a mafia passaia[1][1]

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O LIVRO QUE CONTA OS ESQUEMAS DE CORRUPÇÃO EM MATO GROSSO DO SUL. O LIVRO QUE QUEREM PROIBIR, AQUI NA ÍNTEGRA, DIVULGUEM!!!!.

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A MÁFIA DE PALETÓ

ELEANDRO PASSAIA

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4

Feliz o homem que não procede conforme o

conselho dos ímpios, não trilha o caminho dos

pecadores, nem se assenta entre os escarnecedores;

feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e

medita a sua Lei dia e noite.

Salmos 1- 2

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AGRADECIMENTOS

Não é prudente mencionar o nome de ninguém.

Não quero expor as pessoas que eu amo. Mas

jamais esquecerei de nenhum gesto que transmitiu

confiança e motivação. Aos meus familiares e

amigos, muito obrigado.

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A MÁFIA DE PALETÓ

Operação Uragano*. No olho do Furacão. O dia em que

a Polícia Federal desmascarou os donos do poder.

* URAGANO - FURACÃO NO IDIOMA ITALIANO.

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APRESENTAÇÃO

Às vezes me pergunto como eles sempre

conseguem voltar. São denunciados,

chegam a parar na cadeia, estampam as

capas dos jornais e em pouco tempo

renascem das cinzas. A perseverança de

muitos políticos envolvidos com escândalos

é no mínimo admirável. Usam a memória

curta do eleitor para se deleitar com o

dinheiro público. Mas até quando? O

brasileiro ainda saberá dar o troco nas urnas

aos abusos dos candidatos com ''vida suja''?

Talvez este dia já tenha chegado. Não

com o ritmo desejado, mas com sinais

capazes de acender uma luz no coração de

quem quer acreditar na política. Ou

acreditamos e nos envolvemos, ou sempre

estará nas mãos de gente desonesta o

sistema capaz de mudar as regras sociais de

nossas vidas. A política determina nossos

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limites. Cria as leis que nos beneficiam ou

incriminam. Estabelece, mesmo que

indiretamente, nossa posição diante da

sociedade.

Que nossas falhas sejam esquecidas.

É impossível reeditar o passado, mas

podemos escrever o presente ignorando os

rascunhos. E tenha certeza, o futuro vai

dizer quem somos hoje: editores de nossas

histórias ou coadjuvantes da vida dos

manipuladores do poder.

No mundo da política ser honesto não

é tão difícil. O maior esforço está em evitar

a omissão e tomar as decisões que o medo

nos enfraquece. A honestidade dos

moradores de uma cidade não elimina a

opressão, nem destrói a imoralidade de seus

líderes. A ação sim pavimenta nossos

destinos ao local que desejamos.

Mexi num vespeiro ao escrever este

livro. Estou ciente dos processos que

enfrentarei; das ameaças inevitáveis; do

dissabor da censura. Mas não me arrependo

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de ter puxado o gatilho da sensatez. A vida

apresentou uma encruzilhada. Local e

tempo ideais para descortinar um grande

esquema de corrupção. A decisão foi

solitária, sem o apoio ou consolo de

ninguém. Meus pais e amigos teriam dito

para sair sem me envolver. Alguns colegas

certamente incentivariam a me lambuzar no

''pote de mel'' dos corruptos.

Ofereço esta obra às pessoas que

amo. Busquei forças no olhar confiante da

minha família. Na admiração da minha

filha. Na lealdade de meus amigos. Todos

foram propositadamente evitados nos

últimos meses. Fui cobrado, mas não pude

me explicar. Agora peço perdão. O perigo

passou a ser a minha companhia e não

quero que ele conheça os rostos de quem

levo no coração.

Preciso me desculpar também com a

população de Dourados. Coordenei a

campanha de comunicação que convenceu

os eleitores de que valia a pena votar em Ari

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Artuzi. O defendi depois de eleito por mais

de um ano em dezenas de entrevistas. No

começo acreditava realmente no que falava.

Mudei de idéia quando ultrapassei a ante-

sala dos acordos políticos e encarei a

''máfia'' que se esconde nos gabinetes.

A força invisível que corrompe os

''líderes do povo'' é cruel. Muito mais

venenosa do que os cartéis de drogas, de

armas e de prostituição. A máfia infiltrada

na política além de arrancar boa parte do

dinheiro que deveria ser investido no bem

coletivo, cria leis que beneficiam o crime e

estendem um tapete vermelho à

malandragem. A maior diferença é que na

política os bandidos não se vestem de preto,

não exibem tatuagem e não dão tiros para o

alto. Eles sorriem para a gente, pregam

lealdade e pedem o nosso voto.

Faço da maior reportagem de minha

carreira, um pequeno livro. Não há

nenhuma metralhadora de letras apontada

para alguém. Não denuncio indivíduos e

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sim, fatos. A ausência de sensacionalismo

ou qualquer tipo de romantismo, explica o

porquê não me estendi, renunciando o

excesso de páginas e de fotos flagrantes.

Particularmente tenho motivos para

admirar algumas pessoas aqui denunciadas,

mas reprovo a ação deles. Deus me ensinou

a amar o pecador, não o pecado.

Que este livro encoraje mais gente a

combater o desvio de dinheiro público. Do

contrário, a velhice nos apresentará a fatura

do silêncio. Alguém já disse que o que

deixamos de fazer provoca arrependimento

muito maior do que os erros que

cometemos.

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INTRODUÇÃO

Se uma criança que você ama perguntasse

sua opinião sobre a corrupção certamente

você diria que é contra. Mas se ela também

questionasse o que você tem feito para

evitar a ação dos corruptos, que resposta

daria? Eu particularmente penso que ainda

não tenho muitos argumentos. As gravações

entregues a Polícia Federal serviram apenas

para que os homens da lei façam a sua parte

no processo. Cabe agora a nós, população,

punir com o descrédito qualquer

''profissional'' da política. Quem já se

envolveu com qualquer tipo de fraude no

setor público deve ser esquecido

impiedosamente.

A atitude é o antídoto contra os

líderes corrompidos. O abismo da

desigualdade entre quem governa e quem é

governado se alimenta do nosso egoísmo.

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Queremos resolver apenas os nossos

problemas.

O homem moderno reenvia por e-

mail slides que satirizam políticos, mas se

recusa a participar de qualquer movimento

contra a corrupção. Crucifica os políticos

que desviam milhões, mas não devolve o

troco dado a mais por engano. Se revolta

contra os policiais que aceitam suborno,

porém é capaz de pagar R$ 50,00

(cinqüenta reais) para evitar uma multa de

R$ 500,00 (quinhentos reais) no trânsito.

Percebei a incoerência do discurso do

cidadão brasileiro quando assumi a

Secretaria de Comunicação da prefeitura de

Dourados, a maior cidade do interior de

Mato Grosso do Sul. Fui bombardeado por

pedidos dos mais diversos. A maioria se

achava no direito de gozar dos

favorecimentos do serviço público

simplesmente porque votou no candidato

eleito nas últimas eleições. Uma verdadeira

extorsão. Casa popular ou o esquecimento

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do candidato nas urnas. Anistia do IPTU

atrasado ou protestos mobilizados por um

certo presidente de bairro que manipula as

''massas'' para defender causa própria.

A realidade é que cada civilização

tem o governo que merece. Parte da

sociedade alimenta a corrupção. Ao exigir

benefícios ilegais o cidadão corrompe o

agente público. Quando vende seu voto por

dinheiro ou qualquer troca de favor o eleitor

coloca no poder alguém predestinado a

roubar. SIM, A ROUBAR. Assistencialismo

de qualquer natureza tem custos elevados e

quem o faz fatalmente vai arrumar uma

forma desonesta para equacionar o

problema mais tarde.

O prefeito Ari Artuzi doava caixões,

passagens, cadeiras de rodas, dentaduras e

até dinheiro enquanto era deputado. Os

recursos vinham de empresários locais que

souberam muito bem como cobrar cada real

emprestado. Apesar de existir um processo

de licitação que na teoria é elaborado para

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escolher prestadores de serviços ou

fornecedores com os menores preços, na

prática, ganham as empresas que o governo

quer.

Os contratos superfaturados pagam

dívidas de campanha e ainda engordam as

contas de uma lista suja formada por

prefeito, empresários, vereadores,

secretários e outros colaboradores.

Geralmente os empresários que se

envolvem com a política se tornam

''olheiros''. Buscam talentos capazes de

capitalizar números expressivos nas urnas.

Um mesmo patrocinador de campanha

financia dois ou mais concorrentes à cadeira

de prefeito e às vezes a dezenas de

candidatos a vereador de uma única vez. O

mesmo pode acontecer quando as eleições

escolhem governadores, deputados,

senadores e, que ninguém duvide, até o

presidente da república

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É uma forma de perpetuar a

contaminação do sistema, apesar da troca de

gestores e de siglas partidárias no poder.

Não significa que todos os candidatos

e partidos aceitam acordos com a ''máfia''

que dá fôlego a corrupção. Mas é preciso

admitir: apesar de haver muita gente

honesta no setor público, ainda é carente de

homens com coragem de denunciar e tomar

ações decisivas contra os bandidos de

paletó.

O que vou relatar nos próximos

capítulos vai aborrecer os leitores que

desejam ver o Brasil como um país melhor.

Em minhas viagens a Brasília, após

conversar com senadores, deputados,

prefeitos, vereadores e empresários de todo

o país, pude concluir que casos semelhantes

aos constatados em Dourados acontecem

em muitas prefeituras do Brasil.

Não me cansarei de afirmar que a

revolta maior deve ser contra o silêncio. Se

as coisas não são como gostaríamos que

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fossem, é hora de lembrar: sim, nós

podemos combater a corrupção, juntos.

PRIMEIRA OPERAÇÃO

Primeiro de janeiro de 2009. Eu era o mais

novo entre os 12 secretários nomeados pelo

novo prefeito, 32 anos de idade. A bolsa de

apostas dizia que suportaria 6 meses na

pasta. Estavam errados, foram otimistas

demais, ao final do terceiro mês pedi para

sair. O projeto de reformulação do

jornalismo da repetidora da Rede Record no

estado havia me seduzido. Salário acima da

média e colocação de matérias em rede

nacional.

