a literatura bíblica como proposta didático-pedagógica na construção da personalidade infantil

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Escola Superior de Teologia Mailde Pinto Brandão de Oliveira A LITERATURA BÍBLICA COMO PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NA CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE INFANTIL Escola Superior de Teologia São Leopoldo, RS, Brasil 2011

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Trabalho Final do curso deMestrado Profissional em Ética ,Teologia e Educação. Para obtençãodo grau de Mestre em Teologia.Escola Superio r de TeologiaPrograma de Pós-GraduaçãoOrientador: Dr. Remí KleinAutora: Mailde Pinto Brandão de Oliveira

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Escola Superior de Teologia Mailde Pinto Brando de Oliveira A LITERATURA BBLICA COMO PROPOSTA DIDTICO-PEDAGGICA NA CONSTRUO DA PERSONALIDADE INFANTIL Escola Superior de Teologia So Leopoldo, RS, Brasil 2011 Mailde Pinto Brando de Oliveira A LITERATURA BBLICA COMO PROPOSTA DIDTICO-PEDAGGICA NA CONSTRUO DA PERSONALIDADE INFANTIL TrabalhoFinaldo cursode MestradoProfissionalemtica , Teologia e Educao. Para obteno dograudeMestreemTeologia.EscolaSuperiordeTeologia Programa de Ps-Graduao Orientador: Dr. Rem Klein So Leopoldo, RS, Brasil 2011 OLIVEIRA, Mailde Pinto Brando de. A literatura bblica como proposta didtico-pedaggica na construo da personalidade infantil. Monografia. So Leopoldo: EST, 2011. Resumo OestudodiscuteaBbliacomoliteraturaeanalisasuapropostadidtico-pedaggicana formao da personalidade infantil. Busca alcanar sua proposta fazendo um resgate histrico dacriananasociedadeocidentaleseuprocessodeconstruodentrodosprogramas educativos, onde a literatura tem destacado papel como proposta pedaggica de formao. A literatura sempre teve influncia na sociedade e para o mundo infantil uma aliada necessria na construo da realidade por meio da representao simblica discutida pela arte narrativa das histrias. A Bblia a literatura antiga mais lida na atualidade, atrai e prende os leitores pormuitosmotivos.Umlivrotocomplexoemsuaestruturapodeservirdedocumento pedaggico de formao infantil. Sua beleza est no fato de ser ela um tecido de histrias, onde no existe uma linha muita ntida entre o sobrenatural e o natural. Deus o Heri, que trava sua batalha contra os viles. Deus a possibilidade de resgate da vida. Por causa da personagem Deus o caos pode ser restabelecido e a harmonia voltar a reinar. A Bblia, enfim, isso, um tecido, onde Deus, anti-deuses, heris, anti-heris, viles, monstros apocalpticos, caos,abismos,parasos,infernos,dor,sofrimento,paz,harmonia,etc.,doaonarrador materiais suficientes para tecer histrias, onde Deus sempre o Resgatador, o que possibilita a construo de uma realidade que conduz a uma vida segura. Palavras chave: Criana. Bblia. Literatura. Abstract The study discusses the Bible as literature and analyses its didactic and pedagogical proposal for making the child personality. It aims achieve its proposal through a historical redemption ofthechildinthewesternsocietyanditsconstructionprocesswithintheeducational programs, where literature stands out, as pedagogical proposal for instruction. Literature has always influenced society and, for children, it is an allied required for constructing reality by symbolicrepresentation discussedbythehistories narrativeart. TheBibleiscurrentlythe oldestliteraturemostread,anditattractsandcatchesreadersformanyreasons.Sucha complex book may serve as pedagogic document of child education. Its beauty lies in the fact that it is a web of stories, where there is no clear line between supernatural and natural. God is the Hero, who fights against villains. God is the possibility of redeeming life. Because of thecharacterGod,chaosmay be reestablished andharmonycanstart reigningagain.The Bible is this, a web, where God, anti-gods, heroes, anti-heroes, apocalyptic monsters, chaos, abysms,heavens,hells,pain, suffering,peace,harmonyetc.,provide thenarratormaterial enough to make stories, where God is always the Redeemer, which enables the construction of a reality leading to a safe life. Key Words: Child. Bible. Literature AGRADECIMENTOS A Deus, que nos acompanha e, atravs de Sua Beleza, do encanto pela vida e da luta constante por justia, anima a caminhada; Aos meus familiares: meu marido, tila, por sua confiana em mim e por seu cuidado; meus filhos, Andrea, Walter, Lorena, Srgio, Sarah, Vinicius, tila Jr. e Tatiana, que, estando perto, mantiveram o apoio necessrio para que eu pudesse me dedicar a este estudo. Aos meus netos: Mauricinho, Gabrielle, Atilinha, Rafael, Grazielle, tila Neto e Felipe que me fazem viver o tempo de criana to necessrio para a beleza da vida. SUMRIO INTRODUO 08 I.ACONSTRUOSCIO-HISTRICADAPERSONALIDADEINFANTILNA SOCIEDADE OCIDENTAL 14 1.1. A trajetria da criana na sociedade ocidental: um contexto histrico 16 1.2. A construo das etapas infantis na sociedade brasileira23 II O FASCNIO INFANTIL PELAS HISTRIAS: CAMPO DE CONSTRUO DE REALIDADES28 2.1. A literatura infantil como prtica simblica de representao31 2.2. A importncia da literatura na formao do indivduo por meio do processo de aprendizagem 35 III A BBLIA COMO LITERATURA DIDTICO-PEDAGGICA NA FORMAO INFANTIL44 3.1. A Bblia e a memria literria na conduo de um povo47 3.2.A narrativa bblica na construo da realidade infantil54 CONSIDERAES FINAIS58 REFERENCIAL BIBLIOGRFICO60 INTRODUO O mundo das Maravilhas velhssimo. Comeou a existir quando nasceu a primeira criana e h de existir enquanto houver umvelho sobre a terra(Monteiro Lobato, 1988, p. 250). Este trabalho pretende colocar a literatura como espao de formao da identidade infantil. As crianas amam ouvir histrias. Penso que todos os seres humanos amam ouvir histrias, poisesteonossocotidiano:ouvimosdiariamenteosrelatos narrativosdashistrias acontecidas no dia-a-a-dia. E elas nos encantam, nos entristecem, nos alegram. Ouvir ou ler histrias1 entrar em contato comum mundo de encantos, o mundo que nos traz diferentes estados de esprito, uma vez que est cheio ou no de mistrios e surpresas, onde aloja nossos interesses, agua a nossa curiosidade, nos diverte e nos ensina. Ahistria,sejaelalidaouoral,estabeleceumarelaoldicaeprazerosadapessoa, especificamente dacriana,poisoseumundo defantasiaaguado pelacriatividade dos modelos e arqutipos necessrios para a construo de sua personalidade. por isso que nos lembramos com saudade das histrias lidas e ouvidas em nossa infncia, tanto as contadas pelos nossos pais, como pelos professores nas primeiras sries do ensino fundamental, e no podemos nos esquecer daquelas que foram contadas na escola dominical ou na catequese. Por ser a narrativa to importante para nossa formao compreendemos a instruo bblica de que se deve contar as histrias, se deve aproveitar todos os momentos em que pudermos para contar, pois as histrias no tm somente a inteno ldica; nelas esto embutidos contedos formativos.Assim,nossoestudotemcomopropostasinalizar acontribuiodaliteratura bblica como proposta didtico-pedaggica na construo da personalidade infantil. Focamos nosso objeto de estudo na personalidade infantil e a literatura bblica entra como agente desta construo. Entende-se que infncia e literatura tm uma relao de extrema relevncia, pois 1 AURLIO, Dicionrio da Lngua Portuguesa 7. ed. Positivo, p. 454. Histria Narrao dos fatos notveis ocorridos na vida dos povos, emparticular, e da humanidade, emgeral. 2. Conjunto de conhecimentos, adquiridos atravs de tradio e/ou mediante documentos, acerca da evoluo do passado da humanidade. 3. Cincia e mtodo que permitemadquiri-los e transmiti-los. 4. Narrao de acontecimentos, aes, fatos ou particularidades relativos a umdeterminado assunto. muitos estudos cientficos j deixaram registros de que as crianas se retratam na literatura e constroemainfnciaatravsdasnarrativas,ondeherisevilesseenfrentame,neste enfrentamento, h as aes que pontuam julgamentos e reflexes de cunho tico-moral que podemseralcanadospelascrianasemsuasfasesdeconstruo.Paraisso,aproduo literatura,emnveldeproduoou dereleitura, deveconteraportesque respeitem afase infantilparanoconduzi-laaumespaodeentendimento almdesuascapacidades reflexivas. A pesquisa sobre a literatura infantil, especificamente dentro do campo da educao, aponta a divisodelaemdoismomentos:aescritaealendria.Segundo Cademartori2, aliteratura lendria surgiu com a necessidade que as mes tinham de se comunicar com seus filhos. Elas precisavam contar coisas que os rodeavam. Tratava-se de contos orais que nasciam no meio dopovo,especificamenteenvolvendoatoshericosoupatriticosdefigurasmticasou fictciasequeenvolviamummundovinculadocomatranscendncia,caractersticodos contoslendrios.Outromomentodaliteraturaosurgimentoespecfico dolivrocomos registros das histrias que eram contadas oralmente. Pode-se datar o sculo XVII como a poca do surgimento dos primeiros livros infantis. No se sabe at que ponto a literatura era dedicada ao mundo infantil, j queo sculo XVII foi marcadoportransformaesfilosficasdecrisesocialelutasdepodereoslivroseram escritos por intelectuais, geralmente utilizando a stira, escondendo sob um mundo fantasioso suas ideias para no serem atingidos pela fora do despotismo. SegundoCademartori3,o incio da literatura infantilpodesermarcado comosescritosde Perrault,entreosanosde1628e1703,comas obras:"MeGansa","OBarbaAzul", "Cinderela", "A Gata Borralheira", "O Gato de Botas" e outros, que ainda hoje encantam os seusleitores.Aliteraturasofreunasmaisvariadasverses paraserematualizadasnas dimensesideolgicasculturaisdaatualidade.Depoisdisso,apareceram osseguintes escritores: Andersen, Collodi, Irmos Grimm, Lewis Carrol e Bush, entre outros. No Brasil a produo literria para o mundo infantilsurgiu no sculo XX, com a obra de Andersen:"O Patinho Feio". Mas afigura que realmente marcou a literatura infantil foi o 2 CADEMARTORI, L. O que literatura infantil? 6. ed. So Paulo: Brasiliense, 1994. p. 12. 3 CADEMARTORI, 1994, p. 24. autor Monteiro Lobato, sendo seu primeiro livro "Narizinho Arrebitado". O autor escreveu muitasobras que,atnos diasatuais,cativammilharesde crianas.Lobatoescreveu uma literatura infantil voltada de fato para a criana, respeitando a sua inteligncia e valorizando a sua imaginao, especificamente a sua irreverncia e o seu pensamento crtico. E a Bblia, por certo a literatura mais antiga que lida na atualidade, pode ser considerada uma obra que cativa o mundo infantil? Nosso estudo busca fazer uma relao com a literatura bblica e a formao da criana. O estudo, que pretende colocar a literatura bblica e a criana emcontato,vemmediadopelanecessidadedeentenderqueascrianassopotncias aprendizeseestoconstruindo,emsuasmuitasfasesdevida,caminhosentreostantos caminhospropostosdentrodeumasociedadecomplexa,como ocasodasociedade ocidental ps-moderna. Otemavemmotivado peloespao onde produzimosnossaforma deviveravida.Como mdica,especializadaempediatria,passomeudiaavivere convivercomascrianase observoanecessidadedeumaeducaobaseadaemvaloresslidosparaaformaoda personalidade atravs de princpios que as levaro a uma posio reflexiva e segura diante da vida. Aescolhadotemadeixaumlequedereflexoemevmmuito maisperguntasdoque possibilidades de respostas; meu intuito no so as respostas e, sim, questionamentos. de Robinson4 o pensamento de que, a longo prazo, a histria no ser transformada por aqueles queapresentamnovasrespostas esimporaquelesquetornam possveisnovos questionamentos. Sabe-se que educar a forma de construir o caminho mais seguro para a viabilidade da vida ter mais fluncia. Mas o que educar? Depois de tantos discursos e tantas vertentes, tecer comentrios sobre tal assunto implica trazer para o palco de dilogo vrias correntesdepensamentos,oquenoapretensodesteestudo,mesmoporqueestes trabalhosjsodiscutidosdentrodaspropostaspedaggicas docampodaCinciada Educao.Minhaperguntapassapelovisdesaberseaindapossvel,nosdiasatuais, utilizarapropostapedaggicadaBblianaeducaodacriana.Dequeformapodemos reelaborar a tradio judaico-crist para aceitar como vivel sua forma de viver a educao de suas crianas? 