter a ele se isso nãofuncionasse.Eàsvezessódesaberqueelesesentavapróximodemimquando alguém chegava com um pedido deu-me na verdade aconfiançapararepeli-losozinha.

Perguntei a Jessica como se sentiu quando chegou ao ponto crítico dasituaçãodecomeçararecusarospedidosdoscolegas.

–Fiqueimuitonervosaaprincípio–disse.–Noentanto,setornoumaisfácil com a prática. Acho que as pessoas se habituaram mais àpossibilidade de ouvir um “não” agora. – Ela sorriu. – Sabe da maiorsurpresa?Namaioriados casos foi excelente a reaçãode eu terditoquenãopodiafazeralgumacoisa!

Aondeessaideiaolevará?Vocênaverdadenão temdedesapontaralguémdiariamente. E sema

menordúvidanãodeveriainventardesapontamentosapenasparaserumaluno estrela e ser o primeiro dessa turma. Criei a ideia para torná-lainesquecível, e talvez proporcionar uma centelha de jocosidade a umconjuntodedesa iosquepodemparecerinsuperáveiseapavorantes.Umaamigaminhadizquepensanissomuitasvezesquandoseencontrapresaem engarrafamentos, e a ideia traz-lhe um sorriso travesso aos lábios –porque a função que atribuiu a simesma é a de cuidar das pessoas emtermosemocionaisemantê-lastodasfelizes,nãoasdesapontar,peloamordeDeus!Mastambémdizquelhedáumasensaçãodepossibilidade–que

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as coisas podiam ser diferentes, que ela não será uma pessoa má eperversa,setentaralgoumpoucodiferentedevezemquando.

–Chegueiatéanãodeixarquetodomotoristaautomaticamentejogasseseu carro naminha frente na ila! – disse, com um brilho de prazer nosolhos.

Lembre-sesempre:sóporquevocêcomeçouaprestarmaisatençãoeacuidar das suas próprias necessidades não signi ica que você se tornouumapessoamáouegoísta.Vocêvaidescobrirquetudooquevocêdefatodáéfeitocommaisliberdadeeautenticidade,eissoserevelamelhorparatodomundo.

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RESUMO

EstecapítuloexploroumaismaneirasparaoajudararomperseusantigosehabituaispadrõesBonzinhosdepensarecomportar-se:

Existeumadiferençaentredesapontaredecepcionaralguém.Vocênãoéresponsávelpelasemoçõesdosoutros.Vocênãopodetomarporcertaareaçãodeoutraspessoas.Elastalvezsesintamaliviadaspelofatodevocêcancelarumcompromissoporquequeriamumanoiteparadormircedo.Prepare-separaaeventualidadedequealgumaspessoastentarão,pormeiodeváriasdesafiadorascomunicaçõesdiretaseindiretas,fazê-lovoltaraserquemvocêeraeaadotarseusantigosmodosdeagirdentrodaMaldiçãodosBonzinhos.Tente,mantenha-sefirmeeconcentradoemporquevocêestámudando.Ajudemenos–“senteemsuasmãos”enãoseprecipiteparaseoferecercomoumvoluntário.Façaaexperiênciadepartilharsuasvulnerabilidadescompessoasdeconfiançaepeçaajuda,tantoemocionalquantoprática.

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A

10

Estejapreparadoparaoinesperado

ssim que você puser à prova algumas experiências comportamentais(e até algumas Experiências Comportamentais Avançadas), irá, de

forma esperançosa, começar a sentir-se mais con iante e capaz de lidarcom situações e pessoas di íceis, tendo uma chance de pensar suaestratégia do começo ao im e pôr em prática um plano. Chamo isso decomportamentopró-ativo,porque,atécertoponto,vocêestánocontroleedirige a interação. Tomeminha experiência da devolução do vestido (ver[25]):pudecontrolaromomentoeodiaqueagiriae, consequentemente,espereiatémesentirforteobastanteparalidarcomumasituaçãotemida.Não poderia controlar a reação deles, mas, após formular meu plano,pensar como eu reagiria a várias possibilidades, incluindo aíminha visãodeumaluta ísicaemgrandeescala(umpoucocomoumabrigadebardeHollywood), e pude escolher e polir as ferramentas adequadas para aocasião.

ESTRATÉGIASDEEMERGÊNCIA

Muitas de nossas interações mais di íceis na vida são, contudo,reativas:totalmentenãoplanejadaseinesperadas,enosvemosobrigadosareagiraoutraspessoas,eaemoçõesàsvezespoderosas,de imediato.Masmesmoemcircunstânciasimprevistasexistemestratégiasquepodemosusarparanosajudaraenfrentá-las.

Querocomeçarcomumacoisabranda,noentantodeextremae icácia.Trata-sedopoderdenossarespiraçãoparaativaramudança. Isso talvezpareça um pouco simplista, mas aprendi o poder transformador darespiração atenta e gostaria de partilhá-la com vocês. Segue-se umexemploparailustraroprocesso.

Há pouco tempo estive na Holanda, dirigindo um workshop detreinamento para um equipe com pessoas de nacionalidades diferentes.Uma das participantes parecia muito mal-humorada e irritada, como seclaramentenãoquisesseestarali–emumdosúltimosdiasensolaradosdo

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verãoéclaroqueelaprefeririaestaremqualqueroutro lugardoquenaabafada sala de treinamento. Olhou-me de cara feia e me informouaborrecida, numa voz hostil e insatisfeita, de que teria de se sentar nafrente, pois eraumpouco surda, eque euprecisaria falar alto (achoqueeuaindanemtinhafaladonada).

Depoisde falarpordezminutos,pareiparapediraopiniãodogrupo.Olga,adelegadadifícil,ladrou:

–Nãoouviumapalavra.– Certo – respondi, ao sentir rastejarem os dedos frios domedo pelo

meu corpo acima,mas emplastrei um sorriso agradável no rosto (o qualcom quase toda certeza não chegou aos olhos). – Alguém pode resumirparaOlgaoqueacabamosdefazer?

Antes,porém,quealguémpudesseresponder,Olgaintrometeu-se:–Nãoháamenornecessidade. Já seide tudo isso.Apsicologiaémeu

passatempo.Vocênãotemnadaameensinar.Rio agora, enquanto escrevo o ocorrido,mas na ocasião senti vontade

deirromperemlágrimasefugir.Outalvezdar-lheumtapa.Lutar,fugirouimobilizar-se–asreações isiológicasdocorpoaumaameaçapressentida(ver[26]) – entraram muito rápido em ação. Meu estômago começou arevirar-se de ansiedade, os músculos dos ombros enrijeceram-se emformassemelhantesàpedrae iqueicomabocaseca.Apartequedetectaameaçaemmeucérebro, a amígdala, enlouquecianum tipodealarmedecarro impossível de ser ignorado: “NAA NAA NAA! Saia daqui! Deixe oprédio já!Nãopareparapegarseuquadrodeapresentações! Issoéumaameaça! Você pode morrer!” (Aprendi, quando jornalista estagiária, anunca usar pontos de exclamação,mas de fato acho que a amígdala nosfalaemfrenéticasexclamações.)