Porém não consegui dizer não ao

pedido de Darci Caldo, então Secretário de

Governo. Ele solicitou que eu ficasse mais

algumas semanas até contratar outra pessoa.

O tempo passou rápido e ninguém apareceu

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para ocupar o posto. Ainda pertencia ao

quadro de servidores municipais quando um

clima pesado tomou conta de Dourados.

Manhã da terça-feira, dia 7 de julho de

2009, a operação OWARI (ponto final em

japonês) da Polícia Federal mandou para

cadeia 42 pessoas. Na lista constavam os

nomes do vice-prefeito, de três vereadores e

de 9 funcionários da prefeitura, entre eles 4

secretários. A PF também colocou atrás das

grades o patriarca Sizuo Uemura, a esposa e

seus 5 filhos.

De acordo com investigações da

Federal, os Uemura presenteavam

funcionários públicos com viagens, objetos

de valor e dinheiro. Em troca queriam

favorecimento para vender produtos das

empresas da família. Apenas nos últimos 2

anos teriam ganhado R$ 20.000.000,00

(vinte milhões de reais) em licitações. Mas

não tiveram tempo para se acostumar com a

vida de presidiários. Passaram poucos dias

detidos. Um habeas corpus deu direito a

responderem o processo em liberdade.

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A operação policial foi mais um

incentivo para deixar Dourados.

Arrumamos um novo secretário para a pasta

da comunicação institucional do município

e eu voltei à capital sul-mato-grossense. No

entanto, minha história na Prefeitura de

Dourados ainda não havia chegado ao fim.

Artuzi insistia para que eu voltasse. Resisti

ao convite várias vezes. Um detalhe apenas

me intrigava: os comentários de um

blogueiro maquiavélico.

O jornalista Valfrido Silva sempre

quis ser o secretário de comunicação de

Artuzi. Quando soube do desejo do prefeito,

começou a me atacar em seu blog. Deixava

nas entrelinhas a impressão de que eu seria

o próximo responsável por organizar os

esquemas de desvio de dinheiro da

prefeitura. Uma vez por telefone perguntei

porque tanta agressividade. Respondeu que

era para o meu bem, queria me

desencorajar. Valfrido afirmava que um dia

o agradeceria muito. Para a minha carreira

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profissional seria muito melhor continuar

em Campo Grande atuando como jornalista.

Não acreditei nas palavras amigáveis

de meu desafeto. Estava convencido de que

seu desejo era apenas limpar o caminho

para voltar a ser o marketeiro de Artuzi.

Ele tinha motivos para não gostar de

mim. Fui contratado no lugar dele para

coordenar a campanha de comunicação do

PDT nas eleições de 2008. Mágoa que o

bloqueio aliviava com a ponta dos dedos.

Seus textos eram cada vez mais amargos.

Além de corrupto, passou a me chamar de

cafetão.

Por duas vezes seguidas cheguei a

redação para trabalhar e encontrei o blog

aberto em páginas que me denegriam. Foi

um golpe dolorido. Coisa da minha cabeça

ou não, o clima na emissora ficou hostil.

Não estava a fim de levar todos aqueles

desaforos para casa.

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O RETORNO

Três meses após a minha saída da Prefeitura

de Dourados voltei a ocupar o cargo de

secretário de comunicação. Desta vez estava

convencido sobre a minha real missão:

desmascarar o blogueiro que manchou a

minha honra. Em minha primeira gestão ele

pediu dinheiro para não falar mal do

prefeito no blog. Aceitei o pedido desde que

os pagamentos fossem legalizados e que ele

nos ajudasse a construir a imagem de Artuzi

como um bom prefeito.

A resposta foi um ''não'' em tom

grave. Valfrido queria receber as escondidas

e sem nenhum compromisso. Sua única

função seria não escrever mais nada contra

a prefeitura. Cometi o erro de não registrar

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nem denunciar nada. Uma falha que não se

repetiria da próxima vez.

O desentendimento com Valfrido

logo foi esquecido quando me deparei com

um problema maior. O contrato com a

agência de publicidade havia encerrado.

Sem propaganda o município perde

visibilidade. Não há político que sobreviva

a falta de aprovação popular, logo, era

necessário “licitar uma nova agência”. O

contrato seria de R$ 2.750.000,00 (dois

milhões e setecentos e cinquenta mil reais).

Números generosos que encheram os olhos

do prefeito.

Ari Artuzi queria indicar uma agência

para vencer a licitação. Eu sabia que isso

era ilegal e perigoso. Se a intenção fosse

descoberta, poderia ser incriminado pois era

o administrador da pasta para a qual a

licitação seria feita.

Enviei o edital antes de ser publicado

ao Sindicato das Agências de Publicidade

de Mato Grosso do Sul (SINAPRO), uma

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forma de me blindar. A entidade apresentou

uma série de erros e vícios no documento

elaborado pela prefeitura e sugeriu

modificações. Estranhamente o pedido foi

recusado pelo setor de licitação. Fiz questão

de registrar todos os detalhes.

Corretamente a diretoria do

SINAPRO pediu a justiça a impugnação do

processo licitatório alegando falta de lisura

e transparência do edital divulgado pelo

Diário Oficial. O setor jurídico do

município recorreu da decisão. Semanas

mais tarde, após várias tentativas frustradas,

a prefeitura renovou o contrato com a antiga

agência. O prefeito sabia que a volta dos

informes publicitários em rádio, TV, jornais

e sites era fundamental para a sustentação

do governo diante da comunidade local.

Paz selada com a imprensa,

ressentimento contra Valfrido revigorado.

Muita gente se deixou levar pelo blogueiro

e passou a me rotular como o mal feitor de

Artuzi. Certo dia numa lanchonete conheci

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uma garota bem desaforada. Ela apresentou

o prefeito da cidade e os seus secretários

num altar a Baal. Disse que todos

precisavam ser exorcizados. Segundo ela, a

administração pública havia incorporado o

demônio da ganância.

A mocinha era leitora do blog

sensacionalista. Deixei a tagarela à vontade,

falou bem mais do que devia. Só depois

contei que eu era o secretário de

comunicação de Dourados. Nunca ninguém

me fez tantos pedidos de desculpas em tão

pouco tempo. Hoje somos amigos. Rimos

juntos do episódio todas as vezes que nos

encontramos. Ela jura que não me acha

mais um corrupto. Menos mau.

Senti que era hora de voltar a falar

com Valfrido Silva. Queria gravar a

conversa e depois desmascará-lo. Mas o

destino não quisera que fosse desta vez.

Alziro Moreno, que substituiu Darci Caldo

na Secretaria de Governo após a operação

Owari, cambaleava na função de

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Articulador político. O prefeito queria

substituí-lo e me chamou para a função. O

próprio Alziro me pediu para aceitar o

convite pois não estava suportando as

pressões do cargo. Acertamos os detalhes

em primeiro de maio de 2010. No dia

seguinte passei a dirigir as Secretarias de

Comunicação e de Governo.

Meu tempo agora era tomado pelo

trabalho. O blogueiro não me saía da

memória, mas eu teria de esperar mais um

pouco para provar quem era o vigarista.

Tinha certeza de que o dia da prestação de

contas não tardaria.

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SECRETARIA DO DINHEIRO

Chefiar a Secretaria de Governo (SEGOV)

foi a minha maior experiência de vida. A

pasta é o cérebro da administração.

Oficialmente representa o município

perante as demais esferas políticas.

Coordena também todas as Secretarias.

Ninguém faz nada sem a aprovação prévia

do Secretário de Governo, que tem a

responsabilidade de fazer valer os anseios

do prefeito.

Há ainda outro atributo da SEGOV

conhecido por um número restrito de

pessoas. Extra-oficialmente o secretário de

governo paga o mensalão dos vereadores e

faz os acordos com as empresas prestadoras

de serviços. É o portal do inferno para

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aqueles que desejam ganhar dinheiro de

forma rápida e fácil. Sempre desconfiei de

que os antigos secretários de governo

estavam envolvidos com negócios

fraudulentos, só não sabia que essa era uma

obrigação de quem ocupava o cargo.

Havia uma regra estabelecida por

Artuzi. Do valor bruto pago aos prestadores

de serviços e produtos, 10 por cento

deveriam ser devolvidos a ele. Nem todos

os empresários aceitaram tal imposição.

Neste caso só se tornaram fornecedores da

prefeitura porque conseguiram furar os

direcionamentos criados nos editais. Nas

gravações entregues à Polícia Federal, a

secretária de finanças dá a lista de alguns

empresários que nunca devolveram dinheiro

a Artuzi.

Nos primeiros dias como secretário

de governo tentei riscar da agenda qualquer

encontro que pudesse trazer complicações

com a justiça. Mas isso me incomodava.

Estava sendo conivente com as práticas

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ilícitas apresentadas assim que assumi o

novo cargo. Para a justiça, fazer vistas

grossas é crime. Não sobrou outra

alternativa. Teria de abandonar o barco. Já

havia feito isso um dia. Não custava pular

na água outra vez.

Decepção estampada no rosto.

Colegas de trabalho estranhavam meu

comportamento. Apesar de sentir desejo de

ir embora, sabia no fundo que seria um erro

para a minha reputação. Me chamariam de

covarde ou inconstante e continuariam me

colocando na galeria dos corruptos, caso

não desmascarasse os comentários

maldosos em valfridosilva.com.

Artuzi percebeu minha insatisfação.

Antes que eu entregasse uma nova carta de

demissão, se valeu de um recurso muito

usado por ele em seus relacionamentos

profissionais. Afirmou que em breve me

recompensaria com boa quantia de dinheiro.

Fui procurado também por Eduardo

Uemura. Ele apresentou detalhadamente os

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principais negócios que tinha com Artuzi.

Reclamou que alguns pagamentos estavam

atrasados e me prometeu até R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais) por mês para defender

os negócios da família com a prefeitura.

