a jogar é que a gente aprende - expresso 2264, pp. 44-49

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E 44 Com a ‘gamificação’ do ensino, os alunos tornam-se jogadores, as aulas desafios, há pontos e medalhas. Motivar é o grande objetivo. Em Portugal já se experimenta a jogar é que a gente aprende

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"Com a 'gamificação' do ensino, os alunos tornam-se jogadores, as aulas desafios, há pontos e medalhas. Motivar é o grande objetivo. Em Portugal já se experimenta."Artigo no caderno E do jornal Expresso de 19 de março, sobre o projeto de informatização do pré-escolar ao 12.º ano no agrupamento EscolaGlobal, em Santa Maria da Feira.

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Com a ‘gamificação’ do ensino, os alunos tornam-se jogadores, as aulas desafios, há pontos e medalhas. Motivar é o grande objetivo. Em Portugal já se experimenta

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Nmotivadores para os seus utilizadores (que podem passar uma noite em claro em frente a um computa-dor ou uma consola) e transportar essas característi-cas para contextos não lúdicos. Na Educação ou em quaisquer outros em que a motivação e a necessi-dade de promoção de determinados comportamen-tos são essenciais”, descreve Jorge Simões, profes-sor do Instituto Superior Politécnico de Gaya e com um doutoramento em “Gamificação da Educação”.

À falta de designação oficial, tem-se recorrido a esta tradução à letra do termo em inglês que sur-giu na transição do século XX para o atual mas que apenas começou a aparecer com maior frequência a partir de 2010, dizem os números de pesquisas no Google, citados por Jorge Simões.

A sala de aula do 8º C, em Setúbal, é a melhor forma de perceber o que já está a mudar em algu-mas escolas. ”No 1º período dei aulas de uma forma muito tradicional. No 2º, mudei completamente, levando-os muitas vezes à Sala de Aula do Futuro (um espaço onde não há carteiras, mas mesas in-terativas, sensores, computadores e puffs coloridos e onde o que está em jogo é a criatividade e capaci-dade de investigação, produção e apresentação dos alunos). No fim das aulas aplico quizzes. Ainda não dei as notas, mas sei que os resultados vão melho-rar entre 30% a 40%. Porque eles estão muito mais atentos e mais envolvidos nas atividades. Mesmo os alunos que tinham maus comportamentos e que achavam que a escola não fazia sentido e que a ava-liação era uma ‘chatice’”, diz o professor que em 2014 levou para aquela secundária a primeira Sala de Aula do Futuro a funcionar num estabelecimen-to de ensino em Portugal. O modelo é um original belga, produzido pela rede European Schoolnet.

A sala de aula em forma de ‘autocarro’, com um professor a seguir uma rota predefinida e todos os alunos atrás, sentados em filas, numa viagem que não se desvia do previsto, já não serve as necessi-dades dos jovens de hoje, acredita Carlos Cunha, de 49 anos. “No nosso tempo tínhamos uma TV com

dois canais que funcionavam durante um determi-nado período. Não tínhamos quase mais nada para ocupar o tempo. A escola era mais do que uma obri-gação. Era o nosso passatempo, era onde víamos os amigos. Agora têm coisas bem mais interessantes para fazer do que ouvir um adulto durante 90 mi-nutos, três vezes por manhã. A indisciplina na sala de aula tem uma origem: acontece quando as me-todologias que utilizamos não lhes interessam nem correspondem aos seus tempos de concentração.”

TRAZ O TEU TELEMÓVELNa competição entre a escola e o resto do mun-do — a PlaySation 4, o YouTube, o Facebook e o Snapchat, os telemóveis, os downloads de músicas e filmes e todo o mundo dentro da internet — já se sabe quem fica a perder. São tempos difíceis para a escola, com toda uma geração que já nasceu rode-ada de tecnologia e que foi sujeita a estímulos com-pletamente diferentes dos seus professores, pais ou até irmãos mais velhos. “Está mais do que provado que estes miúdos aprendem de forma diferente. E o ensino tem de se adaptar para evitar o abandono e melhorar o sucesso destes nativos digitais. Não é só distribuir computadores Magalhães pelas escolas. É preciso mudar a formação dos professores e as prá-ticas de ensino”, defende Vânia Neto, diretora para a Educação na Microsoft Portugal.

inguém gosta de perder, nem a feijões. Carlos Cunha, professor de Física e Química, sabe-o bem, e sabe ainda melhor que a lógica se pode aplicar aos alunos que tem à sua frente. No último perío-do, com os estudantes do 8º C da secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, começou a recorrer de forma intensiva a estratégias de ensino que pas-sam por jogos e competições. Às vezes individuais, com todos os alunos a tentar terminar a prova em 1º lugar e a ver o seu nome no pódio. Outras em que o esforço que se pede é conjunto. Se os elementos de uma equipa não fazem bem o trabalho, retiram pontos ao coletivo da turma. Ganhe quem ganhar, o professor já é um vencedor.