Otigrenamente

Pormilhõesdeanos,antesqueossereshumanoshouvessemdesenvolvidoaspartesdocérebro que lidam com funções cognitivas mais elevadas, como pensar, planejar eresolver problemas, aamígdala funcionava como umdetector deameaçaaltamentesensívelparanosajudarapermanecer vivo,para transmitir nossosgenes.Assim,porexemplo,senossosancestraispré-históricosviamaolongenasavanaummovimentoquepoderia sugerir um predador, como um tigre-dentes-de-sabre, a amígdala eradesencadeada,eoqueagorachamamos reaçãode lutar, fugirou imobilizar-seeraposta em ação: a adrenalina dispara em todo o corpo, o coração bate rápido,bombeando sangue aos membros prontos para combater com o tigre (luta), correr

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parasalvaravida(fuga)ouesconder-senagrama(imobilizar-se).Osclientesparecemacharmuitoútilaosaberquenossasreaçõesdelutar,fugirou

imobilizar-nossãogovernadasporalgosobreoquetemosmuitopoucocontrole,masquefazperfeitosentidoquandopensamosemtermosevolucionários.

Hoje nós, humanos, somos seres altamente evoluídos, com complexas funçõescognitivas.Nãotemosdeficaremconstantevigilânciaàprocuradeanimaisselvagenspredatórios.Masnossaeficienteamígdalacontinuasemprealertaaomínimosinaldeperigo, embora essas ameaças agora venham na maioria das vezes na forma depensamentos.Elessãoostigresemnossamente,emvezdenasavana.

Emmeuworkshopdetreinamento,nãoexistiaperigo ísicorealalgumcomOlga,massentiasuaraiva,aquallogomeativouareaçãodelutar,fugirouimobilizar-me.

Uma vez dominados por essa reação isiológica, é quase impossívelpensarmoscomcalmaelógica,poisaamígdala,quedominaocérebroeaspartesresponsáveispelafunçãocognitiva, icouprejudicadaoubloqueada.“Nãoconsigopensardireito!”,vocêtalvezgrite(oupense),eessaémuitasvezes a verdade exata. Para usar mais uma vez a metáfora do carro –quando disparado, o alarme desativa as funções chave-carro, por issoninguém pode entrar no carro ou ligar o motor para partir. Do mesmomodo que o carro não ligará, nosso cérebro pensante também não seráacionado.

Arespiraçãoéachave

Aqui retornamos à ideia simples, mas extremamente e icaz, do poder denossarespiração.Parecequeaonosconcentrarmosdemodoconscientenarespiração, levando atenção à entrada e saída do ar no nosso corpo,conseguimosquebraropoderdonossoalarmedecarrointernodeséculosdeexistênciaeacessaraspartespensantesdenossocérebro.

Em essência, você consegue aproximar-se de seu “NAA, NAA, NAA”ruidoso, do carro em pânico, fazer três respirações profundas e a chavetornaráafuncionar;aportaseabrirá,aigniçãogiraráevocêpodedirigir-se a seu destino. Isso exige um pouco de prática, mas é incrivelmentee icaz. Às vezes parece durar uma eternidade, porém, na realidade, trêsrespirações baixas, conscientes, duram apenas alguns segundos e podemdar-lheotemposu icienteparaumainterrupçãodeseusterroresdotigrena mente permitindo acessar as partes calmas que sabem resolver

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problemasdocérebro.Com Olga, lembrei-me do poder da respiração. Muito devagar e

conscientemente, inspirei e expirei. Não quero dizer que olhei para oestômago, mas me conscientizei da minha respiração – ixei o olho damentenela, sepreferir–, ea sentipressionandooestômagocontrao cósde minha calça quando expirei profundamente. Em seguida, sorri paraOlga e percebi que, por trás daquele rosto de aparência raivosa,assustadora,elaprópriacomcertezaestavaassustada.

De acordo com um conceito em psicoterapia, nossos comportamentosvêm em pares recíprocos, por isso Olga talvez estivesse assustada–assustadora.Massópodemosacessarnossaempatiaparacomumapessoaassustadora quando desligamos (alarme de carro) a amígdala, pois aempatiaéumafunçãocerebralmaiselevada,quenãofuncionaquandonosencontramos sob o domínio da reação de lutar ou fugir. Após haverdesligadooalarmedecarropela respiraçãoprofunda, fuientãocapazdeacessarminhareaçãoempática.Comminhaexperiênciaemtrabalharcomalguns pacientes que têm di iculdades auditivas, percebi que essaconstituíaapossívelorigemdaansiedadedelaeprocureitranquilizá-laaolhe dizer que sua especialidade era muito bem-vinda e pedi-lhe que meajudasse,seeuomitissequalquerpontoimportante.

Agora, independentemente do que você achou daminha solução e decomoasuatalvezpudesseserdiferente,aquestãoimportanteaquiéqueconsegui acessaralguma aptidão para resolver problemas e prosseguircomumasituaçãodi ícil.Deformasurpreendente,minhasoluçãopareceuproporcionar-lhe prazer e Olga tornou-se minha assistente honorária edefensora,alémdelideraroaplausonofimdoworkshop.

Exercícioderespiração

Primeiroconcentreaatençãoemsuarespiração.Acompanheasentradasesaídasdoarporalgunsmomentos.Ajudasecolocarde leveumadasmãosnoestômagoparasenti-losubirebaixar,equevaiexpandir-se(subir)comainspiraçãoetornarabaixarenquantovocêexpirar.Concentrar-seapenasna respiração, sem tentarmudá-la, irátrazer-lheaatençãoparaomomentopresenteedistraí-lodequaisquerpensamentosnãoprestativosquetalvezestejamgirandonointeriordesuamente,fazendo-osentiransiedadeetensão.

Para avançar mais um pouco, diminua ativamente o ritmo no qual você estárespirando,prolongandocomsuavidadeasinspiraçõeseasexpirações.Revela-sedegrandeauxílioinspirarduranteumacontagemdetrês,eexpirarduranteumacontagem

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decinco.Chama-seesseexercíciode“respiraçãotrês-cinco”eémuitoeficazparateajudara se sentirmaiscalmo,permitindoqueacesse seupensamentode formamaisclara.

Medodaraiva

Como vimos noCapítulo 2, nosso medo da raiva em geral remonta àinfância, quando éramos relativamente impotentes no confronto com araiva das pessoas à nossa volta. Como crianças pequenas, dependíamosdosadultosquecuidavamdenós,esearaivadosnossosnoscausavamalou assustava, muito pouco podíamos fazer a respeito. Das reações deameaçaque examinamos, lutar ou fugirnão éuma solução a longoprazoquando se trata de uma criançadependente, enquanto “imobilizar-se” nacertaéadefesamenose icaz.Aimprevisívelnaturezadeumaexplosãoderaivasigni icaquea“solução”émuitasvezestentarcontrolaraúnicacoisaqueelapodecontrolar–oprópriocomportamento–paranão“provocar”apessoaimprevisível.Eassim,comfrequência,começaopadrãodecriançasBoazinhas que se tornam adultos Bonzinhos – hipersensíveis ao mínimosinal de raiva iminente em outros e especialistas em controlar – oureprimir–suaprópriaraiva.

Éimportanteentenderquesuareaçãodemedoémuitasvezesadesimesmo como uma criança pequena, impotente e fora de toda proporçãopara a ameaça atual e sua capacidadede adultopara lidar comela.Maisuma vez é a amígdala a responsável por isso, pois armazena antigaslembrançasdefatosameaçadoresenãotemsensodetempoalgum.Assim,quando,porexemplo,viosdentestrincadoseosolhosestreitosdeOlga,oalarme de carro de minha amígdala reagiu como se eu tivesse 3 anos efosse ser estapeada. Esse Terror Infantil (ver [27]) espreita por trás demuitasdenossasreações.Reagimos“historicamente”,enãonopresente.

