a logicado objeto

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    LGICA DO OBJETO NA CIBERCULTURA:ELEMENTOS PARA UMA CRTICA DA

    CONDIO CONTEMPORNEA

    Tales Augusto Queiroz Tomaz1

    Resumo:O mundo contemporneo campo de dois processos em andamento: o enraiza-mento da comunicao miditica no cotidiano atravs das mdias digitais e a assuno de

    uma nova posio do objeto em relao ao sujeito. Este ensaio busca tecer as relaes entre

    ambos os processos, com nfase especial na identificao da significao social-histrica

    dessas relaes. Cumprindo essa tarefa, pretende alimentar a discusso sobre a atual condi-

    o da produo cientfica em Comunicao, delineando os novos caminhos aos quais a te-oria necessariamente precisa recorrer. A reflexo inspira-se majoritariamente em conceitos

    de Jean Baudrillard, Eugnio Trivinho, Muniz Sodr e Edgar Morin.

    Palavras-chave:Comunicao; Cibercultura; Lgica do objeto; Capitalismo; Teoria da comunicao

    THE LOGIC OF THE OBJECT IN CYBERCULTURE: ELEMENTSFOR THE CONTEMPORARY CONDITION OF CRITIQUE

    Abstract:The contemporary world fits two current processes: the rooting of mediatic com-munication in the everyday life through digital media and the assumption of a new position

    of the object concerning to the subject. This essay seeks to relate both processes, empha-

    sizing specially the identification of the social-historical significance of such relations. To

    fulfill this task, the essay intends to stimulate discussion about the current state of scientific

    production in Communication, outlining the new paths which theory must necessarily face.

    The reflection is largely inspired on concepts from Jean Baudrillard, Eugnio Trivinho, Muniz

    Sodr and Edgar Morin.

    Keywords: Communication; Cyberculture; Logic of the object; Capitalism; Communication theory

    Este artigo prope uma reexo a respeito da emergncia da lgica do objeto nomundo contemporneo, talhado de ponta a ponta pelo fenmeno meditico no seu esti-ro mais recente, o digital. A temtica ganha relevncia na teoria da comunicao a partir,principalmente, da contribuio de Jean Baudrillard emAs estratgias fatais(1996) e constarearticulada por autores mais recentes, como ser mostrado adiante. Para essa correnteterica, o objeto, outrora renegado a um plano menor de importncia sempre subordina-do ao sujeito quase onipotente , se impe desde nais do sculo XX diante do sujeito e

    1 Mestre em Comunicao e Semitica pela PUC-SP, com bolsa da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoalde Nvel Superior (Capes). Leciona no Centro Universitrio Adventista de So Paulo (Unasp), onde coordena oGrupo de Estudos em Cibercultura e Comunicao (Geccom). E-mail: [email protected]

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    atualmente, em relao a este, assume posio por vezes mais importante. Um dos fatorescorrelatos a esse acontecimento captado pela teoria justamente o enraizamento dos mediano cotidiano, experincia intensicada na cibercultura. Se, de um lado, percebe-se a emer-gncia do objeto e, de outro, tem-se a virtualizao e a ciberespacializao do e no planeta,no difcil dar o passo seguinte e aventar a hiptese de que haja uma relao entre aarticu-lao digital do mundo na cibercultura e aemergncia da lgica do objeto. Cabe agora, neste exerccioreexivo, compreender como se d esse processo e qual exatamente a contribuio dacibercultura para a nova condio objetal. O texto naliza sinalizando brevemente paradig-mas da produo terica em Comunicao2que precisam ser revistos a partir da compreen-so construda no artigo. Trabalho mais sistemtico nesse sentido reviso de paradigmase novos direcionamentos para a pesquisa remanesce tarefa para outra oportunidade.

