a. m. hespanha, as estruturas políticas modernas, 1995

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2001_As estruturas politicas em Portugal na epoca moderna .doc (25-12-2003 14:07:00) 1 ANTÓNIO MANUEL HESPANHA * , AS ESTRUTURAS POLÍTICAS EM PORTUGAL NA ÉPOCA MODERNA + . Talvez não haja história mais difícil de fazer do que a História da Época Moderna. Não é que existam “fontes a menos”, como acontece, frequentemente, na História Antiga ou na História Medieval. Por outra palavras, o problema dos historiadores que se dedicam a este período não é o de se saber pouco sobre ele. É antes o de, aparentemente, se “saber demais”. Na verdade, o comum das pessoas tem imensas ideias feitas sobre uma série de coisas que se passaram na Época Moderna, sobretudo em Portugal. A história que se fez desde há séculos - por vezes quase desde o momento em que os factos se passaram - fixou no senso comum uma série de imagens, que hoje estão tão enraizadas que custa muito removê-las ou mesmo apenas revê-las. Por exemplo, ao falar das grandes figuras da história de Portugal, desde D. Sebastião até ao Marquês de Pombal, passando por Vasco da Gama, o Infante D. Henrique ou D. João V, é evocada toda uma série de imagens, de sentimentos, de apreciações ou, mesmo, de elementos iconográficos, muitos dos quais hoje se sabe já não corresponderem a qualquer verdade histórica. Neste sentido, a história banaliza-se, torna-se uma galeria de representações esperadas e já sabidas. A melhor maneira de fazer história é romper com estes lugares comuns, procurando retratos mais libertos dos nossos sentimentos e do nosso saber intuitivo. Mas, também, da nossa actual maneira de sentir, de pensar, de agir e de reagir. Então, o passado surge-nos como algo de diferente e de inesperado, que documenta a variedade histórica dos homens e das culturas. O mundo actual, se estivermos atentos à sua diversidade, já nos dá conta de que os homens são muito diversos, como muito diversas são as suas formas de viver e de conviver. A história, contada como um relato da diversidade, não faz senão aumentar essa riqueza do humano, mostrando-nos outras formas de viver, de sentir a vida e de organizar. Nesse sentido, ela constitui uma galeria, não de tipos familiares e previsíveis, mas de tipos estranhos e inesperados. Os nossos trisavós, de que a História Moderna se ocupa, eram, de facto, uns sujeitos bizarros, com os quais teríamos seguramente muita dificuldade em nos entendermos. 1 . 1. A ordem social como ordem natural. * Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa; Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected]. + As obras citadas, são-no, de forma abreviada (que pode ser completada com recurso à bibliografia final. 1 Para ir mais além: António Manuel Hespanha, "Para uma teoria da história político- institucional do Antigo Regime", cit., 7-90; Poder e instituições no Antigo Regime. Guia de estudo, cit., 1992, 128 pp..

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ANTÓNIO MANUEL HESPANHA *, AS ESTRUTURAS POLÍTICAS EM PORTUGAL NA ÉPOCA MODERNA +.

Talvez não haja história mais difícil de fazer do que a História da Época Moderna. Não é que existam “fontes a menos”, como acontece, frequentemente, na História Antiga ou na História Medieval. Por outra palavras, o problema dos historiadores que se dedicam a este período não é o de se saber pouco sobre ele. É antes o de, aparentemente, se “saber demais”.

Na verdade, o comum das pessoas tem imensas ideias feitas sobre uma série de coisas que se passaram na Época Moderna, sobretudo em Portugal. A história que se fez desde há séculos - por vezes quase desde o momento em que os factos se passaram - fixou no senso comum uma série de imagens, que hoje estão tão enraizadas que custa muito removê-las ou mesmo apenas revê-las. Por exemplo, ao falar das grandes figuras da história de Portugal, desde D. Sebastião até ao Marquês de Pombal, passando por Vasco da Gama, o Infante D. Henrique ou D. João V, é evocada toda uma série de imagens, de sentimentos, de apreciações ou, mesmo, de elementos iconográficos, muitos dos quais hoje se sabe já não corresponderem a qualquer verdade histórica. Neste sentido, a história banaliza-se, torna-se uma galeria de representações esperadas e já sabidas.

A melhor maneira de fazer história é romper com estes lugares comuns, procurando retratos mais libertos dos nossos sentimentos e do nosso saber intuitivo. Mas, também, da nossa actual maneira de sentir, de pensar, de agir e de reagir. Então, o passado surge-nos como algo de diferente e de inesperado, que documenta a variedade histórica dos homens e das culturas.

O mundo actual, se estivermos atentos à sua diversidade, já nos dá conta de que os homens são muito diversos, como muito diversas são as suas formas de viver e de conviver. A história, contada como um relato da diversidade, não faz senão aumentar essa riqueza do humano, mostrando-nos outras formas de viver, de sentir a vida e de organizar. Nesse sentido, ela constitui uma galeria, não de tipos familiares e previsíveis, mas de tipos estranhos e inesperados. Os nossos trisavós, de que a História Moderna se ocupa, eram, de facto, uns sujeitos bizarros, com os quais teríamos seguramente muita dificuldade em nos entendermos.1.

1. A ordem social como ordem natural.

* Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa; Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected].

+ As obras citadas, são-no, de forma abreviada (que pode ser completada com recurso à bibliografia final.

1 Para ir mais além: António Manuel Hespanha, "Para uma teoria da história político-institucional do Antigo Regime", cit., 7-90; Poder e instituições no Antigo Regime. Guia de estudo, cit., 1992, 128 pp..

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A Época Moderna herda do período medieval a ideia de que existe uma ordem universal (cosmos), abrangendo os homens e as coisas, e fixando uns e outras a um curso quase tão forçoso e inevitável como a sequência das estações do ano ou o fluir dos acontecimentos naturais. Tratava-se, afinal, de uma sociedade de fortes raízes camponesas, habituada aos ritmos monótonos da vida natural; e, para além disso, de uma sociedade tradicionalista, onde a vida comunitária tinha hábitos longamente estabelecidos, cuja observância era tida como obrigatória. A própria Bíblia, que era lida tanto por católicos como por protestantes, parecia confirmar esta ideia de que tudo estava organizado desde a origem, ao relatar a Criação do Mundo e o modo como Deus teria ordenado as criaturas, animadas e inanimadas, umas para as outras e todas para a Sua glória.

Também a organização da cidade (a “política”) tinha como fundamento esta ordem divina da Criação. Apesar de se reconhecer que os membros de cada comunidade podiam estabelecer algumas normas particulares de organização política, pensava-se que a generalidade das regras de vida em comum (a “constituição social”, digamos) estavam fixadas pela natureza. A sociedade - dizia-se então - era como corpo, em que a disposição dos órgãos e as suas funções estava definida pela natureza.

Assim, era da natureza das coisas que os súbditos seguissem os ditames dos governantes, que estes tivessem que governar em vista do bem comum, que a mulher obedecesse ao marido, que o casamento fosse monogâmico e indissolúvel, que os poderosos protegessem os mais fracos, que os amigos ou parentes se favorecessem mutuamente. Os juristas - que, então, eram aqueles que pensavam a organização política - identificavam a justiça com o respeito por estes equilíbrios sociais.

Esta ideia do carácter natural da constituição social - i.e., de que a organização social depende, no fundamental, da natureza das coisas - faz com que se atenue muito a importância da ideia de indivíduo e de vontade.

Na verdade, as leis fundamentais (a "constituição") de uma sociedade (de um reino) dependeriam tão pouco da vontade como a fisiologia do corpo humano ou a ordem da natureza. Não era, de facto, a vontade humana - nem a dos governantes, nem a dos governados - que definia o que era justo ou injusto, o que era lícito ou ilícito, o que era politicamente possível ou impossível. Pelo contrário, o justo, o lícito e o politicamente possível estavam definidos numa ordem do mundo anterior e superior à vontade dos homens, mesmo dos monarcas. O indivíduo não estava, assim, na origem da constituição política ou da organização social; era esta, pelo contrário, que lhe atribuía um determinado papel social ou um certo conjunto de direitos e deveres.

São estas ideias - então muito difundidas por teólogos e por juristas - acerca da relação entre ordem político-social e natureza que explicam algumas das características mais notórias das sociedades de Antigo Regime. Por exemplo, que o título de rei passe de pais para filhos, como qualquer característica natural que se transmite pelo sangue, sem intervenção da vontade dos súbditos. Ou que os poderes do rei não dependam da sua própria vontade, mas das funções que a natureza atribui aos governantes em vista da realização do bem comum. Ou que os direitos e deveres dos membros da comunidade doméstica nem sequer possam ser modificados por lei, uma vez que decorrem de uma natureza da

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família que se considera estar acima da lei do rei. Ou, finalmente, que o uso das coisas que são de nossa propriedade não dependa do nosso arbítrio, mas dos fins para que a natureza no-las deu, em vista, não apenas do nosso interesse, mas também dos interesses da comunidade.

Era este ideal de vida honesta - isto é, de vida conforme à natureza das coisas - que explica a antipatia com que a sociedade tradicional recebe as novas ideias, que começam a surgir no Renascimento, de que o indivíduo está no centro do mundo e de que toda a constituição social e política há-de depender da sua vontade 2. A estes temas da ordem como equilíbrio desigual, da mobilidade social e do individualismo dedicaremos os números seguintes.

2. O individualismo.

Os séculos XV e XVI são épocas de grandes modificações nos horizontes culturais e sociais europeus. A Reforma quebra a unanimidade religiosa, o Renascimento provoca uma mudança nos modelos do gosto e também nas referências culturais. Os Descobrimentos tornam conhecidos outros mundos e outras culturas, algumas delas totalmente desconhecidas até então, outras radicalmente diferentes da europeia. Muito do que parecia indiscutível e natural, revela-se problemático e artificial. Nestas circunstâncias, torna-se muito difícil continuar a acreditar numa ordem estável do mundo, onde cada coisa tenha um lugar fixo, insensível às mudanças dos tempos ou das latitudes.

Parece, agora, que é mais sensato pensar a ordem social, não como o reflexo de uma ordem natural forçosa, mas como baseada em acordos artificiais e provisórios, a que os homens vão chegando, para, em cada conjuntura política, evitar a anarquia originária e estabelecer a paz.

Em contraste com a sensibilidade política anterior, isto significava desligar a ordem da sociedade de qualquer ordem natural ou metafísica. Ou seja, significava pensar que o estado de natureza - em que os homens estavam, antes de acordar nessas bases de convivência (contrato social) - não era um estado de harmonia natural, como antes se tendia a julgar, mas um estado de anarquia e de guerra de todos contra todos.

Por detrás desta ideia pessimista acerca da natureza humana está, seguramente, o traumatismo das guerras sociais e de religião que assolaram a Europa durante o séc. XVI, mas também uma nova ideia de acerca da natureza do homem.

Este deixa de ser considerado como uma peça na grande máquina do Universo, mas antes como um elemento auto-determinado e dinâmico, possuindo uma energia própria. Isto levá-lo-ia a afirmar-se perante os outros, a tentar modelar as relações sociais e políticas de acordo com os impulsos da sua vontade e a apropriar-se das coisas externas de modo a transformá-las em suas próprias.

2 Desenvolvimentos: Ângela Barreto Xavier e A. M. Hespanha, "A representação da sociedade e do poder", cit., 121-145.

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Este novo individualismo destrói completamente a ideia anterior de que a ordem social e política é independente e superior à vontade. Pelo contrário. A constituição da sociedade é agora vista como sendo o produto de um pacto, cujas cláusulas apenas dependem da vontade dos contraentes. Daí que todos os governos estabelecidos (ou seja, aceites, expressa ou tacitamente) sejam, em princípio, justos.

Por isso é que o individualismo - e contratualismo que daí decorre - pôde dar origem a vários tipos de regime, por vezes radicalmente diferentes quanto à maneira de entender as relações entre os cidadãos e o poder.

Nuns casos, o contratualismo veio a legitimar principados absolutos - como as várias manifestações de despotismo esclarecido típicas da segunda metade do séc. XVIII - por se entender que, no pacto social, os cidadãos tinham transferido todos os seus poderes originários para os governantes (contratualismo absolutista), ficando o príncipe livre de qualquer sujeição ou limite. Noutros casos, o contratualismo legitimou regimes de poder limitado, liberais ou democráticos, como os que surgiram em Inglaterra na sequência da Glorious Revolution, das revoluções Americana e Francesa ou das revoluções liberais dos finais do séc. XVIII e inícios do séc. XIX. Por se poder entender que o conteúdo do contrato social nunca poderia contrariar os objectivos últimos pelo qual ele teria sido celebrado, ou seja, instaurar uma ordem social e política que permitisse ao máximo a realização dos impulsos de cada um, devendo por isso os direitos naturais permanecerem eficazes mesmo depois de constituído um governo.

Mas não é apenas no plano da constituição política e do regime de governo que o individualismo marca a fase final da Época Moderna. Pode dizer-se que isto se passa em todos os domínios da vida social. Todas as relações sociais passam a ser tidas como desprovidas de qualquer núcleo “natural” e, por isso, livremente modificáveis pela vontade. Um bom exemplo é o do casamento, que começa a ser visto como um simples contrato e, por isso, dissolúvel por vontade das partes. E, na verdade, o divórcio passa a ser progressivamente admitido (em França, a partir de 1804, com o Code civil, de Napoleão). Outra manifestação desta concepção individualista é o novo modo de conceber a propriedade das coisas. Se esta antes estava limitada por uma série de direitos da comunidade, como os usos colectivos (de pastoreio, de caça, por exemplo) ou os direitos dos vizinhos (servidões de passagem, por exemplo), agora ela é concebida como um direito absoluto sobre as coisas próprias, sem quaisquer restrições impostas ou pelos interesses comunitários ou pela solidariedade social (propriedade capitalista) 3.

3. Um “Estado moderno”?

3 Para ir mais além: Luís Reis Torgal, Ideologia política, cit..; Luís Cabral de Moncada, "Origens do moderno direito português ...”; Angela Barreto Xavier e A. M. Hespanha, "A representação da sociedade ...”, cit., 121-145.

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É esta configuração do poder que se costuma designar por “Estado Moderno”.

A questão da existência ou não de um “Estado moderno” ou da cronologia da sua instituição está ligado a um certo contexto da reflexão sobre a sociedade e o poder. Nos meados do século passado, Karl Marx caracterizou o advento da modernidade (capitalista) pela separação entre a esfera da política e a esfera da economia. Ao passo que, no modo de produção feudal, a exploração económica se fazia por processos políticos (cobrança da “renda feudal”), no capitalismo a drenagem da mais valia para as classes exploradores realiza-se no âmbito da economia, constituindo a política apenas a moldura externa do processo de exploração. Com isto, põe-se termo à confusão entre propriedade e autoridade que teria caracterizado o sistema feudal, separando-se o “Estado” da “sociedade civil”. Por outras palavras, o marxismo reserva o conceito “Estado” para a descrição de um modelo em que a política formalmente se destaca do processo de exploração, emergindo como (pretensa) portadora de interesses gerais ou supra-classistas. Por outra lado, e ainda na segunda metade do mesmo século, a teoria jurídica e política começou a adoptar um estilo de análise política que se preocupava menos com a conjuntura - com a análise “évènementielle” da cena política - do que com as estruturas do político, nomeadamente com os grandes princípios (axiomas, conceitos) da teoria constitucional. Foi a isto que se chamou a adopção do “método jurídico” pela teoria constitucional alemã, francesa e italiana das últimas décadas do século. Para esta, a modernidade teria consistido na instauração de um modelo novo de desenhar o poder, de acordo com o qual um único pólo político se arrogava o monopólio de poder em relação a uma comunidade territorial - um povo, um território, um Estado, um direito. A partir daqui, o conceito de Estado ganha uma nova referência - a de um poder político único e exclusivo sobre uma “sociedade civil”, ou seja, uma sociedade que é palco de relações e de interesses meramente privados.

Já no nosso século, Max Weber completa a carga conceptual da palavra “Estado”. Partindo da sua tipologia de modelos políticos - o modelo “carismático”, o modelo “tradicional”, o modelo “legal-racional” -, Weber reserva o conceito de Estado para este último, que seria o modelo típico da modernidade em termos políticos. O Estado constituiria, assim, uma forma de organização do poder caracterizada pela racionalidade, generalidade e abstracção. Uma forma racional de organizar (a “burocracia”, a “racionalização territorial”, a selecção “meritocrática”), uma forma abstracta e geral de regular (o “direito igual”), um modelo também impessoal de participação política (a “democracia representativa”).

A palavra “Estado” é, assim, tudo menos um termo vazio de sentidos. Nele está deposta uma carga semântica pesadíssima, marcada por pensadores muito influentes na história do pensamento político contemporâneo. Dessa carga fazem parte algumas ideias força, de resto parcialmente sobreponíveis:

• o Estado foi a entidade que separou o público do privado, a autoridade da propriedade, a política da economia;

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• o Estado foi a entidade que promoveu a concentração de poderes num só pólo e que, por isso, eliminou o pluralismo político típico do Antigo Regime;

• o Estado foi a entidade que instituiu um modelo racional de governo, funcionando segundo normas gerais e abstractas.

Já se vê, a partir daqui, o que é que implicitamente se assume quando se utiliza a palavra “Estado”.

É a consciência do peso destas assunções e do modo como elas podem deformar a apreensão do passado que fez surgir a consciência de que o Antigo Regime tinha que ser estudado com recurso a conceitos próprios, decalcados numa percepção e sensibilidade (incluindo, a afectividade) diferentes das relações sociais e políticas.

E, de facto, enquanto isto se passava no plano da teoria geral da história, do lado da história política estavam a dar-se movimentos confluentes, embora com uma origem teórica muito diferente.

Desde o século XIX que se mantinha, em toda a Europa, um filão de crítica ao modelo político instituído pelas revoluções liberais. Era constituído pelo pensamento político conservador-reaccionário, que continuava mais ou menos ligado às formas de imaginar a organização política típicas da sociedade de Antigo Regime. Os representantes deste filão estavam em melhores condições, desde logo psicológicas e afectivas, para entender e descrever com fidelidade o imaginário político da antiga Europa, de que eram politicamente admiradores. O exemplo clássico de uma descrição desse tipo é o da obra de Otto Gierke, nos finais do séc. XIX 4. Mas a ele se podem juntar o historiador belga Émile Lousse - que trabalhou sobre a organização corporativa medieval - e, sobretudo, o historiador austríaco Otto Brunner que, nos anos trinta, se dedicou à descrição do mundo mental subjacente à organização política medieval e moderna - o imaginário da “casa”, o imaginário das relações de fidelidade, o imaginário da nobreza, o imaginário das relações senhor-súbdito 5.

A influência de O. Brunner na historiografia política do pós-guerra veio a ser muito grande, sobretudo na Alemanha e na Itália. Paradoxalmente, não tanto sobre a historiografia conservadora, mas sobre historiadores críticos dos modelos políticos estabelecidos, que se encontravam com Brunner na sua crítica implícita ao paradigma democrático-representativo. É isto que explica esse estranho casamento, típico da nova vaga de historiadores do poder e do direito dos anos setenta 6, entre uma formação teórica de raiz marxista e os tópicos

4 Das deutsche Genossenschaftsrecht, Berlin, 1868-1913. 5 Otto Brunner (1939), Land und Herrschaft. Grundfragen der territorialen

Verfassungsgeschichte Oesterreichs im Mittelalter, Wien 1939 (trad. it. da 5ª ed. reelaborada, Terra e potere, intr. P. Schiera, Giuffré, Milano, 1983); "Das 'ganze Haus' und die alteuropaeische Oekonomik'" e “”Die Freiheitsrechte in der altstaendischen Gesellschaft”, ambos em Neue Wege der Verfassungs- und Sozialgeschichte, Göttingen 1968 (2ª ed.; existem trads. ital. e esp.); Adeliges Landleben und europaeischer Geist. Leben und Werke Helmhards von Honberg (1612-1688), Salzburg, 1949.

6 Por exemplo, Pierangelo Schiera, Johannes-Michael Scholz, Bartolomé Clavero e eu próprio. Hoje, o grupo alargou-se muito.

