a loucura manda lembranças

15
a loucura manda lembranças

Upload: editora-barauna-se-ltda

Post on 06-Mar-2016

215 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Os relatos indicam uma fragilidade mental da espécie humana, um desequilíbrio movido por egoísmo e ganância, que destroem tudo em volta, sem respeito por qualquer forma de vida.

TRANSCRIPT

Page 1: A Loucura Manda Lembranças

a loucura manda lembranças

Page 2: A Loucura Manda Lembranças
Page 3: A Loucura Manda Lembranças

São Paulo 2011

a loucura manda lembranças

Waldemir Matias

Page 4: A Loucura Manda Lembranças

Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda

CapaAline Benitez

Projeto GráficoTatyana Araujo

Revisão Priscila Loiola

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

_________________________________________________________________M379l Matias, Waldemir A loucura manda lembranças / Waldemir Mathias. - São Paulo : Baraú-na, 2011. ISBN 978-85-7923-337-1 1. Crônica brasileira. 2. Poesia brasileira. I. Título. 11-3096. CDD: 869.98 CDU: 821.134.3(81)-8

27.05.11 22.06.11 027397 _________________________________________________________________

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Januário Miraglia, 88CEP 04547-020 Vila Nova Conceição São Paulo SP

Tel.: 11 3167.4261

www.editorabarauna.com.brwww.livrariabarauna.com.br

Page 5: A Loucura Manda Lembranças

O civilizado não tem contemplação com ninguém.

Orlando Villas-Boas

Page 6: A Loucura Manda Lembranças
Page 7: A Loucura Manda Lembranças

dedicatória

Quando a pequena criança lhe foi arrancada dos braços por uma carcereira e três guardas armados, Olga, imobilizada por trás, em desespero reagiu com chutes e mordidas. Levou um soco na cabeça, por trás, e foi ati-rada na cama. Pendurada à porta da cela, seus gritos se espalharam pelo presídio cinzento e frio de Berlim.

— Assassinos! Cães nazistas! Minha filha, minha filhinha! Hitler vai matar minha filhinha de um ano! Assassi-

nos! Assassinos!

Olga Benário esmurrou a porta, gritou e xingou por muito tempo. Quando de sua garganta não saía mais voz alguma, mas apenas um chiado rouco, desabou no chão de cimento e ali ficou imóvel, com os olhos arregalados, como em transe.

(Morais, 1989)

Judia, nascida em Munique, revolucionária comu-nista, presa política no Brasil, Olga Benário Prestes tinha sido deportada em setembro de 1936, grávida de sete

Page 8: A Loucura Manda Lembranças

meses, com violação das leis internacionais, e entregue aos nazistas pelo governo Vargas para ser executada numa câmara de gás em 1942.

Em meados de 2007, em Maceió, uma jovem de pe-quena estatura em desespero enfrentará a socos, gritos e pontapés um punhado de brutamontes que lincham seu colega de circo, confundido com um assaltante. Somente quando o rapaz está a salvo na cabine de um caminhão, ela para de lutar. E cai desmaiada.

Page 9: A Loucura Manda Lembranças

Uma sociedade que constrói mais presídiosque escolas é uma sociedade embrutecida.

Page 10: A Loucura Manda Lembranças
Page 11: A Loucura Manda Lembranças

sumário

a orelha de Van Gogh . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13concerto para piano nº 20 em D menor . . . . . . . . . 29o voo de Safo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35democracias e gigolôs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41feliz natal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45um treponema pálido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51a casa da mãe Joana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63carta ao presidente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67vitória de Pirro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73as cinquenta velinhas e o ministro Portela . . . . . . . . . 89gás lacrimogêneo e lagostas 500 anos depois . . . . . . . 97poetas não são vencidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101Nietzsche e Evandro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105um peru no forno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109a teia da aranha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113castelo de areia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117fugitivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121canibais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129a árvore torta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133no ninho das serpentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141treze anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157

Page 12: A Loucura Manda Lembranças

quatro patas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161recortes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167o coração é uma bomba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179fontes consultadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

Page 13: A Loucura Manda Lembranças

13

a loucura manda lembranças

a orelha de Van Gogh

Franz Kafka ama Felice. Talvez nunca tenha sa-bido. A escola nada lhe disse. A veneranda senhora raramente fala

de amor. Quando o faz parece faltar-lhe convicção. Agora o convicto é ele.