    Para a primeira tarefa, referente especicamente relao entre a lgica do objetoe a cibercultura, a reexo ser inspirada nos conceitos de objeto, de Jean Baudrillard; dedromocracia cibercultural, de Eugnio Trivinho; e de bios miditico, de Muniz Sodr, alm de con-tribuies secundrias de outros autores. Quanto segunda tarefa, vis--vis, a condio daproduo terica da rea da Comunicao diante desse processo, ser til acrescentar o re -ferencial terico sobre a reviso da cincia fornecido por Edgar Morin e Boaventura Santos.

    Cibercultura como fase da civilizao mediticaJ no novidade dizer que o mundo atual articulado pelos mediadigitais. Contudo, os

    discursos jornalstico-publicitrios e acadmicos celebratrios em relao a esse novo cenrioraramente tm algo a dizer sobre a emergncia, nesse contexto, da lgica do objeto, fenmenoque gradualmente conquista espao na reexo terica recente sobre a comunicao.3Como

    armado na nota introdutria, o precursor desse conceito foi Baudrillard (1991, 1996), mas aliteratura ensastica tem ecoado o pensador francs a respeito dessa temtica. Como exemplo,destacam-se as obras de Sodr (2002, p. 221-259) e de Trivinho (2007, p. 267-268 e 304-305),com um tratamento bem explcito sobre a questo. Sodr (2002, p. 238), ao esculpir seu concei-to de bios miditico, reconhece-o como marco da ascenso do objeto na sua relao com o sujeito:

    O bios miditico a resultante da evoluo dos meios e de sua progressivainterseo com formas de vida tradicionais. Historicamente, assinala o momentoem que o objeto (tanto o colossal empilhamento dos produtos de consumo quanto

    o desenvolvimento vertiginoso das mquinas eletrnicas e das telecomunicaes)alcana uma posio poderosa e indita frente ordem clssica do sujeito.

    2 Neste artigo, o termo Comunicao(com inicial maiscula) reservado rea de saber constituda na academia,enquanto comunicao(com inicial minscula) tem carter mais genrico, normalmente nomeando o processo social-

    -histrico advindo da inveno e apropriao social dos media.3 Para fazer justia, no Brasil, os discursos acadmicos que sadam o mundo digital tambm comeam a discutir aquesto da lgica do objeto, o que pode ser visto atravs de publicaes e de congressos em que o tema j aparece.Dessa forma, desvela-se um horizonte promissor para a discusso terica a respeito da relao entre sujeito e objetono fenmeno comunicacional.

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    Para Trivinho (2007, p. 267), isso signica dizer que, de agora em diante, sode fato os objetos que, ocupando o centro da cena, denem a aparncia, a silhueta e astendncias do existente, em detrimento da conscincia controladora e decisria dos enteshumanos. O reconhecimento, ainda que tardio, dessa realidade suscita imediatamentedesdobramentos outrora ignorados no mbito da Comunicao. O que , anal, essalgica do objeto? Quais so suas implicaes? Que mundo meditico este e como eleconstituiu-se em contexto ideal para o objeto? Para respond-las, urge cumprir a tarefa deresgatar, de acordo com a corrente terica adotada neste trabalho, os conceitos a respeitodo mundo meditico, privilegiando a perspectiva tensional em relao cibercultura.

    Este um mundo cuja estrutura imanente a da comunicao digital. Para Trivinho(2007), essa realidade to marcante que podemos nomear a poca como civilizao meditica.O peso da palavra civilizao proposital: trata-se de um modelo de mundo e de real inditoe cujo horizonte no apresenta o menor sinal de esgotamento, desdobrando-se para os pr-ximos sculos, pelo menos. Todas as esferas da vida humana encontram-se, em maior oumenor grau, articuladas pelos mediadigitais. Poltica, economia e cultura esto irreversivel-mente atreladas ao modus operandimeditico, que, gradualmente, tem seu eixo deslocado dosmeios massivos para os interativos. Essa constatao tambm est implicada no conceitode bios miditicode Sodr (2002), para quem a poca atual criou um novo modo de vida, umanova ambincia, articulada pela comunicao tecnolgica. A tendncia que at mesmo

    as zonas menos determinadas da socialidade, como diz Sodr (2002, p. 238), sejam alcan-adas pela comunicao tecnolgica. como se mesmo o tempo livre e o lazer estivessemsendo vividos tambm em consonncia com o bios miditico.A interatividade dos mediadigitais e sua miniaturizao cumprem o papel de aceleradores desse processo, tornando osmediauma onipresena banal no cotidiano e cumprindo exatamente as palavras de Sodr.

