a invenção dos direitos humanos

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LYNN HUNT A invenção dos direitos humanos Uma história

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L Y N N H U N T

A invenção dosdireitos humanosUma história

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Copyright © 2007 by Lynn Hunt

Publicado orig inalment e nos Estados Unidos por W. W. Norton & Company, Inc.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,

que entrou em vigor no Brasil cm 2009.

Título original 

Invcnting huma n rights — A history

Capa

Mariana Newlands

  Foto de capa© Gianni Dagli Orti/ Corbis/ LatinStock 

  Índice remissivo

Luciano Marchiori

 Preparação

Lucas Murt inho

 Revisão

Ana Maria Barbosa

Huendel Viana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hunt, Lynn

A invenção dos direitos humanos ; unia história / Lynn Hunt ;

tradução Rosaura Eichenberg. — São Paulo: Companhia das Letras,

2009.

Título or igina l : Invcnting human r ights: a his tory

ISBN 9 7 8 - 8 5 - 3 5 9 - 1 4 5 9 - 7

I. Direitos humanos na literatura 2. Direitos humanos - História

3. Tortura - História I. Titulo.

09-03980 Í:DO-323.09

índice para catálogo sistemático'

1. Direitos humanos : Ciência política : História

[2009]

Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA SCHWARCZ LTDA.

Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32

04532-002 — São Paulo — SP

Telefone (11) 3707-3500

F ax ( l l ) 3 7 0 7 - 3 5 0 1

www.companh iadasletras .com.b r  

  Para Lee e Jane

  Irmãs, Amigas, Inspiradoras

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Sumário

Agradecimentos 9

In t rodução—"Cons ide ramos e s ta s ve rdades

autoevidentes" 13

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Apênd ice — Três declarações: 1776 ,1789 ,1948 217

 Notas 237

Créditos das imagens 271

índice remissivo 273

 Agradecimentos

Enquanto escrevia este l ivro, beneficiei-me de incontáveis

sugestões oferecidas por amigos, colegas e participantes de váriosseminár ios e confe rênc ias . Nenhuma expressão de gra t idão de

min ha parte pode ria pagar as dívidas que tive a felicidade de con-

Irair , e só espero que alguns dos credores reco nheça m as suas con

tr ibuições em certas passagens ou notas . O ato de proferir as Con

fe rênc ias Pa t ten na Univer s idade de Indiana , a s Conferênc ias

Merle Curti na Universidade de Wisconsin e as Conferências James

W. Richards na Universidade de Virginia propiciou oportunidades

inestimáveis para testar as minhas noções preliminares. Alguns

insights exce lentes também vie ram do públ ico em Camino Col -

lege; Carleton College; Cen tro de Investigación y Docencia Eco nómicas, Cidade do México; Universidade de Fordham; Instituto de

Pesquisa Histórica, Universidad e de Londres, Lewis & Clark Col

lege ; Pomona Col lege ; Univer s idade de S tanford; Univer s idade

Texas A&M; Un iversidade de Paris; Univers idade de Ulster , Cole-

raine; Universidade de Washington, Seattle; e na minha institui

ção, a Universidade da Califórnia, Los Angeles ( UCLA ). O financia-

 

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mento para a maior parte da minha pesquisa proveio da Cátedra

Eugen Weber de História Moderna Europeia na UCLA , e a pesquisa

foi muito facili tada pela r iqueza verdadeiramente excepcional das

  bibliotecas da UCLA.

A maioria das pessoas pen sa que o ens ino f ica abaixo da pes

quisa na lista de prioridades dos professores universitár ios, mas aide ia pa ra es te l ivro surgiu or igina lmente de uma cole tânea de

documentos que editei e traduzi com o objetivo de ensinar estu

dantes dos cur sos de graduação: The French Revolution and 

  Human Rights: A Brief Documentary History (Boston/ Nova York:

Bedford/ St. Martin's Press, 1996). Uma bolsa da Nationa l Endo w

ment for the Humanities me ajudou a completar aquele projeto.

Antes de escrever este l ivro, publique i um breve esboço, "Th e Para

doxical Origins of Human Rights", in Jeffrey N. Wasserstrom, Lynn

Hunt e Marilyn B. Young, eds. , Human Rights and Revolutions

( La nha m, MD : Row man & Littlef ield, 2000), pp. 3-17. Alguns d osargumentos no capí tulo 2 foram pr imei ro desenvolvidos de um

mo do diferente em "Le Corps au XVIIIE siècle: les origines des droits

de l 'homme", Diogène, 203 ( julho-setembro de 2003), pp. 49-67.

Da ideia até a execução final, a estrada, pelo menos no meu

caso, é longa e às vezes árdua, mas se torna transitável com a ajuda

daque les que me são próximos e quer idos . Joyce Appleby e

Suzanne Desan leram os primeiros rascunhos dos meus três pri

meiros capítulos e deram sugestões maravilhosas para aperfeiçoá-

- los. A minh a editora na W. W. Nort on, Amy Cherry, forneceu o ti

  po de a tenção minuc iosa à r edação e ao a rgumento com que amaioria dos autores só consegue sonhar. Sem Margaret Jacob eu

não ter ia escrito este l ivro. Ela me estimulou com o seu próprio

entus iasmo pela pesquisa e redação, c om a sua valentia em se aven

tura r em domínios novos e controver sos e , não men os impor tan te ,

com a sua capacidade de deixar tud o de lado para prep arar um jan

tar ref inado. Ela sabe o quant o lhe devo. Meu pai morr eu enq uan to

10

eu escrevia este l ivro, mas ainda pos so escutar as su as palavras de

encorajamento e apoio. Dedico este l ivro às minhas irmãs Lee e

Jane, em reconhec imento, a inda que inadequado , por tudo o que

temos parti lhado ao longo de muitos anos. Elas me ensinaram as

minhas primeiras l ições sobre os direitos, a resolução de conflitos

e o amor.

 

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Introdução

"Consideramos estas verdadesautoevidentes"

Às vezes grandes textos surgem da reescrita sob pressão. No

seu pr imeiro rascunho da Declaração da Independência , prepa

 

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tilha —, o marquês de Lafayette, amigo de Jefferson e veterano da

Guer ra da Independênc ia amer icana , de l ineou uma dec la ração

francesa, muito provavelmente com a ajuda de Jefferson. Quando

a Bastilha caiu, em 14 de julho, e a Revolução Francesa com eçou

  para valer , a necessidade de uma declaração oficial ganhou

impulso. Apesar dos melhores esforços de Lafayette, o documento

não foi forjado por uma única mão, como Jefferson fizera para o

Congres so amer icano . Em 20 de agosto, a nova Assembleia Nacio

nal começou a discussão de 24 ar tigos rascunhados por um comitê

desajeitado de quarenta deputados. Depois de seis dias de debate

tumul tuado e inf indáve is emendas , os deputados f r anceses só

tinham aprovado dezessete ar tigos. Exaustos pela disputa prolon

gada e precisando tratar de outras questões prementes, os deputa

dos votaram, em 27 de agosto de 1789, por suspender a discussão

do rascunho e adota r provisor iamente os a r t igos já aprovados

como a sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O documento tão f r ene t icamente a jambrado e ra espantoso

na sua impe tuosidade e s impl ic idade . Sem menc ionar nem uma

única vez rei , nobreza ou igreja, declarava que "os direitos natu rais,

inalienáveis e sagrados do ho me m" são a fundação de tod o e qual

quer govern o. Atr ibuía a soberania à nação, e não ao rei, e declara

va que todos são igua is pe rante a le i , abr indo posições para o

talento e o mérito e eliminando implicitamente todo o privilégio

  baseado no nascimento. Mais extraordinária que qualquer garan

tia particular , entretant o, era a universalidade das afirm ações fei

tas. As referências a "homen s", "homem", "tod o home m", "todos oshomen s", "todos os cidadãos", "cada cidadão", "socied ade" e "toda

sociedade " eclipsavam a única referência ao povo francês.

Como resultado, a publicação da declaração galvanizou ime

diatamente a opinião pública mundial sobre o tema dos direitos,

tanto contra como a favor. Num sermão proferido em Londres em

4 de novembro de 1789, Richard Price, amigo de Benjamin Fran-

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klin e cr ít ico frequente do governo inglês, tornou-se l ír ico a res

  peito dos novos direitos do homem. "Vivi para ver os direitos dos

home ns ma i s be m c ompr e e nd i dos do que nunc a , e na ç õ e s

ansiando por l iberdade que pareciam ter perdido a ideia do que

isso fosse." Indignado com o entusiasmo ingênuo de Price pelas

"abstrações metafísicas" dos franceses, o famoso ensaísta Edmund

Burke , membro do Par lamento br i tânico, r abiscou uma resposta

furiosa. O seu panfleto, Reflexões sobre a revolução em França

(1790), foi logo reconhecido como o texto fundador do conserva

dor ismo. "Não somos os conver t idos por Rousseau", t rove jou

Burke. "Sabemos que não f izemos nenhuma descoberta, e pensa

mos que nenhuma descoberta deve ser feita, no tocante à morali

dade. [ . . . ] Não fomos estr ipados e amarrados para que pudésse

mos s e r p r e e nc h i dos c omo pá s s a r os e mpa l ha dos num mus e u ,

com farelos, trapo s e pedaços miseráveis de papel borra do sobre os

di re i tos do homem." Pr ice e Burke haviam concordado sobre a

Revolução Americana : os dois a apoi aram. Mas a Revolução Fran

cesa aumentou bastante o valor da aposta, e as l inhas de batalha

logo se formaram: e ra a aurora de uma nova e ra de l ibe rdade

  baseada na razão ou o início de uma queda implacável rumo à

anarq uia e à violência?2

Por quase dois séculos, apesar da controvérsia provo cada pela

Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão encarnou a promessa de direitos humanos universais. Em

1948, quando as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, o ar tigo Ia

dizia: "Todos os seres humanosnascem livres e iguais em dignidade e direitos". Em 1789, o artigo

l 2 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão já havia

 proclam ado: "Os hom ens nasc em e per man ecem livres e iguais em

direitos". Em bor a as modificações na linguagem fossem signif ica

tivas, o eco entre os dois doc ume nto s é inequívoc o.

As origens dos documentos não nos dizem necessariamente

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nada de signif icativo sobre as suas consequências. Importa real

mente que o esboço tosco de Jefferson tenha passado por 86 alte

rações feitas por ele mesmo , pelo Comi tê dos Cinco* ou pelo Con

gresso? Je f fe r son e Adams c la ramente pensavam que s im, pois

a inda es tavam discut indo sobre quem cont r ibuiu com o quê na

década de 1820, a última de suas longas e memoráv eis vidas. Entre tanto, a Declaração da Independência não tinha natureza consti

tucional. Declarava simplesmente intenções, e passaram-se quin

ze anos antes que os estados f inalmente ratif icassem uma Bill of 

 Rights muito diferente em 1791. A Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão afirmava salvaguardar as l iberdades indivi

duais, mas não impediu o surgimento de um governo francês que

reprimiu os direitos (conhecido como o Terror) , e futuras consti

tuições francesas — houve muitas delas — formularam declara

ções diferentes ou passaram sem nenhuma declaração.

Ainda mais pe r turbador é que aque les que com tanta con

fiança declaravam no final do século xvin que os direitos são uni

versais vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclu

sivo em mente. Não f icamos surpresos por eles considerarem que

as c r ianças , os insanos , os pr i s ione i ros ou os es t r ange i ros e ra m

incapazes ou indignos de plena participação no processo polít ico,

  pois pensamos da mesma mane i ra . Mas e les também exc luíam

aqueles sem propriedade, os escravos, os negros l ivres, em alguns

casos as minorias religiosas e, sempre e por toda parte, as mulhe

res. Em anos recentes, essas l imitações a "todos o s hom en s" provo

caram muitos comentários, e alguns estudiosos até questionaram

se as declarações t inham um verdadeiro signif icado de emancipa-

* O Commit tee o f F ive, fo rmado po r Thomas Jefferson , John Adams, Ben jamin

F r an k l i n , R o b e r t L i v i n g s t o n e R o g e r S h e r m an , f o i d e s i g n ad o p e l o C o n g r es so

amer ican o em 11 de jun ho de 1776 para esboçar a Decla ração da Indepen dênc ia

am er i can a . ( N . T . )

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ção. Os fundadores, os que estrutur aram e os que redigiram as decla

rações têm sido julgados elitistas, racistas e misóginos por sua inca

 pacidade de considerar todos verdad eirament e iguais em direitos.

  Não devemos esquecer as r es t r ições impostas aos di r e i tos

  pelos homens do século xvin, mas parar por aí , dando palmadi

nhas nas costas pelo nosso próprio "avanço" comparativo, é não

compreender o principal. Como é que esses homens, vivendo em

sociedades constru ídas sobre a escravidão, a subord inaçã o e a sub

se rviênc ia aparentemente na tura l , chegaram a imaginar homens

nada parec idos com e les , e em a lguns casos também mulheres ,

como iguais? Como é que a igualdade de direitos se tornou uma

verdade "autoevidente" em lugares tão improváveis? É espantoso

que homens como Jefferson, um senhor de escravos, e Lafayette,

um aristocrata, pudessem falar dessa forma dos direitos autoevi-

dentes e ina l ienáve is de todos os homens. Se pudéssemos com

  preender como isso veio a acontecer , compreenderíamos melhor oque os direitos humanos signif icam para nós hoje em dia.

O P A R A D O X O D A A U T O E V I D Ê N C I A  

Apesar de suas diferenças de linguagem, as duas declarações

do século xvm se baseavam n um a afirmação de autoevidência. Jef

fe r son de ixou i sso expl íc i to quando esc reveu: "Consideramos

estas verdades autoevidentes". A declaração francesa afirmava

categoric amente qu e "a ignorância, a negligência ou o meno sprez odos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e

da corrupção governamental". Pouca coisa t inha mudado a esse

respeito em 1948. Verdade, a Declaração das Nações Unidas assu

mia um tom mais legalista: "Visto que o reconh ecime nto da digni

dade inerente a todos os membros da família humana e de seus

direitos iguais e inalienáveis é o fun dam ento da liberdade, da jus-

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t iça e da paz no mundo". Mas isso também constituía uma afirma

ção de autoevi dênc ia , por que "vis to que" s igni f ica l i te ra lmente

"sendo fato que". Em outras palavras, "visto que" é simplesmente

um modo legalista de afirmar algo determinado, autoevidente.

Essa afirmação de autoevidência, crucial para os direitos

humanos mesmo nos dias de hoje, dá origem a um paradoxo: se a

igualdade dos direitos é tão autoevidente, por que essa afirmação

tin ha de ser feita e por que só e ra feita em temp os e lugares específi

cos? Como podem os direitos humanos ser universais se não são

universa lmente reconhecidos? Vamos nos conten tar com a explica

ção, dada pelos redatores de 1948, de que "concordamos sobre os

direitos, desde que ninguém nos pergunte por quê"? Os direitos

 podem ser "autoevidentes" quando estudiosos discutem há mais de

dois séculos sobre o que Jefferson queria dizer com a sua expressão?

O debate continuará para sempre, porque Jefferson nunca sentiu a

necessidade de se explicar . Ninguém do Comitê dos Cinco ou doCongresso quis r evisa r a sua a f i rmação, mesmo modif icando

extensamente outras seções de sua versão preliminar . Aparente

mente concordavam com ele. Mais ainda, se Jefferson tivesse se

explicado, a autoevidência da afirmação ter ia se evaporado. Uma

afirmação que requer discussão não é evidente por si mesma . 3

Acredito que a afirmação de autoevidência é crucial para a

história dos direitos hum ano s, e este l ivro busca explicar com o ela

veio a ser tão convincente no século XVIII. Felizmente, ela també m

  propicia um ponto focal no que tende a ser uma história muito

di fusa . Os di r e i tos humanos tornaram-se tão ubíquos na a tua l i dade que parecem requere r uma his tór ia igua lmente vas ta . As

ideias gregas sobre a pessoa individual, as noções ro man as de lei e

direito, as doutr in as cr istãs da alma. . . O r isco é que a história dos

direitos humanos se torne a história da civilização ocidental ou

agora, às vezes, até a história do m un do i nteiro. A antiga Babilônia,

o hinduísmo, o budismo e o islã também não deram as suas con-

18

tr ibuições? Como, então, explicamos a repentina cr istalização das

afirmações dos direitos humanos no final do século XVIII?

Os di re i tos humanos r equerem t r ês qua l idades encadeadas:

devem ser   naturais ( ine rentes nos se res hum ano s) , iguais (os mes

mos pa r a t odo mundo) e universais (aplicáveis por toda parte) .

Para que os direitos sejam direitos humanos, todos os humanos em

todas as regiões do mundo devem possuí- los igualmente e apenas

  por causa de seu status como seres humanos. Acabou sendo mais

fácil aceitar a qualid ade natu ral dos direitos do qu e a sua igualdade

ou univer sa l idade . De mui tas mane i ras , a inda es tamos apren

den do a l idar com as implicações da dema nd a por igualdade e uni

versalidade de direitos. Com que idade alguém tem direito a uma

  plena par t ic ipação pol í t ica? Os imigrantes — não-c idadãos — 

 particip am dos direitos ou não, e de quais?

Entretanto, nem o caráter natural, a igualdade e a universali

dade são suficientes. Os direitos humanos só se tornam signif icat ivos quando ganham conteúdo pol í t ico. Não são os di r e i tos de

humanos num estado de natureza: são os direitos de humanos em

soc iedade . Não são apenas di r e i tos humanos em oposição aos

di re i tos divinos , ou di r e i tos humanos em oposição aos di r e i tos

animais: são os direitos de humanos vis-à-vis uns aos outros. São,

  portanto, direitos garantidos no mundo polít ico secular (mesmo

que sejam chamados "sagrados") , e são direitos que requerem uma

  participação ativa daqueles que os detêm.

A igualdade, a universalidade e o caráter natural dos direitos

ganharam uma expressão pol í t ica di r e ta pe la pr imei ra vez naDeclaração da Independência americana de 1776 e na Declaração

dos Direitos do Ho me m e do Cidadã o de 1789. Emb ora se referisse

aos "antigos direitos e l ibe rdades" estabelecidos pela lei inglesa e

derivados da história inglesa, a Bill ofRights inglesa de 1689 não

declarava a igualdade, a universalidade ou o caráter natural dos

direitos. Em contraste, a Declaração da Indep endên cia insistia que

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"todo s os ho men s são cr iados iguais" e que todos possu em"dire itos

inalienáveis". Da mesma forma, a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão proclamava que "Os homens nascem e per

manecem livres e iguais em direitos". Não os homens franceses, não

os hom ens branc os, não os católicos, mas "os homens" , o que tanto

naquela época como agora não signif ica apenas machos, mas pes

soas , i s to é , membros da r aça humana . Em out ras pa lavras , em

algum mo me nt o entre 1689 e 1776 direitos que tin ham sido consi

derados mui to f r equentemente como sendo de de te rminado povo

  —os ingleses nascidos livres, por exemplo—foram transformados

em direitos hu man os, direitos naturais universais, o que os france

ses chamavam les droits de Vhomme, ou "os direitos do hom em". 4

O S D I R E I T O S H U M A N O S E " O S D I R E I T O S D O H O M E M "

Uma breve incursão na história dos termos ajudará a f ixar o

momento do surgimento dos di r e i tos humanos. As pessoas do

século xvni não usavam f requentemente a expressão "di re i tos

humanos" e, quando o faziam, em geral queriam dizer algo dife

rente do significado que hoje lhe atribuímos. Antes de 1789, Jeffer-

son, por exemplo, falava com muita frequência de "direitos natu

ra is" . Começou a usa r o te rmo "di re i tos do homem" somente

depois de 1789. Quando empregava "di re i tos humanos" , quer ia

dizer algo mais passivo e meno s polít ico do que os direitos naturais

ou os direitos do hom em . Em 1806, por exemplo , usou o term o aose referir aos males do tráfico de escravos:

Eu lhes felicito, colegas cidadãos, por estar próximo o período em

que poderão interpor constitucionalmente a sua autoridade para

afastar os cidadãos dos Estados Unidos de toda participação ulte

rior naquelas violações dos direitos humanos que têm sido reitera-

20

das por tanto tempo contra os habitantes inofensivos da África, e

que a moralidade , a reputa ção e os melhores interesses do nos so país

desejam há muito proscrever.

Ao sustentar que os afr icanos gozavam de direitos humanos,

Jefferson não tirava nenhuma ilação sobre os escravos negros no

 país. Os direitos hu ma no s, pela definição de Jefferson, nã o cap aci

tava os afr icanos — muito menos os afro-americanos — a agir em

seu própr io nome. 5

Durante o século xvni, em inglês e em francês, os termos

"di re i tos humanos" , "di r e i tos do gênero humano" e "di re i tos da

hum anid ade" se most ra ram todos demasiado gera is pa ra se rvi r ao

emprego pol í t ico di r e to . Refe r iam-se antes ao que dis t inguia os

humanos do divino, numa ponta da escala, e dos animais, na ou

tra, do que a direitos polit icamente relevantes como a liberdade de

expressão ou o direito de participar na polít ica. Assim, num dosempregos mais ant igos (1734) de "di re i tos da humanidade" em

francês, o acerbo crít ico li terár io Nicolas Lenglet-Dufresnoy, ele

  próprio um padre católico, satir izava "aqueles monges inimitáveis

do século vi, que renunciavam tão inteiramente a todos 'os direitos

da humanid ade ' que pas tavam como animais e andavam por toda

  par te comple ta mente nu s" . Da mesma forma , em 1756 , Vol ta i r e

  podia proclamar com ironia que a Pérsia era a monarquia em que

mais desfrutava dos "direitos da humanidade", porque os persas

t inham os maiores "recur sos cont ra o tédio" . O te rmo "di re i to

humano" apareceu em francês pela primeira vez em 1763 signif icando algo semelhante a "direito natural", mas não pegou, apesar  

de ser usado por Voltai re no seu am pla men te influente Tratado

  sobre a tolerância!' 

Enquanto os ingleses continuaram a preferir "direitos natu

ra is" ou s implesmente "di re i tos" durante todo o século xvni , os

franceses inventaram uma nova expressão na década de 1760 — 

21

 

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"di re i tos do homem" {droits de l'homme). "O(s) direito(s) natu-

ral( is)" ou "a lei natural" (droit naturel  tem ambos os signif icados

em francês) t inham histórias mais longas que recuavam centenas

de anos no passado, mas talvez com o consequên cia"o(s ) direito(s)

natural( is)"tinha um número exagerado de possíveis signif icados.

Às vezes signif icava simplesmente fazer sentido dentro da ordem

tradicional. Assim, por exemplo, o bispo Bossuet, um porta-voz a

favor da monarquia absoluta de Luís xiv, usou "direito natural"

som ente ao d escrever a entr ada de Jesus Cristo no céu ("ele ent rou

no céu pelo seu próprio direito natural") . 7

O termo "direitos do homem" começou a circular em francês

depois de sua aparição em O contrato social  (1762), de Jean-Jac

ques Rousseau, ainda que ele não desse ao termo nenhuma defini

ção e ainda que — ou talvez porque — o usasse ao lado de "direi

tos da humanidade","direitos do cidadão"e"direitos da soberania".

Qual quer qu e fosse a razão, por volta de jun ho de 1763, "direitosdo home m" t i nha s e t o r na do um t e r mo c omum, s e gundo uma

revista clandestina:

Os atores da Comédie française representaram hoje, pela primeira

vez, Manco [uma peça sobre os incas no Peru ], de que falamos antes.

É uma das piores tragédias já construídas . Há nela um papel para um

selvagem que poderia ser muito belo: ele recita cm verso tudo o que

temos lido espalhado sobre reis, liberdade e os direitos do homem,

em A desigualdade de condições, em Emílio, em O contrato social.

Emb ora a peça não empr egu e de fato a expressão precisa "os direi

tos do homem", mas antes a relacionada "direitos de nosso ser", é

claro que o term o havia entra do no uso inte lectual e estava de fato

diretamente associado com as obras de Rousseau. Outros escrito

res do I luminismo, como o barão D'Holbach, Raynal e Mercier ,

adot aram a expressão nas décadas de 1770 e 1780. 8

22

Antes de 1789, "direitos do homem" tinha poucas incursões

no inglês. Mas a Revolução Americana incitou o marquês de Con-

dorcet, defensor do I luminismo francês, a dar o primeiro passo

 para definir "os direitos do h omem ", que pa ra ele incluíam a segu

rança da pessoa, a seguran ça da propried ade, a justiça imparcia l e

idônea e o direito de contr ib uir para a formulaç ão das leis. No seu

ensaio de 1786, "De l 'inf luence de la révolution d'Amérique sur  

l 'Europe", Condorcet l igava explicitamente os direitos do homem

à Revolução Americana: "O espetáculo de um grande povo em que

os direitos do homem são respeitados é útil para todos os outros,

apesar da diferença de clima, costum es e constituições". A Declara

ção da Independência americana, ele proclamava, era nada menos

que "uma exposição simples e sublime desses direitos que são, ao

mesmo tempo, tão sagrados e há tanto tempo esquec idos" . Em

 janeiro de 1789, Emm anu el-J osep h Sieyès uso u a expressão no seu

incendiário panfleto contra a nobreza, O que é o Terceiro Estado?.

O rasc unh o de um a declaração dos direitos, feito por Lafayette em

 janeiro de 1789, referia-se explicitamente aos "direitos do homem",

referência também feita por Condorcet no seu próprio rascunho

do início de 1789. Desde a primavera de 1789 — isto é, mesmo

antes da queda da Bastilha em 14 de julh o — muit os debates sobre

a necess idade de uma dec la ração dos "di re i tos do homem" per

meavam os círculos polít icos franceses. 9

Quando a l inguagem dos di r e i tos humanos apareceu, na

segunda metade do século xvin, havia a princípio pouca definição

explícita desses direitos. Rouss eau não ofereceu ne nh um a explicação quando usou o termo "direitos do homem". O jurista inglês

William Blackstone os definiu como "a liberdade natu ral da hu ma

nidade" , i s to é , os "di re i tos absolutos do homem, considerado

como um agente l ivre, dotado de discernimento para distinguir o

 bem do mal". A maioria daqueles q ue usavam a expressão nas déca

das de 1770 e 1780 na França, como D'Holbach e Mirabeau, f igu-

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ras controversas do I luminismo, referia-se aos direitos do homem

com o se fossem óbvios e não necessitassem de nen hu ma justif icação

ou definição; eram, em outras palavras, autoevidentes. D'Holbach

argumentava , por exemplo, que se os homen s temessem menos a

morte "os direitos do homem seriam defendidos com mais ousa

dia". Mirabeau denunciava os seus perseguidores, que não tinham

"nem cará te r nem a lma , porque não têm absolutamente ne nhu ma

ide ia dos di r e i tos dos homens" . Ninguém apresentou uma l i s ta

  precisa desses direitos antes de 1776 (a data da Declaração de

Direitos da Virgínia redigida por George Mas on). 1 "

A ambiguidade dos direitos humanos foi percebida pelo pas

tor calvinista jean-Paul Rabau t Saint-Étienn e, que escreveu ao rei

francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de

edito de tolerância para protestantes como ele próprio. Encora

  jado pelo sentimento crescente em favor dos direitos do homem,

Rabaut insistiu: "sabemos hoje o que são os direitos naturais, e

eles certamente dão aos homens muito mais do que o edito con

cede aos protestantes. [...] Chegou a hora em que não é mais acei

tável que uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade,

que são muit o bem conh ecidos em todo o mu ndo ". Talvez eles fos

sem bem conhecidos, mas o próprio Rabaut admitia que um rei

católico não podia sancionar oficialmente o direito calvinista ao

cul to públ ico. Em suma, tudo dependia—como a inda depende— 

da interpretaçã o dad a ao que não era "mais aceitável".11

C O M O O S D I R E I T O S S E T O R N A R A M A U T O E V I D E N T E S

Os direitos humanos são dif íceis de determinar porque sua

definição, e na verdade a sua própr ia existência, dep end e tanto das

emoções quanto da r azão. A re ivindicação de autoevidênc ia se

  baseia em última análise num apelo emocional: ela é convincente

2 4

se ressoa dentro de cada indivíduo. Além disso, temos muita cer-

leza de que um direito humano está em questão quando nos senti

mos horrorizados pela sua violação. Rabaut Saint-Étienne sabia

( |ue podia apelar ao conhecimento implícito do que não era "mais

aceitável". Em 1755, o influente escritor do I luminismo francês

I )enis Dider ot t inha escrito, a respeito do droit naturel, que "o uso

desse termo é tão familiar que quase ninguém deixaria de f icar  

convencido, no inter ior de si mesmo, de que a noção lhe é obvia

mente conhecida. Esse sentimento inter ior é comum tanto para o

lilósofo quanto para o homem que absolutamente não refletiu".

(]omo outros de seu tempo, Diderot dava apenas uma indicação

vaga do signif icado de direitos naturai s: "como ho mem" , concluía,

"não tenho out ros di r e i tos na tura is que se jam verdade i ramente

inalienáveis a não ser aqueles da humanidade". Mas ele tocara na

qua l idade mais impor tante dos di r e i tos hum anos : e les r equer iam

cer to "sent imento inte r ior " amplam ente par t i lhado. 1 2

Até Jean-Jacques Burlamaqui, o austero f ilósofo suíço da lei

natural, insistia que a l iberdade só podia ser experimentada pelos

sent imentos inte r iores de cada homem: "Ta is provas de sent i

mento estão acima de toda objeção e produzem a convicção mais

  profundamente arraigada". Os direitos humanos não são apenas

nina dout r ina formulada em documentos: base iam-se numa dis

  posição em relação às outras pessoas, um conjunto de convicções

sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o

eirad o no m un do secular . As ideias f i losóficas, as tradições legais e

.1 polít ica revolucio nária precisaram ter esse t ipo de pont o de refe-

iciicia emocional inter ior para que os direitos humanos fossem

verdadeiramente "autoevidentes". E, como insistia Diderot, esses

M i i i i m e n t o s t inham de ser experimentados por muitas pessoas,

Bio somen te pelos f i lósofos que escreviam sobre eles."

O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um

• onjunto de pressuposições sobre a autonomia individual. Para

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ter direitos humanos, as pessoas deviam ser vistas como indiví

duos separados que e ram capaz.es de exercer um julgamento moral

independente ; como diz ia Blackstone , os di r e i tos do homem

acom panh avam o indivíduo "considerado como um agente livre,

dotado de discernimento para distinguir o bem do mal". Mas, para

que se tornassem memb ros de uma com unida de pol í tica baseada

naque les ju lgamentos mora is independentes , e sses indivíduos

autônomos tinham de ser capazes de sentir empatia pelos outros.

Todo mundo te r ia di r e i tos somente se todo mundo pudesse se r  

visto, de um modo essencial, como semelhante. A igualdade não

era apenas um conceito abstrato ou um slogan polít ico. Tinha de

ser internalizada de alguma forma.

Embora consideremos na tura is as ide ias de autonomia e

igua ldade , junto com os di r e i tos humanos, e las só ganharam

influência no século XVIII. O f ilósofo moral contemporâneo J. B.

Schne ewind investigou o que ele cham a de "a invenção da auto no

mia". "A nova perspec tiva que sur giu no fim do século XVIII", afirm a

ele, "centrava-se na crença de que todos os indiví duos no rmai s são

igualmente capazes de viver juntos numa moralidade de autocon

trole." Por trás desses "indivíduos normais" existe uma longa his

tóri a de luta. No século XVIII (e de fato até o presen te) nã o se ima gi

navam todas as "pessoas" como igua lmente capazes de autono mia

moral. Duas qualidades relacionadas mas distintas estavam impli

cadas: a capacidade de raciocinar e a inde pend ência de decidir por  

si mesmo. Ambas tinham de estar presentes para que um indiví

du o fosse mor alm ent e aut ôno mo . Às cr ianças e aos insano s faltava

a necessária capacidade de raciocinar , mas eles poderiam algum

dia ganhar ou recuperar essa capacidade. Assim como as cr ianças,

os esc ravos , os c r iados , os sem propr iedade e as mulheres não

t inham a independênc ia de s ta tus r equer ida para se rem plena

mente autônomos. As cr ianças, os cr iados, os sem propriedade e

talvez até os escravos pod eria m um dia torna r-se autô nom os, cres-

26

( cndo, abandonando o se rviço, adqui r indo uma propr iedade ou

1 oinprando a sua liberdade. Apenas as mulheres não pareciam ter  

nenhuma dessas opções: e ram def inidas como inerentemente

1 lependentes de seus pais ou mari dos. Se os pro pon ent es dos direi

tos humanos na tura is , igua is e univer sa is exc luíam automat ica

mente algumas categorias de pessoas do exercício desses direitos,

era primariamente porque viam essas pessoas como menos do que

 plenamente capazes de autonom ia mora l . 1 4

Entre tanto, o pode r r ecém-descober to da empat ia podia fun

c ionar a té cont ra os preconce i tos mais duradouros . Em 1791, o

governo revoluc ionár io f r ancês concedeu di re i tos igua is aos

  judeus; em 1792, até os homens sem propriedade foram emanci

  pados; e em 1794, o governo francês aboliu oficialmente a escravi

dão. Nem a autonomia nem a empat ia es tavam de te rminadas:

eram habilidad es que podi am ser aprend idas, e as l imitações "acei

táveis" dos direitos podiam ser — e foram — questionadas. Os

direitos não podem ser definidos de uma vez por todas, porque a

sua base emocional continua a se deslocar , em parte como reação

Is declarações de direitos. Os direitos permanecem sujeitos a dis

cussão porq ue a nossa percepção de que m tem direitos e do que são

(" . ses di r e i tos muda constantemente . A revolução dos di r e i tos

1111 man os é, por definição, contí nua.

A autonomia e a empatia são práticas culturais e não apenas

ideias, e portanto são incorporadas de forma bastante l i teral, isto

r , t êm dimensões tanto f í s icas como emociona is . A autonomia

ni i l i v idu a ldep ende deum a percepção c rescente da separação e do(Ifáter sagrado dos corpos humanos: o seu corpo é seu, e o meu

iOrpo é meu, e devemo s amb os respeitar as fronteiras entre os cor

pos um do out ro . A empat ia depende do reconhec imento de que

I tutros sentem e pensam como fazemos, de que nossos sentimen-

i" . inter iores são semelhantes de um modo essencial. Para ser  

lUtônoma, uma pessoa tem de es ta r legi t imamente separada e

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  protegida na sua separação; mas, para fazer com que os direitos

acompanhem essa separação corporal, a individualidade de uma

  pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional. Os direitos

hum ano s dependem tanto do domínio de s i mesm o como do reco

nhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si .

É o desenvolvimento incomple to dessa ú l t ima condição que dá

origem a todas as desigualdades de direitos que nos têm preocu

 pado ao longo de toda a história.

A auton omi a e a empatia não se material izaram a partir do ar  

rarefeito do século xvni: elas t inham raízes profundas. Durante o

longo período de vários séculos, os indivíduos tinham começado

a se afastar das teias da comun ida de, to rnan do- se agentes cada vez

mais independentes tanto lega l como psicologicamente . Um

maior respeito pela integridade corporal e l inhas de demarcação

mais claras entre os corpos individuais haviam sido produzidos

  pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das fun

ções corporais e pelo senso crescente de decoro corporal. Com o

tempo, as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com

um cônjuge na cama. Usavam utensílios para comer e começaram

a considera r r epuls ivo um compor tamento antes tão ace i táve l ,

como jogar comida no chão ou l impar excreções corpora is nas

roupas . A constante evolução de noções de inter iorida de e profun

didade da psiqu e, desde a alma cristã à consciência protestan te e às

noções de sensibilidade do século xvni, preenchia a individuali

dade com um novo conteúdo. Todos esses processos ocor re ram

durante um longo per íodo.

Mas houve um avanço repentino no desenvolvimento dessas

 práticas na segunda metade do século xvni. A autoridade absoluta

dos pais sobre os f i lhos foi questi onada. O púb lico co meço u a ver  

os espetáculos teatrais ou a escutar música em silêncio. Os retratos

e as pinturas de gênero desafiaram o predomínio das grandes telas

mitológicas e históricas da pintura acadêmica. Os romances e os

28

i < > rnais proliferara m, torn and o as histórias das vidas comu ns aces-

síveis a um ampl o público. A tort ura com o parte do processo judi-

cial e as formas mais extremas de punição corporal começaram a

ser vistas como inaceitáveis. Todas essas mudanças contr ibuíram

  para uma percepção da separação e do autocontrole dos corpos

individuais, junto com a possibilidade de empatia com outros.

As noções de integridade corporal e individualid ade empática,

investigadas nos próximos capítulos, têm histórias não desseme

lhantes da dos direitos human os, aos quais estão intimam ente rela

cionadas. Isto é, as muda nças n os pon tos de vista parecem acontecer  

todas ao mesmo tempo, em meados do século xvni. Considere-se,

 por exemplo, a tor tura. En tre 1700 e 1750, a maioria dos emp regos

da palavra "tortura" em francês se referia às dif iculdades que um

escritor experimentava para encontrar uma expressão apropriada.

Assim, Marivaux em 1724 se referia a "torturar a mente para extrair 

ref lexões". A tortura, isto é, a tor tura legalmente autorizada para

obter confissões de culpa ou nomes de cúmplices, tornou-se uma

questão de grande importância depois que Montesquieu atacou a

 prática no seu Espírito das leis (1748). Nu ma das suas passagens mais

influentes, Montesquieu insiste que "Tantas pessoas inteligentes e

tantos homens de gênio escreveram contra esta prática [a tor tura

  judicial] que não ouso falar depois deles". Acrescenta então, um

tanto eni gmaticam ente: "Eu ia dizer qu e talvez ela fosse apropriad a

 para o governo despótico, no qual tu do q ue inspira medo contr ibu i

 para o vigo r do governo; ia dize r que os escravos entre os gregos e os

romanos. . . Mas escuto a voz da nature za gritando contra mim". Aqui

t ambé m a autoevid ênc ia—"a voz da na tureza gr i tando"—fornece

o fundamento para o argumento. Depois de Montesquieu, Voltaire

e muitos outros, especialmente o i taliano Beccaria, se juntariam à

campanha. Na década de 1780, a abolição da tortura e das formas

  bárbaras de punição corporal t inham se tornado artigos essenciais

na nova dout r ina dos dir e i tos hum ano s. 1 5

29

 

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As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das

outras pessoas forneceram um suporte cr ít ico para o novo funda

mento secula r da autor idade pol í t ica . Embora Je f fe r son esc re

vesse que o "seu Criador" t inha dotado os homens de direitos, o

  pape l do Cr iador te rminava a l i . O governo já não dependia de

Deus, mui to m enos da inte rpre tação da vontade de Deus apresen

tada por uma igreja. "Governos são instituídos entre os homens",disse Jefferson,"para assegurar esses Direitos", e eles derivam o seu

  poder "do Con sent im ento dos Governados" . Da mesm a forma , a

Declaração francesa de 1789 mantinha que o "objetivo de toda

associação polít ica é a preservação dos direitos naturais e impres

crit íveis do homem" e que o "princípio de toda soberania reside

essencial mente na nação". A autori dade polít ica, nessa visão, deri

vava da natureza mais inter ior dos indivíduos e da sua capacidade

de c r iar a comu nidad e por meio do consent imento. Os c ient i s tas

  pol í t icos e os his tor iadores têm examinado essa concepção da

autor idade pol í t ica a pa r t i r de ângulos va r iados , mas têm prestado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que

a torno u poss íve l. 16

Meu argumento fará grande uso da influência de novos tipos

de experiência, desde ver imagens em exposições públicas até ler  

romances epis tola res imensamente popula res sobre o amor e o

casamento. Essas experiências ajudaram a difundir as práticas da

autonomia e da empatia. O cientista polít ico Benedict Anderson

argumen ta que os jorna is e os romances c r ia ram a "comunida de

imagi nada" que o nacional ismo req uer para florescer . O que pode

r ia ser denominado "empatia imaginada" antes serve como funda

mento dos di r e i tos humanos que do nac iona l i smo. É imaginada

não no sent ido de inventada , mas no sent ido de que a empat ia

requer um salto de fé, de imagi nar que algum a outr a pessoa é com o

você. Os relatos de tortura produziam essa empatia imaginada por 

meio de novas visões da dor. Os romances a geravam induzindo

30

1 1 1 iva s sensações a respeito do eu inter ior . Cada um à sua maneira

re forçava a noção de uma comunidade baseada em indivíduos

.mlônomos e empáticos, que podiam se relacionar , para além de

Ni ias famílias imediatas , associações religiosas ou até nações, co m

valores universais maiores . 17

  Não há nenhum modo fác i l ou óbvio de provar ou mesmo

medir o efeito das novas experiências cul turais sobre as pessoas doséculo xviii , mui to me nos sob re as suas concepçõ es dos direitos. Os

i s l udos científicos das reações atuais à leitura e ao ato de ver tele-

\ is.io revelaram-se bast ante dif íceis, e eles têm a van tagem de exa-

m i i i a r sujeitos vivos que po de m ser expostos a estratégias de pes

quisa sempre mutáve is . Ainda ass im, os neuroc ient i s tas e os

 psicólogos cognitivos têm feito algu m progresso em ligar a biol o

gia do cérebro a resultados psicológicos e no f im das contas até

lociais e culturais. Mostraram, por exemplo, que a capacidade de

1 onstruir narrativas é baseada na biologia do cérebro, sendo cru

cial para o desenvolv imento de qual quer noçã o do eu. Certos t iposilc lesões cerebrais afetam a compreensão narrativa, e doenças

1 o r n o o autismo mostram que a capacidade de empatia — o reco-

uliecimento de que os outros têm mentes como a nossa — tem

m na base biológica. Na sua maior parte, en tretant o, esses estudo s

•.o examinam um lado da equação: o biológico. Mesmo que a

maior ia dos ps iquia t r as e a té a lguns neuroc ient i s tas concordem

|Ueo próprio cérebro é influenciado por forças sociais e culturais,

essa interação tem sido mais difícil de estudar. Na verdade, o pró-

11] i< > eu te m se most rad o mu it o difícil de exam inar. Sab emo s que

l ei 1 í o s a experiência de ter um eu, mas os neurocienti stas não co n-' . egui ram de te rminar o loca l dessa exper iênc ia , mui to menos

• plicar com o ela fun cion a. 18

Se a neurociência, a psiquiatr ia e a psicologia ainda estão

nu ei las sobre a natureza do eu, então talvez não seja surpreen-

1 lente que os historiadores tenham se mantido totalmente afasta-

31

 

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dos do assunto. A maioria dos historiadores provavelmente acre

dita que o eu é, em algum a medida, mo dela do por fatores sociais e

culturais, isto é, qu e a indiv idualid ade no século x signif icava algo

diferente do que significa para nós hoje em dia. Mas pouco se sabe

sobre a história da pessoa como um conjunto de experiências. Os

estudiosos têm escrito bastante sobre o surgimento do individua

l i smo e da autonomia com o dout r inas , porém mui to meno s sobrecomo o própr io eu poder ia mudar ao longo do tempo. Concordo

com outros historiadores que o signif icado do eu muda ao longo

do tempo, e acredito que a experiência — e não apenas a ideia — 

da individualidade muda de forma decisiva para algumas pessoas

no século xviii.

Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tor

tura ou ro manc es epistolares teve efeitos f ísicos que se tra duz iram

em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos

conceitos sobre a organização da vida social e polít ica. Os novos

tipos de leitura (e de visão e audição) cr iaram novas experiênciasindividuais (empatia) , que por sua vez tornaram possíveis novos

conceitos sociais e polít icos (os direitos hum an os ) . Nestas páginas

tento desemaranhar como esse processo se realizou. Como a his

tór ia , minha disc ipl ina , tem desdenhado por tanto tempo qua l

quer forma de argumento psicológico — nós historiadores fala

mos f r equentemente de r educ ion ismo psicológico, mas nunca de

reduc ionismo soc iológico ou cul tura l —, e la tem omi t ido em

grande parte a possibilidade de um argumento que depende de um

relato sobre o que acontece dentro do eu.

Estou tentando voltar de novo a atenção para o que acontece

dent ro das mentes individua is . Esse poder ia pa recer um lugar  

óbvio para procurar uma explicação das mudanças sociais e polí

t icas transformadoras, mas as mentes individuais — salvo as dos

grandes pensadores e escritores — têm sido surpreendentemente

negl igenc iadas nos t r aba lhos r ecentes das c iênc ias humanas e

32

sociais. A atenção te m se voltado para o con texto social e cultural,

e não para o modo como as mentes individua is compreendem e

remo delam esse contexto. Acredito que a muda nça social e polít ica

 — nesse caso, os direitos humanos — ocorre porque muitos indi

víduos tiveram experiências semelhantes, não porque todos habi

tassem o mesmo contexto social, mas porque, por meio de suas

i nterações entre si e com suas leituras e visões, eles realmente criaram um novo contexto social. Em suma, estou insistind o que qual

quer relato de mud anç a histórica deve no f im das contas explicar a

alteração das mentes individuais. Para que os direitos humanos se

(ornassem autoevidentes, as pessoas comuns precisaram ter novas

compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos.

33

 

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i. "Torrentes de emoções"

  Lendo romances e imaginando a igualdade

Um ano antes de publicar O contrato social, Rousseau ganhou

atenção internacional com um romance de sucesso, Júlia ou A nova

 Heloísa (1761). Embora os leitores modernos achem que a forma 

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antes de morr er , após salvar seu f ilho pequ eno do afo gamento. Será

que Rousseau procurava celebrar a submissão à autoridade do pai

e do esposo, ou tinha a intenção de retratar como trágico o ato de

ela sacrificar os seus próprios desejos?

O enredo, mesmo com suas ambiguidades , não expl ica a

explosão de emoções experimentada pelos leitores de Rousseau. O

que os comovia era a sua intensa identif icação com as persona

gens, especialmente Júlia. Como Rousseau já desfrutava de cele

  br idade inte rnac iona l , a not íc ia da iminente publ icação do seu

romance se espalhou como um rastilho de pólvora, em parte por

que ele l ia trechos do romance em voz alta para vários amigos.

Embora Vol ta i r e f izesse pouco da obra , chamando-a "esse l ixo

miserável", Jean le Rond d'Alembert, que coeditou a Encyclopédie

com Dide rot, escreveu a Rousseau para dizer que tinha "devora do"

o livro e avisá-lo de que devia esperar ser censur ado n um "país em

que se fala tanto do sentimento e da paixão e tão pouco se os

conhece". O Journal desSavantsadmiúa que o romance tinha defei

tos e até algumas passagens cansativas, mas concluía que somente

os de coração empedernido podiam resistir às "torrentes de emo

ções que tant o devastam a alma, que prov ocam de forma tão impe

riosa e t irânica lágrimas tão amargas". 1

Os cortesãos, o clero, os oficiais militares e toda sorte de pes

soas comuns escreviam a Rousseau para descrever seus sentimen

tos de um "fogo devorador", suas "emoções e mais emoções, con

vulsões e mais convulsões". Um contava que não tinha chorado a

morte de Júlia, mas que estava "gritando, uivando como um ani

mal" (f igura 1) . Como observou um comentarista do século xx a

respeito dessas cartas, os leitores do roman ce no século xvin não o

liam com prazer , mas antes com "paixão, delír io, espasmos e solu

ços". A tradu ção inglesa apareceu dois mes es após a edição original

francesa; seguiram-se dez edições em inglês entre 1761 e 1800.

Cento e quinze edições da versão francesa foram publicadas no

36

I I C U R A í . O leito de morte de Júlia

lista cena provocou mais sofrimento do que qualquer outra em Júlia, ou Á nova Heloísa. A gravura de Nicolas Delaunay, baseada num desenho dofamoso artista Jean-Michel Moreau, apareceu numa edição de 1782 dasI'Inas reunidas de Rousseau.

 

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mesmo per íodo para sa t i s fazer o ape t i te voraz de um públ ico

internacional que lia francês. 2

A leitura de Júlia predispôs os seus leitores para uma nova

forma de empatia. Embora Rousseau tenha feito circular o termo

"direitos humanos", esse não é o tema principal do romance, que

gira em torno de paixão, amo r e vir tude . Ainda assim, Júlia encora

  java uma identif icação extremamente intensa com os personagens

e com isso tornava os leitores capazes de sentir empatia além das

fronteira s de classe, sexo e naçã o. Os leitores do século XVIII, como

as pessoas antes deles, sentiam em patia por aqueles que lhes eram

  próximos e por aque les que e ram mui to obviamente seus seme

lhantes — as suas famílias imediatas, os seus parentes, as pessoas de

sua paróquia, os seus iguais sociais costumeiros em geral. Mas as

  pessoas do século XVIII t iveram de aprender a sentir empatia cru

zand o fronteiras mais ampla men te definidas. Aléxis de Tocqueville

conta uma história relatada pelo secretár io de Voltaire sobre

madame de Châtelet, que não hesitava em se despir na frente de seus

criados, "não considerando ser um fato comprovado que os cama

reiros fossem homens". Os direitos humanos só podiam fazer sen

tido quando os camareiros fossem também vistos como homens. 3

R O M A N C E S E E M P A T I A  

Romances como Júlia levavam os leitores a se identificar com

  personagens comuns, que lhes eram por definição pessoalmente

desconhec idos . Os le i tores sent iam empat ia pe los pe r sonagens ,

especialmente pela heroína ou pelo herói, graças aos mecanismos

da próp ria forma narrativa. Por meio d a troca f ictícia de cartas, em

outra s palavras, os romances epistolares ensi nava m a seus leitores

nada menos que uma nova psicologia e nesse processo estabele

ciam os fundamentos para uma nova ordem polít ica e social. Os

romances tornavam a Jú l ia da c lasse média e a té c r iados como

38

I 'ameia, a heroína do romance de mesmo nome escrito por Samuel

Richardson, igual e mesmo superior a homens r icos como o sr . B. ,

o empregador e futuro sedutor de Pamela. Os romances apresen

tavam a ideia de que todas as pessoas são fund amen talm ent e seme

lhantes por causa de seus sentimentos íntimos, e muitos romances

mostravam em particular o desejo de autonomia. Dessa forma, a

leitura dos romances cr iava um senso de igualdade e empatia por  meio do envolvimento apaixonado com a narrativa. Seria coinci

dência que os três maiores romances de identif icação psicológica

do século XVIII — Pamela (1740) e Clarissa (1747-8) , de Richard

son, e Júlia (1761), de Rousseau — tenham sido todos publicados

no per íodo que imedia tamente precedeu o surgimento do con

ceito dos "direitos do homem"?

 Não é preciso dizer que a empati a não foi inventada no século

XVIII. A capacidade de empatia é universal, porque está arraigada

na biologia do cérebro: depende de uma capacidade de base bioló

gica , a de compreender a subje t ividade de out ras pessoas e se r  

capaz de imaginar que suas experiências inter iores são semelhan

tes às nossas. As cr ianças que sofrem de aut ismo , por exemplo, têm

grand e dif iculdade em decodif icar as expressões faciais como indi

cadoras de sentimentos e em geral enfrentam problemas para atr i

 buir estados subjetivos a outros. O autismo, em suma, é caracter i

zado pela incapacidade de sentir empatia pelos outros. 4

  Normalmente , todo mundo aprende a sent i r empat ia desde

uma tenra idade. Embora a biologia propicie uma predisposição

essencial, cada cultura mod ela a expressão de empatia a seu modo .

A empatia só se desenvolve por meio da interação social: portant o,

as formas dessa inte ração conf iguram a empat ia de mane i ras

importantes. No século xviii , os leitores de romances aprenderam

a estender o seu alcance de empatia. Ao ler, eles sentiam empatia

além de fronteiras sociais tradicion ais entre os n obres e os plebeus,

os senhore s e os cr iados, os hom ens e as mulhe res, talvez até entre

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os adultos e as cr ianças. Em consequência, passavam a ver os ou

t ros —indivíduos que não conhec iam pessoa lmente—como seus

semelhantes , t endo os mesmos t ipos de emoções inte rnas . Sem

esse process o de ap rendiz ado, a "iguald ade" talvez não tivesse um

signi f icado profundo e , em par t icula r , nenhuma consequênc ia

  polít ica. A igualdade das almas no céu não é a mesma coisa que

direitos iguais aqui na terra. Antes do século xvin, os cristãos aceitavam pront ament e a pr imei ra sem admit i r a segunda .

A capacidade de identif icação através das l inhas sociais pod e

ter sido adquir ida de várias maneiras, e não me atrevo a dizer que

a leitura de romances tenha sido a única. Ainda assim, ler roman

ces parece especialmente pertinente, em parte porque o auge de

de t e r mi na do t i po de r oma n c e — o r e p i s t o l a r — c o i nci de c r ono l o

gicamente com o nasc imento dos di r e i tos humanos. O romance

epistolar cresceu como gênero entre as décadas de 1760 e 1780 e

depois , um tanto mis te r iosamente , ext inguiu- se na década de

1790. Romances de todos os t ipos t inham sido publicados antes,mas eles decolaram como gênero no século xvill , especialmente

depois de 1740, a data da publicação de Pamela, de Richardson. Na

França, oito novos romances foram publicados em 1701, 52 em

1750 e 112 em 1789. Na Grã-Bretanha , o núm ero de novos rom an

ces au men tou seis vezes entre a prime ira década do século xvin e a

década de 1760: cerca de tr inta novos romances apareceram todo

ano na década de 1770, qua renta por an o na de 1780 e setenta po r  

ano na de 1790. Além disso, mais pessoas sabiam ler, e os romanc es

de então apresentavam pessoas comuns como per sonagens cen

t r a i s , enf rentando os problemas cot idianos do amor e do casa

mento e construindo sua carreira no mundo. A capacidade de ler e

escrever t inha aumentado a ponto de até cr iados, homens e mulhe

res , l e rem romances nas grandes c idades , embora a le i tura de

roman ces não fosse então, ne m seja agora, com um en tre as classes

  baixas. Os camponeses franceses, que chegavam a constituir 80%

da população, não t inham o costume de le r romances , isso quan do

sabiam ler . 5

Apesar das l imitações do leitorado, os heróis e as heroínas

comuns do romance do século xvin, de Robinson Crusoé e Tom

Jones a Cla r i ssa Har lowe e Jul ie d 'É tanges , tornaram-se nomes

familiares, mesmo ocasionalmente para aqueles que não sabiam

ler . Os personagens ar istocráticos como Dom Quixote e a princesa

de Clèves, tão proeminentes nos romances do século xvii , agora

davam lugar a c r iados , mar inhe i ros e moças da c lasse média

(enquanto f ilha de um pequeno nobre suíço, até Júlia parece bem

classe média ) . A esca lada ext raordinár ia do romance à preemi

nência no século xvin não passou despercebida, e os estudiosos a

ligaram ao longo dos anos ao capitalismo, às ambições da classe

média, ao crescime nto da esfera pública, ao sur gim ento d a família

nuclear , a uma mudança nas relações de gênero e até ao surgi

mento do nac iona l i smo. Qua isquer que tenham s ido as r azões

  para o desenvolvimento do romance, o meu interesse é pelos seus

efeitos psicológicos e pelo modo como ele se l iga ao surgimento

dos di r e i tos humano s. "

Para chegar ao estímulo da identif icação psicológica propor

c ionado pe lo roman ce , concent ro-me sobre t r ês romances epis to

lares especialm ente influentes: f tília, de Rousseau, e dois romances

de seu predecessor inglês e modelo confesso, Samuel Richardson:

 Pamela(l740) e Clarissa (1747-8) . O meu argumento poderia ter  

abarc ado o rom anc e do século xvin em geral, e ter ia então c onside

rado as muitas mulheres que escreveram romances e os persona

gens masculinos, como Tom Jones ou Tristram Shandy, que defi

ni t ivamente também receberam mui ta a tenção. Dec idi me

concent ra r em Júlia, Pamela e Clarissa, três romances escritos por  

homens e cent rados em heroínas , por causa de seu indiscut íve l

impac to cul tura l . Eles não produz i ra m soz inhos as mud anças na

empat ia aqui t r açadas , mas um exame mais de ta lhado de sua

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recepção certamente mostra o novo aprendizado da empatia em

ação. Para compreender o que era novo a respeito do "romance"— 

um rótulo só adotado pe los esc r i tores na segunda metade do

século xviii — é proveitoso ver o q ue roma nces específ icos provo

cavam em seus leitores.

  No romance epistolar , não há nenhum ponto de vista autoral

fora e acima da ação (como mais tarde no romance realista doséculo xix): o pont o de vista autoral são as perspectivas dos perso

nagens expressas em suas cartas. Os "editores" das cartas, como

Richardson e Rousseau se denomin avam, c r iavam um a sensação

vívida de realidade exatamente porque a sua autoria f icava obscu

recida dentro da troca de cartas. Isso tornava possível uma sensa

ção intensificada de identificação, como se o personagem fosse real,

e não f ic t íc io . Mui tos contemporâneos comenta ram essa expe

r iência, alguns com alegria e assombro, outros com preocupação e

até repulsa.

A publicação dos romances de Richardson e Rousseau pro

duz iu r eações ins tantâneas — e não apenas nos pa íses em que

foram originalmente publicados. Um francês anônimo, que agora

se sabe que era um clérigo, publicou uma carta de 42 páginas em

1742 detalhando a "ávida" recepção dada à tradução francesa de

 Pamela: "Não se pode ent ra r numa casa sem encont ra r uma

Pamela" . Embora a f i rme que o romance tem mui tos de fe i tos , o

auto r confessa: "Eu o devorei". ("Dev orar" se tornaria a metá fora

mais co mu m para a leitura desses romances.) Ele descreve a resis

tência de Pamel a às investi das do sr. B., seu pat rão , com o se eles fos

sem antes pessoas reais que personagens f ictícios. Descobre-se

  preso pelo enredo. Treme quando Pamela está em perigo, sente

indignação quando personagens ar istocráticos como o sr . B. agem

de forma indigna. A sua escolha de palavras e t ipo de linguagem

reforçam repetidamente a sensação de absorção emocional cr iada

  pela leitura.7

42

O romance composto de cartas podia produzir esses efeitos

  psicológicos extraordinários porque a sua forma narrativa facili

tava o desenvolvimento de um "personagem", isto é, uma pessoa

com um eu inte r ior . Numa das pr imei ras ca r tas de Pamela, p o r 

exemplo, a nossa heroína descreve para a mãe como o seu patrão

tentou seduzi- la:

Ele me beijou duas ou três vezes, com uma avidez assust adora .—Por 

fim, arr anqüe i-me de seus braços, e estava saindo do pavilhão, mas

ele me reteve e fechou a porta. Eu teria dado a minha vida por um

vintém . E ele disse, não vou lhe fazer mal, Pamela, não tenha medo

de mi m. Eu disse, nã o vou ficar. Nã o vai, garota! Disse ele: Você sabe

com qu em está falando? Perdi todo o med o, e todo o respeito, e disse:

Sim, sei, senhor, até demais! — Bem que posso esquecer que so u sua

criada, quand o o senhor esquece o que é própri o de um patrão, SOLU

CEI e chorei com m uita tristeza. Que garota tola você é, disse ele: Eu

lhe fiz algum mal? — Sim, senhor, disse eu, o maior mal do mu nd o:o senhor me ensin ou a esquecer quem eu sou e o que me é própr io; e

diminuiu a distância que o destino criou entre nós, rebaixando-se

 para tomar liberdades com uma pobre criada.

Lemos a ca r ta junto com a mãe . Nenhum nar rador , nem mesmo

aspas se in te rpõem ent re nós e a própr ia Pamela . Não podemos

deixar de nos identif icar com Pamela e expe rimen tar com ela a eli

minação potencial da distância social, bem como a ameaça à sua

compostura (f igura 2) . 8

Embora tenha muitas qualidades teatrais e seja representada

 para a mãe de Pamela por meio da escrita, a cena difere também do

teatro porque Pamela pode escrever com mais detalhes sobre suas

emoções inter iores. Muito mais tarde, ela escreverá páginas sobre

suas ideias de suicídio qua nd o seus planos de fuga fracassam. Uma

 peça, em contraste , não pode ria se dem orar dessa maneira sobre a

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FIGURA 2. O sr. B. lê uma das cartas de Pamela a seus pais  Numa das cenas iniciais do romance, o sr. B. se aproximaimpetuosamente de Pamela e pede para ver a carta que elaestá escrevendo. Escrever é o meio de aut ono mia de Pamela.Os artistas e os editores não resistiram a acrescentar representações visuais das principais cenas. A gravura do artistaholandês Jan Punt apareceu numa antiga tradução francesa

  publicada em Amsterdã.

manifestação de um eu interior, que no palco em geral tem de ser 

i nferido a partir da ação ou da fala. Um roma nce de mu itas cen te

nas de páginas podia revelar um personagem ao longo do tempo e,

ai nda por cima, a partir da perspectiva do eu interior. O leitor não

segue apenas as ações de Pamela: ele participa do f lorescimen to de

sua personalidade enquanto ela escreve. O leitor se torna simulta

ne a me n t e P a me l a, me s mo qua ndo s e i ma g i na um( a ) a mi go ( a )dela e um observador de fora.

