a justiça e o direito da rússia

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A Justia e o Direito da Rssia:reflexos da globalizaohttp://jus.com.br/revista/texto/3788Publicado em 02/2003

Luiz Guilherme Marques Para cumprir dignamente sua misso, o Poder Judicirio deve ser tanto quanto possvel independente. N. Turgueniev O que mais necessrio tornar as leis compreensveis e o Processo fcil para todos. N. Turgueniev Escrevi este livro em homenagem a Leon TOLSTOI, que, com sua negao do Estado e do Direito, inaugurou a crtica aos padres autoritrios que vigoravam na Rssia czarista, e Mikhail GORBACHEV, que, atravs da perestroika, possibilitou a transformao da Rssia em pas democrtico. Dedicatria: - Terezinha, minha esposa - Jaqueline Mara e Tereza Cristina, minhas filhas Uma das mais gradas experincias deste livro para mim foi o contato com a grandeza do esforo e da dedicao do memorvel jurista Mikhail SPERANSKI, que ficou como marca indelvel. A esse grande idealista do sculo XIX tambm dedico, depois de mais de um sculo de sua morte, este livro. Agradecimentos: - Juliana Arajo Assis - Jlia Maria Lopes Arajo Assis - Thereza Quintella - Aleksander Guglinski - Hermnio Corra de Miranda

- Academia Judicial Russa

NDICE: 1 Introduo, 2 - A Evoluo da Rssia, 2.1 A Histria, 2.2 A Rssia Atual, 3 A Evoluo do Direito Russo, 3.1 ARusskaia pravda, 3.2 O Perodo do Domnio Mongol, 3.3 O Cdigo de 1649, 3.4 O Perodo de Pedro, o Grande, e seus Sucessores, 3.4.1 O Zvod Zakonov, 3.5 O Perodo Sovitico, 3.5.1 O Perodo de 1917 a 1936, 3.5.2 O Perodo de 1936 at a Consolidao do Estado Socialista e da Evoluo para o Comunismo, 3.6 O Perodo Federativo, 3.7 As Fontes do Direito Sovitico, 3.7.1 A Jurisprudncia, 3.7.2 O Costume, 3.7.3 A Doutrina, 3.7.4 A Lei, 3.8 As Divises do Direito, 3.9 Os Conceitos Jurdicos, 4 A Evoluo da Justia Russa, 4.1 A Justia do Perodo Czarista, 4.2 A Justia do Perodo Socialista, 4.3 A Justia do Perodo Federativo, 4.3.1 A Corte Constitucional, 4.3.2 A Suprema Corte, 4.3.3 A Suprema Corte de Arbitragem, 5 As Crticas ao Judicirio, 6 O Ministrio Pblico, 7 O Ministrio da Justia, 8 Os Advogados, 9 Os Tabelies ,10 Os Oficiais de Justia, 11 O Ensino Jurdico, 12 Os Juristas mais importantes, 12.1 Alexandre Radichtchev, 12.2 - Nikolai Mikhailovitch Karamzine, 12.3 - Mikhail Speranski, 12.4 Nicolas Turgueniev, 12.5 - Nikolai Vasilyevich Krylenko, CONCLUSO, APNDICE, 1 A Constituio da Federao da Rssia, 2 Lei Constitucional Federal sobre a Corte Constitucional da Federao da Rssia, 3 - A Academia Judicial Russa, 4 - O Cdigo de Honra dos Juzes da Federao da Rssia, NOTAS, BIBLIOGRAFIA, ENDEREOS DE INTERNET

1 - INTRODUOPas de dimenses continentais, com 17.075.400 Km2 (ALMANAQUE ABRIL 2002), sendo o pas com a maior extenso territorial, com apenas 0,6% de analfabetos, portanto, com um nvel de instruo invejvel, segundo maior investimento mundial em defesa (US$56,8 bilhes), perdendo somente para os Estados Unidos em poderio militar, o primeiro a lanar uma nave espacial tripulada por um ser humano em 1961, com o astronauta Yuri GAGARIN, at 1991 dividia o mundo, com os Estados Unidos, em dois blocos e agora, com a implantao de um regime democrtico, passa por uma verdadeira mutao na rea jurdica. Depois de viver no regime czarista (at 1917), ingressou pioneiramente na experincia comunista seguindo a ideologia marxista-leninista (1917-1991) e, aps 1991, graas sobretudo nova realidade preparada pela mentalidade idealista de Mikhail

GORBACHEV (atravs da perestroika) ingressou numa experincia democrtica sem precedentes na histria do pas, que, na verdade, nunca soube o que fosse democracia. Seu territrio localiza-se parte na Europa parte na sia, o que sempre fez com que o pas oscilasse entre o maior ou menor contato com o Ocidente. Grandes estadistas procuraram aproxim-lo dos demais pases europeus, podendo-se falar em alguns, como, por exemplo, Pedro, o Grande, e Catarina, a Grande. No se pode negar que um pas expressivo, que tem suscitado controvrsias, com defensores ardorosos e crticos exigentes, talvez principalmente pela sua histria, na verdade, muito diferente da histria dos pases ocidentais. Quanto ao Direito russo importa o dividamos em trs perodos distintos, para melhor compreenso: a) o atual (posterior a 1991) podemos classific-lo como integrante da famlia romano-germnica, pois nesta poca Federativa, tem grande semelhana com os Direitos, por exemplo, da Frana, Alemanha etc., uma vez que, aps 1991, tem aceitado declaradamente a influncia jurdica da Frana, do Canad e outros pases, mas, principalmente, do conselho da europa, no qual ingressou recentemente; b) o mesmo se pode dizer do perodo anterior revoluo bolchevista de 1917, verificando-se que, naquele perodo, a influncia francesa foi sempre presente, ostentiva ou veladamente; c) quanto ao perodo socialista (comunista ou bolchevista), ou seja, de 1917 a 1991, vale a observao de DAVID (1996:142):... deve-se classificar o direito sovitico numa famlia diversa da famlia romano-germnica. Em termos de Direito e Justia, a Rssia aparentemente tem pouco a ensinar, em comparao, por exemplo, com a Frana, Inglaterra etc. No entanto, isso mera aparncia para ns que temos vivido isolado desse grande pas pela distncia e, sobretudo, pelo preconceito, ns que nascemos e temos vivido assustados com a idia de que a Rssia um pas temvel, que sempre ameaou o mundo com seus msseis e bombas atmicas. Na verdade, vivendo at h pouco tempo num regime ditatorial, no perodo socialista, fechou-se para o mundo ocidental, mas aconteceram l no s condenveis abusos de governantes frios, mas ocorreram avanos importantes inclusive nos aspectos social e jurdico, que acabaram influenciando o restante do mundo principalmente no que

pertine

democratizao

do

poder,

com

a

participao

popular,

procurando

contrabalanar os excessos das oligarquias de todos os tempos, que sempre marginalizaram os cidados comuns. Afirma DAVID (1996:151/152), referindo-se ao Direito dos dois primeiros perodos, ou sejam, perodos czarista e socialista: O mais grave no o atraso, do ponto de vista tcnico, do direito russo, nem o fato de ele s ter sido parcialmente codificado; o que importa sublinhar que uma histria diferente provocou, no povo russo, uma diferena de atitude perante o direito, contrastante com a dos outros povos europeus. Em toda a Europa continental, tal como na Inglaterra, o direito considerado como um complemento natural da moral e como uma das bases fundamentais da sociedade. Esta concepo do direito no se formou na Rssia. At uma data recente, no houve juristas na Rssia: a primeira universidade russa, a de Moscou, s foi criada em 1755 e a universidade de Petersburgo em 1802; uma literatura jurdica russa surge apenas na Segunda metade do sculo XIX; s com a reforma judiciria de 1864 se separam as carreiras de magistrados das carreiras administrativas e se cria um tribunal profissional (at a referida reforma reina a maior confuso entre a polcia, a justia e a administrao). Por outro lado, o direito escrito russo estranho conscincia popular. Este direito essencialmente um direito administrativo. A parte de direito privado que ele comporta essencialmente urbana, feita para os comerciantes e para a burguesia. A massa camponesa o ignora e continua a viver de acordo com os seus costumes; apenas existe para ela, por exemplo, uma propriedade familiar (dvor) ou comunal (mir), com excluso da propriedade individual que est regulada na lei; para os camponeses, a justia que norteada por critrios de eqidade, tal como a administra os tribunais do volost, composto por juzes eleitos, que no so juristas; o tribunal do volost depende do Ministrio do Interior e no do Ministrio da Justia. O direito dos juristas no busca o seu fundamento, como acontece nos outros pases da Europa, nem na conscincia popular, nem na tradio; constitudo por disposies legislativas, surge, em grau de medidas, como obra arbitrria, produto da vontade de um monarca autocrata, ou como um privilgio da burguesia. O prprio monarca no se encotra subordinado lei, que se identifica com a vontade arbitrria do soberano, princeps legibus solutus. Os juristas so mais servidores do czar e do Estado do quie propriamente do direito; no existe entre eles nenhum sprit de corps. A unidade do povo russo no tem a sua base no direito. Por mais que os autores dos pases ocidentais ridicularizem a justia e os homens de leis, bem como as suas

excentricidades, nenhum deles poderia imaginar uma sociedade sem tribunais e sem direito Ubi societas ibi jus -, o que, na Rssia, no causaria estranheza. Como santo Agostinho, Len Tolstoi preconiza o desaparecimento do direito e o advento de uma sociedade fundada na caridade crist e no amor. O ideal marxista de uma sociedade comunista fraternal encontra razes profundas no sentimento moral e religioso do povo russo. V-se, portanto, que no perodo czarista o Direito e a Justia se desenvolveram muito pouco se compararmos sua situao com a dos pases mais adiantados da Europa. No perodo socialista, pregou-se e tentou-se praticar a abolio do Direito e do Estado, sendo considerado o Direito como mero instrumento da Poltica, esta, sim, muito valorizada. Nesse perodo, no entanto, apesar de desprezados o Direito e a Justia, foram feitas experimentaes que acabaram dando excelentes frutos depois de decotados os excessos e corrigidas as ideologias. A Rssia desenvolveu um instituto jurdico no muito usual no Ocidente, que a Justia Arbitral, que ela vem aperfeioando h alguns sculos, sendo talvez o pas que mais tenha a ensinar nessa rea. Outro ponto relevante do Direito russo o Direito Penal, em que, durante o perodo socialista, ofereceu uma srie de questionamentos, que contriburam, direta ou indiretamente, para o desenvolvimento da "Nova Defesa Social", em que os antigos padres da doutrina neo-clssica foram questionados e surgiram novos entendimentos para os temas antigos. Vale a pena voltar s informaes seguras da pena talentosa de DAVID (1996:143): O estudo do direito dos pases socialistas no nos d apenas a conhecer um mundo novo, diferente do nosso; uma fonte de ensinamentos. Permite-nos uma anlise crtica do nosso direito; muitas vezes, as experincias tentadas num pas socialista poderiam ser aproveitadas com vantagem nos nossos pases, sem implicar uma adeso s posies tericas do marxismo. DAVID, que, adiante, continua: Em numerosos pases capitalistas at o direito criminal tende a dissolver-se ou assumir uma feio distinta baseado em uma nova concepo de defesa social, dominada por um conjunto de cincias criminolgicas, onde se encontram associadas psicologia, medicina e sociologia; tcnicas de arbitragem tendem igualmente em vrios domnios

(direito comercial, direito do trabalho), a substituir-se nas nossas sociedades s regras estritas do direito. (p. 178) A verdade que um pas onde o nivel de instruo elevado, na certa tem condies de desenvolver um importante Direito e uma estrutura judiciria modelar, objetivos esses que vm sendo perseguidos pelos russos principalmente depois da abertura poltica de 1991, quando, como poder verificar o Leitor, o pas vem passando por uma verdadeira mutao, inclusive em termos de Direito e Justia. Como o Leitor poder perceber, no presente estudo procuramos o mais possvel evitar crticas ou elogios, por entender que cada povo tem sua individualidade cultural e sua realidade diferente da dos outros povos, sendo conveniente conhec-las a todas para enriquecimento da nossa viso de conjunto e at para analisar os institutos jurdicos do nosso prprio pas, com base para reconhecer-lhes as virtudes e entender suas deficincias, pois somente na comparao que se entende melhor a nossa prpria realidade, conforme j ensinava Ren Descartes no seu Discuso do Mtodo: bom saber algo de diversos povo, para julgarmos de maneira mais aberta os nossos costumes. Assim, no pensaremos que tudo quanto diferente dos nossos hbitos ridculo e contrrio Razo. Esclaremos o Leitor de que fizemos apenas o papel de relator imparcial, isento e no aderimos a nenhuma ideologia, a no ser a do Direito e que no pretendemos polemizar, mas s mostrar os fatos que conseguimos apurar, ainda mais que reconhecemos sempre prevalecer o ditado chins antigo que diz: Em qualquer discusso h sempre trs concluses: a minha, a sua... e a verdadeira!

