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26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Nº 94 | Ano IV Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00 LETRAS A LITERATURA E AS GUERRAS EM ANGOLA PÁG. - 3-5 ECO DE ANGOLA PÁG. - 2 ARTE POÉTICA PÁG. - 5 ECO DE ANGOLA PÁG. - 11 ARTES PÁG. - 13-14 GRAFITOS NA ALMA HERANÇA RELIGIOSA PÁG. - 6-8 APROCIMA inicia NGOLLYWOOD TRAJECTÓRIA DA NAÇÃO ANGOLANA III- FUNDAÇÃO DE COLÓNIAS EUROPEIAS NGOLA YETU CDC ANGOLA EM DIGRESSÃO PELA EUROPA

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Page 1: A LITERATURA E AS GUERRAS EM ANGOLA - ufmg.br · A evolução político-militar do «reino de Angola» (1575), permitiu a penetração portuguesa pelo corre-dor do vale Kwanza fundando

26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Nº 94 | Ano IV Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00

LETRAS

A LITERATURA E AS GUERRAS

EM ANGOLA

PÁG. - 3-5 ECO DE ANGOLA

PÁG. - 2 ARTE POÉTICA

PÁG. - 5 ECO DE ANGOLA

PÁG. - 11 ARTES

PÁG. - 13-14 GRAFITOS NA ALMA

HERANÇA RELIGIOSA

PÁG. - 6-8

APROCIMAinicia NGOLLYWOOD

TRAJECTÓRIA DA NAÇÃO ANGOLANA

III- FUNDAÇÃO DE COLÓNIAS EUROPEIAS

NGOLA YETU

CDC ANGOLAEM DIGRESSÃO

PELA EUROPA

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2 | ECO DE ANGOLA 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Cultura

Conselho de AdministraçãoAntónio José Ribeiro (presidente)

Administradores ExecutivosCatarina Vieira Dias CunhaEduardo MinvuFilomeno ManaçasSara FialhoMateus Francisco João dos Santos JúniorJosé Alberto Domingos

Administradores Não ExecutivosVictor Silva

Mateus Morais de Brito Júnior

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX):222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

CulturaJornal Angolano de Artes e Letras

Um jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 94 /Ano IV/ 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015

E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL:

Director e Editor-chefe: José Luís MendonçaSecretária: Ilda RosaAssistente Editorial: Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia: Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação: Sandu Caleia, Jorge de Sousa, AlbertoBumba e Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:Angola: Armindo Jaime Gomes, Leonel Cosme, MárioAraújo, Mário Pereira, Victor Burity da Silva

CAPA: Pintura de José ZAN Andrade

Normas editoriaisO jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicose recensões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devemser originais. Todos os autores que apresentarem os seus artigospara publicação ao jornal Cultura assumem o compromisso denão apresentar esses mesmos artigos a outros órgãos. Apósanálise do Conselho Editorial, as contribuições serão avaliadas e,em caso de não publicação, os pareceres serão comunicadosaos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ougráficos já publicados, são da exclusiva responsabilidade dosseus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman,corpo 12, e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficose figuras devem, ainda, ser enviados no formato em que foramelaborados e também num ficheiro separado.

NGOLA YETU – NOSSA ANGOLA

Ana a Ngola atono adibongolola – os filhos de Angola acordaram, uniram-seMukubangela mvunda ya ufolo – para a luta pela independênciaMukujimisa malamba, jingololo – para extinguir os sofrimentos e lamentosMukutubangesa kukala twatolo – para nos fazerem ser poucosKutulembwesa kukala twakwa Ngola – impedirem-nos de ser angolanosUfolo weza kutudikisa njila – a independência veio mostrar-nos o caminhoYa kwendela etwoso bwamoxi – de todos nós caminharmos juntosMu ubangelu wa kifuxi kimoxi– na feitura de um só povoMu ubangelu wa mwiji umoxi– na construção de uma só naçãoKwila twana twetu alokingila– que os nossos filhos esperamUfolo watundisa manyinga, - a independência fez jorrar sangueWatundisa we hanji masoxi– fez também jorrar lágrimasSwalu ndondo kwila mu isuxi– o negro suor que dos ombrosMoxi ya ubandexilu wa mixi– sob o levantar dos troncosMukuvutukisa nguma dikanga - para fazer voltar o invasor para longeWofolo weza watubangesa kudilunga – a independência veio fazer-nos concordarKuma mukudikongelela kwetu – que na nossa unidadeTujinga ni mbande yoso, yetu - lutamos com toda a nossa capacidadeAnga tudijinga we hanji, mudyetu – e também nos orgulhamos, entre nósOwuswininu wolande mukuwutunga – da coragem alcançada para construí-laMukubangesa Ngola kudyendesa anga– para fazer a nossa Angola encaminhar-se eNi twana twe twoso ku mbanji ye– com todos os seus filhos a seu ladoNda ahetu ni mala, enyoso azediwe - para que mulheres e homens se alegremKuma Ngola uya mu kilunga kya kalunga – Visto que Angola caminha rumo à eternidadeNi twana twe twoso mukumukayela – com todos os seus filhos a seu lado

MÁRIO PEREIRA

Paulo Kussy, Anatomilias II

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A evolução político-militar do«reino de Angola» (1575), permitiu apenetração portuguesa pelo corre-dor do vale Kwanza fundando os pre-sídios de Kambambe, Muxima, Ma-sangano e afectaram as dinâmicastradicionais endógenas então encon-tradas culminando com a fundaçãode colónia presidiária de Benguela(1617) (DELGADO, 1940), sob provi-são de 1615 assim como (S/A, 1974)a colónia agrícola do Namibe(1840/1848), depois da destruiçãodo reino do Khongo (1571/1573)(VANSINA, 1966).Ainda que F. Inocêncio de S. Couti-nho (1764/1772) e A. de Saldanhada Gama (1807/1810) tivessem lan-çado os fundamentos da colónia depovoamento ocidental como garanteAlberto Lemos (1929:55), em ne-nhum momento se pode considerarefectivo sem a participação de umaforma ou de outra, de todos os com-plexo socioculturais de índole africa-na incluindo asiáticos e americanospois, a Coroa apostava na afirmaçãodo império (ALEXANDRE, 2000), naextensão da máquina administrati-va, fiscal colonial e na submissão dosnativos, aos valores ditos superioresda raça branca como costa em V. Ale-xandre (1998:7).O povoamento europeu aconteceuantes da ocupação colonial efectivade Angola com base em violência mi-litar, estabelecimentos comerciais,evangelização rural e fundamental-mente na implementação de colona-tos agrícolas a exemplo de Caconda,Cela, Humpata, Hoque, Chicava, Ca-

tofe, Cunene, Matala, etc., cuja con-sistência data da década de 1960,com a promulgação de medidas vá-rias visando eliminar os métodostradicionais de exploração colonialessencialmente militares e contra-tuais (ALEXANDRE, 1998). Tentati-vas anteriores tiveram vigência coma abolição do tráfico de escravos(1856) com esclavagistas e libertosao longo do litoral centro-sul, maistarde com bóeres no planalto deBenguela, até ao final da segundaguerra mundial (1945) altura quepassaram ao recrutamento de dissi-dentes alemãs, judeus, timorenses,cabo-verdianos, etc. Destacaram-se a abolição do esta-tuto do indigenato (CRUZ, 2006), re-visto em 1954 e revogado sob Decre-to-Lei n.º 43893, de 6 de Setembro de1961, o regulamento de ocupação econcessão de terrenos, a organizaçãodas regedorias rurais a partir das es-truturas políticas tradicionais endó-genas, o código do trabalho rural, acriação do espaço económico portu-guês de livre circulação de pessoas ebens (CASTELO, 1998). No entanto, ofim do trabalho forçado estabeleceunovas relações de produção, passan-do a predominar a política salarial.Não obstante à penetração de ho-landeses (1600/1648), franceses,escoceses, brasileiros (DELGADO,1944), foram as colónias do Namibe(1840/1849) que inauguraram o po-voamento contratual de famílias es-clavagistas portuguesas com os seusescravos do Brasil mas, foi promul-gado o Decreto n.º 44171, a 1 de Fe-

vereiro de 1962, tornando livre a en-trada e fixação de famílias essencial-mente portuguesas (NASCIMENTO,1912), dando ênfase à constituiçãode comunidades multirraciais. Paraorientação e coordenação de projec-tos referentes ao povoamento mul-tirracial, sob Decreto n.º 43895, de 6de Setembro de 1961, foi criada aJunta Provincial de Povoamento deAngola esforçando-se a admitir afri-canos com particular destaque aoscabo-verdianos, mas também gui-neense, são-tomenses e senegalen-ses. Estes destacaram-se na constru-ção dos aldeamentos de compão docaminho-de-ferro de Benguela a par-tir do início do séc. XX., fundamental-mente no Lobito.O grau de violência dos instru-mentos promulgados na gestão colo-nial, de 1920 a 1926 (HENDERSON,1990), serviu de arma eficaz de afri-canos alfabetizados em línguas ma-ternas pelas missões rurais cristãs,contra os seus autores pois, os portu-gueses não conseguiram conhecer osafricanos que do resto tratava-se deum povo da mesma estrutura ntu(NIANE, 2010), repartido em conse-quências do desenvolvimento dasforças produtivas tributárias, emer-gidas do conflito do sistema de pa-rentesco multifuncional fundamen-tado no matriarcato. O suporte an-cestral é, sempre foi e continuarásendo o mesmo entre os aparente-mente diferentes grupos etnolinguís-ticos de Angola conhecidos generica-mente por Bakhongo, Ambundu,Lunda, Ovimbundu, Lwimbi, Nyane-

ka, Ambô (o mesmo que Ovambo),Helelo (MEDEIROS, 1981), etc.Por coincidência a penetração eu-ropeia (1482/1885), suportada pordegredados (1575/1617) (DELGA-DO, 1955), aconteceu no período dodesmembramento das entidades so-ciopolíticas acima ditas, em respostaao desenvolvimento das forças pro-dutivas ora anunciadas, cuja dimen-são etno-histórica foi tendenciosa-mente mal entendida pelas civiliza-ções ocidentais que acreditaram tra-tar-se de hordas de fácil subjugação(LEMOS, 1929). Convencidos que ti-nham o domínio sobre a realidadeem epígrafe (1885/1926), com aqueda de instituições políticas tradi-cionais endógenas (1886/1926), osintromissores portugueses caíramna ilusão das vitórias das campanhasde pacificação militar mal consolida-das (CADRNEGA, 1972) pelo menos,até 1949 (PELISSIER, 1997). Só nos anos de 1950 que passou acontemplar o povoamento intensivodo território com europeus (CASTE-LO, 2007), e a partir da década de1960 tentou vencer a população afri-cana à concepção de uma integração.Os Ovimbundu passaram a servir deexperimentação piloto a partir de1966 (COELHO, 1966), dada a capa-cidade de adaptação demonstradaao longo do caminho-de-ferro deBenguela e nos grandes centros deexploração agrícola colonial.A incapacidade portuguesa nocontrolo de Angola explica-se pelofacto de que em plena década de1940, bolsas territoriais podiam serencontradas livres do jugo colonial econsideráveis resíduos do poder daautoridade tradicional endógena,pelo que, tal como no meio urbano,toda e qualquer manifestação anti-colonial conheceu lideranças uteri-nas traduzidas na perspectiva matri-linear no âmbito do parentesco mul-tifuncional ntu. Os líderes das famí-lias alargadas, em situações sociopo-líticas concretas transcenderam àsestruturas do poder tradicional en-dógeno com envergadura de influen-ciar as famílias de menores dimen-sões. 40 anos depois da independên-

ECO DE ANGOLA |3Cultura|26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 TRAJECTÓRIA DA NAÇÃO ANGOLANA

CONTRIBUIÇÃO SINTÉTICA PARA O 40º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA III– DA OCUPAÇÃO À FUNDAÇÃO DE COLÓNIAS EUROPEIASARMINDO JAIME GOMES

(ARJAGO)

União Sagrada Esperança do Rangel

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4 |ECO DE ANGOLA 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Culturacia tais estruturas continuam inaba-láveis na mesma intensidade.