4 SCHUSSLER-FIORENZA, Elizabeth. Discipulado de Iguais. Petrpolis: Vozes, 1995. p. 34. Objetivamos,assim,analisara importnciadaliteraturabblicacomopropostadidtico-pedaggicanaeducaodecrianas,comoinstrumentovivelnodesenvolvimentode princpios ticos como caminhos viveis de conduo vida. Para se alcanar esta proposta, precisaremos definir conceitos sobre crianas, literatura e Bblia como literatura, mostrar as variveis que cercam e criam a interface destes dois elementos: Literatura bblica e criana, e, por fim, abordar possveis mtodos de leituras das narrativas que podero ser utilizadas na reflexo infantil na construo de sua personalidade. Perguntamostambmpelarelevnciadestetrabalho.Justifica produzirtalestudo? Encontramosalgumasrelevncias quefazemcomquenossoestudocontribuaemvrias instncias. Comeamos pontuando uma questo scio-poltica. A populao mundial hoje muito grande, um mundo super-povoado, h um excesso de populao nos grandes centros urbanosenohmaiscolnias paraexportarospovosexcedentes.Maisdeumteroda populao total do mundo de crianas; em pases pobres, nominados pelos pases ricos de TerceiroMundoonmerodecrianaschegaaserametadedapopulao,girando em torno de 50% com menos de 15 anos. Trata-se de um problema scio-poltico e a educao passa a ser palco de discusso mundial. A criana um estgio de vida de todas as pessoas; istosignificaqueosdoisterosquenosocrianasnopresente,jpassaramasfases infantis no passado. Martinho Lutero disse: Se o Reino de Deus vem com poder, precisamos comear com as crianas e devemos ensin-las desde o bero5. O que Lutero disse na Idade Mdia vem sendo uma luta por polticas pblicas no sentido de produzir uma educao para ascrianasrefletiremumpoderqueasfaaconstruircaminhosdeconscientizaoem direo libertao. Nosdiasatuais,estamosvoltadosparaaproteodenossas crianasecriando propostas pedaggicasqueasajudemarefletirvaloresqueasconduzam,deformamaissegura, possibilitandomeiosdesobrevivncianumasociedadeagressivaepredadora.Porisso, encontro outras relevncias na elaborao desse estudo. Com a relevncia acadmica gostaria de contribuir na produo de um material que fosse til comunidade cientfica, uma vez que carecemos de uma produo de material educativo nos 5LUTERO,Martinho.MartinhoLutero:obrasselecionadas.SoLeopoldo:ComissoInterluteranade Literatura, 1989. p. 39. espaoseducacionaisconfessionaisquebusqueumareleitura dossmbolossagradosna linguageminfantilecomoeles podemestarauxiliandonaconstruodeprincpios condutores na linguagem acessvel s fases infantis. Outra relevncia est no fato de que, como lder religiosa, eu preciso empreender um discurso que vise a uma prtica mais efetiva e real nos processos educativos de nossas igrejas. Assim, entendemos ser relevante uma proposta que vise importncia poltico-filosfica, uma vez que o discipulado, que o espao de educao, uma das maiores prioridades da igreja, uma ordenao deixada por J esus de Nazar, como forma de fazer uma caminhada na vida mais real e saudvel. Para se chegar construo desse trabalho, o caminho metodolgico a percorrer ser o da construo terica das obras de autores que propuseram elaborao de estudos no campo da literatura, da Bblia e da educao. Sabendo que a educao de crianas um grande desafio, porquejnosedevemaisimporaprendizado,masdeixarque elasconstruamseu conhecimento por meio de processo de aprendizado, sendo que a forma de apreenso deve serdinmicaenesteespaoasliteraturas,emsuasnarrativasondeherisevilesse enfrentam,emoes,esperanas etantosoutroselementos,possibilitamscrianas capacidadereflexivadeconstruodesuapersonalidade.Pormeiodaliteraturapode-se alcanar resultado em uma participao ativa no aprendizado. Trazemoscomohipteseapropostadeque,aindahoje,aliteraturabblicapodeserum potencial material didtico na formao das crianas. Isto , pode-se ter na literatura bblica propostasdidtico-pedaggicascomoinstrumentosessenciaisparaaelaboraodeuma educao principiolgica de nossas crianas. A tradio do povo hebreu deixou como legado a ideia de que as crianas so de extrema importncia para a continuidade do povo. E, assim, uma das promessas feitas de descendncia. A berit foi cortada com o povo em torno da descendncia numerosa. O descendente que nasce no meio do am (povo) deve ser conduzido nesta tradio onde a vida e o cotidiano so entrelaados com a presena do divino. Por isso, a Bblia, em muitos dos seus relatos, expressa a tarefa de educar a criana no caminho que a conduzir na trilha do ami (povo meu). pelo Livro Sagrado do povo judaico-cristo que se fica sabendo que educar a criana uma das formas de proteg-la das incertezas e conduzi-la por um caminho de vida. Acreditamos que essa proposta ainda hoje vivel. S precisamos coloc-ladentrodenossoespaoscio-antropolgicoatual,fazendosuareleituranuma perspectivainfantil,paraque asociedadeps-modernapossalanarmodeumrecurso didtico to precioso na formao tambm de suas crianas. Falaremaprendizadoeconhecimentoinfantilimplicadialogarcomtericostaiscomo: Alves,Freire,Piaget, Dewey, Streck,mas,comovamosfocar tambmaliteratura bblica, precisamosnosreferendarnosestudosexegticosecrticaliterria,especificamenteem CarlosMesters,MiltonSchwantes,NancyPereiraCardoso,JorgePixley,RemKleineoutros que se fizeram necessrios para a construo desse estudo. Outro auxlio pesquisa vem pelos estudos de Aris, Claparde e Martins. Acrianatemmuitasfasesenopodemoselaborarumestudo semdelimitarofocodo estudo;assimdelimitamosafasedezeroaseteanos;paraesteperodoquequeremos entender se a literatura bblica pode ser relida. O trabalho pretendeserelaboradoemtrspartes,o primeirocaptulo temafinalidadede pontuaraconstruoscio-histricadapersonalidadeinfantilnasociedadeocidental; necessrio entender o conceito de criana e como ela veio a ser respeitada em suas etapas de vida. O segundo captulo aborda o papel e a importncia da literatura na formao do campo de reflexo e conhecimento das crianas, apontando o fato de que muitas cincias valorizam as narrativas literrias como recurso didtico de formao infantil. Por ltimo, discutiremos a especficaliteraturabblicaecomoela,comoportadorada histriadaredenoda humanidade, pode ser relida para trazer elementos de formao pedaggica. I.ACONSTRUOSCIO-HISTRICADAPERSONALIDADEINFANTILNA SOCIEDADE OCIDENTAL Quando os adultos ensinamnos tornamos cientistas: aprendemos a cincia de dominar o mundo.Quando so as crianas que ensinamns nos tornamos sbios: aprendemos a arte de viver.(RubemAlves) Trazerpara ocampo doestudo atemtica dapersonalidadeinfantil,especificamentepela contribuiodaliteraturadidticadaBblia,implicabuscar,emprimeiramo,um entendimento do que seja a infncia e como ela veio sendo construda ao longo da histria dentrodasociedadeocidental.Semprepensandoquenossotrabalhoestseportando criana da era pr-escolar, aquela que ainda no lida com a leitura dos textos, mas vive-os por meios das narrativas de contadores. O campo da educao colocou a literatura como recurso didtico-pedaggico de formao da criana. Por isso, a literatura infantil assume nos espaos da escola um lugar fundamental. No ocidente, desde o surgimento da literatura infantil, ela esteve associada prpria constituio da infncia como uma etapa especfica da vida, ou seja, ao entendimento de que crianas so sujeitos a serem educados, tutelados, ensinados e formados e a literatura assumiu um papel determinante nesta formao. Segundo a tese de Aris6, a interpretao cultural da infncia sofreu profundas mudanas no mundo ocidental desde o sculo XVII. Seguindo esta linha de pensamento, Shavit7 explorou os nexos que se pode identificar entre essa mudana cultural e o florescimento da literatura para crianas na Europa. A autora estabelece a relao entre uma segunda noo de infncia8 e afirma que a literatura destinada s crianas tem sido objeto de preocupao e estudo para educadores e literatos que buscam verificar se realmente existe uma literatura para crianas e se h realmente este gnero a elas destinado e, ainda, quais so os benefcios que a criana pode encontrar nessa literatura. 6 ARIS, Philippe. Histria social da infncia e da famlia. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.7 SHAVIT, Zohar. Potica da Literatura para Crianas. Lisboa: Editorial Caminho, 2003. p. 26-27. 8 A primeira fase de estudos sobre a infncia considera as crianas como seres dotados de inocncia, doura e outras qualidades anglicas. Ao se trabalhar com esta temtica da histria da infncia precisamos das contribuies do clssico estudo de Aris na obra Histria social da criana e da famlia9, pois foi quando a temtica entrou com maior efetividade de estudo no campo da historiografia. SegundoSilveira,PhillippeArisrevelaemseusestudos,baseadosemiconografias (pinturas,esculturas),amaneiracomoeramvistasainfnciaeafamliaengendradasna organizaosocialdaIdade Mdia. Deacordo com o autor,at osc.XII,ainfnciaera desconhecida, ou melhor, desconsiderada: adultos e crianas partilhavam os mesmos espaos e atividades, sem uma preocupao diferenciada. Nessa poca, a criana muito pequena no contava,haviaumataxaaltademortalidadeinfantilesuasobrevivnciaerapouco provvel.10 Na sociedade medieval [...] o sentimento de infncia no existia, o que no quer dizer que as crianas fossemnegligenciadas, abandonadas ou desprezadas. [...] por essa razo, assimque a criana tinha condies de viver sem a solicitude constante desuameoudesuaama,elaingressavanasociedadedosadultosenose distinguia mais destes.11 A obra de Aris importante por ser uma histria da infncia. E historicizar a construo da infncia de extrema relevncia. Segundo Gouvia12, a concepo moderna de infncia no conceito abstrato e universal, mas fruto de uma longa construo histrica, durante a qual se passou de uma indiferenciao etria, caracterstica da sociedade medieval, constituio de um conjunto de saberes tcnico-cientficos e prticas culturais voltados para conhecer e atuar junto criana e seus agentes socializadores, nos diversos espaos de socializao. Os estudos histrico-sociolgicos sobre a infncia tm afirmado que o nosso jeito hoje de nos relacionarcomacategoriainfanto,comocategoriasocial, umaideiamoderna.Oque significaqueacrianacomosersocialfoiconstrudohistricaesocialmenteatravsdos percursos da sociedade em sua caminhada na histria. 9 ARIS, 1981. 10 SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Gnero, herosmo e patriotismo emobras de literatura para crianas. RevistaHISTEDBROn-line,Campinas,n.34,jun.200 9,p26.Disponvelem http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/34/art17. Visitado em10 de junho de 2011. 11 ARIS, 1981, p. 156. 12GOUVIA,MariaCristinaSoaresde.AconstruodoinfantilnaLi teraturaBrasileira. http//:www.ced.ufsc.br/gouvea.pdf. Visitado em20 de maro de 2010. Osestudosde Zilberman,MagalheseSilveiradizemqueainfncia,atoadvento dos temposmodernos,noerasequerreconhecidacomoumaidadeparticularno desenvolvimento do ser humano. Durante o perodo medieval, a vida urbana desenrolava-se na praa, e dela todos participavam (a praa, o povo); ali se faziam as vendas, as trocas, os torneios,asfestas,osseres;aliosforasteiroscontavam suasaventuras,ostrovadorese menestriscantavamsuapoesia,oscontadoresdehistriasdesfiavamaslendasecontos populares.13 Aspesquisassobreatemtica infantilafirmamque,atosculoXVII,nosetinhaa preocupaocomacrianaemsuasfases deconstruodeseuser.Meninosemeninas usavam os mesmos trajes, isto , tratava-se de uma espcie de camisolinha branca com alguns bordados,queerausadapelas crianasat4anos.Oquesignificaquenemmesmoas caractersticasculturaisexterioresdediferenasbiolgicaserampermitidascomo diferenciao da crianahomem/mulhere tambmnoasdiferenciavamdeumadulto.A criana nada mais era do que um adulto em miniatura. Segundo Sobreira14, o hbito durou at 1770 nos pases da Europa; no Brasil, este tipo de vestimenta ainda chegou at aos meados do sculo XX. Portanto, a infncia tomou seu lugar na histria somente com os avanos dos conhecimentos, que vieram a pontuar e valorizar seus direitos na vida familiar e social e nas instituies de modo geral. 1.1. A trajetria da criana na sociedade ocidental: um contexto histrico O que diferencia uma criana da outra o uso da linguagemque os adultos estabelecemao redor dela. (Ren Diatkine) O que o infantil? Para tentar responder esta questo complexa lanamos mo do que diz Claparde15: A infncia no ummero acidente, umreverso, mas sima forma prpria querevesteodesenvolvimentodoser.Asmenoresmanifestaesque 13 SILVEIRA, 2009, p. 30. 14SOBREIRA,Regina.Abordagemsobreahistriadainfncia .Publicado17/04/2008emhttp://www.webartigos.com. Acessado em20 de maro de 2010. 15CLAPARDE,Edouard.Psicologiadacrianaepedagogiaexperimental.SoPaulo:EditoradoBrasil, 1956. p. 450. caracterizamoestado da infncia devem,pois, ser seguidascomomaior cuidadopeloeducador,quelongedecontrariaraNatureza,nadapoder fazerdemelhorquesegui -la,sobpenadeexpor-seaum malogro.A Natureza sabe bemo que faz; ela melhor bilogo que todos os pedagogos do Universo, e a maneira como procede para fazer de uma criana umadulto deve ser o nico guia do preceptor. Quandosepretendetrazerparaoestudoumassuntotorna-senecessriaaelaboraodo conceito do objeto da pesquisa, que em nosso estudo a formao da personalidade infantil. Conceituar no intuito de se facilitar a compreenso para a elaborao do estudo. Isto , no d para estudar sobre a criana sem a compreenso deste conceito. O entendimento que se tem hoje de infncia veio a ser construdo ao longo da histria da humanidade. A criana como um ser dentro de uma etapa do desenvolvimento humano, hoje, estudada como possuidora de caractersticas prprias, faz parte de um estudo recente, pois um conhecimento que sedesenvolveu na Idade Moderna. E foi esta concepo que veio a construir e definir polticas de proteo da infncia, o quepossibilitou a reduo dos ndices de mortalidade infantil. O ser que vivia travando uma luta entre a vida e morte, hoje, encontra-se amparado no seio da famlia, devendo ser educado e protegido desde a mais tenra idade, dentro dos princpios que regem a sociedade. Masnemsemprefoiassim;muitasobrasliterriasjfizeramumresgatedahistriada crianatentando mostr-laao longodos tempos.Aris16 produziuuma obra que podeser considerada clssica no sentido de teorizar acerca da temtica seguindo uma cronologia que comea na Idade Mdia. Os seus estudos mostram que, nesta poca, no havia lugar para a infncia, mas se cobrava da criana os deveres de um ser adulto. Muito cedo ela se torna adulta, pois obrigada a fazer parte desse mundo, mesmo sem compreend-lo.Paraverarealidadedacriananestecontextosocial,oautoranalisa,antesdetudo,a sociedade medieval e mostra o surgimento dos mecanismos que conduziram a mudanas de atitudecomrelaocriana;analisatambmosurgimentodoquesepodechamarde sentimento da infncia, que veio sendo construdo na histria. A iniciao da criana na vida adulta se dava aos sete anos de idade. Segundo Priore17, aos sete anos, o menino era entregue ao homem para ser educado, aprendia a montar cavalos, a 16 ARIS, 1981, p. 9-10. 17 PRIORE, Mary Del. Histria da Criana no Brasil. Coleo Caminhos da Histria. 4. ed. So Paulo: Contexto, 1996. atirar e a usar o arco e a flecha e tticas de guerra, e a instruo das meninas ficava a cargo das mes. Assim,quandoacriananoprecisavamaisdoapoioconstantedameoudaama,era iniciada na vida adulta, convivendo com os adultos em suas reunies e festas. Era um adulto pequeno e devia executar as mesmas atividades dos adultos.Nasociedademedievalnohaviaumapreocupaocomasobrevivnciainfantilenem polticadeproteo,poiseramisturadavidaadultamuitocedoepartilhandodesuas atividades habituais, por isso, a morte das crianas era muito comumno perodo medievo.18