Assim que se tornou conhecido como o autor de Pamela em

1741 (ele publ icou o romance anoni mame nte ) , Richardson come

çou a receber cartas, a maiori a de entusiastas. O seu amigo Aaro n

I l i ll procl amo u que o ro man ce era "a alma da religião, boa educa

ção, discrição, bom caráter , espir ituosi dade, fantasia, belos pens a

mentos e mora l idade" . Richardson t inha enviado um exemplar  

 para as filhas de Aaron no início de dezembro de 1740, e Hill rabis

cou uma resposta imedia ta : "Não tenho fe i to nada senão le r o

roman ce para outros, e escutar que outro s o leiam para mim , desdeque me chegou às mãos; e acho provável que não faça nada mais,

  por só Deus sabe quanto tempo ainda por vir [...] ele se apodera,

Iodas as noites, da imaginação. Tem um feitiço em cada uma de

suas páginas; mas é o feitiço da paixão e do significado". O livro

com o que enfeitiçava os seus leitores. A narr ati va —a troca de car-

las — ar reba tava inesperadamente a todos , in t rodu z indo-os n um

novo conjunto de experiências. 9

Hill e suas f ilhas não estavam s ozinhos . A loucura por  Pamela

logo tragou a Inglaterra. Numa vila, dizia-se, os habitantes toca

ram os sinos da igreja depois de escutar o rumor de que o sr . B.

linha f inalmente se casado com Pamela. Uma segunda impressão

apareceu em janeiro de 1741 (o original foi publicado em 6 de

nov embr o de 1740), uma terceira em março, um a quarta em maio

e um a quint a em setembro. A essa altura, outros já t inh am escrito

  paródias, críticas extensas, poemas e imitações do original. A elas

45

 

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deveriam se seguir, com o passar dos anos, muitas adaptações tea

trais, pinturas e gravuras das cenas principais. Em 1744, a tradução

francesa entrou para o índex papal dos livros proibidos, onde logo se

veria acompanhada de Júlia, de Rousseau, junt o com muitas outras

obras do I luminismo. Nem todo mu nd o encont rava nesses roman

ces "a alma da religião" ou "a moralidade" que Hill afirmara ver. 10

Quando Richardson começou a publ ica r   Clarissa em dezem  bro de 1747, as expectativas eram elevadas. Quando os últimos

volumes (foram sete ao todo, cada um com trezentas a quatrocen

tas páginas! ) apareceram em dezembro de 1748, Richardson já

tinha recebi do cartas im plo ran do qu e ele oferecesse um final feliz.

Clarissa foge com o devasso Lovelace para escapar do pretende nte

abominável proposto pela sua família. Ela então tem de resistir a

Lovelace, que acaba estu pran do Clarissa depois de drogá-la. Ape

sar do oferecimento arrependido de casamento por parte de Love

lace, e de seus próprios sentimentos pelo sedutor , Clarissa morre,

o coração partido pelo ataque do devasso à sua vir tude e à suaconsc iênc ia de s i mesma. Lady Dorothy Bradsha igh contou a

Richardson a sua reação à cena da morte: "O meu ânimo é estra

nhamente a r reba tado, meu sono é agi tado, acordando à noi te

i r rompo num choro de pa ixão, como também me aconteceu à

hora do café esta manhã, e como me acontece neste momento". O

 poeta Thom as Edwards escreveu em janeiro de 1749: "Nunca senti

tanta tr isteza na minha vida como por essa querida menina", refe

r ida anteriormente como "a divina Clarissa". 11

Clarissa agradou mais aos leitores cultos que ao público em

geral, mas aind a assim teve cinco edições nos treze anos seguintes

e foi logo traduzido para o francês (1751), o alemão (1751) e o

holandês (1755). Um estudo das bibliotecas particulares monta

das entre 1740 e 1760 most rou que Pamela e Clarissa estavam entre

os três romances ingleses ( To m Jones, de Hen ry Fielding, era o ter

ce i ro) com mais probabi l idade de se rem encont rados ne las . O

46

l a ma nho de Clarissa sem dúvida desanimou a lguns le i tores :

mesmo antes de os tr inta volumes manuscritos irem para o prelo,

Richardson se preocup ou e tentou cor ta r o romanc e . Um bole t im

literário parisiense apresentou um julgamento misto sobre a lei

tura da tradu ção francesa: "Ao ler este livro, experi mente i algo ne m

um pouco comum, o mais in tenso prazer e o mais abor rec ido

tédio" . Mas dois anos mais ta rde out ro colaborador do bole t imanunciou que o gênio de Richardson, ao apresentar tantos perso

nagens individualizados, tornava Clarissa "talvez a obra mais sur

  preendente que já surgiu das mãos de um homem". 12

Embora Rousseau acreditasse que o seu romance era superior  

ao de Richardson, ele ainda assim considerava Clarissa o melhor de

todo o resto: "Ninguém ainda escreveu, em qualquer l íngua, um

roman ce igual a Clarissa, nem m esm o algum que dele se aproxime".

As comparações ent re Júlia e Clarissa c on t i nua r a m po r t odo o

século. Jeanne-Marie Roland, esposa de um ministro e coordena

dor informal da facção pol í t ica gi rondina durante a Revolução

I 'rancesa, confesso u a um amig o em 1789 que ela relia o roma nc e de

Rousseau todo ano, mas ainda considerava a obra de Richardson o

i ume da perfeição. "Não há ninguém no mundo que apresente um

romance capaz de supor ta r uma comparação com Clarissa: é a

obra-prima do gênero, o modelo e o desespero de todo imitador.""

Tanto os homens como as mulheres se identif icavam com as

I moi na s desses romanc es. Pelas cartas a Rousseau, sabe mos qu e os

homens, mesmo os of ic ia i s mi l i ta res , r eagiam intensamente a

I iíl ia. Um certo L ouis Fran çois, oficial militar apos entad o, escre

veu a Rousseau: "Você me deixou louco po r ela. Imagine en tão as

lagrimas que sua morte arrancou de mim. [ . . . ] Nunca verti lágri

mas mais deliciosas. Essa leitura teve um efeito tão poderoso sobre

mim que acredito que ter ia morrido de bom grado durante aquele

MI premo momento". Alguns leitores reconheciam explicitamente

.i sua identif icação com a heroína . C. J. Panckouck e, que se torn a-

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ria um famoso edito r, disse a Rousseau: "Senti passar pelo meu cora

ção a pureza das emoções de Júlia". A identificação psicológica que

con du z à empati a cruzava clara men te as fronteiras de gênero. Os lei

tores masculinos de Rousseau não só não se identif icavam com

Saint-Preux, o amante a que Júlia é forçada a renunciar, como sen

tiam ainda men os empati a por Wolmar, o seu man so esposo, ou pelo

 barão D'Étanges, o seu pai t irânico. Como as leitoras, os homen s seidentificavam com a própria Júlia. A luta de Júlia para dominar as

suas paixões e levar uma vida virtuosa tornava-se a sua luta. 14

Pela sua própr ia forma , por tanto, o romance epis tola r e ra

capaz de demo nst ra r que a individua l idade depend ia de qua l ida

des de " inte r ior idade" ( te r um âmago) , pois os pe r sonagens

expressam seus sentimentos íntimos nas suas cartas. Além disso,

o romance epis tola r most rava que todos os indivíduos t inham

essa inter ioridade (muitos dos personagens escrevem) e, conse

quent emente , que todos os indivíduos e ram de ce r to mod o igua is ,

  porque todos eram semelhantes por possuir essa inter ioridade. A

troca de ca r tas torna a c r iada Pamela , por exemplo, antes um

modelo de individua l idade e autonomia orgulhosa que um es te

reótipo dos oprimidos. Como Pamela, Clarissa e Júlia passam a

representar a própria individualidade. Os leitores se tornam mais

conscientes da capacidade que existe em si próprio e em todos os

out ros indivíduos . 15

Desnecessário dizer que nem todos experimentaram os mes

mos se ntim entos ao ler esses romances. O sagaz romanci sta inglês

Horace Walpole zombava das "lamentações tediosas" de Richard -

son," que são quadro s da vida elevada com o seriam concebi dos por 

um livreiro, e romances como seriam espir itualizados por um pro

fessor metodista". Entretanto, muitos sentiram rapidamente que

Richardson e Rousseau tinham mexido num nervo cultural vital .

Apenas um mês depois da publicação dos volumes f inais de Cla

rissa, Sarah Fielding, a irmã do grande r ival de Richardson e ela

48

  própr ia uma romanc is ta de sucesso, publ icou anonimamente um

  panfleto de 56 páginas defendendo o romance. Embora seu irmão

I lenry tivesse publicado um dos primeiros ar tigos satír icos sobre

  Pamela {An apol ogyfor the life ofmrs. Shamela Andrews, in which,

lhe many notoriousfalsehoods and misrepresentations ofa Book cal-

led "Pamela", are exposed and refuted [ Uma apologia à vida da sra.

Shamela Andrews, na qual as muitas falsidades e deturpações de umlivro chamado "Pamela"são desmascaradas e refutadas], 1741), ela

l i nha se tornado uma boa amiga de Richardson, que publicou um

tle seus roma nces. Um a das suas personag ens f ictícias, o sr. Clark,

insiste que Richardson conseguiu atraí- lo de tal modo para dentro

da teia de ilusões "que de minha parte estou intimamente familia

r izado com todos os Harlow [sic], como se os t ivesse conhec ido

desde os primeiros anos da minha infância". Outra personagem, a

sr ta. Gibson, insiste nas vir tudes da técnica li terár ia de Richard

son: "Mui to verdade i ro , senhor , é o seu comentá r io de que uma

história contada dessa maneira só pode se desenrolar lentamente,

de que os personagens só podem ser vistos por aqueles que pres

tam uma atenção precisa ao conjunto; entretanto, o autor ganha

u m a vantagem escrevendo no temp o presente, como ele própr io o

cham a, e na primeir a pessoa: o fato de que as suas pincelad as pene -

t i a m imediatam ente no coração, e sentimos todas as desgraças que

ele pinta; não só choramos por, mas com Clarissa, e a a c omp a nha

mos, passo a passo, por todas as suas desgraças". 1"

O célebre f isiologista e estudioso li terár io suíço Albrech t von

I laller publicou uma apreciação anônima de Clarissa em Gentle-

inans Magazine em 1749. Von Haller lutou com todas as forças

  pa ra compreender a or igina l idade de Richardson. Embora apre -

1 iasse as muitas vir tudes de romances franceses anteriores, Von

I laller insistia que eles não ofereciam "geralmente nada mais do

que representações das i lustres ações de pessoas i lustres", en

quanto no rom ance de Richardson o le i tor vê um per sonag em "na

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mesma posição de vida em que nós próprios nos encontramos". O

autor suíço examinou atentamente o formato epistolar . Embora os

leitores talvez tivessem dif iculdade em acreditar que todos os per

sonage ns gostavam de passar o seu temp o registran do os seus sen

t i me n t os e pe ns a me n t os í n t i mos , o r oma nc e e p i s t o l a r pod i a

apresenta r r e t r a tos minuc io samente acurado s de per sonagens in

dividuais e com isso evocar o que Haller chamava de compaixão:"O patético nunca foi exposto com igual força, e é manifesto em

milhares de exemplos que os temper amento s mais empedern idos

e insensíveis têm sido suavizados até a compaixão, derretendo-se

em lágrimas pela mort e, pelos sofr iment os e pelas tr istezas de Cla

r issa". Ele concluía que "Não conhecemos nenhuma representa

ção, em nenhuma língua, que chegue perto de poder competir com

esse romance". 17

D E G R A D A Ç Ã O O U M E L H O R A ?

Os contemporâneos sabiam por suas própr ias exper iênc ias

que a leitura desses romances tinha efeitos sobre os corpos, e não

apenas sobre as mentes, mas discordavam entre si sobre as con

sequências. O clero católico e protestante denunciava o potencial

de obscenidade, sedução e degradação moral. Já em 1734, Nico

las Lenglet-Dufresnoy, ele próprio um clérigo educado na Sor-

  bonne , achou necessá r io defender os romances cont ra os seus

colegas , a inda que sob um pseudônimo. Refutou provocadora

mente todas as objeções que levavam as autor idades a proibi r  

romances "como es t ímulos que se rvem para inspi ra r em nós sen

t i me n t os que s ã o de ma s i a do v i vos e de ma s i a do a c e n t ua dos " .

I n s i s t i ndo que o s r oma nc e s e r a m a p r op r i a dos e m qua l que r  

  período, ele concedia que "em todos os tempos a credulidade, o

amor e as mulheres têm re inado: ass im, em todos os tempos os

50

romances têm s ido l idos com a tenção e saboreados" . Ser ia

melhor concent ra r - se em torná- los bons , suger ia , do que tenta r  

supr imi- los por comple to . 1 8

Os a taques não te rmin aram quan do a produção de romances

disparo u em meados do século. Em 1755, out ro clér igo católico, o

abade Armand-Pierre Jacquin, escreveu uma obra de quatrocentas

  páginas para mostrar que a leitura de romances solapava a mora-I idade, a religião e todos os princípios da ordem social. "Abram

essas obras", ele insistia, "e vocês verão em quase todas os direitos

ila justiça divina e hu ma na violados, a autori dade dos pais sobre os

filhos desdenhada, os laços sagrados do casamento e da amizade

rompidos . " O per igo res idia prec isamente nos seus poderes de

a t ração: ao mar te la r constantemente as seduções do amor , e les

es t imulavam os le i tores a agi r segundo seus piores impulsos , a

recusar o conselho de seus pais e da igreja, a ignorar as censuras

morais da comunidade. O único lado bom em que Jacquin podia

  pensar era a falta de uma força duradoura nos romances. O leitor   podia devorar um roma nce na prime ira leitura, mas jamais o reler.

"Eu estava errado em profetizar que o romance de Pamela logo

seria esquecido? [...] Acontecerá o mesmo em três anos com Tom

lonese Clarissa?1*

Queixas semelh antes f luíam das penas dos protestant es ingle

ses. O reverendo Vicesimus Knox resumiu décadas de ansiedades

subsistentes em 1779, quando proclamou que os romances eram

degenerados, prazeres culpados que desviavam as jovens inteli

gências de uma leitura mais séria e edif icante. A excitação nos

romances britânicos só servia para disseminar os hábitos l iberti

nos franceses e explicava a corrupçã o da presente era. Os ro man

ces de Richardson, admitia Knox, t inham sido escritos com "as

i ntenções mais puras". Mas inevitave lmente o autor t inha narra do

cenas e excitado sentimentos que eram incompatíveis com a vir-

tude. Os clér igos não estavam sozinhos no seu desprezo pelo

51

 

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romance. Uma estrofe em Lady's Magazine de 1771 resumia uma

visão amplamente par t i lhada :

With Pamela, by name,

  No better acquainted;

 For as novels I hate,

My mind is not tainted.

[Pamela, só de nome,

Mais não conheço;

Como romances odeio,

Minha mente é sem defeito.]

Mui tos mora l i s tas temiam que os romances semeassem descon

tentamento, especialmente na mente de cr iados e moças. 2 "

O médico suíço Samuel-Auguste Tissot l igava a leitura de

romances à masturbação, que ele pensava provocar uma degeneração física, mental e moral. Tissot acreditava que os corpos ten

diam naturalmente a se deter iorar , e que a masturbação apressava

o processo tanto nos homens como nas mulheres. "Só o que posso

dizer é que o ócio, a inatividade, f icar temp o dema is na cama, um a

cama que seja demasiad o macia, um a dieta r ica, picante, salgada e

cheia de vinhos, amig os suspeitos e l ivros l icenciosos são as causas

mais propensas a gerar esses excessos." Com "licenciosos" Tissot

não quer ia dize r aber tamente pornográ f icos : no século XVIII ,

"licencioso" significava algo qu e tendia ao erótico, m as era disti nto

do muito mais objetável "obsceno". Os romances sobre o amor — e a maioria dos romanc es do século xvni contava histórias de amor 

  — escorregavam muito facilmente para a categoria dos l icencio

sos . Na Ingla te r ra , a s moças nos inte rna tos pa rec iam espec ia l

mente em perigo, por causa de sua capacidade de conseguir esses

livros "imorai s e repug nant es" para lê-los na cama. 21

Assim, os clérigos e os médi cos co ncor dav am em ver a leitura

de romances em te rmos de pe rd a— de temp o, de f luidos vi ta is , de

religião e de moralidade. Supunham que a leitora imitar ia a ação

do romance e se arrependeria mais tarde. Uma leitora de Clarissa,

  por exemplo, poderia desconsiderar os desejos da sua família e

concordar , co mo Clarissa, em fugir com um d evasso tipo Lovelace,

que a conduzir ia, por bem ou por mal, à sua ruína. Em 1792, umcrítico inglês anônimo ainda insistia que "o aumento de romances

ajuda a explicar o aumento da prostituição e os inúmeros adulté

rios e fugas de que ouvimos falar nas diferentes regiões do reino".

Segundo essa visão, os romances estimulavam exageradamente o

corpo, encora javam uma absorção em s i mes mo mora l ment e sus

  pe i ta e provocavam ações des t rut ivas em re lação à autor idade

familiar, moral e religiosa. 22

Richardson e Rousseau reivindicavam antes o papel de edi-

lor que o de autor , para que pudessem se esquivar da má reputa

ção assoc iada aos romances . Quando publ icou Pamela, Richardson nunca se referia à obra como um romance. O tí tulo completo

da pr imei ra edição é um es tudo sobre protes tos excess ivos:

  Pamela: Ou a virtude recompensada. Numa série de cartas fami

liares de uma bela bonzela a seus pais: agora publicadas pela pri

meira vez para cultivar os princípios da virtude e religião nas men

tes de jovens de ambos os sexos. Uma narrativa que tem o seu

  fundamento na verdade e na natureza; e ao mesmo tempo em que

agradavelmente entretém, por uma variedade de incidentes curio

  sos e patéticos, é inteiramente despida de todas aquelas imagens

que, em muitas obras calculadas apenas para a diversão, tendem a

inflamaras mentes que deveriam instruir. O prefácio "pelo editor"

Richardson justif ica a publicação das "seguintes Cartas" em ter

mos morais: elas instruirão e aperfeiçoarão as mentes dos jovens,

inculcarão a religião e a moralidade, pintarão o vício "em suas

cores apropr iadas" e tc . 23

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Embora também se referisse a si mesmo como editor , Rous

seau c la ramente considerava sua obra um roman ce . Na pr imei ra

frase do prefácio de Júlia, Rousseau l igava os romances à sua

famosa cr ít ica do teatro: "As grand es cidades dev em ter teatros; e

os povos corru ptos , Romances". Com o se isso não fosse aviso sufi

ciente, Rousseau também apresentava um prefácio que consistia

nu ma "Conversa sobre Romances ent re o Edi tor e um Hom em deLet ras" . Ne le, o pe r so nagem "R" (Rousseau) apresenta todas as

acusações habituais contra o romance por ele brincar com a ima

ginação para cr iar desejos que os leitores não podem satisfazer  

v i r t uos a me n t e :

Escutamos a queixa de que os Romances perturbam as mentes das

  pessoas: posso muito bem acreditar. Ao dispor interminavelmente

diante dos olhos dos leitores os pretensos encantos de um estado

que não é o deles, eles os seduzem, levam-nos a ver o seu próprio

estado com desprezo e trocam-no na imaginação por um estadoque os leitores são induzid os a amar. Tentando ser o que não somo s,

 passamos a acreditar que som os diferentes do que somos , e esse é o

caminho para a loucura.

E, mesmo assim, Rousseau passa então a apresentar um romance a

seus leitores. Ele até atirou a luva em desafio. Se alguém quer me

criticar por tê-lo escrito, diz Rousseau, que ele o diga para todas as

  pessoas do mundo, menos para mim. De minha par te , jamais

  poderia ter qualquer estima por um homem desses. O livro pode

r ia escandalizar quase todo mundo, Rousseau alegremente admi

te , mas ao menos não proporc ionará apenas um prazer tépido.

Rousseau esperava plenamente que os seus leitores t ivessem rea

ções violentas. 24

Apesar das preocupações de Richardson e Rousseau a r es

  pe i to de suas r eputações , a lguns c r í t icos já t inham começado a

54

(I esenvolver uma visão muit o mais positiva do funci onam ento do

romance. Já ao defender Richardson, Sarah Fielding e Von Haller  

i i nham ch amad o atenção para a empatia ou compaix ão estimula da

I >cla leitura de Clarissa. Nessa nova visão, os romances operavam

sobre os leitores para torná-los mais co mpreensiv os em relação aos

outros, em vez de apenas absorvidos em si mesmos, e assim mais

morais, e não menos. Um dos defensores mais ar ticulados doromance foi Diderot, autor do ar tigo sobre o direito natural para a

üncyclopéâie e e le própr io um romanc is ta . Quando Richardson

morreu, em 1761, Diderot escreveu um panegír ico comparando-o

aos maiores autores entre os antigos: Moisés, Ho mero , Eurípides e

Sófocles. Diderot se alongou mais, entretanto, sobre a imersão do

leitor no mundo do romance: "Apesar de todas as precauções,

assume-se um papel nas suas obras, somos lançados nas conversas,

aprovamos, censuramos, adm iramos, f icamos i r r i tados , sent imos

i ndignação. Quantas vezes não me surpreen di gritando, como acon

tece com as crianças que foram levadas ao teatro pela primeira vez:' N ão acredite, ele está engan an do você. [...] Se você for lá, estará per

dido'." A narrativa de Richardson cria a impressão de que você está

1) resente, reconhe ce Didero t, e ainda mais, que esse é o seu mu nd o, e

i ião um país mu ito distante, não u m local exótico, não um cont o de

ladas. "Os seus personagens são tirados da sociedade comum [...] as

  paixões que ele pinta são as que sinto em mim mesmo." 25

Diderot não usa os termos "identif icação" ou "empatia", mas

apresenta uma descrição convincente dos dois. Nós nos reconhece

mos nos personagens, ele admite, saltamos imaginativamente para

0 meio da ação, sentimos os mesmos sentimentos que os persona

gens estão experimentando. Em suma, aprendemos a sentir empa-

1 ia por alguém qu e não é nós mesm os e não pod e jamais ter conta to

di re to conosco (ao cont rá r io , d igamos, dos membros da nossa

la mília) , mas que ainda assim, de um mo do im aginativo, é tam bé m

nós mesmo s, send o esse um elemento crucial na identif icação. Esse

55

 

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  processo expl ica por que Panckoucke esc reveu para Rousseau:

"Senti passar pelo meu coração a pureza das emoções de Júlia".

A empatia depende da identif icação. Diderot percebe que a

técnica narrativa de Richardson o atrai inelutavelmente para essa

experiência. É uma espécie de incubadora do aprendizado emo

c iona l : "No espaço de a lgumas horas , passe i por um grande

nú me ro de situações que a mais longa das vidas não po de nos oferecer ao longo de sua total duraçã o. [ . .. ] Senti que tinh a adqui r id o

experiência". Diderot se identif ica tanto com os personagens que

se sente roubado no f inal do romance: "Tive a mesma sensação

que e xpe r i me n t a m os home ns que , i n t i ma me n t e e n t r e l a ç a dos ,

viveram juntos por um longo tempo e agora estão a ponto de se

separar . No f inal, t ive de repente a impressão de que haviam me

deixado sozinho". 26

Diderot simultaneamente perdeu a si mesmo na ação e recu

 perou a si me smo na leitura. Ele tem um a percepção mais nítid a da

separação de seu eu — agora se sente solitár io —, mas também  percebe com mais c la reza que os out ros também possuem uma

individualidade. Em outras palavras, tem o que ele próprio cha

mava aquele "sentimento inter ior" que é necessário aos direitos

humanos. Diderot compreende , a lém disso, que o e fe i to do

romance é inconsciente: "Nós nos sentimos atraídos para o bem

com uma impetuosidade que não reconhecemos. Quando con

frontados com a injustiça, experimentamos uma aversão que não

sabemo s como explicar para nós mesmo s". O roma nce exerce o seu

efeito pelo processo de envolvimento na narrativa, e não por dis

cursos moralizadores explícitos.27

A leitura de f icção recebeu o seu tratamento f ilosófico mais

sério no livro Elements of Criticism (1762), de Henry Home, lorde

Kames. O jurista e f i lósofo escocês não discutia os roma nces de per 

 si na obra, mas argumentava que a f icção em geral cr ia uma espé

cie de "presença ideal" ou "sonho acorda do" em que o leitor se ima-

56

gina transp ortad o para a cena descrita. Kames descrevia essa "pre

sença ideal" como um estado de transe. O leitor é "lançado numa

espécie de devaneio" e, "perdendo a consciência do eu e da leitura,

sua presente ocupação, concebe todo incidente como se ocorresse

na sua presença, precisamente como se ele fosse uma testemunha

(>cular". O que é mais importante para Kames é que essa transfor-

inação prom ove a morali dade. A "presença ideal" abre o leitor para

sentimen tos que reforçam os laços da sociedade. Os indiv íduos são

a trancad os de seus interesses privados e motivad os a desem pen har 

"a tos de generosid ade e benevolência". A "presença ide al" era out ro

termo para "o feitiço da paixão e do significado" de Aaron Hill. 28

Thomas Je f fe r son aparentemente par t i lhava essa opinião.

( , )uando Robert Skipwith, que se casou com a mei a-i rmã da esposa

de Jefferson, escreveu a ele em 1771 pedindo uma lista de livros

i ecomendados, Jefferson sugeriu muitos dos clássicos, antigos e

mod erno s, de polít ica, religião, direito, ciência, f i losofia e his tória.

lilements of Criticism de Kames estava na lista, mas Jefferson come-Çou o seu catálogo com poesia, peças teatrais e roma nce s, incluin

do os de Laurence S te rne , Henry Fie lding, Jean-François Mar -

montel, Oliver Goldsmith, Richardson e Rousseau. Na carta que

acompanhava a l i s ta de le i turas , Je f fe r son se tornava e loquente

sobre "as diversões da ficção". Como Kames, ele insistia que a fic-

•0 poderia gravar na memória tanto os princípios como a prática

d.i vi r tude . Ci tando espec i f icamente Shakespeare , Marmonte l e

•em e, Jefferson explicava que, ao ler essas obras, ex per im en tam os

•m nós próp rios o forte desejo de praticar atos carid oso s e gratos "

> . inversamente, f icamos rep ugna dos com as más ações ou a conduta imoral. A f icção, ele insistia, produz o desejo da imitação

moral com uma eficácia ainda maior que a da leitura de história. 29

Em últim a análise, o que estava em jogo nesse con flito de op i-

i sobre o romance era nada menos do que a valorização da

  v i . l , i s e c u l a r c omum c omo o f u n d a m e n t o da m o r a l i d a d e . Aos

57

 

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olhos dos c r í t icos da le i tura desse gênero, a s impa t ia por uma

heroína de romance estimulava o que havia de pior no indivíduo

(desejos i l ícitos e autorre speito excessivo) e demon strav a a dege

neração irrevogável do mundo secular . Para os adeptos da nova

visão de moralização empática, em contraste, essa identif icação

mostrava que o despertar de uma paixão podia ajudar a transfor

mar a na tureza inte r ior do indivíduo e produz i r uma soc iedademais mora l . Acredi tavam que a na tureza inte r ior dos humanos

fornecia um a base para a autorida de social e política.3"

Assim, o feit iço mágico lançado pelo romance mostrou ter  

efeitos de longo alcance. Emb ora os adeptos do ro man ce não o dis

sessem tão expl ic i tamente , e les compreendiam que esc r i tores

como Richardson e Rousseau es tavam efe t ivamente a t r a indo os

seus leitores para a vida cotidiana com o um a espécie de experiên

cia religiosa substituta. Os leitores aprend iam a apreciar a intensi

dade emoc ional do co mu m e a capacidade de pessoas com o eles de

criar por sua própria conta um mundo moral. Os direitos humanos c resceram no cante i ro semeado por esses sent imentos . Os

direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas apren

deram a pensar nos outros como seus iguais, como seus semelhan

tes em algum modo fundamental. Aprenderam essa igualdade, ao

menos em par te , exper imentando a ident i f icação com per sona

gens comun s que parec iam dramat icament e presentes e f ami l ia

res, me smo qu e em última análise f ictíci os. 3 '

O E S T R A N H O D E S T I N O D A S M U L H E R E S

  Nos três romances aqui escolhidos, o foco da identif icação

  ps icológica é uma jovem per sonagem feminina c r iada por um

auto r masculino. É claro, ocorr ia tam bém a identif icação com per

sonage ns masculino s. Jefferson, por exemplo , seguia avid amen te a

58

sorte de Tristram Shandy (1759-67), de Sterne, e do alter ego de

Sterne, Yorick, em Uma viagem sentimental  (1768). As escritoras

tinham também os seus entusiastas, tanto entre os leitores como

entre as leitoras. O abolicionista e reformador penal francês Jac-

ques-Pierr e Brissot citava Júlia constantem ente , mas o seu roma n

ce inglês favorito era Cecília (1782) , de Fanny Burney. Como o

exemplo de Burney confirma, entretanto, as personagens femininas possuíam uma posição elevada: todos os seus três romances

t inh am os nomes das he roínas apresentadas .32

As heroínas eram convincentes porque a sua busca de auto

nomia nunca podia se r plenamente bem-sucedida . As mulheres

tinham poucos direitos legais sem os pais ou maridos. Os leitores

achavam a busca de independênc ia da heroína espec ia lmente

comovente porque logo compreendiam as r es t r ições que essa

mulher inevitavelmente enfrentava. Num final feliz, Pamela se

casa com o sr. B. e aceita os limites implícitos de sua liberdade. Em

contrast e, Clarissa morre, em vez de se casar com Lovelace depoisque ele a estupra. Emb ora Júlia pareça aceitar a imposição do pai,

r enunc iand o ao home m que ama, ela tam bém mor re na cena f ina l .

Alguns c rí t icos mode rnos têm vis to masoq uismo o u mar t í r io

nessas histórias, mas os contemporâneos podiam ver outras carac

ter ísticas. Tanto os leitores com o as leitoras se identif icavam com

e s s a s pe r s ona ge ns , po r que a s mu l he r e s de mons t r a va m mui t a

força de vontade , m ui ta pe r sona l id ade . Os le i tores não qu er iam

apenas salvar as heroínas : quer iam ser como elas, até mesmo c omo

Clarissa e Júlia, apesar de suas mortes trágicas. Quase toda a ação

nos três romances gira em torno de expressões da vontade femi

nina, em geral uma vontade que tem de se atr i tar com restr ições

dos pais e da sociedade. Pamela deve resistir ao sr. B. para manter o

seu senso de virtude e o seu senso de individualidade, e a sua resis

tência acaba por conquistá- lo. Clarissa se mantém firme contra

sua família e depois contra Lovelace por razões bem parecidas, e no

59

 

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f inal Lovelace quer desesperadamente casar-se com Clarissa, uma

oferta que ela recusa. Júlia deve desistir de Saint-Preux e ap rende r 

a amar a sua vida com Wolmar: a luta é toda sua. Em cada rom ance ,

tudo remete ao desejo de independência da heroína. As ações dos

 personag ens mascul inos só servem para realçar essa vont ade femi

nina. Os leitores que sentiam empatia pelas heroínas aprendiam

que todas as pessoas — até as mulh eres — aspiravam a uma ma ior  autono mia , e exper imentavam imagin a t ivamente o esforço ps ico

lógico que a luta acarretava.

Os romances do século xvin refletiam uma preocupação cul

tura l mais profunda com a autonom ia . Os f i lósofos do I luminismo

acreditavam firmemente que tinham sido pioneiros nessa área no

século XVIII. Quando falavam de liberdade, queriam dizer autono

mia individual, quer fosse a l iberdade de expressar opiniões ou

  praticar a religião escolhida, quer a independência ensinada aos

men inos , se fossem seguidos os preceitos de Rousseau no seu guia

educa t ivo, Emilio (1762). A narrativa iluminista da conquista daautonomia a t ingiu o seu ápice no ensa io de 1784 de Immanue l

Kant, "O que é o I luminism o?". Ele o definiu celebrem ente com o "a

humanidade saindo da imaturidade em que ela própria incorreu".

A imaturidade, ele continuava, "é a incapacidade de empregar a

  própria compreensão sem a orientação de outro". O I luminismo,

 para Kant, significava aut ono mia intelectual, a capacid ade de pen

sa r por s i mesmo ."

A ênfase do I luminismo sobre a autonomia individual nasceu

da revolução no pensamento polít ico do século XVII, iniciada por 

Hugo Grot ius e John Locke . Eles t inham argumentado que o

acordo soc ia l de um homem autônomo com out ros indivíduos

também autônomos e ra o único fundamento poss íve l da autor i

dade pol í t ica legí t ima . Se a autor idade jus t i f icada pe lo di r e i to

divino, pela escritura e pela história devia ser substituída por um

cont ra to ent re homens autônomos, então os meninos t inham de

60

ser ensinados a pensar por si mesmos. Assim, a teoria educacional,

modelada de forma muito influente por Locke e Rousseau, deslo

cou-se de uma ênfase na obediência reforçada pelo castigo para o

( ultivo cuidadoso da razão como o principal movimento da inde

xe udência. Locke explicava a imp ortâ ncia das n ovas prá ticas em

  Pensamentos sobre a educação (1693) : "Devemos cuidar pa ra que

nossos f i lhos , quan do c resc idos , se jam como n ós pró pr ios . [ .. .]I 'refer imos ser considerados cr iaturas racionais e ter nossa liber

dade ; não gostamos de nos sent i r const r angidos sob constantes

repreensões e intimidações". Como Locke reconhecia, a autono

mia polít ica e intelectual dependia de educar as cr ianças (no seu

caso, tanto os meninos como as meninas) segundo novas regras: a

autono mia r equer ia uma nova re lação com o mu nd o, e não apenas

novas ideias. 34

Ter pensamentos e dec isões própr ios r equer ia , a ss im, tanto

mudanças psicológicas e polít icas como filosóficas. Em Emílio,

Rousseau pedia que as mães ajudassem a construir paredes psicológicas entre os seus f i lhos e todas as pressões sociais e polít icas

externas. "Montem desde cedo", ele recomendava,"um cercado ao

redor da alma de seu f ilho." O pregad or e panfletár io po lít ico inglês

Richard Price insistia em 1776, ao escrever em apoio aos colonos

americanos, que um dos quatro aspectos gerais da liberdade era a

liberdade física, "esse princípio da Espontaneidade, ou Autodeter

minação, que nos torna Agentes". Para ele, a l iberdade era sinônimo

de autodi reção ou autogoverno, a metá fora pol í t ica nesse caso

suger indo uma metá fora ps icológica ; mas as duas e ram int ima

mente r e lac ionadas .35

O s r e f o r ma dor e s i n s p i r a dos pe l o I l umi n i s mo que r i a m i r  

a lém de proteger o corpo ou ce rca r a a lma como recomendava

Rousseau. Exigiam uma ampliação do âmbito da tomada de deci

são individual. As leis revolucionárias francesas sobre a família

demonst ram a profundidade da preocupação sent ida em re lação

61

 

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às l imitações tradicionais impostas à independência. Em março de

1790, a nova Assemble ia Nac iona l abol iu a pr imogeni tura , que

dava direitos especiais de herança ao primeiro filho, e as infames

lettres de cachet, que permitiam às famílias encarcerar as cr ianças

sem julgamento. Em agosto do mes mo ano, os deputado s es tabe

leceram conselhos de família para ouvir as disputas entre pais e

filhos até a idade de vinte anos, em vez de permitir aos pais o controle exclusivo sobre os seus f i lhos. Em abril de 1791, a Assembleia

decretou que todas as cr ianças, meninos e meninas, deviam herdar  

igualmente. Depois, em agosto e setembro de 1792, os deputados

dim inuí ram a idade da maior ida de de 25 para 21 anos , dec la ra ram

que os adultos já não podiam estar sujeitos à autoridade paterna e

instituíram o divórcio pela primeira vez na história francesa, tor

nando-o acess íve l tanto para os homens como para as mulheres

  pelos mesmos motivos legais. Em suma, os revolucionários f ize

ram tudo o que foi possível para expandir as fronteiras da autono

mia pessoal.36

  Na Grã-Bre tanha e em suas colônias nor te -amer icanas , o

desejo de maior autonomia pode ser mais facilmente retraçado em

autobiografias e romances do que na lei , ao menos antes da Revo

lução Americana . De fato, em 1753, a Lei do Cas ame nto to rno u ile

ga is na Ingla te r ra os casament os daque les aba ixo de 21 ano s , a

men os que o pai ou o guardião consentiss e. Apesar dessa reafirma

ção da autor idade pa te rna , a ant iga dominação pa t r ia rca l dos

maridos sobre as esposas e dos pais sobre os f i lhos declinou no

século x vm . De Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, à Auto

biografia (escrita entre 1771 e 1788) de Benjamin Franklin, osesc r i tores ingleses e amer icanos ce lebra ram a independênc ia

como uma vir tude cardinal. O romance de Defoe sobre o mari

nhe i ro nauf ragado fornec ia um manua l sobre como um homem

  podia aprender a se defender sozinho. Não é surpreendente, por

tanto , que Rousseau tenha tornado o romance de Defoe le i tura

62

obrigatória para o jovem Emílio ou que Robinson Crusoétenha

s ido publ icado pe la pr imei ra vez nas colônias amer icanas em

1774, be m no meio do nasc imen to da c r i se da indepen dênc ia .

  Robinson Crusoé foi um dos best-sellers coloniais americanos de

1775, só rivaliz ado p or  Cartas de lorde Chesterfield a seu filho e O

legado de um pai a suas filhas, de John Gregory, popularizações das

v isões de Locke sobre a educação de me nin os e men inas . 3 7

As tendências na vida das pessoas reais se moviam na mesma

direção, ainda que de forma mais hesitante. Os jovens esperavam

cada vez mais pode r fazer as suas própria s escolhas de casame nto,

embora as famílias ainda exercessem grande pressão sobre eles,

i om o podia se r observado nos rom ances com enredos que gi r am

em torno desse ponto (por exemplo, Clarissa). As práticas de cr iar  

as cr ianças também revelam mudanças sutis de ati tude. Os ingle

ses abandonaram o costume de enrola r os bebês em panos antes

dos franceses (a Rousseau pode-se dar um considerável crédito

I nrr dissuad ir os franceses desse hábito) , mas mant iver am por mais

lempo o de bater nos meninos na escola. Na década de 1750, as

famílias ar istocráticas inglesas t inham deixado de usar correias

  para guiar o caminhar de seus f i lhos, desmamavam os bebês mais

cedo e, como as cr ianças já não eram enroladas em panos, ensina

vam mais cedo o uso do banh eiro n a hora de fazer as necessidades,

ludo sinal de uma ênfase crescente na independência. 38

Entre tanto , a história era às vezes mais confusa. O divórc io na

Inglaterra, ao contrár io de outros países protestantes, era vir tual

mente impossível no século x v m : entre 1700 e 1857, quan do a Lei

das Causas Matr imonia is es tabe leceu um t r ibuna l espec ia l pa raouvir casos de divórcio, apenas 325 divórcios foram concedidos

 pela lei pr ivada do Parl amen to na Inglaterra, no País de Gales e na

Ir landa. Emb ora o nú me ro de divórcios t ivesse de fato crescido, de

catorze na primeira metade do século x v m para 117 na segunda

metade, o divórcio estava para todos os efeitos l imitado a homens

63

 

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aristocratas, pois os motivos exigidos tornavam quase impossível

a obtenção do divórc io para as mulheres . Os números indicam

apenas 2,34 divórcios concedidos por ano na segunda metade do

século xviii. Depois que os revol ucionários franceses instituír am o

divórc io , em cont ras te , 20 mi l d ivórc ios foram concedidos na

França entre 1792 e 1803, ou 1800 por ano. As colônias britânica s

na América do Nor te seguia m em geral a prática inglesa de proibir  

o divórcio mas permitir alguma forma de separação legal; porém

após a independência, as petições de divórcio começaram a ser  

ace i tas pe los novos t r ibuna is na maior ia dos es tados . Estabe le

cendo uma tendência depois repetida na França revolucionária, as

mulh eres proto colar am a maior ia das petições de divórcio nos pri

meiros anos da independência dos novos Estados Unidos. 39

Em notas escritas em 1771 e 1772 sobre um caso legal de

divórcio, Th om as Jefferson ligava claram ente o divórcio aos direi

tos naturai s. O divórcio devolveria "às mulheres o seu direito nat u

ral de igualdade". Ele insistia que, por sua própr ia nature za, os cont r a tos por consent imento mútuo deviam se r dissolúve is se uma

das partes quebrasse o ac ord o— o mesmo a rg umen to que os revo

lucionários franceses usariam em 1792. Além disso, a possibili

dade do divórcio legal assegurava a "liberdad e de afeição", tamb ém

um direito natural. Na "busca da felicidade", tornada famosa pela

Declaração da Independência, estar ia incluído o direito ao divór

cio porq ue a "f inalidade do casam ento é a Repro duçã o & a Felici

dade". O direito à busca da felicidade requeria, por tant o, o divó r

c io . Não é por acaso que Je f fe r son apresenta r ia a rgumentos

semelhantes para um divórcio entre as colônias americanas e aGrã-Bretanha quatro anos mais tarde. 40

A medida que pressionavam pela expansão da autodetermi

nação, as pessoas do século xvm defrontavam-se com um dilema:

o que propiciar ia a origem da comunidade nessa nova ordem que

intensif icava os direitos do indivíduo? Uma coisa era explicar  

6 4

como a moralidade podia ser derivada da razão humana, e não da

Sagrada Escritura, ou com o a auto nom ia devia ser preferida à obe-

il iência cega. Mas era outra coisa comple tame nte diferente conci

liar esse indivíduo orientado para si mesmo com o bem comum.

()s f i lósofos escoceses de meados do século puseram a questão da

comunidade secula r no cent ro da sua obra e apresenta ram uma

resposta f i losófica que repercutia a prática da empatia ensinada  pelo romance. Os f ilósofos, como as pessoas do século xvm de

modo mais geral, chamavam a sua resposta de "simpatia". Usei o

(ermo "empatia" porque, apesar de ter entrado no vernáculo ape

nas no século xx, ele capta melhor a vontade ativa de se identificar 

com os outros. Simpatia agora signif ica frequentemente piedade,

(> que pode implicar condescendência, um sentimento incompatí

vel com um verdadeiro sentimento de igualdade. 41

A palavra "simpatia" t inha um signif icado muito amplo no

século xvm. Para Francis Hutche son, a simpa tia era uma espécie de

sent ido, uma faculdade mora l . Mais nobre do que a visão ou aaudição, sent idos par t i lhados com os animais , porém menos

nobre do que a consciência, a simpatia ou sen time nto de solidarie

dade torn ava a vida social possível. Pela força da natureza hu man a,

anterior a qualquer raciocínio, a simpatia atuava como uma espé

cie de força gravitacional social para trazer as pessoas para fora de

si mesmas. A simpatia assegurava que a felicidade não podia ser  

definida apenas pela autossatisfação."Por um a espécie de contágio

ou infecção", conc luía Hutcheson, " todos os nossos prazeres ,

mesmo aqueles do tipo mais inferior , são estranhamente intensif i

cados pelo fato de serem parti lhad os com os outros."42

Adam Smith, autor de A riqueza das nações (1776) e aluno de

I lu tcheson, dedicou uma de suas pr imei ras obras à questão da

simpatia. No capítulo inicial da sua Teoria dos sentimentos morais

(1759), ele usa o exemplo da tortura para chegar à maneira como

a simpatia opera. O qu e nos faz sentir comp aixão pelo so fr imento

65

 

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de alguém que está sendo torturado? Ainda que o sofredor seja um

irmão, nunca podemos experimentar diretamente o que ele sente.

Podemos apenas nos identificar com o seu sofrimento por meio da

nossa imaginação, que nos coloca a nós próprios na sua situação

suportando os mesmos tormentos, "como que entramos no seu

corpo e nos torn amos em alguma medi da ele próprio". Esse processo

de identificação imaginativa—simpatia—permite que o observador sinta o que a vítim a da tort ura sente. O observ ador só é capaz de

se tornar um ser verdadeiramente moral, entretanto, quando dá o

 próximo passo e compreende que ele também é passível dessa iden

tificação imaginativa. Quando consegue ver a si próprio como o

objeto dos sentimen tos dos outros, é capaz de desenvolver dentro de

si mesmo um "espectador imparcial" que serve como sua bússola

moral. A autonomia e a simpatia, portanto, andam juntas para

Smith. Apenas uma pessoa autônoma pode desenvolver um "espec

tador imparci al" dentro de si mesma, m as ela só pode fazê-lo, explica

Smith, caso se identifique com os outros primeiro.'11

A simpatia ou a sensibilidade — o último termo era muito

mais difundido em francês — tiveram uma ressonância cultural

ampla nos dois lados do Atlântico na última metade do século

XVIII. Thomas Jefferson lia Hutcheson e Smith, embora tivesse

citado especificamente o romancista Laurence Sterne como

aquele que oferecia "o melhor curso de moralidade". Dada a ubi

quidade de referências a simpatia e sensibilidade no mundo atlân

tico, não parece acidental que o primeiro romance escrito por um

americano, publicado em 1789, tivesse como título The Power of 

Sympathy. A simpatia e a sensibilidade permeavam de tal modo a

literatura, a pintura e até a medicina que alguns médicos começa

ram a se preocupar com um excesso dessas faculdades, que eles

receavam poder levar à melancolia, à hipocondria ou aos "vapo

res". Os médicos achavam que as damas desocupadas (as leitoras)

eram especialmente suscetíveis.44

66

A simpatia e a sensibilidade atuavam em favor de muitos gru

  pos não emancipados, mas não das mulheres. Capitalizando o

sucesso do romance em invocar novas formas de identificação psi-

( ológica, os primeiros abolicionistas encorajavam os escravos

libertos a escrever suas autobiografias romanceadas, às vezes par-

(ialmente fictícias, a fim de ganhar adeptos para o mov imen to nas-

i ente. Os males da escravidão adquiriram vida quando foram des

critos em primeira mão por homens como Olaudah Equiano, cujo

livro The Inter estingNar rative ofthe Life of Olaudah Equiano, or 

(iustavus Vassa, TheAfrican. Written by Himself 'foi publicado pela

 primei ra vez em Londres , em 1789. Mas a mai ori a dos abolicionis

tas deixou de relacionar sua causa com os direitos das mulheres.

I >cpois de 1789, muitos revolucionários franceses assumiriam

 posições públicas e vociferantes em favor dos direitos dos protes

tantes, judeus, negros livres e até escravos, ao mesmo tempo que se

oporiam ativamente a conceder direitos às mulheres. Nos novos

listados Unidos, embora a escravidão se apresentasse imediata

mente como tema para um debate acalorado, os direitos das mu

lheres provocavam ainda menos comentário público do que na

fiança. As mulheres não obtiveram direitos políticos iguais em

nenhum lugar antes do século xx.45

As pessoas do século xvin, como quase todo mundo na histó

ria h uman a antes delas, viam as mulheres como dep endent es, um

estado definido pelo seu status familiar, e assim, por definição, não

  plenamente capazes de autonomia política. Elas podiam lutar pela

, i i i Iodeter min ação como uma virtude privada, moral, sem estabe-

lei er ligação com os direitos políticos. Tinham direitos, mas nãoI io I í ticos. Essa visão se tor nou explícita quan do os revo lucio ná rios

li .mceses redigiram uma nova Constituição em 1789. O abade

I 1111 nanuel-Joseph Sieyès, um intérprete ilustre da teoria constitu-

I [onal, explicava a distinção emerge nte entre os direitos na turai s e

civis, de um lado, e os direitos políticos, de outro. Todos os habi-

67

 

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tantes de um país, inclusive as mulheres, possuíam os direitos de

um cidadão passivo: o direito à proteção de sua pessoa, proprie

dade e l iberdade. Mas nem todos eram cidadãos ativos, sustentava

ele, com direito a participar diretamente das atividades públicas.

"As mulh eres, ao men os no presente estado, as cr ianças, os estran

geiros, aqueles que não contr ibuem para manter a ordem pública"

eram definidos como cidadãos passivos. A ressalva de Sieyès, "ao

menos no presente es tado", de ixava uma pequena brecha para

mudanças futuras nos di r e i tos das mulheres . Out ros tenta r iam

explorar essa brecha, mas sem sucesso no cur to prazo . 46

Os poucos que de fato defendiam os direitos das mulheres no

século xvi i i eram ambivalen tes a respeito dos romances . Os oposi

tores t r adic iona is dos romances ac redi tavam que as mulheres

eram es pecialmente suscetíveis ao enlevo da leitura sobre o amo r,

e até os defensores dos romances, como Jefferson, preocupavam-

-se com os seus efeitos sobre as joven s. Em 1 818, um Jefferson mui to

mais velho do que aquele entusias mado co m seus romanc istas pre

fer idos em 1771 aler tava sobre "a paixão desregrada" por roman

ces entre as moças. "O resultado é um a imaginaçã o intumes cida" e

"um juízo doentio". Não é surpreendente, portanto, que os defen

sores ardentes dos direitos das mulh eres levassem essas suspeitas a

sério. Como jefferson, Mary Wollstonecraft , a mãe do feminismo

moderno, contrastou explicitamente a leitura de romances — "o

único tipo de leitura calculado para atrair uma inteligência ino

cente e fr ívola" — com a leitura de história e com a co mpre ensã o

racional ativa de modo mais geral. No entanto, a própria Wollsto

necraft escreveu dois romances centrados em heroínas, resenhou

mui tos roma nces na imprens a e a eles se referia cons tant emen te na

sua correspondência. Apesar de suas objeções às prescrições de

Rousseau para a educação feminina em Emílio, ela leu avidamente

 Júlia e usava expressões lembradas de Clarissa e dos romances de

Sterne para transmitir suas próprias emoções nas cartas. 47

68

Aprender a sentir empatia abriu o caminho para os direitos

humanos, mas não assegurava que todos seriam capazes de seguir  

imedia tamente esse caminho. Ninguém compreendeu i sso me-

I hor, nem se afligiu mais a esse respeito, do qu e o auto r da Decl ara-

ção da Independência. Numa carta de 1802 ao clér igo, cientista e

reformador inglês Joseph Priestley, Jefferson exibiu o exemplo

americano para o mundo inteiro: "É impossível não ter consciên

cia de que estamos agindo por toda a humanidade; de que circuns-

tâncias negadas a outros, mas a nós concedidas, impuseram-nos o

dever de experimentar qual é o grau de liberdade e autogoverno

que um a sociedade pod e se arr iscar a conced er a seus indivíduos",

lefferson pressionava pelo mais elevado "grau de liberdade" ima-

gj nável, o que para ele significava abrir a participação política para

lautos homens brancos quanto fosse possível, e talvez eventual

mente até para os índios, se eles pudessem ser transformados em

.!)• r icultores. Emb ora reconhece sse a huma nid ade dos n egros e até

OS direitos dos escravos como seres humanos, não imaginava um

estado em que eles ou as mulheres de qualquer cor t ivessem parte

al iva. Mas esse era o mais elevado grau de liberdade imaginável

 pa ra a imens a maioria dos ameri cano s e europ eus, mes mo 24 anos

mais tarde, no dia da morte de Jefferson. 48

69

 

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2. "Ossos dos seus ossos"

  Abolindo a tortura

Em 1762, no mesmo ano em que Rousseau usou pela primei

ra vez o term o "direitos do homem ", um tr ibuna l na cidade de Tou

louse, no sul da França, condenou um protestante francês de 64anos ch ama do Jean Calas por assassinar seu f ilho para imped ir que

ele se convertesse ao catolicismo. Os juízes condenaram Jean à

morte pelo suplício da roda. Antes da execução, Calas primeiro

teve de supor ta r uma tor tura judic ia lmente supervis ionada

conhecida como a "questão preliminar", que se destinava a conse

guir que aqueles já condenados nomeassem seus cúmplices. Com

os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele, Calas foi

esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava f ir

memente seus braços para cima, enquanto um peso de ferro man

tinha os pés no lugar (f igura 3) . Quando Calas se recusou a fornecer nom es depo is de duas aplicações, foi atado a um banco e jarros

de água foram despejados à força pela sua garganta, enquanto a

  boca era mantida aberta por dois pauzinhos (f igura 4) . Pressio

nado de novo a citar nomes, diz-se que ele respondeu: "Onde não

há crime, não pode haver cúmplices".

I 'IGURA3. Tortura judicial E quase impossível encontrar representações da tortura judicialmentesanci onad a. Esta xilografía de página inteira do século xvi (21,6 x 14,4 cm)tem o objetivo de mostrar um método empregado em Toulouse que se parece com o sofrido p or Jean Calas dois séculos mais tarde. É u ma versãoda tortura judicial mais comumente usada na Europa, chamada strap-¡mdo, nome derivado da palavra italiana para puxão ou rasgão violento.

 

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FIGURA 4. Tortura pela água

A xilografía do século xvi (21,6 x 14,4 cm) mos tra um mé tod o francês detortura pela água. Não é exatamente o mesmo que Calas sofreu, maschega perto o suficiente para transm itir a ideia geral.

A mor te nã o se seguia imedia tamen te , nem se pre tendia que

assim fosse. O suplício da roda, reservado aos hom ens co nde nado s

 por hom icíd io ou assalto na estrada, ocorr ia em dois estágios. Pri

meiro, o carrasco atava o condenado a uma cruz em forma de X e

esmagava sistematicamente os ossos de seus antebraços, pernas,

coxas e braços, desferindo em cada um deles dois golpes brutais,

l 'or meio de um sarilho preso à corda ao redor do pescoço do con

denado, um assistente embaixo do cadafalso então deslocava as

vér tebras do pescoço com puxões violentos na corda . Enquanto

isso, o carrasco fustigava a cintura com três golpes fortes da vara de

ferro. Depois o carrasco descia o corpo que brad o e o prendia, com

os memb ros tor tu rantem ente inc l inados para t r ás , a uma roda de

carruagem em cima de um poste de três metros. Ali o condenado

  permanec ia bas tante tempo depois da mor te , conc luindo "um

espe táculo mui to te r r íve l" . Numa ins t rução sec re ta , o t r ibuna l

conced eu a Calas a graça de ser estrangulado de pois de duas horas

de torme nto , antes que seu corpo fosse l igado à roda. Calas mo rre u

a inda protes tando inocênc ia .'

O "caso" Calas galvanizou a atenção quando foi adotado por 

Voltaire alguns meses depois da execução. Voltaire arrecadou

d inheiro para a família, escreveu cartas em nome de vários membros

da família Calas co m o intuit o de apresent ar suas visões originais dos

latos e depois publicou um panfleto e um livro baseados no caso. O

mais famoso desses foi o seu Tratado sobre a tolerância por ocasião da

morte de Jean Calas, no qual ele usou pela primeira vez a expressão

"direito humano"; o ponto principal de seu argumento era que a

intolerância não pod ia ser um direito hum an o (ele não pro pun ha oargumento positivo de que a l iberdade de religião era um direito

11 um ano ) . Voltaire não protestou inicialmente nem contra a tor tura ,

nem contra o suplício da roda. O que o enfureceu foi o fanatismo

religioso que ele concluiu ter motivado a polícia e os juízes: "É

impossível ver como , seguindo esse princípio [o direito hu ma no ],

73

 

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um ho me m pode dizer a outro, 'acredite no que eu acredito e no que

você nã o pod e acreditar, senão vai morrer'. É assim que eles falam em

Portugal, Espanha e Goa [países infames pelas suas inquisições]". 2

Co mo o culto calvinista público tinha sido proib ido na França

desde 1685, as autoridades apar entem ente não precisavam se esfor

çar muito para acreditar que Calas t ivesse matado o f ilho para

impe dir a sua conversão ao catolicismo. Certa noite, depois do jan

tar , a família t inha encontrado Mare-Antoine pendendo num vão

de porta q ue abria para uma despen sa nos fundos da casa, um apa

rente suicídio. Para evitar o escândalo, af irmaram ter descoberto o

corpo no chão, presumivelmente vítima de assassinato. O suicídio

era punível pela lei na França: uma pessoa que cometesse suicídio

não pod ia ser enterrada em chão consagrad o e, se considerada cul

  pada num julgamento, o corpo podia ser exumado, arrastado pela

cidade, pend ura do pelos pés e atirado no lixo.

A polícia se aproveitou das incoerências no testemunho da

família e logo prendeu o pai, a mãe e o irmã o jun to com seu criado

e um visitante, acusando todos de assassinato. Um tr ibunal local

con den ou o pai, a mãe e o irmão à tortu ra para obter confissões de

culpa (chamada a "questão preparatória") , mas na apelação o Par-

lement* de Toulouse revogou a sentença do tr ibunal local, recu

sou-se a aplicar a tor tura antes da condenação e considerou cul

  pado apenas o pai, esperando que ele nomeasse os outros quando

torturado pouco antes da sua execução. A publicidade inexorável

dada por Voltaire ao caso valeu para o resto da família, que ainda

não tinha sido inocentada. O Conselho Real primeiro anulou os

veredictos por razões técnicas em 1763 e 1764 e depois, em 1765,

voto u a favor da absolvição de todos os envolvidos e da dev olução

dos bens confiscados da família.

Dura nte a tempes tade a respeito do caso Calas, o foco de aten-

* Parlement: cor te de jus t iça . (N.T. )

74

ção de Voltaire começou a mudar, e cada vez mais o próprio sis

tema de justiça cr iminal, e especialmen te o seu emp rego da tor tu ra

e da crueldade, passou a ser cr it icado. Nos seus textos iniciais sobr e

Calas, em 1762-3, Voltaire não usou nem uma única vez o termo

geral "tortura" (empregando em seu lugar o eufemismo legal "a

questão") . Ele denunciou a tortura judicial pela primeira vez em

1766 e depois estabeleceu frequ entem ente a l igação entre Calas e atortura. A compaixão natural leva todo mundo a detestar a cruel

dade da tortura judicial , insistia Voltaire, embora ele próprio não

tivesse dito essas palavras antes. "A tortura tem sido abolida em

< >utros países, e com sucesso: a questão está, port ant o, decidida." As

visões de Voltaire mudaram tanto que em 1769 ele se sentiu com

  pelido a acrescentar um artigo sobre "Tortura" a seu Dicionário

 filosófico, publi cado pela prim eira vez em 1764 e já no índex papal

tios l ivros proibido s. No artigo, Voltaire emprega a sua alternâ ncia

habitual do r idículo e do ataque fulminante para condenar as prá

ticas francesas com o incivilizadas: os estrangeiros julgam a Fran ça pelas suas peças teatrais, romanc es, versos e belas atr izes, sem saber  

que não há nação mais cruel que a França. Uma nação civilizada,

conclui Voltaire, já não p ode seguir "antigos cost umes atrozes". O

c i ue há mu ito te mp o tinha pareci do aceitável a ele e a muit os ou tro s

  passava a ser posto em dúvida. 3

Assim como aconteceu com os di r e i tos humanos de modo

mais geral, as novas ati tudes sobre a tor tura e sobre uma punição

mais humana se c r i s ta l iza ram pr imei ro na década de 1760, não

.i penas na França, mas em outros países europeus e nas colônias

american as. Frederico, o Gran de, da Prússia, amigo de Voltaire, jálinha abolido a tortura judicial nas suas terras em 1754. Outros

imitaram seu exemplo nas décadas seguintes: a Suécia em 1772, a

Áustria e a Boêmia em 1776. Em 1780, a monarquia francesa eli

minou o uso da tortura para extrair confissões de culpa antes da

i ondenação, e em 1788 aboliu provisoriamente o uso da tortura

75

 

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  pouco antes da execução para obter os nomes de cúmplices. Em

1783, o governo britânico descontinuou a procissão pública para

Tyburn, onde as execuções t inham se tornado um impor tante

ent re tenimento popula r , e in t roduz iu o uso r egula r da "queda" ,

uma plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para asse

gura r enforcamentos mais r ápidos e mais hum ano s. Em 1789, o

governo re volucionári o francês renunc iou a todas as formas de tortura judicial , e em 1792 introd uziu a guilhotina , que tinha a inten

ção de tornar a execução da pena de morte uniforme e tão indolor  

qua nto possível. No f inal do século xvm, a opin ião pública parecia

exigir o f im da tortura judicial e de muitas i ndignid ades infligidas

aos corpos dos condenados. Como o médico americano Benjamin

Rush insistia em 1787, não devemos esquecer que até os cr iminoso s

"possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os

de nossos amigos e conhecidos. São ossos dos seus ossos". 4

T O R T U R A E C R U E L D A D E

A tortura judicialmente supervisionada para extrair confis

sões t inha sido introduzida ou reintroduzida na maioria dos paí

ses europeus no século XIII, como consequência do refloresci

mento da le i romana e do exemplo da Inquis ição ca tól ica . Nos

séculos xvi, xvii e Xvm, muitas das mais refinadas inteligências

legais da Europa dedicaram-se a codif icar e regularizar o uso da

tortura judicial para impedir abusos perpetrados por juízes exage

radamente ze losos ou sádicos . A Grã-Bre tanha t inha suposta men te substituí do a tortura judicial pelos júris no século XIII, m as

a tortu ra ainda ocorria nos séculos xvi e XVII nos casos de sedição e

feitiçaria. Contra as bruxas, por exemplo, os magistrados escoce

ses mais severos empregavam ferroadas, pr ivação de sono, tor tura

  pe las "botas" ( esmagar as pe rnas) , que imaduras com fe r ro em

  brasa e outros métodos. A tortura para obter os nomes de cúmpli

ces era permitid a pela lei colonial de Massachu setts, mas apa rente

mente nunca e ra ordenada . 5

As formas bruta is de punição depois da condenação e ram

ubíquas na Europa e nas Américas. Embora a Bill ofRights br i tâ

nica de 1689 proibisse expressamente o castigo cruel, os- juízes

ainda sentenciavam os cr iminosos ao poste dos açoites, ao bancodos afogamentos, ao tronco, ao pelourinho, ao ferro de marcar , à

e xe c uç ã o po r a r r a s t a me n t o e e s qua r t e j a me n t o ( de s me mbr a

mento do corpo por meio de cavalos) ou, para as mulheres, arras-

lamento, esquartejamento e morte na fogueira. O que constituía

uma punição "cruel" dependia claramente das expectativas cultu

ra is . Foi somente em 1790 que o Par lamento br i tânico proibiu

queimar as mulheres na fogueira. Antes, entretanto, havia aumen

tado dramaticamente o número de ofensas capitais, que segundo

algumas estimativas tr iplicou no século xvm e em 1753 tinh a con

tr ibuído para tornar as punições por assassinato ainda mais horr íveis a f im de aumentar seu poder de dissuasão. O Parlamento

também ordenou que os corpos de todos os assass inos fossem

entregues a cirurgiões para dissecação — naquele tempo conside

rada uma ignomínia — e concedeu aos juízes a autoridade discri

cionária de ordenar que o corpo de qualquer assassino masculino

fosse dependurado acor rentado depois da execução. Apesar do

crescente desconfort o com esse escarnecer do cadáver dos assassi

nos, a prática só foi definitivamente abolida em 1834/ '

  Não surpreende que a punição nas colónias tenha seguido os

  padrões es tabe lec idos no cent ro imper ia l . Ass im, um te rço detodas as sentenças na Corte Superior de Massachusetts, mesmo na

última metade do século xvm, exigia humilhações públicas que

iam desde usar cartazes até a perda de uma orelha, a marcação a

ferro e o açoite. Um contemporâneo em Boston descreveu como

"as mulheres era m tiradas de um a imensa jaula, na qual eram arras-

7776

 

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tadas sobre rod as desde a prisão, e atadas num post e com as costas

nuas, nas quais eram aplicadas tr inta ou quarenta chicotadas entre

os gritos das culpadas e o tumulto da turba". A Bill ofRights br i tâ

nica não protegia os escravos, porque eles não eram considerados

 pessoas com direitos legais. Virginia e Carolina do Nort e permi tiam

expressam ente a castração de escravos por ofensas hediond as, e em

Maryl and, nos casos de pequen a traição ou incêndi o cr iminos o por   parte de um escravo, a mão direita era cortada e o escravo depois

enforcado, a cabeça cortada, o corpo esqu artejado e as partes des

membradas exibidas em públ ico. Ainda na década de 1740, os

escravos em Nova York pod iam ser queima dos até a morte de forma

tor turante mente lenta , supl ic iados na roda ou depend urados po r  

correntes até morrerem por falta de alimento. 7

A maioria das sentenças determinadas pelos tr ibunais france

ses na últim a metad e do século xvin ainda incluía alguma forma de

castigo corporal público, como a marcação a ferro, o açoite ou o

uso do colarinho de ferro (que ficava preso a um poste ou ao pelou

rinho — figura 5) . No mesmo ano em que Calas foi executado, o

 Parlementde Paris* sentenciou apelações de processos penais con

tra 235 homens e mulheres julgados em primeira instância no tr i

  bunal de Châtelet (um tr ibunal de instância inferior) de Paris: 82

foram sentenciados ao banimento e à marcação a ferro, em geral

combinados com açoites; nove à mesma combinação mais o cola

r inho de ferro; dezenove à marcação a ferro e ao aprisionamento;

vinte ao confinamento no Hospital Geral,** depois de serem mar

cados a ferro e/ou terem de usar o colarinho de ferro; doze aoenforcamento; três ao suplício da roda; e um a morrer queimado

* O Parlementde Paris era a mais alta corte de justiça do Antigo Regime.(N.T.)** Fund ado po r Luís xiv, o Hospital Geral servia para recolher marginais ,indigentes etc. (N. T.)