Ancoreasimesmo

Acheiatécnicade“ancorarasimesmo”nomomentopresenteumantídotoe icaz para o Terror Infantil. A ideia consiste em você usar seus sentidosparatetransportardevoltaparaopresente,apassarpelaexperiênciadoaquieagorapelotato,paladar,olfato,audiçãoevisão.Vocêpoderiasentir

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o chão sob seus pés, por exemplo – literalmente “alicerçar” a si mesmo.Outras ideias para se ancorar que são populares com meus pacientesincluem:

Tocarumajoiaqueestãousando,sobretudosetemimportânciasentimental,tendolhessidodadaporumenteamado,talvez.Sentirotecidodeumapeçaderoupaquetrazemnocorpo.Sentiroperfumedeles.Tomarumgoled’água.Conscientizar-sedarespiração.

Qualquerumadessasopçõespodefuncionarcomoumaâncoraparatrazê-lodevoltaaomomentopresente.

REAR–Respire,Elogie,Aceite,Respeite

Essa técnica usa a ideia de aproveitar o poder de sua respiração paraajudar a acalmar repentinos sentimentos de medo e levá-lo a um passoadiante, acrescentando orientação para ajudá-lo a desarmar a pessoaassustadora,paraqueelasesintaseguraevocênãosesintaatacado.

Minha colega Val Sampson e eu criamos o acrônimo REAR quandoadministrávamos workshops baseados no livro dela,Tantra: the Art ofMind-blowingSex[Olivrodoprazertotal:aartetantradoprazereafusãodas técnicas amorosas do Oriente e Ocidente]. Nós o planejamosespeci icamenteparacasaisqueviviamemcon litorelacionadoaquestõesíntimas, mas achavam até mesmo a ideia de conversar a respeito muitointimidante, e por isso evitavam falar sobre os próprios assuntos quepudessemempotencialtransformar-lhesorelacionamento.

A ideia por trás de REAR era que nummomento demedo e estresseessa palavra não seria di ícil de lembrar e que omais provável é que apessoa iria se lembrar pelo menos ao que correspondiam as primeirasduasletras,oquepoderiabastarparasalvaromomento.TantoValquantoeuensinamosREARaumgrandenúmerodeclientesqueusaramatécnicaparaajudarumaamplagamadepessoasemconversasdi íceis,todoscomresultadosmuitopositivos.

Rpararespire!

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Arespiraçãopodenãoapenasnoslivrardodomíniodofluxodaadrenalinade luta, fuga ou imobilização para partesmais calmas, mais racionais docérebro pensante, como também pode suavizar os poderosos sinais nãoverbais que emitimos quando estamos ansiosos. Comomencionado antes,estudosmostramsistematicamentequeapenasumaminúsculaproporçãode nossa comunicação é feita pelas palavras que realmente usamos, emoposiçãoaotomdevoze,emparticular,àlinguagemcorporal(ver [28]).Egrandepartedissovemdoquesedescrevecomoamicrocomunicaçãonãoverbal do rosto, sobretudo dos olhos. Com frequência, quando sabemosque vamos dizer algo di ícil aos nossos companheiros ou responder-lhesdizendoalgumacoisaqueédi ícildeouvir,exibimosmuitatensãonorostoporque estamos ansiosos, e eles captam essas poderosas pistas. Demaneira que pouco ajudam as palavras, vários dos sinais faciais deansiedade são muito semelhantes aos da raiva: podemos ter tensão namandíbula, o que a faz parecer rígida e furiosa, a testa enrugada e aspupilas talvez se tornandominúsculas al inetadas, fazendo o nosso rostoparecerendurecido,frioehostil.Emconsequência,nossocompanheiro(ouamigo/chefe/ ilho/pai/colega) logo vai achar que estamos enfurecidos e,numbilionésimodesegundo,aamígdaladelesterádemodosubconscientelhes provocado o corpo a adotar um comportamento ou defensivo ou deataque(lutaoufuga).

Se você eliminar conscientemente pela respiração a tensão do rostoantesde falar,ouresponder, issoajudaráde fatoa suavizaras sugestõesnãoverbaisqueestátransmitindo.Enquantoassimo izer,veri iquesenãotrincou os dentes, movimente a mandíbula um pouco para desfazer atensão e até se olhe em um espelho, se tiver como, para ver quaismensagens seu rosto passa. (A maioria das pessoas icaria chocada sevisseumvídeogravadodesimesmasaoterumaconversadifícil.)

EparaelogieElogiar signi ica “expressar-se em termos elogiosos”. A ideia é que seizermos um elogio franco a uma pessoa di ícil ou a uma pessoa numasituação di ícil, a ajudamos a se sentir segura, e não hostil, defensiva ouagressiva. Não se trata de ser manipulador, portanto não diga algo quevocê de fato não acredite, apenas para bajulá-la. Ela sentirá sua falta desinceridade e todo o processo terá o resultado contrário do desejado.Também se revela proveitoso se você conseguir pensar numa coisa

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especí icaedescritiva,emvezdegeral.Porexemplo,seriamelhordizeràcompanheira uma coisa assim: “Adoro quando a gente se aconchega eassisteaonoticiárioànoite”,doque“Vocêsabequeaamo”.

AparaaceiteAceitar tem a ver com escutar com atenção total, sem suspirar,interromper e nem sequer erguer as sobrancelhas. Cada um de vocêstentarádefenderaprópriaverdadesobrequalquersituação,econvencercomoseestivessenumcabodeguerraverbal–“Vejadomeumodo”/“Não,veja você do meu” – batalhas como essas causam sérios danos emqualquerrelacionamento,sejaemcasaounotrabalho.Assimqueseaceitaqueaoutrapessoadefendeumaverdadediferentedasua–equeelatemtotal direito de fazer isso –, pode-se então começar a resolver problemasdemodofrutíferoerespeitoso.

RpararespeiteÉ impressionante como muitas vezes é desrespeitosa a maneira comofalamoscomosquesãomaispróximos.Apreferidaconsisteno(literaloumetafórico)dedoapontadoeacusaçõesquecomeçamcomapalavra“você”–“VocênuncafazX”,“VocêsempredizY”,“VocêétãoZ”–esãoemgeralproferidas num tom que decerto recai em algum lugar entre desamor edesprezo.

Antesdeabrirabocaparafalar,pergunteasimesmo:estouxingando,humilhandoouculpandoessapessoa?E,emvezdisso, tentepôras ideiasnumadeclaraçãoqueexpressaseussentimentoscomeçandocom“Eu”.

Agoramedeixepartilharcomvocêumexemploquesurgiuemumdenossos workshops. Uma mulher nos contou que abriu um presentecaprichosamente embrulhadono iníciodeum imde semanaquepassoufora de casa comemorando o aniversário de casamento, e constatou quecontinha um minúsculo vestido de vinil. Disse que sentiu uma imensatorrente de pensamentos e sentimentos negativos em relação aomarido:como ele pôde fazer isso? Quem ele pensava que ela era – aquela ex-piranha dele? Não a amava? Teria ela cometido um terrível engano?Decepção,choque,vergonha,raiva,carênciaemedosemisturavam.

Elaexpressouessespensamentosdeformaviolenta,elerespondeuaosgritos, eo imde semana românticodosdois foi arruinado.Noworkshop,ela pensou no que poderia ter sido diferente se houvesse empregado a

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técnicaREAR.Depoisderespirar(Respire)paraacalmaropânico,pensouemalguma

coisa em termos verdadeiramente elogiosos para dizer ( Elogie): “Fiqueicomovida por sua ideia e esforço de comprar um presente para mim e(Aceite) percebo que se trata de uma coisa que você talvez quisesseexperimentar. (Respeite) Mas não me sinto à vontade numa roupa tãoreveladora(declaraçãorespeitosa‘Eu’).”