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historiográficos de Otto Brunner, inspirados por uma visão política muito conservadora.

Não vou aqui repetir, em detalhe, as consequências desta viragem historiográfica 7. Mas saliento que ela desviou a atenção das áreas clássicas da história institucional, como a administração “pública” formal, o direito legislativo e oficial, para novas áreas como as relações clientelares e de fidelidade, o imaginário e organização domésticos, a disciplina informal. Ou seja, para elementos de controlo e disciplina que não só não cabem no imaginário do Estado contemporâneo, mas que por ele são positivamente reprimidos, como sinais de corrupção e de perversão.

É o que se passa, justamente, com a permanência - quase que diria contra natura, em face dos dados empíricos que todos já conhecem - da ideia de que o sistema político de Antigo Regime (com maioria de razão o medieval) se pode configurar como um sistema “estadual”.

Explico melhor.

A historiografia mais corrente tem difundido a imagem de que o sistema político da época moderna se caracterizou, também em Portugal, por uma crescente absolutização do poder real, logo a partir dos finais do séc. XV. Costumava-se apoiar esta visão com argumentos como o da decadência das cortes, da curialização da nobreza, da criação dos juizes de fora e consequente enfraquecimento da autonomia municipal, do enriquecimento da coroa com a empresa dos descobrimentos.

Alguns destes argumentos são pouco rigorosos.

Os juizes de fora, ainda que fossem esses instrumentos do poder real de que tanto se fala, só existiam, até aos finais do séc. XVIII, em cerca de 20 % dos concelhos. Um livro meu, já com dez anos, provou isso abundantemente 8. Neste particular aspecto, o trabalho de Ana Cristina Nogueira da Silva 9 parece confirmar, mesmo nos finais do séc. XVIII, um grande apego dos concelhos às suas autonomias jurisdicionais, embora isso conviva com um projecto da coroa reordenador do espaço político, numa perspectiva geométrica e centralizadora, cujos argumentos são aliás curiosamente incorporados, quando é conveniente, no discurso localista dos concelhos.

Embora os poderes dos senhores portugueses não fossem tão extensos e incontrolados como no centro da Europa, cerca de 2/3 dos concelhos do reino pertenciam a senhores, que aí administravam a justiça. E, em cerca de 1/3 dos casos, estes senhores das terras podiam mesmo impedir a entrada dos magistrados régios (corregedores) a cargo de quem estava inspeccionar o

7 Sobre ela, pode ver-se o meu prefácio à colectânea Poder e instituições na Europa do Antigo Regime, Lisboa 1984, 541 pp., max. 26 ss.; António Manuel Hespanha, Storie delle instituzione politiche ...cit...

8 Última edição, António Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político (Portugal, séc. XVIII), Coimbra, Almedina, 1994, 682 pp. (reedição remodelada da edição espanhola de 1990).

9 Ana Cristina Nogueira da Silva, O modelo espacial do Estado moderno [...] cit., maxime 374 ss..

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governo local. Também isto está abundantemente provado hoje, muito embora se discutam algumas questões relevantes neste plano: (i) qual o controlo efectivo dos senhores de terras sobre as suas terras; (ii) qual o grau de curialiação da nobreza portuguesa e em que é que isso consistia 10; (iii) qual o impacto prático da existência de uma justiça senhorial intermédia 11.

Recentemente, trabalhos importantes, nomeadamente de Nuno Gonçalo Monteiro, de José Manuel Subtil, de Mafalda Soares da Cunha, e de Maria Fernanda Olival, aprofundaram diversos aspectos do tema. Mas – apesar de algumas restrições postas por alguns destes autores - não creio que o argumento se tenha alterado profundamente. Nuno Monteiro 12 insiste no tema da progressiva concentração da lata aristocracia num pequeno número de casas, cada vez mais curializadas e dependentes do favor régio, numa lógica de prestação de serviços contra o recebimento de mercês reais, nomeadamente as apetecidas e economicamente decisivas comendas das ordens militares; no entanto, a cultura política da “mercê” e do “benefício” filia-se numa “economia da graça” 13 com regras bastante estritas, que deixava pouco espaço ao arbítrio régio. A mesma economia da graça repassava a atribuição de distinções das ordens militares, de que o rei era o grão-mestre desde os meados do séc. XVI, tema recentemente estudado por Maria Fernanda Olival 14. Também aí, regras bastantes estritas de relação entre o serviço e a mercê limitavam uma plena disponibilidade dos recursos das ordens para a realização de uma política “da coroa”; ao mesmo tempo que, ao encararem a mercê como geralmente remuneratória de serviços, introduziam importantíssimas limitações à sua revocabilidade ou não renovação. É certo que estes dois historiadores insistem no papel da coroa na estruturação do sistema político. Mas, para além do que já se disse quanto às limitações postas ao “centro” pela lógica objectiva desta economia da mercê (como Fernanda Olival prefere chamar-lhe), não fica muito claro quem seja esse “centro”, nem quem idealiza e formula as suas estratégias ou projectos. Porque também resulta particularmente claro da própria obra destes autores – a contrastar com o que se passa no período iluminista, como mostra José Manuel Subtil, no seu estudo sobre o Desembargo do Paço 15 – que a monarquia continua a ser eminente poli-sinodal e “descerebrada” pelo menos

10 António Manuel Hespanha, "Une autre administration. La cour comme paradigme d'organisation des pouvoirs à l'époque moderne", cit..

11 V. o meu livro Portugal moderno. Político e institucional, cit., no capítulo “Os senhorios”; bem como o livro de Nuno Gonçalo Monteiro, O crepúsculo dos grandes ...[...]. Sobre a corte, um programa metodológico em António Manuel Hespanha, "Une autre administration [...]”, cit..

12 Nuno G. Monteiro, O crepúsculo dos grandes ..., cit.. 13 A. M. Hespanha, “L’économie de la grâce [...]”, cit.. 14 Maria Fernanda Olival, Honra, mercê e venalidade[...], cit.. 15 José Manuel Subtil, O Desembargo do Paço [...], cit.. Aparentemente, a “cerebração”

do centro, em torno dos Secretários de Estado, já se vem manifestando no reinado de D. João V. O teor da correspondência de D. João V com os seus ministros de Estado, bem como a riqueza política dos memoriais de D. Luís da Cunha já o indiciam; estudos de Nuno Monteiro, ainda em curso, parece apontarem no sentido de uma decisiva politização do cargo de Secretário de Estado, que passa de um lugar acessório e de estatuto desvalorizado a um lugar de acumulação de informação política sobre os assuntos de Estado e, por isso, a uma instância decisiva na formação da política da coroa.

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até aos meados do séc. XVIII. Em contrapartida, Mafalda Soares da Cunha 16 mostra como uma grande casa senhorial – a dos Duques de Bragança - tinha uma coerente política de construção de redes clientelares próprias, cuja capilaridade se pode observar desde as camadas mais elevadas até às mais humildes da sociedade local.

Ainda como poder autónomo, o da Igreja.

A importância da Igreja como pólo político autónomo é enorme, na Época Moderna.

Por um lado, estamos - pelo menos no Sul da Europa - perante uma sociedade "integrista", em que se visa uma direcção integral da vida pela moral cristã; e em que, portanto, os actos mais mínimos e mais íntimos estão detalhadamente regulados. Este ambiente integrista explica também a influência da teologia sobre outros universos normativos, nomeadamente, sobre o direito temporal e sobre a política 17.

Por outro lado, de todos os poderes que então coexistiam, a Igreja é o único que se afirma com bastante eficácia desde os âmbitos mais humildes, quotidianos e imediatos, como as famílias e as comunidades, até ao âmbito internacional, onde convive com os poderes dos reis e imperadores De um extremo ao outro, a influência disciplinar da Igreja exerce-se continuamente. No plano da acção individual, pela via da cura das almas, a cargo dos párocos, pregadores e confessores. No plano da pequena comunidade, pela via da organização paroquial. No plano corporativo, por meio das confrarias específicas de cada profissão. Nos âmbitos territoriais intermédios, por meio da disciplina episcopal. Nos reinos, por mecanismos como a vigência temporal do direito canónico ou a existência de um foro especial para clérigos.

Para desempenhar a sua missão (de condutora, de mãe e de mestra), a Igreja dispunha, quer de normas disciplinares, quer de uma malha administrativa e jurisdicional sem paralelo na época.

O principal núcleo das normas com que a Igreja disciplinava a sociedade moderna estava contido no património doutrinal (ou dogmático) da Igreja, integrando as obras dos teólogos (teologia moral). Dentro destas, salientam-se as normas morais, visando o aperfeiçoamento individual, nos âmbitos do comportamento para consigo mesmo (monastica), do comportamento no seio da família (oeconomia), ou ao comportamento no seio da república (politica). A cada um destes grupos correspondia um capítulo da teologia moral, corpo literário vastíssimo, que vai desde as grandes sínteses (como a segunda parte da Summa theologica, de S. Tomás de Aquino, 1225-1274) até aos comentários monográficos ou aos "manuais de confessores", espécie de repertórios dos "casos de consciência" para uso dos confessores.

Outra fonte de disciplina eclesiástica dos comportamentos era o direito da Igreja (direito canónico), conjunto de normas cuja observância estava garantida pela existência de uma completíssima rede de tribunais da Igreja (foro

16 Mafalda Soares da Cunha, A Casa de Bragança. 1560-1640 [...], cit.. 17 A. M. Hespanha, Portugal moderno [...], cit., 129 ss...

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eclesiástico) que aplicava aos contraventores sanções, quer do foro interno (penitência, excomunhão), quer do foro externo (condenações pecuniárias, prisão em instituições da Igreja).

O direito canónico não vigorava nem apenas para os clérigos, nem apenas nas questões relativas à fé. Pelo contrário, aplicava-se a também a leigos e sobre matérias de natureza puramente temporais - como o pagamento de prestações económicas às instituições religiosas ou todos os negócios sobre os bens destas - ou que hoje são consideradas como tal. Um exemplo da última categoria é o casamento, então regulado exclusivamente pelo direito da Igreja.

Estes sistemas de normas eram tornados efectivos por um conjunto de processos muito eficazes.

Um delas era a pregação, nomeadamente a pregação dominical, que constituía um poderosíssimo instrumento de disciplina das comunidades de crentes. Outro, a confissão, preceito pelo menos anual para cada fiel, por meio da qual se exercia uma disciplina personalizada e se atingiam os níveis mais íntimos da conduta de cada um. Se a pregação podia "entrar por um ouvido e sair pelo outro", a confissão implicava o risco da não absolvição e das penas canónicas que daí decorriam. Nos casos mais graves, como a privação dos sacramentos ou a excomunhão, estas penas expunham quem violasse os preceitos canónicos a situações de marginalização social que eram mais graves do que muitas das penas seculares. Pense-se na vergonha pública que constituiria, nestes tempos, a impossibilidade de se casar pela igreja, de se ser padrinho, de frequentar os sacramentos, de receber a visita pascal, de ser enterrado canonicamente. Finalmente, a disciplina eclesiástica dispunha de um outro instrumento de efectivação, as visitas feitas pelo bispo ou vigário-geral a cada paróquia da diocese, ocasião para proceder a uma devassa geral da vida da comunidade, quer quanto aos aspectos do culto, quer quanto a matérias de disciplina (como, por exemplo, a existência de pecadores públicos - adúlteros, prostitutas, homossexuais, jogadores, usureiros).

Também a malha administrativa do oficialato da Igreja não tinha equivalente na época. Desde Roma até a uma paróquia perdida da Beira, a Igreja dispunha de uma malha de oficiais e instituições que cobriam eficazmente o território e garantiam com uma eficácia absolutamente excepcional para a época as diversas funções que lhe competiam, desde as puramente espirituais, até às do foro externo, como a realização da justiça ou a cobrança dos tributos eclesiásticos.

Claro que esta situação privilegiada da Igreja quanto ao controlo social era vista com preocupação pela coroa, que tentava atenuá-la de diversas formas. Uma delas era o beneplácito régio, instituído ainda durante a Época Medieval, que obrigava a que as "cartas de Roma" fossem sujeitas, antes da sua publicação, à aprovação régia (cf., Portugal, as Ordenações afonsinas, de 1446, II,12). Outra, eram as leis contra a amortização, contidas nas Ordenações (II, 26), que proibiam as instituições eclesiásticas de possuírem bens imóveis. A sua aplicação nunca foi, de facto, levada a cabo, mas o preceito impendeu sempre, como ameaça, sobre a Igreja, nas épocas de tensão política com a Coroa, como aconteceu no período filipino. Finalmente, outra prerrogativa régia era a de proteger os seus súbditos naturais contra as violências dos eclesiásticos (a regia

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protectio) ou de punir pela justiça real os criminosos que não o tivessem sido devidamente pelas justiças eclesiásticas 18.

Depois, se quisermos avaliar da importância relativa do poder real, temos que pôr a questão da eficácia da máquina administrativa da coroa e, mesmo antes, dos meios de conhecer o reino.

O aparelho administrativo da coroa era muito débil, como o gráfico seguinte pode comprovar. Dos cerca de 1700 oficiais que a coroa tinha ao seu serviço em meados do séc. XVII, uns 500 estavam na corte. No resto do país, apenas 10 % das estruturas administrativas pertenciam à coroa, o que quer dizer que, para cerca de 12 000 funcionários concelhios, senhoriais e de outras entidades (excluídos, em todo o caso, os oficiais eclesiásticos), havia 1 200 da coroa 19.

Rendas dos oficiais da administração

portuguesa (excluindo a ultramarina), em

1640

Concelhos

48%

Corte e seus

tribunais

21%

Outros

2%Corporações

e senhores

6%

Milícia real

0%

Justiça real

11%

Fazenda real

12%

A esta fragilidade dos aparelhos burocráticos soma-se a falta de recursos financeiros da coroa, pois a subida das suas rendas durante os sécs. XVII e XVIII - a que se refere o gráfico seguinte - não era bastante para melhorar substancialmente o magro aparelho burocrático a que antes nos referimos 20.

18 Para ir mais além: Joaquim de Carvalho, As visitas pastorais e a sociedade de Antigo Regime, Notas para o estudo de um mecanismo de normalização social, Coimbra, polic., 1985; Joaquim de Carvalho, "A jurisdição episcopal sobre leigos em matéria de pecados públicos: as visitas pastorais e o comportamento moral das populações portuguesas de Antigo Regime", Rev. port. hist., 25(1990) 121-163; Ana Mouta Faria, "Função da carreira eclesiástica na organização do tecido social do Antigo Regime", Ler história, 11(1987) 29-46; António Manuel Hespanha, Portugal moderno [...]. cit..

19 Sobre este tópico, de novo, o meu livro As vésperas …, cit.; ou, para a segunda metade do séc. XVIII, José Manuel Subtil, O Desembargo do Paço [...], cit..

20 Sobre o tema, v. o capítulo “A fazenda” do vol. O Antigo Regime, por mim dirigido na História de Portugal, coord. Por José Mattoso, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1993, pp. 203-238.

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12

15881607

16181621

16271632

16411681

17161720

17371766

REINO - Total

ILHAS

AFRICA

BRASIL

INDIA

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

Evolução das despesas a preços correntes (1588-1766)

A esta falta de meios da coroa para governar o Reino teríamos ainda que acrescentar uma referência ao deficiente conhecimento do próprio território - de que não houve representações cartográficas detalhadas ou contagens demográficas precisas até aos inícios do séc. XIX 21 - e às dificuldades e demoras das comunicações internas - más estradas, deficiente serviço de correios.

Mas neste balanço do impacto dos vários poderes existentes no Reino esquecem-se, sobretudo, alguns dados fundamentais sobre a lógica global do sistema de poder na época moderna.

Ao contrário do que acontece hoje, o poder político estava muito repartido nas sociedades modernas. Com o poder da coroa coexistiam o poder da Igreja, o poder dos concelhos ou comunas, o poder dos senhores, o poder de instituições como as universidades ou as corporações de artífices, o poder das famílias. Embora o rei dispusesse de prerrogativas políticas de que outros poderes normalmente não dispunham - os chamados direitos reais, como a cunhagem de moeda, a decisão sobre a guerra e a paz, a justiça em última instância -, o certo é que os restantes poderes também tinham atribuições de que o rei não dispunha. A Igreja, por exemplo, tinha uma larga esfera de competências exclusivas - como, por exemplo, julgar e punir os clérigos. O mesmo acontecia com o poder do pai, no âmbito da família; era impensável que a coroa se intrometesse, por exemplo, na disciplina doméstica ou na educação dos filhos. E por aí em diante: a universidade julgava e punia os seus estudantes e professores; as corporações regulavam os respectivos ofícios; as câmaras editavam as normas (posturas) relativas à vida comunitária.

Também o direito do rei (a lei) não era o único direito. Ao lado dela, vigorava o direito da Igreja (direito canónico); o direito dos concelhos (usos e costumes locais, posturas das câmaras); ou os usos da vida, longamente estabelecidos e sobre que houvesse consenso, que os juristas consideravam como

21 Ana Cristina Nogueira da Silva, O modelo espacial [...], cit..

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de obediência obrigatória, tanto ou mais do que a lei do rei. De resto, como também mostrei num estudo com alguns anos 22, a lei do rei tão pouco era aplicada de forma inexorável e sistemática. Os juízes entendiam que a aplicação da lei devia ser matizada pela avaliação da sua justeza em concreto, tarefa que lhes caberia essencialmente a eles e sobre a qual mantinham um poder incontrolado, escudados na doutrina jurídica do direito comum. No caso da lei penal, a sua aplicação devia, além disso, ser misericordiosa 23. Daí que, apesar de as Ordenações portuguesas preverem a pena de morte para uma série enorme de crimes, ela ser excepcionalmente aplicada, pelo menos até ao iluminismo.

E, quanto às decisões políticas, a vontade do rei estava sujeita a muitos limites. Ele tinha que obedecer às normas religiosas, porque era o “vigário” (o substituto) de Deus na Terra. Tinha que obedecer ao direito, porque este não era, como vimos, apenas o resultado da sua vontade. Tinha que obedecer a normas morais, porque os poderes que lhe tinham sido conferidos o tinham sido para que ele realizasse o bem comum. E, finalmente, tinha que se comportar com um pai dos seus súbditos, tratando-os com amor e solicitude, como os pais tratam os filhos 24. E isto não era apenas poesia. Muitas entidades controlavam o cumprimentos destes deveres do ofício de reinar. A Igreja, por exemplo, que continuava a deter a perigosa prerrogativa de excomungar o rei, desligando os súbditos do dever de lhe obedecer. Por isso é que as crises com o Papado - que se multiplicavam durante os reinados e D. João V a D. José - eram politicamente tão sérias. Os próprios tribunais podiam suspender as decisões reais e declará-las nulas. E isso acontecia frequentemente, tanto nos tribunais superiores como nos juízes concelhios, por todo o reino, em questões grandes e pequenas.

Tudo isto estava abundantemente e solidamente sedimentado na teoria política que, até ao pombalismo, não cessou de repetir os tópicos corporativos, descrevendo o poder real como um poder limitado, a constituição como o produto indisponível da tradição, o governo como a manutenção dos equilíbrio estabelecidos, o direito como um fundo normativo provindo da natureza. Nestes termos, todos os acenos da teoria política moderna para um governo baseado na vontade, nomeadamente na vontade arbitrária do rei, eram geral e enfaticamente rejeitados 25. Digna de uma análise porventura diferente é a literatura histórica e política referente ao ultramar, em que os tópicos maquiavélicos da exploração da conjuntura e do artificialismo do político parece serem mais frequentes.

Assim, os limites ao governo provinham mais deste controle difuso e quotidiano do que, como frequentemente se diz, da reunião regular das cortes

22 A. M. Hespanha, "Da 'iustitia' à 'disciplina' [...]”, cit... 23 Cf. a obra citada na nota anterior. 24 V., por último, a dissertação de doutoramento de Pedro Cardim, O poder dos afectos,

Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - UNL, 2000. 25 Cf. A. M. Hespanha e Ângela Barreto Xavier, “A representação da sociedade e do

poder”, cit.. e bibl. aí citada; cf. também a minha síntese, António Manuel Hespanha, “A fortuna de Aristóteles no pensamento político português dos sécs. XVII e XVIII”, cit..