A estratégia tem um nome: “gamification” (‘ga-mificação’). Começou a ser aplicada ao mundo das empresas como forma de motivar e envolver os tra-balhadores, passou para as técnicas de marketing, com os programas de fidelização (provavelmente, nunca lhe deu um nome, mas pense nas vezes em que tentou ganhar mais carimbos no cartão de ham-búrgueres ou mais milhas numa companhia aérea para atingir o estatuto de cliente gold), e tem con-quistado adeptos no mundo do ensino. “O que se pretende é descobrir o que torna os videojogos tão

TEXTO ISABEL LEIRIA FOTOGRAFIAS RUI DUARTE SILVA

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Todos os anos, a multinacional, que obviamen-te também tenta entrar dentro das escolas, divulga uma lista dos professores mais inovadores do mun-do. Entre os 3700 eleitos de 2015, estão 57 portu-gueses (o quíntuplo do ano anterior). E entre eles encontra-se Carlos Cunha. O professor de Física e Química não deitou fora o quadro e os livros nem fez tábua rasa de séculos de uma forma de ensinar que se mantém quase inalterada até aos dias de hoje. Mas acrescentou elementos novos.

Agora, em quase todas as aulas, utiliza o “Kahoot”, que não é mais do que um jogo tipo quizz, ao qual os alunos respondem usando o seu próprio telemóvel. Quem não tem recorre ao ta-blet da escola. E aqui entra uma outra estratégia de aproximação entre o apetecível mundo exterior e a escola, ao permitir que os alunos utilizem os seus gadgets. Não se proíbem telemóveis, aplica-se o princípio “bring your own device (BYOD)”, isto é, os seus dispositivos são bem-vindos.

O “Kahoot” foi lançado em 2013, é de acesso li-vre e permite criar questionários que servem para ver se os alunos aprenderam ou não uma matéria. “Posso dar uma aula sobre as características do sol e no final aplico o ‘Kahoot’ para ver se adquiriram alguma coisa ou se aqueles 90 minutos foram pouco aproveitados. Tem sido uma ferramenta fantástica para avaliar os conhecimentos e corrigir estratégias.

Os alunos estão mais atentos e envolvidos nas ativi-dades porque querem efetivamente ganhar o jogo. Cada resposta certa vale mil pontos. Cada segun-do de atraso retira-lhes 10. No final vencem os que responderam a mais perguntas de forma correta e em menos tempo”, com os nomes a aparecerem no placard.

Alunos que se tornam jogadores, aulas que são desafios, trabalhar para ganhar pontos, subir de ní-vel, receber medalhas e outros prémios, conseguir os scores mais altos e entrar no quadro de líderes, interagir com outros em rede, receber feedback em tempo real sobre o desempenho... Estas são algu-mas das transformações que ocorrem quando se entra na ‘gamificação’ do ensino. O objetivo é sem-pre o mesmo: envolver e motivar os alunos para a aprendizagem.

“Quero falar-vos sobre videojogos — sim, mes-mo os videojogos violentos — e dizer-vos algumas coisas positivas acerca deles.” Assim começa o li-vro “What videogames have to teach us about lear-ning and literacy”, escrito em 2003 por James Paul Gee, um psicolinguista que tem abordado o porquê do sucesso dos grandes jogos comerciais. Tal como tantos outros pais, Gee tinha um filho que gostava de jogar no computador. Entre os seus jogos pre-feridos estava “Pajama Sam”, em que uma criança com poderes de super-herói enfrenta o seu armá-rio para tentar perder o medo do escuro. Também ele começou a jogar e a perceber que se tratava de um jogo relativamente longo e desafiante, mesmo para um adulto. Mas isso não impedia o seu filho de 4 anos de dedicar-se afincadamente à tarefa.

