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A LITERATURA NA BAHIA Tradição e modernidade Cid Seixas e-book.br EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL A LITERATURA coleção a literatura na bahia / 1 NA BAHIA (Livro 1) issuu.com/e-book.br/docs/tradicaomodernidade

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A LITERATURANA BAHIA

Tradição e modernidade

Cid Seixas

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IVRO DIGITAL

A LITERATURA

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A LITERATURANA BAHIA

Com o subtítulo Impas-ses e confrontos de umavertente regional, esta cole-ção planejada pelo autor pre-tende reunir diversos textosescritos sobre o tema, ao lon-go das suas atividades jorna-lísticas e acadêmicas.

Inicialmente, o plano com-preende as primeiras mani-festações do modernismo naBahia e seu desdobramentoimediato propiciado pelosacontecimentos dos anostrinta do século passado.

Deste modo, os primeirose-books da coleção, conco-mitantemente lançados são:Tradição e modernidade;1928: Modernismo e matu-ridade; e Três temas dosanos trinta.

Outros e-books serão dis-ponibilizados na net aindaao longo deste ano, permi-tindo acesso a qualquer lei-tor a informações sobre avida cultural baiana.

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Tipologia: Garamond, corpo 12.Formato: 12 x 18.

Número de páginas: 100.

Endereço deste e-book:https://issuu.com/ebook.br/docs/tradicaomodernidadehttps://issuu.com/cidseixas/docs/tradicaomodernidade

http://www.e-book.uefs.brhttp://www.linguagens.ufba.br

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A LITERATURANA BAHIA

Tradição e modernidade

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IVRO DIGITAL

Cid Seixas

(Livro 1)

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CONSELHO EDITORIAL:Adriano Eysen

Cid SeixasItana Nogueira NunesFlávia Aninger Rocha

Francisco Ferreira de Lima

EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL

Coleção Literatura na Bahia, vol. 1

2016

A LITERATURA NA BAHIAImpasses e confrontos de uma vertente regional

1 |Tradição e modernidade2 | 1928: Modernismo e maturidade

3 | Três temas dos anos trinta4 |Final do século XX

5 | No tabuleito da baiana (a sair)

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SUMÁRIO

GodofredoFilho,pioneiro do modernismo na Bahia ..................... 9

Um poeta modernistanas relações luso-brasileiras ................................ 43

Modernismo e tradicionismo na Bahia ............ 59

Quando a poesia era uma festa ......................... 77

A poesia do Decano ........................................... 87

Livros do Autor ........................................... 93

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Os poetas Godofredo Filho, Eurico Alves e CarvalhoFilho, na fazenda Fonte Nova, em São José das Itapo-rorocas, Feira de Santana.

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GODOFREDO FILHO,PIONEIRO DO MODERNISMO

NA BAHIA

O texto deste artigo teve origem por ocasiãodas comemorações dos cinquenta anos de presençaliterária do poeta Godofredo Filho. Na edição dodia 23 de maio de 1975 da Tribuna da Bahia publi-camos um artigo intitulado “Godofredo Filho, 50anos de presença literária e do modernismo naBahia”, ilustrado com fotografias do acervo dopoeta.

Nascido na Feira de Santa, no dia 26 de abrilde 1904, Godofredo morreu em Salvador, no dia22 de agosto de 1992, aos 88 anos de idade. Ten-do passado a residir na capital do Estado, ondefez sua carreira de intelectual, o poeta costumavaretornar com frequência à sua fazenda na cidadenatal.

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A ligação telúrica de Godofredo Filho é teste-munhada por Consuelo Pondé, ex-aluna do mes-tre na antiga Faculdade de Filosofia , Ciências eLetras:

“Mas, aqui e agora, estou a relembrar o feirenseapaixonado por sua terra que, nos ARQUIVOS IM-PLACÁVEIS, de João Condé, publicados em O Cru-zeiro, muitos anos atrás, declarou categórico quehaveria de sepultar-se em Feira de Santana, no Ce-mitério da Piedade.” (Pondé, 2013)

Nas constantes idas à Feira de Santana, Godo-fredo mantinha contato com outro escritor feiren-se da mesma geração, Eurico Alves (27 de junhode 1909 / 04 de julho de 1974), cujo papel de des-taque no modernismo baiano se deu em revistasda década de 20 como A Luva e, especialmente,Arco & Flexa, da qual foi um dos fundadores, se-gundo testemunho de Hélio Simões em depoimen-to a Ívia Alves (1978).

Segundo depoimento de Godofredo em nos-sas conversas para recolher dados, seu trisavômanteve na fazenda, na Feira de Santana, uma or-questra formada por escravos e forros, tipo de re-

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Tradição e Modernidade

quinte pouco conhecido no sertão baiano e sobreo qual não existem registros conhecidos. Bem ver-dade que Eurico Alves (1989), no estudo intituladoFidalgos e Vaqueiros, sugere, já a partir do título, oespírito de requinte contrastante com a imagemque se tem do agreste feirense.

Em 2015, transcorreram, sem comemorações,os 90 anos da poesia moderna na Bahia. Em ja-neiro de 1925, Godofredo Filho publicou seusprimeiros poemas de feição moderna na páginaliterária do jornal A Tarde, acompanhados do arti-go “Poesia Nova”, de Carlos Chiacchio.

Dois anos depois, no Rio de Janeiro, O Jornal(1927) também publicava uma entrevista com opoeta feirense, abrindo espaço na Capital do Paíspara o lançamento de Samba verde, previsto parao ano seguinte.

Na Bahia, nos anos de 1974 e 1975, uma sériede eventos, promovidos pelo poeta Carlos Cunhae por nós, marcaram os cinquenta anos do mo-dernismo, com ênfase na figura de GodofredoFilho. Foram publicadas as plaquetes Solilóquio(contendo sete poemas da maturidade e a repro-dução do manuscrito do soneto que dá título ao

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volume) e Sete cantares de amigo, com poemas deCarlos Cunha, Carvalho Filho, Cid Seixas,Florisvaldo Matos, Humberto Fialho Guedes,Ildásio Tavares e Myriam Fraga, dedicados ao au-tor de Solilóquio. A contracapa dos Sete cantares deamigo, assinada pelo crítico modernista AlceuAmoroso Lima, destacava “a extraordinária origi-nalidade da sua poesia”. (Lima, 1975)

UM DESBRAVADORDE IDÉIAS

Enquanto, em São Paulo, a década de vintemarcava o rompimento brusco e panfletário dainteligência mais atuante com os postulados esté-ticos do século XIX, na Bahia, parnasianos cau-dais e simbolistas de vôo rasteiro fossilizavam oprestígio de um decadentismo cultural que pode-mos chamar de belle époque epigônica dos becos ebotecos da antiga metrópole colonial.

Para melhor compreensão da vida literáriabaiana dessa época, convém não perder de vista oalvorecer do século, quando Afrânio Peixoto eXavier Marques esboçaram um procedimento es-

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tético que se tornou matriz para poetas, prosado-res e publicistas do primeiro quartel do século XX,na velha Cidade do São Salvador e adjacências.

Lembre-se que a posição desses dois escrito-res nas letras nacionais já representava umacontemporização do romantismo, aliada às páli-das tintas de um naturalismo meteórico. Por isso,a belle époque baiana pouco acrescentou ao seu pas-sado, limitando-se a um pastiche dos seus doispredecessores imediatos.

A rigor, após o romantismo, poucos consegui-ram permanecer a cavaleiro nesse bailecastroalvino de viúvas condoreiras, que era o gran-de sarau literário da chorosa Bahia de Cecéu. En-tre estes, destacam-se uns poucos heróis: os “bra-vos rapazes” das revistas Nova Cruzada e Os Annaes,que desempenharam o papel de disseminadoresdo simbolismo, no primeiro decênio do século.Mas os nomes de Pethion de Villar, Pedro Kilkerry,Durval de Moraes e Arthur de Salles não poderi-am transpor os limites do simbolismo visto daprovíncia e anunciar a instauração do pensamen-to moderno. Embora insólitos com relação aogosto literário do fim do século XIX, as próprias

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condições do ambiente cultural baiano criavamentraves para o grande salto que representaria umanova revolução na sua formação estética.

Bem verdade que em outros estados nordesti-nos, poetas de inspiração parnasiana e simbolistaevoluíram para o modernismo, conforme o signi-ficativo exemplo de Jorge de Lima – que come-çou como sonetista neoparnasiano, autor doantológico “Acendedor de Lampiões”, um dosXIV Alexandrinos, e chegou a ostentar o título dePríncipe dos Poetas das Alagoas, conforme regis-trou Alfredo Bosi (1974). Jorge de Lima conse-guiu dar o salto e já com O Mundo do Menino Impos-sível adere ao modernismo, como ressalta ManuelBandeira (1967). Como epígrafe dos Novos Poemasse lê: “E o menino impossível quebrou todos osbrinquedos que os vovós lhe deram”.

Já entre os baianos, os brinquedos doados pe-los avós eram guardados e transformados em uten-sílios poéticos pelos netos adultos, veneráveis an-ciões a brincar com pelourinhos de papel doura-do. Até mesmo o fenômeno Kilkerry, “sistema dealarma premonitório” da arte poética moderna,teve sua voz abafada pelo som bombástico dos

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atabaques retóricos. Marshall McLuhan (1974) tor-nou lugar comum a concepção de Ezra Pound,no seu Abc da Literatura, do artista como “antenasda raça” ou como antecipador de ocorrências etendências sociais. Surpreendentes, mas em per-feito e tácito acordo com tais concepções, são al-guns trechos do poeta Pedro Kilkerry no JornalModerno, em 1913, sob o pseudônimo de Petrus:

– “Olhos novos para o novo! Tudo é outro outende para outro!”

– “O metro é livre: vivamo-lo. O mais impor-tante, porém, de tudo, dessa complexidade, de todaessa demência raciocinante é que as harmonias in-dividuais, os caracteres não podem ser velhos comoos senadores de Roma ou os sete sábios quecofiaram longas barbas na velha Grécia. Não searrastam passos, braços não tremem; na existênciado século não se titubeia.”

– “Ao tempo em que escrevo estas linhas, já aíestá a urgência suarenta do tipógrafo a espiá-la eouço a trepidação ansiosa do maquinismo impres-sor, a que estou associando a ânsia dos leitores nonosso órgão, que é o do seu momento social, dahora que soa.” (Kilkerry , 1913)

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Apesar da sonora proposta vanguardista – Olhosnovos para o novo! – a província desconheceu ou nãoquis entender a contribuição de Kilkerry, cujo pen-samento foi encontrar paralelo anos mais tarde,não mais na Bahia, mas em São Paulo, pelo intré-pido voyer Oswald de Andrade – “Ver com olhoslivres” (1972) –, conforme notou e anotou atentoAugusto de Campos (1970).

Por uma desconfiada indiferença ao novo é quese costuma afirmar que o movimento modernistasó chegou à velha Província da Bahia vinte ou trintaanos depois. Na verdade, há um injusto exagero,porque em 1925, ou seja, três anos após da Sema-na de 22, um jovem poeta baiano, então desco-nhecido, publicava seus primeiros trabalhos nosuplemento literário do jornal A Tarde, causandoestranheza e tumulto. Era Godofredo Filho, omesmo iniciante que mereceu da Pongetti a edi-ção do livro Samba verde, em 1928, ano em que omodernismo tupiniquim saltou da sua fasedemolidora para um profundo encontro com aidentidade do Brasil. Anos mais tarde, a revistaOcidente, de Lisboa, abriria algumas vezes as suaspáginas ao poeta baiano, como em 1971, através

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do ensaio de Jerusa Pires Ferreira, que afirma comênfase: “É ainda na alquimia que Godofredo Fi-lho se mostra o grande preparador, o grande alici-ador e codificador de mistérios, um dos maisinjustiçados poetas brasileiros. É preciso conhecê-lo para avaliar a sua altitude transfiguradora, a suagrandeza de destruidor/construtor (princípiomecânico que rege a arte e a consciência de umaModernidade).”