O NASCIMENTO DA COLÓNIA DE ANGOLAA conferência internacional sobrea bacia do Khongo (1884/1885),adoptou o princípio fundamental deocupação efectiva de África, reco-nhecendo a soberania sobre uma co-lónia pela comunidade internacio-nal, se o colonizador demonstrasse apresença efectiva protegendo o mer-cado com a presença militar efectivae a administração colonial. Este prin-cípio passou a caracterizar a chama-da partilha de África pela Conferên-cia Internacional de Berlim, con-substanciada na prática de estabele-cimento de fronteiras por força detratados, protocolos, convenções,etc., celebrados (1886/1926) na to-pografia da configuração de Angolaactual pois, desprovido de condiçõesexigidas ao cumprimento das reco-mendações desta conferência, nãorestaria mais a Portugal senão, con-correr à diplomacia para a ocupa-ção de Angola; Portugal/França(1885/1886/1901), Portugal/As-sociação Internacional do Congo(1981/1885/1890/1926), Portu-gal/Bélgica (1890), Portugal/Inglater-ra (1891/1903/1905/1915/1925),Portugal/Alemanha/União Sul-afri-cana (1920/1926).Pelo Decreto de 6 de Dezembro de1869, reforçado com o de 3 de Marçode 1870, a colónia de Angola passoua contar com três distritos: Luanda,antes reino presidiário de Angola, fo-mentada por degredados, escravos elibertos; Benguela, antes colóniapresidiária criada com degredados,africanos, escravos e libertos; Nami-be, antes colónia agrícola de Moçâ-medes fomentada por famílias oci-dentais, africanos, escravos e libertos.Com a Portaria de 1 de Agosto de 1911,foi aprovado o regimento de circuns-crições civis e criados mais três distri-tos (MILHEIRO, 1972). Além dos ante-riores passaram a vigorar os distritosdo Congo, da Lunda e Huíla. Sob Decre-to n.º 238484, de 16 de Junho de 1914,Angola passou de distritos a provín-cias de Luanda, Benguela, Bié, este an-tes entreposto comercial do sertão(HEINTZE, 2004), Huíla e Malanje, esteantes feira internacional do sertão(CARVALHO, 1898). Vitorioso que ficou, Portugal pas-sou de administrador e gestor de An-gola colonial assente no proteccio-nismo do estado em relação aos afri-canos (ALEXANDRE, 2000), emgrande medida herdada da monar-quia portuguesa, sustentada numpacote de instrumentos legislativosassim como Leis orgânicas n.º 277 e278, da Administração Civil e da Ad-ministração Financeira de, 15 deAgosto de 1914, respectivamente, talcomo o Decreto n.º 951, de 14 de Ou-tubro do mesmo ano, sobre o regula-mento geral do trabalho dos indíge-

nas mas, também, a carta orgânicapromulgada em 1917 (cfr., op. cit.). Desde então os africanos incluídosnas fronteiras de Angola colonial,perderam o gozo de direitos políti-cos fora das instituições tradicionaisendógenas (HENDERSON, 1990),sendo submetidos ao trabalho força-do por imperativo da Lei, cabendo àcolonização portuguesa elevá-los atéà dita civilização ocidental desde quese submetessem às Leis e aos regula-mentos impostos cujo Decreto n.º7151, de 22 de Novembro de 1920,estender-lhes-ia ao benefício dos di-reitos cívicos de índole portuguesaadoptando os hábito, usos e costu-mes inerentes a Coroa (CRUZ, 2006).Estava assim formalizada a coloniza-ção efectiva de Angola multinacionalderrubada a 11 de Novembro de1975, 55 anos depois.Em consequência do Decreto7151/20, de 22 de Novembro, foipromulgada a Lei n.º 1005, de 7 deAgosto de 1921, estabelecendo o re-gime de altos-comissários (DELGA-DO, 1955), atribuindo em 1921 aNorton de Matos (1912/1915) com-petências legislativas e funções exe-cutivas. Com um projecto para Ango-la e investido de largos poderes ad-ministrativos e financeiros, o gene-ral acima dito nas vestes de Alto-co-missário (1921/1924), promulgou alegislação (ALEXANDRE, 2000) e pôsem prática as medidas tendentes afomentar a colonização através de fi-xação de emigrantes metropolitanosimprimindo um fomento acelerado àeconomia sustentada pela Lei n.º

1031, de 6 de Março de 1921. O so-nho de povoar Angola com portu-gueses1 em defesa da bandeira, á se-melhança do Brasil, continuava.Dando corpo à colonização dirigi-da, Norton de Matos empenhou-seno empreendimento de infra-estru-turas socio-económicas, agro-indús-tria e extractivo. Apostou na transi-ção da administração militar, carac-terística de períodos antecedentes,para a administração civil e na cons-trução da malha administrativa,através de circunscrições (cfr., ALE-XANDRE, 2000). Dedicou-se à muni-cipalização, pois via nela a garantiada dominação colonial ligada ao es-tado. Na perspectiva da colonizaçãojurídica promulgou medidas quepromoveram a fixação de funcioná-rios públicos com as suas famílias efacilitar a entrada de núcleos familia-res emigrantes católicos pobres,camponeses, operários, pescadores(NASCIMENTO, 1910).Quanto a trabalhadores dos servi-ços públicos, Norton de Matos pro-curou atraí-los com bons salários se-gundo o Decreto n.º 15, de 10 deMaio de 1921, garantindo as aposen-tações e os subsídios de família talcomo se pode ler no Decreto n.º 64,de 10 de Novembro de 1921, mastambém as respectivas gratificaçõesde permanência de acordo com osDecretos n.º 69 e 71, de 17 e 18 deNovembro de 1921, assim como oabono de passagem e os subsídios deconstrução de habitações familiares. Pelo Decreto n.º 95, de 3 de Feve-reiro de 1922, proporcionavam-se as

condições de instalação e remunera-ção aos operários metropolitanos queservissem o estado português em An-gola. Através do Decreto n.º 204, de 8de Novembro de 1922, concediam-seresidências já mobiladas, assistênciamédico-medicamentosa e demaisapoios materiais a funcionários pú-blicos e operários do estado. Através do Decreto n.º 212, de 9 deDezembro de 1922, que forneciampassagens a operários e agricultoresportugueses contratados e suas fa-mílias (CASTELO, 2007), no conjun-to de estratégias do povoamentobranco, Norton de Matos tentou con-trariar o défice de mulheres brancasque até então aderiram Angola, atra-vés do Decreto n.º 146, de 10 de Maiode 1922, estimulando o embarque dejovens escriturárias-dactilógrafas eprofessoras até aqui o processoabrangia essencialmente o géneromasculino, descomprometido e esti-mulador da mestiçagem nas relaçõescom africanas, proporcionando a li-nha sociocultural intermediária nocontexto socio-racial designada porcrioulos, o mesmo que Mbali. Disseminados ao longo do corre-dor rodoviário Luanda/Benguela, eferroviário Luanda/Ndalatando,aqueles diferenciavam-se destes porserem de pendor sociocultural euro-africano. Sendo multirracial e, quiçá,marcado pela mestiçagem afro-eu-ropeia, o processo foi teorizado porGILBERTO FREIRE (1951-1952) co-mo luso-tropicalista. Segundo A. J.Gomes (2013), “o veloz cruzamentorácico-consanguíneo e a consequen-te assunção paternal de luso-africa-nos proporcionou um rápido envol-vimento da cultura kimbundu na oci-dental”, particularmente ao estratosociocultural que o final do séc. XIXaos meados do séc. XX designou-sede ambakista.A atracção de quadros técnicos su-periores para o asseguramento da co-lonização de Angola, passou pela con-cessão de subsídios aos estudantes deengenharia e de condutores das esco-las da metrópole, concluído o cursode quatro anos, segundo o Decreto n.º329, de 29 de Agosto 1923. Impunhao Decreto n.º 241, de 20 de Fevereiro1923, a todas as sociedades, compa-nhias ou empresas, que explorassemconcessões estaduais em Angola, acontratação na metrópole de metadedo pessoal técnico e administrativo etodos os médicos e enfermeiros. Fi-nalmente, procurou-se garantir oacolhimento dos colonos, no momen-to do desembarque, provendo ao seuresguardo e alimentação tal como re-vela a portaria provincial n.º 14, de 13de Janeiro de 1923.À medida que as políticas de colo-nização de Angola tendiam no fo-mento populacional atraindo qua-dros metropolitanos, a mais odiadaadministração de Norton de Matos,tornada rígida aos africanos (GO-MES, 2013), promulgava o Decreto

Adeus à Hora da Largada

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ECO DE ANGOLA| 5Cultura | 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015nº 77, de 9 de Dezembro de 1921, pe-nalizando as correntes cristãs pro-testantes (HENDERSON, 1990) ru-rais, onde além de outras, se proibiaa actividade docente a angolanossem que fossem portadores do Bilhe-te de Identidade português, reserva-do aos assimilados desde que falas-sem fluentemente a língua portugue-sa, baptizados na igreja católica, im-plicando prescindir dos valores afri-canos (CRUZ, 2006) e da educaçãoprotestante (HENDERSON, 1990). Amedida impunha as estratégias deevangelização, educação e ensinofundamentadas em línguas locaispor serem instrumentos de cidada-nia que contrariavam a exequibilida-de do Decreto nº 7151/20. As qualidades necessárias aosconcorrentes impunham-lhes pro-vas em exame escrito e oral da línguaportuguesa que se exigiam bastantesrígidos, pelo que poucos angolanoseram capazes de o fazer. Estas medi-

das encontraram reforço jurídico,com a criação do Estatuto Político,Social e Criminal dos indígenas des-de 1926 (CRUZ, 2006).As políticas dos primeiros dez anosde colonização dirigida (1912/1923)com fraca imigração de mulheres,comparando com a colonização es-pontânea (NASCIMENTO, 1912), quese seguiu, devido à política de fomen-to económico e às medidas de atrac-ção acima referidas, não conheceramêxitos. Consequente na ideia de que amestiçagem comprometia o projectocolonial, por causa do fomento im-previsto da população mestiça querdo ponto de vista racial, quer cultural,Norton de Matos decretou medidasque entravavam o convívio inter-étnico e a asseguravam a separaçãode africanos enquanto reserva demão-de-obra barata. Pela portariaprovincial n.º 183, de 27 de Outu-bro de 1922, criavam-se os chama-dos bairros indígenas, desagregan-

do os africanos dos europeus rei-nóis e estes dos assimilados.Angola passava assim de um con-junto de estados africanos ao conjun-to de povos retalhados pela adminis-tração directa, fazendo-os unidos pe-rante consequências da crise colonialda década de 1930, em que eram for-çados a aderir às roças e fazendas dasmonoculturas espalhadas pelo país aexemplos do Uíge, Bengo, Malanje,Kwanza-sul, Benguela, Namibe, cujaoportunidade permitiu partilhar en-tre si as últimas experiências da lutacontra o intromissor ocidental (PÉ-LISSIER, 1997): a guerra planálticade Mutu ya Kevela (1902); a revoltaHelelo do Kalahári (1909); a revoltakikhongo de Álvaro Talante Buta(1913); os conflitos Ovambo de Man-dume (1915); as rebeliões dos Vasele/1924), as escaramuças dos Vakuva-le (1947/1949) (CARVALHO, 1997).O Acto Colonial, de 8 de Julho de1933, Decreto promulgado por A. deOliveira Salazar incluindo o progra-ma político imperial, inaugurou umanova etapa na administração colo-nial que, com a Carta Orgânica do Im-pério Colonial Português e ReformaAdministrativa Ultramarina, vigorouaté à reforma da Constituição de1951. Por Decreto-Lei, de 20 de Maiode 1954, foi aprovado o Estatuto dosIndígenas (cfr., CRUZ, op. cit.), instru-mento com força de Lei, delimitandoos direitos e deveres dos indígenas evisava no essencial a implementaçãoda política assimilacionista dos afri-canos, abolida em 1961, reforçavam-se os Decretos nº 7151/20, de 22 deNovembro, 77/21, de 9 de Dezembroe a Portaria Provincial nº 183/22, de27 de Outubro, respectivamente. Es-te último Decreto, salvaguardava a li-

vre iniciativa dos colonos e missio-nários católicos à luz do Acordo Mis-sionário com a Santa Sé (1940) e doEstatuto Missionário (1941).Nas remodelações administrativasde 1955, pela Portaria n.º 8904, de 19de Fevereiro, Angola retornou ao re-gimento de treze distritos (MILHEI-RO, 1972). As últimas remodelaçõescoloniais de 1971, sob Decreto 50/71,de 23 de Fevereiro, segundo o B.O2 nº57, aconteceram num período de afli-ção do regime quanto a intensificaçãopovoacional de Angola. Falhando ajunta provincial de povoamento deAngola (JPPA), o recurso desesperadoaos Ovimbundu (COELHO, 1966) pas-sava a potencializar acções da luta pe-la libertação nacional.Proclamada a independência de11 de Novembro de 1975 da provín-cia ultramarina Angola para a Repú-blica Popular de Angola, entre 1977 a1980 as comissões executivas doscomités províncias do MPLA (GO-MES, 1995), sem critérios uniformi-zados, em plenos comícios de mobili-zação e comemoração, mudaram al-guns topónimos em diferentes esca-lões. Os distritos tornaram-se provín-cias, os concelhos passaram a municí-pios e os postos administrativos paracomunas, algumas ruas e uma ou ou-tra praça conheceram alterações, seminstrumentos com força de Lei(Íd.:Ibid.), salvo a divisão da Lundaem norte e sul, assim como a criaçãodas províncias de Luanda e Bengo.1- Processo conhecido por povoa-

mento branco2- Boletim Oficial

CONCLUI NA PRÓXIMA EDIÇÃO

A convite da Universidade deCoimbra, a Companhia de DançaContemporânea de Angola apresen-tará no Teatro Académico de Gil Vi-cente daquela cidade, no dia 13 deNovembro a peça “Mpemba Nyi Mu-kundu”, no âmbito da celebraçãodos 725 anos de existência daquelainstituição e do 40º Aniversário danossa independência. Aproveitando a sua estadia em Por-tugal, a CDC Angola apresentará igual-mente de 4 a 8 do mesmo mês, cincoespectáculos da peça “Solos para umDó Maior” a convite da Fundação JoséRodrigues, na cidade do Porto.Esta digressão vem no seguimentoda sua passagem pela EXPO Milãoevento do qual a única companhiaprofissional angolana havia sido ex-cluída por falta de verbas. Perante esta situação a direcçãoda CDC Angola envidou todos os es-forços para compensar o trabalhoinvestido pelos seus bailarinos e de-

mais equipa, tendo a agradecer pu-blicamente à TAAG Linhas AéreasAngolanas, que nos assegurou asviagens para podermos estar pre-sentes. De igual modo agradece aobanco BFA o apoio que permitirá otempo de permanência desta com-panhia em Portugal. Cabe-nos igualmente referir que aCDC Angola é patrocinada pela Fun-dação BAI (e anteriormente peloBanco BAI), cuja sensibilidade e res-peito pelo nosso trabalho são de-monstrados pelo apoio continuadoque tem ajudado a manter o funcio-namento do nosso colectivo. Recordamos que esta compa-nhia, à qual se deve a grande trans-formação do panorama da dançaem Angola, foi fundada em 1991, émembro do Conselho Internacionalda Dança da UNESCO, possui umhistorial de centenas de espectácu-los apresentados em Angola e noexterior, com cerca de 25 obras ori-

ginais e já actuou em mais de 13países em todos os continentes,sendo hoje a referência da dança cé-nica angolana no estrangeiro. Gabinete de Divulgação e Ima-gem, da CDC Angola em Luanda,aos 19 de Outubro de 2015