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que, nessa altura, tinham uma função sobretudo consultiva e cerimonial 26. “Sem o conselho {dos juristas}, o príncipe não pode editar leis, ainda que o possa fazer sem a convocação de cortes”, escreve um jurista do séc. XVII, repetindo a opinião comum.

Este breve conspecto das coisas sabidas - algumas delas arqui-sabidas - da história política do Portugal moderno é suficiente para mostrar como muitas das ideias ainda correntes sobre o advento do “Estado” e a sua cronologia não quadram, de todo em todo, com os dados empíricos.

A menos que “Estado” não tenha significado nenhum e se desconheça a carga semântica que no conceito foi depositado por quase 200 anos de teoria política.

4. O império e a metrópole.

Toda esta imagem de centralização ainda é mais desajustada quando aplicada ao império ultramarino. Aí, alguns módulos (Timor, Macau, costa oriental da África) viveram em estado de quase total autonomia até ao séc. XIX. Mas mesmo a Índia era objecto de um controlo tornado muito remoto pelos 9 meses que demorava a comunicação com a metrópole 27. Apesar de, como já se sugeriu, a teoria da acção política relativa ao ultramar fosse algo mais permissiva. De qualquer modo, algumas concepções correntes sobre a história política e institucional do Império Português carecem de uma profunda revisão, já que a visão dominante é a da centralidade da coroa, com as suas instituições, o seu direito e os seus oficiais.

A sobrevivência dessa imagem pode ser explicada por uma interpretação ingénua – ainda que ideologicamente significativa – das instituições históricas, fundada em preconceitos enraizados acerca da relação colonial 28.

Do ponto de vista do colonizador, a imagem de um império centralizado era a única que fazia suficientemente jus ao génio colonizador da metrópole. Em contrapartida, admitir um papel constitutivo das forças periféricas reduziria o brilho da empresa imperial 29. Do ponto de vista das elites coloniais, um colonialismo absoluto e centralizado condiz melhor com uma visão histórica celebradora da independência. Se, por exemplo, lermos alguma historiografia brasileira (que, neste aspecto, é exemplo único e paradigmático na área ex-

26 Sobre as cortes, Pedro Cardim, Cortes e cultura política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, 1998.

27 Cf., por exemplo, A. M. Hespanha e Maria Catarina Madeira Santos, “Os poderes num império oceânico”, cit..

28 Problemas semelhantes na historiografia italiana, Aurelio Musi, L’Italia dei viceré , cit...

29 Não é por acaso que a historiografia romântica e nacionalista alimentou várias teorias que destacavam o carácter intencional e programático da expansão portuguesa - “Plano das Índias”, “Escola de Sagres”, “Política de segredo”. “Ideia imperial” e, talvez, a ideia de um “Pacto colonial” deliberada e cuidadosamente deliberado, estabelecendo o modelo de trocas comerciais entre a metrópole e o ultramar.

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portuguesa) 30 é bastante evidente a sua vinculação a um discurso narrativo e nacionalista, no qual a coroa portuguesa desempenhava um papel catártico de intruso estranho, agindo segundo um plano “estrangeiro” e “imperialista”, personificando interesses alheios, explorando as riquezas locais e levando a cabo uma política agressiva de genocídio em relação aos locais, por usa vez considerados como basicamente solidários, sem distinção de elites brancas e população nativa. Este exorcismo historiográfico permite um branqueamento das elites coloniais, descritas como objectos (e não sujeitos) da política colonial. Esta situação seria porventura consistente com a situação dos goeses, mas não decerto com a dos brasileiros 31.

30 Este tópico tem, naturalmente, que ser muito matizado. Um caso extremo é o de Raymundo Faoro (Faoro, 1973 [cito a ed. de 2000], que, embora anotando uma série impressionante de argumentos anti-centralistas, está completamente cego por um modelo de interpretação “absolutista” e “explorador” da história luso-barsileira, produzindo um texto em toda a base empírica invocada está em contradição com as interpretações propostas (v.g., no que escreve sobre os poderes dos governadores e seus limites vários, pp. l164/165; estruturas militares e ordenaanças (caudilhismo), 180 ss.; funcionários, 193-194; limitações fácticas e teóricas do poder real, 199-200; “descerebração” da polisonodia, 201; desde que se tirem as conclusões opostas às suas, a sua síntese sobre o sistema político-administrativo, pp. 199-229, é bastante boa. De grande qualidade, é a síntese de Caio Prado, Jr., na Formação do Brasil contemporâneo, ed. cit., pp. 313-346, se descontarmos algum optimismo quanto à eficácia das intenções regulamentadoras do centro, bem como a crença em que a minúcia da correspondência com o Conselho Ultramarino representava domíniop efectivo (ele próprio comenta: “na realidade, a impossibilidade material de atender a tamanho acúmulo de serviço não só atrazava o expediente, de dezenas de anso à vezes, mas deixava grande número de casos a dormir o sono da eternidade na gavetas dos arquivos”, p. 314). Mas, sobretudo, a mais recente hostoriografia brasileira tem levantado essa hipoteca. Creio que é justo destacar o contributo de Maria Odila Leite Dias, que promove uma leitura da história brasileira liberta desa absessiva oposição metrópole-colónia (sobretudo em “A interiorização da metropole (1808-1835), Mota, Carlos Guilherme, 1822-Dimensões, S. Paulo, Perspectivas, 1972, 160-184; síntese da questão em Furtado, Júnia Ferreira, Homens de negócio. A interiorização da metrópole e do comércio nas minas setecentistas, S. Paulo, HUCITEC, 1999). Também os contributos daqueles que têm salientado a tensão entre a norma de governo e a sua massiva violação; desde logo, Caio Prado, 2000, 310; mas, mais recentemente, Laura de Mello e Souza, 1999, onde publica e destaca interessantes estudos sobre a indisciplina no próprio alvo central da disciplina da coroa no séc. XVIII, como a demarcação diamantina (sobre a qual, também, Anastasia, 1998, e Furtado, 1996. Na verdade, o que se passa também, com muita da historiografia brasileira é que estende a todo o Antigo Regime as intenções centralizadoras dos finais do séc. XIX, retroprojectando, por isso, uma oposição Brasil-Metrópole de que não é fácil falar antes da década ’70 do séc. XVIII; antes, encontram-se tensões várias: anti-fiscalismo, princípio do indigenato no provimento dos cargos, sentimentos contra o novo emigrante, localismo, anti-urbanismo, decadentismo e restauracionismo de uma época de ouro já passada, sentido de inferioridade intelectual (v. alguns destes tópicos em Mota, 1996 (4ª ed.).

31 Do lado português, um artigo de Luís Filipe Thomaz, hoje clássico, renovou a historiografia política do império português, sobretudo do oriental, embora sem ligação com o novo contexto teórico da historiografia política moderna, inicialmente descrito. Cf António Manuel, & Santos, Catarina Madeira Santos, “Os poderes num império oceânico”; com mais detalhes, António Manuel Hespanha, Panorama da história institucional e jurídica de Macau, cit..

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4.1 Um projecto colonial ?

O primeiro facto que deve ser realçado é a inexistência de um modelo ou estratégia gerais para a expansão portuguesa. Existem, evidentemente, vários tópicos usados incidentalmente no discurso colonial para justificar a expansão. Um deles era a ideia de Cruzada e de expansão da fé. Mas, a par dele, vinha o do engrandecimento do rei ou o das finalidades do comércio metropolitano ou, mais tarde, de população. No entanto, este conglomerado não era harmónico, sendo que cada tópico levava frequentemente a políticas diferentes ou mesmo opostas. Aparentemente, o equilíbrio dos vários mudava com os tempos e com os lugares. As praças de Marrocos eram frequentemente justificadas por razões cavaleirescas e cruzadísticas, também invocadas em relação à Índia, mas raramente presentes na justificação da expansão sub-sahariana, macaense ou brasileira. Pelo contrário, os interesses mercantis, o proselitismo religioso e, mais tarde, os intuitos povoadores ou de drenagem demográfica constituíam, sucessivamente a justificação oficial da colonização do Brasil. Os estabelecimentos de África não mereceram uma detida literatura de legitimação; mas a evangelização e a manutenção da paz eram a cobertura ideológica oficial para a colonização africana, sempre que esta não era simplesmente justificada com a prioridade histórica da chegada dos portugueses ou com os meros interesses económicos do tráfico negreiro. Assim, parece que não existe uma estratégia sistemática abrangendo todo o império, pelo menos até aos meados do séc. XVIII 32.

4.2 A moldura institucional: falta de homogeneidade, de centralidade e de hierarquias rígidas.

4.2.1 Um estatuto colonial múltiplo.

Uma descrição institucional da expansão portuguesa confirma este quadro atomístico 33. Realmente, embora os estabelecimentos coloniais portugueses tenham estado sempre ligados à metrópole por um laço de qualquer tipo, faltou, pelo menos até ao período liberal, uma constituição colonial unificada 34.

Desde logo, faltava um estatuto unificado da população colonial. Alguns, os nascidos de pai português, eram “naturais” (Ord. fil., II, 55), gozando de um estatuto pleno de portugueses, usando o direito português e estando sujeitos às justiças portuguesas. Outros eram estrangeiros, libertos da obediência ao governo e ao direito portugueses 35. A sua única obrigação era a de aceitarem a pregação e o comércio; mas isto decorria, não de qualquer sujeição ao direito português, mas de normas do direito das gentes. Esta situação de nações livres vizinhas era muito instável, já que os colonos usavam de qualquer pretexto para

32 A. J. R Russel-Wood., The Portuguese Empire, cit., 240. 33 Cf. A. M. Hespanha, Panorama da história institucional e jurídica de Macau, cit.,

maxime 9-37. 34 Mesmo então, o estatuto constitucional de alguns dos territórios coloniais não era

claro. 35 Tal era o caso dos “índios bravos” brasileiros ou dos “sobas amigos mas não vassalos”

de Angola.

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as reduzir à obediência por meio de uma “guerra justa” 36. Entre naturais e estrangeiros, existiam situações diversas. Primeiro, a dos vencidos na guerra (justa), cujo destino dependia dos vencedores. De acordo com as leis da guerra, podiam ser mortos, reduzidos a cativeiro ou mantidos sob um regime mais ou menos duro de sujeição legal ou fiscal 37. Era o que se passava com os reinos angolanos de N’gola 38 ou com as nações Tapajós ou Tapuia 39. Finalmente, o estatuto daqueles que celebravam com o rei de Portugal um tratado de vassalagem; a sua integração na ordem política ou jurídica portuguesa estava aí fixada, podendo variar muitíssimo. As instituições políticas nativas eram frequentemente preservadas, como instâncias de mediação com o poder português. Por vezes, portugueses “assistiam” as autoridades locais (como em certas cidades indianas ou sobados africanos). No Brasil, portugueses “de bons costumes” eram enviados como “capitães das aldeias” para governar as aldeias índias, já que a capacidade dos nativos para se auto-governarem era tida como problemática 40.

Esta heterogeneidade de laços políticos impedia o estabelecimento de uma regra regular de governo, ao mesmo tempo que criava limites ao poder da coroa ou dos seus delegados.

4.2.2 Um direito pluralista.

Um corpo geral de direito também faltava.

Vários são os factores que podem ser chamados a explicar o pluralismo e a inconsistência do direito colonial moderno.

O primeiro deles decorria da própria arquitectura do direito comum europeu, baseada no princípio da preferência das normas particulares (como os costumes locais, os estilos de decidir dos tribunais locais, os privilégios; numa palavra, os iura propria) às normas gerais (como a lei ou a doutrina jurídica geral, ius commune) 41. Para além disso, o princípio de que a lei posterior revoga a anterior (lex posterior revogat priorem) não vigorava de forma muito rigorosa, já que os direitos adquiridos à sombra do anterior regime podiam ser opostos ao

36 Detalhes sobre o regime de declaração de guerra justa em A. M. Hespanha, António Manuel Hespanha, “The constitution of Portuguese empire. Revision of current historiographical biases, cit. bibl. final.

37 Cf. António Manuel Hespanha, “Os africanos no Tratado da Justiça e do Direito, de Luís de Molina, S.J.”, a ser publicado em Análise social, 2001.

38 António da Silva Rego, The Portuguese colonization in the 16th century: a study of the royal ordinances (Regimentos), cit.; António Manuel Hespanha, “Os africanos no Tratado da Justiça e do Direito, de Luís de Molina, S.J.”, a ser publicado em Análise social. 2001.

39 Pedro Puntoni, A guerra dos bárbaros [...], cit.. 40 Lei de 13.11.1611, n. 4, em Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 325; v.

também André Vidal de Negreiros (1655), ns. 43 ss., em Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 710.

41 António Manuel Hespanha, Panorama histórico da cultura jurídica europeia, cit., 92-98.

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novo e quaisquer decisões reais que os violassem podiam ser anuladas judicialmente 42.

Depois, a incoerência do sistema jurídico derivava também de algo que já foi evocado – a constituição pluralista do império, em que cada nação submetida podia gozar do privilégio de manter o seu direito, garantido por tratado ou pela própria doutrina do direito comum, de acordo com a qual o âmbito de um sistema jurídico era marcado pela naturalidade. Daí que o direito português só se aplicasse aos naturais (Ord. fil, II, 55), governando-se os nativos pelo seu direito específico. Isto quer dizer que os juízes portugueses, ainda que tivessem jurisdição sobre os nativos, lhes deviam aplicar o seu próprio direito, excepto para casos em que estavam em causa valores supremos da ordem jurídica ou ética europeia, nomeadamente do foro religioso 43. Decerto, a subordinação dos juízes de primeira instância a tribunais de recurso, que seguiam o direito oficial e letrado, podia deformar esta regra, nos casos de recurso. Assim como a presença das jurisdições do colonizador, oferecia aos nativos a possibilidade de recorrer também a este direito contra as suas normas tradicionais, o que constituía um importante factor de desarticulação da lógica política e jurídica autóctones 44. Mais do que uma versão estrita do direito nativo, o que tendia então a vigorar na prática era uma espécie de “justiça crioula”. De qualquer jeito, criava-se uma ilha de direito autónomo e não oficial.45.

A inconsistência do sistema político-jurídico decorre, finalmente, da própria natureza da alta administração colonial, ainda mais claramente pluralista na sua base 46.

4.2.3 Uma estrutura administrativa centrífuga.

4.2.3.1 Vice-reis e governadores.

Se a centralização não pode ser real sem um quadro legal geral, tão pouco pode ser efectiva sem uma hierarquia estrita dos oficiais, por meio da qual o poder real possa chegar à periferia. Daí que a eficiência da centralização política derive, por um lado, da existência de laços de hierarquia funcional entre os vários níveis do aparelho administrativo e, por outro, negativamente, do âmbito dos poderes dos oficiais periféricos ou da sua capacidade para anular, distorcer ou fazer seus os poderes que recebiam de cima.

Um relance sobre a autonomia dos poderes na hierarquia política imperial é, então, decisivo.

De acordo com a doutrina da época, os governadores gozavam de um poder extraordinário (extraordinaria potestas) 47, semelhante ao dos supremos

42 A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], cit., 472 ss.. 43 Cf. A. M. Hespanha, “The constitution of Portuguese empire. Revision of current

historiographical biases”, cit.. 44 Cf. Sanjay Subrahmanyam, “O romântico, o oriental e o exótico: notas sobre os

portugueses em Goa”, 34-35. 45 Detalhes, A. M. Hespanha, “The constitution of Portuguese empire. Revision of current

historiographical biases”, cit.. 46 Cf., para o Brasil, as justas considerações de Prado Júnior, 2000, 310.

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chefes militares (dux). Tal como o próprio rei, podiam derrogar o direito em vista de uma ainda mais perfeita realização do seu múnus. Nos regimentos que lhes eram outorgados 48 estava sempre inserida a cláusula de que poderiam desobedecer ao regimento, sempre que uma avaliação pontual do serviço real o justificasse. Daí que, apesar do estilo altamente detalhado das cláusulas regimentais e da obrigação de, para certos casos, consultarem o rei ou o Conselho Ultramarino, os vice-reis e governadores gozavam, de facto, de uma grande autonomia.

Esta autorização para criar direito – ou, pelo menos, para dispensar o direito existente – era uma consequência normal da natureza das funções de governo ultramarino que lhes eram confiadas. De facto, eles lidavam, por um lado, com matérias mutáveis, tal como as militares e marítimas 49. Por outro lado, o seu contexto político não era o mundo estabilizado da política dos reinos europeus, em que a justiça e o governo estava enraizados em tradições estáveis e duradouras e formalizados em processos e fórmulas fixados pelo tempo. Pelo contrário, eles actuavam num mundo estranho e não balizado, ele próprio subvertido nos seus estilos pela erupção dos europeus, um mundo em mudança, semelhante ao que Maquiavel descrevia no seu famoso tratado, em que a justiça tinha que ser criada, ex novo, pela vontade do príncipe, tirando partido da oportunidade e das mutáveis circunstâncias dos tempos. Por fim, os governadores ultramarinos estavam isolados da fonte do poder por viagens que chegavam a levar anos, tendo necessidade de resolver sem ter que esperar a demorada resposta às suas demoradas perguntas 50.

Numa carta para o rei, Pero Borges, ouvidor geral do Brasil nos meados do séc. XVI (7.2.1550), escrevia “Esta terra, Senhor, para se conservar e ir avante, há mister não se guardarem em algumas coisas as Ordenações, que foram feitas não havendo respeito aos moradores delas [...] acontecem mil casos que não estão determinados pelas Ordenações, e ficam ao alvedrio do julgador, e se nestes se houver de apelar, não se pode fazer justiça [...]”) 51. Assim, em regimentos sucessivos dados aos governadores do Brasil sempre se declarou que eles poderiam decidir os casos não previstos nos seus regimentos, após conferenciarem com o Bispo, o Chanceler da Relação da Baía e o Provedor da

47 Sobre o estatuto político dos vice-reis, A. M. Hespanha, Panorama da história institucional e jurídica de Macau, cit.,, 25-27; análise mais detalhada, Catarina Madeira Santos, “Goa é a chave de toda a Índia”, cit., 35 ss..

48 Sobre estes regimentos, v., Catarina Madeira Santos, “Goa é a chave de toda a Índia”, cit., 35 ss.., 37. Indicações de fontes, para a Índia e Brasil, A. M. Hespanha, “The constitution of Portuguese empire. Revision of current historiographical biases”, cit..

49 “E porque as cousas do mar são incertas e há casos que se não podem prevenir antecipadamente: hei por bem que Vós, com o Almirante da dita frota, auditor, e sargento-mor, e capitão de mar e guerra da capitania, disponham, nos tais casos, o que se vencer por mais votos ...”, reg. de Salvador Correia de Sá, 35.3.1644, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 621.

50 “Quanto mais longe apartado esse Estado está de minha presença quanto mais carrego sobre vós a obrigação deste ponto [da justiça]”, Reg. de André Vidal de Negreiros, governador e capitão geral do Estado do Pará e Maranhão, 14.4.1655, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 702 (d. 9).

51 Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 57.

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Fazenda Real, numa curiosa combinação que torna manifestas as “razões do Estado” – religião, justiça e fazenda 52

Para além da justiça, também a graça constituía um atributo real 53, que permitia agir contra o direito (“dispensar a lei”), em atenção a uma justiça excelsa e acima daquela que estava contida no rigor do direito. Aparentemente, a instituição da vice-realeza obedeceu ao propósito de dotar os governadores ultramarinos com uma dignidade quase real, permitindo-lhes o exercício de actos de graça, tal como concessão de mercês, dada de ofícios, outorga de rendas, perdão de crimes 54. Porém, mesmo os simples governadores recebiam atribuições deste tipo, embora em escala mais restrita 55.