E diz mais:

“Em Godofredo Filho há uma depuração ouexaltação alquímica do macabro, a organização dodesconcerto buscando um Caos salvador, uma ligade que se conhecem e arrumam os elementos e emque se manipulam vocábulos raros como se pode-ria manipular o simbolismo das cores operacionais.“Canto cruel” é o caminho cada vez mais intensode um poeta que não chega a ser tragado pelo mal-dito, porque nos dá e retira, ele próprio, a possibi-lidade de entrever longínquos mundos, perdidasperfeições distantes, de se salvar ou nos salvar porum ciclone de cristal, no vale misterioso que a música sus-pende.” (Ferreira, 1971)

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Eugênio Gomes (apontado por muitos comoo autor do primeiro livro modernista publicadona antiga metrópole colonial), ao discutir a pre-sença da arte moderna na Bahia, afirma que “quemquiser captar as suas primeiras manifestações teráque começar pelo poeta Godofredo Filho. Estefino lírico atraiu para si a pior empreitada, atiran-do-se inicialmente sozinho à jaula dos leões dareação local, no começo da década de 1920, quan-do o eruditismo intolerante ainda predominava demaneira hostil”. (Gomes, 1954)

Vejamos então o acontecimento tomado comomarco inicial da consciência modernista na Bahia:a estréia literária de GF, que se deu há noventaanos, quando, sob o título de Poesia Nova, o críticoCarlos Chiacchio publicava a seguinte nota:

“Godofredo Filho, vinte anos em flor, é o poe-ta que hoje o suplemento literário da A Tarde vaerevelar ao mundo das letras. A sua obra, só conhe-cida dos íntimos, é já numerosa e rica em prova detalento, de tamanho prestígio lyrico, nas suas pro-messas calorosas, que se lhe pode classificar, noconceito justo de um dos nossos homens de letras,como a maior expressão da poesia nova da Bahia.”

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E prossegue em texto que não vinha assinado,mas como figurava na seção mantida no jornal ATarde pelo conceituado crítico, a autoria não ofe-rece dúvida.

“É perfeitamente dispensável adeantar juizoscríticos sobre as producções que a seguir publica-mos, valendo apenas, por alegria de reconhecervalores legítimos na nossa fecunda terra tradicio-nal da poesia e do talento, chamar a attenção dosleitores para este poeta moço, vibrante de rythimossadios e idéias novas, tão empolgantes pela frescu-ra matinal das tintas, como impressivas pela preco-cidade extraordinária dos seu estro.” (Chiacchio,1925)

Além desta apresentação, inegavelmente hon-rosa para um jovem de apenas vinte e um anos(pois lhe abria as portas de uma roda fechadíssima,girando em torno dos nomes que reverenciavama figura de Chiacchio), eram publicados cinco po-emas de Godofredo: “Ironia”, “Melancolia doArrabalde”, “Onde o silêncio dorme”, “Esta sau-dade do adolescente lyrico” e “Poça d’água”.

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Logo depois viria a projeção do seu nome nosmeios modernistas do sul do País, quando o poe-ta Manuel Bandeira reuniu um grupo de intelectu-ais numa das célebres noitadas da sua casa de San-ta Tereza. Eugênia e Álvaro Moreyra, os então jo-vens Mário de Andrade, Jayme Ovalle, Prudentede Moraes Neto, Augusto Frederico Schmidt eRodrigo M. F. de Andrade ouviram pela primeiravez os versos de Godofredo. Assim o seu nomepassou a ter livre trânsito, tanto pelas entrevistassobre arte moderna concedidas a O Jornal (1927) ea O Globo (1928) quanto pelo respeito que mere-cera dos iniciadores do modernismo brasileiro.

A atenção com que os modernistas do primei-ro momento acompanharam Godofredo Filhopode ser testemunhada tanto pelas alusões críti-cas ao seu trabalho quanto por episódios particu-lares, registrados em correspondências, hoje trans-formadas em documentos valiosos para o estudode um momento privilegiado da inteligência bra-sileira. Entre estes papéis está um bilhete, de 1927,escrito por Mário de Andrade a Couto de Barros,numa folha amarrotada:

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“Eu gosto muito de Godofredo Filho e queropedir para você fazer as honras da nossa terra praele. Escrevo nisso porque cadê cartão? Cartão estána mala grande lá no hotel e eu nesta Cabaça gran-de comendo uma peixada à moda da casa com vi-nho Granjó e quase desistindo de falar brasileirodiante destas tradições gostosas. Mostre coisas bembonitas, heim! Arquiteturas, Tarsila, São Bento,Guilherme com Baby, você, prudencial e cômicoetc.” (Andrade, 1927)

Veja-se o fac-símile do referido Bilhete de Má-rio de Andrade a Couto de Barros publicado emnúmero especial do Jornal de Cultura, suplementoliterário do Diário de Notícias, dedicado ao poeta,nas comemorações dos seus setenta anos. (Seixas,1974)

Convém lembrar ainda o artigo de Manuel Ban-deira que testemunha a luta de GF e torna incon-testável a posição, que lhe é de direito, de inicia-dor do modernismo na Bahia:

“A apresentação vale a pena. Godofredo Filhoé um admirável poeta. Tem 23 anos e nunca saiuda Bahia. Sensibilidade ardente e pronta, técnica

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precisa, ao par dos últimos achados da vanguar-da”. (Bandeira, 1927)

Enquanto, no Rio de Janeiro ou em São Paulo,Godofredo Filho assumia o papel de reverberadordas ressonâncias modernistas ocorridas em terrasbaianas, aqui na Província, o movimento ia aospoucos se estabelecendo. Numa época em que osjovens – congregados em torno de Anísio Teixeira– passavam das letras às disputas filosóficas e àsjustas políticas, Godofredo Filho e Jerônimo Sodréfundavam a Liga de Ação da Mocidade. Era um “mis-to de sociedade literária e científica, de partidopolítico e falange revolucionária, cuja organizaçãoimpossível e estatutos chegamos a esboçar”.(Godofredo Filho, 1952)

Nestor Duarte, Jayme Junqueira Ayres, FelixPoncet, os dois Faria Gois, Hebert Fortes, Luís deSena, Hermes Lima e Luís Viana Filho eram osnomes de prestígio jovem. Somente depois, comoassegura GF em depoimento de 1952, é que sur-giria o grupo Arco e Flexa, com “aqueles irrequie-tos rapazes, que hoje são os queridos e sereníssi-mos Rafael Barbosa, Hélio Simões, Pinto de

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Aguiar, Eurico Alves, sem falar nos que por aí vãoesquecidos”.(Godofredo Filho, 1952)

Desse modo, Carvalho Filho, Eugênio Gomes,Hélio Simões e Afrânio Coutinho foram expres-sões das mais significativas, no âmbito da criaçãoou da reflexão crítica, de uma consciência demodernidade que se esboçava, mas cujos primei-ros embates têm como cavaleiro a figura deGodofredo Filho.

O próprio Eugênio Gomes afirmou que o au-tor de Solilóquio é “o legítimo precursor do mo-dernismo na Bahia e um dos melhores poetas bra-sileiros de sua geração”. Esclarece ainda que “arigor, não pertenceu ao grupo de Chiacchio; ti-nha-se antecipado de alguns anos em escandalizaras tranquilas consciências literárias de nossa terra,com experiências surrealistas que, se fizeram rir amuitos, deixaram outros apreensivos, pois, tam-bém havia certa ordem nessa loucura” (Gomes,1954)

Assentada a importância do papel desempenha-do por GF na renovação das nossas letras, resta-nos um problema estritamente ligado a esta dis-cutida e discutível renovação. Sabemos que em

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1928 a Pongetti imprimiu Samba Verde, com poe-mas nitidamente modernistas de Godofredo Fi-lho (1928), como o onomatopaico Fiau, espraian-do-se confortavelmente pela folha em branco:

“– Zum!– Fiau!

A vaia do vento,pela boca entreaberta da janela,

esguincha,pincha

e raiva, fria,uma ironia

braviaque assovia...

– Fiau!Bulindo, tinindo, rindo

dessa tranquilidade ingênuaos interiores,

em brusca troça, brava, boa,rechinaestoura,espoucaa vaia

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que azagaia,do vento

agora bronco, meio broco,enrouquecido,apalermadoo vento...– Fiau!”

Nesse mesmo ano de 1928, antes do esperadolançamento de Samba verde, Godofredo recolheu aedição do seu livro, argumentando que este nãomais representava a deriva, ou o caminho, da suapesquisa estética. Teriam os tambores antigos atin-gido os ouvidos cosmopolitas do modernistabaiano, abatendo o pássaro em vôo pleno? Ou ojovem poeta percebeu no calor da hora a silencio-sa guinada modernista que traçou uma divisóriaentre 1922 e 1928?

A tradição fala forte na primeira capital da co-lônia, onde a vanguarda é tradicionista. Em 1928, omesmo ano da des/publicação de Samba verde,quando os jovens Pinto de Aguiar, Hélio Simões,Eurico Alves e Carvalho Filho lançaram a revistaArco & flexa, o movimento renovador baiano já

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vinha atenuado pela designação da sua propostade um tradicionismo dinâmico.

Daí as controvérsias e a afirmação que o mo-dernismo não chegou a subir as ladeiras da velhaBahia. Muito se aventou que nem Godofredo Fi-lho nem os poetas que vieram a seguir, como Car-valho Filho, Hélio Simões e outros chegaram a sedefinir pelo modernismo, uma vez que atenuaramas primeiras posições de vanguarda. Mas EugênioGomes, que integrou essa geração, luta pela inclu-são da Cidade da Bahia na geografia modernistados primeiros combates; e afirma que “é uma ex-clusão incompreensível, sabendo-se que a terra deGregório de Matos – tão bravo em suas rebeldias!– não esteve, de modo algum, alheia e este movi-mento, embora fosse, por sua condição de cidadetradicionalmente acadêmica, o mais obstinado re-duto contra a revolução estética”. (Gomes, 1954)

A propósito, o poeta Manuel Bandeira, comsua visão crítica aliada às antenas do artista, umano antes da anunciada publicação de Samba Ver-de, mostrou a ambivalência da condição poéticade Godofredo Filho e a sua ânsia de domar antí-teses. Estas contradições aparentes, Alceu Amo-

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roso Lima percebeu depois, ao estudar a ataraxiado poeta, que é uma máscara de violentos confli-tos entre a ânsia carnal e a angústia metafísica.Usando esta expressão, que na perspectiva dosestóicos remete a um estado de alma marcado peloequilíbrio na escolha dos prazeres sensíveis e es-pirituais, o crítico modernista proclama:

“Nenhum poeta brasileiro soube, como você,imobilizar o tempo e a paixão, sem retirar, nem aum, nem a outra, a sua infinita mobilidade. É isso,creio eu, que faz a extraordinária originalidade desua poesia, tão aparentemente sofisticada e fria, eno fundo tão dramaticamente sensual, culinária,falérnica, numa coincidência de contrastes que é amarca do seu vinho das videiras do seu sítio ínti-mo, do seu jardim fechado, e no entanto aberto atodos os furacões do mundo e da carne”. (Lima,1975)

Mas deixemos para outro momento a discus-são do embate entre ‘deuses’ conflitantes na almado poeta e insistamos, mais um pouco, no planoformal, onde Godofredo Filho faz refletir a mes-ma dialética de embates. É por isso que, ao saudar

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com entusiasmo a vinculação do poeta baiano aos“últimos achados da vanguarda”, Manuel Bandei-ra sublinhou o seu respeito pela tradição:

“E, o que é inestimável, a ausência de precon-ceitos modernistas. Sem dúvida que detestapassadistas, mas não é um dos tais que desejariambotar a baixo a Sé Velha para abrir avenidas amplase arejadas. É namorado de todas as casas velhas daBahia, que ele conhece palmo a palmo. Sabe a horapropícia em se olhar tal fachada, tal pórtico, tal sa-guão, tal janela. E confia-nos ao ouvido, como serevelasse intimidades de amigo, os detalhes histó-ricos daquelas pedras veneráveis.

– “Aqui, nesta Capela, Vieira pregou o famososermão contra as armas holandesas...

“E o perfume que lhe vem da terra natal não écheiro de velharia, mas odor virente de mocidadeque exalta: No silêncio da tarde americana... / (Ó cheirobom de mulher moça!) / Perfume da minha terra!