2 A EVOLUO DA RSSIA 2.1 A HISTRIA Para se conhecer o Direito de um pas necessrio conhecermos primeiro sua Histria, passando pelos perodos antigos at chegarmos sua realidade atual. Para essa finalidade, a Embaixada da Rssia no Brasil, no seu site na Internet, traz algumas informaes sobre o pas, inclusive um breve resumo da sua Histria, que vale a pena transcrever: A) PERODO ANTIGO Fundao de Moscou

No incio do sculo XII "Kievskaia Rus'' dividiu-se em mais de uma dzia de principados. Uma regio no Nordeste russo entre os rios Volga e Oka, clebre pelas suas terras frteis e bem protegida pelos bosques dos assaltos das tribos nmades, foi governada pelo prncipe Iuri Dolgoruki (Iuri-de-mos-longas). Ele construiu vrias cidades e fez alianas com os vizinhos. Em 1147 ele convidou seus vizinhos para uma aldeia fronteiria, "Moscou", onde eles celebraram a vitria sobre os inimigos. Esta data ficou sendo considerada como a data da fundao de Moscou. Em 1156 em Moscou foi construida a primeira fortaleza de madeira, que virou depois uma das maravilhas do mundo - o Kremlin de Moscou. Jugo trtaro Em 1237 a Rssia foi invadida pelas tribos dos trtaros-mongis. Esmagando a forte resistncia das cidades separadas russas as ordas de mongis avanaram para o interior do pas distruindo tudo o que foi construido durante os sculos de trabalho. O jugo trtaro durou cerca de 250 anos, dominando a vida poltica e cultural russa. A vitria dos russos unidos, chefiados pelo Prncipe Dmitri Donskoi, sobre as tropas trtaras, em 1380, foi o marco crucial para o fim do jugo. Mais de dois sculos foram necessrios para reerguer a Rssia das cinzas. O Renascimento russo A partir da segunda metade do sculo XIV comea a renascimento russo. Comeou a reconstruo do Kremlin, que deveria expressar as idias da unio e da potncia do Estado russo. Em 1471 comeou a se erguer uma nova catedral, "Uspenski". Sua arquitetura acumulou as velhas tradies russas e as tcnicas da arquitetura italiana da poca renascentista. As macias cpulas de ouro fizeram lembrar a potncia e unio das terras russas. Perto daquela catedral cresceram as outras: Blagovechenski, Arkhanguelski e outros. Uma das maravilhas do mundo a Catedral Pokrovski (Pokrov - Festa do Manto da Virgem), erguido na Praa Vermelha pelos mestres Barma e Postnik. A catedral constituda de 9 igrejas mpares, reunidas em torno de um pavilho. A poca de Pedro, o Grande A Rssia tradicionalmente introvertida e autosuficiente deu passo girante nas reas econmica, poltica, da poltica exterior, social e cultural, bem como nas reformas radicais do seu exrcito, na poca do Pedro, o Grande.

At o final do sculo XVII a Rssia no tinha nem frota mercante, nem Marinha. Estava isolada dos mares Negro e Bltico, o que dificultava o seu relacionamento com a Europa. Em 1672 Pedro I subiu ao trono de czar da Rssia. Foi ele quem desempenhou um dos mais importantes papis na histria russa. Pedro I foi o primeiro a entender a importncia da Marinha e mandou vrias delegaes russas para aprenderem a arte de navegar nos mares da Europa. Ele foi o fundador das tropas regulares, sofisticou sua organizao e logstica. A vitria na Guerra do Norte (1700-1721) garantiu Rssia o acesso ao Mar Bltico, pelo que lutou durante muitos sculos. "A janela para o Ocidente" estimulou as atividades diplomticas e beneficiou as parcerias, principalmente com os pases da Europa Ocidental. Expandindo e desenvolvendo os seus territrios em direo Norte, ao redor do rio Volga, montes Urais e alm dos Urais, na Sibria e na costa do Oceano Pacfico a Rssia tornou-se Imprio. At o final do sculo XVII a Rssia no tinha nem frota mercante, nem Marinha. Estava isolada dos mares Negro e Bltico, o que dificultava o seu relacionamento com a Europa. Em 1672 Pedro I subiu ao trono de czar da Rssia. Foi ele quem desempenhou um dos mais importantes papis na histria russa. Pedro I foi o primeiro a entender a importncia da Marinha e mandou vrias delegaes russas para aprenderem a arte de navegar nos mares da Europa. Ele foi o fundador das tropas regulares, sofisticou sua organizao e logstica. A vitria na Guerra do Norte (1700-1721) garantiu Rssia o acesso ao Mar Bltico, pelo que lutou durante muitos sculos. "A janela para o Ocidente" estimulou as atividades diplomticas e beneficiou as parcerias, principalmente com os pases da Europa Ocidental. Expandindo e desenvolvendo os seus territrios em direo Norte, ao redor do rio Volga, montes Urais e alm dos Urais, na Sibria e na costa do Oceano Pacfico a Rssia tornou-se Imprio. No incio do sculo XIX o Imprio Russo fez parar e fugir o exrcito-invasor do Napoleo I, Imperador francs, fato que entrou na histria russa com o nome de Guerra Patritica de 1812. Depois da abolio da escravatura em 1861 que existia na Rssia desde sculo XVI comeou o desenvolvimento impetuoso da economia. Nas ltimas dcadas do sculo XIX registrou-se forte crescimento de manufaturas, empresas privadas, bancos e comrcio. No mesmo perodo as disparidades socias alcanaram o seu climax e o descontentamento com governo foi muito generalizado. A Guerra Mundial de 1914-1918 diminuiu o potencial da economia da Rssia at o mais baixo nvel, exauriu os recursos materiais e financeiros do pas.

O perodo socialista Em Outubro de 1917 os "bolcheviques" (quer dizer - "representantes da maioria") do Partido Social-Democrtico de Trabalhadores da Rssia chefiados por Vladimir Lenin conduziram a Rssia Grande Revoluo Socialista. O objetivo da revoluo era a eliminao da injustia social e a criao de uma sociedade que deveria evoluir para comunismo. Juntamente com vrios pases vizinhos a Rssia formou, em dezembro de 1922, a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas.Durante os 31 anos seguintes o pas foi governado pela elite do partido de "bolcheviques" encabeada por Joseph Stalin. Stalin com a elite bolchevique imps o totalitarismo, usurpando todo o poder na URSS. O totalitarismo vitimou milhes de pessoas inocentes e dizimou-as em campos de trabalho e morte. A maioria dos dirigentes do Exrcito Vermelho, das Foras Armadas soviticas, foi submetida a represses, o que feriu gravemente o potencial defensivo do pas. Apesar do terror poltico e da arbitrariedade, a industria estava se modernizando rapidamente, aumentando o potencial blico e o peso do pas nos processos decisrios internacionais. Em 1941 as tropas da Alemanha nazista atacaram a Unio Sovitica. Os nazistas durante os dois primeiros anos da Segunda Guerra Mundial j tinham conquistado a maior parte da Europa. Em tempo muito curto o pas recolheu todas as foras fsicas e morais para rechaar o inimigo. A valentia dos soldados, as habilidades dos generais e esforo mximo de cada cidado contribuiram para a capitulao da Alemanha em maio de 1945. A guerra causou 27 milhes de vtimas dos cidados soviticos. A idia socialista atingiu o seu topo nos anos 60, comeando depois o declnio, a estagnao e a crise. A economia dirigida pela burocracia comunista permaneceu em banhomaria graas s injees de capitais provinientes das exportaes de recursos minerais como pertrleo e gs natural. As despesas militares abalaram o oramento estatal e influenciaram o crescimento desproporcional do ramo militar da indstria. Muitas idias construtivas que apareciam nos crculos econmicos foram rejeitadas. Todos os aspectos da vida da sociedade inclusive a poltica externa, foram inseridos em apertados moldes ideolgicos. Em meados dos anos 80 o pas enfrentou a necessidade das reformas radicais nas reas econmica, social e poltica. Michail Gorbatchev, Secretrio General do Partido Comunista, que se-tornou o primeiro e ltimo Presidente do URSS, comeou a reformar a sociedade. Entretanto, as reformas no

foram fceis. A economia entrou em crise, a inflao subiu, varias foras polticas sairam em confrontao, cresceu a tenso social, estouraram os conflitos tnicos. A Unio Sovitica mostrou a sua incapacidade de resolver esta crise global. Assim, o acordo assinado em 1991 pelos lderes das tres maiores republicas soviticas -Rssia, Ucrnia e Bielorssia - declarou o final da Unio Sovitica. A Rssia passou a ser a herdeira de todos ativos e passivos da URSS. B) PERODO ATUAL Boris Yeltsin, primeiro Presidente de Rssia, assumiu a responsabilidade de revitalizar as reformas da sociedade russa. A partir da sua eleio ganhou fora a privatizao, a iniciativa privada comeou a dominar nas reas de produo, comrcio, bancos e servios. A inflao passo a passo foi sendo controlada, e o PIB registrou as primeiras tendncias positivas. Na sua mensagem Assemblia Federal do ano de 1996, o Presidente B. N. Yeltsin fez uma anlise dos resultados das reformas. Entre os quais destacou: - foi evitada a desintegrao do pas, e impedidos o caos e a guerra civil; foram criados os fundamentos constitucionais do Estado de direito; - comeou a formar-se a estrutura do verdadeiro Estado federal, com um lugar digno na comunidade mundial; - consolidou-se a orientao da economia russa ao mercado e aumentou a potncia econmica da Rssia; - as reformas foram feitas sem represses ou distruio da oposio poltica pela primeira vez na histria da Rssia. Entre os fatores negativos foram indicados a falta de experincia na rea da economia de mercado, fraqueza das novas relaes industriais, precariedade dos mecanismos da promoo comercial, as diferenas sociais gritantes, queda do nvel de vida da maioria da populao, problemas tnicos e o alto nvel da criminalidade. Entretanto, apesar das dificuldades sentidas pela maior parte da populao, o povo russo v nas reformas a esperana numa economia efetiva e nvel de vida decente. As reformas sociais removeram as razes para confrontaes polticas e ideolgicas com os outros pases, deram Rssia a oportunidade de se unir ao sistema econmico mundial e contribuir significativamente para desenvolvimento da relaes vantajosas entre as naes do mundo. 2.2 A RSSIA ATUAL