Empreiteiras como CGR, Planacon e MS

Construtora também prometeram propina

caso firmassem novos contratos com o

município.

As propostas de ''retorno'' financeiro

vieram até do vereador Junior Teixeira.

Poderia ter faturado tranqüilamente cerca de

R$ 100.000,00 (cem mil reais) mensais se

tivesse aceitado me vender.

Com tanta generosidade a vista fiquei

imaginando quanto receberia o prefeito. Ele

nunca me contou. Me esforcei para chegar a

um valor aproximado. Calculei uma média

de meio milhão de reais por mês. Darei

detalhes sobre esta conta mais adiante.

A fome de Artuzi por dinheiro se

tornou tão grande que os recursos

destinados à compra de medicamentos para

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os postos de saúde também eram desviados.

Pouca coisa saía dos cofres públicos sem

que parte engordasse o ''caixa 2''.

Em busca de morada, a ambição fez

rondas constantes em torno da

administração pública nos últimos anos.

Encontrou refúgio confortável no coração

de dois vereadores. Até quem conhece os

porões da política se assusta com a ''gula''

do presidente da Câmara Sidlei Alves-

DEM, e do primeiro secretário Junior

Teixeira-PDT. Em conversa com Darci

Caldo e Alziro Moreno, os dois últimos

secretários de governo de Ari Artuzi,

chegamos a conclusão de que cada um

havia retirado dos cofres públicos quase um

milhão de reais desde o início da gestão.

Em pouco tempo percebi o tamanho

da confusão que havia me metido.

Mergulhei num oceano cheio de tubarões

famintos. Precisava tomar uma atitude e não

tinha muito tempo para pensar. A mente

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exigia que agisse pela razão e fosse embora,

o coração insano clamava por justiça.

Decidi desmascarar Artuzi e seus

seguidores. Foi meu único projeto de vida

desde o dia 19 de maio de 2010, menos de

três semanas após assumir a SEGOV.

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ACORDO COM A POLÍCIA FEDERAL

Assim que assumi a Secretaria de Governo

os primeiros pagamentos aos vereadores

foram feitos por terceiros. Os próprios

empreiteiros entregaram as propinas.

Porém, era hora do meu 'batismo'. A grande

encruzilhada surgiu impiedosa. Precisava

decidir que caminho seguir. Eu sabia o que

fazer, faltava apenas coragem. A decisão

mudaria toda a minha vida, ou a encurtaria

ligeiramente.

Imaginei a multidão dos famigerados

e oprimidos pelo sistema. Isso me fez voltar

aos caminhos do meu Senhor, pois sozinho

sucumbiria. Deus foi a minha força, o meu

refúgio e o único amigo durante todos os

dias de investigação.

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33

Peguei com um amigo jornalista o

número do telefone do Delegado de Polícia

Federal responsável pela Delegacia de

Dourados. Bráulio José Galoni tem fama de

valente. Homem da lei que prendeu alguns

dos bandidos ou coronéis mais temidos da

cidade. Mas não era o jeito durão do

delegado que me tranqüilizava. Doutor

Galoni é um homem de princípios cristãos e

isso por sí só era uma garantia de que podia

confiar nele.

Nove horas da manhã de uma quarta-

feira. Minha terceira semana no novo cargo.

Liguei de um número de celular recém-

habilitado.

- Olá doutor, aqui é o Passaia, Secretário de

Governo da Prefeitura de Dourados.

- Fala rapaz, como posso ajudá-lo?

- Marcando uma audiência. Pode me

atender?

- Amanhã às 14 horas tenho um tempo livre.

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- Apareço em seu escritório então.

- Tô te esperando.

Fiquei um pouco decepcionado. Não

me saía da cabeça que ele deveria ter

marcado a tal audiência para o mesmo dia.

Foram 29 horas angustiantes. Ensaiei o que

falar umas 3 vezes, a cada 10 minutos. Data

e hora sem atraso. Às 14 horas em ponto do

dia 21 de maio de 2010 subia as escadas que

conduzem a sala do chefão da Federal em

Dourados.

Cumprimento forte e olhar firme nos

olhos do mesmo cara que mandou prender

42 pessoas, entre elas um secretário que

ocupara o mesmo posto que o meu na

administração municipal há exatamente um

ano.

Sorriso fácil, quase que de um

psicanalista que prepara o paciente para o

divã. Bráulio Galoni foi educado. Me mediu

dos pés a cabeça sem entender o que eu

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fazia ali. Pedi para fechar a porta, dispensei

o cafezinho e falei sem rodeios.

- Estão assaltando a cidade. Eu posso ajudar

a polícia a prender uma quadrilha inteira.

- Seja mais claro secretário – disparou o

delegado, franzindo a testa.

Conversamos por 1 hora e 42

minutos. A enxurrada de informações

parecia lavar a alma de quem investigava a

administração pública há 3 anos, durante a

transição de dois mandatos. Deixei claro

que eu não era um bandido arrependido, ou

em busca de vingança após ter sido traído

pelo próprio grupo. Pelo contrário, bem

larga e generosa era a porta que me

convidava a entrar para o mundo do crime.

O dinheiro fácil desviado dos cofres

do governo ainda não tinha passado por

minhas mãos. Não havia executado nenhum

pagamento até aquela data. Minha primeira

ação criminosa estava marcada para o dia

seguinte. Apresentei meus planos: pediria as

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contas naquele mesmo dia após deixar a

delegacia ou, continuaria no cargo com o

propósito de colaborar com a Federal. A

segunda opção foi aceita.

Já não era mais possível retroceder.

Uma overdose confusa de adrenalina,

agonia e satisfação foram aplicadas em

minhas veias. Os dias seguintes reservariam

o período mais angustiante de minha

existência.

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COMEÇA A OPERAÇÃO URAGANO

No dia seguinte um novo encontro com

doutor Galoni. Desta vez veio acompanhado

de dois policiais federais. Eram peritos do

setor de tecnologia. Foram eles que me

apresentaram alguns "brinquedinhos letais".

Micro-equipamentos capazes de registrar

áudio e vídeo com definição suficiente para

incriminar mãos que pegam o que não

devem.

Fiquei encantado ao saber que tudo o

que tinha visto até hoje nos filmes

americanos estava à disposição dos policiais

federais brasileiros.

Decidi não revelar neste livro

detalhes dos aparelhos usados para não

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38

prejudicar outras operações que possam

colocar na cadeia quem ainda não tomou

consciência de que, para cuidar do dinheiro

público, não é preciso levá-lo para casa.

Posso garantir apenas que os Federais estão

bem equipados e a tecnologia se tornou uma

grande aliada contra o crime.

Um aviso aos navegantes no oceano

da política: fiquem longe da corrupção!

Comecei com os vereadores da base

aliada. Eram oito de um total de 12

parlamentares. Dividi os pagamentos em

duas vezes, uma forma de assegurar que

ninguém escaparia das filmagens. Meu

nervosismo evidente encontrava disfarce.

Alegava que toda a afobação era coisa de

quem estava estreando como mais um

''marginal da política'', quando na verdade o

maior medo era de que as gravações fossem

descobertas.

Por muito pouco a Operação Uragano

não foi encerrada na fase embrionária. No

primeiro pagamento feito em meu escritório

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39

ao vereador Zezinho da Farmácia-PSDB,

fui traído pela falta de experiência. Marcelo

Hall, secretário de serviços urbanos,

acompanhava o vereador. Ele se encantou

por uma jaqueta que escondia uma das

câmeras filmadoras, estendida em cima da

mesa. Chegou a pegar a peça de roupa na

mão, sem perceber o equipamento. Se o

secretário tivesse sido um pouco mais

curioso, eu não teria conseguido gravar

tanta gente mal intencionada.

A expressão ''lavar dinheiro sujo''

nunca foi tão apropriada. No caso de

Dourados a lavagem era feita com sangue.

Recursos desviados da Secretaria de Saúde

pagavam o silêncio e a generosidade da

maioria dos legisladores municipais. E

pasmem, os três membros da Comissão

Parlamentar de Inquérito criada para

investigar a saúde pública da cidade

"bebiam'' do sangue derramado pelos

pacientes nos hospitais. A CPI não passou

de um teatrinho para dar a sociedade a

Page 40: A Mafia Passaia[1][1]

40

impressão de que os vereadores são homens

sérios e comprometidos com a população.

Juninho Teixeira-PDT sempre foi um

dos mais apressadinhos. Como recompensa

foi o primeiro a sorrir às câmeras da justiça,

pegou R$ 10.000,00 (dez mil reais) com

uma tranquilidade impressionante. Talvez

fosse a força do hábito.

Zezinho da Farmácia-PSDB e Paulo

Henrique Bambu- DEM, venderam a honra

por um pouco menos. Eu mesmo entreguei

a cada um R$ 7.000,00 (sete mil reais).

No último escalão do nada saudável

mensalão estavam Aurélio Bonato-PDT,

José Carlos Cimatti-PSB, Edvaldo Moreira-

PDT e Tio Julio-PRB. Receberam de

minhas mãos R$ 5.000,00 (cinco mil reais)

em espécie cada um. Tais valores foram

repassados mensalmente aos vereadores

''aliados'' desde o início de 2009. Quase 2

anos de farra sem qualquer peso na

consciência.

Page 41: A Mafia Passaia[1][1]

41

A base de sustentação era

fundamentada ainda com a presença de um

oitavo membro, o presidente da Câmara

Municipal. Sidlei Alves-DEM foi o segundo

mais votado nas últimas eleições. Ele me

confidenciou certo dia que o sucesso nas

urnas foi garantido por um forte esquema de

compra de votos. O democrata sempre

recebeu mais do que todos os outros pares

do parlamento municipal juntos. Triste

história que contarei mais adiante.

Menos de dois meses antes a lista era

composta também por Dirceu Longhi-PT,

de acordo com Alziro Moreno. O ex-

secretário de governo afirmou que R$

10.000,00 (dez mil reais) todos os meses

garantiram por mais de um ano uma

esquerda cega aos indícios de corrupção do

executivo e extremamente ''companheira''

na aprovação dos projetos enviados pela

prefeitura.