CDC Angola em digressão pela Europa

Solos Dó Maior - BrunoFonseca©CDCAngola

União 10 de Dezembro

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Se não for por catarse, diga-se quea tão repetidamente evocada Guer-ra Colonial de 1961/74 foi simples-mente a última das muitas guerrasque se seguiram à primeira, travadaentre as hostes de Paulo Dias de No-vais e Ngola Kiluanje, em 1575. Defacto, com a segunda chegada deDiogo Cão, em 1484, e o seu relacio-namento com o Mani-Soyo, ainda sepoderá falar de “colonização missio-nária” (expressão eufemística deAdriano Moreira para caracterizartoda a colonização portuguesa…),de tal modo foram cordiais e de inte-resses recíprocos as relações entreportugueses e angolanos. Depois, foio que é consabido: o tráfico de escra-vos e a busca de ouro e prata forma-taram as relações e os interesses aoponto de nem os missionários esca-parem à tentação da riqueza – lem-bre-se os padres dos Loios.Só do primeiro tempo em que oadjectivo colonial ainda remetia pa-ra o étimo latino colonus (o que cul-tiva a terra em lugar do seu dono) sepoderia dizer, parafraseando a Bí-blia, que No Princípio era o Verbo,

porque a confiança na Palavra dita eos actos consequentes faziam jus aopensamento de Santo Agostinho,um milénio antes, de que o tempo é oespaço onde decorrem as coisas.Mas já antes Cícero advertia: o tem-pora! o mores! E como se viu até aosnossos dias, os interesses, as práti-cas e os costumes, pese embora aprimeira Palavra, mudaram o espa-ço e o tempo, até que……por fim, a Palavra transbordoucomo componente de um vulcãoadormecido, que depois entra emerupção: primeiro magma, depoislava. Tal como na natureza humana:primeiro, conformação, resignação,esperança; depois, inconformidade,protesto, luta. No caso, todavia, em duas verten-tes: uma, que se reportava aos inte-resses do colonizador; outra, do co-lonizado – gerando (até 1961…), nodizer de Mário António, a respeitode alguns textos questionáveis con-tidos na revista Mensagem, “um cal-do de ambiguidades”. Esse “caldo”, enquanto palavraescrita, está já presente nos primei-

ros jornais que se fundaram em An-gola, a partir de 1866 (o primeiro ar-remedo de informação começou em1845, com a criação pelo Governodo Boletim Oficial). Até então a es-crita, já literária, fazia-se num Alma-nach de Lembranças Luzo-Brasilei-ro e nos recortes que iam chegandodo Brasil pela mão dos maçons esta-belecidos ou degredados em Angola,como foram os implicados na Incon-fidência Mineira, em 1789: José Ál-vares Maciel, o ideólogo da intento-na, Inácio José de Alvarenga Peixoto,Domingos de Abreu Vieira, Luís Vazde Toledo e Francisco António deOliveira Lopes, uns literatos, outrosmilitares de carreira. Com a intentona que a indepen-dência do Brasil inspirou nas cida-des de Benguela e Luanda, denomi-nada Confederação Brasílica, em1822/23, sob a égide de um dito“partido brasileiro”, constituído porbrasileiros, portugueses e angola-nos, saltava à vista que a narrativada Portugalidade no futuro de Ango-la teria vários pronunciamentos.Um deles já tinha vindo de umportuguês que integrara a colóniaformada em Pernambuco, em con-sequência da Revolta Praieira, e queem 1849/50 demandara a região deMoçâmedes, na expectativa de subs-tituir um Brasil em estado de revoltanativista por uma nova “Terra daPromissão”. Chamava-se AntónioFrancisco Nogueira (literariamenteA.F.Nogueira), sem uma profissãodefinida (fora comerciante, agricul-tor e bancário), revelando-se duran-te a sua permanência no Sul de An-gola como um etnógrafo autodidac-ta com artigos em jornais de Angolae da Metrópole e, por último, um im-portante livro de ensaios com o títu-lo genérico de A RAÇA NEGRA, pu-blicado em 1880 em Lisboa, de que éobrigatório fixar esta passagem:(…) E não nos impressiona a ob-jecção de que civilizar os indígenasdas nossas possessões de África é omesmo que emancipar essas coló-nias. Se ao mesmo tempo que edu-cando o Negro tratarmos de aclimaro Branco onde isso for possível esteserá ainda por muito tempo umapoio seguro para nós. Mas dadoque afinal a colónia se venha aemancipar – e esse é o destino de to-das as colónias – que devemos pre-ferir: conservá-la estéril e improdu-tiva como até agora, ou convertê-laem uma nação amiga, e mesmo irmãao menos sob o ponto de vista da ci-vilização e dos costumes?(…) Ora o Negro é o nosso auxiliarindispensável nessa empresa. Se ci-vilizando-o o tivermos emancipado,

nem por isso teremos deixado deconseguir o nosso fim, antes o tere-mos conseguido plenamente. Oxaláque a Europa, a civilização, a huma-nidade,nos tivessem a lançar emnosso rosto muitas dessas faltas! Este colono-sertanejo antecipavaa visão realista de Afonso Costaquando, mudado o regime portu-guês, afirmava que “a República nãovai continuar a Monarquia, no quediz respeito a processos de adminis-tração colonial”. Mas, no essencial,continuou. Três décadas depois, ojornalista José de Macedo, que du-rante alguns anos foi o redactor prin-cipal do jornal de Luanda “Defeza deAngola”, afecto à Maçonaria, de re-gresso a Portugal escreveu em 1910um livro de grande impacto, Autono-mia de Angola, em que observa:Porque é preciso que isto se saiba,que isto se diga, bem alto: em Angolahá uma, embora pouco poderosa,mas em todo o caso latente, correnteseparatista. Ninguém que lá tenhavivido desconhece que não só entreos indígenas civilizados (e há-os quehonram o seu nome) como entre oscolonos europeus, existe uma mani-festação de hostilidade, que nem pe-las armas, nem pela maior centrali-zação se poderá já extinguir.Macedo sabia bem do que falava:em 1901 tinha vindo a lume, impres-so em Portugal, um libelo escrito pordestacadas personalidades angola-nas, civis e religiosas, que sob anoni-mato verberavam as críticas racis-tas de um deputado português de vi-sita a Angola. Intitulava-se esse livroVoz de Angola Clamando no Deser-to, cujo primeiro depoimento, – “So-lemnia Verba” – por muito apazi-guador que fosse, não iludia o quesubjaz à expressão latinista: SoleneAdvertência.O Verbo, a Palavra final, conti-nuou por dizer nos anos seguintes,até ao momento em que um poeta járevolucionário, Viriato da Cruz, em1956 defendeu o imperativo decriar um Movimento Popular de Li-bertação de Angola, sendo verdadeque, desde antes, escritores, poetase jornalistas já tinham assumido, emrevistas e jornais, o direito inaliená-

6 | LETRAS 26 de Outubro 8 de Novembro de 2015 | CulturaA LITERATURA E AS GUERRAS EM ANGOLA

No Princípio era o Verbo

LEONEL COSME

Machado. Museu Dapper

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LETRAS| 7Cultura | 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015

vel a uma identidade própria, políti-ca e cultural. O Poeta Maior, Agosti-nho Neto, expressá-la-ia posterior-mente numa tríade paradigmática:Sagrada Esperança, A Renúncia Im-possível, Nós Somos! Em 1951, noprimeiro número da revista Mensa-gem, da Associação dos Naturais deAngola, ainda a Cultura era um campoonde fecundavam as aspirações egerminavam os ideais:(…) MENSAGEM será – nós o que-remos! – o marco iniciador de umaCultura Nova, de Angola e por Ango-la, fundamentalmente angolana, queos jovens da nossa Terra estão cons-truindo. E porque assim é, porque ésincero o nosso desejo de autoreali-zação, não admitimos o preconceito,o compadrio; abominamos a hipocri-sia e a injustiça; surpreende-nos alouvaminha, o elogio mútuo; desa-gradam-nos as meias tintas.Batemo-nos pela Verdade,pela verdade forte, sem a verrina daagressividade mas com a justiça danossa sinceridade; somos pelosgrandes horizontes, sem nuvens,mas com a luminosidade forte do solque nos aquece; pela generosidadedos nossos ideais, pela grandeza dosnossos Problemas.(…)A revista durou apenas dois anos,com dois números publicados.Cinco anos depois, em Novembrode 1957, uma nova revista, CULTURA(II), editada pela Sociedade Culturalde Angola (já tinha existido uma pri-meira CULTURA, em 1942/47, deinspiração liceal irrelevante) pro-pôs-se prosseguir e actualizar a linhaeditorial da Mensagem. Como se afir-ma no editorial do seu nº8, de Junhode 1959, não assinado mas sendo

presidente da instituição o advogadoe ensaísta Eugénio Ferreira:Nós queremos que a SociedadeCultural de Angola seja um organis-mo vivo, dinâmico na sua acção, ob-jectivo perante os problemas da vidaangolana. Um organismo despreten-ciosamente capaz de possibilitar aoshomens de Angola, e sobretudo à suajuventude, um meio de abordarquantos problemas atormentam oseu espírito. O tempo e o homem deAngola são os elementos decisivos nagestação de uma cultura angolana,nacional pela forma e pelo conteúdo,universal pela intenção, capaz de ul-trapassar a incipiência do exotismotropical e do primitivismo turístico.Não podemos iludir nem ignorar osproblemas. Não podemos abandonaras suas soluções às contingências doacaso. Nem subordiná-las a interes-ses pessoais e transitórios. Não po-demos contentar-nos com exercíciosde oratória mais ou menos oportuna,para não dizer oportunista. Necessi-tamos de pôr, com clareza e coragem,os nossos problemas em equação;discuti-los sem reservas, franca e ho-nestamente, sem tolos melindresnem descabidas vaidades e encon-trar as soluções justas, justas sob oponto de vista nacional, justas sob oponto de vista humano. Só assim lan-çaremos as bases de uma cultura (…) O ano de 1959 é particularmentetrágico para os intelectuais de Ango-la, onde a PIDE/DGS já estava instala-da desde 1957. Deu inequívoco sinalda sua presença com a formatação dofamigerado “processo dos 50” e aconsequente prisão e desterro de al-guns dirigentes da Sociedade Cultu-ral de Angola e colaboradores literá-