 Le -véritable PorlraiiiTtre' d âpres nature sur  Lh  Place du Palais Roy\il,d'Emmanuel Jean de

là Caste cotndamné par Jugement souverainde M vie Lieutenant G- de Police, dii28.Jau/l 

1760• au Carcan pendant  3.  Jaurs a Ittmanpl,et aux Galères a perpétuité^).

FIGURA 5. O colarinho de ferroA. ideia deste castigo era uma humi lhação p ública. Esta reprodução de umartista anônimo mostra um homem condenado por fraude e libelo em1760. Segundo a legenda, ele foi primeiro preso ao colarinh o de ferro por três dias e depois marca do a ferro e enviado às galés para o resto da vida.

 

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na fogueira. Se todos os outros tribunais de Paris fossem incluídos na

conta, o número de humilhações públicas e mutilações aumenta

r ia para quinh entas ou seiscentas, com uma s dezoito execuções — 

em apenas um ano, numa única jurisdição. 8

A pena de morte podia ser imposta de cinco maneiras dife

rentes na França: decapitação para os nobres; enforcamento para

os c r iminosos comun s; a r ras tamento e esquar te jamento por ofen

sas cont ra o soberano conhec idas como lèse-majesté; mor t e na

fogueira por heresia, magia, incêndio cr iminoso, envenenamento,

 bestialidade e sodom ia; e o suplício da roda por assassinato ou sal-

teamento. Os juízes ordenavam ar ras tamen to e esquar te jamento e

morte na fogueira com pouca frequência no século xvi l i , mas o

suplício da roda era muito comum: na jurisdição do Parlementde

Aix-en-Provence, no sul da França, por exemplo, quase a metade

das 53 sentenças de morte impostas entre 1760 e 1762 era pelo

suplício da roda.''

Mas da década de 1760 em diante, camp anh as de vários t ipos

levaram à abolição da tort ura sancio nada pelo estado e a uma cres

cente moderação nos castigos (até para os escravos) . Os reforma

dores atr ibuíam suas realizações à difusão do humanitar ismo do

Iluminismo. Em 1786, o reformador inglês Samuel Romilly olhou

  para trás e af irmou cheio de confiança que "à medida que os

homens r e f le tem e r ac ioc inam sobre esse tema impor tante , a s

noções absurdas e bárbaras de justiça que prevaleceram por eras

têm s ido demol idas , e têm s ido adotados pr inc ípios humanos e

racionais em seu lugar". Muito do impulso imediato para pensar  

sobre o assunto veio do curto e vigoroso Dos delitos e das penas,

  publicado em 1764 por um aristocrata i taliano de 24 anos, Cesare

Beccaria. Promovido pelos círculos em torno de Diderot, tradu

zido rapidamente para o francês e o inglês e avidamente l ido por 

Voltaire no decorrer do caso Calas, o pequeno livro de Beccaria

examinav a o sistema de justiça cr imina l de cada nação. O sistema

8o

i taliano recente nã o rejeitava apenas a tor t ura e o castigo cruel, mas

t a mb é m — n um a a t it ude ex t r a o rd i ná r ia pa ra a é poc a — a p róp r i a

  pena de morte. Contra o poder absoluto dos governantes, a orto

doxia religiosa e os privilégios da nobreza, Beccaria propunha um

  padrão democrá t ico de jus t iça : "a maior f e l ic idade do maior  

número". Vir tualmente todo reformador a partir de então, de Phi

ladelphia a Mos cou, o citava.1"

Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento.

Para ele, a pena de mort e só podia ser "pernicio sa para a sociedade,

  pelo exemplo de barbárie que proporciona", e ao objetar a "tor

mentos e crueldade inútil" na punição ele os r idicularizava como

"o in stru men to de um fanati smo furioso". Além disso, ao justif icar  

a sua intervenção ele expressava a esperança de que se "eu contr i

  buir para salvar da agonia da morte uma vítima infeliz da tirania,

ou da ignorânc ia igua lmente f a ta l , a sua bênção e lágr imas de

êxtase serão para mim um consolo suficiente para o desprezo de

toda a humanidade". Depois de ler Beccaria, o jurista inglês William Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria caracter ís

tica após a visão do I luminismo: a lei cr iminal, af irmava Black

s tone , deve sempre "se conformar aos di tados da verdade e da

  justiça, aos sentimentos humanitár ios e aos direitos indeléveis da

huma n i da de " . "

Entretanto, como mostra o exemplo de Voltaire, a eli te edu

cada, e até muitos dos principais reformadores, não compreendeu

imediatamente a conexão entre a l inguagem nascente dos direitos

e a tor tur a e o castigo cruel. Voltaire escarneceu do malogro da jus

tiça no caso Calas, mas não ob jetou origi nalm ente ao fato de que o

velho fora torturado ou supliciado na roda. Se a compaixão natu

ra l leva todo mundo a de tes ta r a c rue ldade da tor tura judic ia l ,

como Voltaire disse mais tarde, por ç|ue isso não era óbvio antes da

década de 1760, nem mes mo para ele? Eviden temente , antolh os de

8l

 

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algum tipo haviam atuado para inibir a operação da empatia antes

desse per íodo . 12

Quando os escritores e os reformadores legais do I luminismo

começaram a questionar a tor tura e a punição cruel, ocorreu uma

viravolta quase completa de ati tude ao longo de algumas décadas.

A descober ta do sent iment o de companh e i r i smo const i tu ía pa r te

dessa mudança , mas apenas par te . O que e ra prec iso a lém da

empatia — na verdade, nesse caso, uma precondição necessária

 pa ra a empat ia com o conden ado pe la jus t iça—e ra um novo inte

resse pe lo corpo humano. Antes sagrado apenas dent ro de uma

ordem re l igiosamente def inida , em que os corpos individua is

 podiam se r mut i lados ou tor turado s para o bem co mum , o corpo

se tornou sagrado por s i própr io numa ordem secula r que se

  baseava na autonomia e inviolabi l idade dos indivíduos . Esse

desenvolvimento ocorre em duas partes. Os corpos ganharam um

valor mais posi t ivo quando se tornaram mais separados , mais

senhores de si mesmos e mais individualizados durante o desenro

lar do século XVIII, enquan to as violações dos corpos provocavam

mais e mais reações negativas.

  A P E S S O A A U T Ô N O M A  

Embora possa parecer que os corpos estão sempre inerente

mente separados um do out ro , ao menos após o nasc imento, a s

fronteiras entre os corpos se tornaram mais nitidamente definidas

depois do século xiv. Os indivíduos se tornaram mais autônomos

à medid a que sentia m cada vez mais a necessidade de guardar para

si mesmos os seus excretos corporais. O limiar da vergonha bai

xou, enquanto a pressão por autocont role aumentou. O a to de

defecar ou urinar em público tornou-se cada vez mais repulsivo.

As pessoas come çaram a usar lenços em vez de assoar o nariz com

82

as mãos . Cuspi r , comer num a t ige la com um e dormi r num a cama

c om um e s t r a nho t o r na r a m- s e a t o s r e pugna n t e s ou a o me nos

desagradáveis. As explosões violentas de emoção e o comporta

mento agressivo passaram a ser socialmente inaceitáveis. Essas

mudanças de a t i tude em re lação ao corpo e ram as indicações

superficiais de uma transformação subjacente. Todas assinalavam

0 advento do indivíduo fechado em s i mesmo, cujas f ronte i r astinham de ser respeitadas na interação social. A compostura e a

auton omia r equ er iam um a c rescente autodisc ipl ina .13

As mudanças do século xviii nos espetáculos musicais e tea

trais, na arquitetura doméstica e na ar te do retrato t iveram como

  base essas alterações de longo prazo nas atitudes. Além disso, essas

novas exper iênc ias r eve la ram-se c ruc ia is pa ra o surgimento da

 própria sensibilidade. Nas décadas depo is de 1750, em vez de cami

nhar pe lo tea t ro para encont ra r e conversa r com os amigos , o

 público das óperas com eçou a escutar a música em silêncio, o que

1 he facultava sentir fortes emoçõe s individu ais em reação à música.Uma mulher contou a sua r eação à ópera Alceste, de Gluck, que

estreou em Paris em 1776: "Escutei essa nova obra com uma pro

funda atenção. [ .. .] Desde os prime iros com passo s fui invadida por 

um for te sent imento de admiração reverente e sent i dent ro de

mim esse impulso religioso com tal intensidade [...] que sem me

dar conta caí de joelhos no meu camarote e permaneci nessa posi

ção, suplicante e com as mãos unidas, até o final da peça". A reação

dessa mulher é especialmente notável, porque ela (a carta é assi

nada Pauline de R***) traça um paralelo explícito com a experiên

cia religiosa. O fundamento de toda a autoridade estava se deslocando de uma es t rutura r e l igiosa t r anscendenta l pa ra uma

estrutura humana inter ior; mas esse deslocamento só podia fazer  

sentido para as pessoas se fosse experimentado de um modo pes

soal, até mesmo íntimo. 1 4

Os frequentadores do teatro exibiam uma tendência maior  

83

 

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  pa ra as a r ruaças durante os espe táculos do que os amantes da

música , mas mesmo no tea t ro novas prá t icas anunc iavam um

futuro di fe rente em que as peças se r iam representadas numa

atmosfe ra semelhante a um s i lênc io r e l igioso. Durante grande

  parte do século xvin, os espectadores parisienses coordenavam os

atos de tossir, cuspir, espirrar e soltar gases para perturbar os espe

táculos de que não gostavam, e demonst rações públ icas de em  briaguez e de brigas interrompiam frequentemente as frases dos

ar t i s tas . Para colocar os espec tadores a uma dis tânc ia maior e

assim tornar mais dif íceis as perturbações, a possibilidade de se

sentar no palco foi eliminada na França em 1759. Em 1782, os

esforços para estabelecer a ordem na plateia ou parterre culmina

ram na instalação de banc os na Coméd ie Française; antes disso, os

espec tadores na pla te ia andavam l ivremente nesse espaço e às

vezes compor tavam-se mais como uma turba do que como um

  públ ico. Embora os bancos fossem aca loradamente contes tados

na imprensa da época e vistos por alguns como um ataque perigoso à l iberdade e franqueza da plateia, a direção dos a conte cimen

tos t inha se torn ado clara: as explosões coletivas deviam dar lugar  

a experiências inter iores individuais e mais tranquilas. 15

A arquitet ura residencial reforçava esse sentido de sepa ração

do indivíduo. A "câmara" (chambre) nas casas francesas tornou-se

cada vez mais especializada na segunda metade do século xvin. A

sala, antes de f inalidade geral, transformou-se no "quarto de dor

mir", e nas famílias mais r icas as cr ianças t inh am qu artos de dor

mir separados do de seus pais. Dois terços das casas parisienses

t inham quar tos de dormir na segunda metade do século xvin,enq uan to apen as um a em sete t inha salas destin adas às refeições. A

elite da sociedade parisiense começ ou a insistir nu ma variedad e de

quartos para uso privado, que iam desde os boudoirs (que vem do

francês bouâer  para "amuar-se" — um quarto para expressar seu

mau humor em privado) à toalete e aos quartos de banho. Ainda

assim, o movimento em direção à privacidade individual não deve

ser exagerado, ao menos na França. Os viajantes ingleses queixa

vam-se incessantemente da prá t ica f r ancesa de t r ês ou qua t ro

e s t r a nhos do r mi r e m num me s mo qua r t o numa hos pe da r i a

(ainda que em camas separadas) , do uso de lavatórios à vista de

todos, do ato de urin ar na lareira e do de jogar o con teúd o dos pen i

cos na rua pelas janelas. As suas queixas atestam, entretanto, um  processo em andamento em ambos os países. Na Inglaterra, um

novo exemplo notáve l e ra o c i r cui to de caminhada no ja rdim,

desenvolvido nas grandes propriedades rurais entre as décadas de

1740 e 1760: o circuito fechado, com suas vistas e monumentos

cuidadosamente escolhidos, destinava-se a intensif icar a contem

 plação e a recordação privadas . 16

Os corpos sempre tinham sido centrais para a pintura euro

  peia, mas antes do século XVII eram com muita frequência os cor

 pos da Sagrada Família, dos san tos católicos ou dos govern antes e

seus cortesãos. No século XVII e especialmente no xvin, mais pessoas comuns começaram a encomendar pinturas de si mesmas e de

suas famílias. Depois de 1750, as exposições públicas regulares — 

elas próprias uma nova caracter ística da vida social — apresenta

vam números crescentes de retratos de pessoas comuns em Lon

dres e Paris, mesm o que a pint ura histórica aind a ocupasse oficial

mente a posição de premier genre.

 Nas colônias britânicas na América do No rte, a ar te do retrato

dom inav a as ar tes visuais, em parte porq ue as tradições polít icas e

ec les iás t icas europe ias t inham menor peso. A impor tânc ia dos

retratos só fez crescer nas colônias no século xvin: quatro vezesmais retratos foram pintados nas colônias entre 1750 e 1776 do

que ent re 1700 e 1750, e mui tos desses r e t r a tos r epresentavam

cidadãos comu ns e propr ie tá r ios de te r ras ( f igura 6 ) . Qua ndo a

  pintura his tór ica ganhou nova proeminênc ia na França sob a

Revolução e o Império Napo leónic o, os retratos aind a consti tuíam

«s

 

40% d i d S l O b d

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FIGURA 6. Retrato do capitão John Pigott feito por Joseph BlackburnComo muitos artistas ativos nas colônias americanas, Joseph Blackburn

nasceu e foi muito provavelmente educado na Inglaterra antes de ir paraBermuda em 1752 e no ano seguinte para Newport, em Rhode Island.Depois de pintar muitos retratos em Newport, Boston e Portsm outh, em

 New Hampshire, ele retornou para a Inglaterra em 1764. Esta pintura aóleo do final da década de 1750 ou início dos anos 1760 (127 x 101,6 cm)forma um par com o retrato da esposa de Pigott. Blackburn era conhecido por sua atenção minuciosa às rendas e a outros detalhes nas roupas.

uns 40% das pinturas apresentadas nos Salons. Os preços cobrados

  pe los pintores de r e t r a tos aumenta ram nas ú l t imas décadas do

século xviii , e as gravuras levaram os retratos a um público mais

ampl o do que os mode los originais e suas famílias. O mais famoso

 pintor inglês da era, sir Joshua Rey nolds, fez a sua reputação c om o

retratista e, segu ndo Ho race Walpole, "resgatou a pint ura de retra

tos da insipidez". 17

Um espec tador contemporâneo expressou o seu desdém

depois de ver o número de retratos na exposição francesa de 1769:

A multidão de retratos, senhor, que me impressiona por toda parte,

força-me, a despeito de mi m mes mo, a falar agora deste assunto e a

tratar deste tema árido e monótono que tinha reservado para o

final. Em vão o público há muito tempo reclama da multidão de

 burgueses q ue deve passar incessan temente em revista. [...] A faci

lidade do gênero, a sua utilidade e a vaidade de todas essas perso na

gens mesquinhas estimulam nossos artistas principiantes. [...] Gra

ças ao infeliz gosto do século, o Salon está se tornando uma mera

galeria de retratos.

0 " infe l iz gosto" do século emanava da Ingla te r ra , segundo os

franceses, e assinalava para mu itos a im inen te vitória do comércio

sobre a verdadeira ar te. No seu ar tigo "Retrat o" para a Encyclopédie

i le muitos volumes de Diderot, o chevalier Louis de Jaucourt con

cluía que "o gênero de pintura mais seguido e procurado na Ingla-

1 erra é o do retrato". Mais tarde no mesmo século, o escritor Louis-

Sébastien Mercier tentou tranquilizar os espír itos: "os inglesessi >bressaem nos retratos, e nada supera os retratos de Regnols [ sic],

entre os quais os principais exemplos são os maiores, em tamanho

maturai, e no mesmo patamar das pinturas históricas" (f igura 7) .

I )o seu costu meiro m od o as tuto , Merc ie r t inha capta do o e le

mento cr ít ico — na Inglaterra, os retratos eram comparáveis ao

87

 

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FIGURA 7. Retrato de lady Charlotte Fitz-William, mezzotinto feito por  James MacArdell de umapintura realizada por sir Joshua Reynolds, 1754Reynolds ganhou fama por pintar retratos de figuras importantes dasociedade britânica. Ele frequentemente pintava apenas as faces e asmãos de seus modelos, deixando ao cuidado de especialistas ou assisten

tes a roupagem e a indumentária. Charlotte tinha somente oito anos naépoca deste retrato, mas o seu penteado , os brincos e o broch e de pérolalhe dão uma aparência mais velha. Reproduções como esta levaram afama de Reynolds ainda mais longe. James MacArdell fez mezzotintos demuitos retrat os pintad os por Reynolds. A legenda diz: "J. Reynolds pinxt.J. McArdell fecit. Lady Charlotte Fitz-William. Pub licado p or J. Reynoldsde acordo com a Lei do Parlamento 1754".

 pr incipal gênero d a Academ ia de Belas-Artes francesa, as pi ntu ras

his tór icas . A pessoa comum podia então se r he róica meramente

em vi r tude de sua individua l idade . O corpo comum t inha agora

dis t inção.18

É verdade que os retratos podiam transmitir algo completa

mente di fe rente da individua l idade . À medida que a r iqueza

comerc ia l c resc ia aos t r ancos e ba r rancos na Grã-Bre tanha , naFrança e em suas colônias, encomendar retratos como uma marca

de s ta tus e nobreza r e f le t ia um aumento mais ge ra l do consu

mismo. A semelhança nem sempre t inha impor tânc ia nessas enco

mendas . As pessoas comuns n ão quer iam parecer com uns nos seus

re t r a tos , e a lguns pintores de r e t r a tos ganharam reputação mais

  por sua capacidade de pintar rendas, sedas e cetins do que faces.

Entretanto, embora os retratos às vezes focalizassem representa

ções de t ipos ou a legor ias de vi r tudes ou r iqueza , na segunda

metade do século xvili esses retratos diminuíram de importância

quando os ar tistas e seus clientes começaram a preferir represen-l ações mais naturais da in dividu alidade psicológica e f isionômica.

Além disso, a própria proliferação de retratos individuais estimu

lou a visão de que cada pessoa era um indivíduo — isto é, singular,

separado, distinto e original, e assim é que devia ser repres ent ado ."

As mulheres desempenharam um pape l às vezes surpreen

dente nesse desenvolvimento. A voga de romances como Clarissa,

que foca l izavam mulheres comuns com uma r ica vida inte r ior ,

fazia com que as pinturas alegóricas de modelos femininos com

laces semelhantes a máscaras parecessem irrelevantes ou simples

mente decora t ivas . No entanto, como os pintores procuravamcada vez mais franqueza e intimidade psicológica nos seus retra-

los, a relação entre o pintor e o modelo tornou-se mais carregada

cie uma visível tensão sexual, especialmente quando as mulheres

 pintavam os hom ens . Em 1775, James Boswell registrou as cr ít icas

de Samuel Johnson contra as retratistas: "Ele [Johnson] achava a

89

 

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  pintura de retratos um emprego impróprio para as mulheres. 'A

  prática pública de qualquer arte, e o ato de perscrutar a face dos

homens, é a lgo mui to inde l icado numa mulher '" . Ainda ass im,

várias pintoras de retratos se tornaram verdadeiras celebridades

na ú l t ima metade do século xvin. Denis Diderot encomendou o

seu retrato a uma delas, a ar tista alemã Anna Therbusch. Na sua

crítica do Salon de 1767, onde a pintura apareceu, Diderot sentiuque precisava se defender contra a sugestão de que tinha dormido

com a ar tista, "um a mulh er que não é bonita". Mas ele tamb ém teve

de admitir que sua f ilha f icou tão impressionada com a seme

lhança do retrato feito por Therbusch que precisava se controlar  

  para não o beijar cem vezes, na ausência de seu pai, por medo de

ar ruinar a pintura . 20

Assim, embo ra alguns cr ít icos talvez julgassem a sem elhança

nos retratos secundária para o valor estético, a parecença era

obviamente muito valorizada por muitos clientes e por um cres

cente número de cr ít icos. No seu autorrevelador  Journal to Eliza,escrito em 1767, Laurence Sterne se refere repetidamente à "sua

doce Imagem sentimental" — o retrato de Eliza, provavelmente

feito por Richard Cosway, tudo o que ele tem de sua amada

ausente. "A sua Imagem é Você Mesma — toda Sentim ento , Suavi

dade e Verdade. [ . .. ] Original mui to querid a! Co mo se parece com

você — e se parecerá — até que você a faça desaparecer pela sua

  presença." Assim como aconteceu no romance epistolar , também

na p i n t u r a de r e t r a t o s a s mu l he r e s de s e mpe nha r a m um pa pe l

fundamenta l no processo da empat ia . Ainda que a maior ia dos

homens, em teor ia , quisesse que as mulheres conservassem os  papéis de modéstia e vir tude, na prática as mulheres inevitavel

mente representavam e assim evocavam o sentimentalismo, uma

atitude qu e sempre ameaçava ir além das suas próp rias fronteiras. 21

Tão valorizada era a semelhança, por f im, que em 1786 o

músico e gravurista francês Gilles-Louis Chrétien inventou uma

90

FIGURA 8. Fisionotraço de JeffersonA legenda diz: Quenedy dei. ad vivum et sculpt. (Traçado a part ir 

modelo vivo e gravado por Quenedey.)

má qu i na c ha ma da f i s i ono t r a ç o , que p r oduz i a me c a n i c a me n t e estimulad as para fazer o bem e dissu adidas de seguir seus instintos

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q ç , q p

retratos de perfil (ver figura 8). O perfil original em tamanho natu

ral era depois reduzido e gravado sobre uma placa de cobre. Entre

as centenas de perf is produzidos por Chrétien, pr imeiro em cola

  boração com Edmé Quenedey, um miniaturista, e depois r ivali

zando com ele, encontrava-se um de Thomas Jefferson produzido

em abril de 1789. Um emigrad o francês introdu ziu o processo nos

Estados Unidos, e Jefferson mandou fazer outro perf il em 1804.Agora uma curiosidade histórica há muito obscurecida pelo surgi

mento da fotografia, o fisionotraço é ainda outro sinal do interesse

em representar pessoas comuns — Jefferson à parte — e em captar 

as menores diferenças entre cada pessoa. Além disso, como suge

rem os comentá rios de Sterne, o retrato, especialmente a miniatura,

servia frequentemente como um desencadeador de lembranças e

uma opor tunidade para r eencont ra r uma emoção amorosa . 22

O E S P E T Á C U L O P Ú B L I C O D A D O R  

Caminhar pelo jardim, escutar música em silêncio, usar um

lenço e ver retratos são todas ações que parecem acompanhar a

imagem do leitor empático, e que parecem completamente incon

gruentes c om a tortura e execução de Jean Calas. Mas os própr ios

  juízes e legisladores que su stentav am o sistema legal tradicional e

defendiam a té a sua dureza sem dúvida escutavam música em

silêncio, encomendavam retratos e possuíam casas com quartos de

dormi r , embo ra talvez não tivessem lido os roman ces por causa da

sua assoc iação com a sedução e a devass idão. Os magis t r ados

endossavam o sistema tradicional de cr ime e castigo porque acre

ditavam que os culpados do cr ime só podiam ser controlados por 

uma força externa. Na visão tradicional, as pessoas comuns não

sabiam regula r suas própr ias pa ixões . Tinham de se r l ide radas ,

92

mais baixos. Essa tendência para o mal na humanidade resultava

do pecado original, a doutr ina cr istã de que todos são inatamente

  predispostos para o pecado desde que Adão e Eva foram privados

da graça de Deus no jard im do Éden.

Os escritos de Pierre-François Muyart de Vouglans nos dão

uma compreensão rara da posição tradicionalista, pois ele foi um

dos pou cos juristas que aceitar am o desafio de Beccaria e publicaram defesas dos métod os antigos . Além de suas muitas obras sob re

a lei cr iminal, Muyart também escreveu ao menos dois panfletos

defendendo o c r i s t ianismo e a tacando seus c r í t icos modernos ,

especialmente Voltaire. Em 1767, publicou uma refutação, ponto

 por ponto , das ideias de Beccaria. Opôs-se nos te rmo s mais fortes

à tentativa de Beccaria de fund amen tar o seu sistema sobre "os sen-

(imentos inefáveis do coração". "Eu me orgulho de ter tanta sensi

  bilidade quanto qualquer pessoa", insistia, "mas sem dúvida não

lenho uma organização de f ibras [ te rminações nervosas] tão

frouxa quanto a de nossos modernos cr iminalistas, pois não senti

esse estremecimento suave de que falam." Em vez disso, Muyart

sentiu surpresa, para não dizer choque, quando viu que Beccaria

construiu seu sistema sobre as ruínas de todo o senso comum. 2 3

Muyar t zombou da abordagem rac iona l i s ta de Beccar ia .

"Sentado no seu gabinete, [o autor] começa a redigir as leis de

Iodas as nações e nos leva a comp reen der que até agora nunca tive

mos um pen sam ento exato ou sólido sobre esse assunto crucial." A

razão de ser tão difícil reformar a lei criminal, segundo Muyart, era

que ela estava baseada sobre a lei positiva e dependia menos do

raciocínio que da experiência e da prática. O que a experiência

ensinava era a necessidade de controlar os indisciplinados, e não

.1 lagar as suas sensibilidades: "Qu em, de fato, não sabe que, como

()s hom ens são mode lado s pelas suas paixões, o seu tem pera men to

domina muito frequentemente os seus sentimentos?". Os homens

93

 

devem ser julgado s com o são, não co mo dev eriam ser , ele insistia,

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e só o pode r de uma justiça ving adora qu e inspira um temor reve

rente podia refrear esses temperamentos. 24

A ostentação da dor no cadafalso era destinada a insuflar o

te r ror nos espec tadores e dessa forma se rvia como um ins t ru

mento de dissuasão. Os que a presenciavam—e as multidões eram

frequentemente imensas—eram levados a se identif icar com a dor 

da pessoa condenada e, por meio dessa experiência, a sentir amajestade esma gado ra da lei , do Estado e, em úl tima instância, de

Deus. Muyart, portanto, achava revoltante que Beccaria tentasse

  justif icar os seus argumentos por referência à "sensibilidade em

relação à dor do culpado". Essa sensibilidade fazia o sistema tradi

cional funcionar . "Precisamente porque cada homem se identif i

cava com o que acontecia ao outro e porque ele t inha um horror  

natural à dor , era necessário preferir , na escolha dos castigos,

aquele que fosse mais cruel para o corp o do culpad o." 25

Pela compreensão tradicional, as dores do corpo não perten

c iam inte i r amente à pessoa condenada individua l . Essas dores

tin ham os propósi tos religiosos e polít icos mais elevados da reden

ção e reparação da comunidade. Os corpos podiam ser mutilados

com o objetivo de impor a autoridade, e quebrados ou queimados

com o objetivo de restaurar a ord em mor al, polít ica e religiosa. Em

outras pa lavras , o ofensor se rvia como uma espéc ie de ví t ima

sacrif icai, cujo sofr imento restauraria a integridade da comuni

dade e a ordem do Estado. A natureza sacrificai do rito na França

era sublinhada pela inclusão de um ato formal de penitência (a

amende honorablé) em muitas sentenças francesas, quando o cr i

min oso con den ado carregava uma tocha de fogo e parava na frente

de uma igreja para pedir perdão a caminho do cadafalso. 26

Como a punição era um rito sacrificai, a festividade inevita

velmente aco mpan hava e às vezes eclipsava o medo . As execuções

 públicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação

94

F I G U R A 9. Procissão para Tyburn, por William Hogarth, 1747 0 aprendiz ocioso executado em Tyburn é a ilustração 11 da série de1 logarth Industryand Idleness [Atividade e ociosidade], que compara odestino de dois aprendi zes. Esta representa o triste fim de Thom as Idle, oaprendiz ocioso [em inglês, the idle apprentice]. A forca pode ser vista nofundo à direita, perto da tribuna para a multidão. Um pregador metodista discursa enfadonhamente para o prisioneiro, que está provavelmente lendo a sua Bíblia enquanto é transportado de carroça ao lado deseu caixão. Um homem vende bolos no primeiro plano à direita. O seucesto está rodeado por quatro velas porque ele está ali desde o amanhecer, servindo as pessoas que che garam cedo para conseguir bon s lugares.I Im garoto está roubando a sua carteira. Atrás da mulher apregoando aconfissão de Thomas Idle está outra, vendendo gim guardado no cesto

 preso à sua cintura. À sua frente uma mulher dá um soco num homem,enquanto outro homem ali perto se prepara para atirar um cachorro no  pregador. Hogarth capta toda a desordem da multidão da execução. Alegenda diz: "Desenhado & Gravado por Wm Hogarth Publicado

segundo a Lei do Parlamento 30 de setem bro de 1747".

 

com unit ár ia do dan o do crime. As execuções em Paris ocorria m na sas sobre as tor t uras infligidas a nossos semelhantes". Desn ecessá

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com unit ár ia do dan o do crime. As execuções em Paris ocorr ia m na

mesma praça — a Place de Greve — em que os fogos de artifício

celebravam os nascim entos e os casa mentos da família real. Como

os observad ores frequen temente relatavam, entretan to, essa festivi

dade tinha em si uma qualidade imprevisível. As classes inglesas

educad as expressavam cada vez mais a sua desaprovação das "cenas

espantosas de embriaguez e devassidão" que acompanhavam toda

execução em Tyburn (f igura 9) . Em cartas, os observadores depl o

ravam que a mul t idão r idicula r izasse os c lé r igos enviados para

  prestar assistência aos prisioneiros, que os aprendizes de cirurgiões

e os amigos dos executados brigassem pelos cadáveres, e de modo

geral que houvesse a expressão de uma "espécie de Alegria, como se

o Espetáculo que tinham presenciado lhes proporcionasse Prazer  

em vez de Dor". Relatando um enforcamento no inverno de 1776, o

MorningPostde Londres reclamava que a "multidão impiedosa se

compor tava com uma indecênc ia ext remamente desumana—gr i

tando, r indo, a t i r ando bolas de neve uns nos out ros , pr inc ipa l

mente naqueles poucos que manifestavam uma compaixão apro

  priada pelas desgraças de seus semelhantes".27

Mesmo quando a mul t idão e ra mais moderada , só o seu

tamanho já podia ser perturbador. Um visitante britânico em Paris

relatou uma execução pelo suplício da roda em 1787: "O barulho

da mul t idão e ra como o mu rmú r io rouco causado pe las ondas do

mar quebran do ao longo de uma costa rochosa : por um mom ent o

amainava; e num silêncio terr ível a multidão contemplava o car

rasco pegar uma barra de ferro e dar início à tragédia, golpeando o

antebraço da vítima". Muito perturbador para este e muitos outrosobservadores era o grande número de espectadoras: "É espantoso

que a parte mais delicada da cr iação, cujos sentimentos são tão

requintadamente te rnos e r e f inados , venha em grandes números

  para ver um espetáculo tão sangrento; mas, sem dúvida, é a pie

dade, a compaixão bondosa que sentem o que as torna tão ansio-

96

g

rio dizer , não é "sem dúvida" que essa fosse a emoção predomi

nante das mulheres. A multidão já não sentia as emoções que o

espetáculo se destinava a provocar . 28

A dor, o castigo e o espetáculo público do sofr imento perde

ram todos as suas amarras religiosas na segunda metade do século

xviii , mas o processo não aconteceu de repente e não era muito

  bem compreendido à época. Mes mo Beccaria deixou de ver todas

as consequênc ias do novo pensamento que e le tanto cont r ibuiu

 para cr istalizar . Queria pôr a lei num a base rousseau nian a em vez

<le religiosa: as leis "devem ser convenções entre os homens num

estado de liberdade", sustentava. Mas emb ora argum entass e em fa

vor de uma moder ação do cas t igo— que dever ia se r "o me nor pos

sível no caso dado" e "proporcional ao cr ime" —, Beccaria ainda

insistia que ele deveria ser público. Para ele, a exposição pú blica

garantia a transparência da lei . 29

 Na visão indi vidualista e secular que nascia, as dores perte n

ciam apenas ao sofredor, aqui e agora. A atitude em relação à dor 

não mudo u por causa do aper fe içoamento médico no t r a tamento

da dor. Os que exerciam a medicina tenta vam cert ament e aliviar a

do r  à época, mas os verdadeiros passos pioneiros em anestesia só

acontec eram em mead os do século xix, com o uso do éter e do clo

rofórmio. Em vez disso, a mudança de ati tude surgiu como uma

consequência da reavaliação do corpo individual e de suas dores.

( :omo a dor e o próprio corpo agora pertenciam somente ao indi

víduo, e não à comunidade, o indivíduo já não podia ser sacrif i

cado para o bem da comunidade ou para um propósito religioso

mais elevado. Como o reformador inglês Henry Dagge insistia, "o

 bem da sociedade é prom ovi do co m mais sucejsso pelo respeito aos

indivíduos". Em vez da expiação de um p e ca d o, o castigo devia ser 

visto com o o pag amen to de uma"dí vid a" com a sociedade, e clara

mente nen hu m pagamento podia se r esperado de um corpo mut i -

  V. '97

 

lado. Se a dor t inh a servido como o símbol o da reparação no antigo década de 1780. Muitos advogados, por exemplo, publicaram peti

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p ç g

regime, agora a dor parecia um obstáculo a qualquer quitação sig

nif icativa. Num exemplo dessa mudança de visão, muitos juízes

nas colônias britânicas na América do Norte começaram a impor 

multas por delitos contra a propriedade em vez de chibatadas. 30

  Na nova visão, consequentemente, o castigo cruel executado

num cenário público constituía um ataque à sociedade, em vez de

sua reafirmação. A dor brutalizava o ind ivídu o — e por identif ica

ção os espectadores — em vez de abrir a porta para a salvação por 

meio do arrependimento. Assim, o advogado inglês William Eden

denunc iou a exposição dos cadáveres : "de ixamo-nos apodrecer  

como espantalhos nas sebes, e nossas forcas estão amontoadas de

carcaças humanas. Alguma dúvida de que uma familiar idade for

çada com esses objetos possa ter qualq uer out ro efeito que n ão seja

o de embot ar os sentime ntos e destruir os preconceito s benevolen

tes das pessoas?". Em 1787, Benjamin Rush podia afastar até as últi

mas dúvidas. "A reforma de um criminoso jamais pode ser levada

a efeito por um castigo público", afirmava sem rodeios. O castigo

  públ ico des t rói qua lquer sensação de vergonha , não produz

mudanças de a t i tude e , em vez de func ionar como um ins t ru

men to de dissuasão, tem o efeito opos to nos espectadores . Embo ra

concordasse com Beccaria na sua oposição à pena de morte, o dr .

Rush o abando nava ao argum enta r que o castigo devia ser privado ,

ministrado por trás das paredes de uma prisão e orientado para a

reabili tação, isto é, a readap tação do crim inos o à sociedade e à sua

liberdade pessoal, "tão cara a todos os hom ens". 31

O S E S T E R T O R E S D A T O R T U R A  

A conversão das eli tes às novas visões da dor e da punição

ocorreu em estágios entre o início da década de 1760 e o final da

98

ções na década de 1760 denunciando a injustiça da condenação de

Calas, mas, com o Voltaire, ne nh um deles se op un ha ao empreg o da

lortura judicial ou ao suplício da roda. Eles tam bé m focalizavam o

fanatismo religioso, que estavam convencidos de haver incitado

tanto as pessoas comuns como os juízes em Toulouse. As petições

se alongavam sobre o momento da tortura e morte de Jean Calas,

mas sem quest ionar a sua legi t imidade como i ns t rumen tos pena is .

 Na verdade, as petições em favor de Calas essencialme nte sus

tentavam as pressuposições que estão por trás da tortura e do cas

tigo cruel. Os defensores de Calas pressupunham que o corpo com

a dor dir ia a verdade: Calas provou a sua inocência quando conti

nuou sustentando-a mesmo com a dor e o sofr imento (f igura 10).

l im linguagem típica do lado pró-Calas, Alexandre-Jerôme Loy-

seau de Mauléon insistia que"Calas suportou a questão [a tor tura]

com uma res ignação heroica que só per tence à inocênc ia" . En

quanto seus ossos estavam sendo esmagados um a um, Calas pro

nunc iou "es tas pa lavras comoventes" : "Mor ro inocente ; Jesus

Cristo, a própria inocência, desejou fervorosamente morrer com

um sof r imento a inda mais c rue l . Deus pune em mim o pecado

daquele infeliz [o filho de Calas] que se matou. [...] Deus é justo, e

adoro os seus castigos". Loyseau argumen tava , além do mais, que a

"perseverança majestosa" do velho Calas provocou uma inversão

dos sent imentos da população. Vendo-o a f i rmar r epe t idamente a

sua inocênc ia durante os seus tormentos , o povo de Toulouse

começou a sentir compaixão e a se arrepender da suspeita irracio

nal que antes sentia em relação ao calvinista. Cada golpe da vara de

I erro "soava.no fundo das alm as" daqueles que presenciavam a exe-

( . t ição, e "torrentes de lágrimas se derramavam, tarde demais, de

lodos os olhos presentes". As "torrentes de lágrimas" seriam sem

  pre "demasiado ta rdias" en qu ant o as pressuposições por t r ás da

lortura e do castigo cruel continuassem sem questionamento. 32

99

 

A principal dessas pressuposi ções era a de que a tortura pod ia

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FIGURA IO. Sentimentalizando o caso Calas

A reprod ução do caso Calas que teve circulação mais ampla foi esta, emtamanho grande (originalmente 34 x 45 cm), realizada pelo artista e gra-vurista alemão Daniel Ch odowieck i, que fez a gravura a parti r de sua pró

 pria pintura a óleo da cena. A água-forte estabeleceu a sua reputação emanteve viva a afronta sentida por toda parte devido ao castigo de Calas.Chodowiecki tinha se casado com uma mulher pertencente a uma família de refugiados protestantes franceses em Berlim apenas três an os antesde produzir esta gravura.

incitar o corpo a falar a verdade, mesmo quando a mente indivi

dual resistisse. Uma longa tradição f isionômica na Europa tinha

sustentado que o caráter podia ser desvendado a partir das marcas

()u sinais do corpo. No final do século xvi e no XVII foram publica

das várias obras sobre "metoposcopia", prometendo ensinar os lei-

lores a interpretar o caráter ou a sorte de uma pessoa a partir das

linhas, rugas ou manchas na face. Um dos títulos típicos era o de

Richard Saunders: Physiognomie, and Chiromancie, Metoposcopie,

The Symmetrical Proportions and Signal Moles of the Body, Fully

and Accurately Explained, with their Natural-Pr edictive Significa-

lionsBoth toMen and Women [Fisionomia e quiromancia, metopos

copia, as proporções simétricas e os sinais do corpo plenamente e acu

radamente explicados, com suas significações naturais previsíveis

tanto para os homens como para as mulheres], publicado em 1653.

Sem ter de endossar as variantes mais extremas dessa tradição,

muitos europeus acreditavam que os corpos podiam revelar a pes

soa inte r ior de uma forma involuntá r ia . Embora r emanescentes

desse pensamento a inda pudessem se r encont rados no f ina l do

século xviii e início do xix, na forma, por exemplo, da frenología, a

maioria dos cientistas e médico s se virou contr a ele depois de 1750.

Argumentavam que a aparênc ia exte r ior do corpo não t inha

nenhuma relação com a alma ou caráter inter ior . Assim, o cr imi

noso podia dissimular , e o inocente podia muito bem confessar  

um crime que não cometera. Como Beccaria insistia ao argumen

tar cont ra a tor tura, "o robus to escapará e o fraco será condenado".

A dor, na análise de Beccaria, não podia ser "o teste da verdade,

como se a verdade residisse nos músculos e f ibras de um desgra

çado sob tortura". A dor era meramente uma sensação sem cone

xão com o sent imento mora l . ' 3

Os relatos dos advogados diziam relativamente pouco sobre

I reação de Calas à tor tu ra, porq ue "a ques tão" ocorr ia em privado,

101

 

longe dos olhos dos observadores. A aplicação privada da tortura out ros es tavam prontos a f azê - lo em seu nome. O seu t r adutor  

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tornava-a especialmente repulsiva aos olhos de Beccaria. Signif i

cava que o acusado perdia a sua "proteção pública" mes mo antes de

ser consi derado cu lpado, e que qualquer valor impeditivo da pun i

ção tam bé m se perdia. Os juízes franceses tam bém co meçavam cla

ramente a sentir algumas dúvidas, sobretudo a respeito da tortura

  para conseguir confissões de culpa. Depois de 1750, os parlements

franceses ( tr ibunais regionais de apelação) começaram a intervir    para impedir o uso da tortura antes do julgamento do caso ("tor

tura prepara tór ia") , como o Parlementde Toulouse fez no caso

Calas. Eles também decretavam com menos frequência a pena de

morte, e ordenavam mais amiúde que o condenado fosse estrangu

lado antes de ser queima do na fogueira ou colocado sob re a roda. 34

Mas os juízes não renunciaram totalmente à tor tura, e não

teriam concordado com o desprezo de Beccaria pela estrutura reli

giosa da tortura. O reformador i taliano denunciava sumariamente

"outro motivo ridículo para a tortura, a saber, limpar um homem da

infâmia". Esse "absurdo" só podia ser explicado como "fruto da reli

gião". Co mo a próp ria tort ura era um a causa de infâmia para a vítima,

não podia lavar a mancha. Muyart de Vouglans defendia a tor tura

contra os argumentos de Beccaria. O exemplo de um inocente falsa

mente condenado empal idec ia em comparação aos "mi lhões de

outros " que eram culpados, mas que jamais pode riam ter sido con

denados sem o em prego da tortura. A tort ura judicial não só era, por

tanto, útil , como também podia ser justif icada pela antiguidade e

universalidade de seu emprego. As exceções frequentemente citadas

só provavam a regra, insistia Muyart, que devia ser procurada na his

tória da própria França e no Sacro Império Romano. Segundo

Muya rt, o sistem a de Beccaria contradizi a a lei canónica, a lei civil, a

lei internacio nal e a "experiência de to dos os séculos".

O próprio Beccaria não enfatizava a conexão entre as suas

visões sobre a tor tura e a nascente l inguagem dos direitos. Mas

102

francês, o abade André Morellet , modificou a ordem da apresen-

lação de Beccaria para chamar a atenção para a l igação com os

"direitos do homem". Morellet t irou a única referência de Becca

r ia a seu objetivo de apoiar os "direitos do homem" (i diritti degli

uomini) do f inal do capítulo 11 na edição italiana original de

1764, pass ando -a para a int rod uçã o da tra duç ão francesa de 1766.

Defender os di r e i tos do homem agora parec ia se r o pr inc ipa l

objetivo de Beccaria, e esses direitos eram afirmados como o

  baluarte essencial contra o sofr imento individual. O rearranjo de

Morellet foi adotado em muitas traduções subsequentes e até em

edições i talianas poster iores. 36

Apesar dos esforços de Muyart , a maré se virou con tra a tor

tura na década de 1760. Embora tivessem sido publicados ante

r ior ment e ataques à tor t ura, o f io d'águ a das publicações se tornou

um a tor rente . Lid erando as acusações es tavam as mui tas t r adu

ções, reimpressões e reedições de Beccaria. Umas 28 edições italia

nas, muit as com falsos cólofons, e nove francesas foram publicadas

antes de 1800, apesar de o livro ter aparecido no índex papal dos

livros proibidos em 1766. Uma tradução inglesa foi publicada em

Londres em 1767, e a ela se seguiram edições em Glasgow, Dublin,

Edimburgo, Charleston e Philadelphia. Traduções alemãs, holan

desas, polonesas e espanholas apareceram pouco depois. O tradu

tor lon dri no de Beccaria capto u o espír ito mutável dos tempo s: "as

leis penais [...] ainda são tão imperfeitas, e se fazem acompanhar 

 por tantas circunstânci as desnecessárias de crueldade em todas as

nações, que uma tentativa de reduzi- las ao padrão da razão deve

interessar a toda a humanidade". 3 7

A crescente influência de Beccaria era tão dramática que os

opositores do I luminismo acusavam a existência de uma conspi

ração. Uma coincid ência que ao caso Calas t ivesse sucedido o tra

tado defin idor sobre a reforma penal? Redigido, além do mais, por  

103

 

um i t a l i a no a n t e r i o r me n t e i gno t o , c om c onhe c i me n t o a pe na s Dur ant e as décadas de 1770 e 1780, a cam pa nha pela abolição

d l d d i h i l d

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superficial da lei? Em 1779, o sempre incendiário jornalista

S i mon- N i c o l a s - H e nr i L i ngue t no t i c i ou que uma t e s t e munha

havia lhe exposto tudo:

Pouco depois do caso Calas, os enciclopedistas, armados com os

tormentos da vítima e aproveitando circunstâncias propícias,

embora sem se comprometer diretamente, como é o seu costume,

escreveram ao reverendo padr e Barnabite em Milão, que é seu ban

queiro italiano e um famoso matemático. Contaram-lhe que era o

momento de desencadear uma catilinária contra o rigor dos casti

gos e con tra a intolerânci a; que a filosofia italiana devia fornecer a

artilharia, e eles fariam uso dela secretamente em Paris.

Linguet reclamava que o tratado de Beccaria era amp lam ente visto

com o um a petição indireta em favor de Calas e outras recentes víti

mas de injustiça.

A inf luênc ia de Beccar ia a judou a ga lvaniza r a campanha

contra a tor tura, mas no início o processo foi lento. Dois ar tigos

sobre a tor tura na Encyclopédie de Diderot, ambos publicados em

1765, captam a ambiguidade. No primeiro, sobre a jur isprudência

da tortura, Antoine-Gaspard Boucher d'Argis se refere prosaica

mente aos " tormentos violentos" a que o acusado é submet ido,

mas sem nenhum julgamento sobre o seu mér i to . No a r t igo

seguinte, entretanto, que considerava a tortura parte do procedi

mento c r imina l , o cheva l ie r de Jaucour t mar te la cont ra o seu

emprego, desdobrando todos os a rgumentos exis tentes desde a

"voz da humanidade" às deficiências da tortura em fornecer uma

evidênc ia segura da culpa ou da inocênc ia . Durante a segunda

metade da década de 1760, cinco novos livros apareceram advo

gando a refo rma da lei cr imina l. Na década de 1780, em contraste,

39 livros desse t ipo foram publicados. 19

da tor tura e pe la moderação do cas t igo ganhou impulso quando

sociedades eruditas nos estados italianos, nos cantões suíços e na

França ofe receram prêmios para os melhores ensa ios sobre a

reforma penal. O governo francês achou a intens idade crescente da

crít ica tão preocupante que ordenou que a academia de Châlons-

- sur -Marne parasse de impr imir cópias do ensa io vencedor de

1780, de Jacques-Pierre Brissot de Warville. Mais do qu e qual quer  nova proposta, a retórica injuriosa de Brissot disparou os alarmes:

Esses direitos sagrados que o ho mem recebeu da naturez a, que a

sociedade viola tão frequentemente com o seu aparato judicial,

ainda requerem a supressão de muitos de nossos castigos mutilado-

res e a suavização daqueles que devem os preservar. É inconcebível

que uma nação gentil [douce], vivendo num clima temperado sob

um governo moderado, possa combinar um caráter amável e costu

mes pacíficos com a atro cidade de canibais. Pois os nossos castigos

 judiciais exalam apenas sangue e mo rte, e só tendem a inspi rar fúria

e desespero no coração do acusado.

O governo francês não gosto u de se ver com par ado a canibais, mas

na década de 1780 a barbárie da tortura judicial e o castigo cruel

t inham se tornado um mantra da r e forma . Em 1781, Joseph-

-Michel-Antoine Servan, um antigo defensor da reforma penal,

aplaud iu a recente decisão de Luís xvi de abolir a tor t ura para obter  

uma confissão de culpa, "essa infame tortura que por tantos sécu

los usurpou o templo da própr ia jus t iça e o t r ansformou numa

escola de sofr imento, onde os carrascos professavam o refina

mento da dor". A tortura judicial era para ele "uma espécie de

esfinge [ .. .] u m mons tro ab surd o indigno de encon trar asilo entre

os povos selvagens". 40

Encorajado por outros reformadores apesar de sua juventude

105104

 

e falta de experiência, Brissot se dedicou em seguida a publicar uma

obra de dez volumes Bibliothèquephilosophique du Législateur duentretanto, a pressão de meus ferros (eu [ isto é, Dupaty] posso

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obra de dez volumes, Bibliothèquephilosophique du Législateur, du

  Politique et du Juriconsulte (1782-5) , que teve de ser impressa na

Suíça e contrabandeada para a França e reunia o texto de Brissot e

outros escritos sobre a reforma. Embora apenas um sintetizador,

Brissot claramente l igava a tort ura aos direitos huma nos : "Alguém

é jovem d emais, qu and o se trata de defender os direitos ultrajados

da humanidade?". O termo "humanidade" ("o espetáculo da humanidade sofredora", por exemplo) aparecia repetidas vezes nas suas

  páginas. Em 1788, Brissot fundou a Sociedade dos Amigos dos

  Negros, a primeira sociedade francesa pela abolição da escravatura.

Assim, a campanha pela reforma penal tornou-se cada vez mais

intimamente associada com a defesa geral dos direitos humanos. 4 1

Brissot empregou as mesmas estratégias retóricas dos advo

gados qu e escreviam petições das várias causes célebres francesas da

década de 1780: eles não só defendiam seus clientes erro nea men te

acusados, mas também atacavam cada vez mais o sistema legal

com o um todo. Aqueles que escreviam petições adota vam em gerala voz em primeira pessoa de seus clientes, para desenvolver na rra

tivas romanescas melodramáticas que provavam a sua tese. Essa

estratégia retórica culminou em duas petições escritas por um dos

cor respondentes de Br issot , Char les-Marguer i te Dupa ty, um

magis t r ado de Bordeaux res idente em Par is que inte rve io em

nome de t r ês homens condenados ao supl íc io da roda por roubo

agravado. A primeira petição de Dupaty, de 1786, com 251 pági

nas , não só denunc iava cada des l ize do processo judic ia l como

incluía um relato detalhado de seu encontro com os três homens

na prisão. Nesse relato, Dupat y passa intelig entemen te de sua visãoda cena na primeira pessoa para a dos prisioneiros: "E eu, Bradier  

[um dos condenados] , então disse , metade do meu corpo f icou

inchado por seis meses. E eu, disse Lardoise [outro dos condena

dos] , graças a Deus fui capaz de resistir [a um a epide mia na prisã o];

muito bem acreditar , tr inta meses nos ferros!) machucou tanto a

minha perna que ela gangrenou; quase tiveram de amputá-la". A

cena termina com Dupaty em lágrimas. Dessa forma o advogado

explora ao máximo a sua solidariedade para com os prisioneiros. 42

Dupaty então muda de novo a pe r spec t iva , dessa vez di r i

gindo-se diretamente aos juízes: "Juízes de Chaumont, Magistra

dos, Cri min alis tas, vós o escutais? [... ] Eis o grit o da razão , da ver

dade, da justiça e da Lei". Por f im, Dup aty convo ca direta ment e a

inte rvenção do re i . Implora que o monarca escute o sangue dos

inocentes, de Calas a seus três ladrões acusados: "digne-se, da

altura de seu trono, digne-se a dar uma olhada em todas as ciladas

sangrentas de sua legislação criminal, ond e perecemo s, onde todos

os dias inocentes pe recem!" A pe t ição então conc lui com uma

súplica de várias páginas para que Luís xvi reforme a legislação cri

minal de acordo com a razão e a humanidade. 4 3

A petição de Dupaty incitou de tal forma a opinião pública

em favor do acusado e contra o sistema legal que o Parlementde

Paris votou que fosse publicamente queimada. O porta-voz do tr i

  bunal den unc iou o esti lo romane sco da petição: Dupa ty "vê a seu

lado a hum anid ade t r em endo e es tendendo- lh e as mãos , uma te r ra

natal desgrenhada mostrando-lhe as suas fer idas, a nação inteira

assumindo a voz de Dupaty e ordenando que fale em seu nome".

Mas o tr ibunal se mostrou impotente para conter a maré crescente

da opinião. Jean Caritat , marqu ês de Condor cet, em breve o defen

sor dos di r e i tos humanos mais coerente e de maior projeção da

Revolução Francesa, publicou dois panfletos em favor de Dupaty

no f inal de 1786. Embo ra não fosse ele pró pri o um advogado, Con

dorce t a tacou o "desprezo pe lo homem " demons t rado pe lo t r ibu

nal e a contínua "violação manifesta da lei natural" que se tornara

 patente no caso Calas e em outros julgamentos injustos realizados

desde então. 44

107i o 6

 

Em 1788, a própria Coroa francesa já t inha se associado a l igou os defe i tos do cas t igo públ ico à nova noção do indivíduo

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muitas das novas a t i tudes . No decre to que abol ia provisor ia

mente a tor tura antes da execução para obter nomes de cúmpli

ces, o governo de Luís xvi falava de "reafirmar a inocência [...]

remo ver do castigo qualqu er excesso de severidade [ .. . e] p uni r os

malfeitores com toda a moderação que a humanidade exige". No

seu trata do de 1780 sobre a lei cr imi nal francesa, Muy art recon he

cia que, ao defender a validade de confissões obtidas por meio de

tortura, "não ignoro absolutamente o fato de que devo combater  

um s is tema que mais do que nunca ganhou c rédi to em tempos

recentes". Mas ele se recusava a entrar no debate, insistindo que

seus opositores eram simplesmente polemistas e que ele t inha a

força do passado por t r ás de sua posição. A campanha pe la

reform a penal na França foi tão bem- suce dida qu e em 1789 a cor

reção dos abusos no código criminal constituía uma das questões

mais frequentemente citadas nas l istas de queixas preparadas para

os futuros Estados Gerais. 45

  A S P A I X Õ E S E A P E S S O A  

Ao longo desse deb ate cada vez mais unila teral, os novos sig

ni f icados a t r ibuídos ao corpo t inh am se tornado mais plenam ente

evidentes. O corpo quebrado de Calas ou até a perna gangrenada

de Lardoise, o ladrão acusado de Dupaty, ganh ara m uma nova dig

nidad e. Nas idas e vindas sobre a tor tu ra e o castigo cruel, essa dig

nidade apareceu primeiro nas reações negativas aos ataques judi

ciais que sofreu. Mas com o tempo tornou-se o motivo, como era

evidente nas pe t ições de Dupa ty, de sent imentos posi t ivos de

empatia . Só mais para o f im do século xvm é que as pressuposi ções

do novo modelo se tornaram explícitas. No seu curto mas ilumi

nador panfleto de dezoito páginas de 1787, o dr . Benjamin Rush

108

a u t ô nomo ma s s o l i dá r i o . C omo mé d i c o , R us h a dmi t i a a l gum

emprego de dor corporal no castigo, embora ele claramente prefe

r isse "traba lho, vigilância, solidão e silêncio", um reco nhe cime nto

da individualidade e potencial util idade do criminoso. O castigo

 público se mostra va mui to objetável, aos seus olhos, pela sua ten

dênc ia a des t rui r a s impa t ia , "a vice - regente da benevolênc ia

divina em nosso mundo". Essas são as palavras-chave: a simpatia

  —ou o que agora chamamos empat ia—propic iava os fundamen

tos da mora l idade , a cente lha do divino na vida humana , "em

nosso mundo".

"A sensibilidade é a sentinela da faculdade moral", af irmava

Rush. Ele equiparava essa sensibilidade a "um senso repentino de

 justiça", uma espécie de reflexo cond icio nad o para o bem m oral. O

cast igo públ ico dava um cur to-c i r cui to na s impa t ia : "quando a

desgraça que os cr imi noso s sofrem é o efeito de uma lei do Estado,

a que não se pode resistir , a simpatia do espectador é abortada e

retorna vazia ao seio em que foi despertada". Assim, o castigo

  público solapava os sentimentos sociais, tornando os espectadores

cada vez mais insensíveis: os espectadores perdiam os seus senti

mentos de "amor univer sa l" e a sensação de que os c r iminosos

tinham corpos e almas semelhantes aos seus. 46

Embora Rush certamente se considerasse um bom cristão, o

seu modelo de pessoa difer ia em quase todos os aspectos daquele

  proposto por Muyart de Vouglans na sua defesa da tortura e dos

cas t igos corpora is t r adic iona is . Para Muyar t , o pecado or igina l

explicava a incapacidade dos humanos de controlar as suas pai

xões. Era verdade que as paixões forneciam a força motivadora da

vida, mas a sua turbulência, ou mesmo rebeldia, inerente t inha de

se r cont rolada pe la r azão, pe las pressões da comunidade , pe la

igreja e, na falta dela, no caso do crime, pelo Estado. Na visão de

Muyart, as fontes do crime (vício) eram as paixões desejo e medo,

109

 

"o desejo de se adquirir coisas que não se têm e o medo de se per

d l tê " E i õ f ti t

Subscrevendo u ma f i los of ia expl ic i tamente mate r ia l i s ta ou

nã o— e a maior ia das pessoas não a subscrevia — vár ios mem bro s

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der aquelas que se têm". Essas paixões sufocavam os sentimentos

de hon ra e justiça gravados pela lei natural no coração hu ma no . A

Divina Providência dava aos reis a suprema autoridade sobre a

vida dos ho men s, que eles delegavam aos juízes, reservand o para si

mesmos o direito do perdão. O objetivo principal da lei cr iminal

era, port ant o, a prevençã o do tr iunfo do vício sobre a vir tu de. Con

ter o mal inerente da hu man ida de era o lema da visão de justiça deMuyar t . 47

Os reformadores em última análise invertiam as pressuposi

ções filosóficas e políticas desse modelo e defendiam em seu lugar 

o cultivo, por meio da educação e da experiência, de qualidades

hum anas ine rentem ente boas . Em meados do século xvm, a lguns

f i lósofos do I luminismo t inham adotado uma posição sobre as

  paixões que não difer ia daquela proposta recentemente pelo neu

rologis ta António Damásio, que ins i s te em que as emoções são

cruciais para o raciocínio e a consciência, e não hostis a eles.

Emb ora Damá sio ligue suas raízes intelectuais a Espinosa, f i lósofo

holan dês do século XVII, as elites euro peia s só passa ram a aceitar de

mod o abrangente uma ava l iação mais posi t iva das emoçõe s—d as

  paixões, como eles as chamavam — no século XVIII. O "espino-

sismo" tinha má reputação por levar ao materialismo (a alma é

apenas matér ia, por isso não há alma) e ao ateísmo (D eus é a natu

reza, portanto não há Deus) . Em meados do século xvm, alguns

dos pertenc entes às profissões cultas t inh am aceitado, ainda assim,

uma espécie de materialismo implícito ou mitigado, que não fazia

afirmações teológicas sobre a alma, mas argumentava que a maté

r ia podia pensar e sentir . Essa versão do materialismo conduzia

logicamente à posição igualitár ia de que todos os humanos têm a

mes ma organização f ísica e mental e, portan to, de que a experiên

cia e a educação, e não o nasci mento , explicam as diferenças entre

eles.48

110

nã o e a maior ia das pessoas não a subscrevia , vá r ios mem bro s

das eli tes cultas passaram a sustentar uma visão das paixões muito

diferente daquela defendida por Muyart. A emoção e a razão pas

sara m a ser vistas como parcei ras. As paixões eram "o único M ot or 

do Ser Sensível e dos Seres Inteligentes", segundo o f isiologista

suíço Charles Bonnet. As paixões eram boas e podiam ser mobili

zadas pe la educação para o aper fe içoamento da human idad e , queagora era vista como aperfeiçoável em vez de inerentemente má.