Assim que assumi tive uma conversa

com o petista.

Page 42: A Mafia Passaia[1][1]

42

- Vamos voltar à base vereador.

- Não sei cara, o prefeito quase não honra os

compromissos com a gente.

- Mas você não vinha recebendo?

- Sempre atrasado né, e tem promessas

ainda pendentes.

Nunca avancei nas negociações com

Dirceu Longhi. Ele sempre deixou claro que

estava com medo de ser descoberto e não

queria mais pegar dinheiro, dizia que um

interlocutor faria isso por ele. O que nunca

aconteceu. Eu já tinha registros que

apontavam que ele também fez parte do

esquema de corrupção e para mim era o

suficiente.

Quem assistir a uma sessão do poder

legislativo após ler este livro certamente

será bem mais crítico ao analisar cada

discurso. A impressão é de que os

parlamentares acreditam muito pouco no

que falam. Uma afronta aos princípios

Page 43: A Mafia Passaia[1][1]

43

pessoais compensada com dinheiro. Os

''edis'' governistas mesmo descontentes com

o prefeito promovem juras de amor em

busca de um bem maior, ou de ben$

maiores.

Já os oposicionistas mudam a rota

mas não o destino. Todos acabam sentando

no colo do poder público. A divisão do

dinheiro desviado elimina a função real do

vereador, que é a de fiscalizar o poder

executivo. O Parlamento Municipal não só

pode como deve estar atento as ações do

administrador municipal. Cabe aos

vereadores, inclusive, cassar o prefeito,

quando as denúncias de corrupção forem

evidentes.

Gino Ferreira-DEM é famoso por

seus discursos ponderados. Faz oposição,

mas não raivosa. Ele assinou o pedido de

CPI contra o ex-prefeito Laerte Tetila-PT e

o atual Ari Artuzi-PDT, porém justificou

que a decisão foi um mal necessário. Em

Page 44: A Mafia Passaia[1][1]

44

determinada conversa me deu conselhos

sobre a política.

- Meu rei, você pode até não ser honesto,

mas todo mundo precisa acreditar que você

é. Você pode não ser rico, mas as pessoas

tem que acreditar que você é. Daí quando a

gente ganhar muito dinheiro ninguém vai

desconfiar de nada.

- Ahã.

- E tem mais, é importante que pensem que

tô na oposição, mas na verdade somos

parceiros. Sou o melhor cara pra vocês

mexerem nesta Câmara, sabia?

- Ahã.

Gino nunca passou o chapéu em

busca do dinheiro ''podre'' da saúde, no

entanto sempre pensou grande, como é de

se esperar de um vereador fazendeiro. Ele

intermediou o convênio fechado entre a

prefeitura de Dourados e uma empresa de

São Paulo para a compensação de tributos

Page 45: A Mafia Passaia[1][1]

45

perdidos. São recursos que a União deixou

de repassar ao município e que nunca foram

reclamados judicialmente. Havendo

sucesso a empresa contratada ficaria com 19

por cento do montante, dos quais 10 por

cento seriam entregues ao democrata. As

previsões iniciais são de encher os olhos, e

os bolsos. Pelo menos R$ 35.000.000,00

(trinta e cinco milhões de reais).

Outro democrata que lucra, mas com

discursos mais raivosos é o vereador

Marcelo Barros-DEM, conhecido como o

grande adversário de Ari Artuzi na Câmara.

É preciso reconhecer, ele sabe interpretar

muito bem. Alziro Moreno me garantiu que

pagou a ele R$ 60.000,00 (sessenta mil

reais) no final de 2009 para adoçar os

discursos de Barros na tribuna. A quantia

também teria servido para que o legislador

fizesse vistas grossas ao desvio de recursos

da Secretaria de Educação, denunciado pelo

jornal O Progresso.

Page 46: A Mafia Passaia[1][1]

46

Visitei Marcelo em sua residência 4

vezes. Sujeito sempre desconfiado, abriu o

coração aos poucos, até chegar a um acordo

claro. Ele escreveu o que queria num papel.

Uma mão trêmula deu vida ao número 10.

Dez cargos para acomodar gente amiga?

Valor de uma certa emenda parlamentar?

Ou as cifras iniciais de mais um mensalão

pago com dinheiro do contribuinte? Talvez

se Lula fosse indagado a respeito,

certamente diria que ''nunca na história

política desta cidade houve um enigma tão

fácil de ser respondido''.

No início de agosto de 2010 procurei

Marcelo Barros com o dinheiro solicitado.

Ele não recebeu. Convidou-me a dar uma

volta de carro. Passamos em frente ao local

onde eu deveria deixar o dinheiro, para um

tal de Hilton. Mais uma vez o termo

''lavagem de dinheiro'' vestiu como roupa

cara. Lavanderia do Lar Santa Rita. Deixei

R$ 7.000,00 (sete mil reais) para o

emissário. O processo de mutação

aconteceu quase que imediatamente, o lobo

Page 47: A Mafia Passaia[1][1]

47

das tribunas semanais se tornou num

cordeirinho menos rebelde.

Faltou apenas falar de Délia Godoy

Razuk-PMDB. A única mulher com

mandato na Câmara de Vereadores

douradense tem ''ficha limpa''. É admirável

a educação e o respeito usados no trato com

o público. Estendo um tapete vermelho à

parlamentar, mas não ao marido dela.

Roberto Razuk tem fama de homem mau.

Denunciado pelo Ministério Público por ter

feito um empréstimo fraudulento no valor

de R$ 3.500.000,00 (três milhões e meio e

reais), foi condenado em 2003 a 20 anos de

prisão por crime contra o sistema financeiro

nacional, falsificação de documento público

e falsidade ideológica. Passou três anos

preso até ganhar o direito de cumprir a pena

no regime semi-aberto.

Em 4 de junho de 2007 Razuk foi

preso novamente na operação Xeque-Mate

da Polícia Federal, acusado de fazer parte

do esquema da exploração de caça-níqueis

Page 48: A Mafia Passaia[1][1]

48

no estado. Mais uma vez conseguiu

autorização para pagar por seus pecados em

casa, longe das celas frias.

Visitei a vereadora para pedir apoio

político. Minha reivindicação se restringia a

aprovação de projetos importantes para a

cidade. Não falei sobre dinheiro em nenhum

momento, mas Razuk não se controlou.

Como lhe é peculiar, se intrometeu na

conversa. O comandante do jogo do bicho

em Dourados falou com ódio sobre Ari

Artuzi por três fortes razões:

* O prefeito não permitiu a nomeação

de 50 amigos da família em cargos da

prefeitura.

* Não deu abertura para que o filho

dele administrasse a Secretaria de

Planejamento quando este foi gestor da

pasta no início de 2009.

* E a maior ferida: Artuzi não

atendeu empresários do Rio de Janeiro

trazidos por Roberto Razuk. O grupo estava

Page 49: A Mafia Passaia[1][1]

49

interessado em ganhar a licitação de coleta

de lixo da cidade. Serviço com custo médio

para os cofres públicos de R$ 800.000,00

(oitocentos mil reais) por mês.

Razuk lembrou que a esposa é uma

mulher honesta e que nunca pegou dinheiro

da prefeitura. Afirmou também que os dois

sabem de todas as falcatruas envolvendo os

vereadores e o prefeito municipal. Quase

pedi ajuda para cumprir minha missão, mas

antes mesmo de ser convencido sobre a boa

intenção daquele senhor, lembrei que

Roberto Razuk já foi deputado estadual.

Empossou a voz para se gabar que sabia dos

esquemas de desvio de dinheiro dentro da

Assembléia Legislativa do Mato Grosso do

Sul. Quem não teve peito para denunciar os

colegas de parlamento, certamente não fará

nada para combater qualquer tipo de fraude.

Admiro a postura de dona Délia. Apenas a

dela.

Page 50: A Mafia Passaia[1][1]

50

HOSPITAL EVANGÉLICO

Alegando que os valores pagos pelo

Governo Federal eram insuficientes, em

2007 a direção do Hospital Evangélico (HE)

suspendeu todos os contratos com a gestão

pública e passou a realizar apenas

atendimentos particulares. A saúde pública

de Dourados havia sido municipalizada,

cabendo a prefeitura administrar os recursos

destinados ao setor.

No entanto, em março de 2009 uma

reviravolta provocou diferentes reações. A

notícia de que o HE voltaria a atender pelo

SUS fez com que parte da sociedade e o

Ministério Público levantassem suspeitas.

Page 51: A Mafia Passaia[1][1]

51

Porque insistir com um sistema que não

fazia muito tempo havia fracassado?

Com a troca de prefeito a direção do

HE desconsiderou tudo o que já havia

afirmado anteriormente e tirou da câmara

fria o velho projeto sobre saúde pública

integrada. Com recursos da União, do

Estado e do Município o hospital assinou

dois convênios e um contrato com a

prefeitura para administrar os atendimentos

públicos hospitalares novamente.

Na prática algumas coisas

melhoraram. O mais completo hospital do

interior do estado oferece especializações de

alta complexidade só disponíveis na capital.

Significa que diminuíram as transferências a

Campo Grande e conseqüentemente os

óbitos. Porém os gráficos poderiam ser bem

mais inclinados para cima se houvesse

seriedade na administração do dinheiro

destinado a salvar a vida de quem não pode

pagar por atendimento médico.

Page 52: A Mafia Passaia[1][1]

52

Conversas gravadas com a direção do

hospital, prefeito, vereadores e com a

família Uemura desmascaram um esquema

cruel de desvio de verbas. Dos cerca de R$

3.000.000,00 (três milhões de reais) pagos

mensalmente ao hospital, R$ 50,000,00

(cinqüenta mil reais) são entregues para

complementar a renda dos vereadores

aliados. Esporadicamente o prefeito também

se apodera de parte dos recursos que em

campanha jurou que seriam usados

dignamente.