rios da CULTURA (já o tinham sido daMensagem), também “marcados” pe-la sua participação na campanha pre-sidencial de Arlindo Vicente/Hum-berto Delgado, pelas janelas que elaprometia abrir para os horizontes deuma Nova Angola.CULTURA é extinta em Novembrode 1960, com 12 números publica-dos. Pese embora uma declaração deinteresses, é significativo que na últi-ma página do seu último número sejaregistado, com nota positiva, o surgi-mento, na cidade de Sá da Bandeira(hoje Lubango), da Colecção Imbon-deiro, numa recensão assinada porA.A. (o conhecido causídico e poeta“mensageiro” Antero de Abreu): No pobre panorama literário deAngola, a iniciativa da “Colecção Im-bondeiro” reveste-se da maior im-portância, pelo que revela de esforçoe seriedade, pelo que representa deamor a uma literatura consciente e dequalidade, pelos caminhos que abriue abrirá. Até ao seu aparecimento, aactividade editorial em Angola, tiradaa imprensa e os boletins desta ou da-quela organização cultural, consistiana publicação de um ou dois livrosanuais, a maior parte das vezes deversos, como é natural, e em ediçãodos autores. Hoje, com a “ColecçãoImbondeiro”, já se pode falar em mo-vimento editorial em Angola. Por is-so, e porque é efectivamente umarealização cuidada e séria, a obra ini-ciada por Garibaldino de Andrade,Leonel Cosme, Maurício Soares e Car-los Sanches, presentemente mantidapelos dois primeiros apenas, tem jáassegurado o seu lugar numa futurahistória da literatura (de Angola).A Imbondeiro foi criada em Janei-ro de 1960, tendo como suporte legala classificação de livraria-distribui-dora, já que, no contexto político daépoca, como editora não seria obvia-mente autorizada. Por precaução ecomo subterfúgio, todos os cadernosda “Colecção Imbondeiro”, dedica-dos ao conto e à poesia, referiam, naúltima página, que eram proprieda-de e edição dos autores. Ao oitavo ca-derno, a PIDE local pediu para lhe sermostrada a licença da actividade: umalvará comercial passado pela Re-partição de Finanças do Lubango …Era o primeiro “aviso”. Não a distraí-ra o facto de o quinto caderno ser preen-chido por um conto de Joaquim Paçod’Arcos, considerado autor situacionis-ta, entre outros autores consideradosseparatistas. Nem lhe diminuira a sus-peição o Propósito aparentemente inó-cuo expresso no primeiro caderno:Duas razões nos levaram a lançaresta colecção: a necessidade de dar aconhecer ao público português os va-lores ultramarinos que se espalhampelos cantos do mundo onde se fala alíngua lusíada, desde a Guiné até Ma-cau, e o direito, que se impõe, de osmanifestar conjuntamente à luz du-ma consciência nacional que não po-de deixar de reconhecer, nos capri-

chosos tons da grande aguarela lusi-tana, um curioso tema de interessesrecíprocos, solicitados por anseios deespírito ou por afinidades de culturatradicional.Não se passará, imediatamente,duma tentativa em moldes simples(tão dependente de variados facto-res), traduzida em trabalho breve,mas responsável, como é o conto: ex-plica-a, de resto, esta forma primáriada Literatura, que, seja em Angola co-mo em Moçambique, não possui, porora, arcaboiço adulto com recursosigualáveis aos de uma terra de antigaexistência literária.Mas, dentro da estreiteza das pos-sibilidades, será nosso intuito cum-prir a tarefa com o melhor aproveita-mento dos muitos valores esparsos,maiores ou menores, que ainda hi-bernam – na espreita duma auroraque cesse a já longa escuridão – àsombra dos braços clamorosos dumvelhíssimo imbondeiro…A ambiguidade deste texto inau-gural prestava-se a várias interpre-tações, em que a escolha da árvoreimbondeiro (m’bondo no étimo an-golano) para sigla da “editora” nãoera fruto do acaso, mas um símbolo,quiçá um ícone, a que as característi-cas da milenária “árvore sagrada”,para os nativos (que dela retiravamalimentos e remédios), davam o sen-tido desejado. O que se viu quando apar da “Colecção Imbondeiro” foramsurgindo as colecções “Mákua”(poe-sia) e “Dendela”(contos infantis), is-to é, o fruto e a flor da imbondeiro.Na mais pacífica interpretação, ainiciativa convidava ao reconheci-mento de uma Lusofonia no vasto es-paço lusotropical… Esta terá sido aprimeira leitura dos epígonos do re-gime colonial, a PIDE incluída, nãodesmentida quando outras Colec-ções do tipo da Imbondeiro surgiramem Nova Lisboa (Bailundo), no Lobi-to (Capricórnio) e em Cabo Verde(Dragoeiro), estas de vida curta.E porque o propósito da Imbon-deiro não distinguia, literariamentefalando, os autores de diversas for-mações ideológicas, e por isso che-gou a ser criticado no Boletim da Ca-sa dos Estudantes do Império, tam-bém chamado Mensagem, viu neces-sário, ao segundo ano de existência,defender o seu “eclectismo cultural”,que não excluía (pois também os pu-blicou) os autores “progressistas”que constituíam a Colecção AutoresUltramarinos da C.E.I., aliás de curtaduração:(… ausência de opções, portasabertas a todo o pensamento dos nos-sos escritores, independentementedas suas tendências literárias e so-ciais – seguindo enfim uma linha derumo que, agradando ou não a gregose troianos, vem sendo cumprida des-de o primeiro instante: isenção, fran-queza e independência, na convicçãofirme de que só os caminhos da liber-dade intelectual podem conduzir ao

Cadernos Imbondeiro

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8 | LETRAS 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Culturaseio da Cultura e da Arte, pelo menosna acepção em que as temos (…)Depois (como antes) deste “inci-dente”, Imbondeiro continuou a pu-blicar, em cadernos e antologias, con-tistas e poetas, inicipientes e consa-grados, presos ou em liberdade, de to-dos os territórios de língua portugue-sa, incluindo os que sob a acusaçãogenérica de serem contra a segurançado Estado e inimigos da unidade daNação portuguesa se propunham li-bertar as colónias de armas na mão.Para os directores da Imbondeiroa razão da sua existência era uma só:dilatar o Verbo até ao ponto em queele se exprimia em termos de Culturanacional e universal. Pois que, repe-tindo Terêncio, homo sum: humaninihil a me alienum puto.Esta volição cosmopolítica deupleno sentido à inclusão na “ColecçãoMákua” nº5/6, já em 1964 - GrandesPoetas do Século XX – de poemasde Attila Jozsef, Bertolt Brech, EliasSimopoulos, Eugen Jebeleanu, Fer-nando Pessoa, Gaston-Henry Au-frère, Giuseppe Ungaretti, Guillau-me Appollinaire, Jiri Wolker,Langston Hughs, Pablo Neruda, Ra-fael Alberti, Thomas Stearns Eliot eVladimir Maiakovski.Não aparece o nome do grandepoeta angolano, Agostinho Neto, pelosimples facto de naquela data aindanão estar publicado o primeiro livroque o internacionalizou: Sagrada Es-perança. Mas já era o primeiro nomeda selecção de poetas que constituí-ram o nº 49/50 da “Colecção Imbon-deiro”, - Antologia Poética Angolana– saído em Junho de 1963. Já se calculava que esta primeiraantologia, reunindo nomes de poetaspresos, desterrados e suspeitos, an-golanos e portugueses, seria prova-velmente encarada pela polícia políti-ca como uma “provocação”. A certezaconcretizou-se, no ano seguinte, coma publicação da MÁKUA “internacio-

nalista”: a PIDE invadiu a Livraria Im-bondeiro para apreender os exem-plares ainda ali existentes, pois ogrosso da tiragem já tinha sido pre-ventivamente enviado para os assi-nantes da Colecção, antes de seguirpara as livrarias… Era o período ne-vrálgico em que a guerrilha dos mo-vimentos independentistas progre-dia no interior e, na capital, o livro decontos LUUANDA, de Luandino Viei-ra (prisioneiro no Tarrafal) fora dis-

tinguido com o Prémio Mota Veigapor um júri que integrava dirigentesda Sociedade Cultural de Angola. Estefacto foi assim registado num exten-so relatório da PIDE de 16 de Setem-bro de 1965:Em 1964, serviu ainda a sede da SO-CIEDADE CULTURAL DE ANGOLA pa-ra reunião do júri que, irregularmen-te, atribuiu o prémio “MOTA VEIGA”ao livro intitulado “LUUANDA”, da au-toria de LUANDINO VIEIRA, obra quese integra na problemática desnacio-nalizante da literatura negro-africana(ou negritude) que a referida Socieda-de fomentava desde 1957. A Sul, no Lubango, a Gráfica da Huí-la imprimia, em Dezembro de 1964, ocaderno nº69 da “Colecção Imbon-deiro”, com um trabalho de LuandinoVieira, que seria o primeiro de 1965,quando a PIDE invade a tipografia,apodera-se do papel já impresso e dopróprio chumbo da composição, e,não bastando, estende a sua acção àsinstalações da “editora”, onde apreen-de toda a documentação, literária ecomercial, existente no escritório, in-cluindo textos inéditos.A “aventura” de Imbondeiro che-gara ao fim. Mas o Verbo ainda estavana primeira conjugação…Junte-se, para a memória desse pe-ríodo, o facto de aquele livro de Luan-dino Vieira ter merecido, no ano se-guinte, o Grande Prémio de Novelísti-ca da Sociedade Portuguesa de Escri-tores (a seguir extinta após a sua inva-são por legionários), e de a SociedadeCultural de Angola ser também extintapor Portaria de 5 de Março de 1966 doGoverno de Angola. Era governador,Silvino Silvério Marques e ministro doUltramar, Joaquim da Silva Cunha.Este texto foi apresentado num colóquio

promovido em Lisboa pelo Professor DanielMelo, investigador da Faculdade de Ciên-cias Sociais e Humanidades/UniversidadeNova de Lisboa.

OMUXIKE WA NGOMA1.- Odiyala dyakexile mukubandesa odyaku dye dya kadilu aba dyaku dyedya kyasu dyakexile mukutula ku tandu dya kiba kyoximbale mu ukalakaluwa kuvunga ngumba imoxi, diyala dyalebele, dyabelele ni kifwa kyakolo dya-kexile mukujimbulwisa we hanji okuswina kwa mukwa matwingi mukuxisabulu anga mukulundula mu kitangana kyakayelaku, omabumbu monyengemu jimbinga ja muxi. 2.- Okukala mukubanga ukalakalu wenyo ni ulenguluki-lu wavulu wakexile mutundisa kwenyoko kikemu kya kufwa, mukujimbululauxininu bu xingu mu ulunjikilu wasuku, wa muthu woso woso wamulenga tu-bya mu hota wa kalunga tubya – iyi yene ombimbi yakexile ngoma kusambu-ka, wakexile mukulengesa woso wakexile kukema ni ukatelu ni jingolo je. 3.-Okifwa kya kukala mukubanga kima kyenyeki kyalungisa kuma yoso yakexilekumusunga ku muxima ki kyakexilye okubonza kwa mwimbu wozwike; kikyakexilye ombimbi yobange kwila usengulula woso ukala mukwivila muthuwafu kya wala kya mwalunga mu kitangana kya kizuwa kya kasambwadi kakizuwa kya kusenguluka kwe, mba mwimbu wasenguluka ni difula dyakam-be kusanguluka wakexile we hanji mukutoma oditwi dya nzumbi yafile kya!4.- Ne mwene ngo o ngumba yakexile mukubangesa mala makexile mukutun-da kuxingila kukina, yamubangesa kubingana yoso yonzokala kima kyahatu:kubeta ngoma kamwanyu mukumona kutululuka kujinga; omesu mazulu ni

kulunga kwavulu nda kutena kudila nikixikinu kya athu akexile mukwiza tun-de mu kididi kyengi. 5.- Anga ombimbiyovunge mu umbanda una kwila ndum-ba dya athu akexile mukwambela kumakikalakalu kya Nzambi yalenguluka ku-kemba o polo ya athu akexile we hanjimu kuta mu mukutu o wendelu wa mu-tendu. 6.- Mu ufudilu wa kizomba, sayiathu akexile we hanji mukwambela ku-ma okulenduka kwa muxoxo kwila wa-kexile bulu wakexile kulenduka kwamuthu wakexile mukutumisa tunde mukalunga ndimbu ya mwimbu wabukumuka kwala kuwufikisa mu ndunda yamavumu mu munza wa masemba, mu lumbu lwa dibata lwobange ni mabayama tina kwila makundu ma, mu sanzala ya Marçale, tumbonga twakexile ku-mahondeka ni jingiji ja soma jowendese ni maku; anga ni mukolo wokute mukikondu kyakexile mukulenga mu ulebelu wa njila. 7.- Anga itangana kuxi,mwene mwene, watumu kuzekesa ngoma mu musonga wa njila yala ku dima