Os estudos de Aris19 afirmam que a diferena entre adulto e criana se dava pelo tamanho, era oestgio de transio paraavidaadulta e nesteespaonose dispensavaaelas um tratamentoespecial,o quetornavasuasobrevivnciadifcil.Eamorte delaseraencaradacom maior naturalidade. Outra situao de condio social complexa se dava por volta de seus sete anos, quando era retirada da casa dos pais e enviada a um espao estranho para o ofcio de aprendizagem de servios domsticos ou nas oficinas. Tais servios no tinham o significado degradante de hoje, mas se constituam em lies de educao que eram comuns tanto para ricos como para pobres. Mas comea a surgir na sociedade o desenvolvimento da tomada de conscincia da inocncia e da fraqueza da infncia. Sobreira20 afirma que os adultos no se apegavam s crianas por consider-las uma perda eventual, pois elas morriam com muita facilidade devido situao de negligncia em que viviam, por ser a infncia vista como uma fase sem importncia. A conscientizao da fragilidade da criana pontua uma nova fase do conceito de infanto. O pensamento veio de uma fonte exterior famlia, uma vez que este construto social no se dava conta da importncia da criana no seu seio. A visibilidade da fragilidade foi pontuada peloseclesisticos,osconstrutoresdaleieosmoralistas dosculoXVII;foramelesos primeiros que deram ateno especial infncia. Com eles, comea uma recusa de considerar ascrianascomocoisasdescartveis.omomentoemqueadquireumaimagemde 18 GUELFI, Maria Lcia Fernandes. Literatura Infantil: Fantasia que constri realidades. In: Educao & Filosofia. Uberlndia: vol. 10, n. 20, p.131-154, 1996. 19 ARIS, 1981. 20SOBREIRA,Regina.Abordagemsobreahistriadainfncia.Publicado17/04/2008emhttp://www.webartigos.com. Acessado em20 de maro de 2010. fragilidade que precisava ser preservada e disciplinada, comeando-se a pensar uma forma diferentedeeducao.Essepensamentoveioaalojar-senomeiodafamlia.Inicia-sena sociedade ocidental uma construo de pensamento que vai caminhando em direo s novas formas de se entender a criana.Masasociedademedievalnoavanoumuitonosentidodepreocupaoeproteodas crianas. O sentimento de infncia, de preocupao e investimento da sociedade e do adulto sobre a criana, de criar formas e regulao de infncia e famlia, so ideias que surgiram com a modernidade. Sarmento(2004,p.11)apudSilveira21dizqueosentimentodeinfnciasurgiucomo Renascimentoeseautonomizou apartirdoSculo dasLuzes. Aconstituiodeinfncia como categoria social na Modernidade resultado de um processo complexo de produo de representaes sobre as crianas, de estruturao de seus cotidianos e modos de vida, e, especialmente, de uma constituio de organizaes sociais para as crianas. Analisando o pensamento do autor, Silveira diz que ele estuda alguns fatores que contriburam para o que chamadeinstitucionalizaodainfncianoinciodaModernidadeedestacao recentramento do ncleo familiar; a criao de instncias pblicas de socializao da criana, especialmenteaescola;aproduodedisciplinasesaberes periciais;eapromooda administrao simblica da infncia, que vieram a definir e direcionar a vida da criana na sociedade de forma atrelada a essas normas, atitudes e procedimentos que, por sua vez, no esto efetivamente escritas e/ou definidas formalmente, mas estabelecidas na prtica social e aceitas como adequadas.Em seus estudos, Silveira22 defende a tese de que a criao da escola pblica est associada construosocialdainfncia,pois,emmeadosdosc.XVIII,aescolafoiconstituda, inicialmentedirecionadaapenasarapazesdeclassemdiaurbana,eprogressivamente ampliadacoma proclamao da escolaridade obrigatria.Analisandoas consequnciasda Modernidade,destacaasupremaciadocapitalismonaeraindustrial,momentoemqueo trabalho passou a ser a base social determinante para outras funes e relaes. Mudados os modos de produo, mudou radicalmente a forma como a criana era vista.Hoje,quandofalamosemcriana,pensamosnumacategoriaespecfica.Pensaressa especificidade s foi possvel a partir do sculo XVIII, pois foi neste perodo que houve a 21 SILVEIRA, 2009, p. 21. 22 SILVEIRA, 2009, p. 22. consolidao da famlia burguesa na sociedade capitalista ocidental.23 Comea a se formar o perfil da famlia voltada para a proteo, a educao e a formao da criana respeitando suas etapas de desenvolvimento. No se pode esquecer de que a sociedade ocidental comea, no sculoXVIII,amarcarestatisticamenteocrescimentodoscinturesdepobrezae marginalizao das classes dominantes, o que veio a gerar situaes muito diferentes de vida para a criana. Ela foi constantemente jogada no centro da luta pela sobrevivncia, explorada como mo-de-obra barata e produto vendvel da prostituio infantil. O que so, ainda hoje, emplenosculoXXI,asmaiores emaisgravesameaasscrianas,tantoasocidentais, como as orientais. A partir do sculo XVIII, o ocidente comea a viver um novo discurso acerca do infanto; a famliapassouaterpreocupaoeafetividadeparacomelas,juntandotambma preocupaocomahigieneea sadefsica.Construiu-seaideiadefamliatendocomo centralidade a aproximao pais-filhos, onde se gerou o sentimento de famlia e de infncia, e a criana tornou-se o centro da famlia, isto , a famlia se organiza em torno dela. Desta forma de se organizar comearam a surgir modificaes no perfil infantil, a forma de sevestirmodifica,cria-separaacrianaum trajeespecialqueadistinguiadosadultose tambma diferenciava pelobiolgico menino/menina.Comea-se areconhecer ainfncia como estgio de desenvolvimento merecedor de tratamento especial.AocontrriodoquesederanaIdadeMdia,acrianaganhouespaonaModernidade, assumindo um papel na sociedade de acordo com a condio social em que vivia. Instalou-se, dessa forma, um novo paradoxo: de um lado, havia a criana vista como objeto de marketing, com a economia direcionada a ela (a criana que consome); de outro, a criana que, a servio dessa mesma economia, tinha sua infncia dizimada pelo trabalho (a criana que produz).NessecontextodaModernidade,surgiuolivroinfantil,impregnado dedidatismoe utilitarismo,apoiadonumaideologiaque pregavaasuperioridade doadultoealimitao passivadacriana.Emboradestinadacriana,construiu-seumaliteraturainfantilainda adultocntrica com vocabulrios descontextualizados e propsitos moralizantes.24 A Era Moderna, ao propor uma distino da criana, precisou pensar propostas pedaggicas e,apartirdosculoXVIII,o escritode ROUSSEAU,Emlio,dosculoXVIII(1762), 23 GUELFI, Maria Lcia Fernandes. Literatura Infantil: Fantasia que constri realidades. In: Educao & Filosofia. Uberlndia: vol. 10, n. 20, 1996, p.131-154. 24 SILVEIRA, 2009, p. 27. aparece conscientizao pblica do sentido de infncia como umestado peculiar de um dos mais consistentes trabalhos j escritos sobre a educao da criana. Na ordemmaterial, sendo os homens todos iguais, sua vocao comum o estado de homem, e quemquer que seja bemeducado para esse, no pode desempenhar-se mal nos que esse se relaciona. Que se destine meu aluno carreira militar, eclesistica ou advocacia pouco me importa. Antes da vocao dos pais, a natureza chama-o para a vida humana.Viver o ofcio que lhe quero ensinar. Saindo de minhas mos, ele no ser, concordo, nemmagistrado, nemsoldado, nempadre; ser primeiramente umhomem.25