Usar as ferramentas demonstradas neste capítulo parece ajudar aabrir o caminho para o diálogo, a solução e a resolução de problemasjuntos, em vez da briga, em que uma pessoa ataca e a outra se põe nadefensiva,eintensifica-aemespirais.

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RESUMO

Muitas vezes acontecem situações emquenos sentimos atacados por umconfronto inesperado. Este capítulo teve como objetivo dar-lhe algumasferramentasdeemergênciaparaajudá-loaenfrentá-lascomsucesso:

Opoderdesuarespiração:quandoalguémlheativarareaçãodemedo,façaduasoutrêsrespiraçõeslongas,lentas,paracessaro“alarmedecarro”daamígdalaeganhetempoparapensarcommaiscalmaeclareza.Tentese“ancorar”nomomentopresentequandoconfrontadocomsuareaçãodemedo:toque/sintaogosto/cheire/ouça/vejaasimesmodevoltaaoaquieagora.Lembre-sedoacrônimoREAR–Respire,Elogie,Aceite,Respeite–quandosevirnumaconversaousituaçãodifícil.

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A

11

Bonzinhoporopção

principal ideiadeste livroéajudá-loa fazermudanças,paraquevocêpossa continuar a ser Bonzinho, mas quandovocê escolher ser. Por

consequência: Bonzinho por opção. Como eu disse antes, não estoucriticandodemodoalgumos comportamentosBonzinhos.Trata-sedeumexcelente conjuntodeaptidõesqueaté causam inveja emmuitaspessoasque lutam para se ligar com outras. Quero apenas ajudá-lo a ganharopções, demodo que você possa se comportar de outras formas, e fazercomque,quandodefatooptarporserbonzinho,essaescolhalhevenhaàmente de um lugar de liberdade. Isso o ajudará a parar de sentir-seaprisionado pelas expectativas que os outros têm de você – em outraspalavras,vailivrá-lodaMaldiçãodosBonzinhosecomeçaratransformá-lanumabênção.

MASQUEMSOUEUAGORA?

Sevocêtemtidoessescomportamentoshámuitosanose,comcerteza,seelesseoriginamderegrasecrençasinconscientesdainfância,mudá-losàsvezes se revela extremamente di ícil. Não apenas você sofrerá a pressãopara“SejaQuemVocêEra!”–queexaminamosno Capítulo9–,maspodeserdifícilsaberquemvocêédeverdade,foradopadrãoBonzinho.

Jessica, a colega boazinha,me contou que lutou para descobrir o quechamoudesua“novapersona”:

– Jamais fui,naverdade,umapessoaassertiva–disse–;por issonãoseiaocertocomo“ela”é.Percebique,quandoganheicon iança,adoteiumnovomododefalarequeessenovoeuàsvezessoameiocondescendente.

Outrademinhaspacientestambémdissehápouco:– Era tão mais fácil quando eu agia apenas no piloto automático e

agradava a todo mundo. Agora que tento ser real e autêntica, sinto-medesnuda e exposta. É um tanto como se agora eu não soubesse de fatocomo me comportar; isso tem feito eu me sentir meio insegura evulnerável.

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Jessicanãoqueriatornaraserquemeraantes,descritaporelacomoapessoaque“sempresedesculpava”,porissoinventouumasoluçãoousada– pedir feedback a um casal de colegas con iáveis com comentários einformaçõesdeavaliação.

–Pedi-lhes:“Podem,porfavor,medizerquandoeuestiverusandoessanovavozcondescendentecomvocês,daqualnãogosto?”Eissoajuda,poisouvejoumamistososorrisoafetadonorostodelesquandoestou falando,entãoparoereformuloasfrases,ounaverdadeeumesmaperceboedigo:“Estoufazendoomesmodenovo,não?”Eissonãoéofimdomundo.

OSAUDÁVELEGOFALSO

OpsicoterapeutaqueprimeiroescreveusobreEgosFalsoseVerdadeirosfoi D. W. Winnicott. Sua ideia era que todo mundo tem essa camadaexternaprotetora,eelea irmouqueprecisamosdeum saudávelEgoFalso,o qual nos permite sermos educados e corteses em público. Só quandoperdemoscontatocomnossosVerdadeirosEgosinternoséque icamosemapuros(ounãosaudáveis).

Como seres sociais, nãopodemos serquemsomos realmenteo tempointeiro; temos de levar em consideração as necessidades dos outros e asexigências sociais de cada situação. Senão, poderíamos dizer ao nossochefeondeen iarsuaproposta,tirararoupatodanomeiodeumareuniãochata e dançar pelada namesa ou fazer cara feia na presença da sogra.Embora todas essas opções se encontrem abertas para nós, quandopensamos conscientes deumextremo ao outronas consequências, talvezescolhamos o comportamento socialmente aceitável nesse momento (outalveznão).

Entretanto, para muitas pessoas é como se o Verdadeiro Ego nãoestivesse plenamente formado, esperando nos bastidores para ocupar opalco principal. É bom agarrar-se ao velho e habitual Falso Eu e comdelicadezafazeraexperiênciadepôràprovapartesdoquetalvezpareça,ou não, constituir nosso Verdadeiro Eu até obtermos uma sensaçãomaiscompleta de quem é essa pessoa. Pense nisso como se estivesseexperimentando novas vestimentas ou roupas que você em geral nãousaria em público,mas poderia vestir na segurança e intimidade de suaprópriacasa.

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Seguem-se mais algumas ideias para coisas que você talvez queiraincorporar ao seu repertório de comportamento do Verdadeiro Eu. Emcerto sentido, elas se assemelhamumpoucoàs redesdeproteçãoparaoequilibristadecordabamba;oqualévocê,ousandotentaralgodiferente.

Compassivo,comlimites

AprofessoradepsicologiaRachelTribefoiaprimeirapessoaamemostrarque se pode ser compassivocom limites. Ela era a orientadora do cursoquando iz o mestrado em psicologia de aconselhamento avançado naUniversidade de East London. Parecia preocupar-se autenticamente comtodasasdificuldadesetribulações,estresseseansiedadesquefazemparteintegraldacondiçãodoestudante.Eraumaempáticaouvinteetentavademodo esforçado sugerir uma solução criativa ou conciliatória para osproblemasdeseusalunos.

Umdiaespecí iconãomesaidamente.Foiumasemanaantesdoprazoinal de uma tarefa e, como era de prever, grande parte da turmacomeçava a entrar em pânico por conta da entrega dos seus ensaios.Quando chegou a hora das perguntas depois da aula naquela manhã,diversos alunos sepuseramapedir de formabem fofa umaprorrogaçãodo prazo inal. Tinham enfermidades, mudanças de casa, pais doentes,ilhos doentes, complicações no trabalho... A professora Tribe escutouatentamente os váriosmotivos deles, assentiu solidária coma cabeça, emseguidadisseumgentil,mas irme,“não”.Sealguémtivesseumverdadeiromotivo para o atraso, poderia preencher o formulário referente eapresentá-loaoescritóriocomcomprovaçãojusti icada(comoumatestadomédico).Docontrário,oprazofinalpermaneciacomoforaestipulado.