Escultura. Museu Dapper

MÁRIO PEREIRA

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LETRAS| 9Cultura | 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015

mbe, mu njila yeneye pe, athu atungu kwenyoko akexile mukwambela wehanji kuma kwakexile kwenyoko owumbanda wakexile mukubanga ni kuze-diwa owutundilu wa mbimbi yosunge ni muxima mu mbinga ya milembu yamuxike wambote, mu nzungule wa kaxaxi ka kizuwa wa kizuwa kyoso kyoso!8.- Kuma kyakexile kidi mwene ki kyakexile nzoji yoso yatokala mu ukexiluwenyo, yene yakexile mubangesa athu kukayela, tunde mu sanzala mwa Ran-gelu ndu mu sanzala ya Sambizanga anga tunde benyaba mwene ndu mu Mar-çale, yoso yakexile ngoma ya karnavale yatundiwa bu maku ma mona zangakwila mwenyo wakexile we hanji mukwambela kuma mulawula wa mutam-be. 9.- Anga mukutundisa kalunga dizumba dyayiba; mu mabuku maminyaokuswina kwila kale ni woma wa kalunga, ongumba uswinisa woso uya mu-ximbika mu ubetelu we kwila ubokona we hanji mu nzongo ya muxima. 10.-Omuxoxo wenyo pe, ya ubetelu wa ngoma, woxinjike kwala nguzu ya kitembumukubusa kwe, undunda ni kulenduka ku tandu dya menya ma kalunga angauzenza dibuku dimoxi dyonene, odibuku dyenyedi dibubala okuzakama, mu-kulenduka okyandalu kya kuminya yoso iwumona. 11.- Anga mu dilombe di-moxi dya usuku kwila mbeji, mukusanduka dikanga owuxikelelu wa usuku,walungisa kuzelesa mikutu ya athu adisanga mukudizola adivungu mu mase-kele ma kalunga mezala mongwa, athu akwata mukwivila kuma yakexilemukwiza ngoma ya akwa zanga kwala kusanguluka woso wakexile mukwam-bela kuma kwenyoko kwakexile ngo kuximbika. 12.- Mwene omubange wanzangu mwenyo tunde ngumba yeneye yatululuka kala twana twa njila twa-muluku; mukambe wa ndunge mu maku ni mu kifwa kya kukala, mukujukuladikanu ditundisa dizumba dyayiba, dyakexile we hanji mukwambata athumukwambela kuma muxinge wa umbote; kana ngo okijingu kya athu akexilekumwivila mba we hanji ya athu ana kwila, mukonda dya ulungilu woso woso,kakexilya kwenyoko mukukala mukwambela mukonda ene alengele kwebikwakexile mukwivila omuxoxo wa ngoma wobange ni ndunge! 13.- Mwenewadixikanexine, tunde kyajimbulwile kuma mwene wakexile muthu ni kilunjikyawaba kya ngongo, kuma mwene ngo wakexile mukwijiya kutumina ngo-ma o kyandalu kye kyalungisa kya kwimona mukusanguluka athu atundile di-kanga kwala kumumona kuxika, sumbala athu kumulekela kuma okutola kwamuxima wafwamene kutunga ku muxima wa muthu woso woso wandala ku-lunga o kilunga kyakolo kyakexile ku polo ye! 14.- Owukumbu, kwila wakexilekumuzakama mu kitangana kyoso kyoso kya kizuwa, wakexile mukata niisunji ya athu akexile kumumona kubiluka hota ya kanjila kosuwame mu njilayala ku polo: twana twa jindenge twakexile hanji mukutudisa mipyopyo mukanu dyakambe maju ku polo; adyakimi kwila, sumbala kukala mukwivilaowukatelu wa kasekelu kukoteka odikunda dya diyala dyakexile hanji muk-wiza, akexile mukwelela ni kulenduka kwoso kyoso kyakexile mukwivila,kambonga kabeta kubukumuka kadisanga mu njila ya dikunda, kudikola: eyekutene kungitondala; manwe, eye wafwama kukula anga kyenyeki pe, eyeumoneka; manwe, nde kuxika ngayeta mu kididi kyengi, matangelu menyamamene makexile kumulunga, mukumutakula boxi mu masekele mabetiwa mu

sanzala ya Marçale kwenyoko! 15.- Anga jisonyi jamukwata, wakwata njilawaye ni maku mavungiwa mu jimbela ja dikunda ni kudingonga kima kyosokyoso kwila kana muthu watene kukiva; kima kibangesa athu kufika kumanjinda yakexile mukwendela ku mbanji ye ndu mu kididi kyoso kyoso, kwilakyonzolungisa kima kyaviza kukixinganeka, tunde kubiluka dikunda kwangoma mukubitila we hanji mukudikongola mu ibuka ya karnavale kakexilekya kudizukama ni kulenguluka kwala kulenga umbangala wa kuma kwalen-guluka, kifwa ibuka ya karnavale yatokala akwazanga ya Lwanda pe, mu ibu-ka ya Rangelu ni ya Marçale ulembwa, mukulenga kumutakula dingi boxi. 16.-Kuma omukondo utena mukulunga tunde topya yobange ni ndunge itundamu dikanu dya ndumba dyaathu adibongolola mu njila; dya athu adisuwamamukuzwela ku tandu dya athu ana akwata kwakatesa ni ukambelu wa ndungeya mu ukexilu wa ima ya ndunge, kala kyakexile dyambu dya ngoma yeneyekwila, kala ene mwene akexile mukutangela, kejiya kwixika, walungisa kwen-dela ikoka kwebi athu kilwa amumwene kubita kwenyoko; ikoka kwebi won-zotena, awa, kusanga kitalelu kimoxi ni kifwa kya ukamba kyonzomuzalesamuxima ni uswininu kwila mwene wabindamene kyavulu kwala kudyendesaku polo sekutena dingi kuzenga. 17. – Omatangelu kwila athu akexile muku-tundisa mu dizwi dimoxi ngo ko mwene akexile mukumazwela mu kifwa ki-moxi kyakexile kumuteketesa jimbinga ja milembu ye, omilembu yeneye ya-kexile mukuditakula ku tandu dya ngoma ni kihanji kya kwibangesa kusan-gulwisa athu akexile kumumona kuxika, sumbala polo ya nguma yosambukemu polo ya athu akexile mukwambela hanji kuma ajimbulula okuwaba ni kwi-ba kwa kwila muxoxo wa ngoma - wabwila kumukatesa kwala ukambelu wandunge ku mbandu ya maku me – wabange mu usuku wakumbiwa mu ukam-belu wa mukengeji. 18.-Kyoso kyatulu kubata – wabwila kukala mukwivilayoso ikandalelye kwivila; amulungu kwala ndumba dya athu akexile muku-mukayela ni mupyopyo mu kanu aba akamukwa hanji akexile mukumwemwa- wadijiki monzo anga okihanji kyaxixima kya kwiva dikanu ni ukalakalu wakunjanguta, wamwambatesa kuxinganeka kuma ombombo ni jinguba kwilakwakambele mu kididi kyenyeki yene okudya kyonzotene kukamba. 19.- Wa-fikisa kuzeka walembwa mukonda omatangelu kwila wakexile mukwivila muididi yoso mavudile mukukola kwila makexile kusambukila we hanji omu-kondo kwala muthu wakexile mu utululukilu; kizembu ku mbandu ya muthukwila mu kizwuwa kimoxi wandele nzoji kuma oswilu wa mwenyu wakexilengo uxikilu wa ngoma; kixinganeku ku mbandu ya muthu wakexile hanji mu-kumona muthu ni kilendu mu polo mukwivila uxikilu wa ngoma wakambemongwa anga ya wisu kwila wonzowambata kuzumbuka, woso wabukumukakumuximana. 20.- Wadisukula ni mwanyu anga walanduka kumona kumakyakexile kyambunze okifulu kyakexile mukuzalesa o polo yakambe mwezu,sumbala kukala mukwambela kuma omukutu we walenduka wakexile kibun-du kya kima kyoso kyoso kana kya mbunze ni dikouwa dya dyulu; kuma oku-waba kwa muthu woso woso kwakexile kuwuzonga kwala unzungule wa ki-ma kya kudisukula moxi ya muxoxo wa uxikilu wabandiwa wa ngoma wokon-

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10 | LETRAS 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Culturadoloke ni kiba kya hombo, kiba kyokukute mu ngoloxi; kwila ojimbongo jabutuja muthu ni kijingu kya kukala ni dijina dya muthu wafwamene kujiyendesamukulanda dizumba dyawaba mukudisukula, hanji ya kumateka kuxika ni ma-ku okima kyenyeki kibangesa ndumba dya athu kukina kwila kima kyenyekiuwatenene we hanji kubangesa athu kudikumbulula mu dya. 21.- Anga mu ki-koka kya muthu woso woso wandala hanji kudisukula, sayi hanji muthu amu-mona mukusambuka, moxi ya mbimbi ya mayombola ya nzungule ya ngoma,kwila dikowa dya dyulu dyatokala mbunze, dyene ditena kusanza muthu walani ukatelu mu jimbinga ja milembu anga uhaxi utumana hanji kwenyoko angaumulembwesa we hanji kuxika! 22.- Wakumbululwa ni yoso yakexile mukwiva,wabandesa kixinganeku kya kuya mukusota muthu wala ni ndunge ya kumu-longesa yoso mwene wandalele kwijiya: kuxikila ngoma ni uzediwilu wonzom-wambatesa kulanda okulenduka kwa athu mu ukexilu wa kukala kumwivila;wa muthu woso woso wonzomubinga kuvutuka kuxika mu uzumbukilu wa ku-kala mukubetela maku ku tandu dya ngoma. 23.- Mu kitukulu kimoxi kya mu-lunguke, wadyanga kuxinganeka kuma, kwenyoko kwamuvwalele, kwakexileni jindembu ja ngoma, Massano, Joãozinho Morgado ni axiki akamukwa a ngo-ma mu kilunga kya kijingu, kwila anzomubana okuzediwa kya kukala, muximawe wa muxike wezala ungana, o ndunge ya kukatula tunde ku ngoma anga kumbinda yotule boxi mu masekele ma lumbu lwa dibata, mu kitangana kya kidi,kana ngo ombimbi ya kitangana kyabeta kusanguluka, mba we hanji o mbimbiya dyambu dyakamukwa kwila ukala mukulela, mu nzungule ya kizuwa kyakomba ditokwa, o nzumbi ya muthu wafu kya, wadite kya mu kilunga kya ka-lunga kwenyoko. O TOCADOR DE TAMBOR1.- O homem que erguia a mão direita enquanto a esquerda pousava no cimo

de um couro esticado cobrindo um tambor, era alto, magro e de porte duro quefazia lembrar o vigor de um atleta que sustinha no ar e baixava a seguir, os volu-mes pendentes nas pontas de uma vara. 2.- A rapidez com que o fazia era tal queespremia dali um gemido fatal, lembrando um sufoco em juízo final a fugir deuma chama num canto infernal – tal era o som que o tambor emitia, que faziafugir quem gemia de dor com o seu lamento. 3.- E fazia-o de tal modo que o quelhe arrancava da alma não era a dolência de um canto afinado; não era o somarranjado que enleva quem sente o defunto no Além no sétimo dia da sua degra-ça, mas um mísero tom com sabor sem agrado que feria o ouvido da alma fina-da! 4.- E nem mesmo o batuque que fazia dançar os homens que vinham de xin-gilar demoveu-lhe a mudar o que seria vulgar: bater no tambor com mais deva-gar para ver se mantinha a calma a reinar; os olhos molhados com mais argu-mento para ter que chorar com aceitação daqueles que vinham de outro lugar.5.- E o tom envolto naquela magia que muitos diziam ser obra divina depressaadornou o semblante da gente que punha no corpo a cadência do som. 6.- Quan-do a batida era boa, havia gente que também dizia que a bonomia do som quepairava no ar era de quem no Além ainda mandava uma nota ousada para serensaiada no choque frontal do calor da masemba, num quintal de aduelas cujosaros, no Bairro Marçal, os putos giravam com freios de arame guiados com amão; ou com trela de corda agarrada no arco que ia a correr ao longo da rua. 7.-E quantas vezes, ele mesmo, mandou acamar o tambor na fogueira da rua detrás pois, na dita avenida, também se dizia, havia a magia que urdia com gosto asaída de um som arrancado com a alma na ponta dos dedos de um bom tocador,em pleno meio-dia de um dia qualquer! 8.- E que era mesmo verdade e não fan-tasia tudo o que a respeito se dizia, e era por isso que a plebe seguia, do Rangelao Sambizanga e daqui para o Marçal, tudo o que fosse batuque de carnaval saí-do das mãos dum filho da ilha e que dizia ser neto de um pescador. 9.- E mesmoem maresia; em calemas que engolem a coragem que não teme o mar, o tamborencoraja quem vai navegar no seu bater que penetra no fundo da alma. 10.- E osom, o da batida, empurrado pela força do vento a soprar, embate de leve no ci-mo do mar e afaga uma onda gigante, a tal que abraça o temor, amansando odesejo de engolir o que vê. 11.- E numa noite de bréu em que o luar, afastandopara longe a penumbra da noite, decidiu aclarar os corpos amantes envoltos naareia salgada do mar, foi ouvido que vinha a caminho um batuque da ilha quevinha alegrar quem dizia que lá, só navegar se via.12.- Ele, o fazedor de barulhoem pacato tambor como lhe apelidaram os putos da rua; inapto nas mãos e naforma de estar, quando abria a bocarra exalando fedor, obrigava a dizer queofendera a moral; a dignidade dos que o ouviam e não só, mas também dos que,por qualquer razão, ali não estavam para comentar por haverem fugido paraonde se ouvia o som do tambor laborado a rigor!13.- Convencera-se, desde queentendera que era um lente universal, que só ele sabia impôr ao tambor o impe-rioso desejo de vê-lo alegrar gente de longe que o vinha ver tocar, apesar de oavisarem que a modéstia devia morar na alma de quem quisesse vencer o durocaminho que tinha à sua frente! 14.- A vaidade, que o acompanhava a qualquerhora do dia, sofria o insulto de quem o via a dobrar a esquina do beco escondidona rua da frente: putos que faziam sair assobios da boca carente dos dentes dafrente; mais-velhos que, apesar de sentirem o pesar da chacota vergar o dorso