    Notar a crescente presena dessa comunicao tecnolgica no cotidiano no signi-ca pactuar com o determinismo do pensamento tecnolgico, que nutre-se de uma certapretenso maximalista de que a derradeira soluo de nossos problemas est na supera-o maquinstica do ser humano, como bem notou Rdiger (2007, p. 176). exatamenteo contrrio. Embora o discurso majoritrio liado ao pensamento tecnolgico vislumbreno contexto emergente princpios como os da democratizao e da emancipao vaga-mente explorados , possvel reunir sucientes elementos para se lanar suspeitas sobreesse projeto tanto sobre premissas quanto sobre resultados. Por a se entrecruzam im -

    portantes sentidos para se compreender a lgica do objeto no contemporneo.Certamente o veio de entrada para a crtica desse projeto o vnculo evidente e

    inescapvel entre a tecnocultura contempornea e o capitalismo. A cibercultura umanova etapa histrica do capital, acentua Sodr (2002, p. 238). Na verdade, como Jame-son (2007, p. 29) argumenta, o que caracteriza mesmo este capitalismo ps-moderno sua vinculao com os media, sendo este um estgio do capitalismo mais puro do quequalquer dos momentos que o precederam. O ludismo feliz proposto por interfacesamigveis egamesou as ultrafacilidades do mundo digital no devem obliterar o fato deque cibercultura expresso do capitalismo avanado da virada do milnio e da tecnolo-

    gia que com ele se associa (RDIGER, 2007, p. 176).

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    evidente que, no contexto atual, a parafernlia tecnolgica objeto de consumofomentado e oferecido majoritariamente por indstrias capitalistas, tendo se tornado desdea sua proliferao no social a ponta da reproduo do capital. A mais-potncia acrscimoperidico de infopotncia ao universo cibercultural, materializado em novos softwares, har-dwarese banda sustenta a reciclagem estrutural do parque tecnolgico e, portanto, garan-te a maximizao e a perpetuidade dos lucros desse negcio (TRIVINHO, 2007).

    A violncia da velocidade mediticaEntretanto, o vnculo entre cibercultura e capitalismo poderia ser ainda melhor

    explorado com a remisso explcita ao conceito de dromocracia, oriundo da perspectivasociodromolgica.4Virilio (1997) foi um dos primeiros pensadores se no o primeiro

    a trazer para as cincias humanas a reexo sobre a velocidadecomo valor de poca. Elenotou que todo o capitalismo se estrutura no ganho de velocidade. A ideia se assemelha aoprocesso que foi reconhecido por Harvey (2009) como as sucessivas rodadas de compres-so do espao-tempo que o capitalismo constantemente engendra visando sua prpriareproduo. nesse sentido aludido por Harvey e Virilio que pode ser interpretada a apa-rio de tcnicas como taylorismo e fordismo na produo industrial. So meios de acele-rar a produo com os mesmos recursos ento disponveis, maximizando o desempenho.