Em Emlio, Rousseau faz crtica severa no sentido de chamar ateno para a infncia como formapeculiardeser,poiseramdesconhecidasasparticularidadesquecaracterizavamo desenvolvimentohumano,obedecendoassuasetapas.Ascrianasnopodemser consideradas adultas em miniaturas. A natureza quer que as crianas sejamcrianas antes de seremhomens. Se quisermos perturbaressaordem,produziremosfrutosprecoces,tardaroem corromper-se; teremos jovens doutores e crianas velhas. A infncia temmaneiras de ver, de pensar, de sentir que lhe so prejudiciais substitu-las pelas nossas, e seria o mesmo exigir que uma criana tivesse cinco ps de altura como juzo aos dez anos. Comefeito, que lheadiantaterrazo,nessaidade?Elaofreiodaforaeacriananotemnecessidade desse freio.26

Ofilsofodeclarouqueainfnciatemmaneirasparticularesdever.porseu posicionamentoqueacorrentedaEscolaNovaatribuiaRousseauapaternidadeda pedagogiaativa,tornando-separadigmanorteadordaspesquisasemeducaopordois sculos. A forma de J ean J acques Rousseau estudar a criana estava dentro da poca caracterizada comoaprimeirafasedeestudosinfantis;tratava-sedeumconceitoqueromantizavaa criana dando a ela um carter angelical. Benjamin (2002) contesta o conceito rousseauniano decrianaromnticaeparticularidadeinfantil,dentreeles,umconjuntode saberesque colocouacrianacomoobjetodoconhecimento,apediatria,apsicologiado desenvolvimentoeapedagogia.Segundoele,essacondionocondizcomanatureza humana,eacriana(pequenoserhumano)podenoterapossibilidadedeperceberas 25 ROUSSEAU, Jean Jacques, Emlio ou da educao. Rio de Janeiro: Difel, 1979. p. 15. 26 ROUSSEAU, 1979, p. 75. consequncias de seus atos, embora saiba o que faz. Segundo ele: As crianas so insolentes e alheias ao mundo.27 Segundo Sarmento28, a ideia de uma natureza infantilnatural refora duas abordagens queproduzemcomoorientaoduasvisescontrrias,queoautorchamade rousseaunianae montaigneana.CERIZARA diz que o filsofo Jean J acques Rousseau, em sua obra Emlio (1762), fala sobre uma educao baseada na bondade natural do ser humano, cujo papel seria odeimpedirque acrianafossecorrompidapelasociedade.ParaRousseau,almde considerar a ndole da infncia, preciso considerar as particularidades de cada criana. Se,deumlado,todasnascempotencialmenteiguais,simbolizandoanatureza humana emsuageneralidade, cada umapossui caractersticas e traos de carter que lhe so inerentes. Almda desigualdade de cunho social e poltico, h tambma desigualdade natural e biolgica.29

As preocupaes relativas infncia deram-se no momento em que a criana passou a ser reconhecida como um sujeito com identidade prpria, com especificidades e diferenas. Esse olharsobreainfnciaqueouveavozdacrianaelhedespaodemanifestaoum caminho de desconstruo de pr-conceitos adultizados, de ressignificao de significados, de rupturas de relaes de poder estabelecido entre o adulto e a criana.30

Para Claparde31, a descoberta da infncia decorre de um avano da cincia, a qual deveria tentar extrair da natureza as leis de desenvolvimento do indivduo, de forma a aplic-las aos processoseducativos.Nosetratamais,nestaperspectiva,deadestraroscorretos comportamentos e as condutas sociais que se pretendia no modelo da criana como adulto em miniatura,masinvestigarosinteressesnaturaisdacriana,deformaamotiv-laparao processo de aprendizagem. Piaget,aoexaminarodesenvolvimentodacrianaemrelaoaomundoquea cerca, distinguiu vrias etapas, desde a que chamou de sensrio-motriz, inicial, at a fase lgica e discursiva, quando a criana comea a operar umsistema de raciocnio lgico. Ele mostra como o universo mental do indivduo se constri dialeticamente por meio de um processo 27 BENJAMIN, Walter. Reflexes sobre a criana, o brinquedo e a educao. 34. ed. So Paulo: Duas Cidades, 2002, p. 86. 28SARMENTO,ManuelJ acinto.AsculturasdainfncianasencruzilhadasdaSegundaModernidade.In: Crianas e midos: perspectivas psicopedaggicas da Infncia e educao. Lisboa: Asa Editores, 2004. p. 29. 29 CERIZARA, Ana Beatriz. Rousseau: a educao na infncia. So Paulo: Scipione, 1990, p. 31. 30 SILVEIRA, 2009, p. 27. 31 CLAPARDE, 1956. contnuo de interao com o mundo circundante. O carter construtivista da epistemologia de Piaget demonstra a interao no processo de construo do conhecimento e dos modelos da realidade. Conhecer um objeto agir sobre ele e transform-lo, conhecer assimilar o real sestruturasdetransformaes,asestruturaselaboradaspelaintelignciaenquanto prolongamento direto de ao.32 Assim, foi a Idade Moderna que, pautada pelo cientificismo, construiu um novo olhar sobre a criana.Apartirdesses estudos,acrianase tornaobjeto deestudoeaeducaoinfantil tambm precisa dar respostas pedaggicas para o desenvolvimento infantil, respeitando suas fases de crescimento e apreenso de conhecimento. 1.2. A construo das etapas infantis na sociedade brasileira No Brasil o sentimento de infncia surge no sculo XIX. Ela nasce a partir da percepo da necessidade de instruo e ampliao das escolas para atender as massas. Comea a atender a criana no mbito do assistencialismo e do amparo s suas necessidades. Essa atitude tinha como objetivo diminuir a mortalidade infantil e tambm garantira vida das desvalidas ou moralmenteabandonadas.Sabe-sequenohumainfncianica,igualparatodasas crianas dentro de uma sociedade num mesmo perodo histrico. H aquelas que precisam ser socorridasnoimediatismodavidaeessa asituao demuitas crianas,aindahoje,em nosso pas. AcompanhandoahistriadainfncianoBrasildescobre-sequeatendercrianasnofoi, durante muito tempo, a preocupao do pas; desde o descobrimento at o sculo XIX no havia quase nenhum atendimento dedicado a elas. O que havia para garantir a sobrevivncia dealgumaserafeitopelasinstituiesreligiosas,queatendiamainfnciabrasileira, denominando-se Casa dos Expostos ou Roda, que se destinavam aos abandonados das idades iniciais. Era feita uma analogia entre o menor desvalido e o menor delinquente, pelo cdigo civil que vigorava na poca.33