do homem que vinha a caminho, sorriam de mansinho quando ouviam, inclusi-ve, o mais ousado miúdo da rua de trás, gritar: a mim não me enganas tu; mano,cresce e aparece; mano, vai tocar mas é gaita noutro lugar, dizeres que o ven-ciam, jogando-o para o chão na terra batida do Bairro Marçal! 15.- E a vergo-nha apoderou-se dele, e foi-se embora com as mãos enterradas nos bolsos detrás a resmungar qualquer coisa que não se ouvia; algo que fazia supor que a fú-ria ia consigo a seu lado para onde quer que fosse, e de que resultaria algo difícilde imaginar, desde o voltar as costas ao tambor, passando por enquadrar-se emgrupos de carnaval que se avizinhava a correr para fugir da crueldade do tempoveloz, talvez grupos carnavalescos da ilha de Luanda pois, nos do Rangel e Mar-çal nem pensar, para evitar que o lançassem de novo para o chão! 16.- Visto quea melancolia pode resultar de uma elaborada chacota que sai da boca de muitagente que se aglomera na rua; de gente que se recolhe para falar sobre quem osmolesta com a sua inaptidão em lidar com objectos de arte, como era o caso dotambor que, segundo eles, era mal tocado, decidiu calcorrear veredas que nun-ca o tinham visto passar; veredas onde pudesse, enfim, encontrar um olharamistoso que lhe enchesse a alma com o vigor de que tanto precisava para se-guir em frente sem poder vacilar. 17.- As palavras que a plebe largava numa sóvoz contra si eram eram ditas de tal modo que lhe faziam tremer as pontas dosdedos, esses mesmos dedos que se atiravam ao tambor na ânsia de fazê-lo agra-dar a quem o via sonar, mau grado o semblante inamistoso estampado na carade gente que dizia entender o bom e o mau que o som de um batuque - cansadode ser molestado por inapta mão - urdiu em noite assombrada por ausência deluz. 18.- Assim que chegou a casa - cansado de tanto ouvir o que não desejava;vencido pela horda humana que o seguia a assobiar enquanto outros sorriam -fechou-se no quarto e o desejo ardente de sentir a boca ocupada em labuta demastigar, levou-o a pensar que o bombó com jinguba que não havia naquele lu-gar era a iguaria que não podia faltar. 19.- Procurou dormir mas não conseguiupois as palavras que ouvira em todo o lugar eram tão fortes que emitiam pavora quem fosse de paz; rancor a quem algum dia havia sonhado que o valor da vidaera só batucar; ponderação a quem visse a careta na cara de alguém por ouvirum batuque insosso e cru que levava a falir quem ousasse aplaudir! 20.-Lavou-se com esmero e só mais tarde viu que era de sabão a espuma que lhe enchia acara imberbe, apesar de estar sempre a dizer que o seu corpo macio era fruto detudo menos sabão azul; que a finura de uma pessoa qualquer era medida pelaexuberância do objecto com que se lavava ao som de um sublime toque de tam-bor adornado com pele de carneiro curtida ao entardecer; que os parcos have-res de alguém digno desse nome deviam ser destinados à compra de um sublimeodôr para com ele se lavar, antes de começar a tocar com as mãos o objecto quefaz muita gente dançar e que sempre serviu para comunicar! 21.- E na senda dequem ainda se quer lavar, volta e meia é visto alguém difundir, ao som da magiadum rico tambor, que o azul do sabão é que pode curar quem na ponta dos dedosmantém a moléstia que volta e meia o impede de tocar! 22.- Agastado com o queouvia, sublimou a ideia de ir à procura de quem tivesse o dom de o ensinar o quemais queria aprender: tocar um tambor com o prazer que o levaria a atingir aemoção de quem o ouvisse; de quem o pediria para bisar assim que findasse obater das mãos. 23.- E num lance de génio, pressentiu que ali, onde havia nas-cido, haviam soberanos em tambor, Massano, Joãozinho Morgado e outros acaminho da glória, que lhe dariam o prazer de ter, na sua nobre alma de toca-dor, o engenho de tirar do tambor ou alguidar pousado no chão arenoso doquintal, no momento certo, não só o tom de um momento mais alegre, mastambém o som de um outro tom que embala, em pleno dia das cinzas, a almadefunta a caminho da eternidade.

Orquestra de música tradicional

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“Mangovo apresenta nesta exposi-ção 27 pinturas e 3 esculturas nu-ma coleccção que abarca diferen-tes períodos de maturação, técnica e es-tilo. Obras como ́ Candongueiro de ve-rão´ e ´Encontro das Zungueiras´, ex-pressionistas por si só, permitem umadinâmica mais emocional, já que repre-sentam toda esta tradição e energia(muitas vezes do caos), numa dança emistura de cores; ́ 134´, ́ Universo azul´e ´Energia da paz´ remetem-nos paraum processo de consciencialização daviolência e da necessidade de paz”, as-sim analisa a curadora, Sónia Ribeiro,num dos pontos do texto de apresenta-ção da exposição individual ́ Guiadores´,do artista plástico angolano Mangovo,exposta ao público no Memorial Dr.Agostinho Neto de 8 a 14 de Outubro. Por outro lado, Sónia aponta que “traz-nos também o lado mais contem-porâneo do artista, expresso no estilohyperrealismo e nos temas mais glo-bais, que, através da noção de ´motor-man´, enquanto metáfora, remete-nospara a importância da autonomia e deindependência, sobretudo no pensa-mento (“Eu quero”) e da urgência dedesenvolvimento. A moto é um meio

para atingir um fim e é expressão daevolução no contexto dos países emvias de desenvolvimento”. Acrescentaque as obras ́ Business as usual´, ́ DalaiLama´ e ́ Papa´ permitem a tomada deconsciência sobre a própria capacida-de (e responsabilidade dos líderes) deintegrar a paz e a luz (importante na es-curidão e no caos) e de reflectir comose de um espelho se tratasse ou comouma luz ao fundo do túnel. Da intenção e ligação do artista aoseu tempo, Sónia comenta que este es-tá comprometido com as principais

questões específicas do contexto emque opera, como a protecção am-biental, os direitos da mulher, ou so-bre temas como o consumismo, osvalores humanos, as relações sociaisou o urbanismo, tendo como frame-work a paisagem urbana e as cenasda vida quotidiana.Cristiano MangovoCabindense nascido em 1982. Vemde uma família com dom para o dese-nho. Quando ainda menor foi para oCongo-Kinshasa como refugiado e como apoio da família se matricula nestepais francófono no curso de Humani-dades Artísticas no colégio das BelasArtes ESPRORA, na área de pintura,tendo vindo a obter, em 2003, o Diplo-ma de Estado. Prosseguiu ao nível doensino superior na Academia de BelasArtes de Kinshasa, mas antes passounuma formação que durou meses noatelier do artista plástico Narciso Nsi-mambote, com objectivo de completara sua formação em busca de domínio nacomposição pictural e da sua paleta.Por fim, abraça a criação pictural de-pois de abandonar a arte da rua e dese-nho nas paredes da cidade. Aos poucos,

a melhoria do seu trabalho torna-sereal graças ao apoio e rigor do seu pro-fessor de oficina, Henry Kalama. A suagrande preocupação é dominar a artede distorção, longe de cânones acadé-micos que já manipula.

ARTES | 11Cultura | 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015

AAssociação dos Profissionaisde Cinema-APROCIMA apre-sentou no dia 14 de Outubro acurta-metragem intitulada ́ Kuduro noSangue´, escrita e produzida pelos alu-nos do primeiro curso intensivo de ci-nema realizado pela referida associa-ção nas instalações do Instituto Ango-lano de Cinema, Audiovisual e Multi-média-IACAM. Os mais de duas deze-nas de alunos que almejam contribuirpara o renascimento do cinema ango-lano receberam os seus diplomas defim de curso neste dia, aproveitando aoportunidade para troca de experiên-cia e exibição desta curta que não émais do que o primeiro fruto desteideal que resolveram denominarNGOLLYWOOD, aspiração para umressurgir do cinema angolano.´Kuduro no Sangue´ tem duração depouco mais de 30 minutos e conta aestória de dois jovens (Bezbo e Leo)do Huambo que partem para Luandaonde sonham atingir o estrelato comokudiristas. Passam por algumas peri-

pécias até serem vitos por um empresá-rio que resolve apostar no produto mu-sical dos jovens. Orçado em 60 milkwanzas, o argumento esteve a cargo deBliss Hama e a produção de ArmandoCruz, sendo Luanda o pano de fundodesta curta, reaçando-lhe espaços comoa Praça da Indepedencia e arredores.Leonel Efe Leonel Efe é um dos mais antigos ho-mens do cinema angolano, que provou

ainda a década de oiro do cinema ango-lano e guarda saudades desse tempo.Engajou-se nesta empreitada e deu osseus préstimos para que a formaçãosaísse proveitosa, lembrando deste mo-do que nas mais de três décadas, aí desde78, sempre se vem falando em formação,desde que existiu o IACA e IACAM mas ocinema nunca foi muito protegido, comose fosse uma coisa de malucos a fazeremumas coisas, e que só agora, ao fim des-tes anos todos, tem o prazer imenso deter colaborado numa coisa que sempreandou a lutar por ela: a formação. Recorda que conheceu muitos jo-vens com uma vontade férrea de fazercinema mas que depois acabavam porficar pelo caminho, não porque que-riam, mas sim porque não tinham in-centivos. E se enxerga mudança, diz:“Neste momento a APROCIMA fez algoque pode de facto aproximar as pes-soas, e por isso merece os nossos para-béns, e podemos citar nomes como ós-car Gil, Asdrúbal de Azevedo, ManuelMarianos e todos estes antigos do ci-

nema que ainda podem conseguir daro seu melhor às novas gerações. Nofundo, o primeiro fruto da APROCIMAfoi este curso, que não podemos consi-derar ser bem um curso a sério, massim um curso para aproximar as pes-soas à volta do cinema. Já em temposhouve iniciativas do género mas aca-bavam sempre por morrer em qual-quer coisa. Mas este eu tenho que daros parabéns, porque a grande alegriade um cineasta é ver o seu filme projec-tado. É começar e acabar. Não vamosainda discutir se o filme que eles fize-ram é bom ou é mau. Não interessa.Eles ainda são formando. Vamos lou-var a iniciativa”.Sem escapar à maka da falta deapoios financeiros e os altos custosdo cinema, o principal móbil do qua-dro irregular das produções, admitiuque ainda há o problema da falta defundo para o cinema, como tambémfazer cinema seja mesmo caro. Parareverter um pouco a situação, sugereser viável fazer pequenos mas gran-des filmes, e fazer valer a Lei do Me-cenato que vem pelo menos para daruma ajuda, isto porque as empresaspoderão se envolver. Mas, orienta, épreciso fazer pressão a estas empre-sas e indica a comunicação social co-mo um parceiro forte para ajudar oprocesso a ganhar eficácia.

´Guiadores´ expostosMangovo no Memorial Dr. Agostinho Neto

MATADI MAKOLA

Curta ‘Kuduro no Sangue’ é o primeiro fruto

APROCIMA inicia NGOLLYWOOD

MATADI MAKOLA

Leonel (o primeiro da esquerda). Foto: APROCIMA

Mangovo

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12 |ARTES 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Cultura

O QUE É ARTE ABSTRACTA?

Quatro actores encenam todas as mulheres

Uma reflexão acerca da arte abstracta e suas características

´Amigas, Pero no Mucho´ no Epic Sana

Entende-se por arte abstracta aarte visual que não representanenhum objecto concreto,apenas uma ideia ou conceito. É a exte-riorização da arte, do artista e da con-cepção artística. Chamado de abstrac-cionismo, e surgido no início do séculoXX, este estilo brinca com as cores e for-mas para dar significado à ideia sugeri-da pela artista, ficando a interpretaçãoda obra uma escolha individual. A arte abstracta oferece a liberdadeao observador de interpretar a obra,assim como oferece a ao artista a opor-tunidade de se expressar de maneiraoriginal e, muitas vezes, misteriosa. Arelação entre cor, forma, superfícies, li-nhas e traçados é forte neste estilo, sen-do o trabalho "não representacional",surge da influência das vanguardas eu-ropeias que recusaram a estética clás-sica das escolas de arte. A arte abstrac-ta sintetiza os elementos da realidadenatural numa forma figurativa, fugindoda exactidão nos traços. O abstraccio-nismo divide-se em duas tendências:Abstraccionismo lírico (expressivo) eAbstraccionismo geométrico.O primeiro, o Abstraccionismo líri-co, ou expressivo, inspirava-se no ins-

tinto, no inconsciente e na intuição pa-ra construir uma arte imaginária ligadaa uma "necessidade interior". Foi in-fluenciado pelo expressionismo. Já oAbstraccionismo geométrico foca naracionalização que depende da análiseintelectual e científica. Foi influenciadopelo cubismo e pelo futurismo.O artista russo Wassily Kandinsky éo precursor deste estilo. Ele intensifica

o uso de formas abstractas como meiode atingir uma transcendência, atravésde formas irreconhecíveis da realidade,e com os elementos puros da arte vi-sual: linhas, cores e formas geométri-cas. Há também uma relação entre oabstraccionismo e outras expressõesartísticas como a música, tendo o abs-tracionismo, a tendência de nos reme-ter à ideia de composição e ritmo.