4.2.3.2 Donatários, governadores locais e juízes.

O que acaba de se dizer sobre a autonomia de vice-reis e governadores pode ser dito também de níveis inferiores, embora a fundamentação doutrinal e as razões políticas não sejam as mesmas. No Brasil, os capitães donatários e, mais tarde, os governadores das capitanias tinham também um larga autonomia de decisão. É certo que, a partir de 1549, o governador geral era a cabeça do governo do Estado, gozando de supremacia sobre donatários e governadores das capitanias, devendo estes obedecer-lhes e dar-lhes conta do seu governo (cf. res. 16.5.1716, prov. 26.10.1722, CR. 14.11.1724). No entanto, esta dependência ficava bastante limitada pelo facto de que, simultaneamente, eles deviam obediência aos secretários de Estado em Lisboa. Esta dupla sujeição criava um espaço de incerteza hierárquica sobre o qual os governadores locais podiam criar um espaço de poder autónomo efectivo. Daí que a relação hierárquica entre o governador geral (ou vice-rei) e os governadores locais podia ser descrita, ainda nos inícios do séc. XIX, da forma seguinte: os governadores das capitanias eram autónomos no que respeitava ao governo local (“económico”) das suas províncias, estando sujeitos ao governador geral apenas em matérias que dissessem respeito à política geral e à defesa de todo o Estado do Brasil 56.

A mais importante das atribuições dos donatários, mais tarde dos governadores locais, era a concessão de sesmarias, a forma mais tradicional, contínua e decisiva de concessão de terras no Brasil (cf., v.g., Reg. Tomé de

52 Cf. Reg. Francisco Geraldes de 1588, n. 48, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit.,1972, I, 276; reg. Gaspar de Sousa, 6.10.1612, n. 57, ibid., I, p. 435 (id. Reg. André Vidal de Negreiros, 1655, ibid., II, 710, n. 40.). Para a Índia, a situação era idêntica, cf. Catarina M. Santos, “Goa é a chave de toda a Índia”, 53.

53 A. M. Hespanha, História de Portugal moderno, cit., 215 ss..; sobre o uso da graça pelo vice-rei, Catarina M. Santos, “Goa é a chave de toda a Índia”, 55 ss..

54 Catarina M. Santos, “Goa é a chave de toda a Índia”, 50 ss.. 55 Detalhes sobre as atribuições de graça dos governadores do Brasil, A. M. Hespanha,

The constitution of Portuguese empire [...], cit.. Sobre o regime das mercês, nomeadamente de hábitos de ordens militares no ultramar, v. Maria Fernanda Olival, Honra, mercê e venalidade [...],127 ss., 168 ss.

56 Cf. Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 805-807.

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Sousa, 1549, caps. 8/10)57. Os ouvidores dos donatários deviam inspeccionar a legalidade da concessão e do uso da terra, depois de concedida. Com a contínua incorporação das capitanias na administração directa da coroa, seja por vacatura, seja por compra, a concessão das sesmarias passou a competir aos governadores das capitanias, enquanto que a inspecção da legalidade era cometida a juízes demarcantes letrados propostos pelas câmaras 58.

Resumindo, podemos dizer que um dos actos de poder mais importantes numa colónia “de plantação” – a concessão de terras para agricultar – dependia dos governadores das capitanias, enquanto que a avaliação sucessiva da legalidade do uso da terra pelos sesmeiros estava a cargo de magistrados mais ou menos dependentes das elites locais 59.

Também no domínio da justiça, era central o papel dos governadores e dos seus ouvidores que, de acordo com as primeiras doações de capitanias, gozavam de plena jurisdição criminal e de uma vasta jurisdição cível (até 100 000 rs.) em relação aos escravos, nativos e peões 60. Jurisdição que só veio a ser parcialmente restringida (nomeadamente, no crime, relativamente a ingénuos) pela criação do governo geral, em 1549.

Nos níveis mais baixos da administração, nomeadamente em matérias de justiça, surgem novos factores de incoerência e autonomia, originadas pelas deformações, intencionais ou não, do direito, às mãos “de pessoas simples e ignorantes, que não sabem ler nem escrever”, facilmente corrompidas ou assustadas pelos poderosos das terras. Frequentemente, os capitães nomeavam condenados (“degredados”, “desorelhados”) 61. como ouvidores, situação que se manteve continuadamente 62.

Magistrados locais deste tipo eram comuns em todo o império. Mas à sua função de periferização do poder somava-se também a dos altos tribunais coloniais.

57 Base legal: Ord. fil., IV,43,13; para o enquadramento doutrinal, Jorge de Cabedo, Practicarum observationum [...], cit., II, dec. 112. Detalhes, A. M. Hespanha, The constitution of Portuguese empire [...], cit..

58 Cf. Res. 27.11.1761 (cit. em Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 780 ss.).

59 Sobre concessões mineiras, v. Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 295. 60 Cf. cf. carta de doação a Duarte Coelho, 25.9.1534, Marcos Carneiro de Mendonça,

Raízes [...], cit., I, 131 ss. (jurisdições, 132); mais tarde, reg. ouvidores gerais, 11.3.1669, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 83.

61 Carta Pero Borges, “ouvidor geral do Brasil”, para o rei (7.2.1550), ns. 3-4, 7, 12, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 53 ss..

62 “Sou informado que por a povoação do Rio Grande ir em crescimento e não haver nela modo de governo, nem quem administrasse a justiça, e haver disso algumas queixas, e os Capitães estarem absolutos”, Reg. Gaspar de Sousa, 1612, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, n. 10, p. 416. Picturesque examples of the kind of khadi’s justice common in the periphery: Altavila, 1925

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4.2.3.3 Relações e desembargadores.

As Relações coloniais – v.g., as de Goa, Baía e Rio de Janeiro – tinham prerrogativas semelhantes aos tribunais supremos do reino (Casa da Suplicação, Casa do Cível). A doutrina jurídica considerava-os como tribunais soberanos, “colaterais”, “camarais”, cujo presidente natural era o rei 63. As suas decisões têm a mesma dignidade das decisões reais, não podendo, no entanto, ser revogadas ou restringidas por actos régios. Daí que a administração da justiça, quer pelos ouvidores quer pelas Relações, constituísse uma área bastante autónoma e auto-regulada, não apenas porque os governadores não podiam controlar o conteúdo das decisões judiciais, mas ainda porque os seus poderes disciplinares sobre os juízes eram débeis e efémeros 64.

Salientar a autonomia das Relações é muito mais do que um detalhe histórico. Desde o estudo clássico de Stuart Schwartz sobre a Relação da Baía 65, sabemos como eram fortes a solidariedades entre os seus desembargadores e as elites coloniais, nomeadamente a dos senhores de engenhos. Daí que os juízes fossem muito mais do que simples técnicos de direito, esforçados aplicadores do direito régio. Muito frequentemente, eles veiculariam com eficiência os interesses dos poderosos locais, no julgamento de questões tão estratégicas como a interpretação de cartas de doação, a revogação de sesmarias, a instituição, sucessão ou desmembramento de propriedade vinculada (morgados e capelas). Podemos então entender como estes órgãos podiam funcionar como factores de periferização da política colonial.

Mas, mais do que isso. O regime estabelecido para a sindicância dos governadores e vice-reis realça ainda mais a importância das Relações. De facto, um alvará régio de 9.4.1623 atribuiu às Relações, nomeadamente na Índia, a competência tomar residência aos governadores cessantes, embora isto tenha desencadeado dura polémica, já que os governadores se sentiam diminuídos por esta supremacia outorgada às Relações, para além de que temiam os seus resultados práticos, numa altura em que já nem sequer se encontravam na colónia para organizar (ou manipular) a sua defesa 66.

4.2.3.4 Câmaras municipais.

Os desembargadores eram apenas uma das vias que as elites locais usavam para colonizar a administração. Outra das vias eram as câmaras, com as quais os

63 Cf. A. M. Hespanha, História de Portugal moderno …, cit., 235 ss.. Na Índia e no Brasil, o Governador, como alter ego do rei, servia como Presidente da Relação (Reg. Relação da Baía, 7.3.1609: Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 385 ss.).

64 Cf. reg. Gaspar de Sousa, 6.10.1612, n. 46, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, p. 431.

65 Stuart Schwartz, Sovereignty and society in colonial Brazil. The High Court of Bahia and its judges, 1609-175, cit...

66 Resumo da discussão, em Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 826. Mais detalhes, em A. M. Hespanha, The constitution of Portuguese empire [...], cit..

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governadores mantinham frequentes conflitos 67. O exemplo porventura mais interessante é o da cidade de Macau, no Sul da China.

O município de Macau foi criado por volta de 1584, tendo o imperador Wan Li (1583-1620) atribuído o título de mandarim a um dos seus vereadores, o Procurador da Cidade, dando-lhe o direito de julgar a população chinesa. A câmara de Macau (Leal Senado) actuava, de facto, como um mediador remoto entre dois impérios, sempre na óptica dos interesses das elites locais, A sua independência, mesmo no plano diplomático, era notável. Mantinha relações directas com o vice-rei (Suntó) de Cantão e controlava todo o trânsito político-diplomático, com o Extremo Oriente, incluindo as Molucas e o Japão. Isto permitiu uma fase áurea de relações com o império espanhol do Oriente e, através das Filipinas, com o império espanhol das Américas, mesmo durante a guerra da Aclamação (1640-1688) 68. O principal esforço da política da coroa portuguesa em relação a Macau, desde os finais do séc. XVIII, foi o de reduzir o Leal Senado às dimensões de uma simples câmara municipal, o que só se consumou em meados do séc. seguinte 69.

4.2.3.5 Oficiais e servidores.

A administração do Brasil – que constitui o exemplo mais importante de uma colónia de plantação, com uma população residente enraizada e socialmente bem estruturada – conheceu uma outra forma singular de combinar interesses sociais e poderes administrativos, a venalidade dos ofícios. A monarquia portuguesa nunca admitiu o princípio de que os cargos públicos podiam ser vendidos, ao contrário do que aconteceu com os exemplos típicos da Espanha e de França. A venda privada de cargos era formalmente proibida (Ord. fil., I, 96 [venda pelos titulares]; II, 46 [venda por aqueles que tinha o poder de prover ofícios]); embora seja mais do que provável que a maior parte das renúncias “nas mãos do rei” encobrissem vendas. A venda de ofícios pela coroa também estava excluída, embora apenas por lei especial (cf. CL 6.9.1616), sendo considerada como não admissível pela doutrina da época 70. Durante os anos ’20 e ’30 do século XVII, bem como depois de 1640, a condenação da venda dos ofícios era um tópico corrente na literatura anti-filipina 71. A patrimonialização dos ofícios existia, mas antes sob a forma de atribuição de

67 Cf., panorama bibliográfico; Ch. R. Boxer, Portuguese society in the tropics [...]; Nanci Leonzo, “Instituições administrativas”, em Maria Beatriz Nizza da Silva, O Império luso-brasileiro [...], cit., 321 ss., 1986, 321 ss.; Francisco Bethencourt, História da expansão [...], cit.1998, II, 343-361; III, 270-280. Sobre a Câmara de Goa e seus privilégios, Maria de Jesus dos Mártires Lopes, Goa setecentista [...], cit..

68 A. M. Hespanha, Panorama da histórica jurídica e institucional de Macau, cit., 22, 76 s.. Considerando, enfaticamente, Macau como uma “república mercantil”, Almerindo Lessa, Anthropologie et anthroposociologie de Macau.cit..

69 A. M. Hespanha, Panorama da histórica jurídica e institucional de Macau, cit., 22, 76 s.., 54-56.

70 Cf. A. M. Hespanha, As vésperas … […], 513; divergindo, com escassos fundamentos, para o caso específico da venda de ofícios, Maria Fernanda Olival, Honra, mercê e venalidade [...], cit., 245 ss..

71 “Faziam pratica neste reino coisa nunca vista entre portugueses: venderem-se a quem mais dava os ofícios que antigamente se davam de graça”, Arte de furtar, cap. XVII).

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direitos sucessórios aos filhos dos oficiais que tivessem servido bem; e era justamente o reconhecimento destes direitos que, provavelmente, obstaculizava de forma decisiva a venalidade, já que a coroa não podia vender os ofícios vacantes, sem violar estes direitos de sucessão, ao contrário do que acontecia com a concessão de hábitos ou de foros de fidalguia 72.

A situação no Brasil evoluiu, porém, num sentido diferente. O primeiro regimento de governo 73 proibia a criação de novos ofícios pelos governadores com base numa disposição das Ordenações que reservava para o rei a criação de ofícios (cf Ord. fil., II, 26, 1; II, 45, 1,3,13, 15, 31). Para os ofícios já existentes, os governadores podiam nomear serventias, mas não dá-los em propriedade. Em causa, não estava apenas o privilégio real de dada de ofícios 74, mas ainda o já referido direito dos filhos 75. Porém, no início do séc. XVIII, o regime começou a mudar. Um decreto real 76 estabeleceu que os novos ofícios (criados ou a criar, excluídos os da fazenda) fossem dados a quem tivesse oferecido um “donativo” à fazenda. No fundo, tratava-se de uma espécie de “serviço”, que justificaria a “mercê” do ofício, nos quadros de uma lógica já conhecida. Mais tarde, o regime do donativo veio a ser estendido a todos os ofícios, mesmo os antigos (Prov. 23.12.1740). Daí para o futuro, os ofícios foram vendidos em leilão, a quem mais oferecesse, segundo aquilo a que se chamou o “direito antidoral e consuetudinário” 77. Depois de hesitações legislativas várias nas décadas de ’60 e ‘70, o sistema dos donativos foi restaurado em 1799 (CR. 11.12) para as serventias dos ofícios de justiça. Esta informação está contida num comentário ao regimento dos governadores do Brasil, da autoria de um vice-rei do início do séc. XIX 78; aqui é também dito que a prática brasileira sobre ofícios era semelhante à usada em quase todas as colónias do ultramar.

Ou seja. Desde o início do séc. XVIII que a propriedade – ou, pelo menos, as serventias – de todos os ofícios de justiça (notários e escrivães, nomeadamente) estavam à disposição das elites económicas das colónias,

72 No entanto, existiam também obstáculos de natureza ideológica, como a condenação da simonia (v. A. M. Hespanha, As vésperas [...], 498 ss.)..

73 Cf., v.g., reg. Francisco Geraldes, 30.5.1588, n.45, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 275; reg. Gaspar de Sousa, 6.10.1612, n. 44, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 431; reg. Roque da Costa Barreto, 23.1.1677, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 753. Em contrapartida, os primeiros “capitães donatários” tinham o direito de criar e prover os ofícios: carta de doação de Duarte Coelho, 25.9.1534, Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., I, 133.

74 A. M. Hespanha, As vésperas [...], 398 ss.. 75 Cf. ibid., n. 43, p. 430. 76 D. 18.5.1722, transmitido por Provisão 23.9.1723 (Marcos Carneiro de Mendonça,

Raízes [...], cit., II, 754). 77 Por “antidoral” entende-se o dever que se funda na gratidão; não o que decorre de

um acto sinalagmático ou mercenário, como a compra e venda (cf. Bartolomé Clavero, Antidora [...], cit.]1991). Já o termo consuetudinário é usado nos meados do séc. XVIII para designar as normas do regime dos ofícios que não obedecem ao padrão moderno do ofício como cargo não patrimonializado. Daí que fosse “consuetudinário” – de acordo com a Legislação de Pombal relativa a ofícios (CL, 23.11.1770, Alv. 20.5.1774 – os direitos dos filhos aos ofícios dos pais. Sobre a nova concepção dos ofícios, cf. Freire, 1789, I, 2, 20)

78 D. Francisco José de Portugal, que anotou o regimento dado a Roque da Costa Barreto (1677): Marcos Carneiro de Mendonça, Raízes [...], cit., II, 756.

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nomeadamente do Brasil. A importância deste facto não pode ser desconhecida ou subestimada. Não sobretudo por causa do rendimento que a propriedade dos ofícios produzia 79; mas antes pela centralidade destes ofícios num ambiente político-cultural que já foi designado de civiltà della carta bollata. Neste tipo de cultura política – que era o da Europa moderna e das suas colónias – os documentos escritos eram decisivos para certificar matérias decisivas, desde o estatuto pessoal aos direitos e deveres patrimoniais. As cartas régias de doação (v.g., de capitanias) ou de foral, as concessões de sesmarias, a constituição e tombo dos morgados, as vendas e partilhas de propriedades, os requerimentos de graças régias, a concessão de mercês, autorizações diversas (desde a de desmembrar morgados até à de exercer ofícios civis), processos e decisões judiciais, tudo isto devia constar de documento escrito, arquivado em cartórios que se tornavam nos repositórios da memória jurídica, social e política. Tudo aquilo que importava nesta sociedade tinha que deixar traços aí. Em contrapartida, a preservação, extravio, manipulação ou falsificação de documentos tinha um enorme significado político. Neste contexto, já se imagina a amplitude das lutas para o controlo dos arquivos e dos cargos da justiça, bem como os investimentos que os poderosos estariam interessados em fazer na sua compra ou arrendamento, quer para desempenho próprio, quer para beneficiar apaniguados. De facto, parece que muitas compras se destinavam justamente a remuneração de favores ou a actos de protecção; com o que, além do mais, se recebia em troca a garantia de que os papéis, cómodos ou incómodos, estavam em boas mãos.

4.3 Conclusão.

O quadro acima não esgota a imagem dos equilíbrios políticos entre a metrópole e as colónias, durante a época moderna. Na verdade, ele apenas fornece um rastreio dos nichos institucionais de onde o poder pode ser construído, descrevendo brevemente as virtualidades políticas de cada um deles. De certa forma, trata-se de um quadro vazio, tal como a descrição de um tabuleiro de xadrez e das suas peças. Quase nada fica dito sobre o modo como num jogo concreto as peças se animam e com elas se constroem estratégias. No entanto, tão pouco um jogo real se pode entender sem esta descrição puramente formal.

Resta esclarecer que mesmo esta descrição formal está incompleta, pois nada se disse sobre outros planos de institucionalização da vida colonial, como a Igreja, a administração militar, a fazenda. Seja como for, parece difícil sustentar a partir do quadro descrito a tradicional imagem de um império centrado, dirigido e drenado unilateralmente pela metrópole. Esta agonia dos enviesamentos imperialistas vai obrigar à revisão de uma grande quantidade de trivialidades pouco consistentes sobre o imperialismo e exploração metropolitanos ou a redução das tensões políticas no Brasil colonial à tensão entre a colónia e o reino. O que leva, por sua vez, a exagerar as rupturas da independência.

79 Para Portugal, sobre rendas de oficiais de justiça, cf. A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], 170 ss.

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5. Estruturas do imaginário e conjuntura política – a revolução de 1640.

O chamado “período filipino” e da “Restauração” de 1640 é outro bom momento para se estudar o confronto entre os dois paradigmas de governo – tradicional-corporativo, moderno-estadualista – a que nos referimos no início deste texto. Até porque re-colocar a questão nestes novos termos contribui para analisar a pré-compreensão do processo histórico e dos mecanismos politico-sociais do Antigo Regime sobre os quais repousa a tradição historiográfica portuguesa 80.

A primeira componente desta pré-compreensão é constituída por uma leitura nacionalista da História. Quaisquer que sejam os méritos políticos do nacionalismo nos dias de hoje, já se tornou claro desde há muito, para a historiografia da Europa pré-revolucionária, que o recurso a um sentimento nacional como chave interpretativa levanta mais problemas do que aqueles que pode resolver 81.

Concretamente, para a história de 1580 e de 1640.

Apesar dos testemunhos - frequentes já para o século XVI - de animosidade contra os castelhanos, o que é certo é que o século XV foi, no plano politico, um século de dares e tomares entre Castela e Portugal, pontilhado de projectos de união, de sentido variegado, no seio de um vasto movimento de recomposição do espaço politico ibérico. No século XVI, por sua vez, o intercambio cultural entre Espanha e Portugal, fomentado por uma ideia humanista da unidade da Hispania, foi intensíssimo. O próprio Camões - de quem a historiografia romântica vulgariza o dito de que «morreria contente, porque morreria com a Pátria» - usa indistintamente o português e o castelhano. Mas a esta indiferenciação linguística das camadas cultas haveria que juntar a imensidade de perfis biográficos e académicos de artistas, professores universitários, pilotos, mercadores e financeiros que frequentam indistintamente os dois reinos.

80 Também a historiografia espanhola não está liberta das suas pré-compreensões; veja-se, por exemplo, o tom “castelhanista” do livro de Rafael Valladares, La rebelión de Portugal. 1640-1680. Guerra, conflito y poderes en la monarquia hispânica, Valladolid, Junta de Castilla y León, 1998.