    O fenmeno meditico tambm pode ser visto sob essa perspectiva. Isso porque oprocesso de enraizamento da comunicao tecnolgica no cotidiano carrega consigo ineluta-

    velmente a implantao do tempo real, de uma vinculao imediata e instantnea, por meio darede, entre os diversos contextos de ao humana onde o fenmeno meditico se faz presente.Se a rede tecnolgica est em algum lugar, ali h a condio de superao instantnea da dis-

    tncia em relao a qualquer n dessa rede, o que se constitui no meio mais veloz de aceleraras trocas simblicas humanas em toda a histria. A interatividade, caracterstica da cibercultura, desse processo um desdobramento, uma complexizao, ao dar aparato tcnico para que atroca na rede seja bidirecional. A virtualizao e a ciberespacializao do rede tecnolgicauma ambincia mais ldica, palatvel. O tempo real torna-se, assim, objeto de povoamento,na medida em que se torna veculo de investimento de recursos cognitivos, econmicos epolticos individuais, grupais e institucionais (implicadas aqui instituies pblicas, privadas,confessionais, lantrpicas, estatais etc.) com vistas a ganhos qualitativos e quantitativos detempo. Est a consolidado um novo fenmeno de compresso do espao-tempo. H que se

    reconhecer o potencial de articulao do fenmeno meditico em seu estiro digital, que tornapossvel dizer que a civilizao meditica o pice da trajetria dromocratizante (TRIVINHO,2007). Se o taylorismo e fordismo haviam conseguido implantar sucientemente bem o concei-to de produtividade no universo fabril, os mediageneralizaram a experincia da acelerao parao mbito do tempo livre e do lazer, com o conceito de intensidade (TRIVINHO, 2007, p. 63).Esta , portanto, a era da sujeio silenciosa e sutil de todo o social aos ditames da velocidade.

    Somente uma compreenso refm do dogma liberal pode receber de braos aber-tos e insuspeitos a vantagem competitiva prometida pela velocidade da rede interativa.

    4 O prexo dromos, do grego, tem que ver com velocidade, corrida.

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    progressivamente ampliando o raio de ao dos sistemas que dirigem as formas de vidaclassicamente comprometidas com a organizao estatal, suas derivaes e suas alianas.

    Para argumentar nesse sentido, Sodr (2002, p. 238) retoma a distino sociolgicaentre societal e socivel, sendo societaltudo aquilo relacionado aos aparelhos reguladores

    da sociedade mais especicamente, Estado e organizaes empresariais e sociveloque h de humano numa sociedade.

    Ora, se a cibercultura teve xito ao levar a comunicao meditica a todas as reasda experincia humana, o que ocorreu no foi a suposta liberao do potencial comuni-cativo de uma parcela antes excluda da sociedade como quer fazer crer a ufania co -municacional vigente , mas a transformao at mesmo do ntimo do humano em maisum permetro de ao do societal. Nesse sentido, uma vez mais, a signicao do avanoda cibercultura para dentro dos lares, das empresas e at mesmo dos corpos no outraseno a reproduo no social-histrico da forma mais recente do capital e da viso de

    mundo regida pelo clculo, controle, produtividade e intensidade.A torna-se crucial reconhecer o contexto vigente como toda uma nova ambincia

    de vida, objetivo de Sodr (2002) ao cunhar o conceito de bios miditico. Neste momentohistrico, no existem meios de comunicao isolados dos sujeitos, como se a vida destesprosseguisse independentemente daqueles e a comunicao fosse apenas um hiato emsua existncia, uma incurso isolada no tempo real, da qual poderiam extrair experincias

    positivas ou negativas, dependendo nica e exclusivamente de um bom uso. Noh esse idlico uso benco da tecnologia (BAUDRILLARD, 1996, p. 79), porque atecnologia no um objeto isolado, disposto a bel-prazer do sujeito; no h a alardeada

    neutralidade da tecnologia da comunicao, como lembra Rdiger (2007, p. 171). Issoporque, a partir do momento em que compreende-se que ela tece todo um modo de vida,seu enraizamento no cotidiano adquire um sentido dominante: a vontade de poder oucontrole sobre nossas condies de existncia tpica do indivduo moderno (RDIGER,2007, p. 171). Vale frisar que a esse desejo mtico que o capitalismo tem procurado aten-der ao longo de toda a sua existncia, e ao qual, nalmente, parece ter esculpido uma for-ma ideal: o bios miditico, forma de vida adequada a uma nova etapa da organizao socialrequerida pela lgica do processo atual de expanso capitalista (SODR, 2002, p. 238).