Por essa visão, os c r iminosos t in ham com et ido e r ros , mas po di am

ser r eeducados . Além disso, a s pa ixões , baseadas na biologia ,

nut r i am a sensibi l idade mora l . O sent imento e ra a reação em oci o

nal a uma sensação f ísica, e a moralidade era a educação desse

sentimento para trazer à luz o seu componente social (a sensibili

dade) . Laurence Sterne, o romancista favorito de Thomas Jeffer-

son, colocou o novo credo da era na boca de Yorick, o personagem

cent ra l de seu romance reve ladoramente int i tu lado Uma viagem

 sentimental:

Cara sensibilidade! [...] eterna fonte de nossos sentimentos! — é

aqui que te descubro — e esta é a tua divindade que se agita dentro

de mim [...] q ue sinto algum as alegrias generosas e afetos gene ros os

além de mim mesm o — tudo vem de ti, gran de — grande SENSÓRIO

do mundo! que vibra mesmo quando um único fio de cabelo cai

sobre o chão, no deserto mais remoto da tua criação.

Sterne encontrava essa sensibilidade até no "camponê s mais rud e". 4 9

Talvez pareça um tanto exagerado es tabe lecer uma l igação

entre assoar o nariz com um lenço, escutar música, ler um ro m an ce

ou encomend ar um re t r a to e a abol ição da tor tur a e a mod era çã o

do castigo cruel. Mas a tortura legalmente sancionada não termi

nou apenas porque os juízes desistiram desse expediente, ou por-

111

 

que os escritores do I luminismo finalmente se opuseram a ela. A

tortura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa3. "Eles deram um grande exemp lo"

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tor tura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa

se desmante lou e foi subst i tu ída pouco a pouco por uma nova

est rutura , na qua l os indivíduos e ram donos de seus corpos ,

tin ham direitos relativos à indivi dualida de e à inviolabilidade des

ses corpos, e reconheciam em outras pessoas as mesmas paixões,

sentimentos e simpatias que viam em si mesmos. "Os homens e às

vezes mulheres", para voltar ao bom dr. Rush pela última vez, "cujas  pessoas de tes tamos [c r iminosos condenados] possuem a lmas e

corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos

e conhecidos." Se contemplamos as suas misérias "sem emoção ou

simpatia", então o próprio "princípio da simpatia cessará comple

tamente de atuar; e [ . . . ] logo perderá o seu lugar no coração

huma no" . 5 0

112

  Declarando os direitos

DECLARAÇÃO: A ação de a fi rmar , d izer , apresenta r ou anu nc ia r  

aberta, explícita ou formalmente; af irmação ou asserção positiva;

uma asserção, anúncio ou proclamação em termos enfáticos, sole

nes ou legais. [ . . . ] Uma proclamação ou afirmação pública incor

  porada num documento, ins t rumento ou a to públ ico. — Oxford 

  English Dictionary,2 a ed. eletrônica.

Por que os direitos devem ser apresentados numa declaração?

Por que os países e os cidadã os sent em a necessidad e dessa afirma

ção formal? As campanhas para abolir a tor tura e o castigo cruel

apontam para uma resposta: uma afirmação formal e pública con

firma as mudan ças que ocorr eram nas ati tudes subjacentes. Mas as

declarações de direitos em 1776 e 1789 foram ainda mais longe.

Mais do que assinalar transformações nas ati tudes e expectativas

gerais, elas ajudaram a to rnar efetiva uma transfe rência de sobera

nia, de Jorge 111 e o Parlamento britânico para uma nova república

no caso amer icano e de uma monarquia que r e ivindicava uma

autoridade suprema para uma nação e seus representantes no caso

1

113

 

francês. Em 1776 e 1789, as declarações abriram panoramas polí

t icos inteiramente novos. As campanhas contra a tor tura e o cas"Quando, no Curso dos acontec imentos humanos, torna- se ne

cessário que um povo dissolva os laços polít icos que o ligam a

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p

tigo cruel ser iam fundidas, a partir de então, com toda uma legião

de outra s causas de direitos huma no s, cuja relevância só se torno u

clara depois que as declarações foram feitas.

A história da palavra"declaração" fornece uma primeira indi

cação da mudança na soberania. A palavra inglesa" declaration" 

vem da francesa declaration. Em francês, a palavra se referia originalmente a um catálogo de terras a serem dadas em troca do jura

men to de vassalagem a um senhor feudal. Ao longo do século XVII,

  passou cada vez mais a se referir às af irmações públicas do rei.

Em outras palavras, o ato de declarar estava ligado à soberania.

Quando a autoridade se deslocou dos senhores feudais para o rei

francês, o poder de fazer declarações também mudou de mãos. Na

Inglaterra, o inverso também é válido: quando os súditos queriam

de seus reis a reafirmação de seus direitos, eles redigiam as suas

  próprias declarações. Assim, a Magna Carta ("Great Charter") de

1215 formalizou os direitos dos barões ingleses em relação ao reiinglês; a Petição de Direitos de 1628 confirmou os "diversos Direi

tos e Liberdades dos Súditos"; e a Bill of Rights inglesa de 1689 vali

dou "os verdadeiros, antigos e indubitáveis direitos e l iberdades do

  povo deste reino".1

Em 1776 e 1789, as palav ras "carta", "pet ição " e"bill" parec iam

inadequadas para a tarefa de garantir os direitos (o mesmo seria

verdade em 1948). "Petição" e "bill"  impl icavam um pedido ou

apelo a um poder superior (um bill era originalmente "uma peti

ção ao sober ano" ) , e "carta" significava frequen temen te um antigo

docum ento ou esc r i tura . "Dec la ração" t inha um ar meno s mofado

e submisso. Além disso, ao cont rá r io de "pe t ição" , "bill"  ou até

"carta", "declaração" podia significar a intenção de se apoderar da

soberania. Jefferson, portanto, começou a Declaração de Indepen

dência com a seguinte explicação da necessidade de declará-la:

114

cessário que um povo dissolva os laços polít icos que o ligam a

outro e assuma entre as potências da terra a posição separada e

igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu

reza, um respeito decente pelas opiniões da humanidade requer 

que ele declare [minha ênfase] as causas que o impelem à separa

ção". Uma expressão de "respeito decen te" não pod ia obscurecer o

  ponto pr inc ipa l : a s colônias es tavam se dec la rando um Estadoseparado e igual e se apoderando de sua própria soberania.*

Em cont ras te , em 1789 os deputados f r anceses a inda não

estavam prontos para repudiar explicitamente a soberania de seu

rei. Mas eles ainda assim quase realizaram esse repúdio, ao omit ir  

deliberadamente qualquer menção ao rei na sua Declaração dos

Dire i tos do Homem e do Cidadão: "Os representantes do povo

francês, reunidos em Assembleia Nacional e considerando que a

ignorância, a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem

são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governa

menta l , r esolveram apresenta r numa declaração [minha ênfase]

solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem". A

Assembleia t inha de fazer algo mais além de proferir discursos ou

rascu nhar leis sobre quest ões específ icas. Tinha de aspirar a escre

ver para a poster idade que os direitos não f luíam de um acordo

entre o governan te e os cidadãos, men os aind a de uma petição a ele

ou de uma carta concedi da por ele, mas antes da natu reza dos pró

 prios se res hum anos .

Esses atos de declarar t inham ao mesmo tempo um ar retró

grado e avançado. Em cada caso, os declarantes afirmavam estar  

confirmando direitos que já existiam e eram inquestionáveis. Mas

ao fazê-lo efetuavam uma revolução na soberania e cr iavam uma

 base inteiramente nova para o governo. A Declaração da Indepen-

* Ver no Apéndice o tex to comple to .

U5

 

dência afirmava que o rei Jorge III tinha pisoteado os direitos pree

xistentes dos colonos e que suas ações justif icavam o estabeleci

tánico, enquanto a Declaração da Independência de 1776 invocava

claramente os direitos universais de todos os homens. Depois os

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xistentes dos colonos e que suas ações justif icavam o estabeleci

mento de um governo separado: "sempre que qualquer Forma de

Governo se torne destrutiva desses f ins [assegurar os direitos], é

Direito do Povo alterá- la ou aboli- la, e insti tuir nov o Governo". Da

mesma forma, os deputados franceses declararam que esses direi

tos t inham sido simplesmente ignorados, negligenciados ou des

  prezados; não a f i rmaram qu e os t inha m inventado. "A par t i r deagora", entretanto, a declaração propunha que esses direitos cons

ti tuíssem o fundamento do governo, embora não o tivessem sido

no passado. Mesmo afirmando que esses direitos já existiam e que

e les os es tavam meramente defendendo, os deputados c r iavam

algo radicalmente novo: governos justif icados pela sua garantia

dos direitos universais.

D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S N O S E S T A D O S U N I D O S

  No começo, os americanos não tinham a intenção clara de se

separar da Grã-Bretanha. Ninguém imaginava na década de 1760

que os direitos os levariam a entrar num terr itór io tão novo. O

remodelamento da sensibilidade ajudou a tornar a ideia dos direi

tos mais tangível para as classes cultas, nos debates sobre a to r tur a

e o castigo cruel, por exemplo; mas a noção dos direitos mudou

também em reação às circunstâncias polít icas. Havia duas versões

da linguagem dos direitos no século xvni: uma versão particula

r ista (direitos específicos de um povo ou tradição nacion al) e um a

universalista (os direitos do hom em em geral) . Os ameri cano s usa

vam um a ou out ra l inguagem, ou ambas em combinação, depen

den do das circunstâncias . Dura nte a cr ise da Lei do Selo em mea

dos da década de 1760, por exemplo, os panfletár ios americanos

enfatizavam os seus direitos como colonos dentro do Império Bri-

claramente os direitos universais de todos os homens. Depois os

amer icanos mo nta ram a sua própr ia t r adição par t icula r i s ta com a

Constituição de 1787 e a Bill of Rights de 1791. Em contraste, os

f ranceses ado ta ram q uase ime dia tam ente a ve r são univer sa l is ta ,

em parte porque ela solapava as reivindicações particularistas e

históricas da monarquia. Nos debates sobre a Declaração francesa,

o duque Mathieu de Montmorency exor tou seus colegas deputa dos a "seguir o exemplo do s Estados Unido s: eles deram um grande

exemplo no novo hemisfério; vamos dar um exemplo para o uni-" 2

verso .

Antes que os americanos e os franceses declarassem os direi

t o s do home m, o s p r i nc i pa i s p r opone n t e s do un i ve r s a l i s mo

viviam às marg ens das grand es potências . Talvez essa próp ria mar

gina l idade tenha capac i tado um punh ado de pensadores holande

ses, alemães e suíços a tomar a iniciativa no argumento de que os

direitos eram universais. Já em 1625, um jurista calvinista holandês, Hugo Gro tius, prop ôs um a noção de direitos que se aplicava a

toda a humanidade, não apenas a um país ou a uma tradição legal.

Ele definia "direitos naturais" como algo autocontrolado e conce

  bível separadamente da vontade de Deus. Sugeria também que as

  pessoas podiam usar os seus direitos — sem a ajuda da religião — 

  para estabelecer os fundamentos contratuais da vida social. O seu

seguidor a lemão Samuel Pufendor f , o pr imei ro professor de

direito natural em Heidelberg, delineou as realizações de Grotius

na sua história geral dos ensinamentos do direito natural, publi

cada em 1678. Embo ra cr it icasse Grotius em certos pontos, Pufendorf ajudo u a solidif icar a reputação de Grot ius com o uma fonte

  primordial da corrente universalista do pensamento dos direitos.3

Os teóricos suíços do direito natural teorizaram sobre essas

ideias no início do século xvni. O mais influente deles, Jean-Jac-

ques Burlamaqui, ensinava direito em Genebra. Ele sintetizou os

LI116

 

vários escritos sobre direito natura l do século xvi l em Principes du

droit naturel  (1747). Como seus predecessores, Burlamaqui forne

r idade absoluta a f im de impedir a "guerra de todos contra todos"

que do contrár io sucederia. Enquanto Grotius havia igualado os

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( ) p , q

ceu pouco conteúdo polít ico ou legal específ ico para a noção dos

direitos naturai s universais: o seu principal objetivo era provar que

eles existiam e derivavam da razão e da natureza h uma na. Ele atua

lizou o conceito ao ligá-lo àquilo que os filósofos escoceses contem

  porâneos chamavam de senso moral inter ior (antecipando, assim,

o argumento dos meus primeiros capítulos) . Traduzida imediatament e para o inglês e o holandês , a obra de Burlam aqui foi ampla

mente usada como uma espécie de livro-texto da lei natural e dos

direitos naturais na última meta de do século xvin. Rousseau, entre

out ros , adotou Bur lamaqui como um ponto de par t ida . 4

A obra de Burlamaqui estimulou uma renovação mais geral

das teorias da lei natu ral e dos direitos natura is na Europa Oc iden

tal e nas colônias norte-americanas. Jean Barbeyrac, outro protes

tante genebrino, publicou uma nova tradução francesa da obra-

-chave de Grotius em 1746; antes ele havia publicado uma tradu

ção francesa de uma das obras de Pufendorf sobre direito natural.

Uma biografia adulatória de Grotius, escrita pelo francês Jean

Lévesque de Burigny, saiu em 1752 e foi traduzida para o inglês em

1754. Em 1754, Thomas Rutherforth publicou as suas conferên

cias sobre Grotius e direito natural proferidas na Universidade de

Cambr idge . Grot ius , Pufendor f e Bur lamaqui e ram todos bem

conhec idos dos r evoluc ionár ios amer icanos , como Je f fe r son e

Madison, que eram versados em direito. 5

Os ingleses t inham produzido dois pensadores universalistas

capitais no século x vi l : Thomas Hobbes e John Locke . As suas

obras eram bem conhecidas nas colônias britânicas da América do

  Norte, e Locke em particular ajudou a formar o pensamento polí

t ico amer icano, ta lvez a inda mais do que inf luenc iou as visões

inglesas. Hobbes teve menos impacto do que Locke, porque ele

acreditava que os direitos naturais t in ham de se render a uma auto -

i i 8

direitos naturais à vida, ao corpo, à l iberdade e à honra (uma lista

que parecia questionar , em particular , a escravidão), Locke definia

os direitos naturais como "Vida, Liberdade e Propriedade". Como

enfa t izava a posse — Propr iedade —, Locke não quest ionava a

escravidão . Justif icava a escravid ão de cativos captur ado s n u m a

guer ra jus ta . Locke a té propunha uma legis lação para assegura r  que " t odo home m l i v r e de C a r o l i na t e nha pode r e a u t o r i da de

absolut os sobre seus escravos negros"/ '

Ent re tanto, apesa r da inf luênc ia de Hobbes e Locke , urna

grande porção, se não a maior parte da discussão inglesa, e por

tanto americana, sobre os direitos naturais na primeira metade do

século xviii manteve o foco sobre os direitos particulares hist ori ca

mente fundamentados do inglês nascido livre, e não sobre direitos

univers alment e aplicáveis. Escrevend o na década de 1750, Wi ll ia m

Blackstone explicava por que os seus conterrâneos punham o foco

sobre seus direitos particulares em vez de atentar para os universais: "Estas [ l iberdades naturais] eram outrora, quer por herança*

quer por aquis ição, os di re i tos de toda a humanid ade ; mas , e s ta nd o

a gor a na ma i o r i a dos ou t r o s pa í s es do mund o ma i s ou me n o s

degradados e destruídos, pode-se dizer que no presente eles conti

nu am a ser, de um mod o peculiar e enfático, os direitos do po vo d a

Inglaterra". Mesmo que os direitos t ivessem sido outrora univer

sais, af irmava o pro emi nen te jurista, apenas os ingleses, em s u a

super ior idade , t inham conseguido mantê - los . 7

Da década de 1760 em diante, entretanto, o f io universalista

dos direitos come çou a se entrelaçar com o particularista nas c ol ô -

nias britânicas da Améric a do Norte. JúiThe Rights ofthe BritisH 

Colonies Asserted and Proved  ( 176 4) , po r e xe mpl o , o a dvoga do

James Otis, de Boston, confirmav a tanto os direitos natu rais d o s

colonos ( "A na tureza colocou todos e les nu m es tado de igu a l da d^

119

 

e liberdade perfeita") como seus direitos civis e polít icos como

cidadãos britânicos: "Todo súdito britânico nascido no continentedade universal. Esse pensamento universalista tornava os colonos

capazes de imaginar um rompimento com a tradição e a soberania

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da América, ou em qualquer outro dos domínios britânicos, está

autor izado pela lei de Deus e da natureza , pela lei com um e pela lei

do Parl amen to [ .. .] a usufruir de todo s os direitos naturais, essen

ciais, inerentes e inseparáveis de nossos colegas súditos na Grã-

-Bretanha". Ainda assim, dos "direitos de nossos colegas súditos"

em 1764 até os "direitos inalienáveis" de "todos os homens" de Jef-ferson em 1776 foi mister dar outro passo gigantesco. 8

O fio universalista dos direitos engrossou na décad a de 1760

e especialmente na de 1770, quando se alargou a brecha entre as

colônias norte-americanas e a Grã-Bretanha. Se os colonos que

r iam es tabe lecer um novo pa ís separado, não podiam conta r  

mer ame nte com os direitos dos ingleses nascidos livres. Caso con

trár io, estavam querendo uma reforma, e não a independência. Os

di re i tos univer sa is proporc ionavam um fundamento lógico

melhor, e assim os discursos das eleições americanas nas décadas

de 1760 e 1770 começaram a c i ta r d i r e tamente Bur lamaqui emdefesa dos "direitos da humanidade". Grotius, Pufendorf e espe

cialmente Locke apareciam entre os autores mais frequentemente

citados nos escritos polít icos, e Burlamaqui podia ser encontrado

em números cada vez maiores de bibliotecas públicas e particula

res. Quando a autoridade britânica começou a entrar em colapso,

em 1774, os colonos passar am a se considerar em algo semelh ante

ao estado de natureza a respeito do qual t inham lido. Burlamaqui

tinha afirmado: "A ideia do Direito, e ainda mais a da lei natural,

estão manifestamente relacionadas com a natureza do homem. É

  portanto dessa própria natureza do homem, da sua constituição eda sua condição que devemos deduzir os princípios desta ciência".

Burlamaqui falava apenas da natureza do homem em geral, não

sobre a condição dos colonos amer icanos ou a const i tu ição da

Grã-Bretanha, mas sobre a constituição e a condição da humani-

120

 br itânica. 9

Mesmo antes de o Congresso dec la ra r a independênc ia , os

colonos convocaram convenções es tadua is pa ra subst i tu i r o go

verno britânico, enviaram instruções com os seus delegados para

e x i g i r i nde pe ndê nc i a e c ome ç a r a m a r a s c unha r C ons t i t u i ç õ e s

estaduais que frequentemente incluíam declarações de direitos. ADeclaração de Direitos da Virginia, de 12d eju nh o de 1776, procla

mava que "todos os homens são por natureza igualmente l ivres e

independentes e têm certos direitos inerentes", que eram definidos

com o "a fruição da vida e da liberdad e, com os mei os de adqu ir ir e

  possuir propriedades e de buscar e obter felicidade e segurança".

Ainda mais importante, a Declaração da Virginia passava a ofere

cer uma lista de direitos específ icos, como a l ibe rdade de imp rensa

e a l iberdade de opinião religiosa: ela ajudou a estabelecer o

mode lo não só para a Dec la ração da Independên c ia , mas tamb ém

  para a definitiva Bill ofRightsda Const i tu ição dos Estados Unidos .

  Na primavera de 1776, declarar a independência — e declarar os

di re i tos univer sa is em vez de br i tânicos — t inha adqui r ido

momentum nos círculos polít icos. '"

Assim, os acontec imentos de 1774-6 fundi ram temporar ia

mente os pensamentos particularista e universalista sobre os direi

tos nas colônias insurgentes. Em reação à Grã-Bretanha, os colo

nos podiam c i ta r os seus di r e i tos já exis tentes como súdi tos

 britânicos e, ao me sm o temp o, reivindicar o direit o universal a um

governo que assegurasse os seus direitos inalienáveis como ho

mens iguais. Entretanto, como os últimos de fato anulavam os pri

meiros, à medida que se moviam mais decisivamente para a inde

 pendên cia os ameri canos sent iam a necessidade de declarar os seus

direitos com o parte da transição de um estado de natu reza de volta

a um governo civil — ou de um estado de sujeição a Jorge III em

i . ' i

 

direção a uma nova política republicana. Os direitos universalistas

nunca te r iam s ido dec la rados nas colônias amer icanas sem o

tido de que os colonos "carregam consigo apenas aquela parte das

leis inglesas que é aplicável à sua situação": portanto, se "inova

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mo me nt o revolucionário cr iado pela resistência à autoridade britâ

nica . Embora nem todos concordassem sobre a impor tânc ia de

declarar os direitos ou sobre o conteúdo dos direitos a serem decla

rados, a indep endênc ia abriu a porta para a declaração dos direitos. 11

Mesmo na Grã-Bretanha, uma noção mais universalista dos

direitos começou a se introduzir sorrateiramente no discurso na

década de 1760. Os debates sobre os direitos t inha m se aquietado

com a restauração da estabilidade depois da revolução de 1688,

que havia resultado na Bill ofRights. O número de tí tulos de livros

que inc luíam a lguma menção aos "di re i tos" dec l inou constante

mente na Grã-Bretanha do início dos anos 1700 aos anos 1750.

Quando se intensif icou a discussão internacional da lei natural e

dos direitos naturais, os números começaram a se elevar de novo

na década de 1760 e con tin uara m a crescer a partir de então. Num

longo panfleto de 1768 que denunciava o patrocínio ar istocrático

de posições clericais na Igreja da Escócia, o autor invocava tanto

"os direitos naturais da humanidade" como "os direitos naturais e

civis dos BRETÕES LIVRES". Da mesma forma, o pregador anglicano

Wil l iam Dodd a rgumentava que o papismo e ra " incoerente com

os Direitos Naturais dos HOMENS em geral e dos INGLESES em parti

cular". Ainda assim, o polít ico da oposição John Wilkes sempre

empregav a a l inguag em de "vosso direito heredi tár io com o INGLE

SES " ao apresent ar seus argu men tos na década de 1760. The Letters

ofjunius, cartas anônimas publicadas contra o governo britânico

no final da década de 1760 e início da de 1770, também usava a lin

guagem dos "direitos do povo" para se referir aos direitos sob a tra

dição e a lei inglesas. 12

A guerra entre os colonos e a Coroa britâni ca torno u a tend ên

cia universalista mais plenamente manifesta na própria Grã-Bre

tanha. Um folheto de 1776 assinado "M. D."cita Blackstone no sen-

122

ções" minis te r ia i s violam "seus di r e i tos na tura is como homens

[ingleses] l ivres", a cadeia de governo é "quebrada", podendo-se

esperar que os colonos exerçam seus "direitos naturais". Richard

Price tornou o apelo ao universalismo muito explícito em seu pan

fleto imensamente influente de 1776, Observations on theNature of 

Civil Liberty, the Principies of Government, and the Justice andPolicyofthe War with America. O seu texto passou por não menos de

quinze edições em Londres em 1776, e foi reimpresso no mesmo

ano em Dubl in, Edim bur go, Char leston , Nov a York e Filadélf ia.

Pr ice baseou o seu apoio aos colonos nos "pr inc ípios ge ra is da

Liberdade Civil", isto é, no "que a razão, a equidade e os direitos da

humanidade propiciam", e não no precedente, no estatuto ou nas

cartas (a prática da liberdade inglesa no passado). O panfleto de

Price foi traduzi do par a o francês, o alemão e o holandês. O seu tra

dut or holan dês, Joan Der k van der Capellen tot den Poli , escreveu

a Price em dezembro de 1777 e relatou o seu próprio apoio, numdiscurso mais tarde impresso e de ampla circulação, à causa ame

r icana : "Considero os am er icanos ho mens va lentes que defendem

de um modo moderado, piedoso e corajoso os direitos que rece

  bem, sendo homens, não do Poder Legislativo da Inglaterra, mas

do próprio Deus". 13

O panfleto de Price provocou uma feroz controvérsia na Grã-

-Bretanha. Uns tr inta panfletos apareceram quase imediatamente

em resposta , acusando Pr ice de fa l so pa t r iot i sm o, pa r t ida r i sm o,

 parr icidio, anarq uia, sedição e até traição. O panfleto de Price inse

r iu "os direitos naturais da humanidade", "os direitos da natureza

humana" e espec ia lmente "os di r e i tos ina l ienáve is da na tureza

hum ana" na agenda da Europa . Como um auto r cla ramente r eco

nhecia, a ques tão crucial era a seguinte: saber "se existem direitos

inerente s à Natureza Hu ma na , tão ligados à von tad e que tais direi-

123

 

tos não podem ser alienados". Era apenas um sofisma, af irmava

esse oposi tor , a rgumenta r que "há ce r tos di r e i tos da Natureza

'preceitos, nada que 'or de ne o homem a pra t ica r qua lquer um dos

atos que se alega serem impo stos pela preten sa lei da Natureza. Se

l h h l d i l

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Humana que são ina l ienáve is" . A esses os homens t inham de

renunciar — um homem tinha de "desistir do governo de seu ser  

  pela sua própria vontade" — a f im de entrar no estado civil . As

  polêmicas mostram que o signif icado de direitos naturais, l iber

dade civil e democracia era objeto de atenção e debate de muitas

das melhores inteligências polít icas da Grã-Bretanha.14

A distinção entre as l iberdades natural e civil proposta pelos

opositores de Price serve para lemb rar que a ar ticulação dos direi

tos naturais engendrava a sua própria tradição contrár ia, que con

tinua até os dias atuais. Como os direitos naturais, que cresceram

em oposição a governos vistos com o despóticos, a tradição contrá

r ia e ra também rea t iva , a rgumentando que os di r e i tos na tura is

constituíam uma invenção ou que nunca poderiam ser inalienáveis

(e portanto eram irrelevantes) . Hobbes já t inha argumentado, na

metade do século xvi i , que os homens dever iam renunc ia r aos

direitos naturais (que portan to não eram inalienáveis) para estabelecer uma sociedade civil ordeira. Robert Filmer, o inglês propo

nente da autoridade patr iarcal, refutou Grotius explicitamente em

1679 e declarou ser um "absurdo " a doutr i na da "liberdade natural".

Em Patriar dia (1680), ele novam ente contradi sse a noção da igual

dade e l iberdade na tura l da humanidad e , a rgume ntand o que todas

as pessoas nascem sujeitas aos pais; o único direito natural, na visão

de Filmer, é inerente ao pode r régio, que deriva do mode lo original

do poder patr iarcal e está confirmado nos Dez Mandamentos. 15

Mais influente no longo p razo foi a visão de Jeremy Benth am,

que argumentava que só importava a lei positiva (real em vez de

ideal ou natural ) . Em 1775, muito antes de se torn ar famoso como

o pai do Utili tar ismo, Bentham escreveu uma crít ica sobre Com-

mentaries on the Laws ofEngland, de Blackstone, expondo a sua

rejeição do conceito de lei natural: "Não há isso que chamam de

124

a lgum homem conhece a lgum desses prece i tos , que e le os pro

duza. Se são produzíveis, não deveríamos nos dar ao trabalho de

'descobri- los', como nosso autor [Blackstone] pouco depois nos

diz que devemos fazer, com a ajuda da razão".

Ben tha m se opu nh a à ideia de que a lei natu ral era inata à pes

soa e pod ia ser descoberta pela razão. Assim, rejeitava basic amen tetoda a tradição da lei natu ral e com ela os direitos naturais . O prin

cípio da util idade (a maio r felicidade do maio r núme ro de pessoas,

uma ideia que ele tomou emprestada de Beccaria) , ele argumenta

r ia mais tarde, servia como a melhor medida do certo e do errado.

Só cálculos baseados em fatos, em vez de julg amen tos baseado s na

razão, podiam fornecer a base para a lei. Dada essa posição, a sua

re je ição poste r ior da Dec la ração dos Dire i tos do Homem e do

Cidadão é menos surpreendente. Num panfleto em que crit ica a

Declaração francesa ar tigo por ar tigo, ele negou categoricamente

a existência de direitos naturai s. "Os direitos naturais são um m eroabsurdo: os direitos naturais e imprescrit íveis, um absurdo retó

r ico, um absurdo bombástico." 1"

Apesar de seus cr ít icos, o discurso dos direitos estava ga

nhando impulso desde a década de 1760. Os "direitos naturais",

então suplementados pelos "direitos do gênero humano", "direitos

da human idad e" e "di re i tos do homem", tornaram- se expressões

corr iqueiras. Com o seu potencial polít ico imensamente intensif i

cado pelos conflitos americanos das décadas de 1760 e 1770, o dis

curso dos direitos universais cruzou de volta o Atlântico para a

Grã-Bretanha, a República Holandesa e a França. Em 1768, por  exemplo, o economista f r ancês de mente r e formis ta P ie r re -

-Samuel du Pont de Nemours ofereceu a sua própria definição dos

"direitos de cada homem". A sua lista incluía a liberdade de esco

lher um a ocupação , o l ivre comércio, a educação pública e a tr ibu -

125

 

tação proporcional. Em 1776, Du Pont se apresentou como volun

tár io para ir às colônias americ anas e relatar os aconte cimen tos ao

governo francês (uma oferta que não foi aproveitada) Mais tarde

tos humanos poder iam te r de f inhado por f a l ta de inte resse .

Depois de insuf la r um inte resse di fundido pe los "di re i tos do

h " i í i d dé d d 1760 ó i R d i

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governo francês (uma oferta que não foi aproveitada) . Mais tarde

Du Pont se tornou amigo íntimo de Jefferson, e em 1789 foi eleito

deputado pelo Terceiro Estado. 17

Embora a Declaração da Independência talvez não tenha sido

"praticamente esquecida", como Pauline Maier recentemente pro

clamou, a l inguagem universalista dos direitos retornou essencialmente ao seu lar na Europa depois de 1776. Os novos governos

es tadua is dos Estados Unidos começaram a adota r dec la rações

individ uais dos direitos já em 1776, mas os Artigos da Confedera

ção de 1777 não inc luíam nenhuma dec la ração de di r e i tos , e a

Constituição de 1787 foi aprovada sem nenhuma declaração desse

tipo. A Bill of Rights ameri cana só passo u a existir com a ratif icação

das primeiras dez emendas da Constituição, em 1791, e era um

documento profundamente par t icula r i s ta que protegia os c ida

dãos americanos contra abusos cometidos pelo seu governo fede

ral. Em comparação, a Declaração da Independência e a Declaração de Direitos da Virginia de 1776 tin ham feito afirmações mui to

mais universalistas. Na década de 1780, os direitos na América

t inham assumido uma posição menos impor tante do que o inte

resse em const rui r uma nova es t rutura ins t i tuc iona l nac iona l .

Como consequência, a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789 de fato precedeu a Bill of Rights americana, e logo

atraiu a atenção internacional. 18

d e c l a r a n d o o s d i r e i t o s n a f r a n ç a

A pe s a r do a f a s t a me n t o a me r i c a no do un i ve r s a l i s mo na

década de 1780, os "di re i tos do homem" receberam um grande

emp ur rã o do exemplo am er icano. Sem e le , na verdade , os di r ei -

126

homem" no início da década de 1760, o próprio Rousseau se desi-

I udiu . Num a longa carta escrita em jane iro de 1769 sobre as suas

convicções r e l igiosas , Rousseau a tacou o uso excess ivo des ta

" be l a pa l a v r a ' huma n i da de ' " . O s s o f i s t i c a dos munda nos , " a s

menos humanas das pessoas" , invocavam-na com tanta f r equên

cia que ela estava se "tornando insípida, até r idícula". A humanidade tinha de ser gravada nos corações, insistia Rousseau, e não

apenas impressa nas páginas dos livros. O inventor da expressão

"di re i tos do hom em" não viveu para ve r o impac to plen o da inde

  pendênc ia amer icana : e le mor reu em 1778, o ano em que a

F r a nç a s e j un t ou a o l a do a me r i c a no c on t r a a G r ã - B r e t a nha .

Embora Rousseau soubesse de Benjamin Frankl in , uma verda

de i ra ce lebr idade na França desde sua chegada como minis t ro

dos colonos rebeldes em 1776, e numa ocasião tivesse defendido

o di re i to dos amer ican os de proteger suas l ibe rdades mesm o que

fossem "obscuros ou desconhecidos", ele expressava pouco interesse pe los assuntos amer ican os . 19

As repe t idas r e fe rênc ias à humanidade e aos di r e i tos do

homem continuaram apesar do escárnio de Rousseau, ir ias pode

r iam ter sido ineficazes se os acontecim entos n a América não tives

sem lhes dad o mais pode r de fogo. Entre 177 6e 1783 ,nove diferen

tes t r aduções f r ancesas da Dec la ração da Independênc ia e ao

me nos cinco traduç ões francesas de várias constituições e declara

ções de direitos estaduais propiciaram aplicações específ icas de

doutr inas de direitos e ajudaram a cr istalizar o senso de que o

governo f r ancês também poder ia se r es tabe lec ido sobre novos

fundamentos. Embora alguns reformadores franceses preferissem

uma monarquia constitucional no esti lo inglês, e Condorcet por  

sua parte expressasse desapontamento com o "espír ito ar istocrá

tico" da nova Constituição dos Estados Unidos, muitos se entu-

127

 

siasmavam com a capacidade americana de escapar ao peso morto

do passado e estabelecer o autogoverno. 20

O d t i t i d i i

ção igual, igualdade de trat ame nto pe rante a lei , proteção c ontra a

 prisão arbitrár ia e que tais. 22

O d l d i l i t d i

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Os precedentes americanos tornaram-se ainda mais convin

centes quando os franceses entraram num estado de emergência

constitucional. Em 1788, enfrentando uma bancarrota causada em

grande medida pela participação francesa na Guerra da Indepen

dênc ia amer icana , Luís xvi concordou em convocar os Estados

Gerais, que tinham se reunido pela última vez em 1614. Quandocome çaram as eleições dos delegados, ruídos surdo s de declarações

  já podiam ser ouvidos. Em janeiro de 1789, um amigo de Jefferson,

Lafayette, preparou um rascunho de declaração, e nas semanas

seguintes Condorcet silenciosamente formulou o seu. O rei t inha

  pedido que o c le ro (o Pr imei ro Estado) , os nobres (o Segundo

Estado) e o povo c om um (o Terceiro Estado) não só elegessem dele

gados, mas também fizessem listas de suas queixas. Várias l istas

redigid as em fevereiro, março e abril de 1789 se referiam aos "direi

tos inalienáveis do homem", aos "direitos imprescrit íveis dos

homens livres", aos "direitos e dignidade do homem e do cidadão"ou aos "direitos dos ho men s livres e esclarecidos", mas predo min a

vam os "direitos do homem ". A linguagem dos direitos estava agora

se difundindo rapidamente na atmosfera da crescente cr ise. 21

Algumas listas de queixas t— as dos nobres mais frequente

mente que as do clero ou do Terceiro Estado — exigiam de forma

expl íc i ta uma dec la ração de di r e i tos ( em gera l a s que também

 pediam um a nova Cons tituiç ão). Por exemplo, a nobr eza da região

Béziers, no sul, requeria que "a assembleia geral adotasse co mo sua

verdadeira tarefa preliminar o exame, rascunho e declaração dos

direitos do homem e do cidadão". A lista de queixas do Terceiro

Estado da grande Paris intitulou a sua segunda seção "Declaração

de direitos" e apresento u um a lista desses direitos. Quas e todas as

listas pediam direitos específ icos de uma ou outra forma: l iber

dade de imprensa, l iberdade de religião em alguns casos, tr ibuta-

128

Os de legados vie ram com as suas l i s tas de que ixas pa ra a

abert ura oficial dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789. Depois

de semanas de debates fúteis sobre o procedimento, os deputados

do Terce i ro Estado se dec la ra ram uni la te ra lmente membros de

uma Assembleia Nacional em 17 de junho; eles af irmavam repre

sentar toda a nação, e não apenas o seu "estado". Muitos deputados cler icais logo se juntaram a eles, e em pouco tempo os nobres

não t ive ram out ra escolha senão abando nar os t r aba lhos ou tam

  bém aderir . Em 19 de junh o, bem no meio dessas lutas, um dep u

tado pediu que a nova Assemble ia começasse imedia tamente a

"gra nde tarefa de uma declaração de direitos", que ele insistia ter  

sido exigida pelos eleitores; emb ora estivesse longe de ser univer

salmente reclamada, a ideia estava com toda a certeza no ar. Um

Com itê sobre a Constitu ição foi mo nt ado em 6 de julho , e em 9 de

  julho o comi tê anunc iou à Assemble ia Nac iona l que começar ia

com uma "declaração dos direitos naturais e imprescrit íveis dohomem", denominada na r ecapi tulação da sessão "a dec la ração

dos direitos do homem". 21

Thomas Jefferson, então em Paris, escreveu a Thomas Paine

na Ingla te r ra em 11 de julho, dando um re la to esbafor ido dos

acontecimentos que se desenrolavam. Paine era o autor de Com-

mon Sense (1776) , o panf le to mais inf luente do movimento da

independênc ia amer icana . Segundo Je f fe r son, os deputados da

Assembleia Nacional "lança ram por terra o velho governo, e estão

agora começando a construir outro da estaca zero". Relatava que

eles consideravam que a primeira tarefa devia ser o rascunho de

"uma Dec la ração dos di r e i tos na tura is e impresc r i t íve is do

homem" — os mesmos termos usados pelo Comitê sobre a Cons

tituição. Jefferson trocou muitas ideias com Lafayette, que naquele

mesmo dia leu o seu próprio rascunho de uma proposta de decla-

129

 

ração para a Assembleia. Vários outros deputados proeminentes

cor re ram então a impr imir as suas propostas . A te rminologia

variava: "os direitos do ho me m na sociedade" "os direitos do cida

novo. Os di r e i tos do homem fornec iam os pr inc ípios pa ra uma

visão alternativa de governo. Como os americanos haviam feito

antes, os franceses decla raram os direitos co mo parte de uma cres

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variava: os direitos do ho me m na sociedade , os direitos do cida

dão f r ancês" ou s implesmente "di re i tos" , mas "os di r e i tos do

homem" predominava nos t í tu los . 24

Em 14 de julho, três dias depois que Jefferson escreveu a

Paine, as multidões em Paris se armaram e atacaram a prisão da

Bastilha e outros símbolos da autoridade real. O rei havia ordenado que milhares de tropas entrassem em Paris, levando muitos

deputados a temer um golpe contrarrevolucionario. O rei retirou

os seus soldados, mas a questão de uma declaração ainda não fora

solucionada. No f inal de julho e início de agosto, os deputados

ainda estavam debatendo se precisavam de uma declaração, se ela

deveria aparecer no top o da Constitui ção e se deveria ser acompa

nha da por um a declaração dos deveres do cidadão. A divisão sobre

a necessidade de um a declaração refletia os desacord os fun dam en

ta i s sobre o cur so dos acontec imentos . Se a autor idade monár

quica precisasse simplesmente de alguns reparos, uma declaraçãodos "direitos do hom em " não era necessária. Para aqueles, em con

traste, que concordavam com o diagnóstico de Jefferson de que o

governo t inha de se r r econst ruído do nada , uma dec la ração de

direitos era essencial.

Por f im, em 4 de agosto, a assembleia votou por redigir uma

declaração de direitos sem os deveres. Ninguém então ou desde

então expl icou adequadamen te como a opinião acabou mud and o

em favor de rascunhar essa declaração, em grande par te porq ue os

deputados estavam tão ocupados confrontando as questões coti

dianas que não compreendiam as grandes consequências de cada

um a de suas decisões. Com o resultado, as suas cartas e até mem ó

r ias poste r iores most ra ram-se tor turantemente vagas sobre as

mudanças de maré da opinião. Sabemos que a maioria t inha pas

sado a ac redi ta r se r necessá r io um fundamento inte i r amente

130

antes, os franceses decla raram os direitos co mo parte de uma cres

cente ruptura com a autoridade estabelecida. O deputado Rabaut

Saint-Étienne comentou esse paralelo em 18 de agosto: "como os

amer icanos , queremos nos r egenera r , e ass im a dec la ração de

direitos é essencialmen te necessária". 25

O debate se animou em meados de agosto, apesar de algunsdeputados zombarem aber tamente da "discussão meta f í s ica" .

Conf rontada com uma sér ie desnor teante de a l te rna t ivas , a As

semble ia Nac iona l dec idiu considera r um docum ento de comp ro

misso r edigido por um subcomitê de quarenta membros , na sua

maior parte anônimos. No meio da contínua incerteza e ansiedade

sobre o futuro, os deputados dedica ram se is dias a um deba te

tumultuado (20-24 de agosto, 26 de agosto) . Concordaram a res

  peito de dezessete ar tigos emendados entre os 24 propostos (nos

Estados Unidos, os estados individuais ratif icaram apenas dez das

doze pr imei ras emendas p ropostas pa ra a Const i tu ição) . Exaur ida pela discussão dos artigos e emendas, em 27 de agosto a Assembleia

votou por adiar qualquer outra discussão para depois da redação

de uma nova Constituição. A questão nunca foi reaberta. Dessa

maneira um tanto ambígua, a Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão adquir iu a sua forma definitiva.*

Os deputados franceses declaravam que todos os homens, e

não só os franceses,"nascem e perm ane cem livres e iguais em direi

tos" (ar tigo I a ) . Entre os "direitos natur ais, inalienáveis e sagrados

do homem" estavam a liberdade, a propriedade, a segurança e a

resistência à opressão (ar tigo 2a

) . Co ncreta ment e, isso signif icavaque quaisquer l imites aos direitos t inham de ser estabelecidos na

lei (artigo 4 a ) . "Todos os cidadãos" tinham o direito de participar  

* Ver no Apêndice o tex to comple to .

131

 

na formaç ão da lei, que deveria ser a me sm a par a tod os (art igo 6fi ),

e consent i r na t r ibutação (a r t igo 14) , que dever ia se r dividida

igual ment e segund o a capacidad e de pagar (ar tigo 13). Além disso,

religiões e os sexos não apa reciam na declaração. Em bora a ausê n

cia de especif icidade logo criasse problemas, a generalidade das

afirmações não era uma grande surpresa. O Comitê sobre a Cons

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a declaração proibia "orden s arbitrár ias" (ar tigo 7°), punições des

necessárias (ar tigo 8 fl) e qualq uer presun ção legal de culpa (ar tigo

9 S) ou aprop r iação governamenta l desnecessá ria da propr iedade

(artigo 17). Em termos um tanto vagos, insistia que "[n]inguém

deve ser mole stado po r suas opiniõ es, mesm o as religiosas" (ar tigo

10), enquanto afirmava com mais vigor a l iberdade de imprensa

(artigo 11).

  Num único documento, portanto, os deputados franceses ten

taram condensar tanto as proteções legais dos direitos individuais

como um novo fundamento para a legi t imidade do governo. A

soberania se baseava exclusivamente na nação (ar tigo 3 2 ), e a"socie-

dade" tinha o direito de considerar que todo agente público devia

 prestar contas de seus atos (ar tigo 15). Não era feita nen hu ma men

ção ao rei, tradição, história ou costumes franceses, nem à Igreja

Católica. Os direitos eram declarado s "na presença e sob os auspícios do Ser Supremo", mas por mais "sagrados" que fossem não lhes

era atr ibuída uma origem sobrenatural. Jefferson tinha sentido a

necessidade de afirmar que todos os homens eram "dotados pelo

seu Criador " com direitos, mas os franceses ded uzia m os direitos de

origens inteiramente seculares: a natureza, a razão e a sociedade.

Durante os debates, Mathieu de Montmorency havia afirmado que

"os direitos do hom em na sociedade são etern os" e "não é necessá

r ia nenh um a sanção para reconhecê-los". O desafio à antiga orde m

na Europa não poderia ter sido mais direto. 26

 Nenh um dos ar tigos da declaração especif icava os direitos degrupos par t icula res . "Os homens" , "o homem", "cada homem", I

"todos os cidadãos", "cada cidadão", "a sociedade", "qualquer socie

dade" e ram cont ras tados com "ninguém", "nenhum indivíduo",

"nenhum homem". Era l i teralmente tudo ou nada. As classes, as

132

t i tu ição t inha se compromet ido or igina lmente em prepara r a té

quatro documentos diferentes sobre os direitos: (1) uma declara

ção dos direitos do ho me m; (2) dos direitos da nação; (3) dos direi

tos do rei; e (4) dos direitos dos cidadãos sob o governo francês. O

docu ment o adotado combinava o pr imei ro , o segundo e o quar to ,

mas sem d efinir as qualif icações para a cidadania. Antes de passar  

aos aspectos específicos (os direitos do rei ou as qualificações para

a c idadania ) , os deputado s se empenh aram pr imei ro em es tabe le

cer princípios gerais para to do o g overno. A esse respeito, o ar tigo

2 a é típico: "O objetivo de toda associação polít ica é a preservaç ão

dos direitos naturais e imprescrit íveis do homem". Os deputados

quer iam propor a base de toda assoc iação pol í t ica — não da

monarquia, não do governo francês, mas de toda associação polí

tica. Eles teriam de se voltar em breve para o governo francês. 27

O ato de declarar não resolvia todas as questões. De fato,emprestava maior urgência a algumas dessas questões — os direi

tos daqueles que não tinham propriedade ou das minorias religio

sas, por exemplo — e abria novas questões sobre grupos, como os

escravos ou as mulheres, que nunca haviam detido uma posição

  polít ica (a serem examinadas no próximo capítulo) . Talvez aque

les que se opunham a uma declaração tivessem percebido que o

  próprio ato de declarar ter ia um efeito galvanizador. Declarar era

mais do que esclarecer artigos de doutrina: ao fazer a declaração,

os deputados se apoderavam efe t ivamente da soberania . Como

resultado, o ato de declarar abriu um espaço antes inimaginável  para o debate político: se a nação era soberana, qual era o papel do

rei, e quem representava melhor a nação? Se os direitos serviam

como o fundamento da legitimidade, o que justif icava a sua limi

tação a pessoas de certas idades, sexos, raças, religiões ou riqueza?

133

 

Alin guagem dos di r e i tos humanos t inha germinado por a lgum

tempo nas novas prá t icas cul tura is da autonomia individua l e

integr idade corpora l , mas depois i r rompeu repent inamente em

denação especialmente dura. A sua linguagem enfureceu Thomas

l 'aine, que se agarrou a essa passagem notória na sua réplica de

1791 Os direitos do homem: uma resposta ao ataque do sr Burke à

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tem pos de rebelião e revolução. Que m devia, queria ou podia con

trolar os seus efeitos?

Dec la ra r os di r e i tos também teve consequênc ias fora da

França. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão trans

formou a l inguagem de todo mundo quase da noite para o dia. Amudança pode ser encontrada de forma especialmente clara nos

escritos e discursos de Richard Price, o pregador britânico dissi

dente que havia inflamado a controvérsia com seu discurso dos

"di re i tos da humanidade" em apoio aos colonos amer icanos em

1776.0 seu panfleto de 1784, Observations on theImportance ofthe

  American Revolution,cont inuava na mesma ve ia : comparava o

movi mento de independênc ia amer icano à in t rod ução do c r i st ia

nism o e predizia que ele "prod uzir ia u ma difusão geral dos princí

  p ios da humanidade" ( apesar da esc ravidão, que e le condenava

ca tegor icamente ) . Num sermão de novembro de 1789, Pr iceendossava a nova term inolo gia francesa: "Vivi para ver os direitos

dos homens mais bem compreendidos do que nunca , e nações

ansiando por l iberdade que pareciam ter perdido a ideia do que

isso fosse. [... ] Depois de partilhar os benefícios de uma Revolução

[ 1688], fui poupado para ser testemunha de duas outras Revolu

ções [a ameri cana e a francesa], amb as gloriosas".28

O panfleto escrito em 1790 por Edmund Burke contra Price,

  Reflexões sobre a revolução na França, desencadeou por sua vez um

frenesi de discussão em várias l inguagens sobre os direitos do

homem. Burke a rgumentava que o "novo impér io conquis tador  de luz e r azão" não podia propic ia r um fundamento adequado

  para um governo bem-sucedido, que tinha de estar arraigado nas

tradições duradouras de uma nação. Na sua acusação aos novos

  princípios franceses, Burke escolheu a Declaração para uma con-

134

1791, Os direitos do homem: uma resposta ao ataque do sr. Burke à

  Revolução Francesa.

"O sr . Burke, com su a costu meira violência", escreveu Paine,

"insultou a Declaração dos Direitos do Homem. [ . . . ] A essa cha

mou de 'pedaços miseráveis de papel borrado sobre os direitos do

homem'. O sr . Burke pretende negar que o homem tenha direitos? Nesse caso, deve querer dizer que não existem esses tais direitos em

nenhum lugar , e que e le própr io não tem nenhum: pois quem

exis te no mundo senão o homem?" Embora a r esposta de Mary

Wollstonecraft , Vindication ofthe Rights ofMen, in a Letter to the

  Right Honourable Edmund Burke; Occasioned by his Reflections on

the Revolution in France, tivesse sido publicada antes, em 1790, Os

direitos do homem causou um impacto ainda mais direto e estu

 pendo, em parte porque Paine aproveitou a ocasião para argumen

tar contra todas as formas de monarquia hereditár ia, inclusive a

inglesa. A sua obra teve várias edições inglesas ainda no prim eiroano de sua publicação. 29

Como consequênc ia , o emprego da l inguagem dos di r e i tos

aumentou dramat icamente depois de 1789. As evidênc ias dessa

onda podem se r prontamente encont radas no número de t í tu los

em inglês que usam a pa lavra "di re i tos" : e le quadrupl icou na

década de 1790 (418) em compa ração co m a de 1780 (95) ou com

qualquer década anterior durante o século xvni. Algo semelhante

aconteceu em holandês: rechten van des mensch apareceu pela pri

meir a vez em 1791 c om a traduçã o de Paine, sendo depoi s seguido

  por muitos usos na década de 1790. Rechten des menschen apare

ceu logo depois nas terras em que se falava o alemão. Um tanto iro

nicamente , por tanto, a polêmica ent re os esc r i tores de l íngua

inglesa levou os "direitos do homem" francês a um público inter

nacional. O impacto foi maior do que tinha sido depois de 1776,

1 3 5

 

  porque os f r anceses t inham uma monarquia como as da maior ia

das outras nações europeias, e eles nunca abandonaram a lingua

gem do univer sa l i smo. Os escr i tos inspi rados pe la Revolução

Ho me m e do Cidadão. Os participantes da march a forçaram o rei e

sua família a se mudar de Versalhes para Paris em 6 de outubro. No

meio dessa renovada agitação, em 8-9 de outubro, a Assembleia

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ge do u ve sa s o. Os esc tos sp ados pe a evo ução

Francesa também e levaram o níve l da discussão amer icana dos

direitos: os seguidores de Jefferson invocavam constantemente os

"direitos do homem", mas os federalistas tratavam com desprezo

uma linguagem associada com "excesso democrático" ou ameaças

à autoridade estabelecida. Essas disputas ajudaram a disseminar al inguagem dos di r ei tos hum ano s por todo o mu nd o oc identa l .30

A B O L I N D O A T O R T U R A E A P U N I Ç Ã O C R U E L

Seis semanas depois de aprovarem a Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão, e mesmo antes que tivessem sido deter

mina das as ressalvas a votar , os deput ados franceses aboliram todo s

os usos da tortura judicial como parte de uma reforma provisória

do proced imen to cr iminal. Em 10 de setemb ro de 1789, o conselhoda cidade de Paris enviou um a petição formal à Assembleia Nacio

na l em nome da "razão e humanidade" , demandando re formas

  judic ia i s imedia tas que não só "resga ta r iam a inocênc ia" como

"estabeleceriam melh or as provas do cr ime e tor nari am a condena

ção mais certa". Os membros do conselho da cidade fizeram a peti

ção porque muitas pessoas t inham sido presas pela nova Guarda

  Nacional, comandada em Paris por Lafayette, nas semanas de

sublevação depois de 14 de julho. Poderia o sigilo habitu al dos pro

cedimentos judiciais fomentar a manipulação e a chicana dos ini

migos da Revolução? Em resposta, a Assembleia Nacional no meo uum Comitê dos Sete para redigir as reformas mais prementes, não

apenas para Paris mas para toda a nação. Em 5 de outubro, sob a

  pressão de uma marcha impressionante a Versalhes, Luís xvi deu

finalmente a sua aprovação formal à Declaração dos Direitos do

136

aprovou o decreto proposto pelo seu comitê. Ao mesmo tempo, os

deputados votaram por se juntar ao rei em Paris. 31

A Declaração dos Direitos do Ho me m e do Cidadão tinh a tra

çado apenas princípios gerais de justiça: a lei devia ser a mesma

 para todos, não devia permitir a prisão arbitrár ia ou castigos alémdaqueles "estr i ta e obv iame nte necessários", e o acusad o devia ser  

consi derado in ocente até ser julga do culpa do. O decreto de 8-9 de

outubro de 1789 começava com uma invocação da declaração: "A

Assembleia Nacional, considerando que um dos principais direi

tos do homem, por ela reconhecido, é o de usufruir , quando acu

sado de um delito cr iminal , de toda a l iberdade e seguran ça para a

defesa que possa ser conciliada com o interesse da sociedade que

 pede a punição dos crimes [...]". Passava então a especificar os pro

cedim entos , a maior ia dos quais se destinava a assegurar a transpa

rência para o público. Num lance inspirado pela desconfiança no judiciár io ent ão em vigor, o decreto re queria a eleição de comissá

r ios especiais em cada distr i to para ajudar em todos os casos c r imi

nais, inclusive na supervisão da coleta de evidências e testemu

nho s. Garant ia o acesso da defesa a todas as informa ções reunid as

e a natureza pública de todos os procedimentos cr iminais, pondo

em prática um dos princípios mais acalentados por Beccaria.

O mais curto dos 28 artigos no decreto, o artigo 24, é o mais

interessante para nossos propósitos. Ele abolia todas as formas de

tortura e também o uso de um banco baixo e humilhante (a sel-

lette) para o interro gatóri o f inal do acusado perante os seus juízes.Luís xvi havia suprimido anteriormente a "questão preparatória",

o emprego da tortura para obter confissões de culpa, mas tinha

 proibido apenas provisoriamente o uso da "questão preliminar", a

tortura para obter os nomes de cúmplices. O governo do rei tinha

137

 

e l iminado a selletteem maio de 1788, mas como a ação era muito

recente os deputados consideraram necessário tornar a sua pró

 pria posição be m clara. A sellette era um ins t rumen to de humi lha

Quando chegou a hora de comple ta r a r evisão do código

  pena l após mais de dezoi to meses , o deputado encar regado de

apresentar a reforma invocou todas as noções que tinham se tor

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ção e representava o tipo de ataque à dignidade do indivíduo que

os deputados agora consideravam inace i táve l . O deputado que

apresentou o decreto para o comitê reservou a discussão dessas

medidas para o f im, com o intuito de sublinhar a sua importância

simbólica. Tinha insistido com os seus colegas desde o início que

"vocês não podem deixar no Código corrente manchas que revol

tam a hum anida de ; vocês ce r tamente quere m que e las desapare

çam sem demora". Depois se tornou quase lacrimoso quando che

gou ao tema da tortura:

Acreditamos que devemos à humanidade apresentar-lhes uma

observação final. O rei já [...] baniu da França a prática absurda

ment e cruel de arrancar do acusado, por meio de to rtura, a confissão

de crimes [...] mas ele lhes deixou a glória de completar esse grande

ato de razão e justiça. Permanece ainda em nosso código a tortura preliminar!...] o s refinamentos mais execráveis de crueldade] ainda

são empregados para obter a revelação dos cúmplices. Fixem seus

olhos nesse resquício de barbárie, por favor, senhores, e logrem p ros

crever de seus corações essa prática. Seria um espetáculo belo e

comovente para o universo: ver um rei e uma nação, unidos pelos

laços indissolúveis de um amor recíproco, rivalizando entre si no

zelo pela perfeição das leis, um tent ando su perar o out ro na co nstru

ção de monumentos à justiça, à liberdade e à humanidade.

 Na esteira da declaração de direitos, a tor tu ra foi po r f im c omp letamente abolida. A abolição da tortura não estava na agenda do

governo da cidade de Paris em 10 de setembro, mas os deputados

não resistiram à oportunidade apresentada de torná-la o clímax de

sua primeira revisão do código criminal. 32

138

apresentar a reforma invocou todas as noções que tinham se tor

nado familiares durante as campanhas contra a tor tura e a punição

cruel. Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau, outrora juiz no

 Parlementde Paris, subiu à tr ibuna em 23 de maio de 1791 para

apresenta r os pr inc ípios do Comitê sobre a Le i Cr imina l (uma

continuação do Comitê dos Sete nomeado em setembro de 1789).Denunciou as "torturas atrozes imaginadas em séculos bárbaros e

ainda assim conservadas em séculos esclarecidos", a falta de pro

  porção entre os cr imes e as punições (uma das principais queixas

de Beccaria) e a "ferocidade geralmente abs urda" das leis anterio

res . "Os pr inc ípios de humanidade" agora mode la r iam o código

 penal, que no futuro se basearia antes na reabili tação por meio do

trabalho que na punição sacrif icai por meio da dor. 33

Tão bem-sucedidas t inham s ido as campanhas cont ra a tor

tur a e a puniç ão cruel que o comitê colocou a seção sobre as pun i

ções antes da seção que definia os cr imes no novo código penal.

Todas as sociedades experimentam o crime, mas a punição reflete

a própria natureza de uma polít ica pública. O comitê propôs uma

revisão completa do sistema penal para dar corpo aos novos valo

res cívicos: em nom e da igualdade, todos seriam julgados nos mes

mos t r ibuna is sob a mesma le i e se r iam susce t íve is às mesmas

 punições. A privação da liberdade seria a pun ição exemplar , o que

significava que ser enviado para as galés no mar e para o exílio seria

subst i tu ído pe lo apr i s ionam ento e po r t r aba lhos forçados . Os con

c idadãos do c r iminoso nada saber iam sobre a s igni f icânc ia da

  punição se o c r iminoso fosse s implesmente enviado para out ro

lugar, fora do alcance da visão pública. O comitê até defendia eli

minar a pena de morte à exceção dos casos de rebelião contra o

Estado, mas sabia que enfrentaria resistência quanto a esse ponto.

Os deputados votaram por reinstalar a pena de morte para alguns

139

 

crimes, emb ora excluíssem todos os cr imes religiosos com o a here

sia, o sacrilégio ou a prática da magia. (A sodomia, antes punível

com a mort e, não era mais consider ada crime.) A pen a de mo rte só

honorable) em que o condenado, ves t indo apenas uma camisa ,

com uma corda ao redor do pescoço e uma tocha na mão, ia até a

 porta de uma igreja e imp lorav a o perdão de D eus, do rei e da jus

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, ) p

seria executada pela decapitação, antes reservada aos nobres. A

guilhotina, inventada para tornar a decapitação o menos dolorosa

  possível, começou a ser praticada em abril de 1792.0 suplício da

roda, a queima na fogueira, "essas torturas que acompanhavam a

  pena de morte" desapareceriam; "todos esses horrores legais sãodetestado s pela hu man ida de e pela opinião pública", insistia Lepe-

letier . "Esses espetáculos cruéis degradam a moral pública e são

indignos de um século humano e esclarecido." 34

Co mo a reabili tação e o reingresso do crimin oso na sociedade

eram as metas principai s, a mutil ação corpo ral e as marcas de ferro

em brasa se tornaram intole ráve is . Ainda ass im, Lepe le t ie r se

estendeu bastante sobre a questão das marcas feitas com ferro em

 brasa: como a sociedade se protegeria contra cr iminosos condena

dos sem nenhum tipo de sinal permanente de seu status? Concluiu

que na nova ordem seria impossível que vagabundos ou crimino

sos passassem despercebidos , porque as munic ipa l idades m ante

r iam registros exatos com os nomes de cada habitante. Marcar os

seus corpos de forma permanente impedir ia que se reintegrassem

na sociedade. Nisso como n a questão mais geral da dor, os deputa

dos tinham de seguir um caminho sem muita margem de erro: a

 punição dev ia ter , simu ltane amen te, efeitos de dissuasão e readap

tação. A punição não podia ser tão degradante a ponto de impedir  

que os condenados se r e integrassem na soc iedade . Como conse :

quência, embo ra prescrevesse a exposição pública dos cond enad os,

às vezes acorrentados, o código penal l imitava cuidadosamente a

exposição (no máximo t r ês dias) dependendo da gravidade do

delito.