“Não seria fantástico se os miúdos também es-tivessem disponíveis para investir tanto tempo em tarefas na escola e ainda por cima gostassem?” A pergunta não saiu da cabeça de James Paul Gee. Desde então, passou ele próprio a assumir o papel de jogador e a tentar perceber porque é que tantas pessoas estavam dispostas a gastar tempo e dinhei-ro em videojogos e a descodificar os mecanismos

A tecnologia serve para aprendermos com mais sentido. Em vez de se decorar a matéria, compreende-se; em vez de se acreditar às cegas, intui-se

“MINECRAFTEDU” A Secundária de Vilela é uma das 10 mil escolas em todo o mundo a usar o jogo e os seus mundos virtuais no ensino. Informática, História e Geografia são algumas das disciplinas trabalhadas

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cognitivos que ocorrem quando alguém tenta des-cobrir um tesouro escondido ou eliminar um ini-migo. Um dos aspetos que o psicolinguista defen-de é que se o ensino formal permitir que sejam os alunos a construir o conhecimento, tal como se faz num jogo em que os jogadores têm de perceber o que é preciso fazer e arriscar para passar de nível, a aprendizagem seria mais significativa e evitaria a frustração que muitos sentem nos ambientes de en-sino mais tradicionais.

COMPREENDER EM VEZ DE DECORARLeonel Morgado, professor da Universidade Aberta e investigador do INESC TEC, é um entusiasta destes processos. “Dizer que a escola não se deve fechar ao mundo em que vivem as crianças e os jovens e que por isso devem ser usados a informática e os video-jogos é um bom argumento. Mas, para mim, a gran-de riqueza que decorre da utilização desses meios é a de conseguirmos dar vida e significado concretos a conceitos que de outra forma seriam apenas abs-trações, princípios que conhecemos só da leitura.” Os exemplos são os mais variados.

“Posso criar um bosque virtual, pôr lá coelhos e raposas, definir regras de alimentação e reprodu-ção e ver emergir destas regras simples gráficos de

população dos modelos biológicos predador-presa. Uma criança pode sentar-se numa cadeira de ro-das e experimentar a frustração de não alcançar um terminal de multibanco. Posso estudar epidemias de doenças face a determinados condicionantes. A matemática, a ética, a política, a cidadania deixam de ser abstrações e transformam-se em coisas que criamos, vivemos, constatamos e regulamos.” Em vez de se decorar a matéria, compreende-se; em vez de se acreditar às cegas, intui-se. “A tecnologia não serve para nos permitir fazer as coisas mais de-pressa, mas para aprendermos com mais sentido.”

Leonel Morgado é também um dos supervisores científicos do projeto que arrancou este ano no gru-po EscolaGlobal, instituição que detém o Externa-to Paraíso dos Pequeninos e o Colégio das Terras de Santa Maria, em Santa Maria da Feira. “Queremos oferecer o que achamos que é o melhor para o fu-turo deles e apostar em competências que não es-tavam a trabalhar muito: trabalhos em grupo, de-senvolvimento de projetos, aprendizagem imersiva das línguas”, enumera o diretor, Nuno Moutinho.

Para começar, cada um dos 600 alunos, do pré--escolar ao secundário, recebeu um tablet ou um notebook — os pais foram chamados a fazer um re-forço das mensalidades para compensar o investi-mento. Alguns (à volta de um por cento) optaram por tirar os filhos do colégio por acharem que já passavam demasiado tempo em frente ao computa-dor. Negar que o problema existe seria um absurdo. Mas Nuno Moutinho põe a questão ao contrário: “É verdade que passam muitas horas. Mas não para o

usar como objeto pedagógico, que permite pesqui-sar, trabalhar em grupo, comunicar com professo-res e alunos de outras escolas, mesmo do estrangei-ro. É absurda a ideia de que um livro é mais impor-tante do que um computador.”

Na escola que quer ‘acabar com o papel’, os alu-nos a partir do 5º ano vão à frente. Manuais já só há em formato digital. Apenas os cadernos de ativida-des resistem. “No 1º ciclo e na pré-escola mantive-mos os livros em papel, porque as crianças têm de trabalhar a escrita, a motricidade fina, usar o lápis e a caneta.” E nas aulas trocam-se os papéis e as regras, com a técnica da sala invertida.

A matéria é aprendida em casa através de vi-deoaulas gravadas pelos professores. Uma equi-pa de apoio à produção ajuda a tornar os materiais mais apelativos, o que acaba por depender muito do jeito e do à vontade de cada docente. Nas aulas dis-cute-se e fazem-se os exercícios que dantes eram os TPC. “Poupa-se tempo, a aula torna-se mais dinâmica, em torno de atividades. Não faz sentido perder 90 minutos a transmitir coisas que se podem encontrar na internet em menos tempo. Isto não é o futuro. É o presente”, defende Nuno Moutinho.