Segundo Souza (1998, p. 28) apud Silveira, o pas republicano que tinha a responsabilidade com a educao da populao, vai construir uma escola voltada para a finalidade de controle 32 PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 1970. p. 30. 33 SANTOS, 2001. social. O autor afirma que, no incio da Repblica, a escola primria adquire uma finalidade cvica, moral e instrumental. Ou seja, a educao popular (do povo) foi associada ao projeto de controle e ordem social, a civilizao vista da perspectiva da suavizao das maneiras, da polidez, da civilidade e da dulcificao dos costumes.34 Nadcada de1930,comeouumapreocupaomaior comacrianaemvirtudedoalto ndice de mortalidade infantil, por isso, surgiram movimentos em prol de defesa e assistncia infantil,sendoqueodiscursocomeaaenvolveratemtica dasadeedaeducao. importantenotarqueaConstituiode1934dnfaseeducaodeadultos,poisnesta poca as mulheres ganham o direito de voto e precisam ser alfabetizadas para o exerccio da cidadaniapormeiodovoto.Masnohavianenhumanfasena educaoinfantil.Eas crianas menores de 7 anos no estavam vinculadas aos programas educativos. Nohavianasociedadenenhuma formadepreocupaocoma aprendizageminfantil; esperava-se que todas as crianas respondessem ao programa de ensino e aprendessem. Os alunos-problemas mediante a aprendizagem eram enviados aos mdicos e aos psiclogos. Foi somentenadcadade1970 quevriosestudosetrabalhos depesquisaafirmavamquea dificuldade de aprendizagem advm das pssimas condies de vida da criana; a teoria da privaocultural.Nestapoca,tambmsurgeapreocupao comaeducao pr-escolar. Isto , a forma de educao para as crianas de zero a 7 anos. Surge ento a tendncia de questionar a responsabilidade da escola e os programas educativos do estado. E uma batalha se trava por melhoria de condies de educao no que se diz respeito ao assunto criana. Comearam-se iniciativas no sentido de caracterizar como verdadeiro o papel da pr-escola aquele que enfatiza a sua ao e funo pedaggica. Quandodizemosqueapr-escolatem funopedaggica,estamosnos referindo, portanto, a umtrabalho que torna a realidade e os conhecimentos infantis como ponto de partida e os amplia, atravs de atividades que tmsignificadoconcretoparaavi dadascrianas,eque,simultaneamente, assegurama aquisio de novos conhecimentos35. A sociedade brasileira, na dcada de 1970, comeou a se interessar pela criana menor de seteanos,sendoqueestafasededesenvolvimentohumanoobteveumapreocupao dos setoresoficiais.Algunsfatoressorelevantes,umdelessednosanos70quepontuam 34Souza, 1998, p. 28, apudSILVEIRA, 2009, p. 30. 35 ABRAMOVAY, Miriam; KRAMER, Sonia. O rei est nu: um debate sobre as funes da pr-escola. Cadernos CEDES, So Paulo: Cortez, n. 9, p. 27-38, 1984. p. 33. questessociaiscomplexas,devidoaoprocessoaceleradodeindustrializao,ondeum percentual elevado de mulheres convocado para o trabalho nos setores industriais, o que vai acarretar uma mudana scio-antropolgica nas tradies no seio da famlia. Se as mulheres saem de casa, seus filhos passam a ser motivos de preocupaes, assim, a criana entra no debate social. Opastambmprecisoudiscutirainfnciadentrodoprocessoderecomendaesdos organismosinternacionais,ondesecolocaempautaconstantementeatemticacriana, especialmenteporserum pasquelutacontraamortalidadeinfantileconvivecomosconstantes abusos e maus tratos da criana, com trabalhos escravos e prostituio infantil. Comeam pesquisas interessadas na educao das crianas. Esses fatores vo exigindo da sociedade brasileira a definio de polticas acerca da criana. E, mesmo esquecida pela lei, a educao da criana foi crescendo no Brasil, expandindo-se por fora da demanda das famlias trabalhadoras, fenmeno esse de mbito mundial. Assim,travam-selutaspelabuscaderespostasdopoderpblicoemrelaoaessanova demanda social. E a Constituio Federal de 1988 veio atender as ansiedades da sociedade em relao assistncia as crianas. Assim, a criana de zero a seis anos foi vinculada rea da educao. O Art. 208 diz que dever do Estado garantir atendimento em creche e pr-escolascrianasdezeroaseisanosdeidade.PelaprimeiraveznumaConstituio Brasileira h garantia da efetivao do dever do Estado com a educao da criana, no s de educar, mas pela incluso da creche no captulo da educao, vinculando a funo de cuidar com a funo educativa. No se pode negar que, em nossa sociedade, a escola um elemento bsico na vida social e cultural de uma criana. o local onde ela passa boa parte de seu tempo e apropria-se de conhecimento para construo cultural e humana que lhe dar suporte para enfrentar desafios encontrados nas etapas de seu desenvolvimento humano. As pesquisas sobre a educao infantil vm produzindo conhecimento que vem permitindo compreenso da criana, isto , do SER criana, enquanto humano em desenvolvimento em suaetapainfanto,pelasociedade, pelafamliaepelaescola,queso ostrsespaos quepermitem a formao do ser biolgico, psquico e scio-cultural. Mas, tem-se conscincia de que esta compreenso no nasceu de um dia para outro, ela se deu dentro de um processo de evoluo, sofrendo a influncia de fenmenos sociais decorrentes de fatos histricos.A escola, por ter o papel central de espao de construo da criana, foi colocada em pauta de pesquisa, especificamentecomo a instituio escola exerce seu papelnaconstruo e na formao da criana. Assis36 afirma que a criana deve ir para a escola, pois por meio dela que se encontra um dos principais espaos de seu desenvolvimento, a fim de que ela realize todasassuaspotencialidadeshumanas,respeitandoem cadambitoeducativoas caractersticasdoperodoque estvivendo.Fazenda37dizqueafunodaescolana educao infantil a de caminhar com a criana respeitando suas limitaes e explorando o seu potencial. Os educadores tm o dever de acompanh-la na caminhada e junto criana devemterbemclaroopapelda educao,poisafirmaeleque educarouparticipardo processoeducacionaldecrianaspequenasrequer oconhecimentotericoemetodolgico diversificado,colocandoaquesto de queassituaesnemsempreserepetem,porisso, tornam-senicase,sobretudo,queoseducadoresprecisamterumacompreensoterica profunda dos prejuzos irreversveis que uma m educao produz na idade infantil da pr-escola. NapropostadeFazendahduas coisasqueeladeixabemclaras:umadelasa responsabilidade do profissional da rea da educao infantil e a outra que o profissional deve estarbem preparado por meio dosuporteterico,isto,conhecerteoricamente para produzir bem a sua prtica. O conhecer terico que vai sendo acentuado com maior profundidade nas dcadas de 1980 e 1990, tanto em nvel nacional como em nvel internacional, que num intercmbio de estudos chegam concluso de que o erro no est com a criana, umavez que toda criana est abertaparaoaprendizadoea formaodepersonalidade,sendoquetodadeficinciade formao e aprendizado est nas instituies responsveis pela educao infantil. Os estudos apontam para a realidade que deve ser observada por aqueles e aquelas que so responsveis pelos processos de formao infantil, cuidando sempre para o fato de que no se pode exigir queascrianasaprendamaquiloqueasuaestruturamentalno estejapreparadapara organizar. 36ASSIS, Orly Zucatto M. de. Uma Nova Metodologia de Educao Pr-escolar. So Paulo: Pioneira, 1987. p. 03. 37FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Metodologia da pesquisa educacional. So Paulo: tica, 1991. p. 16. O campo da educao infantil percebeu a importncia da literatura como recurso didtico-pedaggico no aprendizado infantil, por isso, vrios campos de pesquisa lanam mo desse recurso para se trabalhar com a sua formao. IIOFASCNIOINFANTILPELASH ISTRIAS:CAMPODE CONSTRUO DE REALIDADES As palavras e os sons no seriamarco-ris...?A palavra encantadora loucura: comela o homemdana comtodas as coisas.(NIETZCHE apud HELD, 1977, p. 195). Uma histria no temnecessidade de ser verdadeira,mas de ser bela, dizia gaivota Alexandra.(KRS e LE CHASSEUR apud HELD, 1977, p. 39). Asnarrativasdoscontoslendriosemticos,defbulasetantosoutrosgnerosliterrios foram e ainda so responsveis por nos dar informaes sobre um mundo possvel que existe emnossoimaginrio,quespodeserentendidoaoser expressoporumalinguagem especfica. Paulo Freire38 afirma que por intermdio da linguagem que os seres humanos expressam sua viso de mundo, seu pensamento a respeito de suas prprias experincias. De acordo com Jobim e Souza, quando a criana lida coma linguagem de forma ldica, ela rompe com as formas cristalizadas de seu uso cotidiano. As crianas usam a linguagem para protestar contra os limites da realidade, transgredindo-a, ao mesmo tempo em que protegem arealidadecontraatiraniadalinguagem.Nasbrincadeiras,ascrianasestoem cumplicidade com os objetos, salvando-os de serem consumidos pelo conceito.39 As histrias encantam, porque se utiliza de uma linguagem que permite criana brincar com seu imaginrio. Segundo o Aurlio40, imaginrio um adjetivo que designa o que s existe naimaginao; o ilusrio; o fantstico. Na sua forma substantiva, designa quem faz esttuas,osanteiro.Overboimaginardesigna,demaneirageral,algumasformasde pensar; mais precisamente significa construir ou conceber na imaginao; fantasiar, idear, inventar.Osubstantivoimaginao,aqualdesignaafaculdadederepresentar imagens, de evocar imagens de objetos que no forampercebidos, a fantasia. Portanto, podemos entender a produo imaginria como resultado da atividade criadora, que consiste em criar novas imagens ou aes ou, ainda, em combinar de forma nova aquelas j 38 FREIRE. Paulo. A importncia do ato de ler. So Paulo: Autores Associados/Cortez, 1982. 39 BUCK-MORSS apud JOBIM E SOUZA, Solange. Infncia e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas: Papirus, 1994. p. 48. 40 AURLIO. Dicionrio Bsico da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. vividas,resultantesdareproduoqueconsisteemreviverourememorarexperincias passadas gerando assim a memria. AsHistriasquetantoencantamascrianascomoosadultos,fazemparte de umgnero literrio que tem como especificidade a diverso. As Histrias so as literaturas que mais se leemnomundoinfantil. Aliteratura,emsi,j umamanifestaoartstica. E diferedas demais, como as cientficas, por exemplo, exatamente pela maneira como se expressa, pois sua matria-prima a palavra. Isto , a linguagem. E a linguagem faz toda a diferena na construo e na encenao da literatura infantil. por isso que as Histrias fascinam. Elas so escritas por algum para uma determinada situao, mas, ao se tornarem pblicas, passam pelo processo hermenutico e servem aos interesses dos que as utilizam para construir seus smbolos. RubemAlves,grandecontadordeHistrias,d-nosumbomexemplonanarrativadeA menina e o pssaro encantado: Pssaro e Menina se amavam. Mas sempre chegava o momento quando o Pssaro dizia: - Precisoir. A menina chorava e dizia: Nov.Nsnos amamostanto!OPssarorespondia:Euprecisoirparatersaudade. Porque o meu encanto nasce dasaudade! E partia. A Menina, ento, teve umaideiaperversa:engaiolaroPssaroparaquenuncamaispartisse.E assimela fez. Quando o Pssaro voltou, cheio de Histrias para contar, cheio de penas de novas cores, enquanto ele dormia, ela o engaiolou numa linda gaiola de prata. Ao acordar oPssaro deu umgrito de dor. Menina,vou perder meuencanto. Vamos perder o amor! E assimaconteceu. Foram-se as cores. Foram-se as Histrias que ele contava. Foi-se o amor.41 Alves diz que o conto foi feito para a filha de 4 anos, por ocasio de uma viagem que ele precisava fazer e que deixou a filha muito triste. Mas, ao ser publicada a Histria A menina e opssaroencantado,tevemuitasinterpretaes,os psicanalistasautilizaramnoaconselhamentomatrimonial,numcontextodecasamentoemcrise,jostelogosa utilizaram para falar de dogmas que aprisionam Deus. Veja que uma Histria contada para o mundoinfantilalcanaodiversombitosimblicodentrodeumcontextoscio-antropolgico! porissoqueseentendealiteraturacomoprtica simblica,configura-secomoa formulao de outra realidade, mas no se pode esquecer que a elaborao de uma narrativa tem como referente constante o real, no qual autor e leitor se inserem, guarda com este uma 41 ALVES, Rubem. A menina e o pssaro encantado, 16. ed. So Paulo: Loyola, 2008. p. 9. relao no de transparncia, mas de reconstruo. Aquele que escreve, ao produzir, traz para aescritaasuacompreensodoreal,bemcomooprojeto derealidadepretendida.Nesse sentido, ele representa a realidade, tendo a linguagem literria como signo. Cndido diz que a literatura manifestao universal de todos os seres humanos em todos os tempos. Chamarei de literatura de maneira mais ampla possvel, todas as criaes de toque potico, ficcional ou dramtico emtodos os nveis de uma sociedade; emtodosostiposdecultura,desdeoquechamamosdefolclore,lenda, chiste,eatasformasmaiscomplexasdaproduoescritadasgrandes civilizaes.42 A relao da literatura com a sociedade extraordinria, pois ela se torna um instrumento de comunicao, onde transmite os conhecimentos e a cultura de uma comunidade, uma vez que um texto no nasce do abstrato, ele carrega o cho que o construiu. Nele se identificam as marcasdomomentoemquefoiescrito.porissoqueasobrasliterriasajudamna compreenso de ns mesmos, das mudanas e do comportamento do ser humano ao longo dossculos,esoelasquetrazemmaterialparareflexosobrensmesmosesobreas sociedades existentes ao longo da nossa histria. Estetrabalhonopretendefazerumtratadoacercada literatura, mas discute-seapenaso necessrioparaentendersuagrandeaonasociedade,poisnosepodeanalisar adequadamenteaquestodaliteraturainfantilsemtratarde algunsaspectostericosque envolvem a conceituao da obra literria. Segundo Guelfi43, at os anos setenta os estudos literriossefundamentavamnaanlisedatradeautor-texto-leitor,sempre privilegiando o texto.Masnosltimosanosa nfaseemabordagensinterdisciplinarescriouocontexto propcio para teorias que vm alterando o prprio conceito de literatura. Assim, a literatura vemsendoestudadanoapenas comotexto,mascomoumsistemaprocessual.Atrade autor-texto-leitor no pode mais responder a proposta da literatura. O texto responde pelos seuselementosartsticosquetm papelimportantenaconstruodeestruturasmentaise sensoriais de quem l, especificamente da criana. Nesta perspectiva os prprios aspectos literrios do texto so valorizados como detonadores de processos cognitivos do sujeito.44 42 CNDIDO, Antnio. Direitos humanos e Literatura. So Paulo: Brasiliense, 1989. p. 112. 43GUELFI,MariaLciaFernandes.LiteraturaInfantil:Fantasiaqueconstrirealidades.In:Educao& Filosofia. Uberlndia: vol. 10, n. 20, p. 131-154, 1996. 44DIATKINE, Ren e LEBOVICI, Serge. Significadoefunodobrinquedonacriana. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996. p.132. A proposta com este captulo trazer para a discusso o papel daliteratura infantilcomo campo da construo da realidade atravs da representao simblica discutida por meio da arte narrativa das Histrias. Para a discusso tem-se por horizonte alguns pontos levantados portericosqueestudaramodesenvolvimentodainteligncia dacriana,comoPiaget, tambm com tericos que se ocuparam com o estudo da produo literria para o pblico infantil, como Bruno Bettelheim. O estudo quer entender a importncia da literatura na construo do simblico infantil, mas noqueremosmenosprezaroselementosartsticosdotextoliterrio,poissotais elementos que caracterizam a beleza e o estilo do autor; por isso queremos verificar o papel daproduodeumtextonaconstruodeestruturasmentaisesensoriaisdacriana. Precisamos entender essa dimenso do texto para verificar nosso objeto de pesquisa que so asnarrativasbblicas,quepossibilitamaidentificaodacrianacompersonagense situaes, proporcionando ao leitor material de apoio na conquista de maturidade psquica e de integrao social, ou seja, na construo de sua realidade psquico-social. 2.1. A literatura infantil como prtica simblica de representao A linguagem um veculo poderoso na construo do simblico de representao, ela pode ser considerada uma instituio social, veculo de ideologias, instrumento de mediao entre os seres humanos, a sociedade e a cultura. pormeioda e nalinguagem que os conceitos so elaborados e a representao do real organizada. Logo, a linguagem constitui-se no elo mediador entre a atividade cognitiva do sujeito e do objeto de conhecimento encontrado no mundo. por meio do potencial simblico da linguagem que a criana representa a sua viso de mundo e da realidade.45