Os deputados também queriam acabar com o colorido reli

gioso da punição. Eliminaram o ato formal da penitência ( arriende

140

p g j p p , j

t iça. Em lugar disso, o comitê propunha uma punição baseada nos

direitos chamada de "degradação cívica", que poderia ser a única

  punição ou ser acrescentada a um período de encarceramento. Os

  procedimentos eram descritos em detalhes por Lepeletier . O con

denado e ra conduz ido a um lugar públ ico espec i f icado, onde oescrivão do tr ibu nal cr imin al l ia em voz alta estas palavras: "O seu

 país o considerou culpado de uma ação desonrosa. A lei e o tr ibu

nal lhe t ira m a posição d e cidadão francês". O con den ado era então

  preso num colarinho de ferro e ali permanecia exposto ao público

 por duas horas. O seu nom e, o seu cr ime e o seu julg amen to seriam

escritos num cartaz colo cado abaixo da sua cabeça. As mulher es, os

estrangeiros e os recidivistas cr iavam um problema, entretanto:

com o pod iam perd er os seus direitos de votar ou o direito de ocu

  par um cargo público, quando não tinham esses direitos? O artigo

32 tratava especif icamente desse ponto: no caso de uma sentençade "degradação cívica" contra mulhe res, estrangeiros ou recidivis

tas, eles eram condenados ao colarinho de ferro por duas horas e

usavam um cartaz semelhante ao prescrito para os homens, mas o

escrivão não lia a frase a respeito da perda da posição cívica. 35

A "degradação cívica" pode parecer formulística, mas ela

apontava para a reorientação não só do código penal mas do sis

tema polít ico em geral. O condenado agora era um cidadão, não

um súdito: portanto, ele ou ela (as mulheres eram cidadãs "passi

vas") não p od iam ser obrigados a supor tar a tor tu ra, castigos des

necessariamente cruéis ou penalidades excessivamente desonro

sas . Quando apresentou a r e forma do código pena l , Lepe le t ie r  

distinguiu entre dois t ipos de punição: castigos corporais (prisão,

morte) e castigos desonrosos. Embora todas as punições t ivessem

uma dimensão de vergonha ou desonra, como o próprio Lepele-

141

 

t ier af irmava, os deput ados q ueria m circunscrever o uso de castigos

desonro sos. Eles mant ivera m a exposição pública e o colarinho de

ferro, mas suprimiram o ato de penitência, o uso do tronco e do

 pr inc ípio inspi rador da monarq uia como forma de governo. Mui

tos consideravam a honra a província especial da ar istocracia. No

seu ensaio sobre castigos desonrosos, Robespierre t inha atr ibuído

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  pelourinho, o ato de arrastar o corpo numa espécie de armação

depois da mo rte, a repri mend a judicial e o ato de declarar indefini

damente em aberto um caso contra o acusado (sugerindo portanto

a culpa) . "Prop omos" , dizia Lepeletier , "que vocês adot em o prin cí

 pio [do castigo deso nroso ], mas mult ipliq uem meno s as variações,que ao dividi- lo enfraqu ecem este pensam ento terr ível e salutar : a

sociedade e as leis proferem um anátema con tra alguém que se cor

rompeu pelo cr ime." Podia-se desonrar um criminoso em nome da

sociedade e das leis, mas não em nome da religião ou do rei. 36

  Num outro passo que signif icou um realinhamento funda

mental, os deputados decidiram que os novos castigos desonrosos

se destinavam apenas ao indivíduo criminoso, não à sua família.

Com os tipos tradicionais de castigo desonroso, os membros das

famílias dos condenados sofr iam diretamente as consequências.

  Nenhum deles podia comprar cargos ou ocupar posições públicas,a sua propriedade ficava, em alguns casos, sujeita a confisco, e eles

e ram considerados igua lmente desonrados pe la comun idade . Em

1784, o jovem advogado Pierre-Louis Lacretelle ganhou um prê

mio da Academia Metz por um ensaio em que defendia que a ver

gonha do castigo desonroso não devia ser estendida aos membros

da famí l ia . O segundo prêmio foi pa ra um jovem advogado de

Arras com um ext raordinár io futuro, Maximi l ien Robespie r re ,

que adotou a mesma posição.

Essa atenção ao castigo desonroso reflete uma mudança sutil

mas importante no conceito de honra: com o desenvolvimento de

uma noção dos di r e i tos humanos, a compreensão t r adic iona l de

hon ra começava a ser atacada. A ho nra tinh a sido a qualidad e pessoa l mais impor tante sob a monarquia ; de f a to , Montesquieu

argumentou em seu O espírito das leis (1748) que a honra era o

142

a prá t ica de desonra r f amí l ias in te i r as aos defe i tos da própr ia

noção de honra :

Se consideramos a natureza dessa honra, fértil em caprichos, sem

 pre inclinada a uma excessiva sutileza, frequentemente apreciando

as coisas pelo seu glamour e não pelo seu valor intrínseco e os

hom ens pelos seus acessórios, títulos que lhes são alheios, e não

  pelas suas qualidades pessoais, podemos facilmente compreender 

como ela [a honra] podia entregar ao desprezo aqueles que têm

como ente querido um vilão punido pela sociedade.

Ent re tanto, Robespie r re também denunc iou o a to de r ese rvar a

decapi tação (considerada mais honrada) apenas para os nobres .

Ele queria que todas as pessoas fossem igualmente honradas ou

que renunciassem ao próprio conceito de honra?37

Mesmo antes da década de 1780, entretanto, a honra estava

  passando por mudanças. "Honra", segundo a edição de 1762 do

dicionário da Académie Française, signif ica "vir tude, probidade".

"Ao falar das mulheres", entretanto, "a honra signif ica castidade,

modésti a." Na segun da meta de do século xvni, observa-se cada vez

mais que as distinções de honra separavam mais os homens das

mulheres que os ar istocratas dos comuns. Para os homens, a honra

estava se tornando ligada à vir tude, a qualidade que Montesquieu

associava com repúblicas: tod os os cidadãos eram ho nra do s se fos

sem vir tuos os. Sob o no vo regime, a hon ra tinha a ver com as ações,não com o nascimento. A distinção entre os homens e as mulheres

  passou da honra para as questões de cidadania, bem como para as

formas de puniç ão. A ho nra (e a vir tud e) das mulh eres era privada

e doméstica, a dos homens era pública. Tanto os homens como as

143

 

mulheres podiam se r desonrados na punição, mas apenas os

homens tinham direitos polít icos a perder . Tanto na punição como

nos di r e i tos , os a r i s toc ra tas e os comuns agora e ram igua is ; os

escrever essas palavras. Durante a Revolução, ele primeiro atacou

a prestigiada Académie Française, que o tinha elegido em 1781, e

depois se arrependeu de suas ações e a defendeu. Chegar à Acadé

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hom ens e as mulheres , não. 38

A diluição da honra não passou despercebida. Em 1794, o

escritor Sébastien-Roch Nicolas Chamfort, um dos membros da

elit ista Académie Française, satir izou a mudança:

É uma verdade reconhecida que o nosso século tem posto as pala

vras no seu lugar: ao ba nir sutilezas escolásticas, dialéticas e metafí

sicas, ele retornou ao simples e verdadeiro na física, na moral e na

 política. Falando apenas da mora l, percebe-se o quanto esta palavra,

honra, incorpora ideias complexas e metafísicas. O nosso século

sentiu os inconven ientes dessas ideias e para trazer tudo de volta ao

simples, para impedir todo abuso de palavras, estabeleceu que a

honra permanece integral para todo homem que nunca foi um ex-

-condenado. No passado essa palavra foi uma fonte de equívocos e

contestações; no presente, nada poderia ser mais claro. O homemfoi colocado no colarinho de ferro ou não? Essa é a pergunta a ser 

feita. É uma simples pergunta factual que pode ser facilmente res

  pondida pelos registros do escrivão do tribunal. Um homem que

não foi colocado no colarinho de ferro é um homem de honra que

  pode reivindicar qualquer coisa, cargos no ministério etc. Tem

ingresso garantido nas corporações profissionais, nas academias,

nas cortes do soberano . Percebe-se como a clareza e a precisão nos

 poupa m de brigas e discussões, e como o comérc io da vida se torna

conveniente e fácil.

Chamfort t inha as suas próprias razões para levar a honra a

sério. Uma criança abandonada de pais desconhecidos, Chamfort

construiu uma reputação li terár ia e se tornou o secretár io pessoal

da irmã de Luís xvi. Matou-se no auge do Terror , pouco depois de

144

mie era a maior honra que podia ser conferida a um escritor sob a

monarquia. A Académie foi abolida em 1793 e revivida sob Napo

leão. Chamfor t compreendeu não só a magni tude da mudança na

ho nr a— a di ficuldade de mante r as dist inções socia is nu m mu nd o

impac ientemente equa l izador—, mas também a conexão do novo

código penal com tal modificação. O colarinho de ferro tinha se

t o r na do o mí n i mo de nomi na dor c omu m da pe r da de hon r a . 3 9

O novo código pena l foi apenas uma das mui tas conse quên

cias que derivaram da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão. Os deput ados t inham reagido à r ecomend ação ins is tente

do duque de Mon t mor e nc y — " da r um g r a nde e xe mpl o" r e d i

gindo uma declaração de direitos — e em algumas semanas come

çaram a descobrir como podiam ser imprevisíveis os efeitos desse

exemplo . "A ação de afirmar, dizer , apresentar ou anun ciar abe rta,

explícita ou formalmente", implícita no ato de declarar , t inha umalógica própr ia . Uma vez anunc ia dos aber ta mente , os di r e i tos pro

  punham novas questões — questões antes não cogi tadas e não

cogitáveis. O ato de declarar os direitos revelou-se apenas o pri

mei ro passo num processo ext remamente tenso que cont inua a té

os nossos dias.

145

 

4. "Isso não terminará nunca "

  As consequências das declarações

decidiu entrar no emaranhado da questão. "Não há meio-termo",

insistiu. Ou vocês estabelecem uma religião oficial do Estado, ou

admitem que os membros de qualquer religião podem votar e ocu

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Pouco antes do Natal de 1789, os deputados da Assembleia

 Nacional francesa se vira m no meio de um debat e peculiar . Com e

çou em 21 de dezembro, quando um deputado propôs a questão

dos di r e i tos de voto dos não-ca tól icos . "Vocês dec la ra ram quetodos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direi

tos", ele lembrou a seus colegas deputados. "Declararam que nin

guém pode ser perturbado por suas opiniões religiosas." Há mui

tos deputados protes tantes ent re nós , e le observou, e ass im a

Assemble ia devia decre ta r imedia tamente que os não-ca tól icos

  possam ser eleitos pelo voto, ocupar cargos e aspirar a qualquer  

 posto civil ou militar , "co mo os ou tros cidadãos".

Os "não-católicos" consistiam uma categoria estranha. Quan

do Pierre Brunet de Latuqu e a usou na sua prop osta de decreto, ele

claramente queria dizer protestantes. Mas não incluía também os  judeus? A França era o lar de uns 40 mil judeus em 1789, além de

ter de 100 mil a 200 mil protestantes (os católicos formavam os

outros 99% da população). Dois dias depois da intervenção inicial

de Brune t de La tuque , o conde Stanis las de Cle rmont-Tonner re

 par cargos públicos. Clermont-Tonnerre insistia que a crença reli

giosa não devia ser motivo para a exclusão dos direitos políticos e

que, portanto, os judeus também deviam ter direitos iguais. Mas

não era tudo. A profissão tamb ém não devia ser moti vo de exclusão,

ele argumentou. Os carrascos e os atores, a quem eram negadosdireitos polít icos no passado, agora deviam ter acesso a eles. (Os

car rascos cos tumavam se r considerados desonrados porque ga

nhavam a vida matando pessoas, e os atores porque f ingiam ser  

outra pessoa.) Clerm ont- Ton nerre acreditava em coerência: "deve

mos ou proibi r comple tamente as peças tea t r a i s , ou e l iminar a

deson ra associada ao ato de representar".1

As questões dos direitos revelavam, portanto, uma tendência

a se suceder em cascata. Assim que os deputados consideraram o

status dos protestantes como uma minoria religiosa sem direitos

civis, os judeus estav am fadados a vir à baila; qu and o as exclusões

religiosas entraram na agenda, as profissionais não demoraram a

segui- las. Já em 1776 John Adams temera uma progressão ainda

mais radical em Massachusetts. A James Sullivan ele escreveu:

Pode acreditar, senhor, é perigoso abrir uma Fonte de Controvérsia

e altercação tão fértil como a qu e seria aberta pela tentativa de alte

rar as Qualificações dos Votantes. Isso não termi nará nun ca. Surgi

rão novas reivindicações. As mulh eres exigirão o voto. Os garotos de

12 a 21 anos pensarão que seus Direitos não são suficientemente

considerados, e todo Homem sem um tostão exigirá uma Voz igual

a qualquer outra em todas as Leis do Estado.

Adams não pensava r ea lmente que as mulheres ou as c r ianças

 pedir iam o direito de votar , mas temia as consequências de esten-

147i 4 6

 

der o sufrágio aos homens sem propriedade. Era muito mais fácil

a r gume n t a r c on t r a " t odo H ome m s e m um t o s t ã o" a pon t a ndo

  pedidos ainda mais absurdos que poderiam vir daqueles em pata

que poucos Ho men s que não possuem Prop r iedade têm um julga

mento própr io" . 4

A cronologia básica da extensão dos direitos é mais fácil de

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mares ainda m ais inferiores na escala social. 2

Tanto nos novos Estados Unidos como na França, as declara

ções de direitos se referiam a "ho mens" , "cidadãos", "povo" e "socie

dade" sem cuidar das diferenças na posição polít ica. Mesmo antes

que a Declaração francesa fosse rascunhada, um astuto teóricoconstitucional, o abade Sieyès, t inha argumentado a favor de uma

distinção entre os direitos naturais e civis dos cidadãos, de um la

do, e os direitos polít icos, de outro . As mulh eres, as cr ianças, os es

t r ange i ros e aque les que não pagavam t r ibutos deviam se r so

mente cidadãos "passivos". "Apenas aqueles que contr ibuem para

a ordem públ ica são como os verdade i ros ac ionis tas da grande

empres a social. Som ente eles são os verdadeiro s cidadãos ativos." 3

Os mesmos princípios já estavam em vigor há muito tempo

do outro lado do Atlântico. As treze colônias negavam o voto às

mulheres, aos negros, aos índios e aos sem propriedade. Em Dela-ware, por exemplo, o sufrágio era l imitado aos homens brancos

adultos qu e possuíssem cinq uenta acres de terra, que tivessem resi

dido em Delaw are por dois anos, que fossem naturais da região ou

na tura l izados , que negassem a autor idade da Igre ja Ca tól ica

Romana e que reconhecessem que o Antigo e o Novo Testamentos

eram obra da inspiração divina. Depois da independência, alguns

es tados decre ta ram condi ções mais l ibe ra is . A Pensi lvânia , por  

exemplo, estendeu o direito de votar a todos os homens adultos

livres que pagassem tr ibutos de qualquer importância, e Nova Jer-

sey permitiu por um curto período que as mulheres que tivessem

algum a prop rieda de votassem ; mas a maiori a dos estados reteve as

suas qualificações referentes à propried ade, e muito s cons erva ram

os testes religiosos, ao menos por algum tempo. John Adams cap

tou a visão domina nte : " ta l é a Fragi l idade do Coração hu ma no

seguir na França, porque os direitos polít icos eram definidos pela

legis la tura nac iona l , enquanto nos novos Estados Unidos ta i s

direitos eram regulados pelos estados individuais. Na semana de

20-27 de outubro de 1789, os deputados aprovaram uma série de

decretos estabelecendo as condições de elegibilidade para votar:(1) ser francês ou ter se torn ado francês por meio de naturalização ;

(2) ter atingido a maioridade, estabelecida então em 25 anos; (3)

te r r es idido na zona e le i tora l ao menos por um ano; (4) pagar  

impostos diretos num cômputo igual ao valor local de três dias de

trabalho (um cômputo mais elevado era exigido no caso da elegi

  bilidade para ocupar cargos); (5) não ser cr iado doméstico. Os

deputados nada diziam sobre religião, raça ou sexo ao estabelecer  

esses r equis i tos , embora fosse c la ramente pressuposto que as

mulheres e os escravos estavam excluídos.

Dur ant e os meses e anos seguintes, grup o após grupo foi alvo

de discussões específ icas, e por f im a mai oria deles conseguiu direi

tos polít icos iguais. Os homens protestantes ganharam seus direi

tos em 24 de dezembr o de 1789, assim como tod as as profissões. Os

homens judeus obtiveram finalmente o mesmo avanço em 27 de

setem bro de 1791. Alguns mas nem todo s os hom ens negros l ivres

conquistaram direitos polít icos em 15 de maio de 1791, mas os

  perderam em 24 de setembro e depois os viram restabelecidos e

aplicados de modo mais geral em 4 de abril de 1792. Em 10 de

agosto de 1792, os direitos de votar foram estendidos a todos os

homens (na França metropolitana) à exceção dos cr iados e desem

  pregados. Em 4 de fevereiro de 1794, a escravidão foi abolida e

direitos iguais concedidos, ao menos em princípio, aos escravos.

Apesar dessa quase inimaginável extensão dos direitos polít icos a

grup os antes não emanc ipad os, a l inha foi traçada nas mulheres: as

149148

 

mulheres nunca ganharam di re i tos pol í t icos igua is durante a

Revolução. Elas ganhar am, entre tanto , direitos iguais de heranç a e

o direito ao divórcio.

revelou-se um bem muito positivo. Exatamente por ter deixado de

I ado qua lque r questão específ ica, a discussão do s princípi os gerais,

em julho-agosto de 1789, ajudou a pôr em ação modos de pensar  

que acabaram prom oven do inte rpre tações mais radica is das espe

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A L Ó G I C A D O S D I R E I T O S : M I N O R I A S R E L I G I O S A S

A Revolução Francesa, mais do que qualquer outro acontecimento, revelou que os direitos humanos têm uma lógica interna.

Quando enf renta ram a necess idade de t r ansformar seus nobres

ideais em leis específ icas, os deput ados des envolveram u ma espé

c ie de esca la de concept ibi l idade ou discut ibi l idade . Ninguém

sabia de antemão que grupos iam aparecer na discussão, quando

surgir iam ou qual ser ia a decisão sobre o seu status. Porém, mais

cedo ou mais tarde tornou-se claro que conceder direitos a alguns

grupos (aos protestantes, por exemplo) era mais facilmente ima

ginável do que concedê-l os a outros (as mulheres ) . A lógica do pro

cesso determinava que, logo que surgia um grupo cuja discussãofosse muito concebível (homens com propriedades, protestantes) ,

aque les na mesma espéc ie de ca tegor ia mas loca l izados mais

abaixo na escala de conceptibilidade (homens sem propriedade,

  judeus) apareciam na agenda. A lógica do processo não movia os

acontecimentos necessariamente adiante, mas em longo prazo era

essa a tendência. Os oposi tores dos direitos dos judeu s, por exem

 plo, usavam o caso dos protestant es (ao contrá r io dos judeu s, eles

eram ao menos cr istãos) para convencer os deputados a adiar a

questão dos direitos judaicos. Entretanto, em menos de dois anos

os judeus ainda assim conseguiram direitos iguais, em parte porque a discussão explícita de seus direitos t inha torn ado a concessão

de direitos iguais aos jude us mais im aginável.

  Nos mecanismos dessa lógica , a na tureza supostamente

metafísica da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

(

que acabaram prom oven do inte rpre tações mais r adica is das espe

cif icidades necessárias. A declaração se destinava a ar ticular os

direitos universais da humanidade e os direitos polít icos gerais da

nação francesa e dos seus cidadãos. Não oferecia qualif icações

específ icas para a parti cipação ativa. A instituição d e um gove rno

requeria o mov ime nto do geral para o específico: assim que as elei

ções foram estabelecidas, a definição das qualificações para votar e

ocupar ca rgos tornou-se urgente . A vi r tude de começar com o

geral torn ou- se visível assim que as questõe s específ icas passa ram

a ser consideradas.

Os protestantes foram o primeiro grupo de identidade defi

nida a se apresentar para consid eração, e a discussão a seu respeito

es tabe leceu uma ca rac te r í s t ica duradoura das disputas subse

quentes : um grupo não podia se r considerado em separado. Os

  protestantes não podiam se apresentar sem levantar a questão dos  judeus. Da mesma forma, os direitos dos atores não podiam ser  

questionados sem invocar o espectro dos carrascos, ou os direitos

dos negros l ivres sem chamar atenção para os escravos. Quando

escreviam sobre os direitos das mulheres, os panfletistas os com

  paravam inevitavelmente aos dos homens sem propriedade e aos

dos escravos. Mesmo as discussões sobre a maioridade (que foi

diminuída de 25 para 21 anos em 1792) dependiam da sua compa

ração com a infância. O status e os direitos de protestant es, jude us,

negros l ivres ou mulheres eram determinados, em grande medida,

  pelo seu lugar na grande rede de grupos que constituíam a comunidade organizada .

Os protes tantes e os judeus já t inham aparec ido juntos n os

debates sobre o rascunho de uma declaração. Um jovem deputado

nobre, o conde de Castellane, t inha argumentado que os protes-

151150

 

t antes e os judeus deviam possui r o "mais sagrado de todos os

direitos, o da liberdade d e religião". No entanto , mes mo ele insistia

que nenhuma religião específ ica devia ser citada na declaração.

Rabaut Saint-Étienne ele próprio um pastor calvinista de Langue-

res dos protes tantes quise ram a legar que os protes tantes não

  podiam par t ic ipa r porque a Assemble ia não t inha votado um

decreto nesse sentido: af inal, os protestan tes t in ha m sido excluídos

dos cargos polít icos pela lei desde a revogação do Edito de Nantes

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Rabaut Saint Étienne, ele próprio um pastor calvinista de Langue

doc , onde viviam mui tos ca lvinis tas , menc ionava a demanda de

liberdad e de religião para os não-catól icos na sua lista de queixas

local. Rabau t incluía explicitam ente os jude us entre os não-católi

cos, mas o seu argumento, como o de todos os demais no debate,

dizia respeito à liberdade de religião, e não aos direitos políticos das

minor ias . Depois de horas de um deba te tumu l tuado , os deputa

dos adotaram em agosto um artigo de compromisso que não fazia

men ção aos direitos polít icos (ar tigo 10 da declaração): "Ni ngu ém

deve ser molestado por suas opiniões, mesmo as religiosas, desde

que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida

  pela lei". A formulação era deliberadamente ambígua e até inter

  pretada por alguns como uma vitória dos conservadores, que se

opunham com ferocidade à l iberdade de religião. O culto público

dos protestantes não perturbaria "a ordem pública"? 5

Em dezembro, menos de seis meses mais tarde, entretanto, a

maioria dos deputados tomava a l iberdade de religião como algo

na tura l . Mas a l ibe rdade de r e l igião também impl icava di r e i tos

  polít icos iguais para as minorias religiosas? Brunet de Latuque

  propôs a questão dos di r e i tos pol í t icos dos protes tantes a penas

uma semana depois da redação dos regulamentos para as eleições

municipais em 14 de dezembro de 1789. Informou a seus colegas

que os não-católico s estavam sendo excluídos das l istas dos votan

tes sob o pretexto de que não tinh am sido explicitament e incluídos

nos regulamentos. "Os senhores certamente não quiseram", disseesperançosamente, "deixar que as opiniões religiosas fossem uma

razão oficial para excluir alguns cidadãos e a dmit ir outros ." A lin

guagem de Brunet era reveladora: os deputados estavam tendo de

interpretar as suas ações anteriores à luz do presente. Os opo sito-

152

dos cargos polít icos pela lei desde a revogação do Edito de Nantes ,

em 1685, e nenhuma lei subsequente havia revisado formalmente

o seu status polít ico. Brunet e seus partidários argumentaram que

os princípios gerais proclamados na Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão não admitiam exceções, que todos aquelesque satisfaziam as condições etár ias e econôm icas de elegibilidade

tin ham de ser auto mati came nte elegíveis e que, portan to, as restr i

ções anteriores contra os protestantes já não eram válidas. 6

Em outras palavras, o universalismo abstrato da declaração

estava impondo as suas consequências. Nem Brunet nem qualquer  

out ra pessoa propôs a questão dos di r e i tos das mulheres nesse

momento: a e legibi l idade automát ica aparentemente não abar

cava a diferença sexual. Mas no mi nu to em que se discutiu o status

dos protestantes dessa maneira, os diques cederam. Alguns depu

tados r eagi ram com a la rme . A proposição de Cle rmon t-Tonner rede estender os direitos dos protestantes para todas as religiões e

  profissões deu origem a um intenso debate. Embora a questão dos

direitos dos prote stant es t ivesse come çado a discussão, quase todo

mundo agora admitia que eles deviam ter os mesmos direitos dos

católicos. Estender os direitos para os carrascos e atores suscitou

apenas o bjeções isoladas, em grand e parte fr ívolas, mas a sugestão

de conceder direitos polít icos aos judeus provocou uma resistên

cia furiosa. Até um deputado aberto a uma eventual emancipação

dos judeus argumentou que a "sua ociosidade, a sua falta de tato,

um resultado necessário das leis e condições humilhantes a quees tão suje i tos em mui tos lugares , tudo cont r ibui pa ra torná- los

odiosos" . Dar - lhes di r e i tos , na sua visão, apenas desencadear ia

uma reação popular violenta contra eles (e, de fato, tumultos con

tra os judeus já t inham ocorrido no leste da França) . Em 24 de

153

 

deze mbr o de 1789 — véspera de Natal — a Assembleia votou po r 

estender direitos polít icos iguais aos "não-católicos" e a todas as

  profissões, ao mesmo tempo que adiavam a questão dos direitos

polít icos dos judeus O voto em favor dos direitos polít icos dos

desagradável, e assim alinhavam -se com a esquerda, que apoiava a

extensão dos direitos. Mas até o principal exemplo de obstrucio

nism o citado por Tackett , o ruido so dep uta do cler ical e abade Jean

Maury, a rgumentava em favor dos di r e i tos dos protes tantes . A

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  polít icos dos judeus. O voto em favor dos direitos polít icos dos

  protestantes foi evidentemente maciço, segundo os participantes,

e um dep uta do escreveu no seu diár io sobre "a alegria que se ma ni

festou no momento em que o decreto foi aprovado". 7

A reviravolta na opinião sobre os protestantes foi espantosa.Antes do Edito de Tolerância de 1787, os protestantes não ti nh am

sido capazes de pratic ar legalmente a sua religião, casar ou trans

mitir sua propriedade. Depois de 1787, eles podiam praticar a sua

religião, casar perante os oficiais locais e registrar os nascimentos

de seus f i lhos . Ganharam apenas di r e i tos c ivis , ent re tanto, não

direitos iguais de participação polít ica, e ainda não possuíam o

direito de praticar a sua religião em público. Isso era reservado u ni

camente aos ca tól icos . Algumas das a l tas cor tes t inham cont i

nuado a resistir à aplicação do edito ao longo de 1788 e 1789. Em

agosto de 1789, port anto , estava longe de ser evidente qu e a mai or ia dos deputados apoiava a ve rdade i ra l ibe rdade de r e l igião.

Entretanto, no f inal de dezembro tinham concedido direitos polí

t icos iguais aos protestan tes.

O que explicava a mu dan ça de opinião? Rab aut Saint-Ét ienne

atr ibuía a transformação de ati tudes à demonstração de responsa

  bilidade cívica dos deputados protestantes. Vinte e quatro protes

tantes , inc lus ive e le própr io , t inham s ido e le i tos deputados em

1789. Mesmo antes disso os protestantes t inham ocupado cargos

locais apesar das proscrições oficiais, e na incerteza dos prime iros

meses de 1789 muitos protestantes t inham participado das eleições para os Estados Gerais. O principa l historia dor da Assembleia

 Nacional, Timothy Tackett , atr ibui a mudança de opinião sobre os

  protestantes a lutas polít icas internas dentro da Assembleia: os

moderados achavam o obst ruc ionismo da di r e i ta cada vez mais

154

  posição de Maury fornece um indício do processo, pois ele l igava

o apoio dos direitos polít icos dos protestantes ao ato de negar os

dos judeus: "Os protes tantes têm a mes ma religião e as mesm as leis

que nós [ . . . ] já possuem os mesmos direitos". Maury procurava

estabelecer dessa maneira uma distinção entre os protestantes e os

  judeus . Ent re tanto, os judeus espan hóis e por tugueses do sul da

F r a nç a c ome ç a r a m i me d i a t a me n t e a p r e pa r a r uma pe t i ç ã o à

Assemble ia Nac iona l com o a rgumento de que e les também já

estavam e xercendo os seus direitos polít icos em nível local. A ten

tativa de opor uma minoria religiosa contra outra só alargava a

fenda na porta. 8

O status dos protestantes foi transformado tanto pela teoria

como pela prática, isto é, pela discussão dos princípios gerais da

liberdade de religião e pela participação real dos protestantes em

assuntos locais e nacionais. Brunet de Latuque tinha invocado o

  pr inc ípio gera l ao a f i rmar que os deputados não poder iam te r  

desejado q ue "as opiniões religiosas fossem um a razão oficial para

excluir alguns cidadãos e admitir outros". Não querendo admitir o

 ponto geral, Maury tinha de conceder o prático: os protestantes já

exerciam os mes mos direitos qu e os católicos. A discussão geral em

agosto de ixara intenc iona lmente essas questões não resolvidas ,

abr indo a por ta pa ra r e inte rpre tações poste r iores e , a inda mais

importante, sem fechar a porta para a participação em assuntos

locais. Os protestantes e até alguns judeus tinham se precipitado

 para aprove i ta r ao máx imo as novas opor tuni dades apresentadas .

Ao contrár io dos protestantes antes do Edito de Tolerância de

1787, os judeus franceses não sofr iam penalidades por professar  

  publicamente a sua religião, mas tinham poucos direitos civis e

155

 

nenhum direito polít ico. Na verdade, o caráter francês dos judeus

era em alguma medida questionado. Os calvinistas eram franceses

que tinh am se desviado do cam inh o ao abraçar a heresia, enq uan to

os judeus e ram or igina lmente es t r ange i ros que const i tu íam uma

apenas oito advogavam a concessão de direitos iguais aos judeus.

Ainda assim, era um número maior que o daquelas que faziam a

mesm a re ivindicação para as mulheres . 10

Os direitos dos judeu s parecem se ajustar à regra geral de que

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nação separada dent ro da França . Assim, os judeus a l sac ianos

eram conhecidos oficialmente como "a nação judaica da Alsácia".

Mas "nação" tinha um signif icado menos nacionalista nessa época

do que ter ia mais tarde nos séculos xix e xx. Como a maioria dos

  judeus na França , os judeus a l sac ianos const i tu íam uma nação

uma vez que viviam dent ro de uma comunidade juda ica cujos

direitos e obrigações tinham sido determinados pelo rei em cartas

 patentes especiais. Eles t inha m o direito de govern ar alguns de seus

assunto s e até decidir casos em suas próprias cortes de justiça, mas

também sofr iam uma legião de restr ições aos t ipos de comércio

que po dia m praticar , aos lugares onde p odi am viver e às profissões

a que po dia m aspirar . ' '

Os escritores do I luminismo tinham escrito frequentemente

sobre os judeus, embora nem sempre de modo positivo, e depois

da concessão de direitos civis aos protestantes em 1787 a atenção

se deslocou para a tentativa de melh orar a situação dos judeus. Luís

xvi c r iou uma comissão para es tudar a questão em 1788, ta rde

demais para que fosse tomada qualquer medida antes da Revolu

ção. Embo ra os direitos polít icos dos judeus estivessem abaixo dos

concedidos aos protes tantes na esca la de concept ibi l idade , os

  judeus se beneficiaram da atenção atraída para o seu caso. Entre

tanto , a discussão expl íc i ta não se t r aduz iu imedia tamente em

direitos. Trezentas e sete das listas de queixas redigidas na prima

vera de 1789 mencionavam explicitamente os judeus, mas a opi

nião estava claramente dividida. Dezessete por cento urgiam pela

limitação do número de judeus permitidos na França e 9% advo

gavam a sua expulsão, enquanto apenas 9-10% ins is t iam na

melho ria de suas condições. Entre as milhares de listas de queixas,

156

os primeiros esforços para propor a questão dos direitos saem fre

quentemente pela culatra. A posição em grande parte negativa das

listas de queixas prenunciava a recusa dos deputados a conceder 

direitos polít icos aos judeus em dezembro de 1789. Ao longo dos

vinte meses seguintes, entretanto, a lógica dos direitos fez avançar  

a discussão. Apenas um mês depois do adiamento do deba te dos

di re i tos dos judeus , os judeus espanhóis e por tugueses do sul da

França apresenta ram a sua pe t ição à Assemble ia , a rgumentando

que, como os protestantes, eles já estavam participando da polít ica

em a lgumas c idades f r ancesas no sul , como Bordeaux. Fa lando

 pelo Comitê sobre a Constituição, o bispo católico liberal Charles-

-Maur ice de Ta l leyrand-Pér igord essenc ia lmente endossou essa

  posição. Os judeus não estavam pedindo novos direitos de cidada

nia, ele insistiu, estavam apenas pedindo para "continuar a gozar  

esses direitos", uma vez que eles, como os protestantes, já os esta

vam exercendo. Assim, a Assemble ia podia conceder di r e i tos a

a lguns judeus sem mudar o s ta tus dos judeus em gera l . Dessa

maneira, o argumento da prática podia se virar contra aqueles que

quer i am dis t inções ca tegór icas ."

O discurso de Talleyrand provocou uma comoção, especial

mente entre os deputados da Alsácia-Lorena, lar da maior popula

ção juda ica . Os judeus do les te da França e ram asquenazes que

falavam iídiche. Os homens tinham barba, ao contrár io dos sefar

di tas de Bordeaux, e os r egulamentos f r anceses r es t r ingiam-nos

em grande parte a ter como ocupação o empréstimo de dinheiro e

a mascataria. As relações entre eles e seus devedores camponeses

não eram exatamente amigáveis. Os deputados da região não per

deram tempo em aponta r a consequênc ia inevi táve l de segui r a

157

 

orientação de Talleyrand: "a exceção para os judeus de Bordeaux

[majoritar iamente sefarditas] logo resultará na mesma exceção

  para os outros judeus do reino". Enfrentando objeções vociferan

tes, os dep utad os ainda assim votara m por 374 a 224 no sentido de

vam de algumas centenas e não tinham status corporativo, apre

sentaram a sua primeira petição à Assembleia Nacional ainda em

agosto de 1789. Já pediam que os deputados "consagrem o nosso

título e direitos de Cidadãos". Uma semana mais tarde, os repre

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que " todos os judeus conhec idos com o judeus por tugueses , e spa

nhó is e de Avigno n cont inua rão a exercer os direitos que têm exer

cido até o presente", e po rtan to "exercerão os direitos dos cidadãos

a t ivos , desde que sa t i s façam os r equis i tos es tabe lec idos pe los

decretos da Assembleia Nacional [para a cidadania ativa] ".'2

O voto a favor de direitos para alguns judeus de fato tornou

mais di f íc i l , no longo prazo, r ecusá- los pa ra out ros . Em 27 de

setembro de 1791, a Assembleia revogou todas as suas reservas e

exceções anteriores com respeito aos judeus, concedendo a todos

os jude us direitos iguais. Exigiu tamb ém que os jude us prestassem

um juramento cívico renunciando aos privilégios e isenções espe

ciais negociados pela monarquia. Nas palavras de Clermont-Ton-

nerre: "Devemos recusar tudo aos judeus como uma nação e con

ceder tudo aos judeus como indivíduos". Em troca da renúncia a

suas próprias cortes de justiça e leis, eles se tornariam cidadãos

franceses individuais como todos os outros. Mais uma vez, a prá

tica e a teoria operav am nu ma relação dinâmica mú tua . Sem a teo

r ia, isto é, os princípios enunciados na declaração, a referência a

alguns judeus qu e já praticav am esses direitos ter ia causad o pou co

impacto. Sem a referência à prática, a teoria poderia ter permane

c ido uma le t r a mor ta ( como aparent emente cont i nuou a se r pa ra

as mulheres) . 13

  No entanto, os di r e i tos não e ram apenas concedidos pe lo

corpo legislativo. Os debates sobre os direitos incitavam as com u

nidades de minorias a falar por si mesmas e a exigir reconheci

mento igua l . Os protes tantes t inham maior acesso aos deba tes

  porque podiam falar por meio de seus deputados já eleitos para a

Assembleia Nacional. Mas os judeus parisienses, que não passa-

158

sentantes da mui to mais numerosa comunidade dos judeus na

Alsácia e na Lorena tam bé m publicaram u ma carta aberta pedi ndo

a cidadania. Quando os deputados reconheceram os direitos dos

  judeus do sul, em janeiro de 1790, os judeus de Paris, da Alsácia e

da Lorena uniram-se para apresentar uma petição em conjunto.

Como a lguns deputados t inham quest ionado se os judeus r ea l

mente queriam a cidadania francesa, os peticionários tornaram a

sua posição clara com o água: "Eles pedem que as distinções degra

dante s qu e sofreram até o prese nte sejam abolidas e que eles sejam

dec la rados CIDADÃOS". OS peticionário s sabiam exatamente como

apresent ar seu caso. Depois de u ma longa revisão de todos os pre

conceitos havia mui to existentes contra os judeus, conclu íam com

uma invocação da inevitabilidade histórica: "Tudo está mudando;

a sorte dos judeus deve mudar ao mesmo tempo; e as pessoas não

ficarão mais surpresas com essa mudança particular do que com

todas aquelas que veem ao seu redor todo dia. [...] Liguem o aper

fe içoamento da sor te dos judeus à r evolução; amalgamem, por  

assim dizer, esta revolução parcial com a revolução geral". Dataram

o seu panfleto com a mesma data em que a Assembleia votou por 

cr iar uma exceção para os judeus do sul. 14

Em dois anos , por tanto, a s minor ias r e l igiosas t inham

ganhado direitos iguais na França. Claro que o preconceito não

havia desaparecido, especialmente com relação aos judeus. Ainda

ass im, uma percepção da enormidade de ta l mudança em tão  pouco tempo pode ser estabelecida por simples comparações. Na

Grã-Bret anha, os católicos ganha ram acesso às Forças Armada s, às

universid ades e ao Judiciár io em 1793. Os judeus britânicos t ive

ram de esperar até 1845 para conseguir as mesmas concessões. Os

159

 

ca tól icos só puderam se r e le i tos pa ra o Par lamento br i tânico

depoi s de 1829, os jude us depo is de 1858. A história registrada nos

novos Estados Unidos foi um pouco melhor. A pequena população

  judaica nas colônias britânicas na América do Norte, que contava

escravidão. Depois de anos de campanhas de petições encabeçadas

  pela Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos, de inspira

ção quaker, o Parlamento britânico votou pelo f im da participação

no tráfico de escravos em 1807 e decidiu em 1833 abolir a escravi

d l i b i i hi i d id f i i

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apenas com cerca de 2.500 indivíduos, não tinha igualdade polí

t ica. Depois da independência, a maior parte dos novos Estados

Unid os cont inu ou a restr ingir a ocupação de cargos públicos (e em

alguns estados o ato de votar) ao s protesta ntes. A prim eira emen da

da Constituição, redigida em setembro de 1789 e ratif icada em

1791, garan tia a l iberdade de religião, e depois disso os estados reti

rara m gradat ivame nte os seus testes religiosos. O processo prosse

guiu em geral pelos mesmos dois estágios observados na Grã-Bre

tanha: primeiro os católicos, depois os judeus, ganharam direitos

  polít icos plenos. Massachusetts, por exemplo, abriu em 1780 os

cargos públ icos para qua lquer um "da r e l igião c r i s tã" , embora

esperasse até 1833 para fazer a mesma coisa com todas as religiões.

Seguindo o exemplo de Jefferson, a Virginia agiu com mais rapi

dez, concedendo direitos iguais em 1785, e a Carolina do Sul e a

Pensilvânia tr i lharam o mesmo caminho em 1790. Rhode Island

só o faria em 1842. 15

  N E G R O S L I V R E S , E S C R A V I D Ã O E R A Ç A

A força intimidadora da lógica revolucionária dos direitos

  pode ser vista com ainda maior clareza nas decisões francesas

sobre os negros l ivres e os escravos. Mais um a vez, a comp araçã o é

reveladora: a França concedeu direitos polít icos iguais aos negroslivres (1792) e emanci pou os escravos (1794) muit o antes de qual

quer outra nação que possuía escravos. Apesar de conceder direi

tos às mino rias religiosas be m antes dos seus primo s britâni cos, os

novos Estados Unidos f icaram muito atrás no tocante à questão da

dão nas colônias britân icas. A história nos Estados Unid os foi mai s

sombr ia porque a Conven ção Const i tuc iona l de 1787 não conce

deu ao governo federal o co ntro le sobre a escravidão. Apesar de o

Congresso ter também votado a proibição da importação de escra

vos em 1807, os Estado s Unid os só abol iram oficialmente a escra

vidão em 1865, quando a 13 a emenda da Constituição foi ratif i

cada. Além disso, o statu s dos ne gros l ivres na realidade declinou

em muitos estados depois de 1776, atingindo o seu nadir no notó

rio caso Dred Scott, de 1857, qua ndo a Suprema Cor te dos Estados

Unidos declarou que nem os escravos nem os negros l ivres eram

cidadãos . Dred Scott  só foi de r rubado em 1868, quando a 14 a

emenda da Constituição dos estados Unidos foi ratif icada, garan

tindo que "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados

Unid os e sujeitas à sua jurisd ição são cidadão s dos Estados Uni dos

e do estado em que residem". 16

Os abolicionistas na França seguiram a orientação inglesa,

c r iando em 1788 uma soc iedade i rmã mode lada segun do a br i tâ

nica Sociedade par a a Abolição do Tráfico de Escravos. Carecend o

de amplo apoio, a f r ancesa Soc iedade dos Amigos dos Negros

  poderia ter naufragado não fossem os acontecimentos de 1789,

que a colocaram em primeiro plano. As opiniões dos Amigos dos

  Negros não podiam se r ignoradas porque ent re seus proeminen

tes memb ros estava m Brissot, Cond orcet, Lafayette e o abade Bap-

t i s te -Henr i Grégoi re , todos par t ic ipantes f amosos de campanha s

  pe los di r e i tos humanos em out ras a renas . Grégoi re , um c lér igo

católico da Lorena, t inha defendido mesmo antes de 1789 o rela

xamento de restr ições contra os judeus no leste da França e em

1789 publ icou um panf le to advogando di re i tos igua is pa ra os

161160

 

ho me ns de cor l ivres. Cham ava atenção para o racism o florescente

dos colonos brancos. "Os brancos", sustentava, "tendo o poder do

seu lado, decidiram in justam ente qu e a pele escura exclui o indiví

duo das vantagens da sociedade." 17

As demandas c rescentes dos negros e mula tos l ivres e ram

muito mais perigosas para a continuidade do status quo. Excluídos

 por decreto real de praticar a maioria das profissões ou até de ado

tar o nom e de parent es branco s, as pessoas de cor l ivres ainda assim

í id á i i d d d l

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Ainda assim, a concessão de direitos aos negros e mulatos

livres e a abolição da escravatura não se deram por aclamação. O

número de abolicionistas na nova Assembleia Nacional era muito

menor que o daqueles que temiam mexer com o sistema de escra

vos e as imensas riquezas que ele trazia para a França. Em geral, os

cultivadores branc os e os merca dores dos port os do Atlântico con

seguiam retratar os Amigos dos Negros como fanáticos que pre

tendiam fomentar a insurreição dos escravos. Em 8 de março de

1790, os deputados votaram por excluir as colônias da Constitui

ção e portanto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cida

dão. O porta-voz do comitê colonial, Antoine Barnave, explicou

que "a aplicação r igorosa e universal dos princípios gerais não é

conveni ente para [as colônias. . . A] diferença em term os de lugares,

cos tumes, c l ima e produ tos nos parec ia r equere r um a di fe rença

nas leis". O decreto também tornava cr ime a incitação de tumulto

nas colônias. 18

Apesar dessa recusa, o discurso dos direitos abr iu o seu cami

nho inelutavelmente por toda a escala social nas colônias. Come

çou no topo com os cul t ivadores brancos da maior e mais r ica

colônia, Saint Domingue (hoje Haiti) . Em meados de 1788, eles

exigiram reformas no comércio e na representação das colônias

nos vindouros Estados Gerais. Em pouco tempo, ameaçavam exi

gi r a independênc ia , como os nor te -amer icanos , se o governo

nacional tentasse interfer ir no sistema dos escravos. Os brancos

das classes mais baixas, por out ro lado, esperav am qu e a revolução

na França lhes t rouxesse compensação cont ra os brancos mais

r icos , que não dese javam par t i lha r o poder pol í t ico com meros

artesãos e comerciantes.

162

  possuíam consideráveis propriedades: um terço das plantações e

um quarto dos escravos em Saint Domingue, por exemplo. Que

r iam se r t r a tados da mesma forma que os brancos e ao mesmo

tempo manter o sistema de escravos. Um de seus delegados em

Par is em 1789, Vincent Ogé , tentou conquis ta r os cul t ivadores

  brancos enfa t izando os seus inte resses comuns como donos de

  plantações: "Veremos der ramamento de sangue , nossas te r ras

invadidas, os objetos de nosso trabalho destruídos, nossas casas

queimadas [...] o escravo levará a revolta mais longe". A sua solu

ção era conceder direitos iguais aos ho me ns de cor l ivres com o ele

  próprio, que então ajudariam a conter os escravos, ao menos por 

um tempo. Quando o seu apelo aos cultivadores brancos fracassou

e o apoio dos Amigos dos Negros mostrou-se igualmente inútil ,

Ogé voltou a Saint Domingue e no outono de 1790 incitou uma

revolta dos homens de cor l ivres. A revolta fracassou, e Ogé foi

supliciado na roda. ' 1 '

Mas o apoio aos direitos dos homens de cor l ivres não parou

 por aí . Em Paris, a agitação contín ua dos Amigos dos Negros con

quist ou um decreto, em mai o de 1791 , que concedia direitos polí

ticos a todos os homens de cor livres nascidos de mães e pais livres.

Depois que os esc ravos de Sa int Domingue se r ebe la ram, em

agosto de 1791, os deputados rescindiram até esse decreto alta

mente restr i t ivo, mas aprovaram um mais generoso em abril de

1792. Não surpreende que os deputados agissem de maneira con

fusa, pois a situação real nas colônias era desnorteante. A revolta

dos escravos, que começou em meados de agosto de 1791, havia

atraído até 10 mil insurgentes já no f inal do mês, um número que

cont inuav a a c rescer r apidamen te . Bandos a rm ados de esc ravos

163

 

massac ravam os branco s e quei mav am os campos de cana -de-açú-

car e as casas das plantações. Os cultiv adores imed iatam ente cul

 param os Amig os dos Negros e a difusão de"lug ares- comu ns sobre

os Direitos do Homem". 20

D l d h d li i i

a mão dos legisladores. Como mostrava o argumento de Kersaint,

os di r e i tos do homem eram inevi tave lmente par te da discussão,

mes mo na Assembleia que os t inha declara do inaplicáveis às colô

nias. Os acontecimentos levaram os deputados a reconhecer a sua

li bilid d l l ã l t i h

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De que lado os homens de cor l ivres se posicionavam nessa

luta? Eles t in ham servid o nas milícias acusadas de captu rar escra

vos fugidos e às vezes eram eles próprios donos de escravos. Em

1789, os Amigos dos Negros os t inham retratado não só como um

  ba luar te cont ra um potenc ia l levante de esc ravos , mas também

como mediadores em qua lquer futura abol ição da esc rava tura .

Agora os escravos tinham se rebelado. Tendo inicialmente rejei

tado a visão dos Amigos dos Negros, um número cada vez maior  

de deputados em Paris começou desesperadamente a endossá-la

no início de 1792. Esperava m que os home ns de cor l ivres pude s

sem se aliar às forças francesas e aos brancos de classe baixa contra

tanto os cultivadores quanto os escravos. Entre os deputados, um

antigo oficial naval, nobre e dono de plantações, expôs o argu

mento: "Essa classe [os brancos pobres] é reforçada pela dos

hom ens de cor l ivres que poss uem propr iedad e: esse é o partid o da

Assembleia Nacional nesta ilha. [...] Os receios de nossos colonos

[cultivadores brancos] têm, portanto, fundamento, uma vez que

eles têm tudo a temer da influência de nossa revolução sobre os

seus escravos. Os direitos do homem derrubam o sistema em que

se assentam as suas fortunas. [ .. .] So ment e mud an do os seus prin

cípios é que [os colonos] salvarão as suas vidas e as suas fortunas".

O deputado Armand-Guy Kersa int passou a de fender a própr ia

abolição gradual da escravidão. Na verdade, os negros e mulatos

livres desempenharam um papel ambíguo durante todo o levante

dos escravos, ora se aliando aos brancos co ntra os escravos, ora se

aliando aos escravos contr a os branc os. 21

Mais uma vez, a potente combinação de teoria (declaração

dos direitos) e prática (nesse caso, franca revolta e rebelião) forçou

164

aplicabilidade em lugares, e em relação a grupos, que eles t inham

or igina lmente esperado exc lui r desses di r e i tos . Aque les que se

opunham a conceder direitos aos homens de cor l ivres concorda

vam a respeito de um ponto central com aqueles que apoiavam a

ideia de conferir esses direitos: os direitos dos homens de cor livres

não podiam se r separados da r e f lexão sobre o própr io s i s tema

escravagista. Assim, uma vez reconhecidos esses direitos o pró

ximo passo se tornava ainda mais inevitável.

  No verão de 1793, as colônias francesas estavam em total

sublevação. Uma repúbl ica havia s ido dec la rada na França , e a

guerra agora opunha a nova república à Grã-Bretanha e à Espanha

no Caribe . Os cultivadores bran cos pro cur ara m fazer alianças com

os br i tânicos . Alguns dos esc ravos r ebe ldes de Sa int Domi ngu e

  junta ram-se aos espanhóis , que cont rolavam a metade les te da

ilha, Santo Domingo, em troca de promessas de liberdade para si

mesmos. Mas a Espanha não t inha a menor intenção de abol i r a

escravidão. Em agosto de 1793, enfrentando um colapso total da

autoridade francesa, dois comissários enviados da França começa

ram a oferecer a emanci pação aos escravos qu e lutavam pela Repú

 blica Francesa, e depois t am bé m a suas famílias. Além disso, pro

met iam concessões de terra. No f inal do mês, estavam prome ten do

liberdade a províncias inteiras. O decreto emancipando os escra

vos do norte abria com o artigo P da Declaração dos Direitos do

Ho me m e do Cidadão: "Os homens nascem e perm anecem l ivres e

iguais em direitos". Embora inicialmente temerosos de uma trama

  britânica para solapar o poder francês por meio da libertação de

escravos, os deputados em Paris votaram por abolir a escravidão

em todas as colônias em fevereiro de 1794. Agiram assim que escu-

165

 

taram relatos em primeira mão de três homens — um branco, um

mulato e um escravo liberto — enviados de Saint Domingue para

expl ica r a necess idade da emanc ipação. Além da "abol ição da

escravidão negra em todas as colônias", os deputados decretaram

"que todos os homens sem distinção de cor residindo nas colô

em agosto de 1793 que "Eu que ro que a Liberd ade e a Igualda de rei

nem em Saint Domingue. Trabalho para que elas passem a existir .

Uni-vos a nós, irmãos [companheiros insurgentes], e lutai conos

co pela mesma causa". Sem a declaração inicial, a abolição da escra

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que todos os homens, sem distinção de cor , residindo nas colô

nias, são cidadão s franceses e gozarão de tod os os direitos assegu

rados pela Constituição". 22

A abolição da escravatura foi um ato de puro al truís mo escla

recido? Dificilmente. A contínua revolta dos escravos em Saint

Domingue e sua conjunção com a guerra em muitas frentes deixa

vam pouca escolha aos comissários, e portanto aos deputados em

Paris, se quisessem conservar até mesmo uma pequena porção de

sua ilha-colônia. Mas, como revelavam as ações dos britânicos e

dos espanhóis, ainda havia muito espaço de manobra para manter  

a escravidão no seu lugar: eles podiam prometer a emancipação

exclusivament e àqueles que passassem para o seu lado, sem ofere

cer a abolição geral da escravatura. Mas a pr opaga ção do s "direitos

do homem" tornou a manutenção da escravidão muito mais dif í

cil para os franceses. A medida que se espalhava na França, a dis

cussão dos direitos boicotava a tentativa da legislatura de manter  

as colônias fora da Constituição, precisamente por ser inevitável

que incitasse os homens de cor livres e os próprios escravos a fazer 

novas demandas e a lutar ferozmente por elas. Desde o começo os

cultivadores e seus aliados perceberam a ameaça. Os deputados

coloniais em Paris escreveram secretam ente para as colônias a f im

de instruir seus amigos a "vigiar as pessoas e os acontecimentos;

  prender os suspeitos; apoderar-se de quaisquer escritos em que a

  pa lavra ' l ibe rdade ' se ja meramente pronunc iada" . Embora os

escravos talvez não tivessem compreendido todas as sutilezas da

doutr ina dos direitos do homem, as próprias palavras passaram a

ter um efeito inegavelmente talismânico. O ex-escravo Toussaint-

-Louverture, que se torn aria em breve o líder da revolta, proclam ou

166

vatura em 1794 ter ia permanecido inconcebível. 23

Em 1802, Napoleão enviou uma imensa força expedicionária

da França para captura r Toussa int -Louver ture e r es tabe lecer a

escravidão nas colônias francesas. Transportado de volta para a

França, Toussaint morreu numa prisão fr ia, louvado por William

Wordswor th e ce lebrado pe los abol ic ionis tas em toda par te .

Wordsworth acolheu o zelo de Toussaint pela l iberdade:

Though fallen thyself, never to rise again,

  Live, and take comfort. Thou hast left behind 

 Powers that will work for thee; air, earth, and skies;

There's nota breathing of the common wind 

That will forget thee; thou hast great allies;

Thy friends are exultations, agonies,  And love, and mans unconquerable mind.

[Embora tu próprio caído, para não mais te erguer,

Vive e consola-te. Deixaste para trás

Poderes que lut arão por ti: o ar, a terra e os céus;

 Nem um único sopro do vento comu m

Te esquecerá; tens grandes aliados;

Teus amigos são o júbilo, a agonia

E o amor, e a mente inconquistável do homem.]

A ação de Napoleão retardou a abolição definitiva da escravatura

nas colônias francesas até 1848, quando uma segunda república

chego u ao poder. Mas ele não consegu iu fazer o temp o andar co m

  pletamente para trás. Os escravos de Saint Domingue recusaram-

167

 

-se a aceitar a sua sorte e resistiram com sucesso ao exército de

  Napoleão até a retirada francesa, que deixou para trás a primeira

nação l ide rada por esc ravos l ibe rtos , o Estado inde pende nte do

Haiti . Dos 60 m il soldados franceses, suíços, alemães e poloneses

en iados à ilha apenas ns po cos milhares retornaram ao o tro

exclusão universal das mulheres dos direitos polít icos no século

xviii e durante a maior parte da história humana — as mulheres

não ganharam o di r e i to de vota r nas e le ições nac iona is em ne

nhum lugar do mundo antes do f im do século xix —, é mais sur

d t di it d lh ã t h id

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enviados à i lha, apenas uns poucos milhares retornaram ao outro

lado do oceano. Os outros t inham tombado em combates ferozes

ou pela febre amarela que dizimou milhares, inclusive o coman

dante -chefe das forças expedic ionár ias . Ent re tanto, mesmo nas

colônias onde a escravidão foi restaurada com sucesso o gosto da

liberdade não foi esquecido. Depois que a revolução de 1830 na

França subst i tu iu a monarquia ul t r aconservadora , um abol ic io

nista visitou Guad alup e e relatou a reação dos escravos à sua ban

deira tr icolor , ado tada pela república em 1794. "Signo glorioso de

nossa emancipação, nós te saudamos!", gr itaram quinze ou vinte

esc ravos . "Olá , bande i ra benévola , que vem do out ro lado do

oceano para anunciar o tr iunfo de nossos amigos e as horas de

nossa libertação." 24

D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S D A S M U L H E R E S

Embora os deputados pudessem concordar — se press iona

dos — que a declaração de direitos se aplicava a "todos os hom ens ,

sem distinção de cor", apenas um punh ad o se dispu nha a dizer que

ela se aplicava também às mulheres. Ainda assim, os direitos das

mulheres surgi ram na discussão, e os deputados es tenderam os

di re i tos c ivis das mulheres em impor tantes novas di r eções . As

moç as ganh aram o direito ao divórcio pelas mesm as razões de seusmaridos. O divórcio não era permitido pela lei francesa antes de

sua decretação em 1792. A monar qui a restaurada revogou o divór

cio em 1816, e o divórcio só foi reinstituído em 1884, e mesmo

então com mais restr ições do que as aplicadas em 1792. Dada a

i 6 8

  preendente que os direitos das mulheres não tenham sequer sido

discutid os na arena pública do que o fato de as mulher es em última

análise não os terem ganhado.

Os direitos das mulheres estavam claramente mais abaixo na

escala de "conceptibilidade" do que os de outros grupos. A "ques

tão da mulher" veio à tona periodicamente na Europa durante os

séculos xvii e xvm, sobr etu do com respeito à educaçã o das mul he

res, ou à falta dessa educação, mas os direitos delas não tinham sido

o foco de nenhuma discussão prolongada nos anos que levam à

Revolução Francesa ou à Americana. Em contraste com os protes

tantes franceses, os jude us ou até os escravos, o status das mulhe

res não tinha sido objeto de guerras de panfletos, competições

  públ icas de ensa ios , comissões do governo ou organizações de

defesa especialmente organizadas, como os Amigos dos Negros.

Esse descaso talvez se devesse ao fato de que as mulheres não cons

t i t u í a m uma mi no r i a pe r s e gu i da . E r a m op r i mi da s s e gundo os

nossos padrões, e oprimidas por causa de seu sexo, mas não eram

uma minoria, e certamente ninguém estava tentando forçá-las a

mudar de ident idade , como acontec ia com os protes tantes e os

  judeus. Se alguns comparavam a sua sorte à escravidão, poucos

levavam a analogia além do reino da metáfora. As leis limitavam os

di re i tos das mulheres , sem dúvida , mas e las r ea lmente t inham

alguns direitos, ao contrár io dos escravos. Pensava-se que as

mulheres e ram mo ra lment e , se não inte lec tua lmente , dependen

tes de seus pais e maridos, mas não se imaginava que fossem des

 providas de autonomia; na verdade, a sua inclinação pela autono

mia requeria uma vigilância constante de supostas autoridades de

todos os t ipos . Tampouco e ram desprovidas de voz , mesmo em

169

 

assuntos polít icos: as demonstrações e tumultos a respeito do pre

ço do pão revel aram repetid amen te essa verdade, antes e durant e a

Revolução Francesa. 25

As mulheres s implesmente não const i tu íam uma ca tegor ia

política claramente separada e distinguível antes da Revolução O

Porém, mesmo aqui a lógica dos direitos seguiu o seu cami

nho, ainda que de forma espasmódica. Em julho de 1790, Condor

cet chocou os seus leitores com um surpreendente editorial jorna

lístico, "Sobre a admiss ão das mulheres aos d ireitos da cidadania",

tornando expl íc i to o fundamento lógico dos di re i tos humanos

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 política claramente separada e distinguível antes da Revolução. O

exemplo de Condorce t , o mais aber to defensor mascul ino dos

direitos polít icos das mulh eres du ran te a Revolução, é revelador. Já

em 1781 ele publi cou um panfleto exigindo a abolição da escrava

tura. Numa lista que incluía reformas propostas para os campone

ses, os protestantes e o sistema de justiça cr iminal, bem como o

estabelecimento do livre comércio e a vacinação contra a varíola,

as mulheres não eram mencionadas. Elas apenas se tornaram uma

questão para esse pioneiro dos direitos humanos um ano depois

do início da revolução. 26

Emb ora a lgumas tenh am votado por procuração nas e le ições

  para os Estados Gera is e um pequeno número de deputados

achasse que as mulhe res, ou ao menos as viúvas que poss uíam pro

 priedades, pod eria m votar no futuro, as mulheres com o tais, isto é,

como uma potencial categoria de direitos, absolutamente não apa

receram nas discussões da Assembleia Nacional entre 1789 e 1791.

Alista alfabética dos enormes Archives parlementaires c i ta "mulh e

res" apenas duas vezes : num dos casos um grupo de bre tãs que

  pedia para fazer um juramento cívico e no outro um grupo de

mulheres parisienses que enviava um discurso. Em contraste, os

  judeus apareciam em discussões diretas dos deputados ao menos

em dezessete ocasiões diferentes. No final de 1789, atores, carras

cos , protes tantes , judeus , negros l ivres e a té homens pobres

 podiam se r imaginados como c idadãos , ao menos por um núm ero

substancial de deputados. Apesar dessa recalibração contínua da

escala de conceptibilidade, os direitos iguais para a classe feminina

  permanec iam inimagináve is pa ra quase todo mundo, tanto ho

mens como mulheres . 27

 M \

I7 O

tornando expl íc i to o fundamento lógico dos di r e i tos humanos,

que tinha se desenvolvido constantemente na segunda metade do

século XVIII: "os direitos dos homens resultam apenas do fato de

que eles são seres sensíveis, capazes de adquirir ideias morais e de

rac ioc inar sobre essas ide ias" . As mulheres não têm as mesmas

características? "C om o as mulheres têm as mesma s qualidades", ele

ins is t ia , "e las têm necessa r iamente di r e i tos igua is . " Condorce t

t i r ava a conc lusão lógica que os seus colegas r evoluc ionár ios

t inh am tanta di f iculdade em deduz i r por s i mesmos : "Ou ne nh um

indivíduo na humanidade tem direitos verdadeiros, ou todos têm

os mesmos; e quem vota contra o direito de outro, qualquer que

seja a sua religião, cor ou sexo, abjurou a part ir desse mo me nt o os

seus próprios direitos".