    Reconhecer o sentido principal da cibercultura no negar-lhe a possibilidade

    permanente do uso invertido, ou, mais especicamente, de estratgias antiglobalizantes.Na realidade, justamente porque o humano sempre estar presente na cibercultura queh a possibilidade ou seria a certeza? da falha, nossa nica chance. Mas o certo que,em funo do bios miditico, no sculo XXI, serhumano nas grandes metrpoles e cidadesdesenvolvidas se tornou praticamente sinnimo de expandir a atuao da comunicaotecnolgica, da lgica societal e da vontade de poder e controle sobre a existncia.

    Sociedade tecnocntrica e a lgica do objetoSe a condio humana condiz com o exposto acima, v-se que a histria no

    mais talhada pelos rumos que o ser humano intenta, mas pelas necessidades de repro-

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    duo da tecnologia. A modernidade foi construda sobre a iluso da onipotncia do serhumano. O progresso irreversvel viria assestado na razo do homem, na sua condio desujeito da histria. A ps-modernidade o momento em que todo esse projeto encontra-

    -se em xeque (LYOTARD, 2004; KUMAR, 2006). As massas j no creem mais no fu-turo prometido pelas metanarrativas dominantes de outrora. Por outro lado, soergue-sea estrutura colossal da rede tecnolgica de comunicao meditica como veculo maisrecente da reproduo do capitalismo no social-histrico. Toda a cultura no sentidolatodo termo se v perpassada por esse eixo descentrado (TRIVINHO, 2007, p. 293)de articulao da vida humana, o que permite concluir que no mais no poder deci-srio do ser humano que repousam os rumos da civilizao, mas nos desdobramentosda comunicao meditica. Samos da sociedade antropocntrica para ingressar na so-ciedade tecnocntrica (MARCONDES FILHO, 2004). Essa transio para a sociedadetecnocntrica , portanto, uma outra possibilidade de leitura do binmio modernidade/ps-modernidade. Isso no signica excluir o humano da nova cultura emergente, masdizer que ele vigora mais como um apenso (TRIVINHO, 2007, p. 304) da reproduodas tendncias correntes do que como seu senhor.

    o objeto que emerge para produzir, por mais estranho que isso possa soar, omundo humano. Objeto, neste contexto, refere-se a todo e qualquer ente formalmenteconstitudo (no necessariamente em forma objetal) e todo e qualquer processo plena outendencialmente congurado, ambos disponveis (ou no) conscincia (TRIVINHO,2007, p. 266). Assim sendo, a assuno da comunicao meditica condio deprocessoplenamente confgurado articulador e modulador da existncia humana legitima perfeitamente aconcluso heterodoxa e inusitada a respeito da lgica objetal do contemporneo. O biosmiditicorelaciona-se ainda com a lgica do objeto porque, se mesmo os contatos maisprivados do indivduo so convocados a tornarem-se comunicao meditica, se mes-mo o que h de mais ntimo no cotidiano est imiscudo no digital, porque j no amquina que orbita ao redor do humano, mas precisamente o contrrio, para lembrar oclebre argumento de Baudrillard (2003).

    O crepsculo do sujeito foi anunciado por Baudrillard (1996, p. 100): Todos nssempre vivemos do esplendor do sujeito e da misria do objeto. o sujeito que faz ahistria, ele que totaliza o mundo. No entanto, hoje, a posio de sujeito tornou-se sim-

    plesmente insustentvel (BAUDRILLARD, 1996, p. 102). A forma maquinal de existncia,

    tpica da ordem do sujeito e que est na raiz do projeto tecnolgico, nunca consegueexpurgar completamente o contingente. Por isso, como diz Baudrillard (2001, p. 85),

    existe uma forte probabilidade, quase uma certeza, de que sistemas sero desfeitos pormeio de sua prpria sistematicidade.