Nainteraodacrianacoma obraliterriaestariqueza dosaspectosformativosnela apresentadosdemaneirafantstica,ldicaesimblica.Aintensificaodessainterao, atravs de procedimentos pedaggicos adequados, leva a criana a uma maior compreenso do texto e a uma compreenso mais abrangente do contexto. Uma obra literria aquela que mostra a realidade de forma nova e criativa, deixando espaos para que o leitor descubra o que est nas entrelinhas do texto. 45 SILVEIRA, 2009, p. 31. A produo de literatura infantil um recurso importante na composio de conhecimento da criana, no entanto, essa produo nunca pode desconhecer o psiquismo infantil. Uma mente lida diariamente com simblico e representaes imagticas. Diatkine46 diz que muitos pais ignoramqueafantasiaeasbr incadeirasdesempenhamumpapelimportanteno desenvolvimentodeumamentesaudvelque,superandoansiedades,conflitosemedos, aprende a controlar seus impulsos e esperar os momentos adequados para resolver problemas e satisfazer desejos. Pais no devem confundir imaginao e fantasia com iluso e mentira, pois isto seria desconhecer a importncia do imaginrio na construo do real. Estudosemvrioscamposdascinciashumanasafirmamqueo serhumanoumser simblico, que sua relao com o universo que o cerca acontece intermediada por smbolos. Por isso, adentrar no mundo dos smbolos penetrar no universo prprio do ser humano. Um cosmo construdo a partir do entrelaamento e da atribuio de sentidos dados aos fenmenos naturaisesociais,querespondemangustianteevitalnecessidade do serhumano de dar sentido sua existncia, individual e coletiva. A realidade humana uma realidade cultural, isto,umateiadesmbolosquedosustentao,atravsdosignificado,aomundodos humanos.47

Para Peter Berger48, os humanos tm uma dupla relao com o mundo. Uma se d no sentido de oser humano est emummundo que precede oseu aparecimento, isto, omundoj existia,ohumanoquenascenele.Aoutraestnofatodeque estemundono simplesmente dado, pr-fabricado para ele, um mundo que ele precisa fazer para si. na inter-relao com os mundos que precisa construir o sentido, sem o qual se sente perdido e desintegrado do seu meio.A vida isso, o ser humano relacionando-se com o seu corpo e com o mundo atravs de um constante e inacabado ato de fabricao de sentidos que equivale construo de seu mundo, exteriorizao de si. Esse o mundo humano. ParaBergeromundohumanoacultura,isto,atotalidade dosprodutoshumanos, materiais e imateriais. Berger diz que o indivduo no modelado como uma coisa passiva, 46 DIATKINE, Ren. Histrias sem fim. Entrevista na Veja em17/03/93, Rio de Janeiro, 1993. p. 7. 47 GEERTZ, Clifford. A Interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Aplicada, 2008. p. 72. 48 BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociolgica da religio. So Paulo: Paulinas, 1985. inerte. Ele formado no curso de um dilogo em que ele participante. O mundo social, com suasinstituies,papiseidentidadesapropriadas,nopassivamenteabsorvidopelo indivduo, ele se apropria dele. E o indivduo continua a ser um co-produtor do mundo social. Se o ser humano o responsvel pela construo de seu mundo, a criana desde cedo aprende a lidar com a construo deste mundo. de Durkheim49 o pensamento de que a sociedade plasmaoindivduodesdeonascimento,socializando-oemvaloresemodelosde comportamento bem definidos. Para o autor, que sempre se ops confuso entre Sociologia e Psicologia, o indivduo entendido a partir do social e no ao contrrio, na natureza da prpria sociedade que devemos procurar a explicao da vida social. Porserumreinodeconstruo erepresentaodasimagense smbolospormeioda linguagem,aliteratura podealcanaruma dimenso profunda na construo deelementos que podemservir de material de apoio na conquista de maturidade psquica e de integrao social, ou seja, na construo de sua realidade psquico-social. A literatura, como forma de expresso artstica, parte integrante de um processo cultural. Utilizadiferentessistemasde signosematrias-primasdiversas;todaculturadesenvolve linguagensartsticasespecficas,geradasapartirdeconvenesconsensualmente estabelecidas como formas de manifestaes estticas para expressar problemas bsicos do ser,taiscomo:experinciade vida,desejos,sonhos,angstias,medos,preocupaes, perplexidadesdiantedomistriodavidaedamorte,umagamavariadadeemoese sentimentos, como amor, tristeza, dio, saudade. A literatura um desses sistemas especiais de linguagem. A literatura infantil uma ferramenta fundamental na constituio do leitor. utilizada nas diversas instituies de formao do infanto, tanto nas famlias, como nas escolas e instncias religiosas. Como texto que nasce de um contexto carrega impregnado nele as diversidades sociaiseculturais,queso desumaimportncianamodelagem doindivduo.Muitasdas compreensesdessemundocomplicado,porsecaracterizaremdiversidadessociaise culturais, so adquiridas, tambm, mediante processo de contato com as literaturas. E, para alcanaressadimenso,cadasociedadecriasuasmanifestaesficcionais,poticase 49 DURKHEIM, mile. As regras do mtodo sociolgico. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999. dramticasdeacordocomseus impulsos,suas crenas e suas normas, expressando-asnas diversas formas da literatura. Ainfnciasecaracterizapor seromomentofundamentaleprimordialdaaquisioda formao de conceitos e a literatura infantil um instrumento importante, sendo desse modo ummeiodeemancipaodamanipulaodasociedade.medidaquesooferecidos padres de interpretao, ela constri seu meio ambiente e tambm sua formao conceitual. A obra literria recorta o real, sintetiza-o e interpreta-o atravs do ponto de vista do narrador ou do poeta. Assim como o leitor tambm pode dar outro sentido por meio de seu imaginrio. A literatura, por ser um sistema especial de linguagem, tem como funo especial construir ummundosimblicomediadopelalinguagem.Asvriasformasdelinguagemse estabelecem nos primeiros contatos com o mundo e onde a criana comea a interagir com ele e com os seres que o habitam. Osvrioscamposdeestudosdo serhumanocomprovamqueacrianacomeaadar significado e a compreender o que a cerca num processo de aprendizado que se d de forma natural, em interao com o mundo. natural, no necessariamente um processo fcil, mas simcomplexoeexigente.Aleituradomundovemmediadapelosprocessosculturaise acontecepormeiodacoletade experinciasnamedidaemqueseorganizamos conhecimentosadquiridos,estabelecendo-se asinter-relaes entreessasexperinciaseno processo de resoluo dos problemas que se nos apresentam. Freire50 diz que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquela. Aliteraturatambmtemumpapelformadordepersonalidade. Elapodeseroretratoda sociedade, como pode servir de modelo para a construo da mentalidade de uma sociedade. A literatura confirma, nega, prope, denuncia, apia e combate. Age de forma dialtica.51 O autor diz que literatura no corrompe e nem edifica, mas contm o que denominamos bem e mal; o equilbrio gerado pela literatura que humaniza o ser humano. 50 FREIRE. Paulo. A importncia do ato de ler. So Paulo: Autores Associados/Cortez, 1982. p. 36. 51 CNDIDO, Antnio. Direitos humanos e Literatura. So Paulo: Brasiliense, 1989. p. 113. comJ ean Piaget52queseencontraumaboaexplicaoparaoprocessodeconstruo desses mundos onde se precisa buscar sentidos. Segundo ele, o desenvolvimento cognitivo do indivduoestsemprepassandoporequilbriosedesequilbrios.Enesteespaoh necessidadedopndulo.Noentanto,equilbrioedesequilbrioserelacionamemmeio mnima interferncia, seja ela orgnica ou ambiental. Para que passe do desequilbrio para o equilbriosoacionadosdoismecanismos:assimilao-acomodao.Umavezquese assimilou intelectualmente uma nova experincia, vai formar um novo esquema ou modificar o esquema antes vigente. Na medida em que ele compreende aquele novo conhecimento, ele seapropriadeleeseacomoda,aquilopassaasernormal.Ento,voltanovamenteao equilbrio.Esseperodoemqueapessoaassimilaeseacomodaaonovochamadode adaptao. Pode-se dizer que, dessa forma, se d o processo de evoluo do desenvolvimento humano. A teoria de Piaget deixa uma proposta interessante para se pensar como a literatura pode ser estemecanismopromovedordedesequilbrioaoproporcionarelementosquedaroao cognitivo mecanismo de apreenso de outras realidades que surtiro necessidades de busca de equilbrio para uma nova acomodao. 2.2. A importncia da literatura na formao do indivduo por meio do processo de aprendizagem Aliteraturaseconstituiu,aolongodahistria,comoosespaosdemuitaspossibilidadese grandes descobertas. Cada vez mais, os escritores ousaram construir, com suas obras, mundos carregados de expresses que deram aos seres humanos espaos para criar sobre as leituras seus mundos prprios carregados de simbologias, possibilitando novas descobertas e novas falas. por meio da leitura que a criana experimenta sensaes sobre a condio humana como, por exemplo, a vida, a morte, a amizade, o amor e outros. Segundo Held, essas descobertas se doprimeiramentenumplanosimblico,proporcionadaspelaslendasemitos,paraem seguida serem decifradas no plano do intelecto: a magia do verbo, sob a forma mltipla 52 PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 1970. dassonoridades,ritmos,encantamentos,pequenasfrmulase qualquertipodelinguagem selvagem que vir enriquecer, afinar, na criana, as possibilidades imaginativas.53