Dilson Deguti, secretário adjunto de

saúde e ex-prefeito de Fátima do Sul, cidade

vizinha de Dourados, disse que no final de

2009 entregou R$ 100.000,00 (cem mil

reais) a Artuzi. Em agosto de 2010 fez um

novo pagamento no mesmo valor ao

prefeito. Dinheiro que foi usado inclusive

para pagar a cirurgia estética da primeira

dama. A “recauchutagem” custou R$

9.000,00 (nove mil reais).

Page 53: A Mafia Passaia[1][1]

53

No mesmo dia em que Maria Artuzi

saiu do hospital ''turbinada'', uma mãe da

Vila Mari, bairro da periferia, recebeu a

notícia de que o filho de apenas 6 anos de

idade poderia ficar cego. Os olhos teriam de

ser extraídos por causa do diagnóstico

tardio de uma doença rara, mas com

tratamento disponível pelo SUS. Tudo

poderia ter sido evitado se a criança não

tivesse esperado quase 3 meses para fazer

uma simples consulta. Por mais que alguém

chore de revolta ao ler esta informação,

nada jamais vai se comparar a dor daquela

mãe.

Os bisturis que dilaceram o sistema

de saúde criado para a população de baixa

renda reservam os pedaços mais generosos

para o pagamento de dívidas de Ari Artuzi.

A família Uemura reclama que com o

credenciamento do HE deixou de fazer

negócios lucrativos com o município, como

a venda de medicamentos. Se lamenta que

foi obrigada a fechar as empresas de

distribuição de remédios e de limpeza de

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54

postos de saúde. O prejuízo teve de ser

pago por alguém.

Para liquidar a fatura ficou acordado

que o Hospital Evangélico repassaria

secretamente R$ 110.000,00 (cento e dez

mil reais) por mês aos Uemura durante os 4

anos de mandato de Ari Artuzi. Quando a

operação Owari foi deflagrada, entretanto,

os pagamentos à família nipônica tiveram

de ser interrompidos.

Porém, quando falta fiscalização

sempre sobram atalhos para chegar ao pote

de ouro. A Secretaria de Saúde, a direção do

Hospital Evangélico e Eduardo Uemura

arquitetaram mais um esquema genioso de

desvio de dinheiro. O prédio onde funciona

o Hospital da Mulher, pertencente a família

japonesa, foi colocado a venda. Os diretores

mais influentes do hospital convenceram o

restante do conselho administrativo de que

seria um bom negócio adquirir o imóvel.

Uma das maiores transações imobiliárias da

história da cidade foi fechada com cifras

Page 55: A Mafia Passaia[1][1]

55

bem generosas, R$ 8.000.000,00 (oito

milhões de reais).

Um dia durante almoço na fazenda

dos Uemura, Eduardo me contou detalhes

do acordo. O prédio na verdade valeria

pouco mais de R$ 2.500.000,00 (dois

milhões e quinhentos mil reais). O restante

seria usado para saldar a conta de Artuzi.

Bom para o HE que adquiriria mais um

hospital patrocinado com dinheiro público,

excelente para os japoneses que

aumentariam o seu império e um alívio para

o prefeito que já não suportava mais a

pressão de quem sempre teve fama de

cobrar com juros e correção cada centavo.

Ainda bem que o plano não era

perfeito. Mesmo já tendo depositado R$

1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais)

na conta do patriarca dos Uemura, o medo

fez com que o HE desistisse de comprar o

imóvel em agosto de 2010. Os diretores

mais influentes do hospital alegaram que

tinham informações de que a Policia

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56

Federal estava investigando o caso.

Preferiram perder pouco mais de um milhão

a continuar com o esquema fraudulento que

colocaria todos na cadeia. Foram os

primeiros frutos da Operação Uragano.

A dívida do prefeito douradense

havia diminuído, mas não liquidada. No

início de setembro de 2010, se a ação dos

federais não tivesse posto fim a farra dentro

da administração municipal, mentes

brilhantes já teriam apresentado uma nova

fórmula para subtrair as contas da Secretaria

de Saúde do Município.

Page 57: A Mafia Passaia[1][1]

57

COMO DEPUTADOS FEDERAIS E

SENADORES DESVIAM DINHEIRO

A Secretaria de Obras é o negócio mais

rentável no ''mundo do crime político''.

Verbas federais, estaduais e municipais

pagam contratos cheios de números, na

maioria das vezes com mais de 7 dígitos.

Com todos os empreiteiros e legisladores

que conversei recebi a mesma informação:

para cada centavo investido, parte é rateada

entre os envolvidos.

As regras já estão definidas.

Pavimentação, drenagem e construção de

pontes oferecem os maiores lucros. A

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58

empreiteira responsável pela obra é

obrigada a devolver 10 por cento do valor

bruto recebido. O dinheiro roubado é

dividido entre o prefeito e o deputado ou

senador que viabilizou os recursos. Já obras

civis como casas populares, escolas, creches

e hospitais por exemplo, rendem menos, os

salteadores dos impostos pagos pela

população exigem 5 por cento dos valores.

O diretor do departamento de obras da

prefeitura de Dourados Jorge Torraca,

garante que todos os parlamentares exigem

o retorno dos recursos que viabilizam em

Brasília.

Como não tenho provas, vou me ater

as conversas gravadas e entregues a Polícia

Federal. Sérgio Castilho assessor especial

do deputado federal Dagoberto Nogueira-

PDT, sempre cobrou o direcionamento das

licitações. Mais 5 por cento do valor

depositado nos cofres do município pelo

Governo Federal a pedido de seu chefe.

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59

Walquiner Gonçalves França,

assessor do deputado federal José Carlos

Biffi-PT, também fazia as mesmas

exigências. Falando em nome do deputado

nunca deixou de cobrar o ''retorno'' dos

investimentos garantidos através da

intervenção do legislador petista.

É interessante notar que os deputados

e senadores mandam comparsas para tratar

dos ''esquemas''. Que ninguém tenha dúvida

de que eles dirão que não sabiam de nada

quando estas denúncias balançarem as

estruturas de seus confortáveis gabinetes.

Os assessores serão recompensados

financeiramente para se calarem. Ganharão

dinheiro, mas perderão a honra.

O deputado federal mais votado em

Mato Grosso do Sul nas últimas eleições

também não fala pessoalmente de dinheiro.

Mas o funcionário público Sandro Omar de

Oliveira Santos diz ser o mensageiro de

Vander Loubert. O parlamentar petisca é

super carismático, chega a ser idolatrado

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60

nas ruas por membros de seu reduto

eleitoral. Fala de reformulação na política

como poucos, convence com facilidade os

desavisados. Tenho certeza de que Loubet

ou Sandro, vai me chamar de mentiroso

quando ler este livro. Será a única maneira

de tentar provar inocência.

O maior ator entre os deputados do

estado na minha opinião é Geraldo

Resende-PMDB. Soa tambor em praça

pública para cobrar da prefeitura empenho

no processo de licitação. Discursa que a

austeridade e a agilidade dos serviços

públicos precisam ser mais evidentes. Numa

conversa em seu escritório em Dourados me

convenci de que seus ideais não são tão

puros quanto parecem. Reclamou que

precisa do ''retorno'' das verbas garantidas

por ele para dar o mínimo de viabilidade a

seus projetos.

No dicionário da política “retorno”

significa o dinheiro que as empresas

devolvem para o prefeito e aos

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61

parlamentares depois que as obras são

concluídas. Seria por isso então que

Resende cobra incansavelmente mais

agilidade na execução dos projetos

intermediados por ele? É claro que à polícia

e à população Resende vai dar outra

interpretação para a palavra retorno.

Certamente vai me processar como farão

outros tantos. Nada que me assuste. Terei

problemas bem maiores para me preocupar

do que o processo por calúnia e difamação

que o deputado poderá representar contra

mim.

Tentei fazer com que Geraldo

Resende falasse mais sobre os ''retornos''.

Mas o legislador se esquivou como o diabo

foge da cruz. Disse que um assessor faria

isso por ele. Dias depois Artuzi e Geraldo

romperam suas relações políticas e os

''retornos'' nunca mais foram discutidos com

a prefeitura. O dono da empreiteira

Planacon Construtora LTDA, Geraldo

Alves de Assis, afirmou que o deputado do

PMDB passou a cobrar diretamente sua

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62

parte do dinheiro, sem a interlocução da

prefeitura.

Sinto-me muito à vontade para falar

do deputado Marçal Filho-PMDB. Um

peixe grande que fatalmente vai morrer

politicamente pela boca. Marçal e a esposa

Keliana Fernandes cobraram pessoalmente

o adiantamento do ''retorno'' das obras.

Concordaram inclusive em desviar dinheiro

da Secretaria de Saúde para pagar as

despesas de um show da rádio 94 FM de

propriedade do casal.

Boa pinta e voz de veludo como é

conhecido, o deputado lidera a audiência

nas manhãs do rádio douradense. É o

queridinho das donas de casa, considerado

um dos melhores críticos da cidade. Fico

imaginando o que ele vai fazer para provar

que são inverdades as afirmações feitas

neste livro. .

A lista de deputados federais eleitos

em Mato Grosso do Sul tem ainda

Waldemir Moka-PMDB, Nelson Trad-

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63

PMDB, e Antonio Ferreira da Cruz Filho-

PP. Não tive a oportunidade de conversar

com nenhum deles sobre recursos

destinados a Dourados enquanto estive a

frente da Secretaria de Governo. Entre os 3

senadores do estado coletei suspeitas de

desvio de dinheiro contra o simpático

Delcídio do Amaral-PT. Não conversei

institucionalmente com a senadora Marisa

Serrano-PSDB e com o senador Valter

Pereira-PMDB. Ambos ficaram longe de

Dourados durante os 4 meses em que a

SEGOV ficou sob a minha

responsabilidade.

Já Delcídio do Amaral permaneceu

próximo, mas se esquivou de conversas

abertas sobre dinheiro. O mesmo cuidado

não tiveram assessores do senador,

empreiteiros e diretores da prefeitura.

Gravações deixam entender que o petisca

cobrou a sua parte num empréstimo de R$

33.000.000,00 (trinta e três milhões de

reais) feitos pelo município para o avanço

do serviço de drenagem nas regiões mais

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64

pobres da cidade. Benefício para 80 mil

pessoas em 40 bairros da periferia.