81 Martim de Albuquerque, A consciência nacional portuguesa [...] 1974, 280 ss., que defende a existência, em Portugal, de um sentimento de Estado nacional a partir dos finais do século XIV. Como, de resto, bem nota este A., a ideia, quando na época é esboçada (e não o é nem num primeiro plano da discussão nem de forma explícita e aberta), aparece sempre “por forma indirecta”, ou integrada na discussão da “legitimidade” (i.e., da ordenação do poder real ao bem comum, que seria mais difícil se o rei fosse estrangeiro), ou ligada ao tópico do carácter “natural” e imperecível do reino e da casa real (que seria posto em perigo pela sua anexação ao senhorio de outro rei, sobretudo se ele fosse rei de reinos maiores). Estes, sim, são temas centrais da teoria (mesmo, da antropologia) política medieval e moderna. Não já o tema do “nacionalismo”, que - apesar do impacto “prático” que podia ter na conjuntura portuguesa de então - carecia do estatuto teórico que apenas receberá com a teoria política revolucionária e romântica.

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Que, em 1580, a divisão dos partidos não coincide, de modo algum, com divisões «nacionais» é coisa que se tornou clara depois dos estudos de Vitorino Magalhães Godinho e, mais recentemente, de Fernando Bouza Alvarez. Tal como foi sugerido por José Mattoso já para a crise dinástica de 1385, também em 1580 a 1ógica da formação dos blocos políticos (que não eram, rigorosamente, apenas dois, o «português» e o «espanhol») não era «nacional», tendo antes que ver com fidelidades grupais, com convicções jurídico-ideológicas, com interesses políticos de segmentos particulares da sociedade portuguesa (o clero, os senhores, os círculos mercantis), com projectos de integração dos espaços económicos ultramarinos, etc.. E, do mesmo modo, também os espanhóis não sufragavam unanimemente a união, na qual alguns entreviam riscos graves para interesses gerais ou particulares. Perante isto, a explicação dada tradicionalmente para a adesão de uma importante parte dos grupos dirigentes e dos fazedores de opinião (nomeadamente, dos juristas) ao «partido espanhol» - a famosa «compra» - tem que ser posta de parte, como uma explicação muito redutora da complexidade dos motivos dos grupos que, a propósito da «união», se confrontaram.

No plano da discussão política então desenvolvida é sintomático que a questão da naturalidade do rei nunca tenha sido confundida com a da sua legitimidade e que aquela tenha estado sempre subordinada a esta. Na verdade, reis não naturais era coisa que não faltara nunca no panorama politico europeu, sendo, portanto, impossível que a teoria jurídica e política da legitimidade do poder real se apoiasse decisivamente neste tema. O «principio do indigenato» (ou seja, a reserva dos ofícios para os naturais) desenvolveu-se, sobretudo, para garantir aos vassalos de reis que fossem senhores de vários reinos, uma preferência (ou uma reserva) dos ofícios do seu reino; ou até, num âmbito politico mais limitado, para garantir essa reserva aos cidadãos de uma cidade frente a alienígenas. A naturalidade dos reis, essa era um elemento desejável, na medida em que promovia o amor entre o rei e os vassalos e, com isto, facilitava o correcto desempenho do ofício de reinar. Num contexto histórico em que a teoria do poder e a prática política estava ainda profundamente dominada pelo paradigma patriarcal, nunca é de mais encarecer os elementos simbólicos que decorrem destas aproximações entre a naturalidade dos laços domésticos no seio da casa e a naturalidade dos laços senhoriais no seio do reino. Mas convém não esquecer, porque então também não se esquecia, que a naturalidade não provinha tanto do lugar do nascimento ou da «nação» dos pais (que domina a actual teoria da nacionalidade) como da ligação, pelo sangue, à dinastia predecessora (que dominava a teoria feudal-senhorial da legitimidade do poder). Provada a legitimidade da sucessão, de acordo com a constituição tradicional do reino, estava cumprido o principal requisito de um governo legitimo.

Realmente, e antes de tudo, o problema da legitimidade coincidia com o problema da constitucionalidade do título e da constitucionalidade do exercício do poder 82. E o peso que nisto tinha a questão da «nacionalidade» era mínimo.

82 Sobre os conceitos e o seu contexto doutrinal, A. M. Hespanha, “Qu’ést-ce que la constitution [...], cit..

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O mesmo se passava no domínio da reflexão sobre a prática política onde, mais do que a «naturalidade», contava a residência no reino ou, em alternativa, a facilidade de comunicação (incluída a linguística) entre o rei e o reino 83. Nas primeiras quatro décadas de governo dos monarcas Habsburgos em Portugal, a questão central de organização do governo foi esta de garantir um fluente acesso ao rei. Procura garantir-se a sua residência em Portugal; sendo impossível, a de um filho seu ou parente próximo. Estabelece-se que o idioma de governo seja, em Portugal, o português. Que as cortes sejam celebradas em Portugal e, continuamente, pede-se que o rei visite o reino e pagam-se para isso somas avultadas. A história do Conselho de Portugal, criado, sucessivamente reformado, extinto, restabelecido, é, afinal, a história das tentativas para organizar estes circuitos de comunicação de forma conveniente para as elites de poder (que, naturalmente, não há que confundir com o reino, no conjunto complexo dos seus interesses). Para uns, os que momentaneamente dominavam o Conselho, este era o instrumento indicado; para outros, os cortesãos outsiders, mais convenientes eram instituições informais, como «juntas» em que tivessem lugar garantido; para os pretendentes não integrados nestas elites, o melhor era a comunicação directa com o rei, despachando emissários para a corte de Madrid e evitando as despesas da praxe (em «luvas» e «empenhos») com os intermediários políticos do Conselho, do Governo de Lisboa e das secretarias. Estes últimos eram, seguramente, os que mais insistiam na necessidade de um rei residente, mais, por certo, do que na de um rei natural.

Ou seja, o “nacionalismo”, só por si, não teve virtualidades (activas) para desencadear ou a resistência ou a revolta. O que parece provado, quer pelos eventos de 1580 quer pela cronologia dos movimentos anti-castelhanos nos anos 30 do século seguinte, é que justamente este sentimento nacional permaneceu como um elemento passivo até que factos políticos concretos tenham ofendido interesses sociais (de diversa natureza, desde a económica à simbólica) que, esses sim, provocaram a revolta. O nacionalismo terá actuado, neste caso, sobretudo como um cimento ideológico do bloco social contestatário, facilitando a compatibilização de interesses e pontos de vista em si destoantes.

Na Restauração, também o pathos nacionalista tem que ser bastante problematizado. Em estudo recente, em que explorei os capítulos particulares das cortes de 1641, pude comprovar como, nessa reunião do reino, celebrada no centro nevrálgico da «revolução», dois meses depois de ela ter tido lugar, os tópicos nacionalistas ou, de um modo geral, relativos à«grande política» estão quase ausentes, ocupando o primeiro plano dos procuradores, nestas como em cortes anteriores, temas de política sectorial ou local, relacionados muito mais com a vida quotidiana do que com a mudança dinástica ou a «recuperação da independência» 84.

Só para quem tenha do imaginário político e dos mecanismos políticos seiscentistas uma representação anacronicamente próxima da dos dias de hoje aquilo que acaba de se dizer constituirá um motivo de escândalo ou surpresa.

83 Sobre o tema, Fernando Bouza Álvarez, Portugal en la Monarquia Hispanica [...], cit.. 84 António Manuel Hespanha, "La «Restauração portuguesa» en los capítulos de las cortes

[...]”, cit..

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A história institucional e política mais recente tem procurado mostrar, como já se disse, que os modelos de organização e de representação do poder nas sociedades de antigo regime obedeciam a paradigmas completamente diferentes dos de hoje.

Por um lado, a sociedade política era imaginada como um corpo em que a integração das diversas partes num todo não comprometia a identidade e autonomia destas, tal como, no corpo humano, a harmonia do todo não prejudica a especificidade e auto-regulação dos diversos órgãos. Pelo menos até à ascensão de Olivares ao poder, este modelo constitucional compósito constituiu a matriz de representação e de organização da Monarquia Católica, em que a «catolicidade» do todo se procurava articular com o respeito da autonomia de cada parte. Ao ponto de que, apesar da força da ideia de unidade na teoria da monarquia, se ficcionasse uma pluralidade de corpos místicos do rei, cada um correspondendo a um dos seus reinos. Exprimindo esta ideia, algumas representações cartográficas da Península do período filipino mostram, sobre as capitais dos vários reinos da Monarquia, figuras reais distintas, com as legendas correspondentes a cada reino, embora a do «rei de Espanha» tenha atributos iconográficos denotando a sua hierarquia superior. Na titulação passa-se o mesmo. Mas, sobretudo, esse é também claramente o espírito do estatuto de Tomar, bem como da política do Prudente - no grande e no pequeno. Saliente-se que este desenho constitucional “corporativo” ou “pluralista” não era funcional em relação a todos os interesses segmentares. Não o era, desde logo, em relação a uma política dinástica, ou de potência, por parte da coroa, no plano internacional. Mas também não o era, por exemplo, em relação aos interesses dos senhores portugueses em adquirirem os privilégios jurisdicionais do direito castelhano ou dos mercadores 1usos em serem considerados como naturais de Castela para terem acesso às Índias castelhanas. Apesar disto - e também porque servia outros interesses grupais (v. g. o das camadas burocráticas portuguesas em manter uma reserva dos ofícios palatinos para si; o dos grupos nobiliárquicos indígenas em manter o monopólio das doações régias; o da Igreja lusa, em manter um estatuto jurisdicional e fiscal mais favorável) - , o estatuto constitucional de reino autónomo manteve-se, sobretudo porque correspondia a uma imagem, muito antiga e enraizada, da constituição das monarquias como unidades compósitas e plurais. Neste contexto, Portugal era um reino independente e, apesar de sugestões no sentido da pura anexação, esta realidade constitucional nunca foi posta seriamente em causa.

Por outro lado, e agora no plano da prática do poder, a existência, no topo, de um monarca alienígena não constituía uma realidade muito sensível para quem estivesse na periferia. Como tentei demonstrar noutro lado, o poder central seiscentista não dispunha, por um lado, de grande capacidade de irradiação periférica; e, por outro, mesmo no centro, estava repartido por uma multiplicidade de órgãos com atributos políticos quase soberanos, que expropriavam o centro de uma decisiva capacidade de intervenção 85. Acresce, no caso português, que, quer essas débeis extensões periféricas do poder central (corregedores, provedores) quer os órgãos palatinos do governo ordinário

85 A. M. Hespanha, As vésperas [...].

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(Desembargo do Paço, Relações, Conselho da Fazenda, Mesa da Consciência, Conselho Geral do Santo Ofício) estavam reservados exclusivamente a portugueses, decidiam segundo a lei portuguesa e comunicavam em português. Apesar das tentativas para constituir uma administração-sombra, informal, baseada em “juntas”, a administração tradicional, baseada nos conselhos, sempre muito forte, porque se fundava, também, em princípios muito assentes de organização política, como o da supremacia do governo ordinário (da «jurisdição ordinária») sobre o governo extraordinário (a «jurisdição delegada») e, em regra, os órgãos administrativos de linha (a administração «sinodal») nunca tiveram grande dificuldade em, se não impor-se às juntas adventícias, pelo menos em paralisar o seu trabalho, enredando-as numa teia de litígios e dúvidas sobre as respectivas competências jurisdicionais.

Acrescia ainda a esta «descerebração» da monarquia e à consolidação das estruturas ordinárias e tradicionais do poder reinícola, que a periferia vivia largamente sobre si mesma, auto-bastando-se e auto-governando-se, segundo um modelo de self-government, formal e informal, que descrevi noutro lado e que a tornavam muito distante e insensível em relação às convulsões políticas do topo. Se, tão tarde como na segunda metade do século XVIII, os reis de Portugal não sabiam bem que terras e senhorios existiam no reino, nem qual o estado jurídico-político exacto de muitos deles, também é provável que em muitas das terras portuguesas não se soubesse muito acerca do monarca e dinastia reinantes ou que, sabendo-se, este saber fosse grandemente irrelevante do ponto de vista da política prática local. E, assim, compreende-se facilmente que não seja fácil de concretizar, com documentos na mão, a vaga de júbilo, de que alguns historiadores falam, dos concelhos portugueses face à Restauração 86.

Finalmente, nesta linha de argumentação que procura problematizar a relevância de um «centro político estrangeiro» como despoletador de uma reacção nacionalista, há que salientar a continuidade - antes, durante e depois da União - de um pólo politico decisivo, a Igreja. Como tem sido recentemente mostrado, o poder eclesiástico tinha, nesta sociedade, um impacte local incomparável, constituindo, na prática, o único poder que conformava e disciplinava os grandes espaços territoriais e, nomeadamente, o português, não apenas no plano espiritual mas ainda no plano temporal. Ora a Igreja portuguesa, gozando de privilégios jurisdicionais singulares, pôde manter-se, como principal fonte de hetero-normação experimentada na periferia, fundamentalmente alheia às mudanças dinásticas, desempenhando, sem alterações sensíveis por parte dos destinatários, o seu múnus disciplinador. O seu pessoal dirigente continuou a ser português, a sua relação com o poder temporal e a sua disciplina interna continuou a ser a mesma e a sua prática política acentuou ainda a vertente da continuidade, pois, além do mais, a Igreja só tinha a perder, em Portugal, com a «hispanização» do seu estatuto, quer do ponto de vista jurisdicional quer do ponto de vista fiscal.

Em suma, os pressupostos de uma leitura «nacionalista» da Restauração são dificilmente identificáveis por uma historiografia que não se deixe arrastar,

86 Cf. A. M. Hespanha, "La «Restauração portuguesa» en los capítulos de las cortes [...]”, cit..

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nem pela reconstrução romântica dos eventos nem pela literatura justificativa pós-restauracionista em que, ao lado de outros, aflora também o tópico da oposição «português/ /castelhano», embora com menos vigor e com mais matizes do que pretende a sua interpretação mais corrente, também ela posta a circular pela pré-compreensão romântica e nacionalista.

Postas as coisas neste pé, importa encontrar para a Restauração explicações alternativas (ou, em todo o caso, complementares) da anterior.

Elas têm começado a aparecer, em estudos que se afastam cada vez mais de modelos mono-causais e que procuram surpreender a complexidade de um contexto de interesses e insatisfações segmentares que, conjunturalmente, confluem num movimento secessionista.

Há, evidentemente, a insatisfação perante a pressão fiscal, sublinhada numa longa série de estudos do maior especialista da época, António de Oliveira. Mas a luta anti-fiscal é, também ela, um fenómeno complexo, porque, atingindo o fisco diferentemente os vários grupos sociais, as estratégias de reacção de cada um deles é diferente, sendo até frequente que cada um procure lançar sobre os outros os impostos que não quer pagar. Ou seja, também aqui a estrutura particularista da ordem jurídica, baseada no privilégio, dificulta a organização de uma oposição unificada, contribuindo, ao invés, para fragmentar e corporativizar as reacções. A coroa, por sua vez, aposta habilmente - sobretudo na segunda metade da década de 30 - nestas fissuras do universo dos contribuintes, propondo alternativas fiscais que nele incidem diversamente e que fomentam, por isso, que cada qual, para defender a alternativa mais favorável, se ponha contra os outros. O povo pede a tributação da nobreza e da Igreja; esta insiste nos seus privilégios fiscais e sugere meios que recaiam apenas sobre os contribuintes tradicionais; os nobres procuram eximir-se por meio de serviços militares (ou, se possível, apenas da sua vaga oferta); os pobres apontam para as elites económicas e para tributos sobre a riqueza ou, pelo menos, que repartam a carga «com igualdade»; as elites concelhias, por sua vez, apostam nas fintas por si repartidas, em que, naturalmente, os menos poderosos arcariam com o peso principal do tributo; os oficiais, para salvaguardar as suas pagas, querem que se limite a liberalidade régia, sobretudo de doações à nobreza; mas já não estão tão de acordo em que essa limitação atinja, também, as tenças; os detentores de juros procuram graduar os seus créditos antes das tenças; e entre estes ruge uma férrea guerra quanto à precedência dos pagamentos.

Por outro lado, todos querem que se gaste menos, mas cada um quer garantir que esta economia o não atinja. Ou seja, os titulares de padrões de juros não querem economia nos juros; os beneficiários de tenças querem continuar a recebê-las pontualmente; os oficiais não abrem mão dos seus salários nem vêem com bons olhos a diminuição dos ofícios; os senhores não aceitam a não confirmação das doações régias e, muito menos, a reversão à coroa dos bens doados; os comerciantes e outros interessados no comércio ultramarino (por exemplo, nobres beneficiados com «quarteladas») não querem que se economize na defesa das rotas e das conquistas; o povo não quer abrir mão dos saldos dos cofres dos órfãos e dos cativos. No meio disto tudo, as despesas claramente imputáveis aos «estrangeiros» (i. e., a entidades não

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integrantes do universo dos contribuintes) não eram muitas e, mesmo os autonomistas da época, vêem-se em dificuldades para alargar as suas listas que, frequentemente, arrolam transferências «para Castela» que, no conjunto do desequilíbrio da fazenda, são ridículas.

A insatisfação anti-fiscal é, assim, um complexo conjunto de queixas contraditórias; e, com as propostas de saneamento financeiras, passa-se o mesmo. Claro que o argumento de que fora a União que trouxera as dificuldades financeiras e criara uma maior pressão fiscal era natural e tinha fundamento, embora nem sempre pelas razões então aduzidas. E, com isso, a tese autonomista podia florescer neste caldo de cultura anti-fiscalista.

No entanto, a reacção anti-fiscal não esgotava o universo das insatisfações. Outras existiam, quase sempre também corporativas e segmentares.

A Igreja estava a ser ameaçada pelo regalismo filipista, tendo as Ordenações de 1603 feito alguma marcha atrás em relação às isenções jurisdicionais concedidas por D. Sebastião; pedia-se-lhe progressivamente uma maior contribuição financeira, quer sujeitando-a a tributos gerais como o dos reais e, sobretudo, o do sal, quer endereçando-lhe pedidos directos, quer privando-a das rendas das comendas vagas e do «ano do morto»; a pressão era, ainda por cima, sublinhada pela ameaça de cumprimento mais rigoroso das leis anti-amortizadoras das Ordenações.

A nobreza via dificultada a sua imediação ao monarca, era privada dos ofícios palatinos da inexistente corte de Lisboa e, ainda por cima, tinha que suportar a concorrência dos seus pares dos outros reinos da monarquia, sobretudo dos castelhanos, muito mais ricos e decorados com títulos e grandezas por cá desconhecidos. Os senhores assistiam à infiltração de alguns estrangeiros em títulos e dignidades portugueses e, sobretudo, não conseguiam - justamente pelo facto de Portugal manter a sua autonomia jurídica e política - obter o estatuto jurisdicional mais favorável dos senhores castelhanos. Os oficiais viam-se ofendidos nas suas prerrogativas pelo proliferar de juntas e comissários, às vezes integrados por espanhóis, em ofensa do princípio do indigenato estabelecido no estatuto de Tomar. Os juristas eram marginalizados. nas suas áreas tradicionais de influência, pelos «políticos» e «alvitristas». As leituras de bacharéis - provas de entrada na carreira das letras - são suspensas e fala-se, inclusivamente, no encerramento das faculdades jurídicas 87.

Por outro, multiplicam-se as devassas ao comportamento dos tribunais, conduzidas por não juristas e originando, algumas delas, medidas punitivas. Os mercadores vêem destroçado o comércio do Atlântico por uma guerra que «é do rei e não do reino»; a Grande Trégua deixa livre aos holandeses o império oriental português; laços comerciais tradicionais, como os laços com a Inglaterra e a Holanda, caem, agora, sob a alçada do juiz castelhano do contrabando; e a desejada abertura das Índias de Castela é obstaculizada pela separação constitucional entre os dois reinos.