Aí estava a f i losofia moderna dos direitos humanos na sua

forma pura, claramente ar ticulada. As particularidades dos huma

nos (ex cluindo-se talvez a idade, as crianças aind a não sendo capazes

de raciocinar por conta própria) não dev em pesar na balança, nem

mes mo dos direitos polít icos. Condorcet tam bé m explicava por que

tantas mulheres, bem como homens, t inham aceitado sem questio

nar a subord inaçã o inj ustificável das mulhe res : "O hábi to pode fami

liarizar os homens com a violação de seus direitos naturais a ponto

de, entre aqueles que os perderam, nin guém sonh ar em reclamá-los,

ne m acreditar qu e sofreu u ma injustiça". Ele desafiava os seus leitores

a reconhecer que as mulheres sempre tiveram direitos, e que o costume social os cegara para essa verdade fundamental. 28

Em setembro de 1791, a dramaturga antiescravagista Olympe

de Gouges virou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cida

dão pelo avesso. A sua Declaração dos Dire ito s da Mulher insistia

171

 

que "A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direi

tos" (ar tigo I a ) . "Todas as cidadãs e cidadãos, send o iguais aos seus

[da lei] olh os, devem ser igualm ente admissíveis a todas as digni

dades , ca rgos e emprego s públ icos , segund o a sua capac idade e

sem nenhuma out ra dis t inção que não se ja a de suas vi r tudes e

Vamos antes nos desvenc i lha r do preconce i to do sexo, ass im

como nos liberamos do preconceito contra a cor dos negros." Os

depu tados não segui ram a sua or ientação.3 0

Em vez disso, em outubro de 1793, os deputados atacaram os

clubes de mulheres. Reag indo a lutas nas ruas entre mulh eres a res

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sem nenhuma out ra dis t inção que não se ja a de suas vi r tudes e

talentos" (ar tigo 6 a ) . A inversão da lingua gem da declaração oficial

de 1789 não nos parece chocante no presente, mas certamen te cho

cou à época. Na Inglaterra, M ary Wollstonecraft não foi tão longe

quanto as suas companheiras francesas, que exigiam direitos polí

t icos absolutamente igua is pa ra as mulheres , mas esc reveu com

mais detalhes e com uma paixão intensa sobre as maneiras como a

educação e a tradição haviam tolhido a inteligência das mulheres.

Em Vindication of the Rights ofWoman, publicado em 1792, ela

ligava a emancipação das mulheres à implosão de todas as formas

de hierarquia na sociedade. Como De Gouges, Wollstonecraft foi

vítima de difamação pública pela sua ousadia. O destino de De

Gouges foi ainda pior , pois ela acabou na guilhotina, condenada

como uma cont ra r revoluc ionar ia " impudente" e um se r ina tura l

( um " home m- mul he r " ) . 2 9

Uma vez desencadeado o momentum, os di r e i tos das mulhe

res não f icaram limitados às publicações de uns poucos indiví

duo s pione iros. Entre 1791 e 1793, as mulh eres estabeleceram clu

  bes polít icos em ao menos cinquenta cidades provincianas e de

maior porte, bem como em Paris. Os direitos das mulheres come

çaram a ser debatidos nos clubes, em jornais e em panfletos. Em

abr i l de 1793, durante a consideração da c idadania numa nova

  proposta de Const i tu ição para a r epúbl ica , um deputado a rgu

mentou detalhadamente em favor de direitos polít icos iguais para

as mulheres . A sua inte rvenção most rava que a ide ia t inha

ganhado a lguns adeptos . "Há sem dúvida uma di fe rença" , e le

admitia, "a dos sexos [ . . . ] mas não compreendo como uma dife

rença sexual contr ibui para uma desigualdade nos direitos. [ . . . ]

clubes de mulheres. Reag indo a lutas nas ruas entre mulh eres a res

  peito do uso de insígnias revolucionárias, a Convenção votou por 

suprimir todos os clubes polít icos para mulheres sob o pretexto de

que ta i s c lubes só as desviavam de seus apropr iados deveres

domést icos . Segundo o deputado que apresentou o decre to , a s

mulheres não tinham o conhecimento, a aplicação, a dedicação ou

a abnegação exigidos para governar . Deviam se ater às "funções

  privadas a que as mulheres são destinadas pela própria natureza".

O fundamento lógico não era nenhuma novidade; o que era novo

era a necessidade de vir a público e proibir as mulhe res de form ar 

e frequentar clubes polít icos. As mulheres podem ter surgido por 

último nas discussões e como tema de menor importância, mas os

seus direitos acabaram entrando na agenda, e o que foi dito a seu

respeito na décad a de 1790 — especialmente em favor dos direitos

  — teve um impacto que durou até o presente. 31

A lógica dos direitos t inha forçado até os direitos das mulh e

res a sair da névoa obscura do hábito, ao menos na França e na

Ingla te r ra . Nos Estados Unidos , o descaso com os di r e i tos das

mulheres atraiu relativamente pouca discussão pública antes de

1792, e não apareceram escritos americanos na era revolucionária

que possa m se r comp arados aos de Condorce t , Olympe de Gouges

ou Mary Wollstonecraft . Na verdade, antes da publicação de Vin

dication of the Rights ofWoman, de Wollstonecraft, em 1792, o con

ce i to dos di r e i tos das mulheres quase não recebeu a tenção na

Inglate rra nem na América. A própria Wollstonecraft havia desen

volvido as suas inf luentes noções sobre o assunto numa reação

direta à Revolução Francesa. Na sua primeira obra sobre direitos,

Vindication of the Rights ofMen (1790), ela contestou as acusações

173172

 

de Burke contra os direitos do homem na França. Isso a levou a

considerar , po r sua vez, os direitos da mulher . 32

Se olharmos além das proclamações oficiais e decretos dos

 polít icos homen s, a mud anç a de expectativa a respeito dos direitos

das mulheres é mais impress ionante Surpreendentemente por

most rou que as mulheres não t inham perdido de vis ta as metas

enunc iadas nos pr im ei ros anos da r evolução:

É compreensível que [no Antigo Regime] não se acreditasse neces

sário assegurar a uma m etade da humanid ade metade dos direitos

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das mulheres é mais impress ionante . Surpreendentemente , por  

exemplo, Vindication ofthe Rights ofWoman podia se r encont rado

em mais bibliotecas particulares american as no início da república

do que Os direitos do homem, de Paine. Embora o próprio Paine

não desse atenção aos direitos das mulheres, outros os considera

vam. No início do século xix, sociedades de debates, discursos de

formatura e revistas populares nos Estados Unidos tratavam regu

larmente das pressuposições de gênero por trás do sufrágio mas

culino. Na França, as mulheres aproveitaram as novas oportunida

des de publicaçã o criadas pela l iberdade de im pren sa para escrever  

mais l ivros e panfletos do que nunca. O direito das mulheres à

heran ça igual provo cou incontáveis processos na justiça, porqu e as

mulheres de te rminaram se agar ra r ao que e ra agora legi t ima

mente delas. Afinal, os direitos não eram uma proposição tudo-

-ou-nada. Os novos direitos, mesmo que não fossem direitos polí

t icos , abr iam o caminho de novas opor tunidades para as mulhe

res , e e las logo as aprove i ta ram. Como as ações ante r iores dos

 protes tantes , judeus e ho men s de cor l ivres já t inh am most rado,

a cidadania não é apenas algo a ser concedido pelas autoridades:

é a lgo a se r conquis tado por s i mesmo. Uma medida da autono

mia mora l é essa capac idade de a rgumenta r , ins i s t i r e , pa ra

alguns, lutar . 33

Depois de 1793, as mulheres se vi r am mais r epr imidas no

mundo of ic ia l da pol í t ica f r ancesa . Ent re tanto, a promessa dedi re i tos não havia s ido comple tamente esquec ida . Num longo

artigo publicado em 1800 sobre De la condition desfemmes dans les

 Republiques, de Char les Théremin, a poe ta e dramaturga Cons

tance P ipe le t (mais ta rde conhec ida como Constance de Sa lm)

174

s o ssegu u e de d u d de e de dos d e os

ligados aos seres humanos; mas seria mais difícil compreender que

se tenha podido deixar inteiramente de reconhecer [os direitos] das

mulheres duran te os últimos dez anos, naqueles momen tos em que

as palavras igualdade e liberdade ressoavam por toda parte, naque

les momentos em que a filosofia, ajudada pela experiência, ilumi

nava sem cessar o homem a respeito de seus verdadeiros direitos.

Ela atr ibuía esse descaso com os direitos das mulheres ao fato de

que as massas masculinas acreditavam facilmente que limitar ou

a té aniqui la r o poder das mulheres aumenta r ia o poder dos ho

men s. No seu ar tigo , Pipelet citava a obra de Wollstonecraft sobre

os direitos das mulheres, mas não reivindicava para as mulheres o

direito de votar ou ocupar cargos públicos. 34

Pipelet demonstrava uma compreensão sutil da tensão entre

a lógica revoluc ionária dos direitos e as restr ições continua das dos

costumes. "É espec ia lmente durante a r evolução [ . . . ] que as

mulheres , seguindo o exemplo dos homens, r ac ioc inam mui to

sobre a sua verdadeira essência e tomam atitudes em consequên

cia desse seu pensar ." Se continuava a obscuridade ou a ambigui

dade sobre o tema dos direitos das mulheres (e Pipelet emprestou

um tom de grande incerteza a muitas de suas passagens) , era por

que o I luminismo não havia progredido o suficiente: as pessoas

comu ns, e espec ia lmente as mulheres comuns, cont inuavam nã o

educadas . À medida que as mulheres ganhavam educação, e las

demonstravam inevitavelmente os seus talentos, pois o mérito não

tem sexo, af irmava Pipelet. Ela concordava com Théremin que as

mulheres deviam se r empregadas como mest res-escolas e ter a

«75

 

  permissão para defender os seus "direitos naturais e inalienáveis"

nos t r ibuna is .

Se a própria Pipelet não chegou a advogar direitos polít icos

 plenos para as mulheres foi porque ela estava reagindo ao que via

como po ss íve l—imag ináve l , a rgumentáve l — nos seus dias . Mas,

5. "A força maleável da hu ma ni da de "

  Por que os direitos humanos fracassaram a

  princípio, mas tiveram sucesso no longo prazo

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p g , g ,

como muitos outros, ela via que a f i losofia dos direitos naturais

tinha uma lógica implacável, mesmo que ainda não tivesse sido

e laborada no caso das mulheres essa out ra metade da humani

dade. A noç ão dos "direitos do homem ", como a própr ia revolução,

abriu um espaço imprevisível para discussão, conflito e mudança.

A promessa daqueles direitos pode ser negada, suprimida ou sim

  plesmente cont inuar não cumpr ida , mas não mor re .

1 7 6

Os di rei tos human os e ram s implesm ente "um absu rdo re tó

r ico, um absurdo bombástico", como afirmava o f ilósofo Jeremy

Benth am? A longa lacuna na história dos direitos hum ano s, de sua

formulação inicial nas revoluções americana e francesa até a

Declaração Universal das Nações Unidas em 1948, faz qualquer  

um para r pa ra pensar . Os di r e i tos não desapareceram nem no

  pensamento nem na ação, mas as discussões e os decretos agora

ocor r iam quase exc lus ivamente dent ro de es t ruturas nac iona is

específ icas. A noção de vários t ipos de direitos garantidos pela

Constituição — os direitos polít icos dos trabalhadores, das mino

rias religiosas e das mulh eres, po r exemplo — continuo u a ganhar 

terren o nos séculos xix e xx, mas os debates sobre direitos naturais

univer sa lmente apl icáve is diminuí ram. Os t r aba lhadores , por  

exemplo, ganharam direitos como trabalhadores britânicos, fran

ceses, alemães ou ameri cano s. O nacionalista i taliano do século xix

Giuse ppe Mazzini capt ou o novo foco sobre a nação quando fez a

  pergunta retórica: "O que é um País [...] senão o lugar em que os

nossos direitos individuais estão mais seguros?". Foram necessá-

177

 

r ias duas guerras mundiais devastadoras para esti lhaçar essa con

fiança na nação. 1

D E F I C I Ê N C I A S D O S D I R E I T O S D O H O M E M

cre t izado. A Dec la ração dos Dire i tos do Homem e do Cidadão,

arquivada junto com a Constituição de 1790, não havia impedido

a supressão do dissenso e a execução de todos aqueles vistos como

inimigos .

Apesar das cr ít icas de Burke, mui tos escritores e polít icos na

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O nac iona l i smo só assumiu a posição de es t rutura domi

nante para os direitos gradualmente, depois de 1815, com a queda

de Napoleão e o f im da era revolucionária. Entre 1789 e 1815, duas

concepções diferentes de autoridade guerrearam entre si: os direi

tos do homem de um lado e a sociedade hierárquica tradicional do

outro. Cada lado invocava a nação, embora nenhum deles f izesse

afirmações sobre a determinação da identidade pela etnicidade.

Por definição, os direitos do "homem" repudiavam qualquer ideia

de que os di r e i tos dependiam da nac iona l idade . Edmund Burke ,

 por outro lado, havia tentado ligar a sociedade hierárquica a certa

concepção de nação, argumentando que a l iberdade só podia ser  

ga rant ida por um governo a r ra igado na his tór ia de uma nação,

com ênfase sobre a história. Os direitos só fun cionava m, ele insis

tia , quando nasciam de tradições e práticas de longa data.

Aqueles que apoiavam os direitos do homem haviam negado

a importância da tradição e da história. Precisamente porque se

  baseava em "abstrações metafísicas", a Declaração francesa, sus

tentava Burke, não tinha força emocional suficiente para impor a

obediência. Como poderiam aqueles "pedaços miseráveis de papel

  borrado" ser comparados ao amor a Deus, ao amor reverente aos

reis, ao dever com os magistrados, à reverência aos padres e à defe

rência para com os superiores? Os revolucionários ter iam de usar  

a violência para se manter no poder, ele já t inha concluído em

1790. Quan do os republic anos franceses executara m o rei e passa

ram ao Ter ror como um s is tema reconhec ido de governo, como

fizeram em 1793 e 1794, o prognóstico de Burke parecia ter se con-

178

Europa e nos Estados Unidos haviam saudado en tus ias t icamente

a Declaração dos Direitos em 1789. Quan do a Revolução Francesa

tornou-se mais radical, entretanto, a opinião pública começou a se

dividir . Os governos monárquicos, em particular , reagiram forte

men te contr a a procl amaçã o de uma república e a execução do rei.

Em dezembro de 1792, Thomas Paine foi forçado a fugir para a

França quando um tr ibunal britânico o julgou culpado de sedição

  por atacar a monar qui a hereditár ia na segund a parte de Os direitos

do homem. O governo britânico seguiu adiante com uma campa

nha s i s temát ica de tormento e pe r seguição dos defensores das

ideias francesas. Em 1798, somente 22 anos depois da declaração

dos direitos iguais de todos os homens, o Congresso dos Estados

Unid os apro vou as Leis dos Estrangeiros e da Sedição para l imitar  

as crít icas ao governo ame rican o. O novo espír ito dos tempo s pode

ser visto nos comentários feitos em 1797 por John Robinson, um

  professor de f ilosofia natural na Universidade de Edimburgo. Ele

invectivava contra "essa máxima maldita, que agora ocupa toda

mente , de pensar cont inuamente em nossos di r e i tos e exigi - los

ansiosamente de toda parte". Essa obsessão dos direitos era "o

maio r veneno da vida" segu ndo Ro binso n, que a via como a causa

 principal da sublevação polít ica existente, mes mo na Escócia, e da

guerra entre a França e seus vizinhos, que agora ameaçava tragar  

toda a Europa. 2

A cautela de Robinson quanto aos direitos empalidecia em

comparação com os mísseis de ataque lançados sobre o continente

  pe los monarquis tas cont ra r revoluc ionar ios . Segundo Louis de

Bonald, um conservador sem papas na língua, "a revolução come-

179

 

çou com a dec la ração dos di r e i tos do homem e só te rminará

quando os direitos de Deus forem declarados". A declaração de

direitos, afirmava, representava a má influência da filosofia do Ilu

minismo e, junto com ela, o ateísmo, o protestantismo e a maço

naria, que ele colocava todos no mesmo saco. A declaração enco

As inte rvenções cont radi tór ias de Napoleão most r avam que

os direitos não precisavam ser vistos como um pacote único. Ele

introduziu a tolerância religiosa e direitos polít icos e civis iguais

  para as minorias religiosas em todos os lugares em que governou;

mas em casa, na França, l imitou severamente a l iberdade de ex

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rajava as pessoas a negligenciar os seus deveres e a pensar apenas

em seus desejos individuais. Já que n ão podi a servir como um freio

  para essas paixões, ela consequentemente levou a França direto à

anarquia, ao terror e à desintegração social. Apenas uma Igreja

Católica revivida, protegida por uma monarquia restaurada e legí

t ima , podia inculca r pr inc ípios mora is ve rdade i ros . Sob o r e i

Bourbon reinstalado em 1815, Bonald assumiu a l iderança para

revogar as leis revolucionárias sobre o divórcio e restabelecer a

censura r igorosa antes da publicação. 1

Antes do retorno dos reis Bourbon, quando os republicanos

franceses e mais tarde Napoleã o espalha ram a men sage m da Revo

lução Francesa por meio da conquis ta mi l i ta r , os di r e i tos do

homem ficaram emaranhados com a agressão imperialista. Para

seu crédito, a influência da França ind uziu os suíços e os holan de

ses a abolir a tor tura em 1798; a Espanha os seguiu em 1808,

quando o irmão de Napoleão governou como rei. Depois da queda

de Napoleão, entretanto, os suíços reintroduziram a tortura e o rei

espanhol restabeleceu a Inquisição, que usava a tortura para obter  

confissões. Os franceses também encorajaram a emancipação dos

  judeus em todos os lugares dominados pe los seus exérc i tos .

Embora os governantes que r e tornavam ao poder e l iminassem

alguns desses di r e i tos r ecentemente adqui r idos nos es tados i ta

l iano e a lemão, a emanc ipação dos judeus most rou-se perm anent e

nos Países Baixos. Uma vez que a emancip ação do s judeus era vista

como francesa, os bandoleiros que atormentavam as forças fran

cesas em a lguns te r r i tór ios r ecém-conquis tados também a taca

vam f requentemente os judeus . 4

  pressão de todos e basicamente eliminou a l iberdade de imprensa.

O imperador francês acreditava que "os homens não nascem para

serem livres. [ .. .] A liberdade é um a necessidade senti da por um a

  pequena c lasse de homens a quem a na tureza dotou com mentes

mais nobres do que a massa dos homen s. Conseq uentem ente , e la

  pode ser reprimida com impunidade. A igualdade, por outro lado,

agrada às massas". Os franceses não desejavam a verdadeira l iber

dade, na sua opinião: eles simplesmente aspiravam a ascender ao

topo da sociedade. Sacrif icariam os seus direitos polít icos para

assegurar a sua igualdad e legal. 5

Sobre a questão da escravidão, Napoleão se revelou inteira

mente coerente. Durante uma breve calmaria na luta na Europa em

1802, ele enviou expedições militares às colônias no Carib e. Emb ora

deixasse as suas intenções deliberada mente vagas no início, para não

  provocar um levante geral dos escravos libertos, as instruções dadas

ao seu cunhado, um dos generais comandantes, deixavam os seus

objetivos bem claros. Assim que chegassem os sold ados devia m ocu

  par pontos estratégicos e obter o controle da região. Em seguida

deviam "perseguir os rebeldes sem piedade", desarmar todos os

negros, prender os seus l íderes e transportá- los de volta à França,

abri ndo o cam inho par a restaurar a escravidão. Napoleão tin ha cer

teza de que "a perspectiva de uma república negra é igualmente per

turbadora para os espanhóis, os ingleses e os americanos". O seu

  plano fracassou em Saint Domingue, que ganhou a sua indepen

dência como Haiti, mas teve sucesso em outras colônias francesas.

Os mortos na luta em Saint Domingue chegaram a 150 mil; um

décimo da população de Guadalupe foi morta ou deportada. 6

181i8o

 

  Napoleão tentou c r ia r um híbr ido ent re os di r e i tos do ho

mem e a sociedade hierárquica tradicional, mas no f im das contas

ambos os lados rejeitaram a cr ia bastarda. Napoleão foi cr it icado

  pelos tradicionalistas devido à sua ênfase na tolerância religiosa,

na abolição do feudalism o e na igualdade pera nte a lei , e pelo ou tro

and ou ele cr iou novas entida des (o du cado de Varsóvia, o reino da

Itália, a confederação do Reno), produziu novas oportunidades ou

  p r ovoc ou nova s a n i mos i da de s que a l i me n t a r i a m a s p i r a ç õ e s

nacionais. O seu ducado de Varsóvia lembrou aos poloneses que

existira out rora um a Polônia, antes de ela ser engolid a por Prússia,

Á

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lado devido às restr ições que impôs a um grande número de liber

dades polít icas. Co nseg uiu f icar em paz com a Igreja Católica, mas

nunca se tornou um governante legítimo aos olhos dos tradiciona

listas. Para os defensores dos direitos, a sua insistência na igualdade

 perante a lei não c onsegui u contra balan çar a sua revivescência da

nobreza e a cr iação de um império hereditár io. Quando perdeu o

  poder, o imperador francês foi denunciado tanto pelos tradiciona

listas com o pelos defensores dos direitos como um tiran o, um dés

  pota e um usurpador. Um dos cr ít icos mais persistentes de Napo

leão, a escritora Germ aine de Stáel, procla mou em 1817 que o seu

único legado eram "mais alguns segredos na ar te da tirania". De

Stâel, como todos os outros comentaristas tanto da esquerda como

da direita, só se referia ao líder depo sto pelo seu sob reno me, Bon a

  parte, e nunca lhe dava o tratamento imperial do primeiro nome,

 Napoleão. 7

O N A C I O N A L I S M O E N T R A E M C E N A

A vitória das forças da ordem mostrou-se efêmera no longo

 prazo, em grand e parte graças aos desenvolv imentos ativ ados pelo

seu nêmesis, Napoleão. Ao longo d o século xix o naci onali smo sur

  preendeu ambos os lados dos debates revolucionários, transfor

ma nd o a discussão dos direitos e cr iand o novos tipos de hierarq uia

que em última análise ameaç avam a ordem trad icional. As aventu

ras imper ia l i s tas do cor so emergente ca ta l i sa ram inadver t ida

mente as forças do nacionalismo, de Varsóvia a Lima. Por onde

182

Áustr ia e Rússia. Mesmo que os novos governos italiano e alemão

tenham desaparecido depois da queda de Napoleão, eles haviam

mostrado que a unif icação nacional era concebível. Ao depor o rei

da Espanha, o imperador francês abriu a porta para os movimentos de independência sul-americanos nas décadas de 1810 e 1820.

Simon Bolívar , o l ibertador de Bolívia, Panamá, Colômbia, Equa

dor, Peru e Venezuela, falava a mesma linguagem nascente do

nac iona l i smo empregada por seus congêneres na Europa . "O

nosso solo nativo", dizia com entusiasmo, "desperta sentimentos

ternos e lem brança s deliciosas. [ .. .] Q ue alegações de amor e dedi

cação podiam se r maiores?" O sent imento nac iona l ofe rec ia a

força emocional que faltava àqueles "pedaços miseráveis de papel

 bor rado" r idicula r izados po r Burke . 8

Em reação ao imperi alism o francês, algun s escritores alemães

rejeitaram tudo o que era francês — inclusive os direitos do

homem — e desenvolveram um novo sentido de nação, baseado

explicitamente na etnicidade. Carecendo de uma estrutura única

de nação-Estado, os nac iona l i s tas a lemães enfa t izavam em seu

lugar a mística do Volk ou povo, um caráter próprio alemão que o

dis t inguia dos out ros povos . Os pr imei ros s ina is de problemas

futuros já podi am ser perce bido s nas visões expressas no início do

século xix pelo nacionalista alemão Friedrich Jahn. "Quanto mais

  puro um povo, melhor", ele escreveu. As leis da natureza, susten

tava, operavam contra a mistura de raças e povos. Para Jahn os

"direitos sagrad os" eram os do p ovo alemão , e ele f icava tão exas

  perado com a influência francesa que exortava seus colegas ale

mães a pa ra r comple tamente de fa la r f r ancês . Como todos os

183

 

nacionalistas subsequentes, Jahn recomendava insistentemente que

se escrevesse e estudasse a história patr iótica. Monu men tos , funerais

  públicos e festivais populares deviam todos se concentrar em assun

tos alemães, e não ideais universais. No mes mo m om ent o em que os

europeus travavam as maiores batalhas contra as ambições impe

direitos de outros grupos étnicos. Os alemães reunidos em Frank

fur t redigi ram um a nova Const i tu ição nac ion a l pa ra a Alemanha ,

ma s ne ga r a m qua l que r a u t ode t e r mi na ç ã o a os d i na ma r que s e s ,

  poloneses ou tchecos dentro de suas fronteiras propostas. Os hún

garos que pediam indep endênc ia daÁust r ia ignoravam os inte res

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r iais de Napoleão, Jahn propunha fronteiras surpreendentemente

amplas para essa nova Alemanha. Ela devia incluir, ele afirmava, a

Suíça, os Países Baixos, a Dinamarca, a Prússia e a Áustria, e uma

nova capital devia ser construída com o no me de Teutona.9

Como Jahn, a maioria dos primeiros nacionalistas preferia

uma forma democrá t ica de governo, porque e la maximizar ia o

senso de pertencimento à nação. Em consequência, os tradiciona

l i s tas se opuseram inic ia lmente ao nac iona l i smo e à uni f icação

alemã e i taliana, tanto quanto tinham se oposto aos direitos do

homem. Os primeiros nacionalistas falavam a linguagem revolu

cionária do universalismo messiânico, mas para eles a nação, em

vez dos direitos, servia como um trampolim para o universalismo.

Bolívar acreditava que a Colômbia iluminaria o caminho para a

liberdade e a justiça universais; Mazzini, fund ador da nacionalista

Sociedade da Jovem Itália, proclamou que os i talianos liderariam

uma c ruzada univer sa l dos povos opr imidos pe la l ibe rdade ; o

  poe ta Adam Mickiewicz achava que os poloneses most ra r iam o

caminho para a l ibertação universal. Os direitos humanos agora

dependi am da autode te rminação nac iona l , e a pr ior idade per ten

cia necessariamente à última.

Depois de 1848, os tradicionalistas começaram a aceitar as

demandas nac iona l i s tas , e o nac iona l i smo passou da esquerda

  para a direita no espectro polít ico. O fracasso das revoluções

nacionalista e constitucion alista em 1848 na Alem anh a, na Itália e

na Hungria abriu o caminho para essas mudanças. Os nacionalis

tas interessados em garantir os direitos dentr o das nações recente

mente propostas mostravam-se demasiado dispostos a rejeitar os

184

ses dos romenos, eslovacos, croatas e eslovenos, que constituíam

mais da metade da população da Hungria. A competição interét-

nica condenou ao fracasso as revoluções de 1848, e com elas a liga

ção entre os direitos e a autodeterminação nacional. A unif icação

nacion al da Alem anh a e da I tália foi obti da nas décadas de 1850 e

1860 po r guerras e diplomacia , e a garantia dos direitos individuai s

nã o de s e mpe nhou ne nhum pa pe l .

Antes entus ias t icamente pronto para assegura r os di r e i tos

  por meio da di fusão da autode te rminação nac iona l , o nac iona

l i smo se tornou cada vez mais f echado e defensivo. A mudança

refletia a enormidade da tarefa de criar uma nação. A ideia de que

a Europa podia ser caprichadamente dividida em nações-Estados

de e tnic idade e cul tura re la t ivamente homogên eas e ra desment ida

  pelo próprio mapa linguístico. Toda nação-Estado abrigava mino

rias l inguísticas e culturais no século xix, mes mo aquelas estabele

cidas havia muito tempo, como a Grã-Bretanha e a França. Quan

do foi declarada a república na França, em 1870, metade dos

cidadão s não sabia falar francês: os out ros falavam dialetos ou lín

guas regionais como o bretão, o franco-provençal, o basco, o alsa-

ciano, o catalão, o córsico, o occitano ou, nas colônias, o cr ioulo.

Uma grand e campan ha de educação teve de se r empreend ida para

integrar todos na nação. As nações aspirantes enfrentavam pres

sões ainda maiores por causa da maior heterogeneidade étnica: o

conde Camil lo di Cavour , pr imei ro-minis t ro do novo Re ino da

Itália, t inh a como prim eira l íngua o dialeto piem ontê s, e men os de

3% de seus concidadãos falavam o italiano padrão. A situação era

ainda mais caótica na Europa Oriental, onde muitos grupos étni-

185

 

cos di fe rentes vivam em grande int imidade . Uma Polônia r evi

vida, por exemplo, incluir ia não só uma comunidade substancial

de judeus , mas tam bém l i tuanos , uc ranianos , a lemães e bie lo- rus-

sos, cada um com sua língua e tradições .

A di f iculdade de c r ia r ou mante r a homogene idade é tnica

defensores e os opositores de Dreyfus. O caso começou em 1894,

quando um oficial judeu do exército chamado Alfred Dreyfus foi

e r roneamen te acusado de espionar pa ra a Alemanha . Q uan do foi

  ju lgado culpado apesar do grande número de evidênc ias pro

vando a sua inocência, o famoso romancista Emile Zola publicou

um artigo ousado na primeira página dos jornais acusando o exér

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contr ibuiu para a crescente preocupação com a imigração em todo

o mundo. Poucos se opunham à imigração antes da década de

1860, mas ela passou a ser criticada nos países anfitriões nas déca

das de 1880 e 1890. A Austrália tentou impedir o influxo de asiáti

cos para poder con servar o seu caráter inglês e ir landês. Os Estados

Unid os proi bira m a imigraç ão da China em 1882 e de toda a Ásia

em 1917, e depois, em 1924, estabeleceram cotas para todos os

demais com base na composição é tnica cor rente da população

nor te -amer icana . O governo br i tânico aprovou uma Le i dos

Estrangeiros em 1905 para imped ir a imigração de "indesejáveis",

que muitos interpretavam serem os judeus da Europa Oriental. Ao

mesm o temp o que os t r aba lhadores e c riados começaram a ganhar  

direitos polít icos iguais nesses países, barreiras bloquea vam aqu e

les que não parti lhavam as mesmas origens étnicas.

  Nessa nova atmosfera protetora, o nacionalismo assumiu um

caráter mais xenófobo e racista. Embora a xenofobia pudesse ter  

como alvo qualquer grupo estrangeiro (os chineses nos Estados

Unidos, os i talianos na França ou os poloneses na Alemanha), as

últimas décadas do século xix assistiram a um crescimento alar

mante do antissemitismo. Os polít icos de direita na Alemanha, na

Áustr ia e na França usavam jornais, clubes polít icos e, em alguns

casos, novos partidos polít icos para atiçar o ódio aos judeus como

inimigos da verdadeira nação. Depois de duas décadas de propa

ganda antissemítica nos jornais de direita, o Partido Conservador 

Alemão fez do antissemit ismo um artigo oficial da sua plataform a

em 1892. Mais ou menos na mesma época, o caso Dreyfus fez estra

gos na pol í t ica f r ancesa , c r iando divisões duradouras ent re os

i 8 6

um artigo ousado na primeira página dos jornais acusando o exér

cito e o governo francês de acobertar as tentativas de incriminar  

falsamente Dreyfus. Em resposta à crescente maré de opinião em

favor de Dreyfus, um a recém -form ada Liga Antissemíti ca francesafomentou tumul tos em mui tas c idades e met rópoles , à s vezes

incluindo ataques de milhares de agitadores a propriedades judai

cas. A Liga conseguia mobil izar tantas pessoas po rqu e várias cida

des t inham jorna is que produz iam em grande quant idade dia t r i

  bes antissemíticas. O governo ofereceu a Dreyfus um perdão em

1899 e f inalmente o exone rou em 1906, mas o antissemitis mo tor

nou-se mais venenoso por toda parte. Em 1895, Karl Lueger con

seguiu se eleger prefeito de Viena com um pr ogr ama antissem ítico.

Ele se tornaria um dos heróis de Hitler.

E X P L I C A Ç Õ E S B I O L Ó G I C A S P A R A A E X C L U S Ã O

Qua ndo se torno u mais in t imamente ent re laçado com a etni -

cidade, o nacionalismo alimentou uma ênfase crescente nas expli

cações biológicas para a diferença. Os argume nto s para os direitos

do homem t inham se baseado na pressuposição da igua ldade da

natureza humana em todas as culturas e classes. Depois da Revo

lução Francesa, tornou-se cada vez mais dif ícil reafirmar as dife

renças simplesmente com base na tradição, nos costumes ou na

história. As diferenças t inham de ter um fundamento mais sólido

se os homens quisessem manter a sua superioridade em relação às

mulh eres, os branc os em relação aos negros ou os cr istãos em rela-

187

 

ção aos jud eus. Em suma, se os direitos deviam ser meno s que uni

versais, iguais e natura is, era preciso explicar por qu ê. Em conse

quência, o século xix presenciou u ma explosão de explicações bio

lógicas da diferença.

I ronicamente , por tanto, a própr ia noção de di r e i tos huma

nos abriu inadvertidamente a porta para formas mais virulentas

excluir completamente as mulheres. Assim, podia-se admitir que

elas possuíam qualidades positivas que talvez fossem importantes

na esfera privada. Além disso, como as mulheres difer iam clara

mente dos homens em te rmos biológicos ( embora o grau dessa

diferença ainda permaneça tema de debate) , poucos descartavam

imediatamente os argumentos biológicos sobre a diferença entre

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nos abriu inadvertidamente a porta para formas mais virulentas

de sexismo, racismo e antissemitismo. Com efeito, as af irmações

de alcance geral sobre a igualdade natural de toda a humanidade

suscitavam asserções igualmen te globais sobre a diferença natural,  produzindo um novo tipo de opositor aos direitos humanos, até

mais poderoso e sinistro do que os tradicionalistas. As novas for

mas de racismo, antissemitismo e sexismo ofereciam explicações

  biológicas para o caráter natural da diferença humana. No novo

racismo, os judeus não eram apenas os assassinos de Jesus: a sua

inerente inferiorida de racial ameaçava macul ar a pureza dos bran

cos por meio da miscigenação. Os negros já não eram inferiores

  por se rem esc ravos: mesmo quando a abol ição da esc rava tura

avançou por todo o mundo, o r ac ismo se tornou mais , e não

menos, venenoso. As mulheres não e ram s implesmente menosracionais que os homens por serem menos educadas: a sua biolo

gia as destinava à vida privada e doméstica e as tornava inteira

mente inadequadas para a polít ica, os negócios ou as profissões.

 Nessas novas doutr inas biológicas, a educação ou as mudanças no

meio ambiente jamais poderiam alterar as estruturas hierárquicas

inerentes na na tureza huma na .

Entre as novas doutr inas biológicas, o sexismo era a menos

organizada em termos polít icos, a menos sistemática em termos

inte lec tua is e a menos nega t iva em te rmos emociona is . Af ina l ,

nenhuma nação podia se r eproduz i r sem as mães: por tanto,

embora fosse concebíve l a rgumenta r que os esc ravos negros

deviam ser enviados de volta para a África ou que os jud eus dev iam

ser proibidos de residir em determinado local, não era possível

188

imediatamente os argumentos biológicos sobre a diferença entre

os sexos, que tinha uma história muito mais longa que os argu

men tos biológicos sob re as raças. Mas a Revolução Francesa havia

mostrado que até a diferença sexual, ou ao menos a sua importânc ia pol í t ica , podia se r quest ionada . Com o surgimento de a rgu

mentos explícitos para a igualdade polít ica das mulheres, o argu

mento biológico para a inferioridade das mulheres mudou. Elas já

não ocupavam um patamar mais baixo na mesma escala biológica

dos homens, o que as tornava biologicamente semelhantes aos

homens, ainda que inferiores. As mulheres agora eram cada vez

mais moldadas como biologicamente diferentes: elas se tornaram

o "sexo oposto". 1"

  Não é fácil determinar a hora exata nem mesmo a natureza

dessa mud ança no pen samen to sobre as mulheres , mas o per íododa Revolução Frances a parece ser cr ít ico. Os revolucionários fran

ceses t inham invocado argumentos em grande parte tradicionais

 para a diferença das mulher es em 1793, qua ndo as pro ibiram de se

reuni r em clubes polít icos. "Em geral, as mulh eres nã o são capazes

de pensamentos e levados e medi tações sér ias" , proc lamava o

  porta-voz do governo. Nos anos seguintes, entretanto, os médicos

na França trabalharam muito para dar a essas ideias vagas uma

 base mais biológica. O p rincipal f isiologista francês da década de

1790 e início dos anos 1800, Pierre Cabanis, argumentava que as

mulh eres t in ham fibras muscula res mais fracas e a massa cerebral

mais delicada, o qu e as tornava incapazes para as carreiras púb li

cas, mas a sua conseque nte sensibilidade volátil adequava-as pa ra

os papéis de esposa, mãe e ama. Esse pens amen to ajudou a estabe-

189

 

lecer uma nova tradição em que as mulheres pareciam predestina

das a se realizar dentro dos limites da domesticidade ou de uma

esfera feminina separada. 11

  No seu influente tratado A sujeição das mulheres (1869), o

filósofo inglês John Stuart Mili questionou a própria existência

dessas diferenças biológicas Insistia que não p ode mo s saber com o

tinham sido restr ingidos provava apenas que o hábito e o costume

exerciam grande poder, e nã o que tais restr ições fossem autorizadas

  pela razão. Da mesma forma, para os abolicionistas a escravidão

não demonstrava a inferioridade dos afr icanos negros: revelava

mera men te a ganânc ia dos esc ravagis tas e cul t ivadores brancos .

Assim, aqueles que rejeitavam a ideia de direitos iguais para os

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dessas diferenças biológicas. Insistia que não p ode mo s saber com o

os hom ens e as mulh eres diferem quanto à sua natureza , por que só

os vemos no s seus papéis sociais correntes. "O que agora se chama

a na tureza das mulheres" , a rgumentava , "é a lgo eminentementeartif icial ." Mill l i gava a reforma do status das mulheres ao pro

gresso social e econômic o global. A subo rdin ação legal das mul he

res, af irmava, "é errada em si mesma" e "deve ser substituída por 

um pr inc ípio de per fe i ta igua ldade , não adm i t indo nen hu m poder  

ou privilégio num dos lados nem incapacidade no outro". Não foi

necessário nenhum equivalente das l igas ou partidos antissemíti-

cos, entretanto, para manter a força do argumento biológico. Em

1908, num caso legal perante a Suprem a Corte dos Estados Unid os

que criou jurisprudência, o juiz Louis Brandéis usou os mesmos

velhos argumentos ao explicar por que o sexo podia ser uma baselegal para classificação. A "organização física da mulher", as suas

funções maternais, a cr iação dos f ilhos e a manutenção do lar a

colocavam numa categoria diferente e separada. O "feminismo" se

tornara um termo de uso comum na década de 1890, e a resistên

c ia às suas demandas e ra f e roz . As mulheres só consegui ram o

direito de votar na Austrália em 1902, nos Estados Unidos em

1920, na Grã-Bret anha em 1928 e na França em 1944. 12

À semelhança do sexismo, o racism o e o antisse mitis mo assu

miram novas formas depois da Revolução Francesa. Os proposito-

res dos direitos do homem, embora ainda nutr issem muitos este

reótipos negativos so bre os judeus e os negros, já não aceitavam a

exis tênc ia do preconce i to como base suf ic iente pa ra um argu

mento. O fa to de que os di r e i tos dos judeus na França sempre

190

, q q j g p

  judeus ou negros necessitavam de uma doutr ina — um caso con

vincentemente arrazoado — para apoiar a sua posição, especial

men te depois que os judeus tin ham ga nhad o direitos e a escravidãofora abol ida nas colônias britâ nica s e francesas, em 1833 e 1848, res

  pectivamente. Ao longo do século xix, os opositores dos direitos

 para os judeus e os negros recorreram cada vez mais à ciência, ou ao

que passava por ciência, para enco ntrar essa doutr in a.

Pode-se remontar a ciência da raça ao f im do século xvin e

aos esforços para classificar os povos d o mu nd o. Dois f ios tecidos

no século xvin entrelaçaram-se no xix: primeiro, o argumento de

que a his tór ia t inha vis to um desenvolvimento sucess ivo dos

  povos rumo à civilização e de que os brancos eram os mais avan

çados do gru po; e segu ndo, a ideia de que as caracter ísticas permanentes he rdadas dividiam as pessoas de acordo com a r aça . O

rac ismo, como uma do ut r in a s i s temát ica , dependia da conjunção

dos dois . Os pensadores do século xvm pressup unha m que todos

os povos acabariam por alcançar a civilização, enquanto os teóri

cos raciais do século xix acreditavam que somente certas raças o

fariam, por causa de suas inerentes qualidades biológicas. É pos

sível encontrar elementos dessa conjunção em cientistas do início

do século xix, como o naturalista francês Georges Cuvier , que

escreveu em 1817 que "ce r tas causas in t r ínsecas" impediam o

desenvolvimento das raças negra e mongólica. Somente depois dametade do século, entretanto, é que essas ideias aparecem na sua

forma plenamente a r t iculada . 13 (

O epítome do gênero pode ser encontrado no Essai sur Viné-

191

 

  galité des races humaines (1853-5) , de Ar thur Gobineau. Usando

uma misce lânea de a rgumentos der ivados da a rqueologia , da

etnologia, da l inguística e da historia, o diplomata e homem de

letras francês argumentava que uma hierarquia das raças funda

mentada na biologia de te rminava a his tor ia da humanidade . Na

 parte inferior f icavam as raças de pele escura, animalistas, ininte-

meio da influência de Chamb erlai n, os ar ianos de Gob inea u se tor

naram um elemento central da ideologia racial de Hitler . 15

Gobineau deu um molde secula r e aparentemente s i s temá

tico a ideias já em circulação em grande parte do mundo ociden

ta l . Em 1850, por exemplo, o ana tomis ta escocês Rober t Knox

 publ icou The Races ofMen, em que argumentava que "a raça, ou a

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lectuais e intensamente sensuais; logo acima na escala vinham os

amarelo s, apáticos e medío cres mas práticos; e no top o estavam os

  povos brancos, perseverantes, intelectualmente enérgicos e aventurosos , que equi l ibravam "um ext raordinár io ins t into para a

ordem" com "um pronunc iado gosto pe la l ibe rdade" . Dent ro da

raça branca , o r amo a r iano re inava supremo. "Tudo o que é

grande, nobre e proveitoso nas obras do homem sobre esta terra,

na ciência, na ar te e na civilização" deriva dos ar ianos, concluía

Gobineau. Migrando de seu lar inicial na Asia Central, os ar ianos

tinham propiciado a estirpe original para as civilizações indiana,

egípcia, chinesa, roma na, europ eia e até, por meio da colonização,

as tecae inca . 1 4

A miscigenação explicava tanto a ascensão como a queda decivilizações, segundo Gobineau. "A questão étnica domina todos

os outro s probl emas da histo ria e detém a sua chave", escreveu. Ao

contrário de alguns de seus futuros seguidores, entretanto, Gobi

neau achava que os ar iano s já t inha m perdid o a sua força por meio

de casamento s entre grupos étnicos diferentes e que, ainda que isso

o desgostasse , o igua l i ta r i smo e a democrac ia acabar iam t r iun

fando, o que assinalar ia o f im da própria civilização. Embora as

noções fantas iosas de Gobineau recebessem pouco impulso na

França, o imperador Guilherme i da Alemanha (que governou de

1861 a 1888) considerou-as tão apropriadas que conferiu cidadania honorária ao francês. Elas também foram adotadas pelo com

 positor alemão Rich ard Wagner e depois pelo genro de Wagner, o

escritor inglês e germanófilo Houston Stewart Chamberlain. Por 

192

p f , q g q ç ,

descendência hereditár ia, é tudo: ela carimba o homem". No ano

seguinte, o chefe do sindicato dos compositores t ipográficos da

Phi lade lphia , John Campbel l , apresentou o seu Negro Mania,  Beingan Examination ofthe Falsely Assumed Equality ofthe Races

ofMankind. O racismo não estava limitado ao sul dos Estados Uni

dos. Cam pbell citava Cuvier e Knox, entre outr os, para insistir na

selvageria e barbárie dos negros e para argumentar contra qual

quer possibilidade de igualdade entre brancos e negros. Como o

  próprio Gobineau tinha cr it icado o tratamento dos escravos afr i

canos nos Estados Unidos, os seus tradutores americanos tiveram

de eliminar esses trechos para tornar a obra mais palatável aos

sulistas pró-escravidão quando ela foi publicada em inglês, em

1856. Assim, a perspectiva da abolição da escravatura (que só seoficializou nos Estados Unidos em 1865) só intensif icou o inte

resse pela ciência racial. 16

Como demonst ram os t í tu los das obras de Gobineau e

Campbel l , a ca rac te r í s t ica comum em grande par te do pensa

men to racista era um a reação visceral contr a a noção de igualdade.

Gobineau confessou a Tocqueville o asco que lhe provocavam "os

macacões sujos [ trabalhadores]" que tinham participado da revo

lução de 1848 na França. De sua parte, Campb ell sentia repu gnân

cia a parti lhar um a plataforma polít ica com hom ens de cor . O que

antes havia definido uma rejeição ar istocrática da sociedade mo

derna — ter de se misturar com as camadas inferiores — assumia

agora um signif icado racial. O advento da polít ica de massa na

última metade do século xix pode ter corroído aos poucos o senso

193

 

de diferença de classe (ou criado a ilusão de que o desgastava), mas

não e l iminou completamente a d i ferença , que se deslocou do

registr o de classe para o de raça e sexo. O estabel ecime nto do sufrá

gio universal masculino com binava com a abolição da escravatura

e o início da imigração em massa para tornar a igualdade muito

mais concreta e ameaçadora. 17

 justificar o imperialismo. Em 1861, o explorad or britânico Richard

Burton adotou um discurso que logo se tornaria padrão. O afri

cano, dizia, "possui em grande m edid a as piores características dos

tipos orientais inferiores — estagnação da mente, indolência do

corpo, deficiência moral, superstição e paixão infantil". Depois da

década de 1870, essas atitudes descobriram um público de massa

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O imperialismo agravou ainda mais esses desenvolvimentos.

Ao mesmo tempo em que aboliam a escravidão nas suas colônias

de exploração, as potências europeias este ndiam o seu domíni o naÁfrica e na Ásia. Os franceses invad iram a Argélia em 1830 e termi

naram por incorporá-la à França. Os britânicos anexaram Cinga-

  pura em 1819 e a Nova Zelândia em 1840, além de aumentar 

implacavelmente o seu controle sobre a índia. Em 1914, a África

tinha sido dividida entre a França, a Grã-Bre tanha, a Alemanha, a

Itália, a Bélgica, a Espanha e Portugal. Quase nenhum estado afri

cano saiu ileso. Embora em alguns casos o governo estrangeiro

tivesse na verdade tornado os países mais "atrasados", ao destruir 

as indústrias locais em favor das importaçõe s do centro imperial,

os europeu s em geral tiraram apenas u ma lição de suas conquistas:eles tin ham o direito — e o de ve r— de "civilizar" os lugares bárba

ros e mais atrasados que governavam .

  Nem todos os defensores dessas aventuras imperiais promo

viam o racis mo explícito. John Stuart Mill, que trabalhou por mu i

tos anos para a Com panh ia Britânica das índias Orientai s, a admi

nistradora efetiva do governo britânico na índia até 1858, rejeitava

as explicações biológicas da diferença. Ainda assim, até ele acredi

tava que os estados principescos da índia eram "selvagens", com

"pouca ou nenhuma lei" e vivendo numa condição "muito pouco

acima do mais elevado dos animais". Apesar de Mill, o imperia

lismo euro peu e a ciência racial desenvolveram uma relação sim

 biótica: o imperial ismo das "raças conquist adoras" torna va as afir

mações raciais mais verossímeis, e a ciência racial ajudava a

194

em novos jo rnais de produção bara ta , semanár ios i lust rados e

exposições etnográficas. Mesmo na Argélia, considerada parte da

França após 1848, os nativos só ganha ram direitos depois de muitotemp o. Em 1865 um decreto do governo declaro u-os súditos, e não

cidadãos, enquanto em 1870 o Estado francês tornou os judeus

argel inos c idadãos natura l izados. Os homens muçulmanos só

ganharam direitos políticos iguais em 1947. A "missão civiliza

dora" não era um projeto de curto prazo. 18

Gobineau não havia considerado os judeus um caso especial

na sua elaboração da ciência racial, mas os seus seguidores sim. Em

se u Foundations ofthe Nineteenth Century, publicado na Alema

nha em 1899, Houston Stewart Chamberlain combinava as ideias

de Gobineau sobre raça e o misticismo alemão a respeito do Volk com um ataque acrimonioso contra os judeus, "esse povo estran

geiro" que escr avizou "os nossos gover nos, a nossa lei, a nossa ciên

cia, o nosso comércio, a nossa literatura, a nossa arte". Chamber

lain apresentava apenas um novo argumento, mas ele teve uma

influência direta sobre Hitler: entre todos os povos, apenas os aria

nos e os judeus tin ham ma nti do a sua pureza racial, o que signifi

cava que agora eles deviam lutar um contra o outro até a morte. Em

outros aspectos, Chamberlain amontoou uma variedade de ideias

cada vez mais comuns . 19 í 

Embo ra o antissemitis mo mode rno se baseasse nos estereóti

  pos cristãos negativos sobre os judeus que já circulavam havia

séculos, a doutrin a assumiu novas características depois da década

de 1870. Ao contrário dos negros, os judeus já não representavam

195

 

um estágio inferior do desenvolvimento histórico, como haviam

representa do, por exemp lo, no século xviii . Em vez disso, eles sig

ni f icavam as ameaças da própr ia modernidade : o mate r ia l i smo

excessivo, a eman cipaç ão e a partici pação polít ica de gru pos m in o

ritár ios e o cosmopolitismo "degenerado" e "desarraigado" da vida

urbana . As ca r ica turas nos jorna is pintavam os judeus como

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F I G U R A 11. A Revolução Francesa: antes ehoje. Caran d'Ache em Psst...!, 1898 .

Caran d'Ache era o pseudônimo de Emmanuel Poiré, um cartunista político francês que publicou caricaturas antissemitas durante o caso Drey-fus na França. Esta caricatura brinca com uma imagem comum da Revolução Francesa de 178 9, mostran do o camponês oprimido po r um nobre

(porque os nobres eram isentos de alguns impostos). Nos tempos modernos, o camponês tem de carregar ainda mais fardos: sobre seus ombrosestão um político republicano, um maçom e, no topo, um financista

 judeu. Caran d'Ache também publicou várias imagens ridicularizandoZola. De Psst...!, n a 3 7, 1 5 de outubro de 1898.

gananciosos, f ingidos e devassos; os jornalistas e os panfletistas

escreviam sobre o controle judaico do capital mundial e sua mani

  pulação conspi ra tór ia dos par t idos par lamenta res ( f igura 11) .Uma caricatura americana de 1894, menos malévola do que mui

tas de suas congêneres europe ias , most ra os cont inen tes do mu nd o

rodeados pelos tentáculos de um polvo colocado no lugar das i lhas

 britânicas. O polvo traz a etiqueta ROTSCHILD, em referência à rica

e poderosa família judaica. Esses esforços modernos de difamação

ganharam força com Os protocolos dos sábios de Sião, um docu

mento fraudulento que tinha o propósito de revelar uma conspi

ração juda ica para monta r um supergoverno que cont rola r ia o

mundo inte i ro . Publ icado pr imei ramente na Rússia em 1903 e

desmascarado como uma fa ls i f icação em 1921, Os protocolosforam mesmo assim repetidamente reimpressos pelos nazistas na

Alemanha, sendo até os nossos dias ensinados como fato nas esco

las de alguns países árabes. Assim, o novo antissemitismo combi

nava e lementos t r adic iona is e modernos: os judeus deviam se r  

excluídos dos direitos e até expulsos da nação porque eram dema

siado diferentes e demasiado poderosos.

S O C I A L I S M O E C O M U N I S M O

O nacionalismo não foi o único movimento de massas a sur

gir no século xix. A semelhança do naci onalis mo, o socialism o e o

comunismo se formaram numa reação explícita a l imitações visí-

197

 

ve is dos di r e i tos individua is const i tuc iona lmente es t ruturados .

Enquanto os primeiros nacionalistas queriam direitos para todos

os povos, e não apenas para aqueles com estados já estabelecidos,

os socialistas e os comunista s que riam assegurar qu e as classes bai

xas t ivessem igualdade social e econômica, e não apenas direitos

  pol í t icos igua is . Ent re tanto, mesmo quando chamavam a tenção

disso, os pioneiros socialistas montaram fábricas-modelo, coope

ra t ivas de produtores e de consumidores e comunidades exper i

menta is pa ra supera r o conf l i to e a a l ienação ent re os grupos

sociais. Que riam capacitar os trabalhad ores e os pob res a t irar pro

veito da nova ord em indus tr ial , "socializar" a ind ústr i a e substitu ir  

a competição pela cooperação.

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  para direitos que tinham sido defraudados pelos propositores dos

direitos do hom em , as organizações socialistas e comu nista s rebai

xavam inevi tave lmente a impor tânc ia dos di r e i tos como umameta. A própria visão de Marx era bem delineada: a emancipação

 polít ica pod ia ser alcançada por meio da igualdade legal dentro da

soc iedade burguesa , mas a ve rdade i ra emanc ipação humana

requeria a destruição da sociedade burgue sa e suas proteções cons

ti tucionai s da propried ade privada . Ainda assim, os socialistas e os

comunis tas propu seram duas questões duradoura s sobre os di r e i

tos. Os direitos políticos eram suficientes? E o direito individual à

  proteção da propriedade privada podia coexistir com a necessi

dade de a soc iedade fomenta r o bem-esta r de seus membros

menos a for tunados?Assim como o nacionalismo tinha passado por duas fases no

século xix, indo do entusiasmo inicial sobre a autodeterminação a

um protecionismo mais defensivo sobre a identidade étnica, tam

  bém o socialismo evoluiu com o tempo. Passou de uma primeira

ênfase em reconstruir a sociedade por meios pacíf icos, mas não

 polít icos, a um a divisão entre aqueles a favor da polít ica parlam en

tar e aqueles pela derru bada violenta dos governo s. Dur ant e a pri

meira metade do século xix, quando os sindicatos eram ilegais na

maioria dos países e os trabalhadores não tinham direito ao voto,

os socialistas se concentraram em revolucionar as novas relações

sociais cr iadas pela industr ialização. Não podiam esperar ganhar 

as eleições quando os trabalhadores não podiam votar , o que con

tinuou a ser verdade até pelo menos a década de 1870. Em vez

198

Muitos desses primeiros socialistas parti lhavam uma descon

fiança em relação aos "direitos do homem". O principal socialista

francês das décadas de 1820 e 1830, Charles Fourier , argum enta vaque as constituições e o discurso dos direitos inalienáveis eram

uma hipocrisia. O que poderiam signif icar os "direitos imprescri

t íveis do cidadão", qu an do o indi gente "não tem nem a liberda de de

trabalhar" nem a autoridade de exigir emprego? O direito de tra

  balhar suplantava todos os outros direitos, na sua opinião. Como

Fourier , muitos do s primei ros socialistas citavam o ato de não con

ceder direitos às mulheres um sinal da bancarrota das doutr inas

anteriores de direitos. As mulheres poderiam atingir a l ibertação

sem a abolição da propriedade privada e dos códigos legais que

sustentavam o pa t r ia rcado?20

Dois fatores alteraram a trajetória do socialismo na segunda

met ade do século xix: o adven to do sufrágio universal mascul ino e

o surgimen to do com unis mo (o te rmo "comunis ta" apareceu pe la

 primei ra vez em 1840). Os socialistas eos comuni stas entã o se divi

diram entre os que visavam estabelecer um movimento polít ico

 parlamentar , com partidos e campanhas para os cargos públicos, e

aqueles, como os bolcheviques na Rússia, que insistiam que ape

nas a ditadura do proletar iado e a revolução total transformariam

as condições sociais. Os primeiros acreditavam que o estabeleci

mento gradual do voto para todos os homens abria a perspectiva

de que os trabalhadores poderiam atingir os seus objetivos dentro

da pol í t ica pa r lamenta r . O Par t ido Traba lhis ta br i tânico, por  

exemplo , foi formado em 1900 a partir de um a variedade de sindi-

19 9

 

catos, partidos e clubes preexistentes para promover os interesses

e a eleição de trabalh adores . Por outr o lado, a Revolução Russa de

1917 encora jou os comunis tas em toda par te a ac redi ta r que a

trans forma ção social e econôm ica total estava prestes a se realizar  

e que a partici pação na polít ica parlam enta r só desperdiçava ener

gias necessárias para out ros t ipos de luta.

de possuir propriedade quando o necessário era se l ivrar da pro

  priedade; incluíam o direito de negociar quando o necessário era

se l ivra r dos negóc ios . Marx não gostava par t icula rmente da

ênfase pol í t ica nos di r e i tos do homem. Os di r e i tos pol í t icos

diziam respeito aos meios, pensava ele, e não aos f ins. "O homem

  polít ico" era "abstrato, ar tif icial", não "autêntico". O homem só

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Como era de se esperar , os dois ramos também difer iam na

sua visão dos direitos. Os socialistas e comu nista s que adot avam o

  processo polít ico também patrocinavam a causa dos direitos. Umdos fundadores do Partido Socialista francês, Jean Jaurès, argu

mentava que um Estado socialista "só retém a sua legitimidade

enq uan to assegura os direitos individuais". Ele apoiava Dreyfus, o

sufrágio universal masculino e a separação da Igreja e do Estado,

em suma, di r e i tos pol í t icos igua is pa ra todos os homens, bem

como a melhora da vida dos trabalhadores. Jaurès considerava a

Dec la ração dos Dire i tos do Hom em e do Cidadão um docum ento

de importância universal. Os do outro lado seguiam Marx mais de

 perto ao argum entar , co mo fazia um socialista francês opositor de

Jaurès, que o Estado burguês só podia ser"um instrumento de con

servadorismo e opressão social". 21

O próprio Karl Marx só havia discutido os direitos do ho

mem com a lguma minúc ia na sua juventude . No seu ensa io

"Sobre a ques tão judaica", publicad o em 1843, cinco an os antes do

Manifesto comunista, Marx condenava os própr ios fundamentos

da Dec la ração dos Dire i tos do Homem e do Cidadão. "Nenhum

dos supostos di r e i tos do homem", que ixava- se , "va i a lém do

homem egoísta." A assim chamada liberdade só dizia respeito ao

homem como um ser isolado, não como parte de uma classe ou

comunidade . O di re i to de propr iedade só garant ia o di r e i to de

  buscar o interesse próprio sem considerar os outros. Os direitos

do homem garant iam a l ibe rdade de r e l igião quando a necess i

dade dos homens era se l ivrar da religião; confirmavam o direito

200

  podia r ecupera r a sua autent ic idade r econhecen do que a eman c i

  pação humana não podia ser alcançada por meio da polít ica: ela

requeria uma revolução focalizada nas relações sociais e na abolição da propr iedade pr ivada . 22

Essas visões e poster iores variações a seu respeito exerceram

i n f l uê nc i a no mov i me n t o s oc i a l i s t a e c omun i s t a po r mu i t a s

ge r a ç õ e s . O s bo l c he v i que s p r oc l a ma r a m uma D e c l a r a ç ã o dos

Direitos do Povo Trabalhador e Explorado em 1918, mas ela não

inc luía nem um único di r e i to pol í t ico ou lega l . A sua meta e ra

" a bo l i r t oda a e xp l o r a ç ã o do home m pe l o home m, e l i mi na r  

comple tamente a divisão da soc iedade em c lasses , e smagar im

  placavelmente a resistência dos exploradores [e] estabelecer uma

organização soc ia l i s ta da soc iedade" . O própr io Lênin c i tavaMarx ao a rgumenta r cont ra qua lquer ênfase nos di r e i tos indivi

dua is . A noção de um di re i to igua l , a f i rmava Lênin, é em s i

mesma uma violação da igua ldade e uma injus t iça , porque es tá

 baseada na"le iburguesa" . Os ass im chamados di r e i tos igua is pro

tegem a propr iedade pr ivada e por tanto perpe tuam a exploração

dos t r aba lhadores . Joseph Stá l in proc lamou uma nova Const i

tuição em 1936 que afirmava garantir a l iberdade de expressão,

de imprensa e de religião, mas o seu governo não hesitou em des

  pachar centenas de milhares de inimigos da classe, dissidentes e

a té colegas membros do par t ido para campos de pr i s ione i ros ouexecução imedia ta . 2 3

• o i

 

A S G U E R R A S M U N D I A I S E A B U S C A D E N O V A S S O L U Ç Õ E S

Ao mesmo tempo que os bolcheviques começavam a estabe

lecer a sua ditadura do proletar iado na Rússia, as baixas astronô

micas da Primeira Guerra Mundial incitavam os líderes dos Alia

dos, em breve vitoriosos, a encontrar um novo mecanismo para

fusão e a destruição deixaram milhões de refugiados no f inal da

guer ra , mui tos de les quase incapazes de imaginar um futuro e

vivendo em campos para pessoas desalojadas. Ainda outros foram

forçados a se reassentar por razões étnicas (2,5 milh ões de alemães,

 por exemplo, foram expulsos da Tcheco slováqu ia em 1946). Todas

as potências envolvidas na guerra atacaram civis num ou noutro

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assegurar a paz. Quando os bolcheviques assinaram um tratado de

  paz com os alemães em março de 1918, a Rússia t inha perdido

quase 2 milhões de homens. Quando a guerra terminou na frente

ocidental em nove mbr o de 1918, até 14 milhões de pessoas t inha m

morr ido, a maior ia de las soldados . Três quar tos dos homens

mobi lizados p ara lutar na Rússia e na França acabaram feridos ou

mortos. Em 1919, os diplomatas que redigiram os acordos de paz

fundaram uma Liga das Nações para manter a paz, supervisionar  

o desarmamento, arbitrar as disputas entre as nações e garantir os

direitos para as minorias nacionais, mulheres e cr ianças. A Liga

fracassou, apesar de alguns esforços nobres . O Senado do s Estados

Unidos se recusou a ratif icar a participação americana; no início

foi negado à Alemanha e à Rússia o ingresso no quadro dos asso

c iados; e , embora promovesse a autode te rminação na Europa , a

Liga administrou as antigas colônias alemãs e terr itór ios do agora

defunto Impér io Otomano por meio de um s is tema de "manda

tos", justif icados mais uma vez pelo maior progresso europeu em

relação aos out ros povos. Além disso, a Liga se mo stro u imp oten te

 para deter o surgime nto do fascismo n a I tália e do nazism o na Ale

manha e por tanto não conseguiu impedi r a de f lagração da

Segunda Guer ra Mundia l .