A Psicologia vem se legitimando como campo de conhecimento cientfico sobre a infncia. No campo da educao tem um papel fundamental a cincia psicopedaggica, sendo que por meio dela se prope dois modelos de apreenso da infncia. Um analisa a infncia por meio dascaractersticasremetidasaoadulto.Procura-sedesenvolvereincutirnacrianaos padres de comportamento que a aproximem dos adultos. A criana passa por processo de represso as manifestaes das tendncias infantis, representadas como expresses de sua imaturidade. Entende-se a infncia como perodo de fragilidade moral, que ainda no sabe lidar com o mal que pode florescer na sua personalidade. So os adultos responsveis pelo cuidado coma infncia, no permitindo que o mal se sobreponha sobre os bons valores. O corao das crianas umterreno de esquisita fertilidade. Ali medraro todososbonssentimentos,todasasvirtudes,quandolhesforlanadaa semente do beme esta medrar sob o influxo proveniente da educao [...] Mas se o que do bemlanado estiolar, o contrrio acontece infelizmente emrelaoaomal.Lanadoalisuasemente,germinaeflorescecomextraordinrio vio e, por uma amarga contradio quanto mais descuidada seja, mais abundantes sero seus nocivos frutos54. Essalinhadepensamento diz que preciso trabalharno desenvolvimentodo intelectoda criana, de maneira que a razo passe a reger os sentimentos e as vontades. Egdio diz que necessrio propagar todas as verdades, todas as idias teisvida, que possam aclarar atodososhomensoslimitesprecisoseaesferadesuasaes, deseusdireitosedeveres. Funda-se no princpio cientfico que as idias guiam os sentimentos.55 Osegundomodelopropostopela psicopedagogadenoafirmaraincompletudeea imaturidade da criana, mas proclama a positividade da especificidade da infncia. No incio do sculo XX estudos comeam a pontuar um novo olhar sobre acriana. Ela comea a ser percebidacomoqualitativamentediferentedoadulto.Iniciaram-se,assim,crticasaos fundamentos da perspectiva anterior. 53 HELD, J aqueline. O imaginrio no poder: as crianas e a literatura fantstica. So Paulo: Summus, 1977. p. 2. 54 DRIA. apud Gouva, 1992, p. 21. 55EGDIO apud PRIORE, Mary Del. Histria da Criana no Brasil. Coleo Caminhos da Histria. 4. ed. So Paulo: Contexto, 1996. p. 13. A fraqueza da educao antiga estava nas suas irritantes comparaes entre a imaturidade da criana e a maturidade do adulto, considerando aquela como alguma coisa de que nos tnhamos de libertar tanto quantopossvel e to cedo como possvel.56 Neste modelo a criana rompe coma ideia de que adulta em miniatura, neste mesmo tempo, a infncia associada expresso dos afetos e sentimentos, expresso esta que passa a ser valorizadanocdigo doscomportamentossociais.Taisvalores,aoseremdignificadosno pensamentomoderno,confereminfnciaumnovosignificado,nodeforaaser domesticada e disciplinada, mas de fonte de onde brota a energia e a vitalidade do novo. este modelo de concepo sobre a infncia que afirmada no campo psicolgico que vai repercutir direto nas prticas pedaggicas escolares e em outras instituies de educao. A criana o ponto de partida, o centro e o fim. Seu desenvolvimento e seu crescimento o ideal. Todos os estudos se subordinam ao crescimento da criana: s tm valor quando sirvam s necessidades desse crescimento.57 O processo de crescimento infantil advm por meio da linguagem e a literatura como um dos espaos de linguagem ir dialogar com o saber psicopedaggico sobre a infncia, na busca de referenciaisparaconstruodeumtextodirigidoa esteleitormodelo,marcadopela alteridade em relao ao adulto. Lobato58 afirma: Surgiu uma literatura sob medida que no se impe criana, mas deixa-se impor pela criana e desse modo satisfaz de maneira completa s exigncias especialssimas da mentalidade infantil [...] porque gostamas crianas de ler meus livros? Talvez pelo fato de seremescritos por elas mesmas atravs de mim. Como no sabemescrever admito que me pedemque o faa. Lobatotambmanalisouecontrapsasconcepesacercadainfnciarelacionando-as produo de textos dirigidos criana. Segundo ele, a pedagogia navega em seu estudo sem que se chegue a um acordo. Pontua as duas correntes pedaggicas distintas. A que considera a criana como um homem em miniatura e exige que se d a ela o mesmo alimento mental e moral que se d ao ser adulto, afirmando que s se preocupavam com reduo da dose. O autortambmfazumacrticaaosprofessoresqueconsideradementepequenapor defenderem esta linha de pensamento. Critica tambm a produo de material didtico que 56 DEWEY, John. Vida e Educao. 11. ed. So Paulo: Melhoramentos, 1978. p. 50. 57 DEWEY, 1978. p. 46. 58LOBATO, Jos Bento Monteiro. Conferncias, artigos e crnicas. So Paulo: Brasiliense, 1961. p. 249. expresse esta proposta de educao. Para ele as crianas refugam os livros como o organismo refuga o alimento que sua natureza repele. Aoanalisar aoutracorrente, avpositivamente,pois essaadmitea crianacomo umser especialssimo, da qual vai brotar o adulto, mas que ainda tem muito pouco de adulto. Em consequncia,oseualimentomentalhdesernuncaumareduodadose,masalgo especial. Um menino d como produto final um homem e uma menina uma mulher, mas um meninonoumhomemouumamulherdeidadereduzida.Soambosalgodemuito diferente, assim como a crislida diferente da borboleta.59 A nova fase de ver a criana configura a elas sentimentos prprios e especificamente delas. Nos textos produzidos dentro desta modalidade de pensamento constata-se uma mudana na relaoqueoadultoestabelececomacriana.Comea-seaimporumarepresentao diferenciada, em que a natureza infantil deve ser compreendida pelo adulto, sendo suas aes lidas como manifestaes de seu processo de desenvolvimento psicolgico. No mais a criana que deve se adaptar ao mundo adulto, mas este deve ser susceptvel compreenso da natureza da infncia, de maneira a atuar em seu processo de socializao. Cabe aos meios de socializao dar suporte para que a criana construa seu mundo de forma equilibrada. Quem l o livro infncia de Graciliano Ramos60, no capitulo intitulado Baro de Macabas, pode notar como ele descreve asensao de estranhamento de uma criana diantede uma literatura que no era compatvel com a estrutura psquica de sua fase psquica. Quando a literatura no respeita esta fase da criana, ela perde sua funo educativa. A literatura tem forma de expresso artstica, pois parte integrante de um processo cultural e como sistema especfico de linguagem deve falar para o leitor para que haja assimilao e aprendizagem. Todaexpressoliterria,aoserapreendida,provocafortemobilizaodoreceptor, possibilitandoaidentificaoeatransfernciademodoapermitiraprojeonomundo criado,desuasprpriasexperinciasdevida.Quandoaliteraturaalcanaumaboa 59LOBATO, Jos Bento Monteiro. Conferncias, artigos e crnicas. So Paulo; Brasiliense, 1961. p. 256. 60 RAMOS, Graciliano. Infncia. Rio de Janeiro: Record, 1992. comunicao, ela penetra nas emoes vividas durante essa experincia singular, devendo ser to intensas que, ao final, o receptor j no seja mais o mesmo. Segundo Guelfi61, a comunicao literria artstica s se completa satisfatoriamente quando atinge um nvel de mobilizao e resposta, pois seu objetivo no pode se restringir mera transmissodecontedo,oudeumainformao.Ela noumaformacomumde comunicao.Aliteraturapossibilitainteraotexto-leitor:aobraliterriadeveser construda pelaprpriavivnciado leitor.Comoresultado do processo deinterao obra-leitor,apercepo demundoseamplia,obrigandoosujeitoaumanovareconstruo da realidade. Quando se apresenta a uma criana um texto destitudo de qualidades mobilizadoras de sua atenoesuacuriosidade,inviabiliza-seoprocessodecomunicaoartstica.Porisso,a literatura que se dirige ao publico infantil deve apresentar uma linguagem adequada fase de desenvolvimento intelectual e emocional do leitor. No se trata de assunto, pois as crianas gostamdetodososassuntos,nenhumacrianarejeitaumahistria,sejaeladequalquer assunto. A criana, por no ter desenvolvido plenamentesuas potencialidades e suas habilidades, menosprezada em sua inteligncia e sua dignidade; muitas vezes, seus direitos so esquecidos e as necessidades bsicas ignoradas. Muitos pais no querem aceitar a ideia de que a criana, como qualquer pessoa normal, tambmsente emoes como raiva, cime, inveja, angstia, medoeamor.Nosepodeesquecerdequeacrianaumapessoa,vivendosuasfases especficas, mas em todas elas uma pessoa. Por isso que o escritor tem uma dimenso fantstica, ele um artista e o artista aquele que consegue ser outro. O escritor se caracteriza pela capacidade de ser outro, despersonaliza-se, sassimconseguevivenciarsituaesquenodizemrespeitoasi,masaoutrosseres humanos. Essa sensibilidade para captar o outro estabelece uma ponte entre pessoas. o que poeticamente diz Gullar62, traduzir uma parte na outra parte que uma questo de vida ou morte ser arte? 61GUELFI,MariaLciaFernandes.LiteraturaInfantil:Fantasiaqueconstrirealidades.In:Educao& Filosofia. Uberlndia: vol. 10, n. 20, 1996, p.131-154. 62 GULLAR, Ferreira. Traduzir-se. Toda poesia. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1980. p. 437. Como teoriza Piaget63, o ser humano precisa organizar seu mundo para poder apreend-lo. E a organizao do espao ao seu redor um processo lento para a criana. Mais gratificante ver o acompanhamento dessa organizao, pois cada nova experincia sempre a deslumbra e a transforma. Trabalhando por meio de associao vai passando de um aprendizado a outro. As mes so as primeiras artistas, pois conseguem colocar-se no lugar do filho para fazer comunicao e transmitir interao; elas sempre entenderam o significado do choro dos seus bebs e hoje a pesquisa vem afirmando o que elas j tinham conhecimento da capacidade dos bebspara extrairinformaes deseuambientee parasecomunicar.nestafasequese iniciaainteriorizaodalinguagem,pelocontatocomoselementossonorosepoticos emitidos pela me.64

Obeb,desdecedo,comeaalidarcomummundointermediadopelaliteratura,poisas cantigas de ninar, os jogos de linguagem e as brincadeiras com os sons constituem estmulos para oaprendizado dafala,proporcionandoa primeirarelaoafetiva da crianacomsua lngua,permitindoodesenvolvimentodehabilidadesessenciaisparaaaquisioda linguagem.65