O ALMANAQUE ABRIL 2001 d uma viso panormica atual do pas: DADOS GERAIS Federao Russa (Rossyskaya Federtsiya). Capital - Moscou. Nacionalidade - russa. Data nacional - 12 de junho (Dia da Ptria). GEOGRAFIA - Localizao: uma parte no leste da Europa e outra no norte da sia. Hora local: +6h. rea: 17.075.400 km2. Clima: subpolar (extremo N), temperado continental (maior parte), de montanha (centro). rea de floresta: 7,6 milhes km2. (1995). Cidades principais: Moscou (8.400.000), So Petersburgo (4.200.000), Ninji Novgorov (1.400.000), Novosibirsk (1.400.000), Yekaterinburgo (1.300.000) (1996). POPULAO - 146,9 milhes (2000); composio: russos 82%, trtaros 4%, ucranianos 3%, chuvaches 1%, outros 10% (1996). Idioma: russo (oficial), chuvache, calmuco, chechene. Religio: cristianismo 17,5% (ortodoxos 16,3%, catlicos 0,3%, protestantes 0,9%), islamismo 10%, judasmo 0,4%, outras 72,1% (maioria atesta) (1995). Densidade: 8,6 hab./km2. Populao urbana: 77% (1998). Crescimento demogrfico: -0,2% ao ano (1995-2000). Fecundidade: 1,35 filho por mulher (1995-2000). Expectativa de vida M/F: 61/73 anos (19952000). Mortalidade infantil: 18 (1995-2000). Analfabetismo: 0,6% (2000). IDH (0-1): 0,771 (1998). GOVERNO - Repblica com forma mista de governo. Diviso administrativa: 21 repblicas, 1 regio autnoma, 49 regies administrativas, 6 provncias, 10 distritos autnomos e 2 cidades com status administrativo especial (Moscou e So Petersburgo). Chefe de Estado: presidente Vladimir Putin (desde 2000). Chefe de governo: primeiro-ministro Mikhail Kasyanov (desde 2000). Principais partidos: Comunista da Federao Russa (KPRF), Unidade, MePtria/Nossa Casa a Rssia (OVR), Unio das Foras de Direita (SPS). Legislativo: bicameral - Senado (1), com 178 membros (os chefes da legislatura e do Executivo de cada uma das unidades territoriais do pas); Duma, com 450 membros eleitos por voto direto para mandato de 4 anos. Constituio em vigor: 1993 (Veja-se o texto da Constituio atual no Anexo 1 e a Constituio anterior, na parte pertinente ao Judicirio, na Nota 2).

ECONOMIA - Moeda: rublo; cotao para US$ 1: 28,13 (jul./2000). PIB: US$ 276,6 bilhes (1998). PIB agropecuria: 7%; PIB indstria: 35%; PIB servios: 58% (1998). Crescimento do PIB: -7% ao ano (1990-1998). Renda per capita: US$ 2.260 (1998). Fora de trabalho: 78 milhes (1998). Agricultura: batata, trigo, cevada, outros cereais. Pecuria: sunos, bovinos, ovinos, aves. Pesca: 4,7 milhes t (1997). Minerao: cobre, minrio de ferro, nquel, turfa, alumina, carvo, gs natural, petrleo. Indstria: alimentcia, mquinas, siderrgica (ferro e ao), equipamentos de transporte, qumica. Exportaes: US$ 73,9 bilhes (1998). Importaes: US$ 59,2 bilhes (1998). Parceiros comerciais: Ucrnia, Alemanha, Cazaquisto, EUA, Belarus, Sua. DEFESA - Efetivo total: 1,2 milho (1998). Gastos: US$ 53,9 bilhes (1998). RELAES EXTERIORES - Organizaes: CEI, Banco Mundial, FMI, G-7, ONU, Apec. Na Cmara dos Deputados, com nmero de 450 cadeiras, 441 estavam preenchidas da seguinte forma: Partido Comunista: 114 cadeiras; Unidade (centro-direita): 74 cadeiras; Ptria Toda a Rssia (centro-esquerda): 68 cadeiras; Unio das Foras de Direita: 29 cadeiras; IABLOKO (reformadores: 20 cadeiras); Bloco JIRINOVSKI

(nacionalistas): 17 cadeiras; havendo mais 119 deputados sem partido. Quanto situao atual da Cmara dos Deputados (cujo presidente Guenadi SELEZNEV) em termos de tendncia, com a eleio de dezembro de 1999, reequilibrou-se a tendncia para o centro e a direita, o que tem facilitado o trabalho do presidente Putin, que, com isso, consegue a aprovao dos seus planos de governo, alis, contando com a simpatia dos pases do Conselho da Europa e outros interessados na ocidentalizao da Rssia. Quanto ao Senado, seu presidente Igor STROEV. Tramita por ele um projeto de lei de reforma de sua composio, apresentado em maio de 2000 pelo presidente Putin. Sobre a estrutura federativa da Rssia vale a pena ver que diz o RELATRIO GERAL DA X CONFERNCIA DAS CORTES CONSTITUCIONAIS EUROPIAS (redigido por Peter PACZOLAY) Em virtude da sua nova Constituio, a Rssia um Estado federal, como era antes, mas, certamente, existe uma grande diferena entre a forma federal da ex-Unio

Sovitica e a Federao Russa atual, sendo que a Unio Sovitica tinha uma estrutura federal com a concentrao centralizada do poder e um sistema de partido nico. As competncias legislativas da Federao Russa so divididas em trs partes: as leis federais so aplicveis em todo o territrio da Federao, as leis adotadas em virtude das competncias legislativas partilhadas entre a Federao e as unidades-membro devem estar conforme s leis federais e todas as competncias pertencentes s unidadesmembro, com exceo das competncias federais exclusivas e partilhadas. A relao da Federao com as unidades-membro prevista no somente pela Constituio, mas tambm pelo Tratado Federal, bem como por outros acordos. O poder executivo federal pode transferir determinadas competncias aos rgos executivos das unidades-membro. As Repblicas podem ter Constituies prprias, que tem que estar

consentneas com a Constituio da Repblica. Quanto s outras unidades, s podem ter Estatutos, e no Constituio. Na realidade, apesar da aparente igualdade entre as 89 unidades federadas, de fato, algumas tm mais autonomia que outras frente ao Governo Central, denominando-se essa situao como "federao assimtrica". Boris Yeltsin procurou democratizar o pas instituindo a eleio dos

governadores pelo sufrgio universal, sendo as primeiras eleies em 1996 e 1997. Uma questo grave a da inconstitucionalidade das leis, inclusive as Constituies das Repblicas e os Estatutos das demais unidades federadas em relao Constituio da Repblica e s leis federais, observando-se que determinadas Repblicas j tinham Constituio antes da Constituio Federal de 1993 e consagravam inclusive o direito de secesso ou a supremacia das leis regionais sobre as leis federais, mas esse problema dever ser solucionado com o amadurecimento das instituies. O relacionamento entre o poder central e as lideranas das unidades federadas no to tranqilo. Sobre o assunto vale a pena consultar: http://www.regardest.com/Revue/Numero15/Federalismeconstruction. htm. O atual Presidente da Rssia, Vladimir Putin, tem procurado centralizar o poder em suas mos, lutando contra as lideranas regionais, como forma de unificar o pas, inclusive em termos legislativos. Para reforar sua iniciativa o Presidente tem o controle

judicirio que lhe autoriza penalizar as aes regionais e legais, podendo nomear representantes plenipotencirios junto s entidades territoriais desde 1991, estes podendo verificar a constitucionalidade das leis e decises regionais, a gesto dos bens federais existentes nas regies e verificar se as diretivas presidenciais, leis federais e Constituio Federal esto sendo cumpridas. O Poder Central tambm tem um certo controle financeiro sobre as unidades federadas quando estabelece a poltica financeira nacional, procura garantir o pagamento dos vencimentos da maior parte dos funcionrios regionais (inclusive dos juzes) e ainda financia determinadas atividades locais. O Poder Central interfere junto aos prefeitos das grandes cidades, quando se sabe que estes ltimos so eleitos principalmente se tiverem o apoio do Governo Central. Quanto s Repblicas so: - Repblica Autnoma das Adigs - 437.000 habitantes; superfcie: 7.600 Km2; capital: Maikop: 149.000 habitantes; - Repblica do Bachkortosto superfcie: 143.600 Km2, populao: 3.983.900; capital: Oufa: populao: 1.097.000 habitantes; - Repblica de Buriatia - 1.056.000 habitantes; superfcie: 362.400 Km2; capital: Ulan Ud: populao: 353.000 habitantes; - Repblica da Carlia - 799.400 habitantes; superfcie: 172.400 Km2; capital: Petrozavodsk: 270.000 habitantes; - Repblica do Daguesto populao: 1.854.200 habitantes; superfcie: 50.300 Km2; capital: Mkhatchkala: 315.000 habitantes; - Repblica Gorno Altaisk populao: 196.600 habitantes; superfcie: 92.600 Km2; capital: Gorno Altaisk: 40.000 habitantes; - Repblica da Inguche; - Repblica de Kabardia-Balkaria superfcie: 112.500 km2; populao: 777.700 habitantes; capital: Naltchik: 235.000 habitantes - Repblica de Kalmukia superfcie: 76.100 Km2; populao: 35.000 habitantes; capital: Elista: 81.000 habitantes;

- Repblica do Karatchaio-Tcherkessia superfcie: 14.100 Km2; habitantes: 427.100 habitantes; capital: Tcherkess; 113.000 habitantes; - Repblica de Khakassia superfcie 61.900 km2; populao: 577.100 habitantes; capital: Abakan: 154.000 habitantes; - Repblica dos Komis superfcie: 415.900 Km2; populao: 1.264.700 habitantes; capital: Syktyvkar: 233.000 habitantes; - Repblica dos Mariis superfcie: 23.200 Km2; populao: 1.264.700 habitantes; capital: Iochkar Ola: populao: 242.000 habitantes; - Repblica de Mordovia superfcie: 26.200 Km2; populao: 964.000 habitantes; - Repblica de Osstie do Norte superfcie: 8.000 Km2; capital: Vladkavkaz: 300.000 habitantes; - Repblica de Udmurtia superfcie: 42.100 Km2; populao: 1.628.300; capital: Ijevsk: 646.800 habitantes; - Repblica de Iakutia superfcie: 3.103.200 Km2; populao: 1.108.600 habitantes; capital: Iakoutsk: 187.000 habitantes; - Repblica Tatarsto superfcie: 6.100 Km2; 3.679.400 habitantes; capital: Kazan: 1.107.000 habitantes; - Repblica da Chechnia Inguchie superfcie: 19.000 Km2; populao: 1.306.800 habitantes; capital: Groznyi: 401.400 habitantes; - Repblica da Tchuvachia superfcie: 18.300 Km2; populao: 1.346.200 habitantes; capital: Tchebksary: 449.300 habitantes; - Repblica de Touvas superfcie: 170.500 km2; populao: 306.000 habitantes; capital: Kyzil: 75.000 habitantes.