“A poesia de Godofredo Filho é tão bemeducada como a de Ronald ou de Guilherme. Po-rém, debaixo daquela sobriedade elegante de cita-dino há assombrações desatinadas de jagunço, hádendês chiando no fogaréu vermelho e rumoresinquietantes de arapuás danados...” (Bandeira, 1927)

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De acordo com o testemunho da época,Godofredo Filho perdeu, ao deliberadamente re-jeitar o livro Samba Verde, a oportunidade de sefazer um dos modernistas brasileiros mais atuan-tes, publicado, discutido e pioneiro, enquanto aBahia se retirava furtivamente dos primeiros mo-mentos de produção / recepção da arte moderna noBrasil. Mas, ao mesmo tempo, pode-se argumen-tar que a atitude de GF contrapunha uma vanta-gem sobre os moços da Klaxon, pois já via alémdos embates iniciais do modernismo, sem os pre-conceitos aludidos por Bandeira e sem a carnavalada(título de um dos poemas de Samba Verde) destrui-dora, contra a qual o próprio Mário de Andrade,somente duas décadas mais tarde, se levantou, ad-mitindo os gestos vazios de 22.

Ao criticar A estética do modernismo, publicada naParaíba por Ascendino Leite, o autor de Paulicéiadesvairada fala da “mesma felicidade abundante esatisfeita de si, com que os modernistas de há vin-te anos atrás afirmavam que Alberto de Oliveiraera um trouxa e Camões uma besta. Depois, veri-ficou-se de novo que nem Camões era besta nemAlberto Oliveira um trouxa, e as afirmações gro-

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tescamente ofensivas e sem nenhum valor críticoficaram apenas como cacoetes de alguns retarda-tários.” (Andrade, 1972)

Mário de Andrade distinguia perfeitamente afase inicial, demolidora, de 22, da fase de realiza-ção plena, após a derrubada das barreiras à criação.Esse mesmo artigo de 7 de janeiro de 1940, intituladosingularmente de “Modernismo” é finalizado comuma lúcida afirmação, típica do autor:

“O Modernismo foi um toque de alarme. To-dos acordaram e viram perfeitamente a aurora noar. A aurora continha em si todas as promessas dodia, só que ainda não era o dia. Mas é uma satisfa-ção ver que o dia está cumprindo com grandeza emaior fecundidade, as promessas da aurora. Ficarnas eternas aurorices da infância, não é saúde, édoença. E a literatura brasileira aí está, bastante sã.Adulta já? Quase adulta...” (Andrade, 1972)

Se não tivemos na Província da Bahia as céle-bres batalhas travadas nas praças, teatros e salõesde São Paulo, o papel da inteligência local não foio da indiferença absoluta, porque alguns dos seushomens de letras tentaram amadurecer os frutos

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novos. E, neste sentido, também os poemas deCarvalho Filho, Hélio Simões e Eurico Alves ali-am modernidade e maturidade, inscrevendo seusautores num lugar privilegiado.

É claro que, com a morosidade dos meios decomunicação da época, a Bahia, estando geografi-camente distante de São Paulo, só poderia receberintempestivamente o entusiasmo diante das no-vas idéias. Esta é uma das razões pelas quais a ter-ra de Castro Alves não aderiu francamente ao blo-co destruidor do modernismo; aliada a tantas ou-tras que tornaram a reação similar à dos outrosestados.

Carlos Drummond de Andrade (1992), saídodas Minas Gerais para o epicentro dos aconteci-mentos, homenageou o poeta baiano com os quar-tetos seguintes:

“Enlaçam-se por um segundoque é milagre da poesiao verso de Godofredoe o fascínio da Bahia.

Com o fervor de quem ama,essa pauta melodiosa

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sobre Ouro Preto derramao róseo encanto da rosa.

Assim, ó poeta, iluminaspor tua quente poesiagraças maduras de Minase a volúpia da Bahia.”

Para Agripino Grieco (1934),

“Godofredo é um místico que ainda não achoua sua mística. Saudoso, compõe umas arietas senti-mentais, tramas aéreos de versos quase incorpóreos,que recita com voz sufocada, de quem está sendoestrangulado pelo garroteador da tela de Goya. Navirtuosidade do abstrato, Godofredo converte tudoem visão arcaica. É um alucinado dos séculos essepobre menino perdido num mundo sem alma, nummundo de bichos de ferro. Doido pelo acarajé etambém pelas vendedoras de acarajé, sabe toda aBahia de cor, trecho a trecho, bequinho a bequinho.Conhece a cor do tempo, a cor dos olhos de todasas criaturas. Romântico cantor de Ouro Preto e dasua Feira de linhas retas, adormecida de planura,como a bela do conto de Perrault”.

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Grieco volta assim à questão do embate entreforças conflitantes na poesia e no espírito do po-eta Godofredo Filho. O mesmo conflito percebi-do por outros críticos da sua obra: o requinte dopensamento racional, por um lado, e, por outro, asensualidade apimentada de “dendês chiando nofogaréu vermelho e rumores inquietantes dearapuás danados”.

Como já afirmou Eugênio Gomes, não se deveignorar a presença do modernismo na Bahia. Oque não ocorreu foi um movimento agressivo epleno (como o Sturm und Drang dos românticosalemães), mas não se podem negar as adesões àsnovas conquistas estéticas nem a importância dacontribuição pioneira de um poeta atento aos no-vos rumos da arte e capaz de assumir, no calor dahora, a reflexão em torno de um movimento queainda se processava.

Mas um recuo fatal para a recepção da sua po-esia, e para a literatura baiana, excluiu GodofredoFilho do pantheon dos poetas nacionais: privar opúblico do conhecimento do seu trabalho, umavez que a livre circulação de Samba Verde repre-sentaria a continuidade do estabelecimento do seu

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nome, que começava a se fazer com as entrevistassobre arte moderna e as primeiras leituras dos seusversos. A ausência do poeta dos meios literáriosdo Sul e as pequenas edições (de cinquenta e atémesmo quinze exemplares) que avaramente im-punha à sua obra, impediram a Bahia de ter hoje,no âmbito nacional, um poeta de reconhecidaqualidade.

O depoimento do poeta e editor AugustoFrederico Schmidt, publicado nas páginas do GaloBranco, anos depois da desaventura modernista dopoeta baiano, servem para avaliar a posição do jo-vem autor de Samba verde, na fase efervescente daarte moderna:

“Mestre Godofredo Filho move-se com lenti-dão e dignidade. Vozes o saúdam de janelas anti-gas (...). Lembro quando chegou o Mestre ao Rioem mil novecentos e vinte muitos, pageado porMário de Andrade. Moço em flor, mas já macio,civilizado, correto. Agora é um madurão como eumas continua o mesmo homem fiel às preocupa-ções de sempre, aos temas baianos bem amados.Acontece apenas que Godofredo Filho já se mis-turou para sempre à atmosfera, ao espírito, aos azei-

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tes baianos. É um baiano que, à força de o ser,universalizou-se. Tão baiano que é um grande dacultura, de toda parte.” (Schmidt, 1957)

Numa louvação epistolar, Alceu Amoroso Limacompleta o retrato do poeta falando do “prazerautenticamente requintado que a leitura dos seussonetos, dignos de Horácio e Gôngora, me pro-porcionou”, acrescentando:

“Como o nosso Albano, dos tempos simbolis-tas, Você se manteve fiel à sua mais pura inspira-ção clássica, não neoclás-sica, nos campos do moder-nismo. Como um Guilherme de Almeida, ou comoum Abgar Renault ou um Odylo Costa Filho, Vocêpertence à grey (ponho um ipsilon de propósito)que paira acima das controvérsias. É que escreveuma língua tão pura e tão alta que nos transportapara lá do tempo e do lugar.” (Lima, 1971)

Se Godofredo Filho se recusou o papel de Pau-lo de Tarso do modernismo na Bahia, não conse-guiu, no entanto, com o pudor do seu recolhimen-to, ou com ambivalência trazida pela força da tra-dição, fugir à condição de um pioneiro. Ou, mais

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ainda, de um Poeta pleno e fulgurante. De um“poeta federal”, no dizer de Drummond. E é aisso que louvamos com entusiasmo, na esperançade demover o alquimista do silêncio, para que umdia, que não está longe, o público leitor possa teruma amostragem da trajetória poética de GF. Umaedição retrospectiva que publique desde os poe-mas de Samba Verde até a sua recôndita e velada-mente citada Balada da dor de corno –

“Na praia da Conceiçãoafoguei meu coração.Vinha o Nordeste montadonum potro de crinas d’água”

– despindo, por inteiro, este poeta que se debateentre dois metais ardentes: o pecado e a virtude, asensualidade da carne e a fé do espírito, o mo-mento mais que imperfeito do homem e a pro-messa de uma “cidade solar do Apocalipse”, parausarmos a expressão cunhada por D. TimóteoAmoroso Anastácio (1972).

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19. GODOFREDO FILHO. Poemas e textos inéditos. Jor-nal de Cultura, nº 12. (Suplemento do Diário de Notícias).Número especial dedicado a Godofredo Filho. Org. CidSeixas. Salvador, 5 mai. 1974, p. 5, nº 12.

20. GODOFREDO FILHO. Poema da Feira de Sant’Ana.Ilustrações de Carybé. Coleção Ilha de Maré. Salvador,1977. Folhas soltas em pasta ou carpeta de cartolina.

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22. GODOFREDO FILHO. Solilóquio, Org. Carlos Cunhae Cid Seixas, Salvador, Edições Arpoador, 1975.

23. GOMES, Eugênio. Cinquentenário de um poeta. Le-tras e Artes, Rio de Janeiro, Empresa A Noite, 6 abr.1954.

24. GRIECO, Agripino. Godofredo Filho. O Jornal. Rio, 18nov. 1934.

25. KILKERRY, Pedro. Quotidianas. Jornal Moderno, Bahia,4 mar. 1913, p. 3.

26. LIMA, Alceu Amoroso. Carta a Godofredo Filho. Riode Janeiro, 18 set. 1971. Jornal de Cultura, Salvador, 5mai. 1974, p. 2.

27. LIMA, Alceu Amoroso. Carta a Godofredo Filho. SeteCantares de Amigo. Cidade da Bahia, Edições Arpoador,Fundação Cultural do Estado, 1975. (Coleção Jogral)

28. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como ex-tensões do homem, 4ª ed., São Paulo, Cultrix, 1974.

29. O JORNAL. Rio de Janeiro, 29 mai. 1927.30. O GLOBO. Rio de Janeiro, 20 ago. 1928.31. PONDÉ, Consuelo. Godofredo Filho, uma doce e pe-

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32. POUND, Ezra. Abc da literatura, São Paulo, Cultrix, 1970.33. SCHMIDT, Augusto Frederico. Crítica. Revista da sema-

na, nº 14. Rio de Janeiro, 1957.34. SEIXAS, Cid. Godô, o Velho Bruxo. Godofredo Filho,

irmão poesia. Cidade da Bahia, Oficina do Livro, 1992.

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35. SEIXAS, Cid. Iararana, um documento dos anos 30.In: Cyro de Mattos; Aleilton Fonseca. (Org.). O triunfode Sosígenes Costa. Ilhéus: Editus, 2005, v. 1, p. 143-156.

36. SEIXAS, Cid. Modernismo e diversidade: impasses econfrontos de uma vertente regional. Légua & Meia,Feira de Santana, v. 3, n.2, p. 52-61, 2004.

37 SEIXAS, Cid. Modernismo e tradicionismo na Bahia.Jornada, v. 2, n 2, 2010. <http://jornadaonline.blogspot.com.br/2010/01/modernismo-e-tradicionismo-na-bahia.html>

38 SEIXAS, Cid. Três temas dos anos trinta. Textos de críticaliterária. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feirade Santana, 2003.

39 SEIXAS, Cid. Triste Bahia / Oh quão dessemelhante! Notassobre a literatura na Bahia. Salvador, Secretaria da Cultu-ra, coleção As Letras da Bahia, 1996.

O poema “Godô, o Velho Bruxo”, incluido na página aseguir, figura na plaquete Sete Cantares de Amigo ao PoetaGodofredo Filho. Salvador, Edições Arpoador, 1975.

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No campo dos pentagramassete fonemas sonorosproclamam em consonânciaa convocação da palavra.

Sobre a clareza da folha,cada som tem um sentido;aqui o verso tem vidana pauta do seu dizer.