A Segunda Guerra Mundial estabeleceu uma nova referência

 para a barbárie co m os seus quase incompre ensíveis 60 milhõ es de

mor tos. Além do mais , a maioria dos mo rto s dessa vez era de civis,

e 6 milhões eram judeus mortos apenas por serem judeus. A con-

202

mom ent o; mas , quand o a guer ra te rminou, as r eve lações sobre a

esca la dos hor rores de l ibe radamente perpe t rados pe los a lemães

cho caram o públi co. As fotografias t iradas na libertação do s cam pos de extermínio nazistas mostravam as consequências estarrece-

doras do antissemitismo, que tinha sido justif icado pelo discurso

da supremacia racial ar iana e da purif icação nacional. Os julga

mentos de Nuremberg de 1945-6 não só chamaram a atenção do

grande públ ico para essas a t roc idades , mas também es tabe lece

ram o precedente de que os governantes, os funcionários e o pes

soal militar pod iam ser punido s por cr imes "cont ra a humanida de".

Mes mo antes do f im da guer ra , os Al i ado s—em par t icula r os

Estados Unid os, a União Soviética e a Grã-Bretan ha — deter mina

ram aperfeiçoar a Liga das Nações. Uma conferência realizada em

San Francisco na primav era de 1945 estabeleceu a estrut ura básica

 para um novo corp o intern acional , as Nações Unidas. Ele ter ia um

Conse lho de Segurança dominado pe las grandes potênc ias , uma

Assemble ia Gera l com de legados de todos os pa íses-membros e

um Secretar iado chefiado p or um secretár io-geral à guisa de Poder 

Executivo. O encont ro tamb ém providenc iou um a Cor te Inte rna

cional de Justiça em Haia, nos Países Baixos, para substituir uma

corte semel hante estabelecida pela Liga das Nações em 19 21. Cin

quenta e um países assinaram a Carta das Nações Unidas como

mem bros fundadores em 26 de junh o de 1945.

Apesar do surgimento das evidênc ias dos c r imes naz is tas

contr a os judeu s, os ciganos, os eslavos e outro s, os diploma tas que

se reun ira m em San Francisco tiveram de ser estimulados e incita-

203

 

dos a pôr os direitos humanos na agenda. Em 1944, tanto a Grã-

-Bretanha como a União Soviética haviam rejeitado propostas de

incluir os direitos humanos na Carta das Nações Unidas. A Grã-

-Bre tanha temia o encora jamento que ta l ação poder ia da r aos

movimentos de independência nas suas colônias, e a União Sovié

tica não quer ia nen hu ma interferência na sua esfera de influência,

Comissão dos Dire i tos Humanos, que dec idiu que sua pr imei ra

ta re fa devia se r o esboço de uma ca r ta dos di r e i tos humanos.

Como pres idente da comissão, Eleanor Rooseve l t desempenhou

um papel central ao conseguir que uma declaração fosse rascu

nha da e depois guiá-la pelo compl exo processo de aprovação. Joh n

Humphrey, um professor de direito de quarenta anos da Universi

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então em expansão. Além disso, os Estados Unidos tinham inicial

men te se opost o à sugestão da Chin a de que a carta deveria incluir  

uma afirmação sobre a igualdade de todas as raças.A pressão vinha de duas direções diferentes. Muitos estados

de tamanho pequeno e médio na América Latina e na Ásia pediam

insistentemente mais atenção aos direitos humanos, em parte por

que se ressentiam da dominação arrogante das grandes potências

sobre os procedimentos . Além disso, uma mul t id ão de organiza

ções religiosas, trabalhistas, femininas e cívicas, a maio ria baseada

nos Estados Unidos, tentava influenciar diretamente os delegados

da conferência. Apelos urgentes feitos face a face por representan

tes do Comitê Juda ico Amer icano, do Comitê Conjunto pe la

Liberdade Relig iosa, do Congresso das Organizações Industr iais(CIO) e da Associ ação Naci onal par a o Pro gres so das Pesso as de Co r 

(NAACP) ajudaram a mudar a visão de funcionários do Departa

ment o de Estado dos Estados Unidos , que concor daram em pôr os

direitos humanos na Carta das Nações Unidas. A União Soviética

e a Grã-Bretanha deram o seu consentimento porque a carta tam

  bém garantia que as Nações Unidas nunca intervir iam nos assun

tos internos de um país. 24

O compromisso com os di r e i tos humanos a inda não es tava

nem um pouco assegurado. A Carta das Nações Unidas de 1945

enfatizava as questões de segurança internacional e dedicava ape

nas a lgumas l inhas ao "respe i to e cumpr imento univer sa l dos

direitos humanos e das l iberdades fundamentais para todos, sem

distinção de raça, sexo, l íngua ou religião". Mas ela cr iava uma

204

dade McGill , no Canadá, preparou um rascunho preliminar . Esse

texto tinha de ser revisado po r toda a comissão, posto a circular por  

todos os Estados-membros, depois revisto pelo Conselho Social eEconômico e, se aprovado, enviado para a Assembleia Geral, na

qual devia ser primeiro considerado pelo Terceiro Comitê sobre

Assuntos Soc ia is , Humani tá r ios e Cul tura is . O Terce i ro Comitê

t inha de legados de todos os Estados-mem bros , e quando o r ascu

nho foi discutido a União Soviética propôs emendas para quase

todos os ar tigos. Oitenta e três reuniões (apenas do Terceiro

Com itê) e quase 170 emen das mais tarde, um rascunho foi sancio

nado para ser votado. Por f im, em 10 de dezembro de 1948, a

Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos

Humanos. Quarenta e oito países votaram a favor, oito países do  bloco soviético abstiveram-se e nenhum votou contra.25

Como seus predecessores do século xvin, a Declaração Uni

ver sa l expl icava num preâmbulo por que esse pronunc iamento

formal t inha se tornado necessário. "O desrespeito e o desprezo

  pelos direitos humanos têm resultado em atos bárbaros que ofen

deram a consciência da humanidade", af irmava. A variação em

relação à l inguagem da Declaração francesa original de 1789 é

revelado ra. Em 1789, os franceses t inham insistido que "a ignorân

cia, a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as

únicas causas dos males públicos e da corrupçã o governamental".

A "igno rânci a" e até a simple s "negligência" já não eram possíveis.

Em 1948 todos sabiam, presumivelmente, qual era o signif icado

dos dire itos hu ma no s. Além disso, a expressão "males públicos" de

20S

 

1789 não captava a magni t ude dos acontec imento s r ecentemente

exper imentados . O desrespe i to e o desprezo proposi ta i s pe los

d i r e i t o s huma nos t i nha m p r oduz i do a t o s de uma b r u t a l i da de

quase inimagináve l .

A Dec la ração Univer sa l não rea f i rmava s implesmente as

noções de direitos individuais do século xvni, tais como a igual

A Declaração Universal cr istalizou 150 anos de luta pelos

direitos. Dur ante to do o século xix e o início do xx, algumas socie

dades benevolentes t inham mant ido acesa a chama dos di r e i tos

hum ano s universa is , enquanto as nações se vol tavam para dent ro

de si mesmas . As principais organizações desse t ipo er am as socie

dades inspiradas pelos quakers, fundadas para combater o tráf ico

d idã A b i â i S i d d Ab li ã

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dade perante a lei, a liberdade de expressão, a liberdade de religião,

o direito de participar do governo, a proteção da propriedade pri

vada e a rejeição da tort ura e da punição cruel. Ela tam bém proibia

express amente a escravidão e providenciava o sufrágio universal e

igual por votação secreta. Além disso, requeria a l iberdad e de ir e

vir , o direito a uma nacionalidade, o direito de casar e, com mais

controvérsia, o direito à segurança social; o direito de trabalhar ,

com pagamento igual para trabalho igual, tendo por base um salá

rio de subsistência; o direito ao descanso e ao lazer; e o direito à

educação, qu e devia ser grátis nos níveis elementares. Nu ma época

de endure cime nto das l inhas de conflito da Guerra Fria, a Declara

ção Universal expressava um conjunto de aspirações em vez de

uma realidade prontamente alcançável. Delineava um conjunto de

obr igações mora is pa ra a comunidade mundia l , mas não t inha

nen hum m ecanism o de imposição. Se t ivesse inc luído um meca

nismo para impor as obr igações mora is , nunca te r ia s ido apro

vada . Ent re tanto, apesa r de todas as suas def ic iênc ias , o docu

men to ter ia efeitos não de tod o diferentes daqueles caus ados pelos

seus predecessores do século xviil . Por mais de cinqu enta ano s ele

tem estabelecido o padrão para a discussão e ação internacionais

sobre os di r e itos human os.*

* Ver no Apêndice o tex to compl e to .

206

de escravos e a escravidão. A britânica Socied ade para a Abolição

do Tráfico de Escravos, criada em 1787, distribuía literatura e ima

gens abolicionistas e organizava grandes campanhas de petiçõesdir igidas ao Parlame nto. Os seus l íderes desenvolveram laços pró

ximos com os abolicionistas nos Estados Unidos, na França e no

Caribe. Qua ndo , em 1807, o Parlament o aprovo u um projeto de lei

 para acabar com a parti cipação br itânica no tráfico de escravos, os

abolicionistas deram um novo nome ao seu grupo, o de Sociedade

Ant iesc ravidão, e passa ram a organiza r grandes campanhas de

  petições para que o Parlamento abolisse a própria escravidão, o

que f inalmente aconteceu em 1833. A Sociedade Antiescravidão

Estrangeira e Britânica então tomou a batuta e promoveu agita

ções para o f im da escravidão em outros países, especialment e nosEstados Unidos .

Por sugestão dos abolicionistas americanos, a sociedade bri

tânica organizou uma convenção mundia l ant iesc ravidão em

Londres , em 1840, pa ra coord enar a lu ta in te rnac iona l cont ra a

escravidão. Apesar de os delegados terem se recusad o a permitir a

  participação formal de mulheres abolicionistas, assim ajudando a

 precipitar o mov ime nto sufragista das mulh eres, eles favoreceram

a causa internacional com o desenvolvimento de novos contatos

inte rnac iona is , informações sobre as condições dos esc ravos e

resoluções que denunciavam a escravidão "como um pecado con

tra Deus " e conden avam aquelas igrejas que a apoiav am, especial

mente no sul dos Estados Unidos. Embora fosse dominada pelos

  br i tânicos e amer icanos , a convenção "mundia l" es tabe leceu o

207

 

molde para futuras campanhas inte rnac iona is pe lo suf rágio das

mulh eres, pela proteção do trabal ho infantil , pelos direitos dos tra

  balhadores e uma legião de outras questões, algumas relacionadas

a direitos e outras não, como a abstêmia. 26

Du ran te as décadas de 1950 e 1960, a causa dos direitos hum a

nos inte rnac iona is assumiu uma posição de menor impor tânc ia

l ã à l t t i l i i d i d dê i A té i

 Nas décadas depois de 1948, formo u-se aos trancos e bar ran

cos um consenso internacional sobre a importância de se defender 

os direitos humanos. A Declaração Universal é mais o início do

  processo do que o seu apogeu. Em nenhum out ro lugar o pro

gresso dos direitos huma no s foi mais visível do que ent re os comu

nistas, que tinham resistido por tanto tempo a esse apelo. Desde o

i í i d dé d d 1970 tid i t d E O i

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em relação às lutas anticoloniais e de independência. Ao término

da Pr imei ra Guer ra Mundia l , o pres idente amer icano Woodrow

Wilson ins is t i r a notor iamente em que a paz duradoura devia seassentar sobre o princípio da autodeterminação nacional. "Todo

 povo", insistia ele, "tem o direito de escolher a soberania sob a qual

deverá viver." Tinha em mente os poloneses, os tchecos e os sérvios

  — não os afr icanos —, e ele e seus aliados concederam indepen

dência à Polônia, à Tchecoslováqu ia e à Iugoslávia po rqu e se con

sideravam no direito de dispor dos terr itór ios antes controlados

  pelas potências derrotadas. A Grã-Bretanha concordou em incluir  

a autode te rminação nac iona l na Car ta At lânt ica de 1941, que

expunha os pr inc ípios compar t i lhados pe los Estados Unidos e

  pela Grã-Bretanha para travar a guerra, mas Winston Churchillinsistiu que esse conceito se aplicava apenas à Europa, e não às

colônias da Grã-Bretanha. Os intelectuais afr icanos discordaram e

incorporaram a questão à sua crescente campanha pela indepen

dência. Embora as Nações Unidas t ivessem deixado de tomar uma

  posição forte sobre a descolonização nos seus primeiros anos, já

em 1952 haviam concordado em tornar a autode te rminação um a

  parte oficial do seu programa. A maioria dos estados afr icanos

recuperou a sua independência, pacif icamente ou pela força, na

década de 1960. Embora às vezes incorporassem nas suas consti

tuições os direitos enumerados, por exemplo, na Convenção Euro  peia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Funda

mentais de 1950, a garantia legal dos direitos foi frequentemente

vítima dos caprichos da polít ica internacional e inter tr ibal. 27

208

início da década de 1970, os partidos comunistas da Europa Oci

dental retornaram a uma posição muito semelhante à exposta por  

Jaurès na França na virada do século. Eles subs tituí ram "a ditadurado prole ta r iado" nas suas pla ta formas of ic ia i s pe lo avanço da

democrac ia e endossa ram expl ic i tamente os di r ei tos human os. No

final da década de 1980, o bloco soviético começou a se mover na

mesma direção. O secretár io-geral do Partido Comunista Mikhail

Gorba tchev propôs ao Congresso do Par t ido Com unis ta de 1988,

em Moscou, que a União Soviética fosse a partir daquela data um

Estad o sob o domín io da lei com "a máxim a proteção para os direi

tos e a l iberdade do indivíduo soviético". Naquele mesmo ano, foi

c r iado pe la pr imei ra vez um depar tamento de di r e i tos humanos

numa escola de direito soviética. Ocorrera certa convergência. ADeclaraçã o Universal de 1948 incluía direitos sociais e econômicos

  — o direito à segurança social, o direito ao trabalho, o direito à

educa ção, por exemplo —, e nos anos 1980 a maior ia dos partid os

socialistas e comun istas havia desistido de sua anterior hostil idade

aos direitos políticos e civis. 28

As organizações não governam entais (agora chamadas ONGS)

nunca desapareceram, mas ganharam mais influência internacio

nal a partir do início da década de 1980, em grande parte por causa

da difusão da própria globalização, ONGS com o Anistia Internacio

na l ( fundada em 1961) , Ant i -S lavery Inte rna t iona l (uma cont i

nuação da Sociedade Antiescravidão), Human Rights Watch (fun

dad a em 1978) e Médicos sem Fronteiras (fundad a em 1971), para

não falar em incontáveis grupos locais cujas atividades são desco-

209

 

nhecidas fora de suas regiões, providenciaram apoio fundamental

 para os direitos hu ma no s nas últimas décadas. Essas ONGS frequen

temente exerceram mais pressão sobre governos danosos e contr i

  buíram mais para sanar a fome, a doença e o tratamento brutal de

diss identes e minor ias do que as própr ias Nações Unidas , mas

quase todas elas basea ram os seus prog ramas no s direitos ar ticula

dos numa ou noutra parte da Declaração Universal 29

O S L I M I T E S D A E M P A T I A

O que devemos conc lui r do r essurgimento da tor tura e da

l impeza étnica , do emprego co nt inuad o do es tupro como a rma de

guerra, da opressão continuada das mulheres, do crescente tráf ico

sexual de cr ianças e mulhere s e das práticas subsisten tes da escra

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dos numa ou noutra parte da Declaração Universal.

Desnecessário dizer que ainda é mais fácil endossar os direitos

hum ano s do que os impor. O f luxo constante de conferências e convenções internacionais contra o genocídio, a escravidão, o uso da

tortura e o racismo e a favor da proteção das mulheres, crianças e

minorias mostra que os direitos humanos ainda precisam ser res

gatados. As Nações Unidas adotaram uma Convenção Suplemen

tar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das

Instituições e Práticas Análogas à Escravatura em 1956, porém

ainda assim estima-se que haja 27 milhões de escravos no mundo

hoje . Aprovaram a Convenção cont ra a Tor tura e Out ros Tra ta

ment os ou Penas Cruéis, Desu man os ou Degradantes em 1984 por

que a tortura não desapareceu, qu and o suas formas judiciais foramabolidas no século xvm. Em vez de ser empregada num cenário

legalmente sancion ado, a tor t ura passou aos quartos dos fundos da

 polícia e das forças militares secretas, e nem tão secretas, dos Esta

dos modernos. Os nazistas autorizaram explicitamente o uso do

"aperto " contra os comunistas, as testemu nhas de Jeová, os sabota-

dores, os terroristas, os dissidentes, os "elementos antisso ciais" e os

"vagabundos poloneses ou soviéticos". As categorias já não são exa

tam ent e as mesm as, mas a prát ica resiste. A África do Sul, os france

ses na Argélia, o Chile, a Grécia, a Argentina, o Iraque, os america

nos em Abu Ghr ai b— a lista jamais termin a. A esperança de acabar  com os "atos bárbaros" ainda não se torn ou realidade. 30

210

vidão? Os di r ei tos hum ano s nos desapont a ram por se most ra rem

inad equa dos para a sua tarefa? Um parad oxo en tre distância e pro

ximidade está em ação nos tempos modernos. Por um lado, a difu

são da capacidade de ler e escrever e o desenvol viment o de rom an

ces, jornais, rádio, f i lmes, televisão e internet tornaram possível

que mais e mais pessoas sintam em patia po r aqueles que vivem em

lugares distantes e em circunstâncias muito diferentes. Fotos de

crianças morrendo de fome em Bangladesh ou relatos de milhares

de homens e meninos assass inados em Srebrenica , na Bósnia ,

  podem mobilizar milhões de pessoas para que enviem dinheiro,

merca doria s e às vezes a si própria s com o ajuda ao povo de outros

lugares, ou para que exo rtem seus governos ou organizações inter

nacionais a intervir . Por outro lado, relatos em primeira mão con

tam como vizinhos em Ruanda se matavam uns aos outros, com

furiosa brutalidade, por causa da etnicidade. Essa violência em

close está longe de ser excepcional ou recente: os judeus, os cristãos

e os muçulmanos tentam há mui to tempo expl ica r por que o

 bíblico Caim, f i lho de Adão e Eva, mato u seu irmão Abel. À medida

que se passam os anos depois das atrocidades nazistas, pesquisas

cuidadosas têm most rado que se res humanos comuns, sem ano

malias psicológicas ne m paixões polít icas ou religiosas, pod em ser  

induz idos , nas c i r cunstânc ias "cor re tas" , a empreender o quesabem ser assassinato em massa em combates corpo a corpo. Os

torturadores na Argélia, na Argentina e em Abu Ghraib também

começaram como soldados comuns. Os torturadores e os assassi-

211

 

nos são como nós e frequentemente infligem dor a pessoas que

estão bem diante deles. 31

Assim, embo ra as formas modernas de comunicação tenh am

expandido os meios de sentir empatia pelos outros, elas não têm

sido capazes de assegurar que os home ns ajam com base nesse sen

time nto de camara dagem . A ambivalência qua nto à força da empa

tia pode ser encontrada do século xvin em diante tendo sido

empatia moralmente mais ef icaz. Os cr ít icos daquela época e mui

tos cr ít icos atuais responderiam que um senso de dever religioso

mais elevad o precisa ser ativado para fazer a empatia funcionar . Na

opinião deles os humanos não podem vencer a sua propensão inte

r ior à apatia ou ao mal por conta pró pria. Um antigo pre sidente da

Amer ican Bar Assoc ia t ion [Ordem dos Advogados amer icana]

expressou essa opinião comum "Quando os seres humanos não

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t ia pode ser encontrada do século xvin em diante, tendo sido

expressa até por aqueles que empreenderam explicar a sua opera

ção. Na sua Teoria dos sentimentos morais, Adam Smith considera areação de "u m hom em hum anit ár io na Europa" ao ficar sabend o de

um terremoto na China que mata centenas de milhões de pessoas.

Ele dirá todas as coisas adequa das, prediz Smith, e continu ará com

as suas atividades como se nada tivesse acontecido. Se, em con

traste, soubesse que perderia o dedo m íni mo no dia seguinte, ele se

agitaria e viraria de um lado para o outro a noite inteira. Estaria dis

 posto a sacrificar as centenas de milhões de chineses em troca do seu

dedo m ínim o? Não, não estar ia, af irma Smith. Mas o que leva um a

 pessoa a resistir a essa barganha? "Não é a força maleável da huma

nidade", insiste Smith, que nos torna capazes de agir contra o interesse próprio. Tem de ser uma força mais forte, a da consciência: "É

a razão, o princípio, a consciência, o habitante do peito, o homem

interior, o grande juiz e árbitro da nossa conduta". 32

A própria l ista de Smith em 1759 — razão, princípio, cons

ciência, o homem inter ior — capta um elemento importante no

estado a tua l do deba te sobre empat ia . O que é suf ic ientemente

forte para nos motivar a agir com base em nosso sentimento de

camaradagem? A heterogeneidade da lista de Smith indica que ele

  própr io t inha a lgum problema para r esponder essa questão:

"razão" é sinônimo de "o habitante do peito"? Smith parecia acre

ditar , com o mui tos ativistas dos direitos hum an os hoje em dia, que

uma combinação de invocações aos princípios dos direitos e ape

los emociona is ao sent imento de camaradagem podem tornar a

212

expressou essa opinião comum. Quando os se res humanos não

são vistos como semelhantes a Deus", disse ele, "os seus direitos

  básicos podem muito bem perder a sua raison d'être metafísica."Sozinha, a ideia dos atr ibutos humanos comuns não é suficiente. 33

Adam Smith foca l iza uma questão quando há r ea lmente

duas. Smith considera que a empatia por aqueles distantes está na

mesma categoria dos sentimentos por aqueles que nos são próxi

mos, apesar de reconhecer que o que nos confronta diretamente é

muito mais motivador do que os problemas enfrentados por aque

les que estão distantes. As duas questões, portanto , são: o que pod e

nos mot ivar a agi r com base em nossos sent imentos pe los que

estão distantes, e o que faz o sentimento de camaradagem entrar  

num tal colapso que podemos torturar , aleijar ou até matar os quenos são mais próxim os? A distância e a proxim idade, os sentimen

tos positivos e os negativos, tudo tem de entra r na equação.

Da metade do século xvin em diante , e prec isamente por  

causa do surgimento de uma noção dos direitos humanos, essas

tensões se to rna ram cada vez mais mortíferas. Todos os que faziam

cam pan has c ontra a escravidão, a tor tu ra legal e o castigo cruel no

final do século xvin realçavam a crueldade nas suas narrativas

emociona lmente a r reba tadoras . Eles pre tendiam provocar a

repulsa, mas o despertar de sensações, por meio da leitura e da

visão de grav uras explícitas do sofr imento, ne m sempre podia ser  

cuidadosamente cana l izado. Da mesma forma , o romance que

susc i tava uma a tenção intensa para os sof r imentos de moças

comuns assumiu outras formas mais sinistras no f inal do século

213

 

XVIII. O romance gótico, exemplif icado por  The Monk  (1796), cie

Matthew Lewis, apresentava cenas de incesto, estupro, tor tura I

assassinato, e essas cenas sensacionalistas pareciam ser cada vez

mais a razão do exercício, em detr i men to do estudo do s sentimcn

tos inter iores ou resultados morais. O marquês de Sade fez o

romance gótico dar um passo além para se transformar numa por 

nografia explícita da dor redu zind o delibe radam ente a seu núcleo

nuamente a versão dos direitos humanos do século xviil , para se

assegurar que o "Humanos" na Declaração Universal dos Direitos

11 umanos e l imine todas as ambiguidades do "h om em" nos "di re i -

tos do homem". A casca ta de di r e i tos cont inua , embora sempre

com um gra nde conflito sobre com o ela deve f luir : o direito de uma

mulher a escolher   versus o direito de um feto a viver, o direito de

mor re r com dignidade versus o direito absoluto à vida, os direitos

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nografia explícita da dor, redu zind o delibe radam ente a seu núcleo

sexual as longas e dilatadas cenas de sedução de romances mais

ant igos , com o Clarissa, de Richardson. Sade visava revelar os signif icados ocultos dos romances anteriores: sexo, dominação, dor  I

 poder em vez de amor, empati a e benevolência. O "direito natu ral"

 para ele significava apenas o direito de ag arrar o máxi mo de pod er 

 possível e sentir prazer em brand i- lo sobre os ou tros. Nã o é mero

acaso que Sade tenha esc r i to quase todos os seus romances na

década de 1790, durante a Revolução Francesa. 34

Assim, a noção dos direitos humanos trouxe na sua esteira

toda uma sucessão de gêmeos malignos. A reivindicação de direi

tos universais, iguais e naturais estimulava o crescimen to de novas

e às vezes fanáticas ideologias da diferença. Alguns n ovos m odo s de

ganhar compreensão empát ica abr i r am o caminho para um sen

sacionalism o da violência. O esforço para expulsar a crueldade de

suas amarras legais, judiciais e religiosas tornava-a mais acessível

como u ma fe r ramenta diá r ia de dominaç ão e desumanização. Os

cr imes inte i r amente desumano s do século xx só se tornar am con

cebíveis quando todos puderam afirmar serem membros iguais da

família humana. O reconhecimento dessas dualidades é essencial

  pa ra o futuro dos di r e i tos humanos. A empat ia não se exaur iu ,

como a lguns têm af i rmado. Mais do que nunca , tornou-se uma

força mais poderosa para o bem. Mas o efeito compensatório de

violência, dor e dominação também é maior do que nunca. 3 5

Os di re i tos humanos são o único ba luar te que par t i lhamos

comumente contra esses males. Ainda devemos aperfeiçoar conti-

214

morre r com dignidade o direito absoluto à vida, os direitos

dos inválidos, os direitos dos homossexuais, os direitos das cr ian

ças , os di r e i tos dos animais — os a rgumentos não te rminaram,nem vão te rminar . Os que f ize ram campanhas pe los di r e i tos

humanos no século xvin podiam condenar os seus oposi tores

como tradicionalistas insensíveis, interessados apenas em manter  

uma ordem social baseada antes na desigualdade, na particulari

dade e no costume histórico do que na igualdade, na universali

dade e nos direitos naturais. Mas já não podemos nos dar ao luxo

de uma simples rejeição de visões mais antigas. Na outra ponta da

luta pelos direitos humanos, quando a crença neles se torna mais

difundida, temos de enfrentar o mundo que foi forjado por esse

esforço. Temos de imaginar o que fazer com os torturadores e osassassinos, como prevenir o seu surgimento no futuro sem deixar  

de reconhecer , o tempo todo, que eles são nós. Não podemos nem

tole rá -los nem desum anizá- los .

A estrutura dos direitos humanos, com seus órgãos interna

cionais, cortes internacionais e convenções internacionais, talvez

seja exasperadora na sua lentidão para reagir ou na sua repetida

incapacidade de atingir seus objetivos principais, mas não existe

nenhuma es t rutura mais adequada para conf ronta r essas ques

tões . As cor tes e as organizações govern amenta is , por m ais que

tenham alcance internacional, serão sempre freadas por conside

rações geopolít icas. A históri a dos direitos hum ano s most ra que os

direitos são afinal mais bem defendidos pelos sentimentos, con

vicções e ações de multidões de indivíduos, que exigem respostas

215

 

correspondentes ao seu senso íntimo de afronta. O pastor protes

tante Rabau t Sa int -Ét ienne já t inha compreen dido essa verdade

em 1787, quando escreveu ao governo francês para reclamar dos

defeitos do novo edito que oferecia tolerância religiosa aos protes

tantes. "Chegou a hora", disse ele, "em que não é mais aceitável que

uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade, que são

muito bem conhecidos em todo o mundo." As declarações — em

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ç

1776, 1789 e 1948 — providenciaram uma pedra de toque para

esses direitos da humanidade, recorrendo ao senso do que "não émais aceitável" e ajudand o, por sua vez, a torn ar as violações ainda

mais inadmissíveis . O processo tinh a e tem em si uma inegável cir

cularidade: conhecemos o signif icado dos direitos humanos por

que nos afligimos quando são violados. As verdades dos direitos

humanos talvez sejam paradoxais nesse sentido, mas apesar disso

ainda são autoevidentes.

216

A P Ê N D I C E

Três declarações

1776,1789,1948

 

Declaração da Independência, 1776

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  NO CONGRESSO, 4 de julho de 1776.

  A Declaração unânime dos treze Estados unidos da América. 

t ando sua fundação nesses pr inc ípios e organizando os seus

  poderes da forma que lhe pareça mais conveniente para a realiza

ção da sua Segurança e Felicidade. A prudência, de fato, dita que

os Governos es tabe lec idos há mui to tem po não devem se r muda

dos por causas super f ic ia i s e t r ans i tór ias ; e , a ss im sendo, toda

exper iênc ia tem most rado que a humanidade es tá mais disposta

a sofrer , enquanto os males são suportáveis, do que a se desagra

os Arquivos públicos, com o único propósito de fatigá-los até que

se submetessem a suas medida s .

Ele dissolveu as Câmaras de Representantes repetidas vezes,

 por se opore m com firmeza vir il a suas invasões dos d ireitos do po vo.

Ele recuso u por mu ito te mpo , depois dessas disso luções , fazer  

com que outros fossem eleitos; com isso, os poderes Legislativos,

incapazes de Aniqui lação, r e tornaram ao Povo em gera l pa ra

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var abol indo as formas a que es tá acostum ada . Mas quan do um a

longa sequênc ia de abusos e usurpações , pe r segu indo invar iave l mente o mesmo Objeto, revela o desígnio de reduzir o povo a um

Despot i smo absoluto , é seu di r e i to , é seu dever , de r rubar ta l

Governo, e providenc ia r novos Guardiães pa ra sua futura segu

rança. — Tal tem sido a tolerância paci ente destas C olôni as; e tal

é agora a necessidade que as força a alterar os Sistemas anter iores

de Governo. A história do presente Rei da Grã-Bretanha é uma

história de repetidas injúrias e usurpações, todas tendo por obje

tivo direto o estabelecimento de uma Tirania absoluta sobre estes

Estados . Para prová- lo , que os Fa tos se jam submet idos a um

mundo hone s t o .

Ele recusou Assentim ento a Leis, as mais salutares e necessá

r ias para o bem público.

Ele proibiu aos Governadores aprovar Le is de impor tânc ia

imediata e urgente, a menos que sua aplicação fosse suspensa até

que se obtivesse seu Assent iment o; e, quan do assim suspensas, dei

xou totalmente de lhes dar atenção.

Ele recusou aprovar outras Leis para acomodar grandes dis

tr i tos de pessoas, a menos que essas pessoas abrissem mão do

direito de Representação no Legislativo, um direito inestimável para elas e temível apenas para os t ira nos.

Ele convocou os corp os legislativos a se reun ir em lugares inu

sitados, desconfortáveis e distantes dos locais em que se guardam

220

s e r e m e xe r c i dos ; pe r ma ne c e ndo o Es t a do , ne s s e me i o - t e mpo ,

exposto a todos os pe r igos de invasão exte rna ou convulsãointe rna .

Ele se empenhou em impedi r o povoamento desses Estados ,

obs tru ind o para esse f im as Leis de Naturaliz ação de Estrangeiro s,

recusando aprovar outras que encorajassem as migrações para cá,

e impondo mais condições para novas Apropriações de Terras.

Ele dif icultou a Administração da Justiça, recusando Assenti

mento a Leis que estabeleciam poderes Judiciár ios.

Ele tornou os Juízes dependentes apenas da Vontade do sobe

ran o quan to à posse dos cargos e ao valor e pag ame nto do s salár ios.

Ele cr iou uma multidão de Novos Cargos, e para cá enviouenxames de Oficiais para atormentar o nosso povo e devorar- lhe

comple tamente a substânc ia .

Ele manteve entre nós, em tempos de paz, Exércitos Perma

nentes sem o Consentimento de nossos corpos legislativos.

Ele tentou tornar o poder Militar independente e superior ao

  poder Civil .

Ele combino u com out ro s pa ra nos submete r a uma jur i sdi

ção alheia à nossa Cons titui ção e não reco nhecid a pelas nossas leis;

dando Assentimento a seus Atos de pretensa legislação:

Para Aquartelar grandes corpos de tropas armadas entre nós;

Para protegê-las, por um arremedo de Julgamento, da puni

ção por quaisquer Assassinatos que viessem a cometer contra os

Habitantes destes Estados;

221

 

Para cor ta r o nosso Comérc io com todas as r egiões do

m u n d o ;

Para fixa r Impostos sem o nosso Consen t imento;

Para nos privar , em muitos casos, dos benefícios do Julga

mento pelo Júri;

Para nos t r anspor ta r a lém-Mar para se rmos julgados por  

  pretensos delitos;

cruéis índio s Selvagens, cuja conh ecida regra de guer ra é a destrui

ção de todos sem distinção de idade, sexo e condições.

Em toda e tapa dessas Opressões , Nós f izemos Pedidos de

Reparação nos termos mais humildes: Nossas repetidas Petições só

têm recebido como resposta repetidas injúrias. Um Príncipe cujo

caráter é assim marcado por todo ato que define um Tirano é ina

  propriado para ser o governante de um povo livre.

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Para abolir o Sistema livre de Leis Inglesas numa Província

vizinha, aí estabelecendo um governo Arbitrár io e ampliando-lheas fronteiras, a f im de torná-lo, ao mesmo tempo, um exemplo e

um i n s t r ume n t o a de qua do pa r a i n t r oduz i r o me s mo domí n i o

absoluto nestas Colônias;

Para nos toma r as nossas Cartas, abolin do as nossas Leis mais

va l iosas e a l te rando fundamenta lmente as Formas de nossos

Governos;

Para suspender os nossos Corpos Legislativos, declarando-se

investido do po der para legislar para nós em todo e qualq uer caso.

Ele abdicou do Go verno aqu i, ao nos declarar fora da sua pro

teção e travar Guerra contra nós.Ele saqueou os nossos mares , devastou as nossas Costas ,

incen diou as nossas cidades e destruiu a vida de nosso pov o.

Ele está, neste momento, transportando grandes Exércitos de

Mercenários estrangeiros para completar a obra de morte, desola

ção e t irania, já iniciada em circunstâncias de Cr uelda de & perfídia

quase sem paralelo nas eras mais bárbaras e totalmente indignas

do Chefe de uma nação civilizada.

Ele obrigou nossos concidadãos Aprisionados em alto-Mar a

 pegar em armas cont ra o própr io País deles, a se tornar os carras

cos de seus amigos e Irmãos, ou a tombarem eles próprios pelasMãos desses seus semelhantes.

Ele provocou insur re ições domést icas ent re nós , e empe

nhou-se em lançar sobre os habi tantes de nossas f ronte i r as os

222

Tamp ouco temo s s ido descor teses com nossos i rm ãos br i t tâ -nicos [sic]. De tempos em tempos, nós os temos aler tado sobre as

tentativas de seu legislativo no sentido de estender sobre nós uma

 jurisdição injustif icável. Temos lhes lem bra do as circuns tâncias de

nossa emigr ação e colonização. Temos ap elado à sua justiça e mag

nanimidade nativas, e temos rogado, pelos laços de nosso paren

tesco comum, que desautor izem essas usurpações que inte r rom

  per iam, inevi tave lmente , a s nossas l igações e cor respondênc ia .

Eles também têm sido surdos à voz da justiça e da consanguini

dade . Devemos, por tanto, admi t i r a necess idade , que denunc ia

nossa Separação, e considerá - los , a ss im como consideramos oresto da humanidade, Inimigos na Guerra, Amigos na Paz.

  Nós, por tanto, os Representantes dos Estados Unidos da

Amér ica , Reunidos em Congresso Gera l , ape lando ao Juiz Su

  premo do mundo pela retidão de nossas intenções, publicamos e

dec la ramos solenemente , em Nome e por Autor idade do bom

Povo destas Colôn ias, que estas Colônias Unida s são e por direito

deve m ser Estados Livres e Indepe nden tes; qu e elas estão Desobri

gadas de toda Vassalagem para co m a Coroa Britânica, e que tod o

víncu lo polít ico entre elas e o Estado da Grã-Breta nha é e deve ser  totalmente dissolvido; e que, como Estados Livres e Independen

tes, elas têm ple no Pod er para declarar Guerra, conclui r a Paz, con

t r a i r Al ianças , e s tabe lecer Comérc io e pra t ica r todos os out ros

223

 

Atos e Negócios que os Estados Independentes têm o direito de

fazer. E para apoiar esta Declaração, com uma firme confiança na

  proteção da Divina Providênc ia , empenhamos mutuamente as

nossas Vidas, as nossas Fortun as e a nossa sagrada Hon ra.

 Fonte: Paul Leicester Ford, ed., The Wr itings of Thomas Jeffer

 son, 10 vols. (Nova York: G. P. Putnam's Sons, 1892-9), vol. 2, pp.

Declaração dos Direitos do Homem e doCidadão, 1789

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42-58; <www.archives .gov/na t iona l -a rchives-exper ience /char -

te r s /dec la ra t ion_ t ranscr ipt .h tml> .

224

Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia

  Nac iona l e considerando que a ignorânc ia , a negl igênc ia ou o

men osp rezo dos direitos do hom em são as únicas causas dos males

  públ icos e da cor rupção governamenta l , r esolveram apresenta r  

numa declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem: para que es ta dec la ração, por es ta r constante

mente presente a todos os membros do corpo social, possa sempre

lembrar a todos os seus direitos e deveres; para que os atos dos

  poderes Legis la t ivo e Execut ivo, por es ta rem a todo momento

suje i tos a uma comparação com o obje t ivo de toda ins t i tu ição

  polít ica, possam ser mais plenamente respeitados; e para que as

demandas dos cidadãos, por estarem a partir de agora fundamen

tadas em princípio s simples e incontestáveis, poss am sempre visar  

a manter a Constituição e o bem-estar geral.

Em consequênc ia , a Assemble ia Nac iona l r econhece edeclara, na presença e sob os auspícios do Ser Supre mo, os seguin

tes direitos do homem e do cidadão:

1. Os home ns nas cem e perm anec em livres e iguais em direi -

225

 

tos . As dis t inções soc ia is só podem se r baseadas na ut i l idade

c o m u m .

2 . 0 objetivo de toda associação polít ica é a preservação dos

direitos naturais e imprescrit íveis do homem. Esses direitos são a

liberdade , a prop rieda de, a segurança e a resistência à opressão.

3 . O pr inc íp io de toda sober ania r es ide essenc ia lmente na

na ç ã o . N e nhum c o r po e ne nhum i nd i v í duo pode e xe r c e r uma

força de uma le i e s tabe lec ida e promulgada antes do tempo do

delito, e legalmente aplicada.

9 . Sendo todo ho me m considerado inocente a té se r dec la rado

culpado, se for considerado indispensáve l prendê- lo , todo r igor  

desnecessário para deter a sua pessoa deve ser severamente repri

mido pela lei .

10. Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo as

l i i d d i f t ã ã t b d

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autor idade que não em ane expressamente da nação.

4. A liberdade consiste em po der fazer tud o o qu e não preju dique o outro: assim, o exercício dos direitos naturais de cada

homem não tem outros l imites senão aqueles que asseguram aos

out ros membros da soc iedade o desf rute dos mesmos di re i tos .

Esses l imites só po dem ser dete rmin ados pela lei.

5. A lei só tem o direito de proibir aquelas ações que são pre

  judiciais à sociedade. Nenhum obstáculo deve ser interposto ao

que a lei não proíbe, nem pode alguém ser forçado a fazer o que a

lei não ordena.

6. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm

o direito de participar , em pessoa ou por meio de seus represe ntantes, na sua formação. Deve ser a mesma para todos, quer proteja,

quer penalize. Todos os cidadãos, sendo iguais a seus olhos, são

igualmente admissíveis a todas as dignidades, cargos e empregos

  públicos, segundo a sua capacidade e sem nenhuma outra distin

ção que não seja a de suas virtudes e talentos.

7 . Ne nh um ho me m pode ser indic iado , preso ou de t ido

exceto em casos determinados pela lei e segundo as formas que a

lei prescreve. Aqueles que solicitam, lavram, executam ou man

dam executar ordens arbitrár ias devem ser punidos; mas os cida

dãos intimados ou detidos por força da lei devem obedecer imediatamente, tornando-se culpados pela resistência.

8. Apenas puni ções estr i ta e obv iamen te necessárias pod em

ser estabelecidas pela lei , e ninguém pode ser punido senão por 

226

r e l igiosas , desde que sua mani fes tação não per turbe a ordem

  pública estabelecida pela lei.

11. A livre comuni cação de pensa mento s e opiniões é um dos

mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto,

falar, escrever e publicar livrem ente, se aceitar a respo nsabil idade p or 

qualquer abuso dessa liberdade nos termos estabelecidos pela lei.

12. A salvaguarda dos direitos do ho me m e do cidadão reque r 

um a força pública. Essa força é, port anto , insti tuíd a para o bem de

todos, e não para o benefício privado daqueles a quem é confiada.

13. Para a man ute nçã o da autorid ade pública e para as despe

sas da adminis t r ação, a t r ibutação comum é indispensáve l . Ela

deve ser dividida igualmente entre todos os cidadãos de acordocom sua capacidade de pagar .

14. Todos os ci dadãos tê m o direito de exigir , por si me smo s

ou por meio de seus representantes, que lhes seja demonstrada a

necessidade dos impostos públicos, de concordar l ivremente com

a sua existência, de aco mpa nha r o seu emprego e de determin ar os

meios de distr ibu ição, avaliação e arrecadação, bem como a dura

ção dos impostos .

15. A sociedade tem o direito de consid erar que todo agente

 público da adm inist ração deve prestar contas de seus atos.

16. Não possui Constituição a sociedade em que a garantiados di r e i tos não es te ja assegurada ou a separação dos poderes

estabelecida.

17. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado,

227

 

ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade

  públ ica lega lmente comprovada a r eque i ra indubi tave lmente e

sob condição de uma justa e prévia compensação.

  Fonte: La Constitution française, Présentée au Roi par 

l'Assemblée Nationale, le 3 septembre 1791 (Paris, 1791).

Declaração Universal dos Direitos Humanos ,1948

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228

PREÂMBULO

Visto que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

me mb ros da família hu ma na e de seus direitos iguais e inalienáveis

é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Visto que o desrespeito e o desprezo pelos direitos humanostêm resultado em atos bárbaros que ofenderam a consciência da

hum anid ade e que o advento de um mu nd o em que os seres hum a

nos te nh am liberdade de expressão e crença e a l iberdade de viver  

sem medo e privações foi proclamado como a aspiração mais ele

va da do home m c omum,

Visto que é essencial que os direitos huma nos sejam protegidos

  pelo estado de direito, para que o homem não seja compelido a

recorrer, em última instância, à rebelião co ntra a tirania e a opressão,

Visto que é essencial promover o desenvolvimento de rela

ções amistosas entre as nações,Visto que os povos das Nações Unidas reafirmaram , na Carta,

sua fé nos direitos hu ma no s fundame ntais, na dignidade e valor da

 pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e mulheres,

229

 

e que decidiram promover o progresso social e melhores padrões

de vida em maior l iberdade,

Vis to que os Estados-membro s se comp romet e ram a desen

volver , em coope ração co m as Nações Unidas , o respeito universal

aos di re i tos hum ano s e l ibe rdades fundamenta is e o cumpr im ento

desses direitos e l iberdades,

Visto que uma compreensão comum desses direitos e l iber

dades é da maior impor tânc ia para o pleno cumpr imento desse

independente , sob tute la , não autônomo ou com qua lquer out ra

limitação de soberania.

 Artigo 3 1 ' . Todo ser humano tem direito à vida, à l iberdade e à

segurança pessoal.

  Artigo 4". Ninguém deve ser mantido em escravidão ou servi

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dades é da maior impor tânc ia pa ra o pleno cumpr imento desse

c ompr omi s s o ,

 A ASSEMBLEIA GERAL proclama ESTA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS

DIREITOS HUMANOS como um ideal comum a ser alcançado por 

todos os povos e todas as nações, para que todo indivíduo e todo

órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, pro

cure , pe lo ens inamento e pe la educação, promover o r espe i to a

esses direitos e l iberdades e, por medidas progressivas de caráter  

nacional e internacional, assegurar o seu reconhecimento e cum

  primento universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios

Estados-membros como ent re os povos dos te r r i tór ios sob sua  jurisdição.

  Artigo 1".Todos os seres humanos nascem livres e iguais em

dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem

agir uns para com os outros num espír ito de fraternidade.

  Artigo 2'-. Todo ser humano pode fruir de todos os direitos e

liberdades apresentados nesta Declaração, sem distinção de qual

quer sorte, como raça, cor , sexo, l íngua, religião, opinião polít ica

ou de outra ordem, origem nacional ou social, bens, nascimentoou qualquer outro status. Além disso, nenhuma distinção deve ser  

feita com base no status polít ico, jur isdicio nal ou inte rnacio nal do

  país ou terr itór io a que uma pessoa pertence, seja ele terr itór io

230

dão: a escravidão e o tráf ico de escravos devem ser proibidos em

todas as suas formas.

 Artigo 5e. Ninguém deve ser submetido à tortura ou a um tra

tamento ou punição c rue l , desumano ou degradante .

  Artigo 6". Todo ser humano tem o direito de ser reconhecido,

  por toda parte, como uma pessoa perante a lei .

  Artigo 7\ Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem

qualquer distinção, a uma proteção igual da lei . Todos têm direito

a uma proteção igual contra qualquer discriminação que viole esta

Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

  Artigo 8". Todo ser humano tem direito a receber , dos tr ibu

nais nacionais competentes, uma reparação efetiva para atos que

violem os direitos fundam entai s a ele concedid os pela constituição

ou pela lei.

  Artigo 9". Ninguém deve ser submetido à prisão, à detenção

ou ao exílio arbitrár ios.

  Artigo 10.Todo ser humano tem direito, em total igualdade, a

uma audiência justa e pública, por parte de um tr ibunal indepen-

231

 

dente e impa rcial, para a determin ação de seus direitos e deveres e

de qualquer acusação criminal contra a sua pessoa.

  Artigo 11.(1) Todo se r humano acusado de um de l i to tem

direito à presunção de inocência até que seja provada a sua culpa

de acordo com a lei , num julgamento público em que lhe tenham

sido assegu radas todas as garant ias necessárias para a sua defesa.

(2) Ningu ém deve ser arbitrar iamente desti tuíd o de sua nacio

nalidade, nem lhe será nega do o direito de mu da r de nacionali dade.

  Artigo 16. (1) Os homens e mulheres adul tos , sem qua lquer  

restr ição de raça, nacio nalid ade ou religião, têm o direito de casar  

e fundar uma família, fazendo jus a direitos iguais em relação ao

casamento, durante o casamento e na sua dissolução.

(2) O casamento deve ser realizado somente com o livre e

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(2) Ninguém deve ser considerado culpado por qualquer ato

ou omissão que não constituía delito perante o direito nacional ou

internacional na época em que foi cometido. Tampouco deve ser  

impo sta um a pena mais pesada do que a aplicável na época em que

o delito foi cometido.

  Artigo 12. Ninguém deve ser sujeito a interferências arbitrá

r ias na sua privacidade, família, lar ou corres pond ência, n em a ata

ques à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à pro

teção da lei contra tais interferências ou ataques.

  Artigo 13. (1) Todo ser humano tem o direito à l iberdade de

locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

(2) Todo ser humano tem o direito de sair de qualquer país,

inclusive do seu próp rio, e de reto rnar ao seu país.

  Artigo 14.(1) Todo ser humano vítima de perseguição tem o

direito de procu rar e receber asilo em outros países.

(2) Este direito não p od e ser invoc ado no caso de um a perse

guição legi t imamente mot ivada por c r imes não pol í t icos ou por  

atos contrár ios aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

  Artigo 15.(1) Todo ser humano tem direito a uma nacionali

dade .

232

(2) O casamento deve ser realizado somente com o livre e

  pleno consentimento dos futuros cônjuges.(3) A família é a unidade de grupo natural e fundamental da

sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

  Artigo 17.(1) Todo se r humano tem di re i to à propr iedade , só

ou em sociedade com outros.

(2) Ninguém deve ser arbitrar iamente destituído de sua pro

 pr iedade .

  Artigo 18.Todo ser humano tem direito à l iberdade de pensa

mento, consciência e religião; este direito inclui a l iberdade demudar de religião ou crença, e a liberdade de manifestar a sua reli

gião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela obser vân

c ia , soz inho ou em comunidade com out ros , em públ ico ou em

 pr ivado.

  Artigo 19.Todo ser humano tem direito à l iberdade de opi

nião e expressão; este direito incl ui a l iberdade de ter opiniões sem

quaisquer interferências e de procurar , receber e transmitir infor

mações e ide ias por qua lquer meio de comuni cação e independe n

temente de fronteiras.

  Artigo 20.(1) Todo ser humano tem direito à l iberdade de reu

nião e associação pacíficas.

233

 

(2) Ning ué m pode ser obrig ado a pertencer a uma associação.

  Artigo 21.(1) Todo ser humano tem o direito de participar do

governo de seu país, diretamente ou por meio de representantes

livremente escolhidos.

(2) Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço

 público no seu país.

(3) A vontade do povo deve ser a base da autor idade do

 Artigo 24. Todo ser hum an o tem direito ao descans o e ao lazer,

inclusive a uma limitação razoável das horas de trab alho e a fér ias

  pe r iódicas r emuneradas .

  Artigo 25.(1) Todo ser humano tem direito a um padrão de vida

que lhe assegure, para si mesm o e para sua família, saúde e bem-e star,

incluindo alim entação, vestuário, habitação, cuidados m édicos e os

serviços sociais indispensáveis, bem como o direito à segurança em

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(3) A vontade do povo deve se r a base da autor idade do

governo; esta vontade deve ser expressa em eleições periódicas e

legí t imas , por suf rágio univer sa l e igua l , r ea l izadas por voto

secre to ou por procedimento equiva lente que assegure a l ibe r

dade de voto.

  Artigo 22. Todo se r humano, como membro da soc iedade ,

tem direito à segurança social e à realização, por meio de esforço

nacional e cooperação internacional e de acordo com a organiza

ção e os recursos de cada Estado, dos direitos econô micos , sociais

e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvi

mento da sua personalidade.

  Artigo 23.(1) Todo ser humano tem direito ao trabalho, à l ivre

escolha do emprego, a condições justas e satisfatórias de trabalho

e à proteção contra o desemprego.

(2) Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a

  pagamento igual para trabalho igual.

(3) Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remu

neração justa e satisfatória que assegure para si me sm o e para sua

família uma existência à altura da dignidade humana, suplemen

tada, se necessário, por outr os meios de proteç ão social.(4) Todo ser humano tem o direito de organizar sindicatos e

deles participar para a proteção de seus interesses.

234

caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou perda dos

meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

(2) A matern idad e e a infância têm direito a cuidados e assis

tência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do casa

mento, devem ter a mesma proteção social.

  Artigo 26.(1) Todo ser humano tem direito à educação. A edu

cação deve ser gratuita, ao menos nos estágios elementares e fun

dame ntais . A educação elem entar deve ser obrigató ria. A educação

técnica e profissional deve ser colocada à disposição de todos, e a

educação superior deve ser igualmente acessível a todos com base

no mér i to .

(2) A educação deve ser orientada para o pleno desenvolvi

mento da personalidade humana e para o fortalecimento do res

  pe i to pe los di r e i tos humanos e l ibe rdades fundamenta is . Deve

  promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as

nações e grup os raciais ou religiosos, e deve fomentar as atividades

das Nações Unidas para a manutenção da paz.

(3) Os pais têm o direito priori tár io de escolher o t ipo de edu

cação que será dado a seus filhos.

  Artigo 27. (1) Todo se r humano tem o di r e i to de par t ic ipa r  

l ivreme nte na vida cultural da comun idad e, apreciar as ar tes e par

ticipar do progresso científico e seus benefícios.

235

 

(2) Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses

morais e materiais que resultem de qualquer produção científ ica,

l i terár ia ou ar tística de sua autoria.

  Artigo 28. Todo ser humano tem direito a uma ordem social e

internacional em que os direitos e l iberdades estabelecidos nesta

Declaração possam ser plenamente realizados.

 Notas

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  Artigo 29.(1) Todo ser humano tem deveres para com a comunidade em que o livre e pleno desenvolvimento da sua persona

lidade é possível.

(2) No exercício de seus direitos e l iberdades, todo ser  

humano deve estar sujeito apenas às l imitações determinadas pela

lei exclusivamente com o propósito de assegurar o devido reco

nhecimento e respeito pelos direitos e l iberdades dos outros e de

satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do

  bem-estar geral de uma sociedade democrática.

(3) Estes direitos e l iberdades não podem ser exercidos, em

hipótese a lguma, cont ra os propósi tos e pr inc ípios das NaçõesUnidas .

  Artigo 30. Nada nes ta Dec la ração pode se r in te rpre tado de

maneira a implicar que qualquer Estado, grupo ou pessoa tem o

direito de se envolver em qualquer atividade ou executar qualquer  

ato destinado à destruição de qualquer um dos direitos e l iberda

des aqui estabelecidos.

 Fonte: Mary Ann Glendon, A World Made New: Eleanor Roo-

  seveltand the Univers al Declaration o fHuman Rights (Nova York:Random House , 2001) , pp. 310-4; < w w w . un . o r g / O ve r v i e w / -

r ights .html> .

236

I N T R O D U Ç Ã O [ P P . 13-33]

1. Julia n P. Boy d, ed., The Papers of Thomas Jefferson, 31 vols . (Pr ince ton:

Pr inc e ton Univers i ty Press , 1950- ) ,vol . 1 (176 0-66) , esp . p . 423, mas ver tam bém

  pp. 309-433.

2 . D. O. Tho mas , ed . , Political Writings/ Richard Price ( C a m b r i d g e / N o v aYork: Cambr idge Univers i ty Press , 1991 ) ,p . 195. Ci tação de Burke t i rada do pará

grafo 144, d isponíve l on- l ine em < w w w . b a r t l e b y . c o m / 2 4 / 3 / 6 . h t m l > : Reflections

on the French Revolution, vol. xxiv, part e 3 (No va York: P. F. Collier & Son, 1909-

-14; B a r t e b l y . c o m , 2001) . [Ed. bras i le i ra : Reflexões sobre a revolução em França,

t r a d . R e n a t o d e A s s u m p ç ã o F a r i a (B r a sí l i a: U N B , 1 9 9 7 ). ]

3 . Jacques Mar i t a in , um dos l íderes do Comi té da U N E S C O sobre as Bases

T e ó r i c a s d o s D i r e i t o s H u m a n o s , c i t a d o i n M a r y A n n G l e n d o n , A World Made

  New: Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration ofHuman Rights ( N o v a

York: Random House , 2001) , p . 77 . Sobre a Declaração Amer icana , ver Paul ine

Maier , American Scripture: Making the Declaration of Independence (Nova York:

Alf red A. Knopf , 1997) , pp . 236 -41.

4 . Sobre a d i ferença ent re a Declaração de Independência amer icana e aDeclara ção dos Dire i tos inglesa de 1689, ver Michael P . Zucker t , Natural Rights

and the New Republicanism (Pr ince ton: Pr ince ton Univers i ty Press , 1994) , esp .

  pp . 3-25 .

5. A citaçã o de Jefferson é tira da de Andr ew A. Lip sco mb e Albert F.. Bergh,

237

 

eds., The Writings of Thomas Jefferson, 20 vols. (Washington, D.C.: Thomas Jeffer

son Memor ial Association of the United States, 190 3-4), vol. 3, p. 421. Fui capaz

de seguir o uso dos termos por Jefferson graças ao site de suas citações, criado pela

  biblioteca da Universi dade de Virginia: <http://etext.lib.virginia.edu/jeffer-

son/quotations> . Há muito mais a ser feito sobre a questão dos termos dos direi

tos huma nos , e à medida que os bancos de dados on-line se exp andem e são refi

nados essa pesquisa se torna menos embaraçosa. "Direitos humanos" é usado

desde os primeiros anos do século xvni em inglês, mas a maioria das ocorrências

aparece frequentemente em conj unção com religião, como em "direitos divinos e

h " é "di i di i di i " "di i di i h " E úl i

Burlamaqui, que o usou no sumário de Principes du droit naturel par /. /. Burla-

maqui, Conseiller d'État, et ci-devant Professeur en droit naturel et civil à Genève

(Genebr a: Barrillot et fils, 1747), parte 1, cap. vu, seção 4 (" Fon deme nt génér al des

Droits de l'homme"). Aparece como "direitos do homem" na tradução inglesa de

  Nugent (Londres, 1748). Rousseau discute as ideias de Burlamaqui sobre o droit 

naturelem seu Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les hom

mes, 1755, Oeuvres complètes, ed. Bernard Gagnebin e Marcel Raymond, 5 vols.

(Paris: Gallimard, 1959-95) , vol. 3 ( 1966), p. 124. [Ed. brasileira: Discurso sobre a

origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, trad. Paulo Neves (Porto

Alegre: L & P M 2008) ] O relato sobre Manco é tirado de Mémoires secrets pour ser

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 119/142

hum ano s" ou até "direito divino divino" vs. "direito divino humano" . Este último

ocorre in Matthew Tindal, The Rights of the Christian Church Asserted, against the  Romish, and All Other Priests Who Claim an Independent Power over It (Londres,

1706), p. liv; o primeiro em, por exemplo, A Compleat History of the Whole Procee

dings of the Parliament of Great Britain against Dr. Henry Sacheverell  (Londres,

1710), pp. 84e87.

6. A ling uagem dos direitos hu man os é traçada muit o facilmente em francês

graças ao Project for American a nd Fren ch Research on the Treasury of the French

Language ( A R T F L ) , um banco de dados on- line de uns 2 mil textos franceses dos sécu

los X I I I ao X X . A R T F L inclui apenas uma seleção de textos escritos em francês, e favo

rece a literatura em detrimento de outras categorias. Encontra-se uma descrição do

recurso em <http://humanities.uchicago.edu/orgs/ARTFL/artfl .flyer.html>. Nico

las Lenglet-Dufresnoy, De l'usage des romans. Où l'on fait voir leur utilité et leurs dif

  férents caractères. Avec une bibliothèque des romans, accompagnée de remarques critiques sur leurs choix et leurs éditions (Ams terda m: Vve de Poilras, 1734; Geneb ra:

Slatkine Reprints, 1 970), p. 245. Voltaire, Essay sur l'histoire générale et sur les moeurs

et l 'esprit des nations, depuis Charlemagne jusqu'à nos jours (Genebra: Cramer,

1756), p. 292. Consultando Voltaire électronique, um C D - R O M pesquisável das obras

coligidas de Voltaire, encontrei droit humain usado sete vezes ( droits humains, no

  plural, nunca), quatro delas no Tratado sobre a tolerância e uma vez em três outr as

obras. Em A R T F L a expressão aparece uma vez in Louis-François Ramond, lettres de

W. Coxe à W. Melmoth (Paris: Belin, 1781), p. 95, mas no contexto significa lei

hu ma na em oposição à lei divina. A função de busca do Voltaire eletrôni co torn a

vir tualm ente impossível deter min ar com rapidez se Voltaire usou droits de l'homme

ou droits de l'humanité!em qualquer uma de suas obras (a busca só indica as milha

res de referências a droits e homme, por exemplo, na mesma obra, e não numa

expressão consecutiva, em contraste a A R T F L ) .

7. A R T F L dá a citação como sendo de Jacques-Bénigne Bossuet, Méditations

 sur l'Évangile ( 1704, Paris: Vrin, 1966), p. 484.

8. Rousseau pode ter tomado o ter mo "direitos do home m" de Jean-Jacques

238

Alegre: L & P M , 2008).] O relato sobre Manco é tirado de Mémoires secrets pour ser

vir à l'histoire de la République des lettres en France, depuis MDCCIXII jusqu'à nos

 jours, 36 vols. (Londres: J. Adamson, 1784-9), vol. 1, p. 230. As Mémoires secrets

cobriam os anos 1762-87. Sem ser obra de um único autor (Louis Petit de Bachau-

mont morreu em 1771), mas provavelmente de vários, as "memórias" incluíam

resenhas de livros, panfletos, peças teatrais, concertos musicais, exposições de

arte e casos sensacionais nos tribunais—ver Jeremy D. Popkin e Bernadette Fort,

The Mémoires secrets and the Culture of Publicity in Eighteenth-Century France

(Oxford: Voltaire Foundation, 1998), e Louis A. Oliver, "Bachaumont the Chro

nicler: A Questionable Renown", in Studies on Voltaire and the Eighteenth Century,

vol. 143 (Voltaire Foun dati on: Banbury, Oxford, 1975), pp. 161 -79. Co mo os

volumes fora m publicados depois das datas que pretendiam cobrir, não pode mos

ter absolu ta certeza de que o uso de "direi tos do ho mem " fosse tão co mu m em

1763 quant o o autor supõe. No primeir o ato, cena II, Manc o recita: "Nasci dos,

como eles, na floresta, mas rápidos em nos conhecer/ Exigindo tanto o título

como os direitos de nosso ser/ Lembramos a seus corações surpresos/ Tanto este

título com o estes direitos há tanto tem po profan ados" — Antoin e Le Blanc de

Guillet, Manco-Capac, premier Ynca Du Pérou, Tragédie, Représentée pour lapre-

mière fois par les Comédiens François ordinaires du Roi, le 12 Juin 1763 (Paris: Belin,

1782),p. 4.