Eu diria sem a menor dúvida que se tratou de um Não Amável (ver[29]). Também foi um não muito impopular, e alguns membros da salaicaram furiosos. Mas ela se manteve irme, e sua expressão facialpermaneceucomamesmaautênticacompaixão.Fiqueitãoimpressionadaque nunca me esqueci desse dia. Deu-me a ideia de uma novapossibilidade, um novo modo de ser. Isso também vai ainda muito maisalém de aprender a técnica de como dizer não com amabilidade.Compaixãocomlimitesabrangeummododepensar–umacrençaemque“tenho o direito de estabelecer limites” ou “mesmo se as pessoasdetestaremminhadecisão,continuoaserumapessoademéritoedignade

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estima”.MuitosBonzinhoslutamparaestabelecerlimitesetalveztenhampouca

experiência ou prática em fazê-lo. Trata-se de uma frase com a qual sebrigatantoequeétãodi ícildeexplicaratévocêcomeçaraexperimentá-la.Algunsclientesacharamproveitosovisualizaralgumacoisa ísicaentreeleseosoutros,parainterromperasensaçãodequeasemoçõesdeoutraspessoas estão penetrando neles, tornando di ícil não sentir excessivaempatia e dizer sim, quando querem dizer não. Muitas vezes isso é algocomoumcírculode luzprotetoraqueosrodeia (escolhasuaprópriacor)ou uma coisa mais tangível (porém transparente), como uma bolha dematerialplástico.Umaclientevisualizouumaparedealtaao redordoseuchalédesonho,comaltosportõesdeferroeuminterfone.Então,quandooex-marido manipulador ou a mãe intrusa o tocassem, ela decidiria se iaapertar o botão para eles entrarem ou mantê-los fora. Isso se reveloutransformadorparasuasensaçãodeautoestimaesegurança.

Pequenasvitórias,nãofracassosparciais

É de fato importante que você seja compassivoconsigo mesmo nessajornada de conscientização e mudança. Lembre-se, você está tentandomudar hábitos de crença e comportamento, os quais, em geral, seencontram profundamente arraigados desde a infância – pelomenos tãodi íceis quanto parar de roer unhas, de enrolar os ios de cabelo oucontrolarabulimia.

Decomponha as ideias a pôr em prática em pequenos passos ecerti ique-se de observar e recompensar seu progresso, por menor queissopareçaparasuasvozescríticasdesdenhosas.SegueoqueJessicatemadizersobreoritmodoprogressodela:

Uma coisa da terapia que me ajudou foi perceber que todos essesdesa iosqueestabelecemos juntoseramtarefascomplexas.Atéo“nãosorrir para alguémquandonãoquero”; achei issoumgrandedesa io,mas era um desa io com o qual eu queria prosseguir. Sendo umaperfeccionista,queriaentrarno trabalhoumdiaeser100%assertivaem todasas situaçõesequeaspessoas logoaceitassem isso.Vocêmeajudou a perceber que pequenos passos eram necessários e que eupensasse neles como pequenas vitórias, ao contrário de fracassos

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parciais.Portanto,mesmoseeudissesseum“sim,mas...”aalguém,emvez de um enfático não, isso continuava a ser uma circunstânciasatisfatória e eu podia ser benévola comigo mesma e pensar que izprogressoedapróximavezpoderiatrabalharemobterumpoucomaisdessedireito.

OencontromarcadodePenny

Penny, a diretora de escola que se casara três vezes, em grande parteporque não gostava de decepcionar os homens que se apaixonavam porela (ver[30]), enviou um e-mail para me contar como levou adiante aexperiência comportamental que decidiu fazer em nosso workshop. Sevocêselembra,elamarcaraumencontronaquelanoitecomumsujeitoporquemnãotinhafortessentimentosequeriatentarsermenosentusiásticae mais “compassiva com limites”. “Achei muito di ícil mesmo”, escreveu.“Ele reservaraumamesanumrestaurante incrivelmenteelegantee caro,demodo que logo se acumulou a pressão e a culpa de que eu devia serbondosacomeleetalveznãopudessedecepcioná-lo.”

No entanto, Penny polira suas ferramentas (ver Capítulo 7) antes doencontro. Conscientizara-se, sobretudo, da capacidade de ser “ irme,masamável”comalunosemembrosdaequipeproblemáticos,edequesetratade talentos transferíveis que ela poderia usar assim que houvessequestionado aRegraPessoalRígidaocultadesdea infância(damãe):UMAMULHER JAMAIS DEVEDECEPCIONARUMHOMEMAPAIXONADO. Então,durante uma refeição cara e luxuosa, olhou-o nos olhos e foi honesta,porémamável.“Vocêéumcarabacanadeverdade”,disse,“mastemmuitacoisa acontecendo em minha vida nesse momento e seria desonesto eucontinuaralevaressecasoadiante.”

Penny me escreveu: “Posso com toda sinceridade dizer que essa é aprimeiraveznavidaqueagiassimcomconsciênciaeintenção.Asensaçãofoiumaverdadeiraedecisivavirada.Ele icoudescontente,masteriasidomuitopiorseeutivessepermitidoqueahistóriacontinuasse.”

MAISSOBREOSBONZINHOSQUECONHECEMOS

Agorapenseiquevocê talvezgostassededescobriroqueaconteceu com

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algumasdasoutraspessoasqueforamapresentadasnolivro.

QueaconteceucomHamish?

Hamish trabalhou com grande esforço para aceitar e integrar todas aspartesdesimesmo,entreelasasqueelerotularacomoseu“ladosombrioe ruim” (ver[31]). Por ocasião do im da nossa terapia, Hamish nãoexatamentegostavadessaspartesdesi,emborapercebessequeelaserampartesdequeméumserhumanocompleto,autêntico,equesómostrandoesses lados aos outros ele pode ter relacionamentos íntimos ecomunicativos.Percorreuumlongocaminhofazendoemantendoamizadesplenamenteunidas,egrandepartedissosedeveaofatodeterparadodese limitar aos traços Bonzinhos e “aceitáveis” de sua personalidade emostraràspessoasalgunsdosladosantesconsideradosumtabueocultos.

Hamish conseguiu um novo emprego numa parte diferente do país epor isso encerroua terapia. Sentiuque conseguiria se reinventar emseunovo trabalho e assim se tornar quem gostaria de ser (sua versão de“NuncasorrirantesdoNatal”,ver [32]),racionandoomaravilhososorriso,osencantadoresgracejoseatendênciaaajudaremexcesso.

Passouamantercontatocomaraivareprimidadentrodeseucorpoeaidenti icar o ímpeto da adrenalina disparando. Sabia que isso signi icavaque cortavana ediçãoumpensamentodi ícil (comoa raiva relacionadaàpanelademingau),queelecomeçaraatentarexpressar–sobretudoparaa mulher. Entretanto, essa mudança resultou em certo con lito entre ocasal.Nãoseiseelesoresolverameseguiramjuntosemfrente,ouseseurelacionamento não conseguiu suportar a nova dinâmica. Eu o enganariase lhe a irmasse que tudo consistiria em inais felizes, mas espero queestejaserevelandocomoelegostaria.

Eaquivaiumapalavradeprecaução:àsvezesnãosecriaumasituaçãoseguraaosetornarmaisassertivonumrelacionamentonoqualseupapelerapassivo.Àsvezes,apressãoparaSejaQuemVocêEra!(ver [33])podese tornarviolenta.Se issoocorrer, faça tudooque fornecessárioparasesentirseguro:consigaajuda,chameapolícia,váparaalgumlugarseguro.Terapia de casal talvez ajude, mas apenas se você conseguir primeiroestabelecerumacordodesegurançamútua.