A liberação dos recursos envolveu até

o alto escalão do Ministério das Cidades.

De acordo com Ari Artuzi um secretário

influente exigiu um por cento do valor

liberado. O bolo seria dividido em três

partes:

Certa vez fui cobrado pela vereadora

Thaís Helena-PT, de Campo Grande. Ela e

o marido reclamaram do atraso do prefeito

em devolver o ''retorno'' a Delcídio do

Amaral. Os interesses do senador no entanto

não foram prioridade na conversa. “Farinha

pouca, meu pirão primeiro”. A vereadora

lembrou de uma dívida de R$ 200.000,00

(duzentos mil reais) que Artuzi teria com

ela. Ameaçou prejudicar o futuro político do

prefeito caso a conta não fosse quitada.

Aos 25 anos de idade a jovem

vereadora quebrou o cristal da transparência

que a protegia. Os constantes discursos

contra a corrupção na tribuna da Câmara

Page 65: A Mafia Passaia[1][1]

65

foram invalidados. Ela concordou desviar

recursos da Secretaria de Obras para saldar

o seu crédito. A dívida com a vereadora foi

contraída durante a última campanha

eleitoral. É o valor cobrado para que Thaís

apoiasse Artuzi na disputa pela prefeitura de

Dourados.

Diante das declarações e dos fatos

constatados, o Governo Federal poderia

rever os valores liberados para as

prefeituras. Se está sobrando dinheiro para

dividir entre os políticos é preciso exigir

que as obras tenham maior qualidade ou, os

valores liberados sejam menores.

Foi o que fez o Ministério da

Integração Nacional em junho de 2010. O

preço pago para cada metro de matéria

prima para a construção de asfalto foi 15

por cento menor do que o solicitado pela

prefeitura de Dourados. Não demorou nada

para que os prejudicados batessem as portas

do Ministério, que neste caso, não cedeu as

pressões.

Page 66: A Mafia Passaia[1][1]

66

SINDICATOS E CONSELHOS

TAMBÉM SE CORROMPEM

Se Dourados e outros municípios castigados

pela corrupção quiserem se ver livres desta

maldição, terão de repensar profundamente

como tem escolhido seus representantes.

Políticos se corrompem e ajudam a

corromper outras estruturas que deveriam

defender os direitos de categorias e

trabalhadores.

Assumi o Governo em plena

negociação salarial. Professores estavam em

greve e outros servidores ameaçavam cruzar

os braços. Chegamos a um acordo. A

reposição não foi como os funcionários

exigiam, mas atingiu índices maiores do que

pretendia a administração. Poucos dias

Page 67: A Mafia Passaia[1][1]

67

depois fui procurado pelo presidente do

Sindicato dos Servidores Municipais de

Dourados (SINSEMD) Romanci Venâncio

da Silva me apresentou uma conta

trapaceira, mas lucrativa para os cofres do

município.

Disse que ele poderia convencer os

servidores a aceitar reajustes menores no

próximo acordo salarial. Em troca queria

um emprego para o filho e um ''mensalinho''

de R$ 1.000,00 (mil reais). Seus argumentos

foram convincentes. Provou que a prefeitura

poderia economizar milhões. Os

prejudicados seriam os quase 6000

servidores municipais que deixariam de

receber salários mais justos.

As exigências pessoais do presidente

do Sindicato teriam custo de R$ 25.000,00

(vinte e cinco mil reais) por ano. Já o

reajuste de apenas 2 por cento na folha de

pagamento dos servidores concursados

representaria um impacto financeiro de mais

de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais)

Page 68: A Mafia Passaia[1][1]

68

no mesmo período. Artuzi aprovou

imediatamente a proposta de Romanci

Venancio.

O tráfico de influência também foi o

argumento usado pelo presidente do

Conselho Municipal de Saúde. João Alves

de Souza implorou por uma "teta" do

governo. Se vendeu por R$ 1.000,00 (mil

reais) mensais. Enquanto a saúde pública da

cidade experimenta uma de suas maiores

crises, o conselheiro que deveria fiscalizar

faz de conta que é míope.

Meio a tantos escândalos, parabenizo

a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores

em Educação (SIMTED). Nenhum diretor

jamais fez qualquer insinuação sobre o

pagamento de propinas ou deleite de

vantagens. José Carlos Brumatti preside a

entidade há vários anos. Gente assim

deveria ser eleita para as cadeiras da

Câmara Municipal. Quando faltam

vereadores que fiscalizam de verdade o

Page 69: A Mafia Passaia[1][1]

69

poder executivo, os ''ratos'' tomam conta da

casa.

No balaio da desonestidade cabem

ainda muitos líderes comunitários. Alguns

custam R$ 500,00 (quinhentos reais) por

mês, outros querem um emprego fantasma,

tem até quem se contente com cestas

básicas. Quanto maior o bairro que

representam, mais valiosos devem ser os

presentinhos oferecidos.

Para a administração pública o

investimento vale a pena. É a certeza de que

os protestos cessarão, afinal há sempre um

presidente de bairro ''amigo'' amenizando os

ânimos da população enganada por

promessas sem respostas.

Page 70: A Mafia Passaia[1][1]

70

FUNCIONÁRIO DO TRIBUNAL DE

CONTAS SE VENDE

Dois de julho de 2010, 15 horas e 45

minutos, o país lamenta a destruição de um

sonho. Os holandeses vingaram as

desclassificações impostas pelos brasileiro

nos mundiais de 94 e 98 . A falta de

confiança na seleção de Dunga era gritante,

mas no fundo, todos queriam acreditar no

Hexa. Quanto choro. O sofrimento dos

torcedores não me atingiu. Eram tensos os

dias que antecediam as prisões inevitáveis

da Operação Uragano. Minha imaginação

estava encarcerada na ação dos federais.

As duas colheres de sal colocadas na

nossa laranjada descortinaram um paralelo:

uma derrota nacional no esporte é mais

Page 71: A Mafia Passaia[1][1]

71

lamentada do que as perdas diárias que

sofremos para a corrupção. O resultado de

2x1 favorável a Holanda foi imperdoável.

As lágrimas derramadas feriram uma nação

inteira que exigiu o ''impeachment'' de

Dunga.

Mas e os bandidos de paletó, quando

vão ser vaiados de verdade e expulsos

definitivamente dos gramados da política?

O que nos faltam são as vuvuzelas. Falta

barulho, muito barulho. Somos coniventes

todas as vezes que nos calamos. Da mesma

forma que as cornetas africanas tiraram a

comunicação dos jogadores dentro de

campo, a cobrança pública e sistemática da

sociedade desarticulará qualquer jogada

ensaiada dos quadrilheiros.

E já que o futebol esta metaforizando

este capítulo, vamos reforçar a equipe de

Artuzi. Quinze minutos após o

encerramento da partida entre Brasil e

Holanda, um funcionário do Tribunal de

Contas do Estado (TCE) fez contato através

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72

do vereador Junior Teixeira. O vereador

propôs a contratação de mais um defensor

para a seleção do prefeito.

O encontro aconteceu no dia seguinte,

8 horas e 45 minutos, em frente a um hotel

da cidade. Trechos do diálogo deixam bem

claro que seria excelente para a

administração municipal negociar o passe

do novo ''jogador''.

- Sou o amigo do vereador JuninhoTeixeira,

do TCE.

- Opa, o Juninho pediu pra te dar R$

20.000,00 (vinte mil reais).

- Sim, sim. É a prestação de uma camioneta

que vendi pra ele.

- Ele me disse também que você quer

conversar sobre o Tribunal de Contas. Você

faz as vistorias das obras, certo?

Page 73: A Mafia Passaia[1][1]

73

- Faço sim, se a prefeitura for minha

parceira nunca vai ter problema comigo.

Não quero ferrar ninguém.

O primeiro contato foi apenas para

combinar o jogo para as próximas vistorias

de obras. O funcionário do TCE deixou

entender que se déssemos dinheiro a ele,

seus relatórios jamais apontariam qualquer

tipo de irregularidade durante as

fiscalizações.

Algo dito pelo conselheiro do

Tribunal de Contas me chamou a atenção.

Ele poderia encontrar ''problema''onde não

tem ou, fingir que não viu irregularidades

realmente existentes. A gravação está em

poder da Polícia Federal.

Creio que, a título de vingança,

alguém do TCE poderá reprovar a contas da

Secretaria de Comunicação durante o

período em que eu administrei a pasta. O

tempo dirá.

Page 74: A Mafia Passaia[1][1]

74

A DECADÊNCIA DE ARI ARTUZI

Ele era a esperança dos oprimidos. A

certeza de que vale a pena acreditar em dias

melhores. Muitos apostaram suas vidas que

Ari Artuzi seria um administrador diferente.

Humanista, perseverante, guerreiro.

Adjetivos não lhe faltavam. Vontade de

trabalhar também não. Assim o

conhecemos, assim o colocamos no poder.

Os mais chegados perguntam: o que

aconteceu com o nosso menino travesso?

Será que a arrogância e o orgulho o

aprisionaram? Ou sempre foi assim e nós

nunca havíamos percebido? Onde está o

homem simples que pedia votos de chinelo

de dedo e prometia justiça para todos?

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75

Vi pessoas chorando de decepção nas

ruas. Ouvi gritos de revolta na porta de

hospitais. Fui cobrado exaustivamente em

meu gabinete por credores cansados de

acordos não cumpridos. Senti vergonha de

ser chamado de o homem de confiança de

Ari Artuzi. Inevitavelmente precisei trair

alguém. Ou seria o prefeito que me deu a

oportunidade de administrar uma cidade

fantástica como Dourados, ou seria a

população desta cidade. Traí Artuzi. Mas

Artuzi traiu a todos nós.

No primeiro mês como chefe da

SEGOV criei uma série de ajustes

administrativos que foram do

remanejamento de pessoal ao corte de

despesas. Estabeleci uma meta de economia

de gastos de 20 por cento. Mas o dinheiro

continuou desaparecendo, só que por outro

ralo. Tudo o que sobrava nos cofres, Ari

Artuzi dava um jeito de desviar. O ex-

motorista de caminhão se tornou um

homem muito rico. Aprendeu rápido como

arrancar merenda de crianças, remédios de

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76

doentes e cestas básicas dos pobres. Nem a

Secretaria de Assistência Social escapou de

suas ações criminosas.