    Levado a extremos de sosticao e desempenho, a um ponto de perfeio e totalizao(como o sistema virtual de redes e informao), o sistema atinge o seu ponto deruptura e implode tudo por ele mesmo. Isso no ocorre por intermdio das aes dequalquer sujeito crtico ou de quaisquer foras de subverso: isso ocorre por meio da

    ultra-realizao e reverso automtica, pura e simples. (BAUDRILLARD, 2001, p. 84).

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    No raciocnio de Baudrillard, quanto mais aperfeioado o sistema criado sob a lgi-ca do sujeito no caso, o sistema tecnolgico , mais tende a escapar-lhe das mos. Estecomportamento do objeto tambm irnico na medida em que rompe com as pretensestolas do sujeito, com seu desejo de impor leis e dispor do mundo segundo a sua prpria

    vontade, suas prprias representaes (BAUDRILLARD, 2001, p. 85).O bios miditico, essa forma de vida criada justamente imagem e semelhana da ilu-

    so de onipotncia do sujeito, apresenta em seu desenvolvimento tardio, ironicamente, aemergncia do objeto. No entanto, como Heidegger (2007) j o notara, no momento emque a tcnica mais parece se autonomizar que o sujeito se aferra sua pretenso tpica dedominar o ultradesenvolvimento tecnolgico e seus rumos. Enquanto o humano continu-ar celebrando o bios miditicocomo forma de vida mais avanada eperfeita, reproduzindo-

    -lhe desavisadamente a existncia, situa-se na ilusria posio de sujeito e paradoxalmentepassa a viver em funo do objeto; o objeto passa a moldar-lhe o horizonte da existncia.Quando d rdeas soltas sua vontade de ser sujeito do mundo e da existncia, arquite-tando com esse m um sistema quase perfeito, o humano se v na lgica do objeto.

    curioso que esse raciocnio desfaz tambm uma das maiores confuses que as com-preenses crticas da comunicao legaram para o senso comum, aquela velha ideia dos mediacomo veculos onipotentes de manipulao. Na verdade, no podem s-lo, porque sua signi-cao social-histrica no est tanto nos signos veiculados, mas na forma de vida que engen-dram, no abrao tcito a esse modus vivendi, que perdura nica e exclusivamente por delegaohumana. Esse o signicado da comunicao meditica como eixo descentrado da cultura.No h um sujeito manipulador; h um objeto sedutor. Saem de cena o planejamento e a cer-teza da razo humana, a compreenso linear, progressiva e teleolgica da histria, tpicas da

    modernidade, para dar lugar incerteza, precariedade, circularidade. A vida ancorada nofuturo preterida em favor de um presente contnuo, do que , e no do vir-a-ser. O poder dosujeito vem de sua promessa de realizao, enquanto a esfera do objeto a ordem do que estrealizando e a que, pela mesma razo, no se pode escapar (BAUDRILLARD, 1996, p. 161).

    Produo de conhecimentoReconhecer que a comunicao meditica traz consigo a vigncia da lgica do objeto, e

    que a cibercultura a fase de cumulao e aprofundamento de ambos os processos, implica umanova condio da produo de conhecimento. Torna-se urgente um conhecimento que saiba

    lidar tambm com a incerteza, com a complexidade, com a circularidade dos processos objetais.Edgar Morin (2003, p. 21) arma que devemos tornar mais complexa a nossa