A arte abstracta rompeu com o tradi-cionalismo das academias artísticas,com o hábito do paisagismo, realismo edo retrato. Chocou grande parte da so-ciedade elitista.Um dos primeiros artistas abstrac-cionistas brasileiros foi Alfredo Volpi.(PUBLICADO POR OBVIOUS MAGAZINEhttp://obviousmag.org/archives/2014/02/o_que_e_ar-

te_abstrata.html#ixzz3kayRihn2)

Aamizade algo elástica de qua-tro mulheres é posta à provanuma reunião na casa de umadelas, numa tensa tarde de sábado. Ocenário é simples: um cadeirão, mesapreenchida com copos, garrafas e va-sos. Mas em palco estão três casas, se-guindo a mesma lógica para economi-zar o espaço. O resto é também encena-do. Há também um piano numa das ex-tremidades do palco, porque a trilhasonora da peça é executada ao vivo porum pianista brasileiro. São quatro acto-res maduros e com currículo na tele-dramaturgia brasileira e conhecidosdo grande público angolano por essavia, que interpretam quatro mulherescom problemas comuns, não sendo as-sim um problema, mas sim uma foto-grafia encenada daquilo que é o quadrodo quotidiano normal do universo fe-minino, conferindo assim um valoruniversal à peça, embora o modo deabordar a temática e o linguajar sejam

típicos dos valores com os quais julga-mos a sociedade brasileira apreendidanas telas e no teatro: a liberdade umtanto desavergonhada de abordar o se-xo e o direito ao sexo.Há um esforço do público para de-sassociar a estrutura masculina do ac-tor da personagem feminina que de-sempenha, ficando a ver todo o porte fí-sico que não faz jus ao que estamos ha-bituados a ver nas mulheres. É o teatroe muito pode acontecer. Débora (André Gonçalves), Fram(Lúcio Tranchesi), Olívia (Agnaldo Lo-pes) e Sara (Widoto Áquila) são quatroamigas unidas por uma amizade demomentos azedume, como às vezesacontece com os amigos. Em ́ Amigas,Pero no Mucho´, esta empolgante escri-ta pelos brasileiros Célia Fortes e JoséPossi Neto, trazida a Angola a cargo doprojecto de patente angolana ArtFina,rodada em Luanda no Hotel Epic Sananas noites dos dias 18 e 19 de Setembro.

Assumidamente psicológica, pren-de-nos pela facilidade e controle que osactores têm do texto, sem dar a enten-der acertos e até encaixarem descuidosque são transformados em valiososmomentos de improvisação e intera-ção com o público. A trama inicia e fin-da suportada com o jogo das personali-dades das quatro: a irónica, divorciadae perspicaz Débora, a divorciada e nin-fomaníaca Fram, a mal casada e ex-ricaOlívia e a solteira, sincera e implacávelSara. O clímax aparece nas sentenças

feitas pelo juízo de valor que elas tecemconstantemente entre si, fazendo o tex-to fluir em círculo, sustentado com pro-blemas como traição, desilusão amoro-sa, satisfação sexual, sensualidade, au-to-estima, crise de idade, inveja e ou-tros problemas de todas as mulheres. Mas é a deleitosa personagem Débo-ra que mais toma o texto e o reproduzcom requintado sarcasmo, criandocom algum esforço a camada cómica dotexto, num quadro de crises e tensõesde preocupações de classe média.

Kandinsky

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MATADI MAKOLA

Amigas, Pero no Mucho no Epic Sana

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VIA-SACRA

19Abr13Na Sexta-feira Santa, participámosda Via-sacra organizada pela Paró-quia de São Paulo.Ao anúncio do tema de cada esta-ção, os fiéis, acompanhantes da pro-cissão, genuflectem para o asfalto. Asestações são intervaladas por cânti-cos condizentes com momentos dedor, mas também de esperança, emque a vocalistalança o primeiro versoe a assembleia prossegue,do tipo:Eu oro tanto e não dá certoO meu pecado é tão grandeSenhor não me abandone (bis)Se os inimigos me perseguemSenhor não me abandone (bis)Na carroçaria do camião alegórico,que encabeça o desfile, três “solda-dos”, envergando indumentária típi-ca das legiões romanas, ladeiam o fi-gurante Jesus. Além dos cânticos, as estações sãoentremeadas pelo mote inicial pro-pagado pelo speaker «Nós te adora-mos ó Cristo e bendizemos» ao qualos fiéis respondem, em uníssono,«Pela vossa cruz remistes o mundo.»Imediatamente depois do camiãofigurativo, seguem o sacerdote e orespectivo séquito, com a cruz aocentro, ladeada por candelabros; aseguir, um carro com as colunas desom, seguido de escuteiros; por últi-mo, a assembleia de fiéis. Já na RuaCristiano dos Santos, jun-to à 3ª Repartição Fiscal, pombas so-brevoam a procissão, desenhando aforma daUrsa Maior. Parece emble-mática a perfeição do número setedessas aves, cujo voo rasante recupe-ra a sua mítica presença no baptismode Jesus, no rio Jordão, e agora teste-

munham o memorial da Sua paixão!Os escuteiros, tomando a diantei-ra, circundam os buracos, no meio daestrada, resultantes da ausência dasrespectivas tampas de ferro, para,preventivamente, evitarem a quedade algum peregrino. Em cada uma das vezes em que sereza a oração do Pai Nosso, as pes-soas fazem-no com as mãos abertas,em atitude peticionária. Entrementes, os moradores das ca-sas circundantes à via-sacra observama procissão das janelas e varandas. Antecipando-se à passagem da pe-regrinação, a Polícia de Trânsito vaiinterditando a circulação rodoviária.O cortejo entra para o quintal dosecretariado da paróquia, entoandoo cântico: «Mama Muxima.»Aqui, num palco previamentemontado, em que pontifica uma gran-de cruz de madeira, faz-se a reconsti-tuição da crucificação de Jesus, res-saltando a pertinência do crucifixadoser um homem “de carne e osso”, co-berto apenas por uma tanga branca,secundado por figurantes cuja indu-mentária está condizente com as en-vergadas pelos personagens bíblicosque acompanharam Cristo nesse mo-mento de angústia. No dia seguinte, como se fosse umareconstituição da intempérie que seabateu sobre o Monte Calvário, apósa crucifixão de Jesus, o céu e o dia per-manecem enublados: intermitente-mente, o sol dá lugar à chuva com bá-tegas grossas e vento forte, enquantoos ramos das figueiras e mangueirassão sacudidos. Espaçadamente, raiose trovoadas rasgam o céu, comoacontecera sobre o madeiro da cruzhá 2000 anos! As peixeiras calam opregão: «É carapaééé, é pexespada, égalééé…» e, juntamente com os ven-dedores de ruas que arrecadam, fre-neticamente, os artigos expostos àberma da estrada, as senhoras comblusas decotadas e os homens de cal-ções, t-shirtse chinelos de dedo, abri-gam-se sob os prédios. Um cheiro apoeira molhada paira no ar. Choveu durante a noite. De manhã,enquanto esperávamos pela boleiapara a ULA, reparámos na berma ala-gada da estrada. Chegam um operati-voe um jovem com pedras, e come-çam a colocá-las de forma enfileiradana direcção de um automóvel Hyun-dai, cinzento, aí estacionado. Têm de

ir buscar outras maiores, porque asprimeiras ficam submersas pelo cau-dal de água que atinge a parte supe-rior do lancil. Outro operativo trazum pneu velho, que coloca na pontadianteira da fila de pedras, próximoda porta da viatura. O jovem traz umpedaço carcomido de madeira, queestende entre o lancil e o pneu. Cadaum dos homens ensaia a travessia,mas a prancha reage, oscilando, vati-cinando a queda do vindouro pro-prietário do veículo. Outra pedra ro-busta é procurada, trazida e colocadapor baixo da tábua. Tanto enlevo, colocado na cons-trução da ponte artesanal, desper-tou a nossa curiosidade sobre a per-sonalidade merecedora de tão refi-nado tratamento! Pouco tempo passado, chega a do-na, senhora com a pele cuidada e tis-sagem, que disfarçam a idade cin-quentenária, começando por se justi-ficar voluntariamente, atribuindo aopavimento encharcado a vinda à ruade chinelos e de leggingscaseiros. Emseguida, diz que apenas vem retirar oautomóvel para um lugar seco e que,depois, subiria para se vestir para oemprego. Dá os primeiros passos naimprovisada passagem, segurando achave do carro na mão esquerda e,com a direita, vai dando instruçõespara que se desvie o torço final da“ponte”, já que não consegue abrir aporta do mesmo. Depois de entrar e se sentar no lu-gar do condutor, um dos obreiros da“jangada” solicita-lhe uma compen-sação financeira. - Já não se faz um favor a uma vizinha?Os ajudantes olham-na, perplexos.- Tudo se paga com dinheiro? –acrescenta, incomodada, enquantopõe o Hyundai a trabalhar.

- Mas… Tia, sem gasosa nós nummata fome! – argumenta o operativoque havia trazido o pneu. A proprietária vira-se para nós elança a última justificação: «Costumodar dinheiro a estes homens!», reti-rando o veículo sem nada ofertar aquem a ajudara!NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

12Maio13Embrenhados na correcção da 1ªProva Parcelar de avaliação intra-se-mestral dos alunos, dispensámos aparticipação na procissão que, nessedomingo, partia da igreja de São Pau-lo para a de Nossa Senhora de Fátima.- Vem acompanhar a procissão pe-la Rádio Ecclésia! – desafia a manaZezinha, do quarto. Ignorámos o repto.Repentinamente, ouve-se um cânticoreligioso que, parecendo vir de longe, sevai tornando cada vez mais audível. Chamámos a mana, e ambos corre-mos para a varanda. Ao abrirmos a ja-nela da marquise, ficámos deslumbra-dos pelo mar de gente que, empunhan-do velas acesas, se estendia desde ocruzamento do Zé Pirão ao Estádio daCidadela, preenchendo a Av. Hoji YaHenda em toda a sua plenitude!Os fiéis, de ambos os sexos e váriasidades, peregrinam compassadaealegremente, alguns abraçados, to-dos entoando o cântico, em quim-bundo, Mama Muxima. Vista do andar altaneiro, a brancu-ra dos lenços, que as bessanganas tra-zem à cabeça, atesta a natureza pacifi-cadora do cortejo cujo contraste coma escuridão da noite torna a procissãomais pura.Do grupo sobressaem,igualmente, inúmeras senhoras companos amarrados à cintura e algumas

GRAFITOS NA ALMA| 13Cultura | 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 Casos da nossa vida socialIII. HERANÇA RELIGIOSA

MÁRIO ARAÚJO

Angola alcançou a soberania nacional em 11 de Novembro de 1975.Tendo sofrido com as guerras colonial e civil, hoje a população desfruta da con-quistada paz, revelando-se hospitaleira, esperançosa e preservadora dos valo-res tradicionais (tome-se como exemplos a dança txianda, nas Lundas e as ances-trais mamãs da ilha de Luanda).Assim, um dos traços mais vincados da maneira de ser da população angolana é avivência da religiosidade, como se infere dos casos abaixo recordados.