É a transmutação dos metaisem verbo cortante e precisoque o Velho Bruxo enlevano condão da sua pena.

As vinhas estão florindopor entre os dedos do mágicoque retira do chapéuos prazeres do sentido.

GODÔ, O VELHO BRUXO

Cid Seixas

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Acima, Eurico Alves e Hélio Simões. Abaixo, ManuelBandeira, que nos versos finais de “Escusa”, publica-do no livro Meus poemas preferidos, declina do convi-te de Eurico desculpando-se: “Não sou mais digno derespirar o ar puro dos currais da roça.”

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Hélio Simões, além de ter exercido um papelde destacado protagonismo nas relações culturaisluso-brasileiras na Bahia, participou do núcleo cri-ador da revista Arco & Flexa (sic), uma das publi-cações baianas responsáveis pela introdução da artemoderna no Brasil. O fato de estados com a Bahiae Pernambuco, de relevante passado colonial, te-rem desempenhado importantes papéis na cons-trução da identidade brasileira, acentuou o pro-cesso de defesa das tradições nacionais contra aimportação de modelos estrangeiros. Tal resistên-cia ainda é considerada como uma forma deimpermeabilidade à estética da modernidade. A

UM POETA MODERNISTANAS RELAÇÕES

LUSO-BRASILEIRAS

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paradoxal conexão do modernismo com o tradi-cionismo dinâmico que caracterizou a estética de Arco& Flexa foi um modo inteligente de CarlosChiacchio tentar abrandar a reação dos conserva-dores aos escritores postos sob sua orientação.

Antes de desenvolver o tema, agradeço à orga-nização do XXII Congresso de Literatura Portu-guesa o convite para integrar esta mesa plenáriasobre a Memória do Ensino e da Pesquisa da Lite-ratura Portuguesa no Brasil. Para minha surpresae honrosa alegria, aqui estão presentes, como ex-positores, dois grandes mestres da atualidade quedão forma e relevo à memória mais viva dos estu-dos literários em nosso país: os professores Cleo-nice Berardinelli e Massaud Moisés.

Peço licença a ambos para iniciar a apresenta-ção do assunto que me foi proposto e que podeser resumido no título “Hélio Simões: do poetamodernista ao fomentador das relações luso-bra-sileiras”. Os dois mestres aqui presentes conhece-ram muito de perto o homenageado neste texto.Os três viveram tanto os momentos de fundaçãodos estudos portugueses em nosso país quanto odesdobramento da Semana de Arte Moderna.

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Permitam-me então repetir, professora Cleo-nice, professor Massaud, coisas que ambos conhe-cem há muito tempo e bem melhor do que eu.

Para o mundo literário, Hélio Simões despontanos últimos anos da década de vinte, quando naCidade do Salvador se travava o embate entre, deum lado, a iconoclastia modernista da Semana de22 e, do outro lado, a articulação das propostas demodernidade com as tradições histórico-antropo-lógicas de uma cidade economicamenteempobrecida mas ainda depositária de rica memó-ria cultural. Ao lado de Pinto de Aguiar, CarvalhoFilho e Eurico Alves, Hélio Simões foi um dosfundadores da revista que serviu de marco aomodernismo na Bahia, Arco & Flexa (flecha escri-ta com x, o que a tornava mais pitoresca e próxi-ma dos primores de Pindorama).

Sobre a sua atuação na revista fundadora doModernismo na Bahia, em entrevista concedidahá mais de trinta anos ao poeta e pintor JuraciDórea (posteriormente publicada no livro EuricoAlves: poeta baiano), o escritor Hélio Simões traduzcom modéstia e limitação o papel destes jovenspioneiros. São suas palavras:

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“O grupo Arco & Flexa não era estruturalmen-te homogêneo. Ligava-o a juventude e um certoafã renovador que a liderança de Chiacchio procu-rou dar unidade na tendência explícita de um“tradicionismo dinâmico” que constituiu o nossomanifesto. Creio que o nosso grande papel, na es-teira do que vinha fazendo Eugênio Gomes e so-bretudo Godofredo Filho, foi procurar integrar aBahia na agitação cultural, particularmente literá-ria, que já se manifestara em outros quadrantes dopaís.” (DÓREA, 1978, p. 87)

Ora, o papel principal do grupo integrado porHélio Simões não foi apenas este, foi também ode inaugurar uma modernidade literária menoscomprometida com a vanguarda demolidora e maiscomprometida com os resultados de um processocultural longamente destilado. A nova e vertigino-samente rica cidade de São Paulo buscava, no afãindustrial e na velocidade das máquinas, o meca-nismo de corte com um passado depauperado.Estados Brasileiros detentores de antigo e ricoacervo intelectual, como a Bahia e Pernambuco,por exemplo, não podiam abrir mão de bens pre-ciosos e acumulados a custa de grandezas e misé-

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rias em troca de quinquilharias importadas. É porisso que Gilberto Freire e o grupo do Recife tam-bém tiveram um lugar diferenciado no quadro doModernismo Brasileiro.

Convém registrar que tanto o grupo de Arco& Flexa quanto outros grupos baianos surgidosnos anos vinte não tiveram uma postura moder-nista similar à do grupo paulista. O modernismonão conheceu, entre nós, uma fase demolidora;ao contrário, chegou a se opor radicalmente a al-gumas ações histriônicas desencadeadas pela Se-mana de Arte Moderna de 22. Os integrantes daAcademia dos Rebeldes, do qual participaram oetnólogo Edison Carneiro e o romancista JorgeAmado, para citar apenas dois nomes nuclearesna moderna construção de uma identidade mesti-ça, não persegu iam os mesmos traços demodernidade que caracterizaram o modernismoda semana de 22.

Hélio Simões, autor do livro O Mar e OutrosPoemas, não reduziu sua atuação pública à revistaArco & Flexa e ao Jornal da Ala. Considerem-setambém o seu trabalho como diretor da revista ARenascença, ao lado de Afonso Rui; a sua seção

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“Crônica de arte’’, no Diário da Bahia, em 1929; acoluna “Idéias e Fatos” na Era Nova; mais tarde, aseção “Poetas e Sonetos” no jornal Imparcial; alémda coluna livros escrita entre os anos sessenta esetenta, no jornal A Tarde.

A vida acadêmica do poeta ganha definição em1932, quando aos 22 anos, é diplomado pela Fa-culdade de Medicina da Bahia, a mesma escola deum outro seu colega e companheiro de geração,que também trocou a medicina pela literatura,Afrânio Coutinho.

Médico formado, o Dr. Hélio, como era cha-mado por nós, submeteu-se ao concurso de LivreDocente e assumiu as funções de Assistente Efe-tivo e Chefe de Clínica.

Em 1942 foi criada a Faculdade de Filosofia daBahia. Não existiam ainda os cursos de Letras, deCiências Humanas ou de Filosofia; e a Faculdadede Medicina era o grande centro catalisador dohumanismo. Ali não se aprendia apenas a curar osmales do corpo. No convívio diário com profes-sores e colegas se aprendia sobretudo a bem for-mar o espírito. Vem do século XIX a tradição quea Bahia formava escritores-médicos e o Recife

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formava escritores-juristas. E essa ‘tradição afor-tunada’, permitam-me desvirtuar o sentido da ter-minologia crítica de Afrânio Coutinho, continuapelas primeiras décadas do século XX.

Com a criação da Universidade da Bahia, nodia 2 de julho de 1946, o poeta Hélio Simões, queocupava interinamente a cátedra de Neurologia,abandona o exercício da clínica na área da saúdemental e transfere-se para a Faculdade de Filoso-fia recém incorporada à Universidade. A esta altu-ra, como homem de sensibilidade artística e estu-dioso das ciências da cultura, era também profes-sor da Escola de Belas Artes. O novo percurso dojovem médico estava definido.

Assumindo a cadeira de Literatura Portuguesa,Hélio Simões procurou completar sua nova for-mação acadêmica em viagens de estudos a Portu-gal, à França e a outros países. Entre os portugue-ses, relacionou-se ou, em alguns casos, privou daamizade de intelectuais como Teixeira de Pascoaes,Hernani Cidade, Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemé-sio e quase uma centena de outros escritores.

Foi através desses contatos que ele propiciou avinda para a Universidade da Bahia de Adolfo

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Casais Monteiro e de Eduardo Lourenço, o pri-meiro para o curso de Letras, o segundo para o deFilosofia. Com humildade, Hélio Simões justifi-cava a sua constante busca de intelectuais portu-gueses para atuarem na Bahia por uma motivaçãopessoal, ou como uma forma de aprender com osseus convidados. Assim é que propiciou a HernaniCidade trabalhar com a defesa do Padre AntonioVieira perante a ‘Santa’ e demoníaca Inquisição; epossibilitou a intelectuais da Geração de Presençaa divulgação no Brasil do ainda pouco conhecidoFernando Pessoa. Nessa esteira de intercâmbio,Vitorino Nemésio aqui publicou o livro Conheci-mento de Poesia. Eduardo Lourenço, então profes-sor de filosofia da Universidade, iniciou a frutífe-ra ponte ligando sua investigação à literatura.

O papel singular desempenhado por HélioSimões tanto foi reconhecido pelos portugueses,na forma da amizade e da admiração, quanto nasdistinções concedidas. Oficial da Ordem Militarde Cristo e, posteriormente, Grande Oficial daOrdem do Infante D. Henrique. Ainda em terraslusitanas, tornou-se membro da Academia de Ci-ências de Lisboa, do Instituto de Coimbra, do Insti-

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tuto de Geografia de Lisboa e da Academia Inter-nacional de Cultura Portuguesa.

No nosso país, a Academia Brasileira de Letrasconcedeu-lhe a Medalha Machado de Assis, maisalta homenagem dessa confraria, por indicação doescritor Jorge Amado, seu antigo rival nos movi-mentos literários baianos dos fins da década de20. Uma sólida relação uniu Jorge Amado a HélioSimões: inicialmente, a cordial rivalidade entre osgrupos modernos a que pertenceram e depois, oestreitamento do contato, quando o neurologistaHélio Simões cuidou de Matilde, a primeira espo-sa do romancista. No livro Bahia de todos os santos,Amado registra com ternura e com admiração:

“Hélio Simões é o poeta ilustre, o médico, oprofessor, o fomentador de estudos literários, ohomem da universidade, do intercâmbio culturalluso-brasileiro, com tantos e tamanhos serviçosprestados à Bahia, ao Brasil e à cultura.”

E prossegue Jorge Amado, na caracterizaçãodesse mestre que, sem deixar de ser um atento in-térprete da cultura local, foi também um admira-

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dor e um difusor da civilização portuguesa. Volte-mos às palavras do romancista:

“Mas eu sei quanto lhe agradará esse título norápido e certamente incompleto perfil que aqui ten-to traçar de um homem feito de delicadeza, de in-teresse humano, de amizade, um poeta não só nosversos com que assinalou original presença na po-esia brasileira, mas também na maneira de ser, deviver; na maneira de dar-se aos interesses vitais dacomunidade e da cultura; um trabalhador intelec-tual aparentemente limitado aos gabinetes de estu-do, mas, de fato, ligado à vida popular, à rua. Eu ovi no enterro da Mãe Senhora — ao lado de outrobaiano tão autêntico, Thales de Azevedo — e per-cebi que a mão mística da ialorixá estava posta so-bre a cabeça do poeta.” (AMADO, 1977)

Sou testemunha do apreço de Jorge Amado aHélio Simões. Nos anos 80, o romancista deu-mea incumbência de preparar uma edição da poesiade Hélio Simões, para a qual tomou todas as pro-vidências junto a sua editora, a Record, e ao Insti-tuto Nacional do Livro. Passados alguns meses,sem que o trabalho tenha ficado pronto, o escri-

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tor Herberto Sales, presidente do Instituto, solici-tou o encaminhamento do livro que nunca foi or-ganizado, por modéstia ou desambição do pró-prio autor. Quando insistíamos com doutor Héliopara que ele franqueasse as cópias dos novos tex-tos que seriam reunidos ao livro dos anos 20, Omar e outros poemas, ele – invariavelmente – prome-tia para um dia qualquer, desde que mais adiante.