Quando ficou sabendo que sobravam

R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) no

orçamento da Secretária de Serviços

Urbanos (SEMSUR) o prefeito fez um

acordo com uma empresa credora. A

Financial Construtora Industrial LTDA

cobrava uma dívida de R$ 370.000,00

deixada pela antiga administração. Foi o

restante da última fatura do serviço de

coleta de lixo da cidade. Como o valor

poderia virar precatório, possibilitando que

o pagamento se estendesse por anos, Artuzi

decidiu tirar vantagem. Pediu R$

120.000,00 (cento e vinte mil reais) como

''retorno'', dos quais R$ 20.000,00 (vinte mil

reais) seriam entregues ao vereador

licenciado Marcelo Hall-PR, responsável

pela SEMSUR. O negócio foi concretizado.

Outro exemplo de como Ari Artuzi

arrebanhava dinheiro está na compra de um

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77

terreno no jardim Novo Horizonte. A

prefeitura pagou R$ 560.000,00 (quinhentos

e sessenta mil reais) pela área de 8 hectares

para a construção de casas populares. O

antigo dono concordou em devolver R$

80.000,00 (oitenta mil reais) a Artuzi.

Quando contrariado sobre o ''retorno''

desejado, o prefeito chegou a tomar

medidas duras. É o caso de uma área nobre

ao lado da BR 163. O município

desapropriou 10 hectares por um preço bem

abaixo do mercado. Pagou apenas R$

300.000,00 (trezentos mil reais), deixando o

antigo proprietário enfurecido.

Nem a morte amedronta a ganância

de Artuzi. O empresário Ronei Dutra

Sanches, interessado em explorar o serviço

funerário na cidade, recebeu a proposta

imoral de Sidnei Donizete Lemos Heredias,

um dos ''laranjas'' do prefeito, de trocar o

alvará de funcionamento pela propina de R$

300.000,00 (trezentos mil reais). Só assim

Artuzi se sentiria encorajado a estremecer o

seu relacionamento com Sizuo Uemura, o

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78

homem que há quase duas décadas cuida

sozinho de ''nossos mortos''. Mas Ronei

Dutra enterrou qualquer possibilidade de

comprar o alvará. Briga na justiça até hoje

para que a prefeitura libere a documentação.

A abertura da concorrência aliviaria o

fardo das famílias mais pobres. Com o

monopólio das funerárias concentrado nas

mãos dos Uemura, os caixões mais baratos

custam em Dourados R$ 1.200,00 (mil e

duzentos reais). Os mesmos modelos valem

pouco mais de R$ 200,00 (duzentos reais)

em outros municípios. A família japonesa

oferece todos os demais produtos

necessários para o funeral. Das velas, ao

aluguel da capela, passando inclusive pela

locação do carro que transporta o caixão. Os

preços são de ''matar'' e nada pode ser

comprado em outra empresa.

Uma amiga no início deste ano

precisou enterrar a tia. Contratou o pacote

mais simples oferecido pela Funerária Bom

Jesus. Pagou R$ 2.950,00 (dois mil,

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79

novecentos e cinquenta reais). Fez um

empréstimo no banco sob a ameaça de

cobradores que exigiam a liquidação da

fatura. Esporadicamente a funerária dá

caixões às famílias mais miseráveis. Uma

forma de marketing para aliviar a fama de

mau de Sizuo Uemura, o homem mais

temido e perigoso da região.

Nos últimos 20 anos, em Dourados,

apenas 2 empresários tiveram a audácia de

combater o monopólio do serviço funerário.

Misteriosamente ambos foram assassinados.

Ronei Dutra Sanches é a nova esperança.

Encontrou um prefeito corajoso, disposto a

enfrentar seus patrocinadores de campanha.

Pena que Artuzi precise de 300 mil motivos

''reais'' para mostrar que quer ajudar a

população a usufruir de serviços e produtos

mais baratos.

Sem saber que estava prestes a ser

traído por Ari Artuzi, Sizuo Uemura me

procurou no início de agosto de 2010. Pediu

para impedir o andamento de qualquer

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80

documentação que beneficiasse o grupo

concorrente. O filho Eduardo ofereceu,

inclusive, propina para os funcionários

responsáveis em liberar os alvarás. A vida

de uma cidade inteira sofre os efeitos da

corrupção de uma família até na hora da

morte.

O prefeito douradense descobriu

outro caso de amor entre o dinheiro e o

poder. Percebeu que a sua assinatura era

capaz de abrir os bolsos de muitos

empresários. Em julho de 2010 recebeu R$

20.000,00 (vinte mil reais) do usineiro

Celso Dal Lago. Foi o valor cobrado por

Artuzi para sancionar a lei municipal que

deu permissão as usinas de álcool para

queimar a palha da cana durante a colheita.

O usineiro reclamou que a lei havia ficado

cara demais, pois também foi obrigado a

recompensar a generosidade dos vereadores,

que cobraram R$ 70.000,00 (setenta mil

reais) pela criação do projeto de lei.

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81

- O Ari e o Sidlei Alves vieram aqui na

minha casa combinar o jogo. Tá fácil fazer

o esquema, é só não dá importância a

pressão dos ambientalistas - aconselhou Dal

Lago.

Depois que mediu o peso de ouro de

sua rubrica, o ''chefão'' de Dourados ficou

cada vez mais ousado. Para renovar por

mais 1 ano o contrato com a GWA

Transportes LTDA, responsável pela

condução dos estudantes da zona rural, Ari

não fez cerimonia. Exigiu a quantia de R$

200.000,00 (duzentos mil reais) por sua

assinatura no contrato com valor mensal de

R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil

reais) para os cofres públicos. Adilson

Osiro dono da GWA, reclamou na véspera

da Operação Furacão que desde o início de

2009 deu R$ 1.500.000,00 (um milhão e

meio de reais) ao prefeito. Por razões como

estas boa parte das prefeituras prefere

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82

terceirizar o transporte escolar, ao invés de

comprar ônibus e realizar os serviços.

Coincidentemente a empresa

responsável pelo transporte coletivo de

Dourados também precisou estimular a boa

vontade de Artuzi. A Medianeira

Transportes limitada solicitou em agosto de

2010 a renovação por mais 5 anos da

concessão pública que dá direito a

exploração do serviço. Paulo e Marcelo

Saccol, donos da empresa, me garantiram

que deram dinheiro a Ari Artuzi e aos

vereadores, porém sem especificar os

valores.

Ao abrir a sua mala preta, Paulo

Saccol tinha dois maços de notas de R$

100,00 (cem reais) com o meu nome. Me

entregou R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A

propina foi comunicada a Polícia Federal e

depois usada para o pagamento dos

vereadores. Foi com parte deste dinheiro

inclusive que paguei a benignidade de

Marcelo Barros.

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83

MAIS DE 20 ANOS DE CORRUPÇÃO

O limite real de tolerância de uma

comunidade termina quando a indignação

ocupa seu espaço. Em Dourados os eleitores

já deram sinais de que clamam por

mudanças. Procuramos pessoas capazes,

com disposição para alcançar o sucesso.

Trocamos nomes e partidos mas

continuamos tropeçando na busca por um

líder. Talvez aí esteja o nosso grande erro.

Precisamos de lideranças com valores, e não

pré-dispostas ao sucesso.

Um breve tour pelo passado mostra o

quanto já fomos enganados. Os primeiros

negócios dos Uemura com a Prefeitura de

Dourados foram assinados na época em que

Braz Melo era prefeito, entre 1988 e 1991.

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O cargo foi entregue a Humberto Teixeira

em 1992. O filho, vereador Junior Teixeira,

sempre deixou entender que o pai também

entrou na fila dos gestores corruptos. No

mandato de ''Teixeira Pai'' o município

recebeu dinheiro para a construção da

Perimetral Norte. A obra foi orçada

recentemente em R$ 30.000.000,00 (trinta

milhões de reais). Sem explicação os

recursos desapareceram dos cofres da

prefeitura e nenhum metro de estrada foi

pavimentada.

O mandato seguinte foi ocupado mais

uma vez por Braz Melo, que até hoje

responde processos por improbidade

administrativa.

Laerte Tetila-PT surge como o novo

comandante municipal em 2001. Homem

ponderado, de voz mansa e estilo refinado,

ficou no poder até o final de 2008. Estaria

acima de qualquer suspeita não fossem os

deslizes cometidos pelo filho. André Tetila

foi preso pela Polícia Federal durante a

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85

Operação Owari. As investigações o

apontam como um dos líderes do esquema

que fraudava licitações enquanto o pai era

prefeito.

Gravações feitas com o empresário

Eduardo Uemura, ex-secretários da

prefeitura e empreiteiros também colocam

Laerte Tetila em saia justa. Ele é

reverenciado por quadrilheiros. Eduardo

Uemura chegou a afirmar uma vez que

nunca viu homem tão sério quanto Tetila.

Seriedade neste caso tem uma interpretação

diferente do que entende a justiça. No

mundo do crime é a pré-disposição a

repartir os recursos disponíveis para o

desenvolvimento da cidade.

Ari Artuzi jogou no lixo a chance de

ser herói e virar uma página manchada da

história do município. A soma de todos os

mandatos mencionados anteriormente

totaliza quase 22 anos de escravidão

financeira.

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Casas luxuosas no lugar de moradias

populares. Carrões modernos em vez de

viaturas para a Guarda Municipal ou

ambulâncias. Fazendas adquiridas com o

dinheiro que deveria ter sido usado para o

desfavelamento da periferia.

Viagens ao exterior patrocinadas com

o dinheiro retirado do treinamento de

servidores. Perdemos bastante, porque

''combatemos'' pouco. Muitos morreram a

espera do atendimento médico. Outros sem

a honra da casa própria. E alguns sufocados

pela pobreza.