87 V. Estorninho, 2000; Camarinhas, 2000.

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Se deixarmos cair o exclusivismo ou mesmo a dominância do tópico «nacionalista» podemos ver, em toda a sua complexidade, a trama contraditória de interesses políticos e de grupos de poder que se perfilam, de um lado e do outro, na conjuntura da Restauração. O campo fica, então, aberto a um estudo detalhado da cena política: dos seus protagonistas, das clientelas que gerem, dos interesses políticos, sociais e económicos que agenciam, das estratégias políticas que se organizam e das coberturas discursivas de tudo isto. Muitas destas entidades têm, em 1640, histórias já antigas, algumas originárias ainda do contexto político da União, outras de grupos de poder da corte de Valladolid e de Madrid no último período do governo do duque de Lerma, outras já do período olivarista, em que se ensaiam, no âmbito de toda a Monarquia, mas também no âmbito mais localizado da política portuguesa, novos modelos de organização e de exercício do poder e em que se recrutam e promovem novas categorias de pessoal politico, ligadas, nomeadamente, à gestão financeira e fiscal. O trabalho mais recente de Fernando Bouza Alvarez e de Jean-Frédéric Schaub pode esclarecer decisivamente a filigrana política da Restauração.

Mas, na sua cobertura ideológica mais geral, todos os motivos de descontentamento da multiplicidade dos grupos autonomistas podem reencontrar-se numa ideia - a constituição do reino, como conjunto da sua forma habitual de viver politico, está a ser alterada ilegitimamente. De novo - como acontecera já com D. Sancho II e como irá acontecer mais tarde com D. Afonso VI - Portugal está a ser governado por um «rei inútil», por um tirano in exercitio. Que também o seja in titulo - i.e., que careça de legitimidade dinástica - ou que estrangeiro é, postas as coisas neste pé, pouco irrelevante, embora se possa acrescentar que a não naturalidade do rei (e, sobretudo, a sua ausência) promove esse descuido das leis, foros e privilégios do reino. Assim, a primeira chave para restaurar o imaginário político que dá unidade às contraditórias insatisfações que subjazem à Restauração portuguesa (tal como a outros movimentos políticos europeus em prol do «governo habitual» e contra a mudança e a inovação) seria, não a chave «nacionalista», mas a chave «constitucionalista». Restauração, não da independência nem sequer da dinastia legitima, mas do «bom governo», da «justiça», da constituição.

Fazer uma história não «nacionalista» da Restauração permite, ainda, situar melhor os eventos portugueses no quadro da crise geral da Monarquia Católica, que se manifesta aqui, mas também, e quase contemporaneamente, na Catalunha, em Nápoles e na própria Castela. Em todos os movimentos - àparte diferenças conjunturais - é visível o traço comum da reacção contra a inovação dos paradigmas e tecnologias de governo posta em marcha por esse ilustrado avant la lettre que foi D. Gaspar de Guzmán, conde-duque de Olivares; partidário de um governo activo, interventor, reformista, «racionalizador», cujas concepções sociais e políticas «avançadas» chocavam frontalmente com o imaginário politico dominante e com os interesses mais estabelecidos dos grupos tradicionais do poder, em Portugal, na Catalunha ou em Castela. Ora esta tarefa historiográfica comparatista está também por fazer; como está por fazer um estudo atento e desapaixonado da política de Olivares em relação a Portugal e do seu impacte nos diversos círculos sócio-políticos portugueses.

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O texto seguinte, escrito há já alguns anos e agora adaptado a recentes desenvolvimentos historiográficos, tenta encarar as coisas desse novo ponto de vista.

5.1 A historiografia portuguesa sobre os Áustrias.

A partir da década de 50 - sobretudo por influência do estudo de Jaime Cortesão, “A economia da Restauração” (cit. bib. final) -,, começaram a aparecer estudos que procuravam reduzir a perspectiva nacionalista, analisando, em contrapartida, os contextos sociais e económicos que tinham condicionado, quer a “união”, quer a “restauração” 88.

Estes estudos, situados numa época em que predominava um certo re-ducionismo do “político”, não consideravam suficientemente os efeitos político-sociais das medidas governativas. A conjuntura económica - e as suas sobre-determinações conjunturais - tendia a polarizar a explicação dos movimentos dos grupos sociais. Em contrapartida, -foram menos destacados os efeitos que sobre tais movimentos tiveram as próprias medidas políticas tomadas pelo Poder, em parte explicáveis no âmbito da evolução da economia, em parte autónomas em relação a esta.

Coube, sobretudo, a António de Oliveira, numa já longa série de trabalhos (v. bibliografia final) sobre revoltas populares durante o período filipino, chamar a atenção para o impacte das medidas governativas, sobretudo das medidas fiscais, na gestação de um ambiente activo de reacção anti-espanhola 89, esclarecendo o alcance dos elementos “nacionalistas” na conjuntura filipista 90.

No entanto, uma avaliação rigorosa e global do movimento anti-espanhol tem de ter em conta um facto fundamental, recentemente destacado, para Espanha, por I. A. A. Thompson. Mas que é ainda mais fundamental, porventura, para Portugal: o carácter estrutural das mudanças políticas empreendidas pelos

88 Joel Serrão, “Em torno das condições económicas de 1640”, cit.,; “As alterações de Évora no seu contexto social”, cit.; Eduardo d’Oliveira França, Portugal na época da Restauração, cit.; Vitorino Magalhães Godinho, “1580 e a Restauração”, cit.. Mais recentemente, e com aspectos decisivamente novos, seguem o mesmo caminho Fernando Bouza-Alvarez, Portugal en la Monarquia Hispanica (1580-1640) [...], cit., e Jean-Frédéric Schaub, "La vice royauté espagnole au Portugal au temps du Comte-Duc d'Olivares (1621-1640). Le conflit de juridicition comme exercice da politique", thèse na École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1995.

89 Também Luís Reis Torgal, num trabalho de história (social) das ideias, dedicado à Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração, procurou, para o seu campo específico, destacar alguns factores políticos da Restauração. Sobre a Restauração na cultura popular, v., sobretudo, a obra de João Marques sobre o tratamento deste tema nos sermões da época (indicações na bib. final).

90 No entanto, é ainda preciso adoptar um conceito menos agregado de “fiscalidade” para poder distinguir as diferenciadas reacções sociais que cada “tipo” de medidas fiscais desencadeava, pois o que se verificava não era uma reacção igual de todos em relação aos expedientes fiscais ou financeiros da coroa, quaisquer que eles fossem, mas antes uma reacção particular de certos grupos a certos tipos de medidas, acontecendo frequentemente que uns, para salvarem os seus cabedais, alvitravam medidas alternativas que iam ferir os interesses de outros.

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monarcas da Casa de Áustria. De facto, a forma “espanhola-olivarista” do poder apresentava características estruturalmente distintas da forma “portuguesa”, esta última mais próxima das matrizes tradicionais do sistema político europeu-ocidental, a primeira apontando para um poder central mais centralizado, liberto de limitações corporativas e, por isso, mais eficaz. Enfim, mais “moderno”.

Procurarei aqui traçar um balanço das tensões causadas, em alguns sectores estratégicos do governo, por esta mudança estrutural da forma do poder, procurando destacar as reacções sociais que daí decorreram.

5.2 Aspectos constitucionais. A comunicação entre o rei e o reino.

O período da monarquia dual introduz algumas novidades no plano da constituição política do reino 91. Algumas delas decorrem, como direi, da força expansiva do modelo castelhano, a que a constituição política portuguesa já não era imune, pelo menos desde os meados do século XVI. Outras, por sua vez, representam exigências da evolução da prática política das novas unidades políticas (frequentemente designadas com a expressão “Estado moderno”), que se manifestam mais ou menos por toda a Europa e a que a dinastia portuguesa dos Bragança não deixará, também, de se curvar.

Um primeiro exemplo de modificação estrutural, no plano da constituição política, é o do advento de novas formas de institucionalizar a comunicação política entre a coroa e os poderes periféricos do reino.

Como se sabe, durante os séculos XIV e XV, o canal mais importante desta comunicação tinha sido as cortes, nas quais tomavam assento, além dos procuradores dos estados privilegiados, os procuradores de mais de uma centena de concelhos.

Em que termos se entendia a função representativa das cortes é matéria que merece mais detida dilucidação 92. Por um lado, sobretudo quando se lhes colocaram questões de política global do reino, por sua natureza indivisíveis (v. g., questões dinásticas, como em 1385, ou relativas à regência do reino, como em 1438 ou em 1562), parece que as cortes se assumiam como representando o reino. Em contrapartida, perante questões de outro tipo, nomeadamente perante pedidos ou “serviços” a fazer à coroa - que, por sua natureza, eram “divisíveis”, pois podiam ser aceites por uns procuradores e rejeitados por outros - permaneceu até muito tarde a ideia de que cada participante se representava a si mesmo e, em seu nome, concordava ou não com o que lhe era pedido. Esta perspectiva atomista da representação, era, de resto, a que estava mais de acordo com o tópico, tantas vezes invocado, de que o que interessa a todos deve ser por todos aprovado (quod omnes tangit ab omnibus approbari debet). Na verdade, este brocardo testemunha um estádio de pré-personificação do reino; pois, adquirida a ideia de que o reino constitui um todo diferente do conjunto

91 Sobre a matriz constitucional das monarquias de Antigo Regime, v. A. M. Hespanha, “Qu’est que la «Constitution» dans les monarchies ibériques de l’époque moderne ?” (a publicar em Thémis. Revista de direito).

92 Ibid.

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das partes, está aberta a porta para a consequência de que a sua representação pode ser assegurada apenas por alguns (a maior pars ou a sanior pars).

A estrutura das cortes portuguesas, com uma abundante participação dos concelhos, favorecia este conceito atomista da representação 93. Bem se po-deria, com efeito, dizer que os poderes periféricos que importavam, para a decisão das matérias comuns, aí estavam todos. Por outras palavras, que nenhum dos presentes era representante de ausentes relevantes.

Embora, ainda na segunda metade do século XVI - nomeadamente, nos anos sessenta, sob a regência de D. Catarina de Bragança - , haja alguns sinais de quebra das anteriores concepções, é a partir dos inícios do século XVII, na prática política de Filipe II e de Filipe III, que se manifesta claramente estar-se a estabelecer - propulsionada pela coroa, mas aceite, aparentemente, pelos concelhos - uma nova ideia sobre o funcionamento das cortes no seio do sistema de comunicação política entre a coroa e os estados. Ideia cujas linhas de força são as seguintes:

• a audição do reino para fins tributários deve restringir-se ao universo dos que vão contribuir; assim, se se tratar de uma finta apenas dirigida ao povo, nobreza e clero não têm de ser ouvidos;

• o universo dos que contribuem - e, logo, que devem consentir - é um universo hierarquizado, dotado de uma cabeça, de membros e de outras extensões menores; à cabeça cumpre dar o exemplo e fazer as diligências e contactos com os membros; a estes representar (implicitamente) o resto do corpo;

• ao lado das cortes, há outros órgãos que asseguram a participação/re-presentação do reino e velam pela salvaguarda dos seus foros e jurisdições - os conselhos e os tribunais.

Este novo modelo constitucional - em que a influência do modelo cas-telhano é notória, mas que, em contrapartida, sobreviverá à Restauração -,, tem, como diremos, duas consequências políticas fundamentais.

Por um lado, promociona a imagem da unidade do reino como corpo político, dotado de uma cabeça (capital) e de extensões territoriais também encabeçadas pelas suas cidades e vilas mais notáveis. O espaço da representação política deixa de ser a anterior constelação inorgânica de centena e meia de concelhos, para se tornar num sistema, hierarquizado, de uma cabeça com um número limitado de membros, assegurando o controlo de todo o corpo.

Por outro lado, acrescenta ao modelo da representação/participação por cortes, o modelo da representação sinodal/burocrática.

A primeira manifestação nítida do novo modelo dá-se em 1612, aquando da negociação do pedido de ajuda de custo do rei para a sua visita ao reino.

Em Agosto de 1602, Filipe II escreve à câmara de Lisboa, comunicando-lhe a intenção de se deslocar a Portugal (E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., II,

93 Sobre as cortes portuguesas, o estudo mais actualizado e completo é Pedro Cardim, Cortes e cultura política [...], cit..

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139). A viagem é sucessivamente adiada, mas, em 1609, surge novo projecto, desta vez acompanhado de um pedido de subsídio para a deslocação, dados os apuros da fazenda real (E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., II, 178). Lisboa - que já vinha sendo a principal interlocutora do rei nas insistências no sentido de ele visitar Portugal - escreve então às câmaras das terras cabeça de correição, comunicando a visita iminente (ao que se cria) do rei e pedindo uma contribuição, bem como sugestões quanto ao modo mais suave e adequado de obter o dinheiro. Ao mesmo tempo, requeria-lhes o envio de uma procuração com poderes bastantes para tratar com o rei o montante do subsídio e para fazer a sua repartição pelas terras contribuintes (referência à carta de Lisboa em E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., II, 189).

Todas as câmaras respondem, reticentes quanto ao subsídio, mas apa-rentemente concordes com o processo seguido para o obter.

A intervenção de Lisboa como interlocutora privilegiada do rei e inter-mediária nas negociações é justificada com recurso ao tópico da representação simbólica do corpo pela cabeça 94. Esta ideia de encabeçamento por um de um conjunto de entes, nomeadamente para fins tributários, era corrente, não só na institucionalização da representação dos corpos, como em alguns institutos correntes do direito da época, como, por exemplo, na centralização das prestações dos vários enfiteutas de um mesmo senhorio num deles (o cabecel).

Apenas duas cidades se afastam desta aceitação do papel mediador de Lisboa. Uma delas é Santarém, que lhe coloca uma restrição, ela mesma significativa e retomada anos depois, como veremos: a função capital de Lisboa nunca precludiria o direito que as terras mais importantes - as de primeiro banco (Santarém, Coimbra, Porto e Évora) - tinham de serem ouvidas. O que apontava para uma representação do reino, ainda mais elitista, reduzida a cinco terras principais, a uma das quais se reconhecia alguma primazia. “Posto que o intento da câmara dessa cidade [de Lisboa] [...] seja sempre tratar do que convém a todo o Reino, senão pode tirar às outras câmaras do primeiro banco dar o seu parecer e voto nas matérias de importância, pois se não podem efectuar sem suas procurações.” (carta de 25.5.1609, E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., II, 190) Mais radical era o Porto, quanto a deixar-se representar por Lisboa, “porque não parece bem que sendo esta cidade a segunda do reino, e a melhor de todo Entre Douro e Minho, que fique sujeita ao voto doutra” (assento de 8.7.1609, E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., II, 128). Mas, em suma, o que parecia estar em causa não era o princípio da representação saniore parte; era o do âmbito dessa parte - cabeças de comarcas, só terras do primeiro banco ou só mesmo Lisboa ?

As relações entre os concelhos ouvidos e o resto do reino não ouvido não é expressamente abordado, salvo no caso de Tavira, que se assume, cor-respondentemente, como cabeça do Algarve (“ela só tomará a sua conta todo o Serviço que este Reino do Algarve lhe há-de fazer” (carta de 20.8.1609, E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., II, 209). Cartas de outras terras sugerem que elas só estavam a responder pelos seus termos, sem se arrogarem a representação da comarca; é o caso de Lamego, Miranda ou Braga. Mas outras claramente se

94 V. Hespanha, 1989, para exemplos textuais da época.

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encarregam de contactar as terras “suas dependentes”, como o fazem Coimbra e o Porto.

Enfim, o negócio conclui-se, fazendo-se a repartição por comarcas. O dinheiro envia-se para Lisboa, onde ficará à guarda da cidade, acabando esta por autorizar o seu dispêndio para outros fins, embora protestando que o não poderia fazer sem consentimento das câmaras contribuintes.~Embora Manuel Severim de Faria informe que foi grande a reacção contra a finta, por ser geral, por ter sido aprovada por poucas câmaras e por ser lançada sem cortes (cod. 241, da Bib. Nac. Lisboa, II, 29), o que é certo é que estava lançado um novo modelo de representação e trato com o reino.

Este modelo facilitava o controlo político do reino. Por um lado, tornava mais operacional, do ponto de vista da coroa, a comunicação com os poderes periféricos. A convocação e celebração de cortes era um processo moroso, dada a enorme quantidade de concelhos representados e a sua dispersão territorial. Mas também, do ponto de vista dos concelhos, sobretudo dos pequenos concelhos, a ida a cortes era, muitas vezes, pouco apetecida, pois a deslocação dos procuradores obrigava ao empenho das suas rendas por muitos anos, sem que, no final do processo, resultassem benefícios muito aparentes (Hespanha, 1982, 380 ss.). Numa época em que a coroa já tinha estabelecido uma rede de funcionários - nomeadamente, os corregedores - que podia servir de canal de comunicação permanente entre o centro e a periferia e em que tribunais e conselhos centrais digeriam com certa eficácia a informação daí resultante, o modelo das cortes, estabelecido numa anterior fase do sistema de comunicação política, revela-se muito pouco económico.

Por outro lado, a substituição de um modelo participativo e atomista por um outro representativo, nomeadamente, sob a forma de uma representação de muitos por muito poucos, facilitava o controlo político do elemento concelhio. Sobretudo, se se tiver em conta que, a partir dos meados do século XVI, as vereações das câmaras mais importantes eram de nomeação régia. Em 1598, o Cardeal Alberto reivindica para si o apuramento das pautas das câmaras do primeiro banco; em 1620, duas cartas régias (de 1.7 e 20.7) remetem a decisão para Madrid, o mesmo dispondo o regimento do vice-rei Conde de Basto, em 1633 95 É difícil deixar de pensar que este progressivo controlo dos governos das principais cidades e do processo de “elitização” da representação do reino não são fenómenos relacionados.

Em 1619, porém, volta-se ao modelo tradicional das cortes. Mas aí, para além de se tratar da primeira visita do rei a Portugal, estava em causa um facto político transcendente, como era o juramento do herdeiro. De qualquer modo, pela documentação conhecida, não parece que a participação dos concelhos com capítulos especiais tenha sido entusiástica 96.

A manifestação mais nítida do novo modelo de comunicação rei-reino dá-se, no entanto, com a negociação, em 1631, da renda fixa. A partir de 1630, o governo de Madrid começa a insistir na necessidade de encontrar uma renda fixa

95 Francisco Ribeiro da Silva, O Porto e o seu termo [...], I, 441 ss.; António Manuel Hespanha, História das instituições [...], cit., 257.

96 Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, III, 88 ss..

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anual de 1 000 000 de cruzados (crz.) para a constituição de uma armada permanente de 30 velas para o socorro do Brasil e para o apresto de outros meios militares para a conservação das conquistas portuguesas da Ásia e da África. Concorrendo a coroa com 500 000 crz., caberia ao reino a outra metade97. Por sugestão de Lisboa, foi nomeada uma junta, presidida pelo vice-rei, para gerir o processo do desempenho das tenças (Junta do desempenho das tenças, Junta da renda fixa ou junta de Pernambuco). Tendo o rei aceite a sugestão (ibid., III, 555), é a própria junta que lhe sugere que se convoquem os procuradores dos braços do reino, “elegendo-se cinco pelo eclesiástico, cinco pela nobreza e dez pelo povo, sendo estes nomeados por cinco câmaras das quatro cidades e vila de Santarém, do primeiro banco” (cf. carta régia de 2.1.1633). O rei concorda. Formalmente, não se tratava de cortes, mas apenas de uma junta, embora participada. No entanto, a opinião geral tomou a iniciativa como uma tentativa de convocar “cortes limitadas” (talvez à maneira castelhana), em violação dos foros do reino. Tal foi o sentido do protesto dos procuradores dos mesteres da câmara de Lisboa, que, de Outubro de 1633 a Abril de 1634 encabeçaram um movimento - que veio a ter apoio muito geral, pelo menos na capital - de contestação à convocação dos procuradores do reino - “em caso que seja necessário fazer cortes para serviço do dito Senhor, se hão-de fazer neste reino, com assistência pessoal del-rei nosso Senhor e de todos os seus povos, e não por via de junta com povos limitados” (assento de 4.2.1634).. É interessante, em todo o caso, notar, que de tal modo estava interiorizada a ideia da representação simbólica do reino pela sua cabeça, que a própria Casa dos Vinte e Quatro se arroga a representação do povo de todo o reino - “sem consentimento do povo, que é um dos braços do Reino, se não podem celebrar cortes [...] o qual consentimento o povo embargante desta cidade, em seu nome e dos mais do Reino, não pode nem deve dar” (ibid. IV, 28).