Entre os novos poemas de Hélio Simões, re-cordo de um que se destaca pela sintaxe, pela eco-nomia verbal, pelo acento de uma linguagem eru-dita e moderna, conquistada com o passar dos anose a chegada da maturidade. Há aí uma ressonânciade diálogo com formas parnasianas que FernandoPessoa teria buscado em Olavo Bilac. Em 1960,com a inauguração da nova capital do País, o poe-ta encontra motivo para um confronto desigual eharmônico entre a secular cidade de Guimarães ea nossa Brasília:

“Séculos caminharam sobre a pedra.O muro enegreceu.Branca a cidade medraentre o cerrado e o céu.

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Guimarães é a pia batismale o castelo roqueiro.Aqui nasceu Afonso, o príncipe, Primeiroe ao desígnio de Deus que tudo impelenasceu com elePortugal.

Séculos caminharam sobre a pedra.O muro enegreceu...

Brasília é o crisma. Novoanseio de fé ardendo no planalto,confirmação de um povodo seu destino alto.

Branca a cidade medraentre o cerrado e o céu.”

(SIMÕES, 1989)

Assim era o antigo professor de neurologia quese fez um dos pioneiros dos estudos portuguesesno Brasil. Mais de uma vez ele redarguia que osseus textos, quer fossem de criação ou de análise,não tinham especial importância.

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Ainda recordo de uma conferência lida por ele,no Gabinete Português de Leitura, coisa rara, umavez que suas intervenções eram quase sempre oraise sustentadas no mais brilhante improviso. Supo-nho que essa conferência foi escrita, porque se tra-tava de um diálogo com as tendências ou os mé-todos da época. Em pleno desvario estruturalista,Hélio Simões valeu-se de Roland Barthes e de al-guns outros autores postos em frenética evidên-cia, para fazer uma leitura mais próxima da tradi-ção interpretativa francesa, sem excluir as propos-tas mais inovadoras do novo método estrutural.Este empenho conciliador foi uma característicaque Hélio Simões trouxe dos seus tempos de ju-ventude e que marcou a sua participação no mo-vimento modernista baiano, como veremos atra-vés das suas palavras ao longo deste artigo.

Dias depois da conferência, escrita numa lin-guagem fulgurante e fundada em uma leitura deimpressionante atualidade, pedimos o texto parapublicação e ele simplesmente respondeu: “Vocêslevam estas coisas muito a sério.” E o texto nuncafoi publicado.

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Voltando à formação acadêmica de HélioSimões e à sua posterior opção pela literatura Por-tuguesa, surge então uma pergunta: com que cre-denciais o então médico, professor livre docentee catedrático interino de clínica neurológica assu-miu a primeira cátedra de Literatura Portuguesada Universidade da Bahia e uma das primeiras doBrasil?

Com as credenciais de poeta modernista dageração Arco & Flexa, brilhante geração reunidaem torno da revista do mesmo nome. E com ascredenciais adquiridas em muitas outras publica-ções surgidas a partir daí, com as quais colaborou.As credenciais da sensibilidade e do mistério dapoesia.

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA

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ALVES, Ivia. Arco & Flexa. Contribuição para o estudo domodernismo. Salvador, Fundação Cultural do Estado daBahia, 1978.

AMADO, Jorge: Bahia de todos os santos. Guia de ruas e mistérios.Rio de Janeiro, Record, 1977.

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AMADO, Jorge: Navegação de cabotagem; apontamentos para umlivro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro, Record,1992.

ARCO & FLEXA. Edição fac-similar. Revista literária,1928/1929, Salvador, Fundação Cultural do Estado daBahia, 1978. (n° 1, 66 p.; nº 2/3, 70 p.; nº 4/5, 90 p.)

BANDEIRA, Manuel: Meus poemas preferidos. Rio de Janeiro,Ediouro, 2005, p. 85.

CHIACCHIO, Carlos: Poesia Nova. A Tarde, Salvador, 10jan. 1925. A nota não vinha assinada, mas como figuravana seção mantida nesse jornal pelo conceituado crítico,a autoria não oferece dúvida.

CHIACCHIO, Carlos: O nosso primeiro livro modernista.A Luva, 5 out. 1928, n. 82.

CHIACCHIO, Carlos: Tradicionismo dinâmico. Arco &Flexa. Mensário de cultura moderna, n. 1, Salvador, nov. 1928.

CHIACCHIO, Carlos: Modernistas e ultra-modernistas. [II]Gabriel Alomar, o criador do verdadeiro futurismo. ATarde, Salvador, 14 fev. 1928.

DÓREA, Juraci: Diálogo entre Eurico Alves e ManuelBandeira. In Légua & meia. Revista de literatura e diversidadecultural. Feira de Santana, UEFS, 2009.

DÓREA, Juraci, Eurico Alves, poeta baiano. Feira de Santana:Casa do Sertão/ Lions Clube de Feira de Santana, 1978.

DIMAS, Antonio: Um manifesto guloso. In Légua & meia.Revista de literatura e diversidade cultural. Feira de Santana,UEFS, 2004.

FERREIRA, Monalisa Valente: Os dedos de Eurico Alvesvestem A Luva (A revista, o modernismo baiano e o

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poeta dissonante). In BOAVENTURA, Eurico Alves:Cipós verdes. Feira de Santana, UEFS, 2009, p. 171-195.

SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismoportuguês: subsídios para o seu estudo e para a história das suasrelações. 3 vols. Porto, s/ed., 1986.

SEIXAS, Cid. Godofredo Filho: 50 anos de presençaliterária e do modernismo na Bahia. Salvador, Tribunada Bahia, 23 mai. 1975, p. 11.

SEIXAS, Cid: Triste Bahia, oh! Quão dessemelhante. Notas sobrea literatura na Bahia. Salvador, EGBA / Secretaria daCultura e Turismo, 1996. (Coleção As Letras da Bahia)

SEIXAS, Cid: Sosígenes Costa: Epopéia cabocla domodernismo na Bahia. In PÓLVORA, Hélio (org.): ASosígenes, com afeto. Salvador, Edições Cidade da Bahia,2001, p. 75-84.

SIMÕES, Hélio. Duas cidades. Qvinto Império: Revista de culturae literaturas de língua portuguesa. Salvador, nº 2, primeirosemestre de 1989, contracapa 4.

VILLALONGA, Gabriel Alomar. Futurismo. In OLEA,Héctor. O futurismo catalão antes do futurismo. São Paulo,Edusp / Giordano, 1993.

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Em 1928, dois grupos ou duas revistas detendências modernas e dessemelhantes escandali-zaram o conservadorismo baiano de formaçãoparnasiano-simbolista e retardatária ressurreiçãoromântica. Eram: o grupo de Arco & Flexa, inici-almente formado por Hélio Simões, Pinto deAguiar, Carvalho Filho e Eurico Alves, sob a lide-rança do também médico e crítico literário CarlosChiacchio; e, do outro lado, a Academia dos Re-beldes, integrada por Jorge Amado, Édison Car-neiro, Alves Ribeiro, João Cordeiro, Dias da Cos-ta, Clóvis Amorim, Sosígenes Costa, Aydano do

MODERNISMOE “TRADICIONISMO”

NA BAHIA

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Couto Ferraz, Walter da Silveira e outros. Estesescritores tiveram como trincheira a revista Sam-ba, sob a liderança de Pinheiro Viegas, mentor tan-to da revista quanto da chamada Academia.

Observe-se que os dois grupos que se propu-nham a construir a modernidade literária forambuscar orientação em dois velhos intelectuais, deformação finissecular já consolidada, o que podeser visto como uma conseqüência da natureza es-teticamente prudente dos componentes de ambos.Todos eram jovens, modernos, e... bastante caute-losos. E assim a Bahia se inscreveu, de forma am-bígua e, talvez por isso mesmo, pouco estudada,no panorama modernista brasileiro. Para ahistoriografia literária, a topada que o modernis-mo levou pesou mais do que os aspectos peculia-res da modernidade resultantes dos conflitos econtradições locais e regionais. Isso conferiu umanatureza mais complexa e mais consequente aosseus escritores, resultando em qualidade, nãoobstante a perda de ímpeto renovador.

Justificando a importância dos seus pares paraa moderna literatura brasileira, Jorge Amado pro-clama:

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“Faço o balanço dos livros publicados pelos Re-beldes, por cada um de nós. A Obra Poética e Iararana,de Sosígenes Costa: sua poesia, nossa glória e nos-so orgulho; a obra monumental de Édison Carnei-ro, pioneiro dos estudos sobre o negro e o folclo-re, etnólogo eminente, crítico literário, o grandeÉdison; os Sonetos do Malquerer e os Sonetos do Bem-querer, de Alves Ribeiro, jovem guru que traçounossos caminhos; os dois livros de contos de Diasda Costa, Canção do Beco, Mirante dos Aflitos; os doisromances de Clóvis Amorim, O Alambique eMassapê; o romance de João Cordeiro devia cha-mar-se Boca suja, o editor Calvino Filho mudou-lheo título para Corja; as coletâneas de poemas deAydano do Couto Ferraz; a de sonetos de Da Cos-ta Andrade; os volumes de Walter da Silveira sobrecinema – some-se com meus livros, tire-se os novefora, o saldo, creio, é positivo.” (AMADO, 1992, p. 85)

Ora, na território da poesia, tanto a obra sim-bolista de Sosígenes Costa, marcada pelos exube-rantes sonetos pavônicos, quanto os sonetos deAlves Ribeiro e de Da Costa Andrade são compu-tados por Amado como saldo credor desse grupomoderno.

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Convém lembrar, então, um velho político danossa terra, o governador Otávio Mangabeira, quecostumava dizer: “Pense em um absurdo.” E logocompletava: “Na Bahia já aconteceu.”

Deixando a blague de lado, sem perder o acha-que do riso; assim, também, foi o nosso moder-nismo. Intimamente conectado às conquistas es-téticas finisseculares, sem delas desdenhar, masconstruindo a modernidade a partir de um pro-cesso de soma, e nunca de exclusão.

Mas não apenas a Bahia foi cenário de mani-festações ambivalentes. Em Pernambuco, desde oinício dos anos vinte, com os olhares voltados parao modernismo e outras expressões de vanguarda,se anunciava um livro do paraibano José Américode Almeida, soprado pelos ventos da inovação.Ancorado em uma temática e em muitos aspectosjá explorados por Franklin Távora em O Cabeleira,de 1876, e por outros autores do chamado ciclodo cangaço, o romance A Bagaceira iniciava, em1928, o segundo momento do modernismo e, aomesmo tempo, antecipava o Regionalismo doNordeste. Jorge de Lima, que iniciou seus estudosna Faculdade de Medicina da Bahia, não abdicou

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de todo da sua formação simbolista exemplarmen-te manifestada na condição de ‘Príncipe dos Poe-tas das Alagoas’, título conferido pela crítica daprovíncia. Mesmo sua obra maior, Invenção de Orfeu,escrita na maturidade, é constituída por sonetosintercalados a outros formas igualmente clássicas.

A propósito da Academia dos Rebeldes, HélioSimões, em entrevista à pesquisadora Ívia Alves,afirmou com propriedade: “Ao mesmo tempo emque se publicava Arco & Flexa, saía também a re-vista Samba. Pode ser considerada uma revista re-acionária do ponto de vista literário, ainda publi-cando sonetos. No entanto, o grupo tinha umalinha política.” (ALVES, 1978, p. 23)

Diferentes entre si, como se vê nas palavras deum dos seus formadores, os dois grupos moder-nistas baianos tinham um ponto em comum: adiscordância com o modernismo paulista. Ambosos grupos baianos estavam mais próximos do quese fazia em Pernambuco, em sincronia silente como trabalho de Gilberto Freyre. Sobre o CongressoRegionalista do Recife, Hélio Simões afirmou que,apesar de ter conhecimento das suas propostas,não leu o manifesto de Freyre. Como não poderia

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ter lido, porque hoje sabemos que o ManifestoRegionalista não foi redigido, na forma por fim co-nhecida, durante a organização do Livro do Nordes-te, em 1925; mas somente quando da sua publica-ção, nos anos 50. O texto publicado retoma idéiaspresentes nas intervenções performáticas de Gil-berto Freyre, motivadas pelo citado CongressoRegionalista. (Cf. DIMAS, 2004)

Os poetas de Arco & Flexa tinham contato como grupo do Recife que editava a revista Cidade. Eainda com os grupos de Festa, no Rio de Janeiro, ede Verde, em Cataguases. Outras afinidades eletivasforam: Jorge de Lima (com Hélio Simões, tam-bém médico), que, já formado no Rio e tendoretornado a Maceió, freqüentemente viajava àBahia a serviço do Lloyd; e, no Ceará, o grupobaiano mantinha contato com a jovem Rachel deQueiroz. Jorge de Lima era leitor dos textos críti-cos de Chiacchio, conforme pode ser visto na suacorrespondência com Eurico Alves.