3 A EVOLUO DO DIREITO RUSSO

Conhecidos o pas e sua Histria, passemos ao Direito russo e sua evoluo. DAVID (1996) divide a histria do Direito russo (at o perodo socialista inclusive, pois seu livro foi escrito na poca socialista) nos seguintes perodos: a) o da Russkaia pravda b) o Perodo do Domnio Mongol c) o do Cdigo de 1649 d) o de Pedro, o Grande, e seus Sucessores e) o do Zvod Zakonov f) o Sovitico (ou Socialista). f.1) de 1917 a 1936 f.1.1) de 1917 a 1921 f.1.2) de 1921 a 1928 f.1.3) 1928 a 1936 f.2) de 1936 em diante. A classificao de DAVID tem cunho meramente didtico, para facilitar a compreenso. questionvel, mas iremos segui-la, pois no encontramos outra melhor. Apenas, inclumos nela o perodo federativo, ou seja, posterior a 1991. 3.1 A RUSSKAIA PRAVDA (3) No incio da vida do pas o Direito se resumia a normas costumeiras das quais no se tem sequer notcias, sendo que somente em 1017 que se resolveu inscrever essas regras num documento que foi chamado de Russkaia Pravda (ou Pravda Russkaia). KARAMZINE (?:t.5 p. 355) fala desse perodo histrico com orgulho, comparando o progresso da Rssia com o atraso geral da Europa no sculo XI: Esse tempo feliz para a Rssia o de Iaroslav, o Grande. Plena de segurana, para o cristianismo, para a ordem pblica, possua o ensino religioso, escolas, leis, um comrcio importante, exrcito numeroso, uma frota, a unidade do poder e a liberdade civil.

O que era a Europa no incio do sculo XI? O teatro da tirania feudal, da fraqueza dos soberanos, da audcia dos bares, da escravido dos povos, da superstio, da ignorncia. LAMARE (1997:52) informa com a elegncia do seu estilo: O Prncipe Iaroslavo... em 1017 elaborou um cdigo: a Pravda Rousskaia, onde estariam definidos direitos e deveres da populao. instituda a pena de morte para os chamados crimes de sangue. Iaroslavo ensaiava organizar uma sociedade de castas sociais, de altos dignatrios e escravos, criando cdigos que no faziam parte dos costumes dos cls. DAVID (1996:147/148) descreve esse perodo com riqueza de detalhes e segurana que o caracterizam: Os tempos histricos comeam na Rssia apenas no sculo IX, quando a tribo dos Varegues, vinda aparentemente da Escandinvia, dirigida pelo seu chefe Riourik, estabeleceu no ano 862 o seu domnio na Rssia de Kiev. O Estado assim criado durar at 1236, ano em que ser destrudo pelos mongis. O acontecimento mais importante da sua histria , em 989, a sua converso ao Cristianismo, no reinado de So Vladimir. Tal como acontecera no ocidente, sente-se, nessa fase histrica, a necessidade de redigir por escrito os costumes, tendo como principal objetivo fazer penetrar nestes, pelo poder mgico da escrita, a influncia da Igreja. Os costumes russos da regio de Kiev so redigidos na primeira metade do sculo XI; ainda que com numerosas variantes, os costumes do sculo XI ao sculo XIV encontram-se em compilaes que receberam o nome genrico de Russkaia pravda (o direito russo). Redigidas em eslavo, descrevem-nos uma sociedade em geral mais evoluda que as sociedades tribais germnicas ou escandinavas na poca da redao das "leis brbaras". O direito a que aludimos tem uma natureza territorial e no tribal, e os seus preceitos denotam a influncia do regime feudal. Ao lado do direito costumeiro indgena exposto na Russkaia pravda, o direito bizantino assume uma particular importncia na Rssia de Kiev. A Igreja, que vive no Ocidente segundo a lei romana, rege-se, efetivamente, na Rssia, segundo o direito bizantino, representado pelos "Nomocanons", que compreendem, na sua regulamentao, direito civil (relativo sociedade civil) e direito cannico. O direito bizantino tem, na Rssia de Kiev, uma grande importncia: a Igreja aplica-o diretamente aos clrigos, nos vastos domnios territoriais que a ela pertencem ou onde exercem a sua jurisdio. Por outro lado, alarga o mbito de aplicao deste direito pela via da arbitragem e pelas diversas infriltaes do referido direito na redao dos costumes.

DAVID (1954) fala da Russkaia pravda em obra especfica sobre o Direito sovitico dizendo: Ela contm essencialmente o Direito Penal e o Processo; poucos de seus artigos dizem respeito s relaes patrimoniais; no se encontram, nesse texto legal, definies gerais nem um plano bem rigoroso. (p. 17) Afirma nesse mesmo livro a existncia de outras regras jurdicas alm da Russkaia pravda, que coexistiam: Ao lado da Russkaia pravda, que constitui o Direito laico da Rssia existe, de outra parte, um outro Direito, extremamente importante que a reina, ou seja, o Direito Cannico. Como em outros pases do Ocidente, o Direito Cannico , na Rssia, uma das fontes essenciais que contriburam para a formao do Direito nacional; [...] o Direito Cannico , na Idade Mdia, um direito que se aplica em situaes muito freqentes e as mais variadas. [...] O Direito Cannico que aplicado na Rssia , todavia, um direito diferente daquele que ns conhecemos no Ocidente. o Direito Cannico de Bizncio. Este, representado por uma srie de Nomocanons (notadamente o Nomocanon do patriarca Photius, que data de 883). (p. 19/20) Logo adiante, esclarece que os nomocanons contm ao mesmo tempo Direito Civil (nomos) e Direito Cannico (cnon) para que os clrigos possam conhecer, ao consultarem uma nica coletnea todas as disposies s quais esto submetidos e que eles devem aplicar. A Igreja russa vive conforme o Direito Cannico, e o Direito Bizantino vem assim a desempenhar um grande papel na Rssia. [...] enquanto que a Russkaia pravda representa o Direito Costumeiro, o Direito Cannico bizantino representa um tipo de Direito escrito, que se aplica em determinados domnios e que, pelo fato de sua superioridade tcnica, exerce nos outros domnios uma influncia. A recepo do Direito bizantino no foi total na Rssia. As leis gregas no foram nesse pas aplicadas integral e indiscriminadamente. Mas o Direito bizantino, isso que importa notar, constituiu desde o comeo, aos olhos da Igreja russa, o corpo de Direito ideal prprio para inspirar a reforma dos costumes russos. [...] os Nomocanons gregos, traduzidos para o eslavo, tiveram uma importncia considervel na Rssia. A partir do comeo do sculo XIII deu-se-lhe o nome de Kormtchaya Kniga ou, por abreviao, simplesmente, Kormtchaya, o que significa simplesmente guias [...] Existem numerosos manuscritos que contm Nomecanons, o mais freqentemente, outros monumentos, puramente civis, de Direito bizantino: cloga de Leon o Isauriano (740), Prochiron de Basile o Macednio (890). As Baslicas (900), ao contrrio, no parecem ter sido jamais utilizadas na Rssia. 3.2 O PERODO DO DOMNIO MONGOL

Com a invaso mongol nos territrios atualmente pertencentes Rssia, uma alterao muito grande houve para pior, de vez que os mongis eram muito mais primitivos que os russos e se alguma influncia tiveram foi apenas retardando o desenvolvimento cultural e social conseguido a duras penas e isolando a Rssia do contato com o Ocidente. DAVID (1996:148/149) descreve esse perodo assim: Um segundo perodo se abre na histria da Rssia com o domnio mongol (A Horda de Ouro) em 1236. Este domnio terminar apenas no reinado de Iv III, em 1480, depois de uma guerra de libertao que durou cem anos. As suas conseqncias polticas no deixaram de se fazer sentir at os nossos dias. Estas conseqncias so, por outro lado, a elevao de Moscou, que sucede a Kiev. E sobretudo, por outro, o isolamento russo em relao ao ocidente; este isolamento apenas terminar quando a Rssia, separada dos seus vizinhos ocidentais pela sua religio ortodoxa, tiver reconquistado a sua independncia. O cisma com Roma consumou-se depois de 1056. O imprio de Bizncio deixou de existir. A Rssia, recuperada a sua independncia, encontrar-se- isolada, e considerar-se- como "a terceira Roma", herdeira de Bizncio na luta pela propagao da verdadeira f. Do ponto de vista estritamente jurdico, o domnio mongol, qualquer que tenha sido a sua durao, teve uma influncia mais negativa do que positiva. O direito russo sofreu poucas influncias do costume mongol (yassak), que nunca foi imposto ao povo russo. A ocupao mongol foi apenas um fator de estagnao das instituies jurdicas e, concorrendo decisivamente para um reagrupamento dos fiis junto de seus pastores, uma causa do desenvolvimento da influncia do clero e do direito bizantino. Algumas inovaes importantes, no entanto, surgiram durante o perodo da influncia mongol, tendo David (1954) mencionado as seguintes: um artigo da lei estipulava que as somas em dinheiro, sobre a qual versasse o litgio, no podiam ser acrescidas de juros, o que fazia supor, segundo o mesmo autor, um estado de civilizao em que o emprstimo de dinheiro era uma operao corrente. (p. 25) alm de um outro que ele aborda que o seguinte: a lei nova fixa a tarifa mnima dos salrios que devero ser pagos aos trabalhadores livres pelos empregadores, fornecendo assim um primeiro exemplo de proteo do trabalho e de dirigismo. (p. 25) Logo adiante menciona aqueles que consideram que o sistema russo administrativo, fiscal, militar foi diretamente emprestado aos mongis (p. 26), dizendo, todavia, logo em seguida que essa afirmao no aceita por todos.

3.3 O CDIGO DE 1649 O Direito russo vinha evoluindo precariamente com o texto da Russkaia pravda at que em 1649 surgiu um texto novo cognominado de Sudebnik. (4) DAVID (1954:28/29) esclarece magistralmente: No tempo da Rssia de Kiev a Igreja tinha sido o fator essencial do desenvolvimento do Direito. Aps o perodo de dominao mongol, o desenvolvimento do Direito russo vai ser dirigido, agora, pela vontade toda-poderosa dos czares autocratas de Moscou. [...] necessrio notar a importncia da religio no estabelecimento da unidade russa. Ela de natureza a aumentar a importncia do Direito Cannico na sociedade russa. No comeo, o grande prncipe de Moscou consente em respeitar os Direitos particulares das diversas provncias que lhes so sucessivamente submetidas; ele se esfora somente em apresentar esses Direitos particulares como emanando dele prprio e no como existindo em virtude de uma tradio anterior. Pelo Livro da Justia (Sudebnik) que ele promulga em 1497, Ivan III Vassilievitch se esfora assim por mostrar que ele controla tudo dentro do seu Imprio e que todas as regras ou privilgios existem com o seu consentimento; pouco importa que se tratem de regras novas ou antigas, o essencial afirmar o princpio de que mais tarde poder-se- tirar as conseqncias que ele quiser. LAMARE (1997:61) informa sinteticamente que nesse perodo foi editado um novo Cdigo: Em 1549,...foi igualmente criado um novo cdigo, o sudebnik, atravs do qual o czar d continuidade e coordenao obra administrativa do av, Ivan, o Grande. As leis se colocam a servio da unidade nacional e h uma estrita hierarquia judiciria, submetida Corte Suprema de Moscou. A eleio dos juzes feita pela comunidade, com a definio precisa de penas e delitos. Suprime-se, em se regulando, os poderes exagerados da nobreza.... Pela reforma administrativa, cria-se um mecanismo de representao, ligado ao sistema eletivo, permitindo a escolha de representantes da populao. Mais adiante a elegante jornalista (p. 61) acrescenta: As reformas atingem a Igreja, com o "Cdigo dos Cem Captulos", publicado durante o Conclio de 1551. O documento se caracteriza pela rigidez das normas de conduta, desde a obrigatoriedade do uso da barba para os homens at a regulamentao da pintura de cones. O padre Silvestre, fiel assesor do czar, escreve o "Domostroi", um conjunto de regras severas elaboradas para disciplinar a vida dos russos.