O processo era, no fundo, semelhante ao de 1609. Com algumas dife-renças. Sendo o projectado serviço de aplicação geral, convocam-se também os procuradores da nobreza e do clero. E, desta vez, opta-se por um modelo representativo menos centralizado: em primeiro lugar, porque os interlocutores directos da coroa são as cinco terras do primeiro banco; depois porque, aparentemente, são pedidas procurações a todas as terras com assento em cortes, e não apenas às cabeças de comarca. Se a tentativa triunfasse, as cortes portuguesas passariam a estar muito mais próximas do modelo castelhano.

No entanto, perante a resistência geral, a câmara pede ao rei que opte por outro meio de realizar a renda fixa e que “cesse esta voz de cortes” (Maio de 1634, ibid., 58). De futuro, a carta circular às câmaras será o meio escolhido para a comunicação entre o rei e o reino, não só para pedir donativos voluntários, mas mesmo para lançar novos impostos, como o novo real d’água. Sempre que possível, porém, Lisboa desempenha o papel de mediadora e de exemplo, encarregando-se, nomeadamente, da correspondência mais delicada.

97 Cf. detalhes em Hespanha, 1989.

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A “Restauração” 98, em 1640, não oblitera completamente este novo modelo de representação do reino. As cortes na forma da tradição constitucional portuguesa são naturalmente convocadas, ou não fora a violação desse privilégio do reino uma das queixas mais frequentes dos sectores autonomistas. Mas, logo a parir de 1641, a câmara de Lisboa recupera a sua função mediadora ao propor ao rei um sistema de realização do subsídio de 1 800 000 crz. acordado em cortes (cf. carta régia de 16.6.1641 e carta circular da câmara de Lisboa às restantes do reino, de 1.9.1641). As cortes à antiga, essas, entrarão na sua fase final, conhecendo a sua última reunião ainda antes do final do século.

5.3 Justiça e governo. Juntas versus conselhos.

Um segundo aspecto das modificações da forma do poder durante a mo-narquia dual é a instituição de um novo equilíbrio entre “justiça” e “governo”. Ou, pondo a questão do ponto de vista dos órgãos que tipicamente sustentam cada tipo de actividade, entre o governo por conselhos e o governo por estruturas comissariais (secretários, juntas ad hoc).

A opção por uma ou outra forma organizativa nem era irrelevante do ponto de vista das lutas de Poder - tanto das de âmbito mais vasto como daquelas que tinham a corte por palco - nem deixava ter uma relação profunda, quer com os objectivos do governo como com a forma de governar.

A estrutura sinodal - conselhos, com atribuições determinadas por lei e garantidas por eficazes mecanismos jurídicos contra qualquer usurpação, mesmo por parte do rei - constituía um suporte organizacional adequado à decisão judicial, garantindo a expressão de todos os pontos de vista e respeitando, por isso, a natureza tópica e argumentativa do processo jurídico de decisão 99. No entanto, revelava-se pesado e emperrante no domínio da administração activa, que exigia prontidão e inequivocidade na decisão, típicas de órgãos individuais, mas não de conselhos, acéfalos, de constituição heterogénea, e atravessados por rivalidades pessoais e estatutárias” 100.

É este modelo orgânico-institucional que entra em crise nos inícios do século XVII.

Com Filipe I, parece assistir-se, ainda, a um reforço da administração sinodal e jurisdicionalista. E, desde logo, reforçada - em termos não apenas simbólicos, mas também institucionais - a componente jurisdicionalista da administração, não apenas pela promulgação das Ordenações (em 1603) - com o que isso representava de satisfação das pretensões dos círculos de juristas, mas ainda pela reforma da justiça (27.7.1582) - e pelo reforço da estrutura sinodal da administração jurídico-judiciária, com o estabelecimento, na mesma data, da Relação do Porto (ou Casa do Cível), tendo havido propostas de criação de outros

98 Por “restauração” não se deve entender a da independência, mas apenas a de uma dinastia portuguesa.

99 António Manuel Hespanha, História das instituições [...], cit.; António Manuel Hespanha, "Justiça e administração nos finais do Antigo Regime", cit..

100 Desenvolvimentos em A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], p. 471 ss..

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tribunais superiores de Justiça 101. Por outro lado, a estrutura sinodal alarga-se à administração da fazenda, onde os Vedores da Fazenda são substituídos por um Conselho (20.11.1591), com atribuições jurisdicionais e participação de letrados 102. Com a criação do Juiz dos feitos da fazenda da Casa da Suplicação, a jurisdicionalização dos assuntos de fazenda acentua-se, pois todas as matérias contenciosas passam a ser competência deste juízo 103. Também noutros domínios de “governo”, a estrutura sinodal é aperfeiçoada: é criado um Conselho da Índia (12.8.1604; extinto em 1614, porventura por pressão da Mesa da Consciência, à custa de cujas competências se criara o novo órgão), e a Mesa da Consciência tem novos regimentos (12.8.1608) 104.

Este estilo de governar, fomentando a resolução colegial dos assuntos, sublinhando as competências dos órgãos ordinários e privilegiando a componente jurisdicionalista, transparece dos regimentos dados aos vice-reis e governadores, aos quais se recomendava a regular audição dos conselhos e a pontual observância dos estilos do governo (v.g., cap. 21 do regimento do Cardeal Alberto). Para além disso, nos tribunais, mesmo nos que não são de justiça - o que deixará de acontecer nas juntas eventuais dos dois reinados seguintes -,

pontificam os juristas, depositários da tecnologia administrativa então dominante; e que não podiam deixar de, aí, veicular os pontos de vista dos adeptos de uma matriz jurisdicionalista de exercício do Poder. O processo ordi-nário da comunicação político-administrativa passou a ser a consulta. Ouvir os tribunais e conformar-se com as consultas eram o modelo do bom governo. Segundo Manuel Severim de Faria (cod. 241, Bib. Nac. de Lisboa), um dos factores de esperança que se sucedeu à queda de Lerma e aos primeiros tempos de governo do novo rei foi o facto de que este “no despacho das consultas ajusta-se tanto ao que vai do Conselho [de Portugal] que nenhuma coisa muda, o que também guarda nos outros Conselhos” (fl. 173).

A partir da primeira década do século XVII, as coisas começam a mudar. Não apenas, porventura, por uma questão de estilo pessoal do rei ou dos seus ministros, mas porque o ritmo da evolução da conjuntura política, a premência das respostas que tinham que ser dadas e as necessidades de uma política unitária e de mudanças, obrigavam a um novo modo de institucionalização da acção política, a uma nova forma do poder central.

O sinal mais evidente disto é constituído pela multiplicação de juntas eventuais.

101 Cf. Francisco Ribeiro da Silva, O Porto e o seu termo (1580-1640 [...], cit., 1089 e Fernando Bouzas, Portugal en la Monarquia Hispanica [...], cit., I, 395 ss., ambos com novos dados.

102 A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], p. 236 ss.. 103 A solução era, no entanto, completamente disfuncional em relação aos interesses da

fazenda real, que não apenas se via sujeita à apreciação de juízes não especializados como era enleada no eficaz sistema de defesa dos direitos dos particulares observado na ordem judicial comum. Assim, os anos que se seguem, praticamente até aos meados do século XVII, são o palco de um despique entre “financeiros” e “juristas”, de que são sintomas sucessivas providências legislativas, a propósito da separação de competências quanto à jurisdição contenciosa em matérias de fazenda entre a Casa da Suplicação e o Conselho da Fazenda (A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], p. 236 ss.).

104 Sobre estes órgãos, v. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], p. 236 ss..

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Já em 1581 se criara uma “Junta da justiça de Portugal”, constituída por letrados e teólogos, visando a reforma da justiça 105. Em 1601, cria-se, em Madrid, uma “Junta para a repartição dos Contos”, constituída por castelhanos; perante os protestos do reino - apesar de o rei afirmar que não se tratava de um órgão jurisdicional concorrente do Conselho da Fazenda, mas apenas de um órgão de consulta - é extinta 106. Nos anos que se seguem - mesmo antes do consulado de Olivares que, segundo algumas opiniões, teria adoptado as juntas como modelo preferencial de organização administrativa -, multiplica-se a constituição de juntas, encarregues de diferentes temas 107.

Embora as generalizações, no estado actual da investigação sobre o tema, envolvam riscos, talvez se possa dizer que as juntas constituem o modelo organizativo de “oposição” aos conselhos institucionalizados e, frequentemente, ao grupo que neles pontificava, os juristas. Isto passou-se, seguramente, com a junta de 1612, animada pelo grupo Lerma - Castelo Rodrigo contra a facção Uceda - Salinas que controlava o Conselho de Portugal. A sua vitória levou à constituição de outras juntas, uma delas para a reforma do sistema de pagamento dos assentamentos, que não podia deixar de constituir um baluarte da oposição ao Conselho da Fazenda e à administração ordinária dele dependente 108; no mesmo sentido, a devassa, então desencadeada, contra os ministros de justiça, que chegou a causar baixas entre os altos funcionários da administração da justiça 109. Mais tarde, por volta de 1631, novos conflitos estalam entre o Conde de Castelo Novo, presidente da junta da Companhia de Comércio, e os órgãos da administração ordinária, nomeadamente os governadores e os funcionários da fazenda 110. E, no mesmo ano, verifica-se novo embate entre os tribunais ordinários, nomeadamente a Casa da Suplicação e a Mesa da Consciência, e as medidas tomadas pela Junta do desempenho das tenças (ou por sua inspiração), designadamente quando se mandam suspender os pagamentos dos salários aos oficiais ou quando a Junta se arroga poder de convocar membros dos tribunais palatinos 111.

Por outro lado, uma breve análise do pessoal nomeado para estas juntas ou comissões mostra que os juristas daí estiveram largamente ausentes. Validos, nobres ou não, e oficiais subalternos e práticos, sobretudo da administração financeira, constituíram os grupos onde, geralmente, se fazia o recrutamento. Pessoal sempre dependente do rei, destituído das garantias institucionais dos membros dos conselhos ordinários - ou, em geral, dos detentores de ofício

105 Sobre ela, por último, Francisco Ribeiro da Silva, O Porto e o seu termo (1580-1640) [...], cit. , 1098 ss..

106 Fortunato de Almeida, História [...], cit., IV, 67-68; Serrão, 1977, IV, 53 ss.; John Lynch, España bajo los Austria , cit., II, 84..

107 Cf. A. M. Hespanha, “O governo dos Áustrias ...”, cit.. 108 Sobre estes episódios, v. o relato de Manuel Severim de Faria [Faria, (BNL, cod. 241),

21 v. ss.]. 109 Faria [BNL cod. 241], fl. 27. Um dos atingidos foi Pedro Barbosa de Luna, pai de

Miguei de Vasconcelos 110 Cf. algumas peças da tempestuosa correspondência no cod. 9169 da Bib. Nac. de

Lisboa. 111 Cf. Oliveira, 1890, 14/15.

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ordinários; e, por isso, pagando a permanência em funções com a maleabilidade e a obediência ao rei e seus ministros.

Num documento de 1638, a Mesa da Consciência exprime bem o senti-mento dos órgãos da administração ordinária sobre as juntas ou outros tipos de comissão: “Algumas vezes, cometeu Vossa Majestade a uma pessoa particular, o apresto de uma armada, independente do Conselho da Fazenda com consignações e efeitos signalados, mas era uma armada só para um ano, que não continuava [...] Porém as que se continuaram por mais anos, vieram a cair e incorporar-se na fonte donde saíram, pelos inconvenientes que se experimentaram do contrário. E bem se viu nas criações das juntas e tribunais novos com separação dos antigos do consulado, do Conselho da Índia, das juntas do comércio dela, e da fazenda, nas quais se experimentou que não podiam permanecer, e se extinguiram, e sempre haveria grande controvérsia [...] o que importa é que os ministros, tenham (como têm) a suficiência que se requer para os cargos, e que corram as matérias pelos tribunais a que tocam, e que faça Vossa Majestade deles a confiança que convém.” 112

Ao lado das juntas, outros oficiais “políticos” ganham progressivamente poder: refiro-me aos secretários de despacho e secretários de Estado 113. No período de Olivares, destaca-se, neste plano, Diogo Soares que, em combinação com o seu sogro e cunhado Miguel de Vasconcelos, domina a política portuguesa de 1631 a 1640 114. Valimento que lhe permitia tratar com sobranceria e grosseria a mais alta nobreza portuguesa e os ministros dos mais elevados tribunais 115.

Para além desta progressiva concorrência das juntas com os órgãos or-dinários de governo, há outros sintomas de substituição de um paradigma jurisdicionalista de governo por um paradigma político 116.

Referimo-nos à tendência (que está ainda muito longe de se consumar) para o afastamento da via ordinária de governo - que, grosso modo, cor-respondia à via da justiça, com toda a sua abertura à controvérsia e à protecção dos direitos dos particulares - em favor de processos mais expeditos e “autoritários”.

112 ANTIT, Registo de consultas da mesa da Consciência e Ordens ,vol. 35, fls. 78-80, publicado por António de Oliveira, “Levantamentos populares no Algarve”, cit., 170. V., testemunhos concordantes em Diogo Ramada Curto, O discurso político em Portugal (1600-1650), 233 s..

113 Sobre os secretários de Estado, v., por último, A. M. Hespanha, História de Portugal moderno [...], 243 ss.

114 Sobre estes grupos v., agora, Jean-Frédéric Schaub, La vice royauté espagnole au Portugal au temps du Comte-Duc d'Olivares (1621-1640) […], cit.

115 Esta sobranceria fica bem expressa na rudeza com que lhes refere na correspondência particular com o cunhado: “[. . -I todos [os seus inimigos em Portugal] hão-de ficar como quem são, porque Senhor Compadre com fazer o que devemos, e ter menos dores, de água, hei de mijar neles e se apertarem muito consigo, direi que vão beber da merda muitas vezes, porque me disse vosso irmão quando estava cá, que por aqui entendereis como eu estava na valia, uso desta frase, e todos hão de vir beijar a mão. E esse que faz a audiência [D. Diogo da Silva, conde Portalegre] há-de ser o primeiro [...]” (carta de 20.2.1633, ms. 199, n.° 23 da Bib. Nac. Lisboa).

116 Cf. A. M. Hespanha, “Paradigmes de légitimation, aires de gouvernement, traitement administratif et agents de l’administration”, cit..

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Os sinais são muitos. O mais evidente é a proibição de recorrer aos meios ordinários de justiça para reagir contra os actos do poder. A cobertura teórica desta proibição de utilizar os meios ordinários de justiça perante as decisões emanadas dos órgãos de governo, encontramo-la numa carta régia de Filipe III aos governadores do reino: “o direito das minhas provisões e de todas as que se fizerem por jurisdição subdelegada de mim são meio da minha vontade só independente [sic] de mais que de só Deus no que não é eclesiástico e com isto respondo às demais [cartas] das meias anatas em que não deveis de consentir em nenhuma sombra de proposição contrária, e o mesmo na execução do [estanco do] sal que nem um nem outro é tributo, se não somente taxa...” (cod. 2632, Bib. Nac. Lisboa, fl. 322 v.). Enfim, o rei invoca expressamente a teoria do ofício comissarial e da iurisdictio delegata, de remota origem, mas postos em evidência nos novos modelos da administração 117.

Este conflito entre dois modelos de administração tem a sua contra-face, na luta entre dois grupos de “pessoal político”.

Daí que ao desfavor da administração jurisdicionalista correspondesse um ambiente de ataque aos juristas. Da parte destes, a reacção típica era a de insistir em argumentos “conservadores” - manutenção das jurisdições, manutenção dos foros e privilégios, manutenção da via ordinária da administração, interdição das matérias de justiça “às pessoas do governo”. Ao mesmo tempo que se procurava prestigiar a função da justiça, aumentando o número dos letrados nos tribunais, reforçando a selecção e promoção pelo mérito (que, afinal, era controlada pelo corpo dos juristas), melhorando a imagem social da justiça, sobretudo quanto à sua limpeza e eficiência, defendendo as prerrogativas simbólicas (nomeadamente precedências), aumentando os salários 118.

Em contrapartida, os “políticos” multiplicam as medidas que, intencional ou objectivamente, representavam ataques à posição dos ministros letrados. Assim, em 1612, determina-se uma devassa contra os ministros da justiça, conduzida pelo bispo das Canárias [Faria (BNL 241), 30 e 35 v.], que provocou o afastamento de um desembargador do Paço e de um desembargador da Casa da Suplicação. No mesmo ano, projectam-se medidas de economia, pela redução dos ofícios, o que não deixava de cair, sobretudo, sobre a camada burocrática, com consequentes prejuízos morais e materiais (ibid., 13v.). Em 1621, promulga-se a odiada “lei dos inventários”, que obrigava todos os oficiais a entregar, ao

117 A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], 487 ss.. Particularmente chocante devia ter sido uma nítida funcionalização da punição penal a objectivos políticos, nomeadamente ao objectivo de arranjar soldados para as armadas. Isto implicava a supremacia, na economia da punição, de razões de oportunidade sobre as razões de justiça, o que contradizia no fundamental uma ordem penal dominada por valores religiosos e morais e orientada por uma concepção retributiva (e não utilitarista da pena) (A. M. Hespanha, “Da «iustitia» à «disciplina» [...]”, cit.). E, no entanto, as ordens neste sentido repetem-se (cartas régias de 27.6.1640, 7.2.1640, 8.2.1640, 14.3.1640, 28.6.1640, 15.10.1640, todas publicadas nos respectivos volumes de José Justino de Andrade e Silva, Collecção cronológica, 1851).

118 Sobre o papel político dos juristas neste período, A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan [...], 498 ss.; A. M. Hespanha, “Justiça e administração [...]”, cit...

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tomar posse do cargo, um inventário dos seus bens 119. Em 1632, instituem-se as meias anatas, que recairiam duramente sobre o oficialato 120. No mesmo ano e em alguns dos seguintes, suspende-se o pagamento de quartéis de salários, dando origem a conflitos graves entre a Casa da Suplicação e o tesoureiro da alfândega de Lisboa (Oliveira, 1980, 32 e 33 ss.). O próprio estilo “prolixo” das consultas dos tribunais não deixa de ser censurado pelo Conde Duque 121.

Não admira, com isto, que nos tribunais se encontrassem muitos “populares”, ou seja, parciais nas opiniões que faziam curso, hostis ao governo (Oliveira, 1980, 32); e que se encontrem não poucas medidas judiciais que contrariam os objectivos do governo. Um exemplo, particularmente notório na época, é o da anulação das doações de bens da coroa feitas a nobres castelhanos (v.g., ao Duque de Lerma, ao Conde de Salinas e a D. Leonor Pimentel), por contrariarem os pactos jurados em Tomar.

5.4 Pecunia nervus rerum. A imposição de uma estrutura financeira “moderna”

A visão que decorre, quer da leitura das fontes literárias da época quer da literatura secundária sobre o período filipino, é a de que então se assistiu a um agravamento insuportável da carga fiscal. É, no entanto, necessário procurar estabelecer, com mais rigor, tanto em termos absolutos como em termos comparativos, o que de facto aconteceu.

O poder real português de Seiscentos herdou o sistema financeiro do sé-culo anterior. Na verdade, a estrutura seiscentista (até 1641, pois então as coisas mudam sensivelmente, com a criação das décimas) das receitas da coroa é basicamente idêntica à que se estabelecera a partir dos meados do século XVI, nomeadamente com o encabeçamento das sisas. Tal estrutura caracteriza-se, fundamentalmente, pelos seguintes traços 122.

A cobertura das despesas ordinárias do reino [despesas correntes da administração (nomeadamente, salários), liberalidades régias em dinheiro, (tenças e juros) e serviço da dívida (juros)] era feita, fundamentalmente, com o produto das suas receitas ordinárias. A cobertura das despesas extraordinárias (“despesas de Estado”) era feita com os sobejos das rendas ordinárias e com o rendimento do comércio ultramarino (rendimentos da Casa da Índia, muito variáveis de ano para ano).