Enquanto o modernismo da Semana de 22colocava o país em sintonia com a modernidadeeuropéia, o Nordeste passava por uma busca delibertação dos modelos europeus, em favor de uma

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identidade telúrica. Como o conceito de regionalse confundia com o pensamento político conser-vador, alguns intelectuais tentavam contornar estainconveniência, sustentando sua proposta demodernidade com a de pertencimento ou de iden-tidade. Gilberto Freyre, na contramão do ideárionazista que dominaria a Europa, deslocava o focoda questão racial para a cultural. Convém lembrarque essa busca de identidade, distante da eugeniaracial e sustentada em culturas plurais era uma ten-dência dos anos 20 em outros países da AméricaLatina. A vertente moderna a partir do regionalsó ganhou dimensões nacionais com o regionalis-mo de 30, nascido no contexto modernista dePernambuco, da Bahia, do Ceará e de outros esta-dos do Nordeste. O mesmo Jorge Amado, querejeitava as propostas de importação européia e asextravagantes estripulias da Semana de 22, che-gou a uma forma de modernidade, capaz de tra-duzir o seu contexto cultural, com o romanceregionalista de 30.

A idéia de modernidade artística comprometi-da com as novas invenções industriais, o fervilhare a velocidade feérica das grandes cidades, era uma

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idéia que seduzia o espírito industrial paulista, masnão era uma constante no pensamento baiano edo nordeste. Poetas modernos, balizados pela forçada terra, viram alguns ícones dos novos tempos –que lhes pareceram papagaiadas propagandísticas– como forma de empobrecimento cultural; oucomo aniquilamento de uma visão do paraíso.

Eurico Alves, do grupo Arco & Flexa, na “Ele-gia a Manuel Bandeira”, convida o poeta pernam-bucano a ir a Feira de Santana, onde:

“Os bois escavam o chão para sentir o aromada terra.” (ALVES, 1990, p. 84)

Bandeira responde com outro poema, dizendo:

“Não sou mais digno de respirar o ar puro doscurrais da roça.” (BANDEIRA, 2005, p. 85)

Nos anos 30, “um episódio chamou a atençãopara o nome de Eurico Alves: o famoso diálogopoético com Manuel Bandeira”, conforme obser-va Juraci Dórea. “Sem o seu conhecimento, Car-valho Filho datilografou os versos e enviou para

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Bandeira, que respondeu com outro poema. «Euestava operado no hospital, quando apareceramCarvalho e Godofredo Filho com a Escusa», re-gistrou Eurico Alves, em carta para sua filha Ma-ria Eugenia Boaventura, datada de 1º de janeirode 1969.” (DÓREA, 2009, p. 129)

Estudando a produção de Eurico Alves na re-vista quinzenal A Luva, publicada em Salvador, de1925 a 1932, Monalisa Ferreira toca na questão daconvivência harmoniosa entre conservadores evanguardistas nas páginas enluvadas:

“Percebemos um contraponto: de um lado, tra-ços de escritas com mudanças apenas aparentes,como Moema, de Eugênio Gomes, que, emborafosse considerada pelas críticas baiana e cariocacomo a primeira obra modernista publicada noEstado da Bahia, não apresentava inovações; deoutro lado, textos de criação com uma estética vi-sivelmente inventiva, como os poemas e contos deEurico Alves.” (FERREIRA, 2009, p. 172-173)

Mesmo não endossando a visão da estudiosa,quando privilegia a escrita de Eurico Alves, de

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modo viesado em favor do escritor por ela estu-dado, não se pode deixar de considerar a diversi-dade de tendências apontada no seu bem funda-mentado artigo.

Mas o que parece um abismo entre o moder-nismo da Bahia e o de São Paulo pode se restrin-gir ao impacto causado pelas idéias da Semana de22. Como o progresso de São Paulo trouxe, pri-meiro, a inquietação, lá o modernismo logo co-nheceu o deslumbramento pelas novidades vin-das de fora; depois trocadas pelo mergulho dosseus escritores nas raízes nacionais, especialmen-te a partir de 1928. Pode-se dizer que no iníciodos anos 30 não há mais oposição entre as pers-pectivas do sul e do norte. Mário de Andrade es-creve Macunaíma, Raul Bopp trabalha o seu CobraNorato.

Voltando à Bahia, o crítico Eugênio Gomes,praticante de poemas de amor surgidos na revistaArco & Flexa, e considerado como autor do pri-meiro livro modernista editado em Salvador,(CHIACC HIO, 1928) transfere esta primazia aGodofredo Filho. Com efeito, em 1925, CarlosChiacchio escreveu na sua coluna “Homens e

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Obras” um comentário saudando a aparição dospoemas modernos de Godofredo Filho (CHIA-CCHIO, 1925); e em 1928, mesmo ano da publica-ção na Bahia do livro Moema, de Eugênio Gomes,Godofredo Filho anunciava no Rio de Janeiro, pelaeditora Pongetti, o volume Samba Verde. (SEIXAS,1975, p. 11)

Embora saudado e recebido calorosamente,tanto em São Paulo quanto no Rio, por Mário deAndrade, Manuel Bandeira, Jayme Ovalle, AugustoFrederico Schmidt, Álvaro Moreyra e outros,Godofredo Filho, inexplicavelmente, recolheu oseu livro.

Na Bahia, o modernismo era caracterizado pelogrupo Arco & Flexa como “tradicionismo dinâ-mico”, movimento que se propunha a inovar apartir do respeito à tradição. Sobre esta expressãoque vai aparecer e dar título ao artigo que serve demanifesto à revista, assinado por Carlos Chiacchio,Hélio Simões esclarece:

“Na Bahia, nós tínhamos fundamentos que nãopodíamos abandonar de todo. Daí o ‘TradicionismoDinâmico’, porque nós queríamos ir para adiante,

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mas sem renegar o passado. E não era fazendotábula rasa como a revista Antropofagia, de Oswaldde Andrade, porque, na verdade, nesse primeiromomento é Oswald que tem maior realce, Máriode Andrade apareceu posteriormente.

E prossegue Hélio Simões:

“Eles queriam fazer tábula rasa de tudo. Entãoinventamos esta expressão de “tradicionismo dinâ-mico” que era tradição, sim, porque respeitávamosas tradições baianas, mas não ficávamos presos aelas, queríamos sob a base dessa tradição construiro futuro, uma coisa nova, porque também tínha-mos a nossa idéia nacionalista.” (Apud ALVES, 1978,p. 119-120)

Como se verá, adiante, o termo “tradicionismodinâmico” não foi inventado pelo o grupo, mastomado de empréstimo ao poeta catalão GabrielAlomar.

Nesse artigo de abertura da revista Arco & Flexa,Chiacchio esclarece, em tom de manifesto, quetoda cultura se vale da tradição para encontrar

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novos caminhos, se vale do regional para chegarao universal – “sem perder o contato com a ter-ra”. (CHIACCHIO, 1928, p. 4) Ao afirmar que a cul-tura universalista refina a sensibilidade local, elerejeita o apego ao que chama de tradições estáti-cas, propondo: “Tradições dinâmicas, as tendênciasmodernistas, as únicas dignas de fé.” (Ibidem, p. 6)

“Quanto ao livro de poemas Moema, de Eugê-nio Gomes, considerado ainda atado aos modelostradicionais, Hélio Simões sublinha o fato de tersido Eugênio quem “conseguiu dar a forma idealdo ‘tradicionismo dinâmico’. Foi seu livro que im-pulsionou o grupo para a produção e publicaçãode uma revista dentro das idéias de um ‘tradicionis-mo dinâmico’.” (Apud ALVES, 1978, p. 123)

Na verdade, o pensamento desses jovens con-ciliadores encontrava eco nas propostas de CarlosChiacchio, influenciadas pelo poeta e ensaístacatalão Gabriel Alomar Villalonga (1873-1941).Em palestra proferida em 1904, com título “Futu-rismo”, Alomar dizia que as sociedades registramdois elementos ou duas manifestações capitais “na

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aparência, de conciliação impossível e paradoxal.Eis estes dois mundos, que com a sua convivênciatecem eternamente a História: um deles, com oolhar para trás, alimenta-se da tradição”. (VILLA-LONGA, 1993, p. 13)

Este elo entre tradição e ruptura não passariadesapercebido a Chiacchio que na série de artigosintitulados “Modernistas e ultra-modernistas”,publicados no jornal A Tarde, de janeiro a marçode 1928, e depois reunidos em livro, intitulou umdos textos: “Gabriel Alomar, o criador do verda-deiro futurismo”, em evidente referência aMarinetti que, na sua visita à Bahia, deixou comoherança a designação dos ônibus que começavama chegar à cidade, por coincidência, quando osjornais repercutiam as suas idéias. Se o futurismode Marinetti não encontrou adeptos entre os mo-dernos escritores baianos, em contrapartida, osônibus de frente alongada, novidade chegada quan-do da visita do italiano, receberam seu nome. Atéos anos 70 não era comum os baianos viajarem deônibus. A gente viajava mesmo era de marinete.

Segundo Hélio Simões, o grupo de Arco &Flexa, ao procurar Chiacchio, discutiu o objetivo

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de conciliar a tradição com a inovação, o que,mesmo assim, não evitou que os seus participan-tes fossem vistos como loucos ou inconsequentes.

Assim, convém relembrar Gregório de Matos:

“Isto sois, minha Bahia,Isto passa em vosso burgo.”

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA

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ALVES, Ivia. Arco & Flexa. Contribuição para o estudo domodernismo. Salvador, Fundação Cultural do Estado daBahia, 1978.

AMADO, Jorge: Bahia de todos os santos. Guia de ruas e mistérios.Rio de Janeiro, Record, 1977.

AMADO, Jorge: Navegação de cabotagem; apontamentos para umlivro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro, Record,1992.

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BANDEIRA, Manuel: Meus poemas preferidos. Rio de Janeiro,Ediouro, 2005, p. 85.

CHIACCHIO, Carlos: Poesia Nova. A Tarde, Salvador, 10jan. 1925. A nota não vinha assinada, mas como figuravana seção mantida nesse jornal pelo conceituado crítico,a autoria não oferece dúvida.

CHIACCHIO, Carlos: O nosso primeiro livro modernista.A Luva, 5 out. 1928, n. 82.

CHIACCHIO, Carlos: Tradicionismo dinâmico. Arco &Flexa. Mensário de cultura moderna, n. 1, Salvador, nov. 1928.

CHIACCHIO, Carlos: Modernistas e ultra-modernistas. [II]Gabriel Alomar, o criador do verdadeiro futurismo. ATarde, Salvador, 14 fev. 1928.

DÓREA, Juraci: Diálogo entre Eurico Alves e ManuelBandeira. In Légua & meia. Revista de literatura e diversidadecultural. Feira de Santana, UEFS, 2009.

DÓREA, Juraci, Eurico Alves, poeta baiano. Feira de Santana:Casa do Sertão/ Lions Clube de Feira de Santana, 1978.

DIMAS, Antonio: Um manifesto guloso. In Légua & meia.Revista de literatura e diversidade cultural. Feira de Santana,UEFS, 2004.

FERREIRA, Monalisa Valente: Os dedos de Eurico Alvesvestem A Luva (A revista, o modernismo baiano e opoeta dissonante). In BOAVENTURA, Eurico Alves:Cipós verdes. Feira de Santana, UEFS, 2009, p. 171-195.

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SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismoportuguês: subsídios para o seu estudo e para a história das suasrelações. 3 vols. Porto, s/ed., 1986.

SEIXAS, Cid. Godofredo Filho: 50 anos de presençaliterária e do modernismo na Bahia. Salvador, Tribunada Bahia, 23 mai. 1975, p. 11.