“Minha pobre querida”... sempre que a chama de pobre, refere-se a si mesmo: o pobre é ele. Diz Elias Canetti.

Nega-se a ela por absoluta inadaptação? Por estar condenado

a uma morte próxima? Negamos a nós mesmos?

Todo meu modo de viver está voltado exclusivamente para a criação literária. (...) Escrevo com tua caneta, tua tinta,durmo na tua cama; estou sentado na tua sacada.

Kafka é o aprofundamento de nossos abismos amo-rosos. Nossas

tolas barreiras. Nossas perdas irreparáveis. Nossas

Page 14: A Loucura Manda Lembranças

14

Waldemir Matias

tardes sem fim.Felice Bauer é a primavera antes da Primavera de

Praga.1 A saúde que ele nunca terá. Aquela que deseja amar. Cuidar. Que traz a esperança. Que gostaria de estar sentada

a seu lado enquanto ele escreve.

Lembra-te, todavia, de que eu não seria capaz de fazê-lo.(...) Pois escrever significa abrir— se em demasia. (...) Por isso,não há nunca suficiente solidão ao redor de quem escreve;jamais o silêncio em torno de quem escreve será excessivo,e a própria noite não tem bastante duração.

Enquanto ouço Danza pastorale na Primavera de Vi-valdi o irmão

se batizando na igreja de São Pedro dos Clérigos crianças alheias

ao mundo nas escadarias de Olinda quase todas as noites agora ele se foi.

No final era pele e ossos a rirem de nossa condição humana.

A despeito de tudo Felice fez uma viagem de trinta horas para

vê-lo no sanatório. Depois foi embora. É assim. Ho-1 A Rússia, que escreveu a grande fuga para todo o globo terrestre, não

podia tolerar que as notas se espalhassem. No dia 21 de agosto de 1968, mandou para a Boêmia um exército de meio milhão de ho-mens. Pouco depois, mais ou menos cento e vinte mil tchecos deixaram o país e, entre os que ficaram, mais ou menos quinhentos mil foram obrigados a abandonar seu emprego por oficinas perdidas em fins de mundo, por fábricas distantes, pelo volante de caminhões, isto é, por lugares em que ninguém mais ouviria suas vozes. (Kundera, 1994)

Page 15: A Loucura Manda Lembranças

15

a loucura manda lembranças

mens e mulheres se perdendo numa noite eterna em livros indagações

exageradasagora Kafka está ausente. Resta-nos compreendê-lo. Conjeturas são quase sempre levianas. O ausente é

uma criança.

Kafka fez a opção mais profunda pela arte da pala-vra. A isso

sacrificou os prazeres do sexo da alimentação da bebida da reflexão filosófica da música. O amor de Felice. Ela espera. Um dia as cartas dele serão levadas ao teatro.

Ele não fez uso de antidepressivos. Preferia a cabana no meio da

floresta. E não precisou ir ao analista. Fechou-se pro-vido de uma

lâmpada e dos utensílios necessários para escrever, no mais remoto

fundo de um porão chaveado. (...)

então vamos embora deixando cartões de créditosinais de trânsito corredores gelados de manequinsimóveis sedutores contas que nunca findam a terceira guerra mundial com seus desmatamentosseus alimentos cancerígenos sua tarifas bancárias

indecentessuas drogas seus terrorismos dia e noitenão deixaremos pegadas nem recados na secretária