    viso da histria e [] compreender a incerteza do nosso tempo, visto que no h pro-gresso necessrio e inelutvel. Para ele, conceber a nova posio do sujeito e do objeto nacontemporaneidade no deve signicar a complacncia terica com os rumos do proces-so civilizatrio. Morin (2003, p. 22) notou que, se devemos abandonar a viso que faz dohomem o centro do mundo, devemos salvaguardar a viso humanista que nos ensina que necessrio salvar a humanidade e civilizar a terra. preciso labutar na seara da cinciapara produzir novas ideias a respeito do que o humano, qual o seu lugar nessa civiliza-

    o indita e como se relacionar com o mundo tcnico autonomizado. H percalos no ca-

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    minho do pensamento. As ultrafacilidades que, numa microanlise do cotidiano, os mediadigitais proporcionam e a cultura a que deram forma, a cibercultura, podem fazer parecerque continuamos caminhando rumo ao progresso inevitvel, como se a acelerao da vidahumana fosse isenta de violncia. Corre-se o risco de remanescer obliterada a ligao um-bilical entre cibercultura e capitalismo, sendo que o novo bios a ambincia mais adequadapara a reproduo do capital. Se no houver tenso em relao ao fenmeno meditico, ateoria torna-se refm do pensamento tecnolgico (RDIGER, 2007) e ca a impressode que tudo est dito pela tcnica ou de que o futuro j chegou (SODR, 2002, p. 259).

    Talvez seja o momento de abandonar o isolacionismo terico; como diz Morin (2003),vencer a especializao, quando pensada como gueto em que determinados cientistas seenam para de l proclamarem o evangelho da cincia. Ao contrrio, numa sntese das es-tratgias de Morin (2003, p. 13-36) e Boaventura Santos (2007, p. 17-50), faz-se necessria academia a abertura 1) para a transdisciplinaridade, implodindo a separao rgida que muitas

    vezes a impede de pensar o planeta como um todo complexo, e no meramente como a somadas partes; 2) para o dilogo com outros saberes, que podem ser at mais teis em tarefasurgentes da atualidade, como a preservao do planeta; e 3) para as experincias particularese singulares de resistncia ao pensamento nico do tardocapitalismo neoliberal que pululamno planeta, normalmente passadas por alto pela suposta soberania do saber racionalizado.

    Na Comunicao, cabe pesquisa reconhecer que 1) h experincias comunica-cionais tambm fora do domnio do bios miditico(Sodr, 2002); que 2) a tecnologia no neutra em si, mas produto reexivo do problemtico desejo de assujeitamento da exis -tncia, que parece se realizar mais no seu contrrio, isto , na lgica do objeto; e que 3)a civilizao meditica muito provavelmente no cumprir suas promessas de bem-estar

    e progresso, sendo apenas expresso dessa fantasia humana de estender seu poderio eseus limites (RDIGER, 2007, p. 175-181). preciso esclarecer que o modelo mediticode mundo exacerbado com a cibercultura no um fato dado, ao qual devemos celebrarna ausncia de alternativas, mas uma construo social-histrica no mnimo passvel decrtica, conforme demonstrado acima. Sem essas diretrizes tericas, ser muito fcil pesquisa em Comunicao sucumbir ao ufanismo em torno das novas tecnologias digitais.

    Consideraes finaisA tarefa da crtica tornou-se mais rdua com o advento da cibercultura e da lgica

    do objeto. Embora possa ser demonstrada teoricamente a validade da crtica tambm aessa condio social-histrica, a verdade que o discurso majoritrio vai justamente nacontramo; adepto do pensamento nico, decreta o m da histria, acha-se no direito deanunciar que este o melhor mundo que j existiu.

    contra essa asxia, essa falta de oxignio renovado, que deve se insurgir a ree-xo em cincias humanas e sociais, oferecendo flego ao pensamento. O enfrentamentode uma realidade complexa s se faz com um pensamento igualmente complexo, capazde discernir as tendncias do presente e sua signicao social-histrica. O caminho paraa compreenso da contemporaneidade passa, obrigatoriamente, pelo terreno da Comuni-

    cao, o que d a esse campo do saber certeza da relevncia acadmica.

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