Assim, a me ou a bab so as primeiras pessoas a iniciar a literatura na vida da criana. Na fase pr-escolar entram em cena outras pessoas a cumprirem esse papel. Comeam os livros-brinquedo, o ldico. E entra na fase dos contos, das Histrias que pedem para repetir, repetir e repetir. Os contos de fadas cumprem um papel fundamental nesta fase. E como entender a dimenso dos fascinantes contos de fadas, onde heris e viles se encontram e travam suas batalhas no espao da construo do mtico problema do bem edo mal? Os contos infantis vmsendoestudadospordiversoscamposdeestudos,oracriticados,orarelidos,ora valorizados. certo que quase nenhuma criana ocidental tenha escapado delas. Mas qual a sua importncia na formao da personalidade infantil? E por que causam tanto fascnio s crianas? 63 PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 1970. 64 GUELFI, Maria Lcia Fernandes. Literatura Infantil: Fantasia que constri realidades. In: Educao & Filosofia. Uberlndia: vol. 10, n. 20, 1996, p.131-154. 65 KIRINUS, Glria.Entre-vi-vendo a conspirao mitopotica na criana da ps-modernidade. Rio de Janeiro: PUC, 1992. Segundo o psicanalista Bettelheim66, a infncia o perodo de aprender a construir ligaes de imensas lacunas entre a experincia interna e o mundo real. E, na opinio dele, os contos defadasoferecemmateriaisde fantasiaquesugeremcriana,sobformasimblica,o significado de toda a batalha para conseguir uma auto-realizao. So os contos que dizem criana, numa linguagem adequada sua forma de pensamento, que ele afirma ser mgica e animista at aos sete anos, que ela ter que passar por certas dificuldades na vida, enfrentar alguns sofrimentos, privaes, solido e angstia, mas tudo vai acabar bem se ela for corajosa e enfrentar as dificuldades sem medo. Nosanos60e70educadorese intelectuaispassaramacondenaroscontosdefadas, principalmente por dois motivos: o problema da violncia e a questo ideolgica. Alm de cruis, as histrias de fadas foram acusadas de produzirem alienao, uma vez que passavam valores das classes dominantes e uma viso ilusria sobre a realidade. So crticas dirigidas aoscontedosdoscontos.Guelfi67argumentaqueascrticasignoramdoisaspectos fundamentais na relao criana-conto de fadas: um acerca da natureza da psique infantil que necessita de fantasia e demagia para a construo de sua realidade psquica. E isso o contodefadasatende.Outro, as crticasignoram anaturezasimblicadalinguagemdos contos de fadas, sobretudo a importncia das mensagens veiculadas pelos contedos latentes de tais narrativas e, ainda, acrescenta que no se pode esquecer que um equvoco pensar que uma pessoa pode ter atuao poltica madura sem ter resolvido seus problemas bsicos. Quandosecontahistriadefadasparaascrianaselassei dentificamimediatamenteecaptam todaaatmosferaesentimentoqueahistria contm,oscontosretratam deformaimaginriaesimblicaospassos essenciais do crescimento e da aquisio de uma experincia independente. Ocontoofereceum modeloparaavida,um modelovivificadore encorajador que permanece no inconsciente contendo todas as possibilidades positivas da vida.68 Os contedos dos contos no nascem fora da concepo mental dos modelos arquetpicos da sociedade e, se eles sobrevivem, porque a sociedade ainda tem necessidades deles, ainda que outros olhares comecem a ver por outros ngulos e possam trazer para a discusso tais contedos comintuito de reler a sociedade por meio da imagem da bruxa, a madrasta m, a ausncia do pai etc. Hoje, muitas imagens so relidas, devido ao fato de estarmos num outro movimento e neste mover de hoje, onde mulheres conquistaram espaos que no comportam 66 BETTELHEIM, Bruno. A psicanlise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 67GUELFI, 1996. 68 FRANZ, Marie. L.V. A interpretao dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Achiam, 1970. p. 74. maisseremlidascomomadrastasenembruxas,precisandoopaiassumirapaternagem, sendo ele tambm responsvel pelo cuidar. Para a psicanlise infantil, os contos respondem s questes bsicas do ser. Para as crianas essas histrias representam a outra espcie da realidade, a do inconsciente. At aos 7 anos a criana no sabe lidar com as respostas realistas, essas no a atraem, ela se satisfaz comas respostas oferecidas pelos contos de fadas. Sua forma de entender o mundo apresentado nelas est de acordo com a sua maneira de compreender e vivenciar a realidade. Segundo Piaget69, a fase das operaes concretas, quando a criana desenvolve compreenso das relaes entre ascoisaspalpveis,adquirindonoesdesubstncias,peso,volumeecapacidadepara classificar objetos, comea aps os sete anos. DeacordocomBettelheim70,antesdeterdesenvolvidoa capacidadedeabstrao,as explicaescientificaseracionaislhesoincompreensveis.RenDiatkine71um psicanalista que utiliza contos de fadas na terapia de crianas; em seus estudos fala sobre o fascnioqueelassentemporviles,situaesdeperigose pelacrueldadeexpressanas histrias e,segundo ele, aviolncia dos contos que horroriza paise educadores agrada as crianas. Na opinio do autor, os contos ajudam na formao de adultos saudveis; ensinar as crianas a controlar seus medos atravs dos contos proteg-las.72 No se pode esquecer de que nos contos de fadas, alm de bruxas, gigantes, monstros e fadas, h uma figura essencial, que a do heri. Nos mitos e nas lendas o heri , quase sempre, um salvador, ele pode libertar sua tribo, seu cl ou sua casa de todos os perigos, ele quem salva a princesa, encontra o tesouro, mata o monstro e sabe sair de todas as armadilhas. O heri forte, saudvel e amado pelo povo e pelos deuses. E, segundo Diatkine73, o heri exerce importante papel, como modelo, na construo de um ego forte. Por isso, os pais, os irmos mais velhos, os colegas maiores, tios, professores, na vida real, muitas vezes so colocados neste papel pelas crianas. 69PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense, 1970. 70 BETTELHEIM, Bruno. A psicanlise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 71 DIATKINE, 1993, p. 9. 72 DIATKINE, 1993, p. 9. 73 DIATKINE, 1993, p. 9. Franz74 diz que as histrias de heris constituem uma necessidade vital em condies difceis da vida. O heri d as razes de se viver e ao mesmo tempo restaura a coragem. Separaalcanararealidadeperceptivadacrianaaliteraturaprecisaestabeleceruma comunicao,noprximocaptulopretendemosanalisarcomolidarcomaliteraturada Bblia numa dimenso que atinja este fim. 74 FRANZ, 1970. III A BBLIA COMO LITERATURA DIDTICO-PEDAGGICA NA FORMAO INFANTIL Neste captulo, pretende-se analisar como uma literatura de cunho sagrado que construiu todo um simblico da sociedade ocidental, pode ser traduzida numa produo literria que consiga seraprendidapelamentalidadeinfantil.Tem-seconscinciadequenosetratadeuma literatura elaborada para a idade infantil, mas que pode ser reinterpretada e relida dentro desta realidade. Silveira pontua que toda literatura para as crianas j em seu nascedouro adultocntrica e autoritria. Pode-se ver que se apresentou para a criana brasileira uma repetio dos contos moralistas portugueses e europeus que serviam aos seus propsitos culturais, por isso, muitas vezes carregados de racismo e classismo, bem como sexistas. No caso da literatura infantil, lembrando-seaqui de queoaspectomoralizadorexistenteemalgumasnarrativastendea representar as crianas a partir do olhar adulto, desqualifica-se o conhecimento que a criana possui e subestima-se sua capacidade crtica e criativa. o adulto que sabe o que convm que a criana pense em determinado momento histrico e poltico.75 Masolivroservecomocanalcondutordoensinamentoaserincorporadomenteem formao dos mais jovens. A infncia uma construo histrico-cultural e a formao da identidade da criana tambm se d historicamente. E toda literatura pode ser instrumento que possibilita a leitura e o processo da formao de identidade da criana. A cada nova descoberta a criana vai se constituindo como sujeito. Por meio do exerccio da imaginao possvel a criana superar a fronteira do eu e do no eu, ou melhor, do que imaginrio e do que real, percebendo-os no como antagnicos, mas sim essenciais para sua formao.Dessaforma,elatomaconscinciadesi,iniciandoassim aconstruodesua personalidade.Held76dizqueacriana,aoexercitarsuaimaginao,experimenta novas foras: exercita sua imaginao, assim como exercita seus msculos, ou descobre e constri, pouco a pouco, os mecanismos lgicos. 75 SILVEIRA, 2009, p. 31. 76 HELD, 1977, p. 45. no propsito formativo que entra a contribuio da Bblia como literatura responsvel pela formao de imagens da transcendncia na mentalidade infantil. A Bblia , sem dvida alguma, a literatura da antiguidade mais lida nos dias atuais. Como diz Gottwald77: Elaatrai eprende osleitorespormuitosmotivos,dentresuasnumerosas formasliterriasestonarrativasvvidascompactasepoemasanimados repletos de imagens que cativamprontamente o olhar e os ouvidos. A linha das narrativas relata uma histria poltica carregada de conflitos, entretecidas commais de mil anos de histria do Antigo Oriente Prximo. Assim,lertextosbblicosgratificante,porque elescontmbelezaesignificncia,mas tom-los como alvo de estudo desafiador. Isso implica na busca de compreenso do cho que os produziu. E compreender um texto que foi gerado h tantos sculos distantes de ns uma tarefa rdua. Ficamos a buscar uma harmonia que muitas vezes vem demarcada pelo que induzimos ou deduzimos do texto que temos diante de ns. Compreenderaliteraturabblicaimplicaentender a histriadeIsraeleestano podeser assimiladapelomeio como ofoio Ocidente,emespecial,oque osgregose os romanos deixaram como legado para se definir o termo historiografia. Portanto, para entender o que umtextobblicoestcomunicando,emtermosdehistria,precisofocalizara particularidade cultural especfica da literatura do Oriente Mdio e para o povo da Bblia, ou domundoorientalemsi,sendo aquestodamemriafundamentalna construoda identidade. As memrias so, em si, as tradies, e o povo da Bblia povo de tradio, esta se torna a sua Lei, a Tor, o grande livro de Israel, que no um tratado de Leis, contudo so narrativas das tradies. OestudodaBblialeva-nosalidarcomahistriade umpovoquetemsuaforade identidadebaseadanamemria.SegundoHalbwachs,humadistinoentrememriae histria.Paraesteautor,uma memrianopropriamenteumdocumentohistrico.O vivido que guardamos em nossa lembrana o que circunscreve ou o que funda o campo da memria e isso se distingue da histria.78 O autor ainda afirma que a memria coletiva no 77 GOTTWALD, Norman. Introduo Socioliterria Bblia Hebraica. So Paulo: Paulinas, 1998. p.11. 78 HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. So Paulo: Vrtice. 1990. p. 88. se confunde com a histria, bem como no concorda com a expresso memria histrica porque, segundo ele, ela associa dois termos que se opemem alguns pontos. aquilo que diz J eseph Campbell79: Para que uma sociedade subsista, ela depende da presena, nas mentes de seus membros, de determinado sistema de valores que regule a conduta do indivduo de acordo comas necessidades da sociedade atual. TrabalharcomaBbliaimplica lidarcomnarrativasqueregistramfatoshistricos.No entanto,trata-sede umahistria quecontou comumavasta tradiooral, que provmde muitos fatos conservados na memria coletiva, que aparecem e so, ao mesmo tempo, uma histria. Como uma histria marcada pela poca e pela forma em que se vive o momento do registro, temos uma histria tambm mediada pelo espao social atual. Segundo Wandermurem80, o estudo de uma sociedade antiga tem no sagrado uma categoria central.Osagradoconsideradocomoalicercedosvaloresfundamentaisdasociedadee define a identidade coletiva do povo. A autora afirma que, para se falar de Israel, qualquer quetenhasidoaorigemdashistrias bblicasparticulares,deve-seconsiderarqueelas constituem uma histria sagrada. a partir do jeito de se relacionar com Deus que se pode perceber toda a montagem de uma estrutura social, pois nesta sociedade o pensar religioso que molda os sujeitos e determina o viver social. Essepensarreligiosoinfluitambm naestruturadasociedade,criando posiesesituaessociais.Pordetrsdosconflitosrelacionais,esto conflito religioso,onde asaes histricas dos sujeitosmarcaminteresses tanto materiais como polticos. As narrativas deixamvisveis este conflito. Nelasexistemsujeitossociaisqueseagrupam em gruposdei guais.A linguageme a expresso da teologia cumpremfunes importantes.81

Ser que um livro to complexo em sua estrutura pode servir de documento pedaggico de formao infantil? Como podemos entender a proposta educadora da Bblia na construo da personalidade infantil? Ou de que forma essa proposta pode ser alcanada? 79 CAMPBELL, J oseph. As mscaras de Deus Mitologia primitiva, vol.1, So Paulo: Palas Athena, 1992. p. 41. 80 WANDERMUREM, Marli. Riso,gracejoeherana: espaos de conflitos tnico-sociais na construo dos povos israelitas e rabes. Umestudo de Gnesis 21,1-21. Dissertao de Mestrado. So Paulo: UMESP. 1998.81 WANDERMUREM, 1998, p. 36. Partindo do pressuposto de que a Bblia uma literatura, precisa-se entender sua dimenso como construo literria. Como j discutimos no captulo anterior, uma literatura uma obra dearte,aliteratura,emsi,jumamanifestaoartstica,ondesua matria-primaa palavra. Isto , a linguagem. Assim, preciso abrir um item de discusso do carter literrio da Bblia, antes de entender sua proposta educadora para o mundo infantil. 3.1. A Bblia e a memria literria na conduo de um povo A Bblia, por ser uma das literaturas da antiguidade mais lidas na atualidade, e por ser um textoqueinfluenciouaconstruotico-moraldoocidente,sempreteve interessedos pesquisadores.Aprimeira etapano estudo da Bbliafoi basicamente religiosaemsentido confessional.J udeusecristosestudaramaBblia,afimdepromoveremcompreensoe forma prtica de suas religies, porm outra fase de estudos da Bblia se deu pela adoo do mtodo histrico-crtico. Esta forma de estudo nasce com a era cientificista. Os crticos no negam o carter religioso inato da Bblia. EstudosdaBbliacomo literaturavmacontecendoj htemposnosmeiosteolgicose terico-literrios brasileiros. Muitas produes nos ltimos anos atestam a corrida por este tipo de pesquisa. Uma delas se aloja em meio aos biblistas que utilizam a teoria literria para a anlise de textos bblicos. As contribuies de Hermann Gunkel, no Antigo Testamento, e de Rudolf Bultmann, no No