Pginas adiante (68) fala sobre o surgimento do cdigo conhecido como ulojenie: Sob o reinado de Alexei I, sucessor de Mikhail,... em 1649, a zemski sobor publica um novo cdigo, o ulojenie, que retoma o essencial do cdigo de Ivan IV e probe as migraes campesinas, fixando o campons de finitivamente terra. DAVID (1954:38) esclarece que o Cdigo de 1649 (ulojenie) era composto de 25 captulos, divididos em artigos, comportando ao todo 963 artigos, mencionando especificamente o captulo X, intitulado "da jurisdio", que apresenta normas de Direito Penal, Direito Civil, organizao judiciria e Direito Processual, estas ltimas esparsas dentro do texto, com o detalhe, afirma DAVID, de ser todo o texto redigido em russo. DAVID (1996:149) caracteriza esse perodo assim: Um terceiro perodo da histria e do direito russos vai desde o final da dominao mongol at a subida ao trono de Pedro, o Grande (1689). A Rssia continuava voltada para si prpria. Submete-se ao regime desptico dos czares para escapar anarquia e preservar a sua independncia contra as agresses vindas do Oeste; a servido instituda em 1591. A prpria Igreja, privada de todo o apoio externo, est subordinada ao czar. Cria-se a convico da onipotncia dos governantes, de cujos caprichos so feitas leis. Polcia, justia e administrao mal se distingue num regime em que sobressai uma ligao rotineira ao costume, sob reserva do arbtrio ocasional do czar, dos nobres ou administradores locais. Nenhum esforo sistemtico foi realizado, por parte dos czares, para reformar a sociedade. Quanto muito podem citar-se a esse respeito, como sintoma revelador de um esforo de reorganizao da justia, os Livros de Justia (Sudebnik) de 1497 e de 1550. Os subsdios mais importantes para a histria do direito deste perodo so as compilaes que procuram criar novas edies da Russkaia pravda e do direito bizantino (Kormtchaia). particularmente importante, neste aspecto, a obra realizada no reinado do segundo czar da dinastia dos Romanov, Alexis Mikhailovitch. Graas iniciativa desse soberano levou-se a cabo a codificao do direito laico e do direito cannico da Rssia. O primeiro encontra a sua expresso no cdigo de Alexis Mkhailovitch (Sobernoe Ulojenie) de 1649, em 25 captulos e 963 artigos. O segundo incluiu-se numa edio oficial da Kormtchaia de 1653, que substitui uma obra anterior inserida nos Cem Captulos (Stoglav) de Iv, o Terrvel (1551). 3.4 O PERODO DE PEDRO, O GRANDE, E SEUS SUCESSORES Com ou sem razo, Pedro I, foi cognominado o Grande, o mesmo acontecendo com sua descendente, Catarina II, afirmando a maioria dos historiadores que na poca desses dois czares o pas experimentou um surto de progresso como nunca tinha

ocorrido antes. Deve-se notar que nesses perodos foi grande a aproximao da Rssia em relao aos pases da Europa Central, onde, no geral, o progresso das idias sempre foi maior a partir de uma determinada poca. A obra reformadora de Pedro I chamou a ateno de todo o mundo civilizado da poca, a ponto de posteriormente VOLTAIRE ter escrito um livro sobre o reinado do famoso czar, valendo a pena conhecer o que ele disse sobre o seu trabalho legislativo: HISTRIA DO IMPRIO DA RSSIA - SEGUNDA PARTE CAPTULO XIII. Das leis Sabe-se que as boas leis so raras, mas que sua execuo o ainda menos. Quanto mais um Estado vasto e formado de diversos povos, mais difcil uni-los por uma mesma legislao. O pai do czar Pedro tinha feito redigir um cdigo sob o ttulo de "Ulojenie"; foi impresso, mas seria necessrio muito mais do que isso. Pedro tinha, em suas viagens, coletado materiais para realizar essa grande obra que absorveu influncia de vrias fontes: colheu subsdios da Dinamarca, Sucia, Inglaterra, Alemanha, Frana, tomando dessas diferentes naes tudo aquilo que convinha ao seu pas. Tinha ele uma Corte de nobres que decidia em ltima instncia os processo contenciosos; o "status" social e o nascimento era levados em conta, era necessrio que o nvel de instruo de cada um fosse valorizado: essa Corte foi extinta. Criou um cargo de procurador geral, junto do qual foram criados quatro cargos de procuradores para cada um dos setores do Imprio: eles foram encarregados de fiscalizar os julgamentos dos juzes, cujas sentenas eram encaminhadas em grau de recurso ao Senado; cada um desses juzes recebeu um exemplar da Ulojenie, com os acrscimos e mudanas necessrios, no aguardo de um futuro Cdigo. Proibiu a todos esses juzes, sob pena de morte, receber aquilo que ns chamamos de "presentes": elas so modestas entre ns; mas seria bom que isso nunca acontecesse. As grandes despesas da nossa justia so os salrios dos funcionrios, a multiplicidade dos documentos, e sobretudo o costume oneroso, nos processos, de compor as linhas de trs expresses, e gastar a fortuna das pessoas em uma quantidade enorme de papis. O czar fez questo de que as custas fossem pequenas, e a justia rpida. Os juzes, os escrives, passaram a receber seus vencimentos do Tesouro Pblico.

Isso aconteceu principalmente no ano de 1718, enquanto ele instrua solenemente o processo de seu filho, ocasio em que ele redigiu esses regulamentos. A maior parte das leis que ele editou foram inspiradas na legislao da Sucia, e ele no encarou como dificuldade admitir os tribunais os prisioneiros suecos conhecedores do direito daquele pas, e que, tendo aprendido a lngua russa, quiseram ali permanecer. As causas dos particulares devem ser ajuizadas nas suas prprias provncias; aps o primeiro julgamento pode-se apelar para o Senado, e se algum, aps ser condenado pelo Senado, pode apelar ao prprio czar, mas, mantendo o czar a condenao, o recorrente era condenado morte; mas, para temperar esse rigorismo legal, ele nomeou um funcionrio para relacionar todos os processos que tramitavam no Senado ou nos tribunais inferiores, esclarecendo sobre os casos em que a lei no era muito clara. Enfim, ele editou, em 1722, o novo cdigo, em que ele proibia, sob pena de morte, a todos os juzes de decidir de forma contrria ao cdigo e de seguir suas opinies particulares ao invs da lei. Essa ordenana terrvel foi dada ao conhecimento pblico, e aplicada ainda hoje nos tribunais do Imprio. Ele criou tudo. No havia at ento nada que no fosse obra sua. Regulamentou as classes sociais, segundo seus "status", desde o Almirante e o Marechal at o professor, sem nenhuma considerao pelo nascimento, mas sim pela competncia de cada um, querendo ensinar aos seus sditos, que a inteligncia prefervel a rvore genealgica. As classes foram assim fixadas para as mulheres, e quem quer que, numa Assemblia, tomava lugar indevidamente tinha que pagar uma multa. Para uma legislao mais til, todo militar que chegasse a oficial se tornaria nobre, e todo nobre punido pela justia perderia o ttulo de nobreza. Com a edio dessas leis e regulamentos, desenvolveu-se o comrcio, cresceram as cidades, aumentaram as riquezas, a populao do Imprio, surgiram novas empresas, criaramse novos empregos, apareceram necessariamente novos negcios e situaes imprevisveis, tudo isso em conseqncia do sucesso de Pedro na reforma geral do seu pas. A imperatriz Elisabeth completou a legislao que seu pai tinha comeado, sendo essas leis repassadas pela doura do seu reinado.

LAMARE (1997:106), que viveu na Rssia na dcada de 1990, e conhece a Histria do pas no s pelos livros, mas vendo o dia-a-dia dos russos do perodo federativo, indigna-se com o que viu e ouviu falar da dura realidade dos camponeses, (mujiques): As punies corporais faziam parte da sua rotina e eram aceitas como um mal necessrio imposto pela autoridade dos proprietrios de terra. A opresso se distinguia, de maneira geral, menos pelos abusos do pela inerente arbitrariedade por eles usada na hora de decidir sobre o trabalho e a vida do mujique. A ilustre escritora (p. 120) entusiasma-se com a viso humanstica de Catarina II, a Grande: A obra de Catarina II consideraria sua grande criao e que ela escreveu do prprio punho seria o Nakaz (5) (Instruo), tendo em vista a elaborao de um Cdigo de leis. At ento a Rssia usava o mesmo Cdigo elaborado por Alexei I, o Ulojenie, que havia sido retocado por Pedro, o Grande, por Ana Ivanovna e pela prpria Catarina. Para escrev-lo a imperatriz se inspirou em Voltaire e Montesquieu e confessava em uma carta escrita a DAllembert que havia pilhado o autor do Esprito das leis (Montesquieu) e plagiado sua obra para o bem de 20 milhes de homens. Outro que serviu de inspirao para o Nakaz foi o Tratado de delitos e penas publicado em 1764 pelo jurista italiano Beccaria.... Embora no tenha sido posto em prtica com sua publicao em 1767, o Nakaz circulou amplamente entre a elite russa, com idias sobre poltica e sociedade que circulavam nos meios europeus. A escritora brasileira (p. 127) mostra que, aproveitando a abertura poltica desenvolvida por Catarina II, Aleksandr Radichev esboou uma constituio republicana para a Rssia, que, diga-se a verdade, se no foi convertido em lei, serviu de base para elaboraes futuras. VON GRUNWALD (1978:63), falando sobre Catarina II, diz: Ela queria aplicar as idias de Beccaria, expostas no seu tratado sobre o crime e o castigo, a um povo com 90 por cento de servos uma inteno que estava condenada ao fracasso desde o incio. As suas esclarecidas ordens para a elaborao de um novo cdigo de leis conseguiram convencer Voltaire e outros filsofos franceses de que essa obra iria quebrar as correntes dos camponeses russos. Na verdade a comisso nomeada para a elaborao do cdigo, aps alguns anos de discusses inteis, desmembrou-se sem ter obtido o mnimo resultado. DAVID (1996:149/150) d notcia desse perodo assim:

O quarto perodo da histria do direito russo vai desde o aparecimento de Pedro, o Grande, em 1689 at a revoluo bolchevista de 1917. A Rssia retoma o contato com o Ocidente. Pedro, o Grande, e os seus sucessores dotam a Rssia de uma administrao do tipo ocidental; mas os seus esforos no abrangem o direito privado e, por esse motivo, so superficiais. O povo russo continua a viver segundo os seus costumes, dominado apenas por uma administrao mais eficaz, cujo poder se habitual a respeitar. Os dois grandes soberanos russos do sculo XVIII, Pedro I e Catarina II, fracassaram, ambos, no projeto de reviso do cdigo de Alxis II para adotarem, o primeiro, um cdigo de modelo sueco, a segunda um cdigo inspirado nas doutrinas da escola do direito natural. No seu livro sobre o Direito sovitico DAVID (1954) afirma: O Direito russo, no momento em que findou o sculo XVII, estava em estado lamentvel. Os documentos essenciais nos quais estava contido, Cdigo de 1649 e Kormtchaya de 1653, estavam antiquadas e desde sua data, numerosos monumentos legislativos, que no se sabia mais onde encontrar, tinham vindo modificar o Direito; a sociedade russa, de outra parte, sobretudo, depois do reinado de Pedro o Grande, tinha se transformado consideravelmente, e as regras editadas 150 anos atrs estavam, em grande parte, ultrapassadas e no convinham mais. 3.4.1 O ZVOD ZAKONOV (ou SVOD ZAKONOV) LAMARE (1997:138) diz que no reinado de Nicolau I, Speranski ensaiaria uma codificao de leis e inclusive foi editado umCdigo penal que listava crimes cometidos contra o Estado. LAMARE (1997:195) d notcia da edio do primeiro Cdigo Penal: O Cdigo de Leis de 1832, elaborado pelo ministro Speranski, terminou por ser modificado, e o resultado se transformou no Cdigo de 1845, redigido por Bludov, que no s refora o regime autoritrio czarista como passa a considerar crime qualquer tentativa de limitar os poderes do soberano. DAVID (1954) ressalta a atuao extremamente importante do conde Mikhail Speranski na elaborao tanto legislativa quanto doutrinria do sculo XIX, pois que, tendo sido encarregado pelo czar Alexandre I de elaborar um Cdigo Civil para a Rssia, redigiu um texto baseado no Cdigo Civil francs de 1804, mas, quando Napoleo invadiu a Rssia, ficou sem condies de convencer o Conselho Imperial a aceitar aquele texto, porm, j quando era czar Nicolau I, foi novamente encarregado de elaborar um Cdigo, com a advertncia clara do czar de que tal texto deveria ser apenas uma compilao do