119 Cf. cartas régias de 14.9.1621 e 31.1.1623, ambas publicadas em Silva, 1854, 1620-1627, 85-6. V. ainda Faria (BNL, cod. 241), 178. Sobre as reacções à medida, ANTT, Livraria, ms. 1116, fl. 652. Parece que terá tido um princípio de execução: ANTT, Arq. Galveias, mç. 32, n.° 3, doc. 1.

120 A. M. Hespanha, As vésperas do Leviathan ...[...], cit., 48. 121 Cf. cartas de Olivares ao regedor das justiças, Manuel de Vasconcelos, de 22.6.1630:

ANTT, Arq. Galveias, mç. 32 n.° 3, doc. 35. 122 Cf. A. M. Hespanha, As vésperas [...], cit., 147 ss., de onde se extraem os elementos

seguintes.

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O quadro seguinte, baseado em dados recolhidos noutro lugar 123, resume a situação das receitas da coroa, em Portugal e em Castela, durante o período que nos ocupa, bem como as respectivas capitações.

Rendas Portugal Castela

1601-1620 1621-1640 1601-1620 1621-1640

Rendas ordinárias por ano (em contos) 700 700 2400 2 400

Capitação (em réis) 390 390 395 395

Impostos ordinários sobre o consumo (em contos)

510 510 2 170 1 700

Capitação (em réis) 278 278 275 275

Nos dois casos, uma tributação ordinária per capita espantosamente idên-tica. Claro que estes números apenas permitem comparar, em termos globais, as respectivas cargas fiscais; mas não querem dizer nada, em termos absolutos, pois nem o imposto recaía igualmente sobre todos nem a sua incidência era homogénea.

Sobre esta punção fiscal “ordinária” enxertou-se, a partir os inícios do século XVII, a punção “extraordinária” (novos impostos e pedidos).

Não é fácil, no estado actual da investigação, contabilizar os montantes desta punção; e muito menos calcular uma sua média anual. Não são, por vezes, conhecidos os montantes inicialmente pedidos. Muito menos os resultados efectivos da cobrança ou os ritmos do seu pagamento. Por outro lado, qualquer média anual é ilusória, tanto porque, como se disse, raramente o subsídio é realizado no ano em que é pedido, antes se arrastando a sua cobrança por anos sucessivos, como porque nem sempre esta carga fiscal assumiu as mesmas formas, nem recaiu sempre igualmente sobre os mesmos grupos. Ao lado de subsídios impostos apenas aos cristãos-novos, encontramos donativos gerais de todo o reino, empréstimos ou vendas forçadas de pimenta recaindo sobre os homens de negócio, subsídios eclesiásticos, pedidos especiais à câmara de Lisboa, etc.

Embora tendo em conta todas estas dificuldades, arriscamos um cálculo global, fundado em dados que pudemos averiguar com relativa certeza.

A primeira constatação é a de que a evolução temporal destas contribuições apresenta um perfil característico: moderado até 1620, agravando-se brutalmente nas suas décadas seguintes, correspondentes ao governo do Conde Duque. O quadro seguinte justifica a afirmação:

123 A. M. Hespanha, As vésperas[...], ibid.; Miguel Artola, La hacienda del antiguo régimen, cit., 142, feito o cálculo na base de uma população de 6 145 000 hab., em 1591.

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Contribuições financeiras extraordinárias do reino (1600-1640)

Anos Montante global Média anual

(em milhares de reis)

1601-1610 170 17

1611-1620 928 92,8

1621-1630 2 990 299

1631-1640 2 290 229

Uma vez que avaliei, com recurso a uma referência da época 124, o produto anual do imposto sobre o sal (1631) em 220 contos e o do quarto do cabeção das sisas (1635) em c. 50 contos, se se quisesse obter o produto global de todos os encargos fiscais, haveria ainda que juntar o rendimento da extensão do real d’água a todo o reino (1635) e o peso de alguns dos novos impostos e estancos, sobretudo da década de 30: estancos das cartas de jogar (1630), bagaço de azeitona (1630), meias anatas (1632), quartos dos donatários (1637); o papel selado (1637) parece não ter chegado a ser cobrado.

O quadro seguinte possibilita, agora em relação às receitas extraordiná-rias, a mesma comparação com Castela 125 126.

Rendas Portugal Castela

1601-20 1621-41

1601-20 1621-40

Rendas extraordinárias/ano (contos) 55 264 858 1 790

Capitação (réis) 31 147 140 290

% das rendas ordinárias 8 38 35 75

% dos impostos ordinários sobre o consumo

11 52 50 105

Deste quadro - cujo valor aproximativo não pode deixar de ser recordado - ressalta que, se a punção fiscal ordinária tradicional em Portugal se encontrava espantosamente equilibrada com a castelhana, já quanto às contribuições

124 E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., III, 508. 125 Para os dados castelhanos, v. Miguel Artola, La hacienda del antiguo régimen, cit.,

117, 142. 126 No montante das contribuições extraordinárias castelhanas, apenas estão con-

siderados os millones; mas deve notar-se que em Castela existiam outros impostos extraordinários, para além dos millones (Miguel Artola, La hacienda del antiguo régimen, cit., 98 ss.): nomeadamente, os cientros (1626 e 1629), que correspondem aos aumentos do cabeção das sisas em Portugal, e, mais tarde, a extensión de la alcabala (1641), semelhante às décimas portuguesas, suas contemporâneas.

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extraordinárias e novos tributos os lusos se situavam a níveis muito inferiores aos seus vizinhos. Isto quer se considere o peso destas relativamente à fiscalidade ordinária da coroa quer se considere o valor abstracto da capitação dos subsídios. Com isto mesmo argumentava frequentemente Madrid, ao insistir na necessidade de novas contribuições.

Se a capacidade tributária do reino estava ou não próxima do esgota-mento - como refere a generalidade das fontes portuguesas - , é questão que não pode ser resolvida, com os dados disponíveis. Nem a resposta poderia ser uma só para todos os sectores da produção e todas as classes de contribuintes 127.

Seja como for, o que é certo é que as décadas de vinte e trinta trouxeram um brutal agravamento da tributação extraordinária, cujos encargos anuais mais que triplicaram em relação à década anterior. Habituados a um orçamento estabilizado, com tributos encabeçados ou relativamente consolidados por regimentos antigos (v.g., o foral da alfândega de Lisboa, da primeira metade do século XVI) 128 e cujos montantes eram sucessivamente atenuados pela desvalorização da moeda (sobretudo até ao início do século XVII), garantidos por privilégios que dificultavam muito a criação de novos impostos sem audição das cortes, os contribuintes são postos perante a multiplicação de formas “selvagens” de arrecadar dinheiro. Mas esta onda da tributação extraordinária - em Portugal como em Castela - não representa senão o único expediente possível para actualizar as receitas da coroa, recuperando as perdas com a inflação dos finais do século xvi, compensando a evolução negativa do comércio da Índia e respondendo ao pronunciado aumento das despesas de Estado provocadas pelas operações bélicas, sobretudo no teatro atlântico (já que as despesas portuguesas com as guerras europeias da Espanha não me parecem muito significativas).

Assim, mais do que consequência de uma decisão arbitrária da coroa, o agravamento fiscal das décadas de Olivares é o produto de diversos factores largamente inevitáveis:

i. setenta anos de estabilização das rendas da coroa (em termos nominais, já que, em termos reais, se verificou mesmo uma sua descida pronun-ciada);

ii. estancamento das receitas comerciais que, juntamente com a venda de juros, permitiam colmatar os deficits;

127 A Igreja, por exemplo, pouco foi tocada; as suas contribuições de 1623, 1628 e 1634 não sobem a mais de 240 contos, a que se deverá acrescentar a parte que lhe coube em alguns pedidos em espécie (v. g., de soldados), na retenção de tenças e juros e nos tributos e nos tributos de que não foi escusa (v.g., estanque do sal, aumento dos reais d’àgua). Em contrapartida, e dado que a nobreza também estava isenta de parte dos pedidos, embora tivesse - até por razões de prestígio - de arcar com encargos importantes, nomeadamente no recrutamento e manutenção de soldados (v.g., em 1639), o maior peso dos pedidos devia recair sobre os homens de negócio, nomeadamente os da praça de Lisboa, cujo comércio foi, por outro lado, muito abalado pelo corso holandês e inglês e pela proibição de comerciar com rebeldes e hereges.

128 A. M. Hespanha, As vésperas [...], cit., 115 ss.

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iii. aumento progressivo dos encargos do serviço da dívida (juros), em virtude da sua acumulação e consolidação, pois não houve amortizações significativas, apesar das tentativas de 1612 e de 1632, desde os meados do século XVI; em 1607, os juros ascendiam já a quase 20 % das despesas do reino (fora o ultramar); em 1618, a percentagem parece ter diminuído ligeiramente 129

iv. modificação qualitativa das despesas “de Estado”, nomeadamente pela modificação dos cenários de guerra e das técnicas náutico-militares (nomeadamente aumento da arqueação bruta dos navios, incremento do uso da artilharia recurso a soldados pagos).

O reequilíbrio do orçamento, em termos permanentes, interessava à coroa. Por duas razões. Primeiro, porque as receitas eram certas, podendo, nomeadamente, servir de base a operações creditícias. Depois, porque a sua cobrança era mais pontual. E, finalmente, porque evitava negociações con-tinuadas em que sempre corria o risco de ter que ceder algo. Embora no caso português sejam espantosamente reduzidas as concessões ou contemporizações da coroa.

A tentativa de Olivares, a partir de 1632, de instituir uma renda fixa do reino, no montante de 200 contos, correspondia justamente à tentativa de reequilibrar o orçamento ordinário, a um nível que permitisse satisfazer as novas necessidades, nomeadamente militares, que ele pensava seriam cobertas por meio da manutenção de uma armada permanente de 30 velas e 10 440 toneladas portuguesas, ainda assim paga em 50 % por outras receitas da coroa 130. Este projecto é recusado pelo reino, como renda fixa - i.e., como contribuição “ordinária” -,, embora este tenha sido obrigado a aceitar pagar, como subsídios eventuais, somas semelhantes em 1635 131, em 1636 132 e, um pouco menos, em l639 133. Em 1641, já depois da Restauração, o reequilíbrio permanente do orçamento ordinário é obtido, nomeadamente à custa das décimas e de novos e rendosos impostos, como o do tabaco.

5.5 Conclusão

Não são apenas estas as mutações estruturais originadas pela integração de Portugal na Monarquia Católica. Outras se verificam em planos tão diversos como o do imaginário social ou o dos quadros espaciais da acção política.

A arqueologia da Restauração poderá encontrar-se também aqui, nesta revolução da forma do poder. Forma que na Monarquia Católica apontou mais

129 Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos, Relatório acerca dos impostos [...], cit., I, 17; II, 6).

130 E. F. de Oliveira, Elementos [...], cit., III, 496. 131 Donativo voluntário geral: ibid., IV , 110. 132 Retenção de dois quartéis de juros, tenças e salários; Manuel Severim de Faria (BNL,

241), 319 v.. 133 Recrutamento de soldados para a Catalunha: E. F. Oliveira, Elementos [...], cit., iv,

308; retenção de um quartel de juros e tenças: ib., IV, 391.

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precocemente para sistemas de comunicação política, de governo e de alocação de recursos típicos das formações políticas estaduais. A perplexidade dos estratos dirigentes portugueses perante estas novidades é evidente. E, no seu descontentamento e revolta, exprime-se, além do mais, um forte apego às formas mais tradicionais de viver o Poder.

O advento da dinastia brigantina responde contraditoriamente a esta si-tuação. Por um lado, ensaia-se um retorno a certas formas tradicionais do Poder, reunindo cortes à antiga portuguesa, recolocando os juristas, os con-selhos e a via ordinária de justiça numa posição de destaque. Mas, por outro lado, não se poderão evitar, das anteriores mudanças, aquelas que tinham um carácter estrutural. O exemplo mais típico é o da tributação que, por meio da décima, é substancialmente elevada, reequilibrando o orçamento ordinário. As próprias cortes duram apenas mais cinquenta anos, sendo que, logo a partir de 1641, são assessoradas por uma “junta”, a Junta dos Três Estados. O que resistiu mais foi a administração “jurisdicionalista” e “sinodal”. Mas, também ela, irá sendo penetrada por núcleos de administração “comissarial”, sobretudo nas áreas de administração financeira e militar, bem como nas matérias de Estado.

Em suma, apesar de, no prazo imediato, isso se ter saldado por um fra-casso, a política católica - mas, sobretudo, a política de Olivares - em Portugal constituiu um factor de “modernização” do sistema político português. Embora, no curto prazo, tenha provocado uma reacção que reinstalou, com a Restauração, alguns dos elementos mais “conservadores” desse sistema.

5.5.1 Orientação bibliográfica

Para uma perspectiva critica da historiografia portuguesa tradicional sobre o periodo filipino e a Restauração e os seus contextos politico-ideológicos v., por último, Luis Reis Torgal, «A Restauração nas ideologias e na historiografia», História e ideologia, Coimbra 1989, e Fernando Catroga, «Nacionalismo e ecumenismo. A questão ibérica na segunda metade do séc. XIX», Revista Cultura, história e filosofia, IV (1988). Do lado espanhol, Fernando Bouza Álvarez: “La fortuna historiográfica de Felipe II entre los siglos XVI e XX. Pérdida y recuperación de la personalidad histórica del Rey Católico”, em AA.VV., El Escurial. Bibliografia de una época. La história, Madrid, 1986, 310-346.

Falta, na bibliografia recente, uma visão de conjunto sobre o período filipino. As páginas de Joaquim Veríssimo Serrão, um dos especialistas da época, na sua História de Portugal (Lisboa 1977ss., vol. III), veiculam, frequentemente, pontos de vista tradicionais e pouco distanciados; e, até pela índole do livro, não atingem o detalhe necessário. Mais interessantes, apesar da sua generalidade, são, por um lado, o artigo, já com cerca de 40 anos, de Vitorino Magalhães Godinho («1580 e a Restauração», em Joel Serrão, Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1966-1968; republicado em Ensaios, II, Lisboa, Sá da Costa, 1968, 1975); e, por outro, as páginas interpretativas dos dois livros de João Marques, a seguir citadas, e as que John Elliott dedicou à política portuguesa, na sua magistral biografia do conde-duque (The Count-Dute

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of Olivares. The statesrnan in an age of decline, London, Yale, Univ. Press, 1986 [há trad. espanhola]); páginas que tornam menos indispensável a leitura das anteriores sinteses, de John Lynch, R. A. Stradling, G. Parker, I. A. Thompson ou Domínguez Ortíz. O recente livro de Luís A. Ribot-Garcia (coord.), La monarquia de Filipe II, Madrid, Sociedad Estatal para las Comemoraciones de los Centenários de Felipe II y Carlos V, 2000, em geral muito bom,nada traz sobre Portugal (!). Em contrapartida, continuam a ser fundamentais os mais recentes trabalhos de Fernando Bouza Álvarez, desde a sua bela tese de doutoramento, Portugal en la monarquia hispanica (1580-1640). Filipe II, las cortes de Tomar y la génesis del Portugal Católico, Madrid, Univ. Complutense, 1987 (de que se espera uma indispensável edição portuguesa) até numerosos artigos ulterores, nomeadamente, entre outros: “Retórica da imagem real. Portugal e a memória figurada de Filipe II”, em Penélope. Fazer e desfazer a história, Lisboa,4(1989) 19-58; “La ‘soledad’ de los reynos y la ‘semejanza del rey’. Los virreinatos de príncipes en el Portugal de los Felipes”, Governare il Mondo. L’Impero Spagnolo dai XV al XIX Secoulo, Palermo, 1992, pp. 125-139; “Entre dos reynos, una patria rebelde. Fidalgos portugueses en la monarquía hispánica después de 1640”, Estudis, 23, 1994, pp. 83-103; para além do prefácio à sua edição das Cartas para duas Infantas meninas, cit. bib. final..

Interessante é, também, a leitura dos memoriais de Olivares, nomeadamente do «Grande Memorial» (1624), hoje publicados por John Elliott e José Francisco de la Peña (Memoriales y cartas del Conde Duque de Olivares, Madrid, Alfaguara, 1978): bem como das comunicações ao colóquio La Espana del Conde Duque de Olivares, org. por John Elliott (Valladolid, Univ. de Valladolid, 1987), cobrindo a política olivarista em relação a diversos temas e aos distintos domínios da monarquia.

Sobre aspectos mais monográficos, salienta-se a vasta e fundamental série de estudos de António de Oliveira, nomeadamente sobre reacções anti-fiscais e conjunturas políticas (v. a síntese e referências bibliográficas em António de Oliveira, «Soulèvements populaires au Portugal à l'époque moderne (1974-1987)”, em La recherche en histoire du Portugal, Paris, EHESS, 1989 e Poder e oposição em Portugal no período filipino (1580-1640), Lisboa, Difel, 1991); e os notáveis livros de João Marques sobre a parenética (A parenética portuguesa e a dominaçao filipina, Lisboa, INIC, 1986; A parenética portuguesa e a Restauração. 1640-1648, Porto, INIC, 1989).

Salientem-se, ainda, como estudos regionais sobre o período, a tese de doutoramento de Fernando Ribeiro da Silva sobre O Porto e o seu termo (1580-1640). Os homens, as instituições e o poder, Porto 1985 (completada por ulteriores estudos de detalhe, nomeadamente sobre as cortes de 1619) e um trabalho do mesmo tipo de Avelino de Freitas Meneses (Os Açores e o domínio filipino (1580-1590), Angra do Heroísmo. Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1987).

No colóquio celebrado em Lisboa, por iniciativa da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna («Encontro sobre a Restauração e a sua época, Lisboa, Junho 1990), foram apresentadas comunicações inovadoras de jovens investigadores, depois publicadas em Penélope, nº 9-10.

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Mais recentemente, são ainda centrais, os seguintes trabalhos: Mafalda Soares da Cunha, Redes clientelares da Casa de Bragança (1580-1640), Lisboa, Estampa, 2000; Jean-Frédéric Schaub, La vice royauté espagnole au Portugal au temps du Comte-Duc d'Olivares (1621-1640). Le conflit de juridiction comme exercice da politique, Paris, EHESS, difus. restr., 1997. Enquanto que Rui Manuel Bebiano do Nascimento, A pena de Marte. Escrita da guerra em Portugal e na Europa (sécs. XVI-XVIII), Coimbra, Fac. Letras, difus. restr., 1997, aporta alguns elementos relevantes.

Do estrangeiro chegam-nos ainda estudos mais sectoriais, mas esclarecedores de alguns contextos particulares, de Stuart Schwartz (A Governor and his Image in Baroque Brazil. The funeral eulogy of Afonso Furtado de Castro do Rio Mendonça by Juan Lopes Sierra, Minneapolis, Univ. of Minnesotta, 1979; de Santiago de Luxán Meléndez, La revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus caracteres nacionales. El Consejo de Portugal: 1580-1640, Madrid, Univ. Complutense, 1986; de Cl. Gaillard, Le Portugal sous Philippe II d'Espagne. L'action de Diego de Silva y Mendoza, Grenoble 1981; e, sobre a importante rede de banqueiros portugueses, uns apoiados (e apoiando) a corte de Madrid, outros financiando D. João IV, o estudo recente de James C. Boyajian, Portuguese banquers at the court of Spain, 1626-1650, New Brunswick, 1983 (que pode ser completado por estudos mais antigos, nomeadamente pelo capitulo do livro El Banco de España. Una história económica, Madrid 1970, pp. 1-196, do grande mestre Felipe Ruiz Martin e, agora, pela tesina do malogrado Nicolás Broens, Monarquia y capital mercantil: Felipe IV y las redes comerciales portuguesas (1627-1635), Madrid 1989); bem como por alguns capítulos do livro de Carmen Sanz Ayán, Los banqueros de Carlos II, Valladolid, Univ. Valladolid, 1989; e por David Grant Smith, The mercantile class of Portugal and Brazil in the seventeenth century: a social-economic study of the merchants of Lisbon and Bahia, Austin, Univ. of Texas, 1975 (Ph. D. Thesis).

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