SEIXAS, Cid: Triste Bahia, oh! Quão dessemelhante. Notas sobrea literatura na Bahia. Salvador, EGBA / Secretaria daCultura e Turismo, 1996. (Coleção As Letras da Bahia)

SEIXAS, Cid: Sosígenes Costa: Epopéia cabocla domodernismo na Bahia. In PÓLVORA, Hélio (org.): ASosígenes, com afeto. Salvador, Edições Cidade da Bahia,2001, p. 75-84.

SIMÕES, Hélio. Duas cidades. Qvinto Império: Revista de culturae literaturas de língua portuguesa. Salvador, nº 2, primeirosemestre de 1989, contracapa 4.

VILLALONGA, Gabriel Alomar. Futurismo. In OLEA,Héctor. O futurismo catalão antes do futurismo. São Paulo,Edusp / Giordano, 1993.

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A cidade do Salvador no início do século XX, onde sevê a tradicional Rua da Preguiça, com seus sobradoscentenários e seus barcos.

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QUANDO A POESIAERA UMA FESTA

O livro de Nonato Marques A poesia era umafesta é, antes de tudo, uma fonte de estudo indis-pensável para a compreensão do panorama literá-rio baiano da primeira metade do século. O autoré um dos protagonistas do chamado “Grupo daBaixinha”, reunião informal de escritores que fre-quentavam o Café Progresso, no período aproxi-mado de 1925 a 1929. A designação, difundida porNonato Marques, deve-se ao local onde se situavao Café que serviu de palco para as discussões eprojetos do grupo: a rua que liga a parte baixa dopelourinho à Baixa dos Sapateiros.

A primeira parte do livro, intitulada “Os poe-tas da Baixinha”, é sem dúvida a mais importante,

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por ser constituída por um estudo-depoimento doautor. Ele e Bráulio de Abreu são os últimos so-breviventes desta aventura humana e artística. Aslembranças e os dados oriundos de pesquisa reu-nidos por Nonato Marques servem de fonte dasmais importantes para o conhecimento de um gru-po de poetas praticamente ignorado pela inteli-gência baiana da época.

* * *

Carlos Chiacchio, o importante crítico do jor-nal A Tarde, e os jovens Godofredo Filho, Eugê-nio Gomes, Afrânio Coutinho, Hélio Simões, Car-valho Filho, Pinto de Aguiar e outros desfrutaramdo prestígio devido aos intelectuais mais destaca-dos da Velha Capital. Estes escritores mantinham-se distantes dos “poetas da Baixinha”, e como re-presentam, sem dúvida, o núcleo central da inteli-gência baiana da década vinte, apenas os movi-mentos e acontecimentos que os envolveram pas-saram à história fragmentária da literatura na Bahia.

Eugênio Gomes, que surgiu nas letras comopoeta modernista, tornou-se crítico e ensaísta de

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repercussão nacional, especialmente pelos seusestudos de literatura comparada e de temasmachadianos. Afrânio Coutinho é o responsávelpelo fim da crítica jornalística no Brasil e pela prá-tica da crítica acadêmica. Pinto de Aguiar foi ogrande editor que a Bahia teve.

Para eles, portanto, o único movimento dignode nota foi Arco & Flexa, assim escrito o nome darevista e do grupo afinado com ela.

* * *

Nonato Marques atribui a indiferença dos es-critores oriundos da elite baiana para com os po-etas da Baixinha ao fato da reunião em torno dasmesas do Café Progresso congregar pessoas decondição social menos privilegiada. O líder dogrupo da Baixinha era Samuel de Brito Filho, oGuarda Civil 85, assim conhecido por ser policial.Ao contrário dos homens de Arco & Flexa, o Guar-da 85 era um autodidata. Homem do povo quegostava de ler e conversar sobre literatura. As suaslongas conversas, enquanto saboreava um café,representaram o início do grupo. Muitos jovens

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passaram a fazer ponto no Café Progresso paratrocar idéias, ler e ouvir poemas. E fazer planos.

Outra queixa dos integrantes desse grupo, as-sinalada por Nonato Marques no seu livro, é ofato de nenhum deles ter entrado para a Acade-mia de Letras da Bahia. Segundo seu depoimento,“ingressar um dia na Academia era um sonho aca-lentado por alguns, porém, jamais atingido porqualquer dos nossos companheiros do núcleo for-mador da Baixinha. Não que faltasse valor a mui-tos [...]. Mas, é que a Academia, até hoje, não per-deu os seus pendores elitistas e os poetas da Bai-xinha eram modestos demais para aspirar à tãoinsigne convívio”, alfineta o autor com sincerahumildade.

Mas a razão principal da distância mantida pelogrupo dos poetas Eurico Alves, Carvalho Filho eHélio Simões era sem dúvida a formação intelec-tual de um e outro grupo. Bem verdade que istonão tem nada a ver com a questão do acesso àAcademia, onde o prestígio social do postulante,seja ele escritor ou agente do governo, é de fatomais importante que o valor literário ou cultural.Enquanto os poetas da Baixinha, como reconhe-

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ce o próprio Nonato Marques, faziam coro com aestética do fim do século XIX, os rapazes de Arco& Flexa pensavam estar renovando a literatura.Universitários brilhantes e inteligentes, associavama sólida formação acadêmica ao desejo de aproxi-mar a Bahia das idéias modernas que agitavam osul do país.

O autor de A poesia era uma festa assinala asnovidades dos anos vinte, desde a Semana de ArteModerna, de São Paulo, até a ruidosa visita deFelippo Marinetti à nossa terra, onde o poeta fu-turista se tornou sinônimo de um meio de trans-porte trazido para a Bahia na mesma época, oomnibus, ou buzu da Bahia negra e mestiça, entãoconhecido como marinete.

“Na Baixinha o reboliço foi grande. Ninguém,todavia, se dispunha a seguir as pegadas do futu-rismo de imediato” – escreve Nonato Marques, eacrescenta ainda: “A nossa formação era toda elaorientada no sentido da prosa e da poesia tradici-onais.”

* * *

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Há muito o que se ler e discutir no livro deNonato, embora haja algumas imprecisões facil-mente notadas pelo leitor, naquilo que se refere afatos literários que transpõem os limites da Baixi-nha. Já a antologia dos poetas do grupo pareceimportante tão somente enquanto documento,faltando a muitos o talento capaz de assegurar apermanência.

É por isso que as observações de Nonato Mar-ques, especialmente as da primeira parte, consti-tuem o material mais rico do volume. O seu esfor-ço, para sistematizar e incluir os seus companhei-ros na história da literatura na Bahia, é digno damaior atenção. O seu livro nasce como obra deconsulta obrigatória para os estudiosos.

Curioso observar como o grupo da Baixinha –que se desfez após algum tempo de convivênciacom Pinheiro Viegas, seu mais novo líder – semantém distante do modernismo, mesmo com oentusiasmo dos fundadores da revista Samba, títu-lo bem afinado com o pensamento verde-amare-lo. Se em Samba a Baixinha ainda não haviapongado na marinete moderna, é com os jornaishumorísticos nascidos e redigidos nas mesas do

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Café Progresso que o grupo mais se aproxima daiconoclastia demolidora de 22. O grupo da Baixi-nha publicou dois “semanários malucos pelos 200réis”. Primeiro surgiu O Periquito, depois promo-vido a Gavião, classificados como “Órgão de ata-ques de riso”.

Nem mesmo o conceituado Carlos Chiacchio,estimado pelas palavras de incentivo dadas aosjovens escritores – e neste ponto, como em ou-tros, diametralmente oposto ao mordaz PinheiroViegas – escapou à lira maldizente e epigramáticadestes bem humorados jornalecos:

“Macarrão e azeite de dendê,óculos, bigode, pança:eis o Dr. C. C.Ironia!Com todos estes C. C.,o crítico melhoré o piorPoet’ Astro da Bahia!”

Outras figuras de destaque das nossas letrasforam ridicularizadas com graça e cruel talento,

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inclusive o poeta Arthur de Salles. Por causa deuma composição, intitulada “A música dos bilros”,o respeitado escritor simbolista foi debochadamen-te apelidado de Arthur dos Bilros, como vemosneste epigrama escrito a título de epitáfio ao autorde Sangue mau (1928):

“Aqui jaz Arthur dos BilrosPoeta de casca e pau...Os vermes não o comeramPor estar de Sangue Mau.”

A poesia era uma festa, além das ricas infor-mações, traz um outro mérito: mostrar, graças aotítulo bem achado (por entre as reminiscências deErnst Hemingway, em A Moveable Feast), que, nadécada de vinte, ler era a forma maior de prazersocial. A literatura desfrutava de grande prestígio,não apenas como forma de conhecimento, mastambém como meio de diversão e descontração.Tudo isso porque, como bem nos ensina NonatoMarques, a poesia era uma festa.

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REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA

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MARQUES, Nonato. A poesia era uma festa; estudo e anto-logia. Salvador, GraphCo, 1994, 138 p.

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SEIXAS, Cid. Quando a poesia era uma festa. Coluna “Lei-tura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 mar. 95, p.7.

SEIXAS, Cid. A poesia do decano. Coluna “Leitura Críti-ca” do jornal A Tarde, Salvador, 11 nov. 96, p. 7.

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A tela registra o cotidiano da Rua Padre Antonio Vieira,na época em que a mesma terminava às portas da an-tiga Igreja da Sé, demolida para a modernização e aurbanização da Cidade do São Salvador da Bahia deTodos os Santos, em 1933.

A tela registra o cotidiano da Rua Padre Antonio Vieira,na época em que a mesma terminava às portas da an-tiga Igreja da Sé, demolida para a modernização e aurbanização da Cidade do São Salvador da Bahia deTodos os Santos, em 1933.

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A POESIA DO DECANO

Bráulio de Abreu, aos noventa e três anos deidade, é o decano dos poetas baianos. Como nostempos de antanho se dizia que antiguidade é pos-to, o decanato da poesia é a láurea deste velho re-manescente de um dos muitos movimentos e gru-pos literários que enriqueceram a inquieta Bahiano início do século.

Bráulio de Abreu e Nonato Marques são os doisúltimos sobreviventes do grupo responsável pelapublicação da revista Samba, surgida em 1928.Declaradamente modernista, mas essencialmenteconservadora, com traços parnasianos, a revistatrazia no seu primeiro número um editorial deAlves Ribeiro fazendo apologia do modernismo.

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Como, mesmo assim, o espírito moderno não bai-xasse nos colaboradores de Samba, o terceiro nú-mero, datado de fevereiro de 1929, trazia a proibi-ção de receber poemas em forma de soneto. (!)

Como uma escola literária não se caracterizaapenas através das fôrmas, mas, principalmente, apartir da substância das suas idéias, apesar do títu-lo da revista estar em consonância com os váriosmodernismos regionais surgidos nos fins da dé-cada de vinte, o grupo idealizador de Samba conti-nuou embebido nas convicções parnasianas e or-namentais da literatura palavrosa então em voga.

É sintomático o fato de um dos seus destaca-dos integrantes, Nonato Marques, ter abandona-do a designação natural que identificava o grupocom a revista, para sugerir a expressão “os poetasda Baixinha”. Assim, aquele que se tornou o res-ponsável pela divulgação e pela fixação históricada contribuição dos seus companheiros, preferiuuma designação menos comprometida com a in-quietação modernista da época.

Era em torno das mesas do “Café Progresso”,na Baixa dos Sapateiros, que se reunia o grupoformado por Elpídio Bastos, Deocleciano Martins,

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Nonato Marques, Oto Bittencourt Sobrinho, Sou-za Aguiar, Bráulio de Abreu, Alves Ribeiro,Clodoaldo Milton, Antonio Donatti, Pereira ReisJr., Egberto Ribeiro, Anfilófio Brito, QueirozJúnior, Zaluar de Carvalho, Raimundo Penafort,Ângelo Gomes da Costa, Aníbal Rocha e Samuelde Brito Silva (o Guarda 85). Quando o poeta sa-tírico Pinheiro Viegas passou a integrar a confra-ria, a convite de Nonato Marques, o centroconstelar do grupo deslocou-se da figura do Guar-da 85 para o irreverente Viegas. Segundo CidMascarenhas, em palestra proferida no InstitutoGeográfico e Histórico da Bahia, Pinheiro Viegas“com seus epigramas venenosos e comentárioschistosos, verdadeiras verrinas, foi afastando oscomponentes da então coesa turma”.