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Amanda–acompanheiraBoazinha

DepoisdecriarmosjuntasoBarômetrodeRessentimento(ver [34]),comouma ferramenta para ajudar Amanda a monitorar o quanto seu corpoestava pagando por conta da tendência a “dar em excesso” dentro dorelacionamentocomSimon,tudocomeçouamudarnadinâmicadeambos.A princípio, o relacionamento passou por uma fase di ícil, em que Simonpareceuestarsedistanciando,eAmandaentrouempânico.Noentanto,àmedida que eu a encorajava a voltar a se relacionar com amigos einteresses abandonados às pressas, o relacionamento pareceu icarmaisequilibrado.

Harriet Lerner, autora de The Dance of Anger, fala sobre pessoas emrelacionamentos íntimos que recaemno hábito de ser o “superfuncional”ouo“subfuncional”.Amandaforasuperfuncionalfeitoloucanosprimeirosdias – e isso lhe custaramuito caro. Ela passoumais tempo sozinha e defato se divertia assim, e também recarregava suas energias. Tornou-semenosdisponívelparaostelefonemastardedanoite,porém,quandoelaeSimon de fato conversavam, forçava-se a contar-lhe sobre suaspreocupações de saúde e uma crise no trabalho e como se sentia.Confessou que falar francamente a respeito de seus sentimentos evulnerabilidade foi decerto a parte mais di ícil, embora isso os tenhatornadomaisfortes.

–Suponhoquenossorelacionamentosetornoumaisreal,quandoouseisermaisreal.

INDIRAEREAR

Indira me deu esta informação como feedback um ano depois quehavíamosterminadonossotrabalhojuntas:

Gostomuito de usar a técnica REAR que vocême ensinou (ver[35]).Temsidomaisdi ícilaplicá-lacomminhafamília,poiselesestãomenosreceptivosàminhamudança(outalvezeuesteja?).Contudo,ajudou-mea não ver tudo de um modo tão preto e branco. Serve como umlembrete para aceitar não apenas as opiniões de outras pessoas,mastambém as minhas, e isso é realmente di ícil para mim. Se repito aREAR para mim mesma, consigo não apenas elogiar os outros, mas

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tambémmeelogiar!Porisso,useiatécnicacomminhamãequandoelamedissequefui

“injusta”nume-mail,apósumabrigaquetivecomminhairmã.Emvezdemesentirdesprezívelemeculparouenviarume-maildepreciativoem resposta, levei um momento para pensar a respeito, conversei àbeça comumaamiga e em seguida aceitei quemamãedecerto estavaa lita porque duas das suas ilhas não se falavam e ambas sequeixavam com ela, o que deve ser terrível. Meu e-mail de respostareconheceu seu sofrimento, disse que eu precisava dela e como elapoderiaajudar,maseviteientraremdetalhesdocertoeerradoentremimeminhairmã.Ofatodelaignoraroe-mailnãomecausousurpresaalguma,masminhaatitudedesvioumeupensamentoparamimmesmaeparameusprópriosdireitosemterumaopiniãooureaçãoemocional,semmeculpar,nemaoutrapessoa!

Sinto-me mais con iante em minha comunicação com todos osmembrosda famíliaemaisbem-equipadapara lidarcomelesquandoestouperturbada.

AHISTÓRIADEREBECCA

Incluí esta história aqui porque mostra como alguém usou umacombinaçãodasideiaseestratégiasnestelivroparaenfrentarumitemdealtapontuaçãoemsuahierarquiademedo(ver[36]).

Rebecca, que encontramos de forma rápida anteriormente, é umainspiraçãopara todosnós.Trata-sedeuma jovembrilhanteque trabalhana mídia e buscou com muita coragem a mudança nos três lados dotriângulo: pensamentos, sentimentos e comportamento (ver[37]), e foirecompensada com progresso. Embora ainda tenha muitos problemas aenfrentarnavida,começaafazê-lodemododiferente.

Depoisdeconseguiroempregodos sonhos (entre centenasdeoutroscandidatos), icou maravilhada ao constatar que seu chefe assumiu uminteressepessoalporela,alémdefazerumesforçoespecialparaajudá-laa se estabelecer, inteirando-a de toda a situação, e a incentivando aprosperar.

– Suponho que eu devia ter prestado mais atenção aos sinais deadvertênciaquandoele começouamedizeroquantoeueraespecial e a

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demonstrarinúmerasconsideraçõespessoais,comomelevarparaalmoçarfora–contou-meRebecca.

Ela, de forma compreensível, sentiu ummisto de lisonja e gratidão, emandava que as suas vozes murmurantes de inquietação se calassem.Apesardisso, icouemocionadaealiviadaquando lhepromoveramaumanovafunçãonaqualnãomaisseachavasobadireçãodaequipedele.Noentanto – surpresa, surpresa –, o ex-chefe continuou a insistir em umrelacionamento “especial” entre os dois e enviava-lhe in indáveis e-mails,os quais sugeriamencontros impróprios depois do trabalho – drinques ejantares. Isso causava em Rebecca estresse e ansiedade, que seintensificavamimensamente,alémdetornarsuavidaumtormento.

–Massentiquedealgummodoeulheprovocaraafeição:quedecertaformafoiporculpaminhaequeeunãopoderiasermesquinhacomele.

Rebecca trabalhara commuito esforço na terapia para aumentar suaconsciência de valor emérito – dizia “eu amo você” a simesma todos osdias, além de fazer o Diário de Três Boas Coisas por Dia e “Desapontealguém Diariamente” (ver páginas[38], [39] e[40] respectivamente).Contudo o ex-chefe era uma pessoa a quem desapontar fazia-a se sentirapavoradademais.ConversamosafundosobreumaversãodoNãoAmável(ver[41]) e encenamos a representação de um papel dentro de umenredoque elapudessede fatodesempenhar. Emprimeiro lugar, depoisde umbrainstorm criativo, sem julgamento das ideias que lhe ocorreram(ver[42]),surgiraminúmerasopçõesacessíveis.Elaescolheuumaquelhepareceu mais fácil e mais segura num primeiro momento: mudar aescrivaninha de lugar para que não icasse mais na linha visual do ex-chefe(eleaencaravasemparar).

Então um dia Rebecca chegou à nossa sessão com a aparênciaexultante.Confiante,livre,nãomaisansiosa.

–Meencontreicomele!–disse.–Depoisdeumasériedee-mailscomsúplicas para me encontrar, eu a inal aceitei, mas só quando me sentimuito forte, após extremo cuidado com o meu bem-estar pessoal – (elaadorouolivrodeCherylRichardsonsobreisso).

–Nossa!–exclamei.–Queaconteceu?– Bem, recorri à maioria das técnicas a respeito das quais havíamos

conversado. Usei o Não Amável e agradeci a ele por me encontrar, masdisse com muita calma e clareza que se tratava de um relacionamentoinadequado entre um diretor e um membro feminino subalterno do

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quadrode funcionáriosdaempresae isso tinhadeacabar.Elenãoparoudemedizercomoeueraespecialetalcircunstâncianuncalheaconteceraantes, no entanto usei o disco emperrado e continuei a repetir amesmafrase.Emdezminutos,termineiaconversaefuiembora.

–Eagora?–perguntei.– Bem, me sinto estupenda! Isso me deixou feliz mesmo e me sinto

livre, com autonomia e poder de decisão. O que meu ex-chefe sente éproblemadele,masseiquefizacoisacerta.