Obra de Marcela Costa

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14 | GRAFITOS NA ALMA 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Culturapessoas portadoras de deficiência fí-sica, todas em atitude penitente. A imagem de Nª Srª encabeça aprocissão. A fechá-la, o camião com oequipamento de som. Umspeaker vaiapregoando,cadencialmente, precescalorosamente repetidas pelos pere-grinos, tais como: «Que Luanda selembre que tem uma mãe, a mãe deJesus.»; «Que os professores prossi-gam a sua missão de transmissão devalores à nossa juventude.»No dia seguinte, vindo do Mercadodos Congolenses, passámos peloCentro de Formação Profissional epela Escola de Educação Especial, en-trando na Igreja de Nª Srª de Fátima. Na pequena capela situada à entra-da, do lado esquerdo do templo, fize-mos uma breve oração e, ao soer-guermo-nos do genuflexório, repará-mos num papel escrito, deixado nabase do pequeno altar. Aproximámo-nos silenciosamente e lemo-lo: «MI-NISTÉRIO DO INTERIOR COMANDOGERAL DA POLÍCIA NACIONAL DI-RECÇÃO NACIONAL DE INVESTIGA-ÇÃO CRIMINAL AVISO – NOTIFICA-ÇÃO». Inferimos que o cidadão, noti-ficado e mandado comparecer, esta-ria com problemas com a Justiça, es-tando, por esse motivo, a ser alvo daprece de algum familiar. Seguidamente, ajoelhámo-nos, nu-ma das primeiras filas de bancos,contemplando a Virgem Santíssimapostada em cima do altar-mor.En-quanto permanecíamos sentados, re-parámos numa senhora de panos,prostrada no início do corredor cen-tral, com os braços abertos e as mãoserguidas à afastada Senhora de Fáti-ma. Com os olhos cravados na santa,a fiel caminha pausadamente pelanave, ao encontro daquela, balbu-ciando orações suplicantes, em sinto-nia com os braços permanentementeelevados. Ao chegar ao altar-mor,

beija-o, voltando ao ponto de partidapara repetir a caminhada. Daí a instantes, chega outra senho-ra com duas crianças de tenra idade. Amais crescidinha, aparentando quatroanitos, fica sentada no banco em fren-te de nós; a bebé peregrina amarradaàs costas da mãe, por um típico pano. De joelhos, e braços abertos, a pe-regrina vai-se arrastando pelo corre-dor central, deixando escapar, dos lá-bios gretados, orações curtas e im-perceptíveis. A bebé, sentada no ban-co de madeira, vai imitando a mãecom o olhar, ora unindo as suas mão-zitas, que eleva à altura dos ombrosem forma de prece, ora estendendoos braços em direcção à mãe do céu!IGREJA DOS JESUÍTAS

24Ago15Quem entra pela porta principaldeste majestoso templo, com cin-quenta passos de homem de compri-mento e trinta de largura, e se sentanum dos primeiros bancos, fica comuma visão plena e profunda do inte-rior acolhedor do mesmo. Da parede frontal azul-celeste,pen-dem manchas brancas e acinzenta-das, o que confere ao cenário uma au-réola celestial, infligindo ao orante asensação de se encontrar no céu. Essaparede é quase tapada pelo conjuntomarmóreo composto pelo altar-mor –situado no sopé de uma peça únicaenormemente alta - e pelo sacrário,cuja porta, de metal dourado, com re-levos, é ladeada por quatro colunasincrustadas nas paredes laterais. Otabernáculo ostenta uma abóbodarendilhada e está postado imediata-mente por cima do altar. É neste sacro ambiente que viven-ciámos os dois “postais” que aquiilustramos: À hora do almoço, umasenhora descalça ajoelha-se, no iní-

cio da nave central, e, sustendo nasmãos erguidas um avental acin-zentado, dobrado, percorre a com-prida passadeira vermelha, rezan-do baixinho. Sentados, observámos as solas dospés da magra peregrina: límpidas,bem tratadas, desde os calcanharesàs unhas dos dedos dos pés, forçada-mente curvados e virados para trás,ou seja, para si. Ao atingir o primeiro dos dois alta-res, a jovem religiosa levanta-se, re-colhe os sapatos debaixo de um dosbancos da primeira fila e sai apressa-da pela porta lateral, do lado do car-tório, deixando o observador cogi-tando: solicitação de uma graça oupagamento de alguma promessa?Tempos passados, voltámos a estaigreja para cumprir uma das etapasda novena a que nos propuséramos.Uma senhora sexagenária, descal-ça, panos e carregando um saco de ar-roz na cabeça, parte da porta princi-pal do templo, caminha vagarosa-mente pelo corredor central e aver-melhado, pára e vira-se para cada um

dos seis santos postados sob os arcosem ogivaque ornamentam as parteslaterais do templo. Com ambas asmãos recolhidas ao peito, contempla-os e dedica-lhes uma brevíssima ora-ção. Seguidamente, prossegue a lentae concentrada caminhada em direc-ção ao altar mais próximo. Depois devencer as fileiras de bancos, a bes-sangana repete o gesto oratório dian-te das duas imagens de Nossa Senho-ra que ladeiam o altar eucarístico, dosacrário e de Jesus crucificado, desa-parecendo, em seguida, por uma dasportas laterais. Entretanto, reparando que umamulher, com o cabelo desfrisado e tezcuidada, limpa o pó a cada um dosbancos, perguntámos-lhe, quandoesta se aproximou:- Mana, aquela mãe que ali vem en-tregou um saco de arroz à igreja. Paraque serve?- É para os lares que a igreja tem. –responde, com segurança.- Ah, sim?- Tamémpra casa que a igreja tempròs lados do Largo 1º de Maio, quetrata de crianças abandonadas e per-didas das guerras. - Um orfanato, portanto. – acres-centámos, para que a interlocutorase sentisse confortada pela espontâ-nea explanação. - Sim, é isso. E tamémprò seminárioque tem jovens doutras províncias.Ao rezar a prece de despedida, recor-dámo-nos da conversa bíblica, a propó-sito da caridade, em que um dos discí-pulos interpelara o mestre: “Senhor,quando foi que te vimos com fome e tedemos de comer?” Então o Rei lhes res-pondera: “Em verdade eu vos digo, quetodas as vezes que fizestes isso a um dosmenores de meus irmãos, foi a mim queo fizestes!” (Mt. 25: 37, 40).Assim tinha acabado de proceder aanónima, humilde e piedosa senhora!

O júri do prémio Leya, reunido emLisboa, deliberou por unanimidade dis-tinguir a obra O Coro dos Defuntos, deAntónio Tavares, que assim será o re-ceptor do Prémio LeYa 2015, no valorde 100 mil euros, o maior para um ro-mance inédito em língua portuguesa.Lê-se na declaração do júri, formadopelo poeta Manuel Alegre (presidente),pelos escritores Nuno Júdice (Portu-gal), Pepetela (Angola) e José Castello(Brasil), e ainda José Carlos Seabra Pe-reira, Professor da Faculdade de Letrasda Universidade de Coimbra, Lourençodo Rosário, Reitor do Instituto SuperiorPolitécnico e Universitário de Maputo,e Rita Chaves, Professora da Universi-dade de São Paulo: «Estamos peranteum romance que tem uma construçãosólida, conduzindo o leitor através deuma escrita que inscreve em paralelo opercurso do país e o do mundo ficcio-

nal, sem que um se sobreponha ao ou-tro. O romance reanima, com conheci-mento empático e com ironia, uma ru-ralidade ancestral - flagrante nos am-bientes e nos modos de viver, nos hori-zontes de crença e nos saberes empíri-cos, na linguagem e na imaginação míti-ca. E é sobre esse fundo ancestral quevêm inscrever-se as notícias das trans-formações aceleradas do mundo con-temporâneo e o jogo de alusão e de me-táfora sobre o devir da nossa sociedadee o agonizar do antigo regime político –até ao anúncio da revolução.»Sobre o autorAntónio Tavares (Angola, 1960) for-mou-se em Direito pela Universidadede Coimbra e é Pós-graduado em Direi-to da Comunicação pela mesma uni-versidade. Foi professor do ensino se-cundário e, actualmente, exerce o car-

go de vice-presidente da Câmara Muni-cipal da Figueira da Foz. Escreveu pe-ças para teatro, foi jornalista, fundadore director do periódico regional A Li-nha do Oeste. Fundou e coordenou arevista de estudos Litorais. Como ro-mancista, obteve uma menção honrosano prémio Alves Redol, atribuída em2013 pela Câmara Municipal de VilaFranca de Xira ao romance O TempoAdormeceu sob o Sol da Tarde, aindano prelo, e foi finalista do Prémio Leya2013 com a obra As Palavras Que MeDeverão Guiar Um Dia, publicado emSetembro de 2014 pela LeYa/Teoremae que posteriormente foi galardoadono Festival do Primeiro Romance emChambéry, em França, e finalista doPrémio Fernando Namora.(O site www.leya.com apresenta oregulamento e outros dados sobre co-mo concorrer).

ANTÓNIO TAVARES VENCE PRÉMIO LEYA 2015 Concurso literário aberto aos países africanos de língua portuguesa

Obra de Marcela Costa

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Estas sombras empanturradas levam-me, devagar, num navio sem velas ondequem funciona é o instinto. Sento-me à ja-nela do tédio e vislumbro um silêncio sa-tisfeito, uma amargura ancorada nasveias da vida, um silêncio sem roupas avadiar as calçadas da minha casa, a vozdos outros bem longe como se pareces-sem estar perto, o dilúvio escondido nasombra das árvores como se a minha fos-se um canto qualquer, empanturrem-meas quimeras, os lamúrios, os gritos fingi-dos, a incapacidade de dizer não a estaconversa sem princípio, a corda esticada à porta de todos no passo escondidonas vontades camufladas, esta cobardia de ter voz, de ter rumo, este caminhoinventado para não se fazer nada e seguir como se o futuro fosse a vala comumde todos os destinos, pregos espetados nas palavras que se calam, pingos soli-tários no princípio deste inverno onde moras com lágrimas a coragem que tefalta, parecem paredes de ferro a entrar adentro deste escuro deitado a ofuscarpara fora este medo de viver, sinto-me cansado, tudo isto é nada e quem saberácomo ser o contrário se a rua está fechada. A porta é aquela, que importa? A mi-nha nação perdeu a cor em prol da falta de vergonha, como sinto ser como elaum cobarde escondido nas letras que soletro deitado nesta cama cheia de ví-cios a mensurar a saudade escondida da voz que tinha bem perto a aconselhar-me o caminho a seguir.Ai que saudades e ainda saudades, não amo infortúnios nem deslavo peles can-sadas, cuspo na cara desta honra vencida pela derrota que me avoluma, corro co-mo tambores esta recta a descer e sentir no fim dela o corpo a doer, cansado tal-vez, mas na mesma a raiva de ser filho de uma vida que esqueci.A cara lavada a vento rumo esquecida, a elegância ignorada no sentimentodoente desta dor que incomoda, restam tempos que faltam, não sei, que horasnem isso, não me importa nada nesta altura saber que horas são, garanto, sen-ta-te comigo e escuta as minhas frases disformes explicarem-te o que aindanão entendi, desabafa comigo o meu medo, conta-me da tua dor para que con-siga perceber a minha, a barba vadia-me a face e calo-a escovando os lábios nu-ma folha vulgar, não escutes a minha voz pendurada no tempo e perdida na-quilo que pretendo, viajo selvas secas e medos escondido da vida, viajo, ondenem paredes o suor colar, cresce-me o cabelo e nem toco no corpo, lavo a carana coragem de ser, onde me sinta vivo e a tua mão a meu lado, aquele abraço?(onde me quiseram matar)O silêncio sorria sozinho nas montanhas fantasmas do planalto. Um frio va-zio deambulava nos alpendres onde paredes não existiam. Exibo a barba, oqueixo dorido, o sorriso da sorte deambula algures pendurado nos postes davida. Nem de que cunenes pensava. Pensava coisa nenhuma e caminhava en-quanto rebolava pelo capim fantasma do caminho. Contava diariamente o cas-tigo fustigado na face inocente do meu sorriso, magro, alto, pendurado nas qui-meras severas do que me havia acontecido. O mar era longe, muito longe, semcarro, sem horizonte, restava o sonho queimado da cama imaginada nesta cor-da pendurado a sonhar contigo, a desejar-te, quem fosses, pouco importaria.- Sabes?Apeteceu-me tanto beijar-te, mesmo naquele cenário não feliz com as per-nas esticadas para cima, presas em cordas de escárnio, sangue na cabeça, quedores amor, era o sepulcro. O rio tinha a força do destino.- Como superá-lo?Superando-o, as margens fugiam também, disse Deus na amálgama dasmargens que corriam, tal era a força do desejo.Vivo nos restos da tua vontade onde só tu sabes de mim, procuro, de mãosatadas abraçar-te, e só consigo sentir o calor lindo do teu sorriso. As minhasmãos não conseguiram ainda chegar até ti, caminho solenemente farejandoos teus passos, o redor calado da tua voz forçada pela campa avulsa desta ca-minhada, a erva daninha a proteger-me, o pensamento por ti protegia-me,repentinamente, um mergulho impensado numa mata qualquer repleta detodos os males.- Abraças-me?Preciso mesmo desse abraço, digo-o com todas as sinceridades, calado, ape-nas o meu pensamento funciona.

Desci a rua sentado no tempo, nem mãe à ilharga nem sonhos na manga, sol-dados fardados, confundi-os com capim, as vozes o sotaque diferente, deam-bulavam não sei em busca de quê, se me vissem matavam-me aos quadradi-nhos garantidamente mas nem me viram, passei de rastos apenas porque ras-tejava naquele solo divino, dizes ter tido sorte, não estava sozinho, entre mim eo capim a esperança da chegada ao desconhecido nem sabia dele, nada, nemnotícias me chegavam, uma tarde mordaz sob um sol cansado e fugir sem sau-dades, o rio escorria suave o som da sua corrente descendo para sul.- Sabes nadar?Qual resposta qual quê!- Cala-te masé!!!Encharcado de tantas coisas como erva, capim, parecia mergulhado no algo-dão da inocência, nem arma a tiracolo houvesse necessidade de me defender,serviria?, e nem há mantas e nem sei onde, a minha mãe sentada creio, no cantoonde soldados me quiseram matar.Nem dentes para a escova ou escova para os dentes.(Este fragmento inclui a introdução e o primeiro capítulo do romanceOS MESES NO SEPULCRO, ainda inédito)

BARARA DO KWANZA| 15Cultura | 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015OS MESES DO SEPULCRO

VICTOR BURITY DA SILVA

(Fragmento)

linha de montagem VII. Paulo kussy

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16| BANDA DESENHADA 26 de Outubro a 8 de Novembro de 2015 | Cultura