Na mesma época, um outro grupo formava achamada elite intelectual da cidade. Os jovens Pintode Aguiar, Hélio Simões, Carvalho Filho e EuricoAlves, com o apoio do crítico Carlos Chiacchio,fundaram a revista Arco & Flexa. Por vinculaçõessociais e intelectuais, os integrantes deste peque-no núcleo mantinham laços de amizade comGodofredo Filho, Afrânio Coutinho, Eugênio

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Gomes, Jorge Amado e outros jovens baianos deentão.

Os “poetas da Baixinha” continuaram à mar-gem destes bem sucedidos jovens. Como consta-ta Nonato Marques, nenhum deles entrou para aAcademia, instituição que funciona como umaespécie de termômetro da elite intelectual.

Bráulio de Abreu só foi notado ocasionalmen-te. Primeiro, por Arthur de Salles, que, segundo ojá citado Cid Mascarenhas, teria lhe dito, após ou-vir a declamação de alguns poemas: “A sua obraestá à altura da minha”.

Mas foi somente em 1980, quando AntonioLoureiro de Souza, no seu discurso de recepçãoao acadêmico Clóvis Lima, leu um soneto deBráulio de Abreu, que o mundo acadêmico tomouconhecimento da poesia deste velho alfaiate. Re-nato Berbert de Castro convidou-o para uma dascélebres tertúlias da sua casa. Lá, Bráulio leu sone-tos para o anfitrião e seus convidados HélioSimões, Jorge Calmon, Jayme de Sá Menezes, JoséSilveira, Erthos Albino de Souza, Thales de Aze-vedo, Carlos Eduardo da Rocha, Luis HenriqueDias Tavares, José Calasans e Loureiro de Souza.

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Com a aprovação dos presentes, Berbert deCastro encarregou o professor Loureiro de reuniros poemas de Bráulio de Abreu num livro a serpublicado pelo Conselho Estadual de Cultura.Antonio Loureiro não só organizou o livro comoescreveu uma longa introdução. Dezesseis anosdepois o trabalho continuava inédito, tendo agoraa Fundação João Fernandes da Cunha propiciadoa sua publicação.

Alma profana é portanto o livro de estréia desteveterano da poesia baiana, que somente aos 93anos de idade chega ao público. Bem verdade queele não é inédito. Aparece em jornais e revistas,em estudos literários e principalmente em antolo-gias como Apóstolos do sonho, onde doze sonetistascomo Clóvis Lima, Ivan Americano, João Muniz,Carlos Benjamin Viveiros e Nathan Coutinhocomparecem com doze peças cada um; Coletâneade poetas baianos, organizada por Aluísio de Carva-lho Filho; Os mais belos sonetos brasileiros etc.

Neste livro, Alma profana, de Bráulio de Abreuestá reunida uma parte substancial da sua produ-ção, onde o soneto de inspiração parnasiana dei-xa, às vezes, escorrer da fôrma o “sentimento do

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mundo” manifestado pelo decano dos poetasbaianos. É precisamente nos instantes em que aversificação é sobrepujada por um halo de vidaque a poesia se deixa plasmar em raios de luz.

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA

ABREU, Bráulio de. Alma profana. Salvador, FundaçãoJoão Fernandes da Cunha, 1996, 192 p.

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SEIXAS, Cid. Quando a poesia era uma festa. Coluna“Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 27 mar.95, p. 7.

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POESIA

Temporário; poesia. Salvador, Cimape, 1971 (Coleção Auto-res Baianos, 3).

Paralelo entre homem e rio: Fluviário; poesia. Salvador, Impren-sa Oficial da Bahia, 1972.

O signo selvagem; metapoema. Salvador, Margem / Departa-mento de Assuntos Culturais da Secretaria Municipalde Educação e Cultura, 1978.

Fonte das pedras; poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasilei-ra; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1979.

Fragmentos do diário de naufrágio; poesia. Salvador, Oficina doLivro, 1992.

O espelho infiel; poesia. Rio de Janeiro, Diadorim, 1996.

ENSAIO E CRÍTICA

O espelho de Narciso. Livro I: Linguagem, cultura e ideologia noidealismo e no marxismo; ensaio. Rio de Janeiro, Civiliza-ção Brasileira; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1981.

LIVROS DO AUTOR

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A Literatura na Bahia | 1

A poética pessoana: uma prática sem teoria; ensaio. Salvador,CEDAP; Centro de Editoração e Apoio à Pesquisa, 1992.

Godofredo Filho, irmão poesia; ensaio. Salvador, Oficina doLivro, 1992. (Tiragem fora do comércio.)

Poetas, meninos e malucos; ensaio. Salvador, Universidade Fe-deral da Bahia, 1993. (Cadernos Literatura, 1.)

Jorge Amado: Da guerra dos santos à demolição do eurocentrismo;ensaio crítico. Salvador, CEDAP, 1993.

Literatura e intertextualidade; ensaio. Salvador, CEDAP, 1994.Herberto Sales. Ensaios sobre o escritor. Salvador, Oficina do

Livro, 1995.O viajante de papel. Perspectiva crítica da literatura portugue-

sa. Salvador, Oficina do Livro, 1996.Triste Bahia, oh! quão dessemelhante. Notas sobre a literatura

na Bahia. Salvador, Egba; Secretaria da Cultura, 1996.O lugar da linguagem na teoria freudiana; ensaio. Salvador, Fun-

dação Casa de Jorge Amado, 1997. (Col. Casa de Pala-vras)

O silêncio do Orfeu Rebelde e outros escritos sobre Miguel Torga;ensaios. Salvador, Oficina do Livro, 1999.

O trovadorismo galaico-português; ensaio crítico e antologia. Feirade Santana, UEFS, 2000.

Três temas dos anos trinta; textos de crítica literária. Feira deSantana, UEFS, 2003. (Cadernos de sala de aula, 1)

Os riscos da cabra-cega. Recortes de crítica ligeira. Org., intr. enotas Rubens Alves Pereira e Elvya Ribeiro Pereira. Feirade Santana, UEFS, 2003. (Col. Literatura e diversidadeCultural, 10)

Desatino romântico e consciência crítica. Uma leitura de Amor dePerdição, de Camilo Castelo Branco. 2a ed. Salvador, Riodo Engenho, 2016.

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Tradição e Modernidade

NO EXTERIOR

The savage sign / O signo selvagem; poesia; trad. Hugh Fox.Lansing, Ghost Dance, 1983. (Edição bilingue norte-americana.)

E-BOOKS

Desatino romântico e consciência crítica. Uma leitura de Amor dePerdição, de Camilo Castelo Branco. Copenhagen, Issuu,E-Book.Br, 2014. Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/camilo>

O silêncio do Orfeu Rebelde e outros escritos sobre Miguel Torga, 2ed. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponibi-lizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/torga>

Literatura e intertextualidade. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2015. Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/intertextualidade>

Noventa anos do modernismo na Feira de Santana de GodofredoFilho. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponibi-lizado em <https://issuu. com/e-book.br/docs/godofredofilho>

Os riscos da cabra-cega. Recortes de crítica ligeira. 2 ed., Cope-nhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponibilizado em<https://issuu.com/cidseixas1/docs/cabra cega>

Da invenção à literatura. Textos de filosofia da linguagem.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponibilizadoem <https://issuu.com/e-book.br/docs/invencao>

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A Literatura na Bahia | 1

Orpheu em Pessoa . Org. Cid Seixas e Adriano Eysen.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2015. Disponibilizadoem <https://issuu.com/e-book.br/docs/orpheu>

Do inconsciente à linguagem. Uma teoria da linguagem na descobertade Freud . Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em https://issuu.com/e-book.br/docs/inconsciente

A Literatura na Bahia. Livro 1: Tradição e Modernidade. Cope-nhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizado em<https://issuu.com/e-book.br/docs/tradicaomodernidade>

1928: Modernismo e Maturidade. Livro 2 de A Literatura naBahia. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponi-bilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/1928>

Três Temas dos Anos 30. Livro 3 de A Literatura na Bahia.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizadoem <https://issuu.com/e-book.br/docs/anos30>

Final do século XX. Livro 4 de A Literatura na Bahia.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibilizadoem <https://issuu.com/e-book.br/docs/seculo20>

A essência ideológica da linguagem. Livro I de: Linguagem, culturae ideologia . Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem1>

Linguagem e conhecimento. Livro II de: Linguagem, cultura e ideo-logia. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponibi-lizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem2>

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Tradição e Modernidade

Sob o signo do estruturalismo. Livro III de: Linguagem, cultura eideol ogia . Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem3>

O contrato social da linguagem. Livro IV de: Linguagem, cultura eideol ogia . Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem4>

A Linguagem: do idealismo ao marxismo. Livro V de: Linguagem,cultura e ideologia. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016.Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/linguagem5>

Stravinsky: uma poética dos sentidos. Ou a música como linguagemdas emoções. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Dispo-nibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/stravinsky>

Castro Alves e o reino de eros. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2016. Disponibilizado em <https://issuu. com/e-book.br/docs/eros>

Espaço de convenção e espaço de transgressão. Livro I de O real emPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Dispo-nibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/1.espaco>

A construção do real como papel da cultura. Livro II de O real emPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponi-bilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/2.construcao>

A poesia como metáfora do conhecimento. Livro III de O real emPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Dispo-

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A Literatura na Bahia | 1

nibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/3.poesia>

O signo poético, ficção e realidade. Livro IV de Conhecer Pessoa.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017. Disponibilizadoem <https://issuu.com/e-book.br/docs/4.signo>

Do sentido linear à constelação de sentidos. Livro V de ConhecerPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017. Dispo-nibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/5.sentido>

O Eco da interdição ou O signo arisco. Livro VI de ConhecerPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017. Disponi-bilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/6.eco>

A poética pessoana: uma prática sem teoria. Livro VII de ConhecerPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponi-bilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/7.poetica>

O desatino e a lucidez da criação em Pessoa. Livro VIII de ConhecerPessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2016. Disponi-bilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/8.desatino>

Uma utopia em Pessoa: Caeiro e o lugar de fora da cultura. LivroIX de Conhecer Pessoa. Copenhagen, Issuu, E-Book.Br,2016. Disponibilizado em <https://issuu.com/e-book.br/docs/9.caeiro>

Jorge Amado: Da guerra dos santos à demolição do eurocentrismo.Copenhagen, Issuu, E-Book.Br, 2017. Disponibilizadoem <https://issuu.com/e-book.br/docs/amado>

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Cid Seixas é jornalista e escritor. An-tes de se tornar professor universitá-rio, atuou na imprensa como repór-ter, copy desk e editor, trabalhando emrádio, jornal e televisão. Fundou e di-rigiu um dos mais qualificados suple-mentos literários, o Jornal de Cultura,publicado na Bahia pelos Diário deNotícias. É graduado pela UCSAL,mestre pela UFBA e doutor pela USP.

Na área de editoração, dedica-se aplanejamento e projeto de livros eoutras publicações. Além de ter cola-borado com jornais e revistasespecializadas – entre os quais O Es-tado de S. Paulo e a Colóquio Letras, deLisboa –, assinou, durante cinco anos,a conceituada coluna “Leitura Críti-ca”, no jornal A Tarde.

Professor Titular aposentado daUniversidade Federal da Bahia e Pro-fessor Adjunto da Universidade Esta-dual de Feira de Santana, onde atuounos projetos de criação do Mestradoem Literatura e Diversidade Cultural,bem como da UEFS Editora.

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e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IVRO DIGITAL

Livro 1: Tradição e modernidade

A LITERATURANA BAHIA

Com o subtítulo Impasses e confrontos deuma vertente regional, a série de e-books ALiteratura na Bahia leva gratuitamente ao pú-blico da rede mundial de computadores im-portantes informações sobre a vida culturalbaiana.

Seu autor é o jornalista e escritor Cid Seixas,que alia o texto leve e o sabor do jornalismodiário ao que o crítico Mário da Silva Britochamou de “uma informação, ou mesmo eru-dição, em tudo e por tudo admoráveis.”

Neste volume inicial o foco converge paraas primeiras manifestações da arte modernana Bahia.

IMPASSES E CONFRONTOSDE UMA VERTENTE REGIONAL