Só que é um presente novo para os docentes. “Nos espaços inovadores de aprendizagem, a va-riável mais difícil é a motivação dos professores. Porque implica uma alteração metodológica mui-to grande. O professor perde protagonismo, perde tempo de exposição, passa a ser um orientador. É uma grande diferença”, lembra Carlos Cunha, da secundária Dom Manuel Martins, que definiu como

‘GAMIFICAÇÃO’ No Externato Paraíso dos Pequeninos, os alunos da educação pré-escolar jogam nos seus tablets ao “Garfitos” e aprendem noções de alimentação saudável

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“Gostava de saber se há alguém que prefira ser operado numa sala de cirurgia de há 40 anos ou numa atual, com equipamento moderno. Com o ensino é a mesma coisa”LUÍS FERNANDES

objetivo para o próximo ano letivo fazer com que todos enfrentem o desafio e passem com os seus alunos pela Sala de Aula do Futuro daquela escola, com projetos feitos em conjunto entre docentes de várias disciplinas.

Na EscolaGlobal, também este ano se avançou com a ‘gamificação’ do ensino. Numa espécie de “Masterchef” com fins pedagógicos, alunos do pré--escolar e 1º ciclo, e pais, foram convidados a fil-mar/fotografar e a partilhar na rede social privada que é utilizada na escola cozinhados e receitas sau-dáveis. Semanalmente, os alunos têm também de ver em casa um vídeo sobre alimentação, respon-der a desafios digitais (quizzes e puzzles) sobre con-teúdos nutricionais, sendo o tema discutido depois na sala de aula. Em maio, serão anunciados os ven-cedores do Projeto Garfitos — Comer Bem Vai Ser Divertido!, com os participantes mais entusiastas a receber smartphones, tablets, e-books e vouchers.

É um exemplo. Mas há mais. Como a criação do passaporte de mérito, em que a ideia é colecionar ao longo do ano letivo carimbos por bom desempe-nho académico e/ou por comportamento. No final, os alunos recebem diplomas consoante o número de carimbos conquistado. Neste caso, recorre-se à ‘gamificação’, mas sem recursos digitais ou tecno-logia avançada.

“Basta falar na palavra ‘jogo’ que isso mexe com os alunos”, reconhece Fernando Coelho, subdire-tor das Escolas de Vilela, concelho de Paredes. O agrupamento integra desde há dois anos o projeto Multimedia Games for Inclusion, financiado pela União Europeia. O nome diz quase tudo, mas é ex-plicado no site do programa: “O objetivo principal é promover a aplicação de estratégias inovadoras e de soluções na educação, garantindo uma utilização eficaz do uso de videojogos como instrumentos de ensino e aprendizagem, que promovem o interes-se dos estudantes e participação nas atividades da escola e combatem o abandono escolar.” O grupo alvo são os jovens em risco de exclusão e com difi-culdades económicas.

O MEU NOME É O MEU “USER”O tempo é ainda de experimentação, assume Fer-nando Coelho, mas já começou a mudar as rotinas na sala de aula. Telemóveis, jogos que utilizam os códigos QR (os quadradinhos que funcionam como os códigos de barras) para responder a perguntas sobre a matéria e o popularíssimo “Minecraft” na sua versão educativa são alguns dos meios utiliza-dos. O jogo de gráficos pixelizados e rudimenta-res, em que o objetivo é usar blocos para construir mundos virtuais, fez um sucesso tremendo junto de crianças e jovens. Pouco depois de ser lança-do, bateu o recorde de jogo para PC mais vendido de sempre.

De um lado do Atlântico, Joel Levin, professor numa escola em Nova Iorque, começou a testá-lo com os seus alunos. Do outro, na Finlândia, San-teri Koivisto fazia o mesmo. A troca de experiênci-as entre ambos e a visão do potencial do jogo para ‘agarrar’ os alunos e ensinar as disciplinas mais va-riadas levaram-nos a pedir a Mojan, fundadora do

“Minecraft”, autorização para desenvolver uma ver-são educativa que pudesse ser usada na sala de aula por professores e alunos. E assim surgiu a Teacher-Gaming e o “MinecraftEdu”.