CRIESEUPRÓPRIOCARTÃODESOS

A vida é imprevisível, o controle na verdade não passa de uma ilusão(pense nos desastres naturais) e circunstâncias di íceis e infelizesacontecem,muitas vezes quandomenos esperamos. E em geral é nessasocasiõesqueretornamosaosvelhose infrutíferoshábitosdepensamento,sentimento e comportamento. Em terapia, chamamos de recaída, e juntospodemos pôr em prática um plano para ajudá-lo a enfrentar isso comsucesso.

Elaboreiummodeloparaumcartãodeintervençãodeemergênciafácildeusar.Criei-oemtornodasletrasSOS–osinaldeemergênciaemcódigoMorsetransmitidonaguerraquecorrespondiaaSalveNossasAlmas[eminglês,SaveOursSouls].Bastantee icaz,pensei,poisseiapartirdeminhaprópria experiência e a de numerosos clientes que as coisas às vezesparecemmuitosombriasedesesperadasnumperíododerecaída.

ModeloparaocartãodeSOS:1SECOMUNIQUEcomalguém:apessoaconfiávelatelefonaré...2Olhasó!Amelhorrespostaàsvozescríticasé...3 SE ACALME E SE FORTALEÇA: as atividades preferidas que o

acalmamedistraemsão...

Numpequenopedaçodecartãooupapelquevocêpossacolocardentrodealgumlugardefácilacesso(comocarteiraoudiário),preenchaosespaçoscom as suas próprias ideias. Talvez tenha uma boa ideia do que sãoalgumasdessassituaçõesoutalvezprecisereexaminá-lasumpoucomaisafundo. Em seguida ao primeiro “S”, liste uma ou duas pessoasincentivadoras, con iáveis, comquemvocêpossaentraremcontato (nada

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dedeveresaí–apenasaquelascomasquaisvocêsentequepodepartilharem segurança sua vulnerabilidade e elas não o julguem nem ofereçamdemasiado conselho). Depois, ao lado do “O”, escreva a melhor respostaque lhe ocorrer às suas vozes críticas quando estiver se sentindo forte econ iante.Epor im,aoladodosegundo“S”,anotealgumasatividadesqueteajudamaseacalmarease fortalecer;descrevemos issoàsvezescomo“distraçãosaudável”,portantotentenãorelacionaropçõesperniciosasqueofarãosesentirculpado.

Assimquesesentirmaiscalmo,vocêpodepensarnopassoseguinte,oqual seria um modo criativo de solucionar problemas. Contudo, énecessáriosesentirbastanteseguroantesdeconseguiracessarsuapartedocérebrocapazdesolucionarproblemas.

ComoMonikausouocartãodeSOSdela

Monika,queencontramosprimeirono Capítulo2, lutouavidatodacomascríticas dos pais. A mãe tinha forte convicção de que a “crítica motivacrianças”enãoarredavapédessaposição,apesardasinúmeraspesquisascomevidênciascontráriasque lheeramoferecidaspela ilhaquandoestasesentiamaiscorajosa.

Monikafoiconvidadaaparticipardeumprogramanaestaçãoderádiolocalparafalarsobreumprojetoqueparticipavaemsuacomunidade.Ela(talvez de uma maneira desaconselhável) contou aos pais quando seriaentrevistada. Em retrospecto, disse-me, sorrindo pesarosa, que issodeveriater lhedisparadooalarmedaArcadaRedenção(ver [43]),comotardiamente percebeu. No subconsciente, ela decerto esperava elogio eapoiodeles.

Nanoiteapósatransmissão–quetranscorrerabem–,opaitelefonoupara falar sobre algum outro compromisso de família. No inal dotelefonema,eledisse,assimcomoquemnãoquernada:“Acheiqueaoutramulherdominouaentrevista;vocêdeviaterlutadopeloseutemponoar.”Esóisso.Nadamais,nenhumoutrocomentário.Monikareconheceuquesesentiu totalmente sem ar. Desligou o mais rápido possível, serviu-se deuma grande taça de vinho e desatou a chorar. Exausta, desabou no sofásentindo-sedeprimidaedesmotivada.

Por sorte, lembrou-se de seu cartão de SOS. Retirou-o da carteira ecomeçouapercorrertodosospassos.Elaenviouumamensagemdetexto

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pelocelularàamigademais con iançaeasduascombinaramdese falarmais tarde.Apenas issoaacalmou.Examinouasemoçõesepercebeuquefoi ainda outro raio de esperança da Arca da Redenção que pareceuextinguir-se. Sua criança interna sentiu-se rejeitada e esmagada, como seelaquisessedesistirde tudo. “Dequeadianta?”dizia-lheodiálogocrítico.“Você jamais será bem-sucedida em coisa alguma.” Olhou para o cartão.Número 2: a melhor resposta às vozes críticas é... “Caiam fora, seusabutres.Jásouumsucessoporestartentando.”

OlharocartãodeSOStambémalembroudequetalvezfosseagradávelfazer algumas das coisas que a acalmavam e melhoravam seu humor.Tomouumbanhodeespuma,quente,perfumadoeouviualgumasdesuasmúsicas preferidas. Depois, enquanto vestia um de seus pijamas maismacios,sepreparandoparaterumanoitetranquiladormindocedo,teveoque pareceu uma ideia revolucionária: decidiu que se qualquer um dosmembrosdesuafamíliasereferisseaoprogramaderádiodeformacríticaquando se encontrassem no dia seguinte, ela teria uma respostapreparada.Resolveuquediria: “Escute,souapenasumserhumanocomotodos vocês eme senti vulnerável e nervosa ao ser entrevistada.Quandosão críticos, sinto-memagoada, como qualquer um de vocês se sentiria.”Monikanãosabiaseteriadefatoachancedepoderfalar–nemsequerseconseguiriafazê-losetivesseachance;masterum“roteiro”foielucidativoe tranquilizador. Fez com que se sentisse mais adulta e com poder dedecisão.

Imagino que você queira saber o que aconteceu com ela. Bem,apareceunoalmoçodefamílianodiaseguinteeninguémcomentousobreoprograma.Partedela icoualiviadaepartedecepcionada.Depoisdeusarseu SOS na noite anterior, isso não pareceu mais ter tanta importância.Monika se deu conta de que na certa as críticas do pai se deviam aosmedos e inseguranças dele e ela podia conceder-lhe um pouco decompaixão.

MuitosoutrosclientestambémtêmusadoseuscartõesdeSOS;elesosimprimiram e puseram em lugares importantes, mas particulares.Samantha imprimiuodelaemdiferentestamanhos,plasti icou-osea ixouumnoespelhodoquarto,umnageladeiraeumnacarteira.Ellasalvouoseucomoumdocumentonocomputadorenocelular.Susieenvioucópiasàs duas amigas mais íntimas com as quais ela combinou de enviarmensagem de texto com uma senha especial quando as circunstâncias

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icassem ruins, pois sabia que seu mecanismo padrão para enfrentá-laseraseretirarese isolar (comoaconteciaquandoelaerameninae lutavacomosconflitosindoparaseuquarto).

OPRESENTEQUEGANHEIDOMEUBRAÇOQUEBRADO:QUANTOMENOS,MELHOR

Após usarmeu próprio exemplo para abrir o tema em um seminário, aspessoasqueparticipamdosmeusworkshopsmuitasvezesmeperguntam:

–Oqueaconteceudepoisdobraçoquebrado?Vocêestácuradaagora?QuebrouaMaldição?