que j existia na Rssia em termos legislativos, sem poder inovar, mas Speranski e sua equipe contrariaram essa ordem, elaborando uma compilao, porm acrescentando uma srie de regras novas, principalmente em Direito Civil. (Fica a indagao sobre que rumo teria seguido o Direito russo se Napoleo Bonaparte no tivesse invadido a Rssia e se, por via de conseqncia, Speranski tivesse conseguido concretizar seu sonho francfilo.) Tratava-se essa compilao do texto conhecido como Zvod Zakonov, em que havia uma diviso das normas de Direito Pblico e Direito Privado, sendo estas ltimas divididas em trs grupos: Direito de Famlia, Direito Patrimonial e Direito Processual, este ltimo tambm dividido em trs subgrupos: normas de jurisdio graciosa, normas de procedimento ligitioso e normas sobre execuo. Esse texto legal perdurou at 1917, sendo dividido em 8 Livros, 6.000 artigos, contidos em 15 volumes, sendo os 4 primeiros Livros versantes sobre matrias de ordem pblica, o Livro V contendo as leis civis, o Livro VI contendo as regras de Direito Comercial, o Livro VII trata do Direito Administrativo, e o Livro VIII consagrado ao Direito Penal. Posteriormente, surgiu um 16 Tomo, em 1885, promulgado pelo czar Alexandre I, que tratava das "ordenanas sobre os tribunais". DAVID termina sua abordagem sobre o Zvod esclarecendo que: A "Compilao completa" que tinha permitido a edificao de uma cincia da histria do Direito russo. Pode se dizer que a Compilao do Direito russo permitiu a edificao de uma Cincia do Direito russa moderna, fornecendo uma base slida sobre a qual os autores puderam tentar estabelecer, n Direito russo, clareza e sistema. (p. 43/50) LAMARE (1997:177) trata da edio da primeira Constituio russa: Assim foi dada a primeira Constituio e o primeiro Parlamento aos russos. Sem nenhuma convico por parte do governo, a no ser a crena de que poderia abafar o rudo surdo das ruas. O Manifesto de 30 de Outubro de 1905 transformava a Rssia de uma autocracia absoluta em uma monarquia semiconstitucional, tardiamente, para um povo no acostumado com a liberdade de conscincia, de discurso, de assemblia e de associao. DAVID (1996:150) faz um breve retrospecto do Direito russo no sculo XIX e incio do sculo XX: O movimento de modernizao do direito russo, inspirado pelo movimento francs, iniciar-se- apenas no incio do sculo XIX, no reinado de Alexandre I, com o seu

ministro Speranski. Mas a ruptura com Napoleo e a reao que se seguiu impediram seu xito, fazendo com que, no reinado de Nicolau I, se consiga apenas uma nova "consolidao" e no a codificao e modernizao do direito russo. A coletnia da legislao russa em vigor, a partir de 1832, conhecida pela designao de Zvod Zakonov. Consta de 15 volumes e 42.000 artigos, que se elevaro de 100.000 nas sucessivas edies; dois teros destes artigos dizem respeito a matrias de direito pblico. O Zvod Zakonov, pelo seu contedo ecltico, pelo seu mtodo casustico e pelo seu esprito, assemelha-se mais ao Allgemeines Landrecht prussiano de 1794 do que codificao napolenica. Nicolau I havia determinado que se procedesse ordenao e sistematizao das leis russas, mantendo inalterado o seu contedo. Estas instrues no foram, certamente, seguidas letra pelo Conde Speranski, a quem se deve o mrito desta compilao. Apesar disso, pode-se dizer que, de um modo geral, da Russkaia Pravda ao cdigo de 1649 e deste ao Zvod Zakonov de 1832, sempre uma obra de compilao e de exposio que se conclui e nunca uma obra simultaneamente de reforma e de modernizao. S na segunda metade do sculo IXX, no reinado de Alexandre II se desenvolveu um movimento liberal de reforma. Este movimento, marcado principalmente pela abolio da servido (1861) e pela reforma da organizao judiciria (1864), d Rssia um Cdigo Penal (1855 revisto em 1903), mas nunca lhe dar um Cdigo Civil, cujo projeto ser apenas estabelecido. Verdadeiramente, o Direito russo alcanou um desenvolvimento maior no sculo XIX, quando Speranski tinha todo o apoio do czar, somente no alcanando resultados mais expressivos pela sua perda de prestgio, devida, primeiramente invaso napolenica nos territrios russos, gerando a antipatia dos russos pelas idias francfilas de Speranski, e, tambm, pela intriga bem sucedida de seus adversrios polticos, ocasionando o seu exlio. A partir da, o Direito evoluiu rapidamente. DAVID (1996:150) conclui: Tal era a situao em 1917, quando se estabeleceu o regime bolchevista. 3.5 O PERODO SOVITICO Quanto aos perodos anterior e posterior revoluo socialista (antes de 1917depois de 1991) fcil entender a ideologia de um pas antes dominado pelo regime absolutista dos czares e agora vivendo o capitalismo mais declarado.

Para se conhecer o Direito de um pas que se rege por uma Constituio deve-se conhecer essa Constituio. H condies de conhecer as Constituies russas (em ingls) de: - 1918 no endereo: http://www.departments.bucknell.edu/russian/const/1918toc.html - de 1936 no endereo:http://www.departments.bucknell.edu/russian/const/1936toc.html - de 1977 no endereo: http://www.departments.bucknell.edu/russian/const/1977toc.html - de 1993 (em vigor) no Apndice deste livro (esta em portugus). Antes de se falar no Direito sovitico tem-se de conhecer o que seja o marxismoleninismo, pois essa ideologia foi o eixo em torno do qual gravitou a Direito naquele perodo. A ENCICLOPDIA JURDICA LEIB SOIBELMAN comenta sobre a concepo marxista do Direito: O marxismo no considera o direito como uma categoria ideal, objetiva, normativa ou metafsica, nem mesmo autnoma. Para o marxismo no existe filosofia ou cincia do direito, porque o jurdico no encontra explicao em si mesmo. O direito s pode ser compreendido atravs da anlise da realidade econmico-social de uma coletividade em determinada poca da histria. O que se chama "normatividade" do direito no passa de ser um reflexo das condies de vida material da sociedade, uma forma que recobre o conflito que existe em toda sociedade de classes, entre o modo de produo e as foras de produo. A luta de classes o verdadeiro motor que impulsiona a formao do direito. O direito no evolui nunca, o que evolui o modo de produo social, no se podendo falar em evoluo do direito romano, medieval ou moderno, mas to-somente em sistemas diversos de propriedade: escravido, servido, capitalismo. As transformaes sociais sempre foram seguidas servilmente pelas transformaes do direito. Todas as divergncias doutrinrias entre juristas pouco adiantam humanidade no caminho de uma justia perfeita, porque esta s ser conseguida numa sociedade sem classes, que o proletariado ir instaurar de futuro, e tambm porque essas discusses no afetam a infraestrutura social, no passam de ser ideologia de um regime de produo. No se pode descrever uma histria do direito ou fazer direito comparado, porque o direito no norma mas apenas relao entre foras de produo antagnicas. O contedo do direito nunca "jurdico", mas econmico, poltico ou social. O direito sempre uma forma desse contedo e inexplicvel sem ele. uma forma de opresso socialmente organizada, que se revela com toda clareza nos choques entre classes que pretendem o poder. a ideologia da classe dominante, sem nenhum

valor transcendental. a forma de impor a uma sociedade um determinado modo de produo. No existe justia que no seja de classe, porque a fonte de todo direito a vontade da classe dominante. Essa vontade tambm no livre, mas submetida ao jogo dialtico das foras sociais. Uma classe quando toma o poder, usa da violncia para instituir o seu direito, mas esse uso no arbitrrio, mas condicionado e determinado por imposies da prpria realidade social, e esse direito assim institudo no obedecido pela maioria por ser mais "justo" que o interior, mas porque reflete uma nova e mais adiantada acomodao entre as classes sociais. S h um momento em que o direito representa os interesses de toda a sociedade: quando a classe revolucionria toma o poder. Mas logo depois da tomada do poder, tanto pela burguesia como pelo proletariado, o direito retoma o seu carter classista. S na sociedade socialista do futuro que desaparecero tanto o Direito como o Estado, passando a haver apenas uma administrao ou governo das coisas. Direito e Estado surgiram quando a sociedade se dividiu em classes e desaparecero com a extino delas. A ditadura do proletariado, na revoluo socialista, apenas uma fase transitria que serve ao proletariado para fortalecer o seu domnio, mas como ele ir instituir a sociedade sem classes, no ter mais razo de ser a existncia do Direito e do Estado, que sempre serviram de instrumento de explorao de uma classe contra outra, e sendo ele a maioria da nova sociedade, no ir explorar a si mesmo. No tem sentido a discusso sobre Estado de Polcia e Estado de Direito na sociedade burguesa, porque nesta todo estado Estado de Polcia. Direito e Estado se identificam de forma absoluta, um no sobrevive ao outro, no h distino cronolgica entre eles. Pode haver sociedade sem Estado, mas este s surge onde existe diviso de classes. Juzes, tribunais, corpos legislativos e mtodos de interpretao da lei, no passam de instrumentos da classe dominante, esto a seu servio, sendo ilusrias todas as chamadas "tcnicas jurdicas" de aplicao do direito e todas as "garantias" de permanncia no cargo para as pessoas encarregadas de aplic-lo. B. - K. Stoyanovitch, La pense marxiste et le droit, Presses Universitaires de France. Paris, 1974. E sobre a concepo sovitica do Direito a valiosa ENCICLOPDIA afirma: O marxismo sustenta que o Estado e o Direito no passam de instrumentos de explorao das classes dominantes. Vitoriosa a revoluo de 1917, surgiram duas interpretaes sobre a natureza do direito: uma sustentava que na fase de transio da passagem do capitalismo para a sociedade sem classes, haveria ainda um direito que, embora destinado a servir ao proletariado, conteria ainda muitos aspectos burgueses, e estaria destinado a desaparecer: outra dizia que o regime sovitico j significava por si mesmo o fim do direito burgus, importando numa "revoluo permanente" ou na instaurao de uma "legalidade revolucionria". A primeira concepo foi defendida por Stucka e Pasukanis. Stucka, considerando que o direito sovitico logo aps a revoluo no podia refletir uma sociedade