Os medicamentos formam um dos

grades gargalos por onde desce muito

dinheiro. Mesmo amparadas pela lei federal

que permite a compra diretamente dos

laboratórios, e sem licitação, todas as

administrações mencionadas neste capítulo

preferiram adquirir de distribuidoras a

maioria dos remédios que abasteceram

hospitais, postos de saúde e farmácias

populares. Além da obrigação do processo

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licitatório, o que quase sempre é demorado,

os custos nestes casos chegam a ficar 400

por cento mais caros, já que as

distribuidoras revendem o que compram dos

laboratórios.

Se o fornecimento fosse feito apenas

pelos laboratórios, os recursos seriam

suficientes até para os medicamentos de alto

custo. Não haveria mais falta de remédios, o

que seria um grande alívio para quem está

sempre acompanhado da dor. O fator

desmotivante no entanto, é que os

laboratórios não dividem o lucro, nem

aceitam superfaturar as notas fiscais. Em

Dourados várias campanhas eleitorais foram

pagas com dinheiro das distribuidoras. Em

2008, na gestão de Laerte Tetila, as

empresas da família Uemura negociaram

mais de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de

reais) em medicamentos com o município.

O quadro pendurado na história

vergonhosa de Dourados também é pintado

pela Camara de Vereadores. No final de

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2009 o presidente Sidlei Alves-DEM,

gastou muito dinheiro com publicidade ao

divulgar a devolução de R$ 3.000.000,00

(três milhões de reais) para a prefeitura.

Dizia a lenda tratar-se de uma gestão séria e

transparente que havia conseguido

economizar recursos destinados ao

legislativos nos últimos 12 meses.

Na verdade o que houve foi um

acordo criminoso firmado no início do ano

passado entre o secretário de governo Darci

Caldo e o presidente da Casa de Leis. Ao

vereador foi assegurado de que receberia

por baixo dos panos 30 por cento do

montante devolvido. A Secretaria de Obras

"lavou" o dinheiro. Os esquemas eram

concentrados nas obras de tapa-buraco e

recapeamento. Por este mesmo motivo o

município nunca gastou tanto com os

serviços, que chegaram a atingir valores

próximos a R$ 800.000,00 (oitocentos mil

reais) por mês.

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Sidlei Alves levou a sua parte

estabelecida no acordado e ficou R$

900.000,00 (novecentos mil reais) mais

rico. Artuzi garantiu várias vezes que fez

um excelente negócio, afinal comprou o

apoio do vereador do DEM usando o

dinheiro que ''pertencia'' aos próprios

parlamentares. Diante de todos estes fatos

fica uma certeza, se está sobrando verba, os

vereadores devem ser obrigados a se

explicar melhor sobre como gastam o nosso

dinheiro.

O amigo leitor deve ter ficado

enojado ao saber como certos gestores tem

administrado os impostos e tributos

recolhidos sistematicamente. Que os relatos,

no entanto, não sirvam para desanimar e

sim, encorajar cada brasileiro a exigir

mudanças. Há uma esperança. Não está

num homem. Muito menos num partido

revolucionário. Se escolhas mal tomadas

nos provaram que não podemos confiar no

individualismo, podemos então apostar na

coletividade de nossas idéias e ações.

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Podemos ser o gato que vigia a dispensa.

Não há rato que encare os olhos atentos de

um bichano faminto.

NOVO JEITO DE GOVERNAR

O velho ditado que afirma que quem vê cara

não vê coração, se encaixa perfeitamente

com a política. A sabedoria popular mostra

que é impossível para o homem

esquadrinhar o que realmente pensam os

candidatos. Resta-nos então dar uma olhada

na ficha de cada concorrente e analisar as

propostas de trabalho.

Aprendi na Secretaria de Governo

que tipo de procedimentos tornam as

licitações mais transparentes e justas.

Havendo preocupação com os gastos

públicos, as compras podem ser feitas

através do pregão presencial. A modalidade

de licitação reúne em data e local pré-

definidos, todas as empresas interessadas

em fechar contrato com a prefeitura. Uma

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espécie de leilão entre os concorrentes

determina os vencedores. Ganham as

propostas com os preços mais baixos.

Grande parte dos processos que solicitam a

compra de produtos ou a contratação de

serviços, pode ser feita através do pregão

presencial.

Mas as administrações corrompidas

evitam este tipo de modalidade licitatória.

Deixam claro que o desejo não é comprar

pelo menor preço, e sim, favorecer os

''parceiros'' que inflacionam os valores

cobrados e repartem os lucros. Para

certificar o sucesso de processos

fraudulentos, os responsáveis pelos setores

de licitação fazem tudo para esconder

informações. Artuzi chegou a ordenar que o

site da prefeitura fosse tirado do ar por 3

dias, apenas para impedir o acesso ao Diário

Oficial online, onde são publicados os

editais.

Um bom exemplo de como rejeitar

estas práticas criminosas vem de prefeituras

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da região sul do país. Moradores criam

conselhos comunitários responsáveis por

acompanhar bem de perto cada processo

licitatório. Do início ao fim de cada

processo, a marcação não dá espaço para os

mal intencionados. Até a entrega dos

produtos é acompanhada para conferir

quantidade, qualidade e preço discriminados

nas notas fiscais.

Proponho que a idéia dos conselhos

comunitários seja adotada por todas as

prefeituras do Brasil. O administrador que

dificultar a participação dos moradores deve

ser considerado suspeito. É hora de

despertar para uma nova postura dos líderes

comunitários brasileiros. Presidentes de

bairros devem se preocupar muito mais em

se infiltrar no setor público para dar pitaco

onde devem, do que incitar a população a

crucificar seus governantes.

Quando há cobrança sistemática de

como são investidos os recursos para a

manutenção da rede de iluminação pública

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por exemplo, dificilmente um grupo de

moradores precisa protestar contra a

escuridão. Que xingar político em praça

pública, jamais seja confundido com

combater a corrupção. Mandar prefeito e

vereadores para cadeia também não

significa moralização. Prender os corruptos

é apenas uma questão de justiça. Vamos

mudar o jeito de governar dos nossos

administradores, quando repensarmos

primeiro, o nosso jeito de participar das

gestões públicas.

Fomos vítimas de Artuzi, dos

vereadores e de seus antecessores. Mas eles

também foram vítimas de nossa omissão. O

silêncio pode ter encorajado aqueles que

não se arriscariam tanto se tivessem sido

fiscalizados. Nossa grande missão será

apresentar uma nova plataforma aos eleitos

pelo povo. Que se sintam vigiados.

Motivados a ousar, mas com o dever de

prestar contas de seus atos. Se forem

tímidos, poderemos encorajá-los. Se faltar

instrução, provaremos que é a hora de pedir

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conselho aos anseios da comunidade. Só

não temos o direito de cobrar nada disso,

enquanto formos meros espectadores.

O combate a corrupção está em

nossas mentes.

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FINAL

Não fui bom o bastante como investigador.

Descobriram minhas gravações 3 semanas

antes da Operação Uragano. Todos se

afastaram de mim, menos Artuzi,

imaginando que a minha intenção era

apenas usar os vídeos para aliviar a extorsão

dos vereadores. Ninguém suspeitou que as

gravações já estavam em poder da Polícia

Federal.

O vice-prefeito Carlinhos Cantor

conversou comigo a respeito do assunto.

- Cuidado meu irmão. Vai ser o seu fim na

cidade se você realmente estiver gravando a

gente. Pensa bem - Alertou Cantor.

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96

Ele disse ainda que eu não

encontraria mais emprego no meio político

e as portas dos veículos de comunicação se

fechariam para mim.

Carlinhos está equivocado. Ainda

restam políticos éticos. Quanto a imprensa,

apesar de colegas desleais como Valfrido

Silva, acredito na maioria dos meus

companheiros de trabalho. O vice de Ari

também desafinou quando disse que seria o

meu fim em Dourados. Não é. Prefiro ficar

e olhar nos olhos de meus desafetos, do que

viver fugindo sob a sombra da covardia.

Não encerraria esse livro sem

desfazer toda a confusão semeada por

Valfrido Silva Melo. Erra quem pensa que

não o perdoei. A mágoa já foi lavada, mas

preciso encarar a sociedade lá fora de

cabeça erguida.

Procuraria Vafrido onde estivesse,

mas ele veio até mim. Chegou sem avisar.

Procurou a mim em minha sala, na

prefeitura.

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- Quanto tempo Passaia!

- Verdade Valfrido, só nos vemos em seu

blog não é?

- Ha sim, mas as coisas podem mudar.

Conversamos por quase meia hora

sobre política. Ele reclamou que o filho

bateu o carro e precisava de um novo. A

mensagem não deixou dúvida, ele queria se

''entregar". Precisava de dinheiro e estava

disposto a negociar seus textos. Foi uma

gravação tensa, me provocou mais

nervosismo do que os registros feitos com a

"máfia nipo-brasileira".

- Mas e ai Valfrido, quer que o Artuzi te

pague o carro.

- Sim, o Tetila me deu um carro na

administração passada.

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- Por isso então você era tão bonzinho com

ele? - perguntei num tom irônico.

- Eu era amigo do Tetila, posso ser teu

amigo e do Ari também poxa!

- Então vamos deixar claro: eu pago o carro

e o seu blog não ataca mais a gente?

- É isso - confirmou Valfrido.

Disse a ele que pensaria a respeito. Nos

despedimos e nunca mais atendi as suas

ligações. Não irei processá-lo por calúnia ou

difamação. Não me importarei mais com

novos ataques. Já provei quem é quem na

triste história da era Artuzi. Minha conversa

derradeira com Valfrido Silva me devolveu

o que havia perdido há alguns meses: um

coração livre.

Antes de ser calado pelo ponto final,

preciso lembrar que não fiz tudo isso por

vingança. A vida pode até ser curta, mas

precisa ter uma bela história. E uma bela

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história não depende de um personagem

cheio de sucesso, precisa apenas estar

cercada de pessoas com valores morais. Se

vivermos com justiça, morreremos com

honra. Vida longa a todos nós.

Obrigado Dourados!