“O objetivo é expandir o ensino baseado em jo-gos. Nos dois últimos anos sobretudo tivemos um aumento dos pedidos de licenças para o ‘Minecraf-tEdu’. É usado em cerca de 10 mil escolas de 45 paí-ses”, conta Jannika Aalto, COO da TeacherGaming, numa conversa com o Expresso em Helsínquia. O sucesso foi de tal ordem que no início do ano a Mi-crosoft anunciou a compra do “MinecraftEdu” à empresa, que continua a desenvolver a versão edu-cativa de outro jogo: o “Kerbal Space Program”.

Da Matemática à História, das Artes às Ciências, o “MinecraftEdu” tem sido usado para trabalhar as mais diferentes áreas. Ana Medeiros, do Engage-lab/Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho e bolseira da FCT usou--o com crianças do 1º ciclo na sua tese de doutora-mento “Engaging Kids”. Um dos objetivos era pôr as crianças a idealizar ambientes de aprendizagens digitais para apoiar a literacia. E o “MinecraftEdu”, que permite construir mundos virtuais sem limite, acabou por ser a ferramenta utilizada. “As crianças criaram uma atividade em que os jogadores tinham livros e as tarefas de os reorganizar, criar estantes, títulos para as mesmas, lê-los, catalogá-los. O que constatei é que, apesar de ter feito estas experiên-cias durante um campo de férias, eles vinham com

uma vontade de trabalhar muito grande”.Adepta do uso das tecnologias e de uma trans-

formação da escola que prepare os alunos para o mundo de hoje, Ana Medeiros acredita que os jogos são “formas muito interessantes e atuais de simular o mundo de forma segura, ultrapassando as limi-tações físicas e materiais”. “O manual e as fichas de atividade são importantes, mas não suficientes. As crianças procuram novos espaços e formas mais ativas de experimentar, colaborar e partilhar.”

Apesar do sucesso do “MinecraftEdu”, a in-dústria de videojogos, que “já movimenta mais dinheiro do que a indústria do cinema”, lembra Jorge Simões, continua mais virada para o entre-tenimento do que para os chamados “jogos sérios”, que aliam diversão e fins pedagógicos. “Os jogos com potencial educativo são um nicho muito pe-queno. A dificuldade são os elevados orçamentos que existem para serem produzidos com a mesma qualidade dos jogos comerciais e dessa forma con-seguirem cativar os seus destinatários. É precisa-mente por isso que a ‘gamificação’ tem vindo a ga-nhar destaque.”

É cedo para saber o impacto que a introdução dos princípios e dos mecanismos que fazem dos videojogos um sucesso à escala mundial aplicados ao ensino poderão ter. Melhoram as notas? Luís Fernandes, diretor do Agrupamento das Escolas do Freixo (Ponte de Lima), distinguido pela Micro-soft pelo terceiro ano consecutivo pelo exemplo de introdução das mais recentes tecnologias — ali os alunos têm aulas de programação, constroem ro-bôs e usam impressoras 3D —, não sabe respon-der. Segundo os resultados nos rankings dos exa-mes nacionais, a escola tanto sobe como desce. Mas diz ter uma certeza: “Estes alunos que têm acesso a estas experiências são cidadãos mais bem prepa-rados e saem com outra capacidade de se integra-rem na vida ativa e de conhecimento do mundo. E isso também faz parte da nossa missão de educar.”

Luís Fernandes acredita na utilização da tecno-logia sempre que for “pedagogicamente relevante”. Sabe que não são os computadores ou os jogos que vão resolver os problemas da educação e da desmo-tivação dos alunos. “A ideia é combinar as duas for-mas de ensinar. Assim como é fundamental prati-carem desporto, saírem para a natureza.” E devolve a pergunta a quem entende que aprender não deve ser divertido: “Gostava de saber se há alguém que prefira ser operado numa sala de cirurgia de há 40 anos ou numa atual, com equipamento moderno. Com o ensino é a mesma coisa. É ilógico continuar a trabalhar como no passado.” Até porque os alu-nos de hoje não podiam ser mais diferentes.

Numa aula numa escola primária nos arredo-res da capital finlandesa, o Expresso pediu a duas crianças do 2º ano para escreverem o nome num caderno. Entre o nome próprio e o apelido, ambas colocaram um ponto. A professora explica porquê, e a resposta é tão simples como carregar na tecla Enter: é assim que entram nos computadores, é o “user” deles. b

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