Bem,quebreienãoquebrei,eurespondo.Comocomtodaanossavida,trata-sedeumtrabalhoemdesenvolvimento.

Nãome sintomais aprisionadana armadilha de ter deme comportardeumamaneiradeterminadacomamaioriadaspessoas.Descobriqueaspessoasmaisantigasemminhavidasãoasmaisdesafianteseaindarecaio,quase inconscientemente, na minha rotina de Pequena Miss Sunshine.Entretanto, com quase todas as outras pessoas e situações, estou muitomais consciente deminhas opções e do fato de que posso escolher comome comportar. Por conseguinte, como sugere o título deste capítulo, eupossoescolher quando sou amável, prestativa, compassiva, divertida,animada ou qualquer outro comportamento Bonzinho que queira exibir;mas também optar por outros comportamentos, sem sentir que sou umapessoa má que será repudiada e rejeitada. Algumas pessoas vão medetestarerejeitar,claro,porémsintoqueissoagoraésuportável,realista;é o preço que pago por cuidar de mim mesma e zelar pelas minhasescolhas.

Enfrentei outros desa ios de saúde desde o braço quebrado, os quaistambémtiveramumladopositivo.Obrigaram-meaouvircommaisatençãooquemeucorpodiz,edar-lheoquemepede,dentrodorazoável.Quandoestou cansada, sinto que posso me conceder permissão para cancelarcompromissos e descansar. Por isso, agora passo muito mais tempo nacama!

Comovocê talvez tenhapercebidoaessaaltura,adorocriarpequenosprovérbios–quantomaisbreves,melhores–,quemeajudam(amimeaosmeus pacientes) a lembrar-me de como quero viver a vida e guiar as

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escolhasquefaço.Alémdasmuitasoutrascitadasnestelivro,minhafrasepredominante desde a epifania do braço quebrado tem sido “QuantoMenos,Melhor”.Aplico-aatodosostiposdeatividadesparadesentulhareabrir espaço em minha vida, desde jogar fora coisas inúteis, que nãocabem emmim ou que não gosto tanto assim – como Liz (ver[44]) – aopodar minha vida social. Agora me organizo para ter tempo para aspessoas com quem sinto sinceramente uma forte ligação, que me sintosegura o su iciente paramostrar aminha vulnerabilidade, com quem eusejaeumesmaeaquemeupossarecorrerembuscadeajuda.

Trata-se do oposto da síndrome “500-amigos-no-Facebook” que fazmuitosdemeusclientessesentiremenvergonhadosporteremapenasumpequenopunhadodeamigos íntimosecon iáveis.Terumgrandenúmerodeamigosvirtuais tornou-seumdever contemporâneo,oqualpode, comotodos os outros deveres, nos fazer sentir uns fracassados se não oscumprirmos.

ARREPENDIMENTOSDOSDOENTESTERMINAIS

Mês passado, na festa de aniversário de 50 anos de um amigo, euconversavacomumhomemsobreaMaldiçãodosBonzinhos.

–Ah,vocêdevialeresselivroescritoporumaenfermeiradecuidadospaliativos–disseele.–Faladascoisasqueaspessoasemestadoterminalsentem mais arrependimento, e algumas delas decididamenteassemelham-se ao seu livro. Acho que se arrependiam de não serverdadeirasparasimesmasoualgumacoisaparecida.

Nodevidomomento,compreio livroAntesdepartir ,deBronnieWare,e,defato,naexperiênciadela,oarrependimentonúmero1era:Desejariater tidoacoragemdeviverumavidaverdadeiraparamimmesma,nãoavidaqueosoutrosesperavamdemim.Eoarrependimentonúmero3era:Desejariatertidoacoragemdeexpressarmeussentimentos.(Nocasodevocêestarcurioso,onúmero2era:Desejarianãotertrabalhadotanto.)

Como quaisquer palavras de sabedoria de doentes terminais, essaspodemnosajudaracomeçaralevaranossavidadeummododiferenteapartir de agora e, espero, melhor. Se uma de nossas intenções na vidaconsisteemnãoterarrependimentos,éproveitosoouviroqueselamentacommaisfrequência.Nãosetratade“Gostariadeteridonadespedidada

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secretária temporária”, nem sequer de “Quem dera ter percorrido omundo todo de navio / ter saltado de bungee jump do Grand Canyon”;parece termais a ver com a coragem de ser quem somos de verdade, edeixar as pessoas saberem o que de fato pensamos (dentro de limitesrazoáveis)–,sobretudoaquelasaquemamamos.

REDESENHESEURETRATO

Lembra-se do exercício que apresentei no Capítulo 3? A proposta eraescrever,naslinhasquesaíamdacabeçadoBonzinho,assuasqualidadesquevocêqueriaqueomundovisse.Emseguida,fervendoemfogobrandoabaixonointeriordomantotriangular,estavamascaracterísticasquevocêbuscaesconderdomundo.

Agora vamos nos envolver na jornada de quebrar a Maldição dosBonzinhosnumnovodesenho.Esteécomovocêgostariadeser.Vocênãoconseguirá isso da noite para o dia; como todas as jornadas maisgrati icantes, essa é lenta e atormentada por distrações, buracosinesperados, divagações e desvios. No entanto, aos poucos, você não sesentirámaisamaldiçoado,porémabençoadopelofatodeterasaptidõesequalidadesparaserBonzinho–nãoapenascomosoutros,mascomvocêmesmo.

Na página seguinte, redesenhei meu próprio retrato. Nas linhasirradiadas pormim, eu escrevi: objetiva, franca, honesta, divertida, ativa,séria,compassiva,comedida(mastudoquandoescolhoser,semcompulsãopara agir de certomodo); no ladode dentro (nãomais em fervura lenta,porémguardadoscomcuidado)tenho:vulnerabilidadeemedos–aserempartilhadoscuidadosaeatentamenteapenascompessoas“seguras”.

Nummundoideal,talveznadaprecisasseservergonhosooureprimidoe seríamos todos plenamente humanos e plenamente autênticos. Masenquanto vivermos neste mundo, nesta época, esse novo retrato é o eurealistaquepretendoser:umacombinaçãodemeuverdadeiroeu,comumpouco do Ego Falso “Saudável” de Winnicott (ver[45]), presente porsegurança.Quandoconsigo fazeralgumacoisadiferente–comodizernãoaumapessoadi ícil –, entãoexperimentoumelogioamimmesma, talvezatémedêumpequenopresentecomorecompensa.

Você também conseguirá fazer alguma coisa diferente, sei que

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conseguirá.Tenhoumaféenormenasurpreendentecapacidadedossereshumanosdetentar,deformacorajosa,eliminarvelhospadrões.Assimquecomeçar,vocêvaisesentircompoderdedecisãoe fortalecidopelosseussucessos. Descobrirá que compassos seguros e compassivos, pé ante pé,você consegue dar um jeito nas coisas, e perceberá sua variedade dequalidades,peculiaridadeseforças.EassimvocêtambémpodequebraraMaldiçãodosBonzinhosesertudoquenasceuparaser.

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AAUTORA

JACQUIMARSON épsicólogade aconselhamento,comtrabalhosrealizadosemumavariedadedesituaçõesclínicasemLondres,inclusiveemumpresídioe em hospitais. É convidada de uma série de programas de rádio e TV,onde comenta sobre problemas psicológicos diversos. Faz treinamentos eworkshopspelomundo inteiroparamaximizaracon iançaeahabilidadede comunicação. Atualmente tem um consultório particular em CoventGarden.Esteéseuprimeirolivro.