socialista, que ainda no existia, definiu o direito como sendo um sistema de relaes sociais, ou forma de organizao social correspondente aos interesses da classe dominante, relegando a plano totalmente secundrio a vontade do legislador, o carter normativo do direito. J Vishinsky deu importncia a este ltimo fator ao definir o direito como conjunto de regras legislativamente estabelecidas e sancionadas pelo poder estatal para desenvolver as relaes sociais vantajosas para a classe dominante. B. - Mrio A. Cattaneo, El concepto de revolucin en la cincia del derecho. Depalma ed. Buenos Aires, 1968; E.B.Pasukanis, La thorie gnrale du droit et le marxisme. Ed. Paris, s.d.; Stucka, La funcin revolucionaria del derecho y del Estado. Ed. Pennsula. Barcelona, 1969. Sobre democracias autoritrias (totalitrias ou fechadas) diz a referida ENCICLOPDIA: Forma de governo que reconhece que todo poder emana do povo, mas na qual no existe diviso de poderes e reconhecimento de direitos individuais, e uma nica classe ou partido fala em nome de todo o povo, identificado este como proletariado. Foi depois da Segunda Guerra Mundial que surgiram as "democracias autoritrias" representadas pelas democracias populares ou marxistas, dos pases que desde ento ficaram sob o domnio da Unio Sovitica, constituindo a chamada "cortina de ferro". O nazismo e o fascismo eram regimes abertamente autoritrios mas nunca se intitularam de democracia de qualquer tipo. Pelo contrrio, viam no regime democrtico o maior inimigo a enfrentar, e identificavam este regime com capitalismo, plutocracia, liberalismo e outros "ismos" que pretendiam derrubar para substituir por uma "nova ordem" que a histria se encarregou de enterrar. Onde no existe controle do poder pelo judicirio ou por algum outro rgo da soberania nacional, onde no existe o habeas-corpus funcionando sem restries de qualquer tipo, onde no se observa o princpio da reserva legal (V.), onde s existe um nico partido, no existe regime democrtico, sendo um assunto totalmente diferente saber se o regime democrtico o nico que resolve os problemas polticoeconmicos de uma coletividade ou o que melhor resolve. Uma coisa a classificao de um regime, outra o seu grau de eficincia. Existe democracia e existe autoritarismo, perfeitamente definidos e caracterizados. O que no pode existir uma mistura feliz dos dois regimes. Sem diviso de poderes e sem participao do povo nas decises governamentais, pode haver tudo menos democracia. V. autoritarismo. Para entender-se como o governo socialista encarava o Direito s verificar o que Karl Marx pregava em 1849, segundo a referida ENCICLOPDIA: "A sociedade no se alicera no direito. Isso uma fico legal. Pelo contrrio, o direito que tem a sua base na sociedade. Deve exprimir os interesses e as necessidades da

sociedade, que so resultado dos mtodos materiais de produo. Quanto ao cdigo de Napoleo, no foi este que engendrou a sociedade civil. Esta sociedade que surgiu no sculo XVIII e se desenvolveu no sculo XIX, encontra no cdigo unicamente a sua expresso legal. To depressa semelhante cdigo deixe de corresponder s condies sociais no mais do que papel intil". Karl Marx, defendendo-se perante os jurados de Colnia (Alemanha), em 1849. DAVID (1996:155) esclarece com clareza solar: Rica em estudos filosficos, histricos, econmicos e polticos a doutrina marxista pobre em estudos jurdicos; os estudos do "direito socialista", na medida em que ele existe, so suspeitos, porquanto so geralmente obra de autores que no so comunistas bolchevistas, e que tm por objetivo a edificao do socialismo por um processo evolutivo e no atravs de uma ditadura do proletariado. Neste contexto, deve ser estabelecida uma doutrina, ainda que de um modo bastante emprico, com a colaborao de juristas, mas sob o impulso e de acordo com os princpios estabelecidos pelos dirigentes polticos, principalmente por Lenin. O desenvolvimento do direito sovitico, a partir de 1917, admite duas fases distintas. A primeira vai desde a Revoluo de outubro at 1936: a fase da edificao do socialismo. A segunda comea em 1936 e ainda perdura: a fase da consolidao do Estado socialista e da evoluo para o comunismo. REALE (1970:101/102) afirma em palavras candentes: Na concepo do Direito, tal como nos oferecido pelos tratadistas soviticos, o fator "econmico" perde o seu primitivo e denso significado de elemento compreensivo da histria, entendida como a experincia vital para reduzir-se a algo de material posto ou recebido "ab extra", como puro fato emprico, do qual defluiriam, por meros nexos causais, as chamadas "super-estruturas" sociais, jurdicas e polticas. A bem ver, o fator econmico extrapolado do processo histrico-social para passar a valer por si mesmo como causa determinante de todo o sistema legislativo. a razo pela qual no se poder ver uma diferena essencial entre a concepo do direito dos juristas soviticos e as mltiplas formas de empirismo jurdico aparecidos no Ocidente, e por eles to duramente criticadas. No obstante contnua invocao da dialtica de Marx, o que se nota na Rssia, uma pura instrumentalizao do direito, reduzido a um conjunto de dispositivos de

cunho por assim dizer "administrativo, tendente a assegurar a realizao de planos polticos apresentados como sendo a expresso dos interesses do proletariado. Em ltima anlise, na URSS, "Direito aquilo que o Estado sovitico diz que ", tendo com valor fundante um campo de interesses econmico polticos pintado como sendo a expresso das aspiraes dos trabalhadores. Trata-se, por conseguinte, de uma concepo totalitria do Direito, que envolve uma rigorosa posio de "estatalismo jurdico", tal como resulta desta definio, adotada pelo Instituto do Direito da Academia das Cincias de Moscou: "O direito o conjunto de regras de conduta que expressam a vontada da classe dominante, estabelecidas em ordenamento jurdico, assim como dos costumes e regras da vida da comunidade, confirmadas pela autoridade do Estado, cuja aplicao garantida pela fora coercitiva do Estado, a fim de proteger, assegurar e desenvolver as relaes e disposies sociais vantajosas e convenientes classe dominante". HESPANHA (1997:218/219) diz sobre o que sejam as "escolas crticas do direito", esclarecendo sobre a escola socialista do Direito: As aqui denominadas escolas crticas tm como assuno fundamental a de que as normas jurdicas no constituem proposies universais, necessrias ou, sequer, politicamente neutras. Pelo que, antes de tudo importa compreender o funcionamento do direito (e do saber jurdico) em sociedade, para desvendar os seus compromissos sociais e polticos, bem como a violncia e discriminao a ele inerentes. Quanto ao que seja o "sociologismo marxista clssico no domnio do direito" HESPANHA (p. 219) diz o seguinte: Marx no foi um jurista, nem sequer se dedicou especialmente crtica do direito. Foi, isso sim, um cientista social ou pensador poltico que, nos quadros de uma interpretao global da sociedade, fortemente crtica do "status quo", se pronunciou tambm sobre o direito. Para Marx, o direito no seria algo de natural ou de ideal, mas antes uma ordem socialmente comprometida, um instrumento de classe, conforme afirmativa do mesmo autor, p. 220. Mais adiante, continua o mesmo doutrinador: Mais tarde, a partir de 1917, com o advento da U.R.S.S., criou-se a um direito que protegia os interesses que o Partido Comunista definia como sendo os das classes trabalhadoras e que, em contrapartida, sujeitava os "inimigos de classe" "ditadura do

proletariado". O direito passa a ser entendido como uma arma poltica ao dispor da classe operria e dos seus aliados na luta pela construo do socialismo. Este carter instrumental do direito que identificava a justia com a utilidade poltica conjuntural foi sobretudo enfatizado durante o estalinismo (1924-1953; ps-estalinismo, 1954-1988), tendo sido teorizado pelo ento procurador geral do Estado sovitico, a A. Vychinski (1883-1954). Quanto s alternativas no plano "da forma", a insistncia no carter burgus das caractersticas da generalidade e abstrao da norma jurdica fez com que se tendesse para considerar o direito que, na sua forma contempornea, se caracterizava justamente por ser constitudo por normas (e categorias doutrinais) gerais e abstratas como um modelo burgus de regular a sociedade. Isto explica a desconfiana dos regimes socialistas perante qualquer formalizao jurdica genrica e a preferncia por uma regulao casionista e decisionista baseada em diretivas concretas, pontuais,

provenientes da ponderao poltica de cada situao individual. A tantas vezes referida ausncia de uma "legalidade socialista" explica-se, do ponto de vista terico, por esta recusa de uma normao geral que era associada pelos marxistas a um direito historicamente ultrapassado. Embora tambm se relacione com a concepo, j antes referida, de que o direito, a existir nos Estados socialistas devia ter sempre um carter puramente instrumental em relao poltica, ao julgamento de oportunidade por parte do Estado. E, sendo assim, o fato de este julgamento ser feito casuisticamente i. e., sob a forma de uma diretiva poltica ou de forma genrica i. e., sob a forma de uma norma legal genrica e abstrata constitua um detalhe pouco relevante. (p. 222) Tratando do "marxismo ocidental dos anos 60", HESPANHA mostra que os excessos do marxismo-leninismo foram sendo reconhecidos e caindo por terra: O marxismo ocidental distanciou-se claramente a partir dos finais da dcada de 60, do determinismo economicista que caracterizava o marxismo "oficial" da Terceira Internacional. O Estado e o direito seriam, decerto, quando globalmente considerados, instrumento de classe servindo os interesses globais dos grupos dominantes. A sua funcionalizao poltico-social no seria, porm, absoluta. A sociedade era irremediavelmente complexa e mesmo contraditria. As classes dominantes no conseguiam estender o seu domnio a todos os recantos da vida social. Existiam sempre espaos sociais quer no domnio das relaes scio-polticas, quer no domnio das representaes e do imaginrio social -, espaos dominados por lgicas diferentes e contraditrias com os interesses e mundivivncias dominantes. A prpria

existncia do movimento operrio e das suas organizaes polticas em plena sociedade capitalista, ali estavam para prov-lo. [...] O sistema social global seria determinado pelo "econmico", mas

"sobredeterminado" (i.e., suplementarmente, ulteriormente, localmente determinado) pelas relaes sociais especficas que se desenvolveriam em cada um dos restantes nveis da prtica humana. (p. 223) Mais adiante acrescenta: No domnio jurdico, esta corrente de idias valoriza de novo o direito, permitindo encar-lo, no apenas como um reflexo inerte das determinaes econmicas, mas como um nvel autnomo, que devia ser explicado em si mesmo (e no a partir das determinaes sociais, polticas ou econmicas) e a partir do qual se podia influir no desenho das relaes sociais e polticas. (p. 224) Falando especificamente da "crtica do direito", complementa: Tambm o direito o resultado de uma produo arbitrria, local, histrica, de grupos sociais. Mas, para alm disso, ele tambm um instrumento de construo de representaes (o sujeito de direito, o contrato, a propriedade, o Estado), de categorias (o louco, o criminoso, a mulher, o negro) e das hierarquias sociais correspondentes. A funo da crtica do direito , por um lado, desvendar os impensados sociais que esto na raiz das representaes jurdicas, desmitificando os pontos de vista de que o direito uma ordem nacional, neutra e fundada objetivamente na realidade social (i.e., na natureza das coisas). Mas, por outro lado, compete crtica do direito revelar os processos por meio dos quais o direito colabora na construo das relaes de poder. De que modo, por exemplo, contribuiu para criar a imagem social da mulher como ser fraco, menos capaz e subordinado que fundamenta os processos sociais de discrimao social (Teresa Beleza). Ou de que modo contribuiu para criar a realidade social do "louco" ou do "criminoso" e os processos sociais da sua marginalizao (M. Foucault). Ou, finalmente, de que modo a fixao da ateno na coero jurdica e estadual (i.e., a idia da centralidade do direito e do Estado) ocultam a violncia das formas "doces" de disciplinamento como a famlia, os crculos de amizade, o envolvimento afetivo, o saber, a assistncia pblica. (p. 225/226). COMPARATO (2001:184/186) mostra o que aconteceu na URSS, quando, valorizando-se aparentemente as classes sociais menos favorecidas, desrespeitou-se os Direitos Humanos:

Entre a Constituio mexicana e a Wemarer Verfassung, eclode a Revoluo Russa, um acontecimento decisivo na evoluo da humanidade no sculo XX. O III Congresso Pan-Russo dos Soviets, de Deputados Operrios, Soldados e Camponeses, reunido em Moscou, adotou em 4 de janeiro de 1918, portanto, antes do trmino da 1 Guerra Mundial, a Declarao dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado. Nesse documento so afirmadas e levadas s ltimas conseqncias, agora com apoio da doutrina marxista, vrias medidas constantes da Constituio mexicana, tanto no campo socioeconmico quanto no poltico. No Captulo II afirma essa Declarao de Direitos: "1 - A fim de se realizar a socializao da terra, abolida a propriedade privada da terra; todas as terras passam a ser propriedade nacional e so entregues aos trabalhadores sem qualquer espcie de indenizao, na base de uma repartio igualitria em usufruto. As florestas, o subsolo e as guas que tenham importncia nacional, todo o gado e todas as alfaias, assim como todos os domnios e todas as empresas agrcolasmodelos passam a ser propriedade nacional. 2 - Como primeiro passo para a transferncia completa das fbricas, das usinas, das minas, das ferrovias e de outros meios de produo e de transporte para a propriedade da Repblica operria e camponesa dos Sovietes, o Congresso ratifica a lei sovitica sobre a administrao operria e sobre o Conselho Superior da Economia Nacional, com o objetivo de assegurar o poder dos trabalhadores sobre os exploradores. 3 - O Congresso ratifica a transferncia de todos os bancos para o Estado operrio e campons como uma das condies de libertao das massas laboriosas do jugo do capital. 4 - Tendo em vista suprimir os elementos parasitas da sociedade e organizar a economia, estabelecido o servio do trabalho obrigatrio para todos. 5 - A fim de assegurar a plenitude do poder das massas laboriosas e de afastar qualquer possibilidade de restaurao do poder dos exploradores, o Congresso decreta o armamento dos trabalhadores, a formao de um Exrcito vermelho socialista dos operrios e camponeses e o desarmamento total das classes possuidoras". Mas a, como se v, j se est fora do quadro dos direitos humanos, fundados no princpio da igualdade essencial entre todos, de qualquer grupo ou classe social. Desde o

seu ensaio juvenil "Sobre a Questo Judaica", publicado em 1843, Marx criticou a concepo francesa de direitos do homem, separados dos direitos do cidado, como consagradora da grande separao burguesa entre a sociedade poltica e a sociedade civil, dicotomia essa fundada na propriedade privada. Os direitos do homem no passariam de barreiras ou marcos divisrios entre os indivduos, em tudo e por tudo semelhantes aos limites da propriedade territorial. E os do cidado, sobretudo numa poca de sufrgio censitrio, nada mais seriam do que autnticos privilgios dos burguses, com excluso da classe operria. Na sociedade comunista, cujas linhasmestras foram esboadas no "Manifesto do Partido Comunista", cinco anos mais tarde, s os trabalhadores tm direitos e s eles constituem o povo, titular da soberania poltica. Vale a pena conhecer um ponto especfico do Direito russo do perodo socialista. Trata-se do Direito Processual Civil. O incomparvel CAPPELLETTI (2001:22/23), falando sobre esse ramo do Direito da Unio Sovitica, comea por afirmar a publicizao acentuada se comparar-se com o Processo Civil dos demais pases tanto de common law quanto de civil law. Preocupado com os interesses pblicos, o legislador sovitico entendia que a rea de interesse dos particulares era secundria, o que influenciou inclusive o Direito Processual. Talvez a caracterstica mais peculiar do Direito Sovitico seja justamente essa da publicizao de todos os seus ramos: Nos pases da Europa Oriental, e em geral nos pases comunistas, o processo civil tornou manifesto um fenmeno que no novo na Histria o mesmo j se havia manifestado, por exemplo, na Prssia de Frederico o Grande -, isto , o fenmeno de sua progressiva "penalizao" (os juristas alemes a denominaram, com preciso,

Poenalisierung ds Zivilprozesses), em virtude da qual este veio a assumir cada vez mais acentuadamente as mesmas caractersticas, ou caractersticas anlogas s do processo penal. A ENCICLOPDIA JURDICA LEIB SOIBELMAN aborda essa publicizao com o nome de "penalizao do Processo Civil": Foi o grande processualista uruguaio Couture quem usou esta expresso, para significar o moderno fenmeno da reaproximao dos dois processos, o civil e o criminal, com preponderante influncia deste ltimo. Historicamente, os dois processos se separam de forma a ficar o processo penal com carter pblico e inquisitivo e o processo civil a ser acusatrio e depender da iniciativa das partes na produo de provas. Hoje j h uma reao, considerandose que a ao civil tambm tem um interesse pblico, podendo o juiz determinar provas de ofcio e apreci-las livremente, salvo quando a prova no possa ser feita seno por atos solenes,

pleiteando-se tambm tenha o juiz a faculdade de declarar de ofcio as excees, excluindo-se uma ou outra como a de prescrio ou compensao. A Rssia sovitica foi quem atirou mais longe essa matria, admitindo que o juiz pode sentenciar contra o interesse das partes, o que alis est em perfeita consonncia com a estrutura daquele regime. Nota-se ento que h em caminho uma tendncia para que tambm no processo civil o juiz se aproxime da verdade real. (V.). B. - Hernando Devis Echandia, Nociones generales del derecho procesal civil. Aguilar ed. Madri, 1966. Mais adiante, CAPPELLETTI afirma (25/26): A execuo forada pode ser em alguns casos indicados pela lei, promovida ex officio pelo competente tribunal. A concepo que constituiu a base desta, que aos olhos dos juristas ocidentais certamente uma forte anomalia, resulta, alm do mais, muito simples: dado que tambm os direitos de crdito no correspondem mais ao indivduo enquanto tal, mas a ele enquanto membro de um determinado grupo social, nega-se, ento, que o credor seja livre para executar ou no exercitar aqueles direitos conforme lhe agrade. Ele "est forado" a exerc-lo, do mesmo modo que um empregado pblico est forado a desenvolver suas prprias funes; se no as desenvolver, ser o prprio Estado que, por intermdio de seus rgos, intervir e substituir o empregado negligente. Em outras palavras, todo cidado, nesta concepo integralista, considerado sempre, em certo sentido, um funcionrio pblico no mbito da "organizao socialista"; e seus atos, mesmo aqueles que na concepo "ocidental" tm natureza absolutamente individual privada, so legtimos apenas enquanto se inserem nas finalidades (de planificao econmica etc) da prpria organizao. Havia a possibilidade do juiz reconhecer de ofcio a prescrio, sem questionar se isso representa a vontade das partes ou no. Quanto a esse reconhecimento de ofcio afirma CAPPELLETTI, referindo-se ao art. 82 do Cdigo de Processo Civil da Repblica Socialista Federativa Sovitiva da Rssia (p. 28). Outra peculiaridade a do artigo 195 do Cdigo de Processo Civil russo, que prev a possibilidade de julgamentos ultra petita em determinadas circunstncias: "o tribunal pode ultrapassar os limites das demandas apresentadas pelo autor", se isso for necessrio para a defesa dos direitos e interesses legtimos das instituies estatais, das empresas, das fbricas coletivas e das outras cooperativas, ou dos cidados. (pp. 29/30). Menciona tambm uma afirmao de Ren DAVID: "os tribunais civis requeridos pelas partes ou pelo Ministrio Pblico no se limitam a ouvir os argumentos das partes e a decidir sobre suas demandas; conhecem o conjunto do negcio, que se esforam em

esclarecer em benefcio das partes, e pode, inclusive, se for o caso, decidir ultra petita".(p. 30) CAPPELLETTI fala do recurso de cassao, do recurso do Ministrio Pblico e da reapreciao de ofcio das sentenas: O artigo 294 do cdigo de procedimento civil da RSFSR dispe, com efeito, que, "ao se tratar a causa no processo de cassao, o tribunal, com base nos atos da causa e dos materiais interiores apresentados pelas partes e pelas outras pessoas que participam na causa, controla se a deciso do tribunal de primeiro grau est conforme a lei e aos fatos, quer seja relativamente s partes impugnadas da sentena, quer seja relativamente s partes no impugnadas, como tambm em relao s pessoas que no impugnaram". Existe, alm do mais, junto ao juzo de cassao, outros dois meios de impugnao aos quais pode recorrer diretamente pela prpria iniciativa: o Ministrio Pblico ou diretamente o prprio rgo jurisdicional. Quanto ao novo exame de ofcio, o doutrinador diz: o segundo uma espcie de "novo exame" ou de "controle", efetuado por parte dos Supremos Tribunais locais ou da prpria Suprema Corte Federal, das sentenas mesmo civis transitadas em julgado, a fim de verificar se as sentenas impugnadas dessa forma esto "conforme a lei e aos fatos" (artigo 327 do cdigo de procedimento civil da RSFSR cf. artigo 254, b, do cdigo russo de 1923, que previa tal "controle" para as sentenas que tivessem perpetrado "uma violao particularmente grave das leis vigentes ou dos interesses do Estado, dos trabalhadores e dos camponeses ou das massas

trabalhadoras"). Este "novo exame" no pode acontecer nunca por requerimento dos sujeitos privados mas sempre por requerimento do Ministrio Pblico ou dos rgos judiciais, como o presidente de uma Suprema Corte de uma Repblica federada ou o Presidente da Suprema Corte Federal[...]. interessante mostra, alm do mais, que, da mesma forma, com respeito cassao, assim tambm com respeito a este outro no meio extraordinrio de impugnao, a lei estabelece que o tribunal desenvolva seu "controle", "quer seja sobre os extremos impugnados da sentena, quer seja sobre aqueles no impugnados com eficcia tambm com respeito s pessoas no mencionadas no ato de impugnao" (artigo 327 do cdigo de procedimento civil de 1964). (p. 31/32) CAPPELLETTI fala na obrigao do juiz de emitir ex officio as providncias cautelares oportunas para garantir a execuo da sentena pronunciada. (p. 59) Alm dos deveres de lealdade e probidade das partes e seus procuradores no processo previa-se o "dever de verdade", conforme afirma CAPPELLETTI:

Dever da parte (e de seu defensor), por no alegar fatos que saiba que sejam falsos, e de no negar fatos (alegados pelo adversrio) que saiba que so verdadeiros. (p. 62) Dada uma noo geral sobre todo o perodo socialista, passemos a informar sobre cada um dos perodos em que DAVID o divide para finalidades didticas. 3.5.1 O PERODO DE 1917 A 1936 LAMARE (1997:197) noticia a edio da segunda Constituio russa, a de 1918, j com o pas sob o regime socialista, quando, em julho do mesmo ano, uma nova constituio seria promulgada pelo novo regime. Sobre o sistema eleitoral implantado por essa Constituio LAMARE (1997:200) afirma: Os soviets locais so eleitos pelo sufrgio universal que seria limitado, unicamente, aos cidados cujas rendas fossem provenientes do seu trabalho. Esses Soviets locais elegeriam os deputados do Congresso dos Soviets que delegaria os poderes ao Comit executivo Central que, por sua vez, era incumbido de escolher os membros do governo, o Sovnarkom. LAMARE (1997:214) noticia dois acontecimentos significativos desse perodo: o primeiro que foi a constituio formal da URSS, em 1922, e o segundo a Constituio de 1924, que seria a terceira na seqncia e a primeira da URSS. LAMARE (1997:222) d notcia da edio da Constituio seguinte: a de 1936: A Constituio de 1936 consolidou a situao representativa das nacionalidades, criando uma Cmara Legislativa Alta, o Conselho das Nacionalidades (ou Soviete), no qual as repblicas autnomas poderiam contar com onze delegados, as regies autnomas com cinco e os distritos nacionais com um delegado. Mais adiante, a ilustre historiadora faz mais algumas observaes sobre essa Constituio: Por ela, os cidados soviticos tinham assegurados os seus direitos civis como nas mais