9. "Direitos do homem" aparece uma vez in William Blackstone, Commen

taries on the Laws ofEngland, 4 vols. (Oxford, 1765-9),vol. 1 (1765),p. 12 1. 0pr i-

mei ro uso que encont rei em inglês está em Joh n Perceval, Earl of Eg mon t, A Full 

and Fair Discussion of the Pretensions of the Dissenters, to the Repeal of the Sacra

mental Test  (Londres, 173 3),p. 14.Aparece tam bé m na"epístola poética" de 1773,

The Dying Negro, e num trat ado anterior do líder abolicionista Granville Sharp ,

  A Declaration of the People's Natural Right to a Share i n the Legislature... (Londres,

1774), p. xxv. Encontrei esses dados usando o serviço on-line de Th oms on Galé,

Eighteenth Century Collections Online, e sou grata a Jenna Gibbs-Boyer pela

ajuda nessa pesquisa. A citação de Condorcet está em Marie Louise Sophie de

239

 

Grouchy, marquesa de Condorce t , ed . , Oeuvres complètes de Condorcet, 21 vols.

(Brun swick / Par i s : Vieweg Henr ic hs , 1804) , vol . X I , pp . 240-2 , 249, 251. S ieyès

u s o u o t e r m o droits de l'homme apenas uma vez : " I l ne faut poin t juger de ses

demandes par les observa t ions i so lées de quelques auteurs p lus ou moins ins

t ru i t s des dro i t s de l ' ho mm e" [Não se deve ju lgar suas [do Terce i ro Es tad o]

demandas pe las observações i so ladas de a lguns autores mais ou menos conhece

dores dos d i re i tos do homem] — Emmanuel Sieyès , Le Tiers-État (1789; Paris: E.

Cha mpi on, 1888) , p . 36. Na sua car ta a James Madison escr i ta em Par is em 12 de

Janei ro de 1789, Tho ma s Jefferson envi ou o ras cun ho da dec lara ção fe i to por  

Lafayet te . O segundo parágrafo começava: "Les dro i t s de l ' homme assurent sa

 Philosophy (Cambr idge: Cambr idge Univers i ty Press , 1998) , p . 4 . [Ed. bras i le i ra :

  A invenção da autonomia: uma história da filosofia moral moderna, t r a d . M a g d a

França Lopes (São Leopoldo: Unis inos , 2001) . ] A autonomia parece ser o e le

me nto cruc ia l que fa l ta nas teor ias da le i na tur a l a té mead os do século X V I I I . C o m o

a r g u m e n t a H a a k o n s s e n , " S e g u n d o a m a i o r i a d o s a d v o g a d o s d a l e i n a t u r a l n o s

séculos xvn e xviii, a ação moral consistia em estar sujeito à lei natural e cumprir 

o s d e v e r e s i m p o s t o s p o r e s s a l e i , e n q u a n t o o s d i r e i t o s e r a m d e r i v a d o s , s e n d o

m e r o s m e i o s p a r a o c u m p r i m e n t o d o s d e v e r e s " — K n u d H a a k o n s s e n , Natural 

  Law and Moral Philosophy: From Grotius to the Scottish Enlightenment ( C a m

br idge: Cam brid ge Univers i ty Press 1996) p 6 A esse respei to Bur lamaq ui que

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y g p g ç

  propr ié té , sa l iber té , son honneur , sa v ie" [Os d i re i tos do homem asseguram sua

 p r o p r i e d a d e , s u a l i b e r d a d e ,s u a h o n r a , s u a v i d a ] —   Jefferson Papers, vol. 14 ,p. 438.

O r a s c u n h o d e C o n d o r c e t d a t a d e u m p o u c o a n t e s d a a b e r t u r a d o s E s t a d o s -

-Gera is em 5 de maio de 1789, in Ia in McLean e Fiona Hewi t t , eds . , Condorcet:

  Foundations of Social Choice and Political Theory ( A l d e r s h o t , H a n t s : E d w a r d

Elgar , 1994) , p . 57; ver pp . 255-70 sobr e o rascun ho da dec laraç ão "dos d i re i tos" ,

em que aparece a expressão "d i re i tos do homem ", embo ra não no t í tu lo . Ver os tex

tos dos vár ios pro je tos para uma dec laração in Antoine de Baecque , ed . , L'An Ides

droits de l'homme (Paris: Presses du C N R S , 1988) .

10 . Blacks tone , Commentaries on the Laws of England, vol. 1, p. 121. P. H.

d ' H o l b a c h , Système de la Nature ( 1770; Londres, 1771 ), p. 336. H. Comte de Mira

 beau , Lettres écrites du donjon (1780; Par i s , 1792) , p . 41 .

11 . Ci tado in Lynn Hun t , ed . , The French Revolution and Human Rights: A

  Brief Documentary History(Boston:Bedford Books/St . Mar t in ' s Press , 1996) ,p . 46.

12 . Denis D idero t e Jean le Rond d 'A lember t , eds . , Encyclopédie ou Diction

naire raisonné des sciences, des arts et des métiers, 17 vols. (Paris, 1751-80), vol. 5

(1755) , pp . 115-6. Esse volume inc lu i dois a r t igos d i ferentes sobre "Droi t Natu

re l". O pr imei r o é in t i tu lado "Droi t Nature l (M ora le) " , pp . 115-6, e começ a com o

a s t e r i s c o e d i t o r i a l c a r a c t e r í s t i c o d e D i d e r o t ( a s s i n a l a n d o a s u a a u t o r i a ) ; o

segun do é in t i tu l ado "Droi t de la na ture , ou Droi t na ture l" , pp . 131 -4 , e é ass inado

"A" (Antoine-Gaspard Boucher d 'Argis ) . A informação sobre a au tor ia vem de

J o h n L o u g h , " T h e C o n t r i b u t o r s t o t h e Encyclopédie", in Richard N. Schwab e Wal

ter E. Rex, Inventory of Diderot's Encyclopédie , vol . 7 : Inventory of the Plates, with

a Study o f the Contributors to the E n c y c l o p é d i e by John Lough (Oxford: Vol ta i re

Foundat ion , 1984) , pp . 483-564. O segundo ar t igo de Boucher d 'Argis cons is te

numa his tór ia do concei to e é baseado em grande par te no t ra tado de Bur lama-

qui de 1747, Principes du droit naturel.

1 3 . B u r l a m a q u i , Principes du droit naturel, p. 29 (a ênfase é dele).

14. J. B. Sc hnee win d, Thelnvention of Autonomy: A History of Modem Moral 

240

 b r idge: Cam br id ge Univers i ty Press , 1996) , p . 6 . A esse respe i to , Bur lamaq ui , que

tanto inf luenciou os amer icanos nas décadas de 1760 e 1770, pode mui to bem

marcar uma t rans ição impor tante . Bur lamaqui ins i s te que os homens es tão sub

met idos a um poder super ior , mas que esse poder deve es tar de acordo com a

natureza in ter ior do homem: "Para que regule as ações humanas , a le i deve es tar  

absolu tamente de acordo com a na tureza e a cons t i tu ição do homem, re lac io

nada , enf im, co m a sua fe l ic idade , que é aqui lo qu e a razão o leva necessar iamenle

a buscar" — Bur lamaqu i , Príncipes, p. 89 . Sobre a impor tância gera l da autono

mia para os d i re i tos humanos , ver Char les Taylor , Sources of the Self: The Making 

of Modern Identity (Camb r idge , M A : Harvard Univers i ty Press , 1989) , esp . p . 12 .

[Ed. bras i le i ra : As fontes do Self: a construção da identidade moderna, t rad . Adai l

Ubira jar a Sobra l e Dina h de Abreu Azevedo (São Paulo : Edições Loyola , 1997) . ]

15. Pesquise i " tor tura" em A R T F L . A expressão de Mar ivaux é de Le Specta-

teurfrançais (1724) , in Freder ic Deloff re e Michel Gi le t , eds . , Journaux et oeuvresdiverses (Par i s : Garnier , 1969) , p . 114. Montesquieu , The Spirit o f the Laws, t rad , e

ed . Anne M. Cohler , Bas ia Carolyn Mil le r e Harold Samuel Stone (Cambridge:

Cam brid ge Univers i ty Press , 1989) , pp . 92-3 . [Ed. bras i le i ra : O espírito das leis,

t rad . Cr is t ina Murachco (São Paulo : Mar t ins Fontes , 2005) . ]

16. A minh a opin iã o é c la ra ment e mui to ma is o t imis ta do que a e labora da

  por Michel Foucaul t , que enfa t iza antes as superf íc ies que as profundezas ps ico

lógicas , l igando as novas v isões do corpo mai s ao surg ime nto da d isc ip l ina que ¡1

l iberdade . Ver , por exemplo , Discipline and Punish: The Birth of the Prison dc

Foucau l t , t rad . Alan Sher idan (Nova York: Vintage , 1979) . [Ed. bras i le i ra : Vigiar 

e punir: história d a violência nas prisões, t r a d . R a q u e l R a m a l h e t e ( P e t r ó p o l i s :

Vozes , 1987) . ]

17 . Benedic t Ande rson , Imagined Communities: Reflections on th e Originand Spread of Nationalism (Londres: Verso, 1983), esp. pp. 25-36. [Ed. brasileira:

Comunidade s imaginadas: ref lexões sobre a origem e difusão do nacio nalisino,Ym. \,

Denise Bot tman (São Paulo : Companhia das Let ras , 2008) . ]

18 . Les l ie Brother s , Fr ida /s Footpr in t : How Society Shapes the Human Mind 

' l i

 

(Nova York: Oxford Univers i ty Press , 1 997) . Kai Voigeley, Mar t i n Kur the n , Pe ter  

F a l k a i e W a l f g a n g M a i e r , " E s s e n t ia l F u n c t i o n s o f t h e H u m a n S e l f M o d e l A r e

Implemented in the Pref ronta l Cor tex" , Consciousness and Cognition, 8 (1999) :

3 4 3 - 6 3 .

i. " T O R R E N T E S D E E M O Ç Õ E S " [ P P . 3 5 - 6 9 ]

1 . Françoi s -Mar ie Aro ue t de Vol ta i re a Mar ie de Vichy de Cha mro nd, ma r

que sa de Deffand, 6 de ma rç o de 176 1, em R. A. Leigh, éd., Correspondance com

in the British Isles (Londre s / Nova York: Oxford Univers i ty Press , 2000) , pp . 15-

-121, esp . pp . 26-32. Raven most ra que a porcentagem de romances epis to lares

ca iu de 44 % de todos os roma nces na década de 1770 para 18% n a década de 1790.

6. Es te não é o lugar par a uma exaus t iva l i s ta de obras . A mais inf lu ente para

m i m é B e n e d i c t A n d e r s o n , Comunidades imaginadas.

7. [ A b a d e M a r q u e t ] , Lettre sur Pamela (Londres , 1742) , pp . 3 ,4 .

8 . Mant iv e a pont uaç ão or ig ina l . Pamela: or Virtue Rewarded. In a Series of 

  Familiar Letters from a Beautiful YoungDamsel to her Parents: In four volumes. The

  sixth edition; corrected. By the late Mr. Sam. Richardson ( L o n d r e s : W i l l i a m

Otr idge 1772) vol l pp 22-3

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 121/142

 plete de Jean Jacques Rousseau, 52 vols . (Genebr a : Ins t i tu t e t Musée Vol ta i re , 1965-

-98) , vol . 8 (1969) , p . 222. Jean le Rond d 'A lemb er t a Rousseau , Par i s , 10 de feve

reiro de 1761, in Correspondance complète de Jean Jacques Rousseau, vol. 8, p. 76.

Sobre as respos tas dos le i tores c i tadas nes te parágrafo e no seguin te , ver Danie l

M o r n e t , / . - / . Rousseau: La NouvelleHéloïse, 4 vols. (Paris: Hachette, 1925), vol. 1,

  pp . 246-9 .

2 . Sobre as t raduç ões inglesas , ver Jean-Jacque s Rousse au , La Nouvelle

 Héloïse, t rad . Judi th H. McDowel l (Unive rs i ty Park , P A : Pennsylvania Sta te Uni

versity Press, 1968), p. 2. [Ed. brasil eira: Júlia ou A nova Heloísa, t r a d . F u l v i a M . L .

Moret to (São Paulo : Huci tec , 1994) . ] Sobre as ed ições f rancesas , ver Jo-Ann E.

M c E a c h e r n , Bibliography of the Writings of Jean Jacques Rousseau to 1800, vol. 1:

  Julie, ou La Nouvelle Héloïse ( O x f o r d : V o l t a i r e F o u n d a t i o n , T a y l o r I n s t i t u t i o n ,

1993) , pp . 769-75 .

3. Alexis de Tocqueville, L'Ancien Régime, ed. J. P. Mayer ( 1856; Paris: Galli

mard, 1964), p. 286. [Ed. brasileira: O Antigo Regime e a Revolução, t rad . Yvone

Jean (Bras í lia : U N B , 1989) . ] Ol iv ier Zun z mui t o gent i lmente me indicou essa obra .

4 . Jean Decety e Phi l ip L. Jack son," The Func t ional Archi tec tu re of Hu ma n

E m p a t h y " , Behavioral and Cognitive Neuroscience Reviews, 3 (2004) : 71- 100; ver  

esp. p. 9 1 .

5. Sobre a evoluçã o gera l do roma nce f rancês , ver Jacques Rust in , Le Vice à

la mode: Etude sur le roman français du XVIII' siècle de M a n o n L e s c a u t à

l'apparition deha N o u v e l l e H é l o ï s e (1731-1761) (Par i s : Ophr ys , 1 979) , p . 20 .

Compi le i os números sobre a publ icação dos novos romances f ranceses a par t i r  

de Angus Mar t in , Vivienne G. Mylne e Richard Frautschi , Bibliographie du genre

romanesque français, 1751-1800 ( L o n d r e s : M a n s e l l , 1 9 7 7 ) . S o b r e o r o m a n c e

inglês , ver James Raven, British Fiction 1750-1770 ( N e w a r k , D E : U n i v e r s i t y o f  

Delaw are Press , 1987) , pp . 8-9 , e James Raven, "His tor ica l In t rod uct ion : The

 Novel Comes of Age" , in Pe ter Gars ide , James Raven e R ainer Schõw er l ing , eds . ,

The English Novel, 1770-1829: A Bibliographical Survey of Prose Fiction Published 

242

Otr idge , 1772) , vol . l ,pp . 22-3 .

9 . Aaron Hi l l a Samuel Richardson, 17 de dezembr o de 1740. Hi l l imploraque Richardso n revele o nom e do autor , suspei ta ndo sem dúvida q ue se ja o própr i o

Richardson—Anna Laet i t ia Barbauld , ed . , The Correspondence of Samuel Richard

  son, Author of 'Pamela, Clarissa, and  Sir Char les Grandison . Selectedfrom theOrigi-

nalManuscripts..., 6 vols. (Londres: Richard Phillips, 1804), vol. 1, pp. 54-5.

10. T. C. Dunc an Eaves e Ben D. Kim pel, Samuel Richardson: A Biography

(Oxford: Clarendon Press , 1971) , pp . 124-41.

11 . Car ta de Bradsha igh da tad a de 11 de jane i ro de 1749, c i tada em Eaves e

K i m p e l , Samuel Richardson, p. 224. Carta de Edward de 26 de janeiro de 1749, in

Barbauld , ed . , Correspondence of Samuel Richardson,vol. m, p. 1.

12 . Sobre as b ib l io tecas par t ic u lares f rancesas , ver François Jos t , "Le Rom an

épis to la i ree t la technique nar ra t ive au xvnr ' s ièc le" , in Comparative Literature Stu

dies, 3 (1966) : 397-427, esp . pp . 401-2 , baseado num es tudo de Danie l Mornet de1910. Sobre as reações dos bole t ins informat ivos (bole t ins escr i tos por in te lec

tua is na França para governantes es t rangei ros que quer iam acompanhar os úl t i

mos desenvolv imentos na cul tura f rancesa) , ver   Correspondance littéraire, philo

  sophique et critique par Grimm, Diderot, Ray nal, Meister, etc., revue sur les textes

originaux, comprenant outre ce qui a été publié à diverses époques les fragments sup

  primés en 1813 parla censu re, les parties inéd ites conservées à la Bibliothèque ducale

de Gotha et à l'Arsenal à Paris, 16 vols . (Par i s : Garnier , 1877-82, Nendeln , Lich-

tens te in : Kraus , 1968) , pp . 25 e 248 (25 de jane i ro de 1751 e 15de junh o de 1753) .

O abade Gui l laume Thomas Raynal fo i o au tor do pr imei ro e Fr iedr ich Melchior  

G r i m m m u i t o p r o v a v e l m e n t e e s c r ev e u o s e g u n d o .

13 . Richar dson não r e t r ibui u o e logio de Rousseau: e le a f i rmava te r achado

imposs íve l 1er   falia (mas morreu no ano da publ icação de Júlia em francês). Ver Eaves e Kimpel , Samuel Richardson, p. 605, sobre a citação de Rousseau e a reação

d e R i c h a r d s o n a Júlia. C l a u d e P e r r o u d , e d . , Lettres de Madame Roland, vol. 2

(1788-93 ) (Par i s : Impr i mer i e Nat ionale , 1902) , pp . 43-9 , esp . p . 48 .

1 4 . R o b e r t D a r n t o n , The Great Cat Massacre and Other Episodes in French

• I t

 

Cultural History (Nova York: W. W. Nor t on , 1984) , c i tação p . 243. [Ed. bras i le i ra :

O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa, t r a d .

Sonia Cout inho (Rio de Janei ro : Graa l , 1986) . ] Claude Labrosse , Lire au XVIII' 

  siècle: La Nouvelle Héloïse et ses lecteurs (Lyon: Presses Univers i ta i res de Lyon,

1985) , c i tação p . 96.

15 . Um exam e recente dos tex tos sobre o roman ce epis to lar pode ser encon

t r a d o e m E l i z a b e t h H e c k e n d o r n C o o k , Epistolary Bodies: Gender and Genre in the

  Eighteenth-Century Republic of Letters ( S t a n f o r d : S t a n f o r d U n i v e r s i t y P r e s s,

1996) . Sobre as or igens do gêne ro , ver Jos t , "Le Rom an épis to la i re" .

16 W S Lewis éd The Yale Edition of Horace Walpole's Correspondence vol

tings of Rousseau (Hanove r , N H : Univers i ty Press of New England, 1997) , c i tações  pp. 3 e 15.

25 . "Éloge de Richar dson" , Journal étranger, 8 ( 1 7 6 2 ; G e n e b r a : S l a t k i n e

Repr in ts , 1968) , 7-16, c i tações pp . 8-9 . Uma anál i se mais de ta lhada des te tex to

encont ra-se in Roger Char t ie r , "Richardson, Diderot e t l a lec t r ice impat iente" ,

MLN, 1 1 4 ( 1 9 9 9 ) : 6 4 7 - 6 6 . N ã o s e s a b e q u a n d o D i d e r o t l e u p e l a p r i m e i r a v e z

Richardson; as re ferências a e le na cor respondência de Diderot só começam a

aparecer em 1758. Gr im m refer iu-se a Richardso n na sua cor res pondê ncia já em

1 7 5 3 — J u n e S . Si e g e l, " D i d e r o t a n d R i c h a r d s o n : M a n u s c r i p t s , M i s s i v e s , a n d

Myster ies" , Diderot Studies, 18 (1975) : 145-67.

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16. W. S. Lewis, éd., The Yale Edition of Horace Walpole s Correspondence, vol.

22 (New Haven , 1960) , p . 271 (car ta a s i r Horace Man n, 20 de dez emb ro de 1764) .  Remarks on Clar i ssa , Addressed to the Author. Occasioned by some critical Conver

  sations on the Charact ers and Conduct of that Work. With Some Reflections on the

Character and Behaviour of Prior'sEmma (Londres , 1749) , pp . 8 e 51 .

17 . Gentleman's Magazine, 19 ( junh o de 1749) , pp . 245-6, e 19 (agos to de

1749) , pp . 345-9 , c i tações nas pp . 245 e 346.

18 . N. A. Lengle t -Dufresno y, De l'usage des romans, où l'on fait voir leur uti

lité et leurs différents caractères, 2 vols . (1734; Genebra : S la tk ine Repr in ts , 1979) ,

citações pp. 13 e 92 (vol. 1:8 e 325 no original). Vinte anos mais tarde, Lenglet-

-Dufresnoy fo i convidado a co laborar com out ras f iguras do I luminismo na Ency

clopédie de D i d e r o t .

1 9 . A r m a n d - P i e r r e J a c q u i n , Entretiens sur les romans (1755; Genebra : S la t

k ine Repr in ts , 1970) , c i tações pp . 225, 237, 305,169 e 101. A l i te ra tura ant i r ro-

mance é d iscut ida em Danie l Mornet , / . - / . Rousseau: La Nouvelle Héloïse, 4 vols.

(Par i s : Hachet te , 1925) , vol. 1 .

20 . Richard C. Taylor , " James Harr i son , 'The Novel i s t Magazine ' , and the

Ear ly Canon iz ing of the Engl i sh Novel" , Studies in English Literature, 1500-1900,

33 (1993) : 629-43, c i tação p . 633. John Tinnon Taylor , Early Opposition to the

  English Novel : The Popular Reaction from 1760 to ¡830 (Nova York: King ' s Crown

Press, 1943), p. 52.

21 . Samuel -Auguste Tisso t , L'Onanisme ( 1774, ed. latina 1 758; Paris : Édi

t ions de la Dif férence , 1991) ,esp . pp . 22 e 166-7 . Taylor , Early Opposition,]). 6 1 .

22 . Gary Kel ly ,"Unbecom ing a Heroin e : Novel Reading , Roma nt ic i sm, and

Barre t t ' s The Heroine", Nineteenth-Century Literature, 45 ( 1990) : 220-41, c i tação

 p. 222.

23 . Londres : Impresso para C. Riv ington , no adro de St . Paul ; e J . Osborn

[etc.], 1741.

24 . Jean-Jacques Ro usseau , Julie, or The New Heloise, t rad . Phi l ip Stewar t e

Jean Vach é, vol. 6 de Roger D. Mast ers e Ch ris top her Kelly, eds., The Collected Wri-244

26. "Éloge", pp. 8,9.

27. Ibid., p. 9.

2 8 . H e n r y H o m e , l o r d e K a m e s , Elements of Criticism, 3 1 ed. , 2 vols . (Edim

 burgo: A. Kincaid 8c J. Bell , 1765) , vol . 1 , pp . 80 ,82 , 85 , 92 . Ver tam bém M ark Sal -

  ber Phi l l ips , Society and Sentiment: Genres of Historical Writings in Britain, 1740-

-1820 (Pr inc e ton: Pr inc e ton Univers i ty Press , 2000) , pp . 109-10.

29. Julian P. Boyd, ed., The Papers of Thomas Jefferson, 30 vols . (Pr ince ton:

Pr ince ton Univers i ty Press , 1950- ) ,vol . l ,pp . 76-81.

30 . Jean Starobinski d emo nst ra que esse debate sobre os e fe i tos da ident if i

cação apl icava-se igualmente ao tea t ro , mas argumenta que a aná l i se de Diderot

a respe i to de Richardson cons t i tu i um impor tante ponto cr í t ico no desenvolv i

mento de uma nova a t i tude para com a ident i f icação — ' "Se met t re à la p lace ' : l a

muta t ion de la c r i t ique de l ' âge c lass ique à Diderot" , Cahiers Vilfredo Pareto, 14

(1976) : 364-78.

31 . Sobre esse ponto , ver esp . Michael McKean, The Origins of the English

 Novel, I600-J74O(Bal t imore : Johns Hopkins Univers i ty Press , 1987) , p . 128.

3 2 . A n d r e w B u r s t e i n , The Inner Jefferson: Portrait of a Grieving Optimist 

(Char lo t tesv i l l e , V A : Univers i ty of Virg in ia Press , 1995) , p . 54. J . P . Br isso t de War-

ville, Mémoires (¡754-1793); publiés avec étude critique et notes par Cl. Perroud 

( P a r i s : P i c a r d , s . d . ) , v o l . l , p p . 3 5 4 - 5 .

33 . Immanuel Kant , "An Answer to the Ques t ion: What i s Enl ightenment?" ,

in James Schmidt , ed . , What Is Enlightenment? Eighteenth-Century Answers and 

Twentieth-Century Questions (Berkeley: U nivers i ty of Cal i forn ia Press , 1996) , pp .

58-64, c i tação p . 58 . Não é fác i l de terminar a c ronologia da autonomia . A maio

r ia dos h is tor iadores concorda que o a lcance da tomada de dec isão indiv idual -

aumentou de modo gera l en t re os séculos xvi e xx no mundo oc identa l , mesmo

i p ê d i s c o r d e m s o b r e c o m o e p o r q u e i s s o o c o r r e u . I n ú m e r o s l i v r o s e a r t i g o s

foram escr i tos sobre a h is tór ia do indiv idual i smo como dout r ina f i losóf ica e

soc ia l e suas assoc iações co m o cr i s t i an ismo, a cons c iência pro tes tan te , o capi ta -

• -is

 

l i smo, a modernidade e os va lores oc identa is de modo mais gera l — ver Michael

Carr i thers , S teven Col l ins e Steven Lukes , eds . , The Category of the Person: Anthro

  pology, Philosophy, History(Cam br idg e: Cambr idge Univers i ty Press , 1985) . Um

  breve exame dos tex tos sobre o tema pode ser encont rado em Michael Mascuch,

Origins of the Individualis t Self: Autobiography and Self-Identit y in England, 1591-

-1791 (Stanford: S tanford Univers i ty Press , 1996) , pp . 13-24. Um dos poucos a

re la tar esses desenvolv imentos para os d i re i tos humanos é Char les Taylor , As fon-

tes do Self.

34. Ci tad o em Jay Fl iege lman, Prodigals and Pilgrims: The American Revo

lution Against Patriarchal Authority, ¡750-1800 ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r

lung, e la fo i def in ida como "o poder de pro je tar a própr ia personal idade no (e

a s s i m c o m p r e e n d e r p l e n a m e n t e o ) o b j e t o d a c o n te m p l a ç ã o " .

42 . Francis H utch eson, A Short Introduction to Moral Philosophy, in Three

  Books: ContainingtheElementsofEthicksandthe Law of Nature, 1 7 4 7 , 2 a ed. (Glas

gow: Rober t 8c Andre w Foul i s , 1753) , pp . 12-6.

4 3 . A d a m S m i t h , The Theory of Moral Sentiments, 3 a ed. (Londres , 1767) , p .

2. [Ed. brasil eira: Teoria dos sentimentos morais, t rad . Lya Luf t (São Paulo : Mar t ins

Fontes , 1999) . ]

44 . Burs te in , The Inner Jefferson,]). 54 ; The Power ofSympathyfoi escrito por 

Wil l iam Hi l l Brown. Anne C. Vi la , "Beyond Sympathy: Vapors , Melanchol ia , and

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lution Against Patriarchal Authority, ¡750 1800 ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r

sity Press, 1982), p. 15.3 5 . J e a n - J a c q u e s R o u s s e a u , Emile, ou l'Éducation, 4 vols . (Haia : Jean

  Néaume, 1762), vol. 1, pp. 2-4. [Ed. brasileira: Emílio ou Da educação, t rad . Rober to

Leal Fer rara (São Paulo : Mar t ins Fontes , 1995) . ] Richard Pr ice , Observations on the

  Nature of Civil Liberty, the Principles of Government, and the Justice and Policy of the

War with America to w hich is added, An Appendix and Postscript, containing, A State

of the National Debt, An Estimate of the Money drawn from the Public by the Taxes,

and An Account of the National Income and Expenditure since the last War, 9"  ed .

(Londres : Edw ard 8c Char les Di l ly , and Tho mas Cadel l , 1776) , pp . 5-6.

36. Lynn Hun t , The Family Romance of the French Revolution (Berkeley:

Univers i ty of Cal i forn ia Press , 1992) , pp . 40 -1 .

37 . F l iege lman, Prodigals and Pilgrims, p p . 3 9 , 6 7 .

38 . Lawrence Stone , The Family, Sex and Marriage in England, 1500-1800

(Londres : Weidenfe ld 8c Nicolson , 1977) . Sobre enrolar os bebês em panos , des

m a m a d o s e e n s i n á - lo s a u s a r o b a n h e i r o , v e r R a n d o l p h T r u m b a c h , The Rise of the

  Egalitarian Family: Aristocratic Kinship and Domestic Relations in Eighteenth-

-Century England  (Nova York: Acade mic Press , 1978) , pp . 197-229.

39 . Sybi l Wolf ram, "Divorc e in Engla nd 1700-1857" , Oxford Journal of Legal 

Studies, 5 (verão de 1985) : 155-86. Roder ick Phi l l ips , Putting Asunder: A History

of Divorce in Western Society (Cambr idge: Cambr idge Univers i ty Press , 1988) , p .

257. Nancy F . Cot t , "Divorce and the Chang ing Sta tus of Wo men in Eig hteenth -

-Century Massachuse t t s" , William andMary Quarterly, y série, vol. 33, n a 4 ( o u t u

  bro de 1976) : 586-614.

40 . Frank L. Dewey, "Tho mas Jef ferson ' s Notes on Divorce" , William and 

Mary Quarterly, 3" série, vol. 39, n" 1, The Family in Early American History and 

Culture (Janei ro de 1982) : 212-3 , c i tações pp . 219,217,216.

 Al."Empathy" só ent rou na l íngua inglesa no in íc io do século XX como um

termo usado na es té t ica e na ps icologia . Uma t radução da pa lavra a lemã Einfüh-

246

the Pa thologies of Sens ib i l i ty in Tisso t and Rousseau" , Yale French Studies, n" 92,

  Exploring the Con versible World: Text and Sociability from the Classical Age to the

 Enlightenment  ( 1 9 9 7 ) : 8 8 - 1 0 1 .

4 5 . H á m u i t o s d e b a t e s s o b r e a s o r i g e n s d e E q u i a n o ( s e e l e n a s c e u n a

Áfr ica , como af i rmava , ou nos Es tados Unidos) , mas i sso não é re levante para o

me u argum ent o . Sobre a d iscuss ão mais recente , ver Vinc ent Carre t ta , Equiano,

the African: Biography of a Self-Made Man ( A t h e n s , G A : U n i v e r s i t y of G e o r g i a

Press , 2005) .

46. Abade Sieyès , Préliminaire d e la constitution française ( P a r i s : B a u d o u i n ,

1789) .

47 . H. A. Washingto n , éd . , The Writings of Thomas Jefferson, 9 vols . (Nova

York: John C. Riker, 1853-7) , vol . 7 (1857) , pp . 101- 3 . Sobre Wol ls tonecraf t , ver  

Phi l l ips , Society and Sentiment, p. 114, e espec ia lmente Janet Todd, éd . , The Col

lected Letters of Mary Wollstonecraft  (Londres : Al len Lane , 2003) , pp . 34 ,114,121,

2 2 8 , 2 5 3 , 3 1 3 , 3 4 2 , 3 5 9 , 3 6 4 , 4 0 2 , 4 0 4 .

48 . Andr ew A. Lipsco mb e Alber t E . Bergh, eds . , The Writings of Thomas Jef

 ferson, 20 vols . (Washing ton , D C : Thom as Jefferson Mem oria l Associa t ion of the

Uni t ed Sta tes , 1903-4) , vol . 10 , p . 324.

2. " O S S O S D O S S E U S O S S O S " [ P P . 7O-H2]

1.0 melhor re la to gera l a inda é de David D. Bien , The Calas Affair: Persecu

tion, Toleration, and Heresy in Eighteenth-CenturyToulouse ( P r i n c e t o n : P r i n c e t o n

Univers i ty Press , 1960) . As tor turas de Calas são descr i tas em Char les Berr ia l

- S a i n t - P r i x , Des tribunaux et de la procédure du grand criminel au XVIII' siècle

  jusqu'en 1789 avec des recherches sur la question ou torture (Par i s : Auguste Aubry,

1859) , pp . 93-6. Base io minh a descr ição do supl íc io da roda no re la to de uma les

t emunha ocular do supl íc io em Par is — James St . John, Esq . , Letters from FranCt 

247

 

to a G entleman in the South of Ireland: Containing Various Subject s Interesting to

both Nations. Written in 1787,2 vols . (Dubl in : P . Byrne , 1788) , vol . I I : car ta de 23

de jul ho de 1787, pp. 10-6.

2. Voltaire pub lic ou um panfleto de 21 págin as em agost o de 1762 sobre a

  Histoire d'Elisabeth Canning et des Calas. Ele usou o caso de El i sabeth Canning

  para most rar co mo a jus t iça inglesa funcionava de manei ra super ior , mas a maior  

  par te do panf le to é dedica da ao caso Calas . A es t ru tura ção do caso em term os de

in to lerância re l ig iosa , apresentad a por Vol ta i re , pode ser v is ta mui to c l a ramen te

em Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de lean Calas ( 1763 ). A citação

é t i rada de Jacques van den Heuvel , ed . , Mélanges/Voltaire ( P a r i s : G a l l i m a r d ,

(1824) , pp . 373-5 , e vol . 28 (1824) , pp . 526-32. Benjamin Rush, An Enquiry into

the Effects of Public Punishments upon Criminals, and Upon Society. Read in the

Society for Promoting Political Enquiries, Convened at the House of His E xcellency

  Benjamin Franklin, Esquire, in Philadelphia, March 9th, 1787 ( P h i l a d e l p h i a :

Joseph James , 1787) , in Reform of Criminal Law in Pennsylvania: Selected Enqui

ries, 1787-1810 (Nova York: Arn o Press , 1972) , com a nume raç ão or ig ina l das

  páginas, citação p. 7.

5 . S o b r e o e s t a b e l e c i m e n t o e a b o l i ç ã o g e r a l d a t o r t u r a n a E u r o p a , v e r  

Edward Peters , Torture (Phi lade l phia : Univers i ty of Pennsyl vania Press , 198 5) .

[Ed. por tuguesa : História da tortura, t rad . Pedro Si lva Ramos (Lisboa: Teorema,

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

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1 9 6 1 ) , p . 5 8 3 .

3 . A conexão ent r e a tor tura e Calas pod e ser pesquisa da em Ul la Kòlving ,

ed . , Voltaire électronique, C D - R O M ( A l e x a n d r i a , V A : C h a d w y c k - H e a l e y , O x f o r d :

Vol ta i re Foundat ion , 1998) . A denúncia de tor tura em 1766 pode ser encont rada

in An Essay on Crimes and Punishments, Translated from the Italian, with a Com

mentary Attributed to Mons. De Voltaire, Translated from the French, 4' 1 ed. (Lon

dres: F. Newberry, 1775), pp. xii-xiii . [Ed. brasileira: Dos delitos e das penas, t r a d .

Lucia Guidic in i e Alessan dro Ber t i Contessa (São Paulo : Mar t ins Fonte s , 1995) . )

Sobre o a r t igo a respe i to da "Tor tura" no Dicionário filosófico, ver Theodore Bes-

te rm an e t a l . , eds . , les oeuvres complètes de Voltaire, 135 vols. ( 1968-2003), vol. 36,

ed . Ul la Kôlving (Oxford: Vol ta i re Foundat ion , 1994) , pp . 572-3 . Vol ta i re a rgu

mentou a favor da abolição real da tortura em 1778 em seu O preço da justiça.Ver 

Franco Ventur i , ed . , Cesare Beccaria, Dei Delitti e dellepene, con une raccolta di let-

tere e documenti relativi alia n ascita dell'ope ra e alia sua fortuna nelTEuropa D el 

Settecento (Tur im: Giul io Einaudi , 1970) , pp . 493-5 .

4. J. D. E. Pre uss, Friedrich der Grosse: eine Lebengeschichte, 9 vols . (Osna-

  brück , Alem anha Ocid enta l : Bib l io Verlag , 1981; re impr essão da ed . de Ber l im,

1832) , vol. 1 , pp . 14 0-1 . O decre to do re i f rancês de ixou aber ta a perspec t iva de

res tabelecer a question préalable, se a exper iênc ia reve lasse a sua necess idade .

Além disso , o decre to era um ent re mui tos out ros re lac ionados aos esforços da

C o r o a p a r a d i m i n u i r a a u t o r i d a d e d o s parlements. Depois de te r de regis t rá - lo

n u m lit de justice, Luís xvi suspendeu a implementação de todos esses decre tos em

setembro de 1788. Como consequência , a tor tura só fo i def in i t ivamente abol ida

quando a Assemble ia Nacional a supr imiu em 8 de outubro de 1789 — Berr ia t -

-Sa in t -Pr ix , Des Tribunaux, p. 55 . Ver tamb ém David Yale Jacobson, "The Pol i t ics

o f C r i m i n a l L a w R e f o r m i n P r e - R e v o l u t i o n a r y F r a n c e ", d i s s e r t a ç ã o d e P h D ,

Brown Univers i ty , 1976, pp . 367-429 . Sobre o tex to dos decre tos da abol ição , ver  

Athanase Jean Léger et al. , eds., Recueil général des ancienn es lois françaises depuis

l'an 420 jusqu'à la Révolution de 1789,29 vols . (Par i s : P ion , 1824 -57) , vol . 26

248

1994) . ] Embora a tor tura não fosse abol ida em a lguns cantões su íços a té meadosdo século x ix , a prá t ica desapareceu em grande par te (ao menos enquanto ins t ru

m e n t o l e g a l ) n a E u r o p a a o l o n g o d a s g u e r r a s r e v o l u c i o n á r i a s e n a p o l e ó n i c a s .

  Napoleão a abol iu na Espanha , por exemplo , em 1808, e e la nunca fo i res tabe le

c ida . Sobre a h is tór ia do desenvolv imento dos júr i s , ver s i r James Fi tz james Ste

  p h e n , A History of the Criminal Law of England, 3 v o l s. ( 1 8 3 3 , C h i p p e n h a m , W i l t s :

Routledge, 1996), vol. 1, pp. 250-4. Sobre casos de feitiçaria e o uso da tortura, ver 

Alan Macfar lane , Witchcraft in Tudor and Stuart England: A Regional and Compa

rative Study (Londres : R out ledge & Kegan Paul , 1970) , pp . 139-40; e Cr is t i na A.

Larner , Enemies of God: The Witch-hunt in Scotland  ( L o n d r e s : C h a t t o & W i n d u s ,

1981) , p . 109. Como Larner indica , as cons tantes in junções dos ju ízes escoceses e

ingleses , ex ig indo um f im para a tor tura nos casos de fe i t içar ia , most ram que e la

cont inuava a ser um ponto cont roverso . James Heath , Torture and English Law: An  Administrative and Legal History from the Plantagenets to the Stuarts ( W e s t p o r t ,

C T : Green wood Press , 1982) , p . 179, de ta lha vár ias re ferências ao uso da roda nos

séculos xvi e X V I I , m a s e l a n ã o e r a s a n c i o n a d a p e l a l e i c o m u m . V e r t a m b é m

Kathryn Preyer , "Penal Measures in the Amer ican Colonies : An Overview" , Ameri

can Journal of Legal History, 26 (outubro de 1982) : 326-53, esp . p . 333.

6 . Sobre os mét odo s gera is de puniç ão , ver J. A. Sharpe , Judicial Punishment 

in England  ( L o n d r e s : F á b e r 8 c F á b e r , 1 9 9 0 ) . A p u n i ç ã o n o p e l o u r i n h o p o d i a

inc lu i r te r as ore lhas cor tadas ou te r uma ore lha pregada no pe lour inho (p . 2 1) . O

t ronco era um dispos i t ivo de madei ra para prender os pés de um inf ra tor . O

  pe lour inho era um dispos i t ivo em que os inf ra tores f icavam com a cabeça e as

mãos ent re dois pedaços de madei ra — Leon Radzinowicz , A History of English

Criminal Law and Its Administratio n from 1750,4 vols . (Londres : S tevens 8c Sons ,1948) , vol . 1 , pp . 3-5 e 165-227. Um panorama da pesquisa recente nesse agora

mui to r icamente explorado ve io encont ra-se em Joanna Innes e John Styles ,"The

Crime Wave: Recent Wri t ing on Cr ime and Cr iminal Jus t ice in Eighteenth-Cen

tury England" , Journal of British Studies, 25 (outubro de 1986) : 380-435.

249

 

7. Linda Kealey, "Pat te r ns of Puni shme nt : Mass achuse t t s in the Eighteenth

C e n t u r y " , American Journal ofLegal History, 30 (abril de 1986): 163-86, citação p.

172. Wil l iam M. Wiecek, "The Sta tu tory Law of Slavery and Race in the Th i r teen

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8 . R i c h a r d M o w e r y A n d r e w s , Law, Magistracy, and Crime in Old Regime

  Paris, ¡735-1789,vol. 1: The System of Criminal Justice ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e

Univers i ty Press , 1994) , espec ia lmente pp . 385,387-8 .

9 . Benoî t Garn ot , Justice et société en France aux XVI e  , XVII e t XVIII siècles

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12 . Em anos recentes os es tudiosos têm ques t ionado se Beccar ia ou o I lu

m i n i s m o d e m o d o m a i s g e r a l t i v e r a m a l g u m p a p e l e m e l i m i n a r a t o r t u r a j u d i

c ia l ou em moderar a punição , ou a té se a abol ição fo i uma coisa tão boa ass im

  — ver John H. Langbein , Torture and the Law of Proof: Europe and England in the

  Ancien Regime ( C h i c a g o : U n i v e r s i t y of C h i c a g o P r e s s , 1 9 7 6 ) ; A n d r e w s , Law,

Magistracy, and Crime; J . S. C o c k b u r n , " P u n i s h m e n t a n d B r u t a l i z a t i o n i n t h e

E n g l i s h E n l i g h t e n m e n t " , Law and History Review, 12 (1994) : 155-79; e esp .

Michel Foucaul t , Vigiar epunir.

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10. Romil ly é c i tado em Randal l McG owe n," The Body and Punis hme nt inE i g h t e e n t h - C e n t u r y E n g l a n d " , Journal o f Modern History, 59 (1987) : 651-79, p .

668. A famosa f rase de Beccar ia pode ser encont rada in Crimes and Punishments,

  p . 2 . Jeremy Bentham tomou o lema de Beccar ia como o fundamento para a sua

dout r ina do Ut i l i ta r i smo. Para Bentham, Beccar ia e ra nada menos que "meu mes

t re , o pr imei ro evangel i s ta da Razão"—Leon Radzinowicz , "Cesare Beccar ia and

the Engl i sh Sys tem of Cr imi nal Jus t ice : A Reciproca l Rela t ionship" , in Atti delcon-

vegno internazi onale su Cesare Beccari promosso dal i'Accademia delle Scienze di

Torino nel secondo centenário deli'oper a "Dei del itti e delle pene", Tur im, 4-6 de

out ubr o de 1964 (Tur im : Accademia de l le Sc ienze , 1966) , pp . 57-66, c i tação p . 57 .

Sobre a recepção na França e em out ra s reg iões da Europa , ver as car tas re impres

sas in Ventur i , ed . , Cesare Beccaria, esp . pp . 312-24. Vol ta i re mencionou que l ia

Beccar ia numa car ta de 16 de outubro de 1765, na qual e le também se refere aocaso Calas e ao caso Si rven (que tam bé m envolv ia pro tes tan tes) — Theodo re Bes-

te rman e t a l . , eds . , Les Oeuvres complètes de Voltaire, 135 vols . (1968-2003) , vol .

1 1 3 : T h e o d o r e B e s t e r m a n , e d . , Correspondence and Related Documents, April-

-December  1765, vol. 29 (1973): 346.

11 .0 erudi to holandês Pie ter Spierenburg l iga a moderação da punição à

crescente empat ia : "A mor te e o sof r imento de seres humanos eram exper imen

tados cada vez mais como dolorosos , só porque as out ras pessoas e ram cada vez

m a i s p e r c e b i d a s c o m o s e re s h u m a n o s s e m e l h a n t e s " — S p i e r e n b u r g , The Spec

tacle of Suffering: Executions and the Evolution of Repression: From a Preindustrial 

Metropolis to the European Experience ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r s i t y P r e s s ,

1984) , p . 185. Beccar ia , Crimes and Punishments, c i tações pp . 43 , 107 e 112.

Blacks tone também defendia punições proporc ionais aos c r imes e lamentava og r a n d e n ú m e r o d e c r i m e s p u n i d o s c o m a p e n a d e m o r t e n a I n g l a t e r r a — W i l l i a m

Blacks tone , Commentaries on the Laws of England, 4 vols., 81 ed. (Oxford: Claren

don Press , 1778) , vol . IV , p . 3 . Blacks tone c i ta Mon tesq uieu e Beccar ia num a nota

nessa página . Sobre a inf luência de Beccar ia sobre Blacks tone , ver Cole man Phi l -

250

13.Norber t El ias , The C ivilizing Process: The Development ofManners,tr ad.

Ed mu nd Jephcot t (ed . a lemã, 1939; Nova York: Ur izen Books , 1978) , c i tação pp .

69-70. [Ed. bras i le i ra : O processo civilizad or ¡: Uma história dos costumes, t r a d .

Ruy Jungmann (São Paulo : Jorge Zahar Edi tor , 1995) . ] Encont ra-se uma v isão

cr í t ica des ta nar ra t iva em Barbara H. Rosenwein , "Worrying About Emot ions in

His tory" , American Historical Review, 107 (2002) : 821-45.

14 . James H. John son, Listeningin Paris: A Cultural History (Berkeley: Uni

vers i ty of Cal i forn ia Press , 1995) , c i tação p . 6 1 .

15. Jeffrey S. Ravel enfatiza a con tin uad a rebeldi a da plateia que ficava em

  pé em The Contested Parterre: Public Theater and French Political Culture, ¡680-

-¡79¡ ( I thaca , NY : Cornel l Univers i ty Press , 1999) .

1 6. A n n i k P a r d a i l h é - G a l a b r u n , The Birth of Intimacy: Privacy and Domestic

  Life in Early Modern Paris, t rad . Joce lyn Phelps (Phi la de lph ia : Univers i ty of  

Pennsylvania Press , 1991) . John Arche r ,"Landsc ape and Ident i ty : Baby Talk a t the

Leasowes, 1760", Cultural Critique, 51 (2002) : 143-85.

17. Ellen G. Mile s, ed., The Portrait in Eighteenth Century America ( N e w a r k ,

D E : Univers i ty of Delaware Press , 1993) , p . 10. George T. M. Shackel ford e Mar y

T a v e n e r H o l m e s , A Magic Mirror: The Portrait in France, ¡700-^00 ( H o u s t o n :

Mus eum of the Fine Ar ts , 1986) , p . 9 . A c i tação de Walpole foi t i rada de Desmo nd

Shawe-Taylor , The Georgians: Eighteenth-Century Portraiture and Society ( L o n

dres: Barrie & Jenkins, 1990), p. 27.

18 . Lettres sur les peintures, sculptures e t gravures de Mrs. de I'Academi e

  Royale, exposées au Sallon du Louvre, depuis MDCCLXVI1jusqu'en MDCCLXXIX 

(Londres : John Adam son, 1780 ) , p . 51 (Salon de 1769) . Ver tamb ém Ré my G. Sa is -

selin, Style, Truth and the Portrait  (Cleveland: Cleveland M use um of Ar t , 1963) ,

esp. p. 27. As reclamações quanto à arte do retrato e aos "tableaux du petit genre" 

cont inuaram na década de 1770 —   Lettres sur les peintures, pp. 76, 212,229. O

ar t igo de Jaucour t pode ser encont rado em Encyclopedic ou dictionnaire raisonnc

dessciences, des arts et desmétiers,\l vols. (Paris, 1751-8 0), vol. 13 ( 1765), p. 153. ()

2 5 1

 

comentár io de Merc ier da década de 1780 é c i tado em Shawe-Taylor , The Geor

 gians,^. 2 1 .

19 . Sobre a impor tâ ncia das roupas e o impa cto do consu mis mo na p in t ura

de re t ra tos nas colônias br i tân icas da Amér ica do Nor te , ver T. H. Breen , "The

M e a n i n g o f ' L i k e n e s s ' : P o r t r a i t - P a i n t i n g i n a n E i g h t e e n t h - C e n t u r y C o n s u m e r  

Society", in Miles, ed., The Portrait, pp. 37-60.

2 0 . A n g e l a R o s e n t h a l , " S h e ' s G o t t h e L o o k ! E i g h t e e n t h - C e n t u r y F e m a l e

P o r t r a i t P a i n t e r s a n d t h e P s y c h o l o g y o f a P o t e n t i a l l y ' D a n g e r o u s E m p l o y m e n t ' " ,

in Joanna Woodal l , ed . , Portraiture: Facing the Subject  ( M a n c h e s t e r : M a n c h e s t e r  

Univ ers i t y Press , 1997 ) , pp . 14 7-66 (c i taçã o de Boswel l p . 147) . Ver ta mb ém

Kathleen Nicholson , "The Ideology of Feminine 'Vir tue ' : The Vesta l Virg in in

28. St. John, Letters from France, vol . I I : car ta de 23 de ju lho de 1787, p . 13 .

29 . Crimes and Punishments, pp. 2 e 179.

30 . A respei to dos es tudo s do século xvm sobre a dor , ver Ma rga re t C. Jacob

e M i c h a e l J . S a u t e r , " W h y D i d H u m p h r y D a v y a n d A s s o c i a t e s N o t P u r s u e t h e

Pain-Al levia t ing Effec ts of Ni t rous Oxide?" , journal of the History of Medicine, 58

( a b r i l d e 2 0 0 2 ): 1 6 1 - 7 6 . D a g g e c i t a d o i n M c G o w e n , " T h e B o d y a n d P u n i s h m e n t

i n E i g h t e e n t h - C e n t u r y E n g l a n d " , p . 6 6 9 . S o b r e m u l t a s c o l o n i a i s , v e r P r e y e r ,

"Penal Measures" , pp . 350-1 .

3 1 . E d e n c i t a d o i n M c G o w e n , " T h e B o d y a n d P u n i s h m e n t i n E i g h t e e n t h -

- C e n t u r y E n g l a n d " , p . 6 7 0 . A m i n h a a n á l i s e s e g u e a d e M c G o w e n e m m u i t o s

aspectos . Benjamin Rush, An Enquiry, ver esp . pp . 4 ,5 ,10 e 15 .

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Kathleen Nicholson , The Ideology of Feminine Vir tue : The Vesta l Vi rg in in

F r e n c h E i g h t e e n t h - C e n t u r y A ll e g o r i ca l P o r t r a i t u r e " , i n i b i d , p p . 5 2 - 7 2 . D e n i s

D i d e r o t , Oeuvres complètes de Diderot, revue sur les éditions originales, compre

nant ce qui a été publié à diverses époques et les manusc rits inédits, conservés à la

  Bibliothèque de l'Ermitage, notices, notes, table analytique. Étude sur Diderot et le

mouvement philosophique au XVIII' siècle, par J. Assézat, 20 vols . (Par i s : G arnier ,

1875-7; Nendel n , Lichtens te i n : Kraus , 1966) , vol . 11: Beaux-Arts II, arts du des

  sin {Salons),p p . 2 6 0 - 2 .

21 . S terne , A Sentimen tal Journey,^p. 158 e 164.

22. Howard C. Rice, Jr. , "A 'New' Likeness of Thomas Jefferson", William and 

Mary Quarterly, 3 a série, vol. 6, li 1 (janeiro de 1949) : 84-9. Sobre o processo de mo do

mais geral, ver Tony Halliday, Facing the Public: Portraiture in the Aftermath of the

  French Revolution (Manches ter : Ma nches ter Univers i ty Press , 1999) , pp . 43-7 .

23 . Muy ar t não pôs o seu nom e nos panf le to s que defend iam o cr i s t ia

n i s m o : Motifs de ma foi en Jésus-Christ, par un magistrat  (Par i s : Vve Hér issant ,

1776) e Preuves de l'authenticité de nos évangiles, contre les assertions de certains

critiques modernes. Lettre à Madame de Par l'auteur de Motifs de ma foi en

 Jésus-Christ  (Par i s : Durand e t Bel in , 1785) .

24 . P ier re-F rançois Mu yar t de Vouglans , Réfutation du Traité des délits et 

  peines, etc.,impr essa no final de seu Les Lois criminelles de France, dans leur ordre

naturel (Par i s : Benoî t Mor in , 1780) , pp . 811,815 e 830.

25 . Ib id . , p . 830.

2 6 . S p i e r e n b u r g , The Spectacle of Sufferings. 53 .

27 . Anon. , Considerations o n theDearness of Corn and Provisions ( L o n d r e s :

J . Almo n, 1767) , p . 31; Anon. , The Accomplished Letter-Writer; or, Universal Cor

respondent. Containing Familiar Letters on the Most Common Occasions in Life

( L o nd r e s , 1 7 7 9 ) ,p p . 1 4 8 - 5 0 . D o n n a T . A n d r e w e R a n d a l l M c G o w e n , ThePerreaus

and Mrs. Rudd: Forgery and Betrayal in Eighteenth-Century London (Berkeley:

University of California Press, 2001 ), p. 9.

252

32. Um a fonte essencia l , não só sobr e o caso Calas mas sob re a prá t ica dator tura de modo mais gera l , é Lisa Si lverman, Tortured Subjects: Pain, Truth, and 

the Body in Early Modern France (Chicago : Univers i ty of Chica go Press , 2 001 ) . Ver  

t a m b é m A l e x a n d r e - J é r ô m e L o y s e au d e M a u l é o n , Mémoire pour Donat, Pierre et 

  Louis Calas (Par i s : Le Bre ton , 1762) , pp . 38-9; e Él ie de Beaumont , Mémoire pour 

  Dame Anne-Rose Cabibel, veuve Ca las, et pour ses enfant s sur le renvoi a ux requêtes

de l'Hôtel au Souverain, ordonné par arrêt du Conseil du 4 juin 1764 (Par i s : L . Cel -

lo t , 1765) . Élie de Beau mon t represen tou a famí l ia Calas perant e o Conse l ho Real .

Sobre a publ icação desse t ipo de pe t ição lega l , ver Sarah Maza , Private Lives and 

  Public Affairs: The Causes Célèbres ofPrerevolutionary France (Berkeley: Univer

s i ty of Cal i forn ia Press , 1993 ) ,pp . 19-38.

33 . Ala in Corbin , Jean-Jacques Cour t ine e George s Vigare l lo , eds . , Histoire

du corps, 3. vols. (Pa ris: Édit ions du Seuil, 200 5-6) , vol.   \\Dela   Renaissance aux Lumières (2005) , pp . 306-9 . [Ed. bras i le i ra : História do corpo, 3 vols . , t rad . Lúcia

M. E. Or th (Pe trópo lis: Vozes, 2008), vol. 1: Da Renascença às Luzes.] Crimes and 

 Punishments, pp. 58 e 60.

34. O Parlement  d e B u r g u n d y d e i x o u d e o r d e n a r a question préparatoire

depoi s de 1766, e o seu empreg o da pena de mor t e dec l inou de 13-14 ,5% de todas

as condenações cr iminais na pr imei ra metade do século xviu para menos de 5%

entre 1770 e 1789. O emprego da question préparatoire, e n t r e t a n t o , a p a r e n t e

m e n t e n ã o d i m i n u i u n a F r a n ç a — J a c o b s o n , " T h e P o l i t i c s o f C r i m i n a l L a w

Reform", pp . 36-47.

35 . Crimes and Punishments, pp. 60-1 (ênfase no or ig ina l ) . Muy ar t de Vou

glans , Réfutation du Traité, pp. 824-6.

36. Ver Venturi, ed., Cesare Beccaria, pp. 30-1, a edição italiana definitiva de1766 (a úl t ima supervis ionada pe lo própr io Beccar ia ) . O parágrafo aparece no

me smo lugar na t raduçã o inglesa or ig ina l , no cap . 11 . Sobre o emprego pos ter ior da

ordem f rancesa , ver , por exemplo , Dei delitti e delle pene. Ediz ione rivista, co retta, e

253

 

disposta secondo Fordine delia traduzionefrancese approvato dall'autore (Londres:

Presso la Societ à dei Filosofi, 1774), p. 4. Seg undo Luigi Fi rpo, essa edição foi na ver

dade publicada por Coltellini em Livorno — Luigi Firpo, "Contributo alia biblio

grafia dei Beccaria. (Le edizioni italiane settecentesche del Dei delitti e dellepene)",

in Atti del convegno internazionale su Cesare Beccaria, pp. 329-453, esp. pp. 378-9.

37. A primei ra obra francesa abertamen te crítica ao empre go judicial da tor

tura apareceu em 1682 e foi escrita por um impo rtan te magist rado no Parlement de

Dijon, Augustin Nicolas; o seu argu ment o era contra o uso da tortura em julgamen

tos de feitiçaria—Silverman, Tortured Subjects, p. 1 61. 0 estudo mais completo das

várias edições italianas de Beccaria pode ser encontr ado em Firpo, "Con trib uto alia

  bibliografia de Beccaria", pp. 329-453. Sobre a tradução inglesa e para outras línguas,

44. Maza, Private Lives and Public Affairs, p. 253. Jacobson,"The Politics of 

Criminal Law Reform", pp. 360-1.

45. Jourd an, ed., Recueil general des anciennes lois françaises, vol. 28, p. 528.

Muyart de Vouglans, Les Loix criminelles, p. 796. No ranking  da frequência dos

assunto s por docu men to (1 sen do o grau mais alto, 1125 o mais baixo), o código

criminal teve 70,5 para o Terceiro Estado, 27,5 para a Nobreza e 337 para as Paró

quias; o processo legal teve 34 para o Terceiro Estado, 77,5 para a Nobreza e 15

  para as Paróquias; a acusação e as penalidades criminais tiveram 60,5 para o Ter

ceiro Estado, 76 para a Nobreza e 171 para as Paróquias; e as penalidades pela lei

criminal tiveram 41,5 para o Terceiro Estado, 213,5 para a Nobreza e 340 para as

i d f d j d i i l i d h

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ver Marcello Maestro, Cesare Beccaria and the Origins of Penal Reform (Philadelphia:

Temple University Press, 1973), p. 43. Suplementei a sua contagem das edições de lín

gua inglesa com o English Short Tide Catalogu e. Crimes and Punishments, p. iii.

38. Venturi , ed., Cesar Beccaria, p . 496 .0 tex to apa receu em Annales politi

ques et littéraires 5 ( 1779), de Linguet.

39 . Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers,

17 vols. (Paris , 1751 -80), vol. 13 ( 1765), pp. 702-4. Jacobson, "Th e Politics of Cri

minal Law Reform", pp. 295-6.

40. Jacobson, "The Politics of Cri mina l Law Reform", p. 316. Venturi, ed.,

Cesare Beccaria, p . 517 . Joseph-Miche l-Anto ine Se rvan , Discours sur l e progrès des

connoissances humaines en général, de la morale, et de la l égislation en particulier 

(n. p., 1781),p. 99

41. Tenho u ma opini ão mais favorável dos escritos sobre lei criminal de Bris-

sot do que Robert Darn ton . Ver, por exemplo, George Washington's False Teeth: An

Unconventional Guide to the Eighteenth Century (Nova York : W.W. Norto n , 2003),

esp. p. 165. [Ed. brasileira: Os dentes falsos de George Washington, trad. José Geraldo

Couto (São Paulo: Companhia das Letras, 2005).] As citações de Brissot são tira

das de Théorie des lois criminelles, 2 vols. (Paris: J. P. Aill aud, 18 36), vol. 1, pp 6-7.

42. Essas estratégias retór icas são analisadas em profun dida de em Maza,

  Private Lives and Public Affairs. Quando Brissot publicou o seu Théorie des lois cri

minelles (1781), escrito originalmente para um concurso de ensaios em Berna,

Dup aty lhe escreveu com o intuit o de celebrar o esforço de ambos "para fazer a

verdade, e com ela a humanidade, triunfar". A carta foi reimpressa na edição de

1836, Théorie des lois criminelles, vol . 1 , p . v i . [Charl e s -Mar gueri t e Dup a ty ],

Mémoire justificatif pour trois hommes condamnés àla roue (Pa ris : Ph il ippe -Denys

Pierres, 1786), p. 221.

43 . Dupa ty , Mémoire justificatif, pp. 226 e 240. L'Humanité  apa rece muita s

vezes na petição e em virtualmente todo parágrafo nas últimas páginas.

254

Paróqu ias . As duas fo rmas de to rtu ra jud ic ia lmente sanc ionadas não chega ram a

ter graus assim tão elevados, porqu e a "quest ão prepar atór ia" já tinh a sido defini

t ivamente e l iminada e a"ques tão p re l imina r" fo ra também prov iso riamente abo

lida. O ranking dos assuntos é tirado de Gilbert Saphiro e John Markoff, Revolu

tionary Demands: A Content Analysis of the Cahie rs de Doléances of 1789

(Stanford: Stanford University Press, 1998), pp. 438-74.

46. Rush, An Enquiry, pp . 13 e 6-7.

47. Muya rt de Vouglans, Les Loix criminelles, esp. pp. 37-8.

48 . Antón i o Damás io , The Feeling of What Happens: Body and Emotion in

the Making of Consciousness (San Diego: Harc ourt , 1999) [ed. brasileira: O misté

rio da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si, trad. Laura Tei

xeira Motta (São Paulo: Companhia das Letras, 2000) ], e Looking for Spinoza: Joy,

Sorrow, and the Feeling Brain (San Diego : Harcour t , 2003) [ed . b ras i le ira : Em

busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos, trad. João Baptista da

Cos ta Aguia r (São Pau lo : Compan hia das Le tra s , 2004)] . Ann Thomso n , "Mate

rialistic Theori es of Mi nd an d Brain", in Wolfgang Lefèvre, ed., Between Leibniz,

  Newton, and Kant: Philosophy and Science in the Eighteenth Century(Dordrech t:

Kluwer Academic Publishers, 2001), pp. 149-73.

49. Jessica Ri skin, Science i n the Age of Sensibility: The Sentimental Empiri

cists of the French Enlightenment  (Chi cago: Univer sity of Chicago Press, 2002),

citação de Bonnet, p. 51. Sterne, A Sentimental Journey, p. 117.

50. Rush, An Enquiry, p. 7.

3. " E L E S D E R A M U M G R A N D E E X E M P L O " [ P P . 113"45]

1 . O s ign if icado de "dec la r ação" pode se r pesqu isado in Dictionnaires

d'autrefois, função de A R T F I . em <www.lib .uch icago .edu /e fts /ARTFl. /p ro jc i : ts / 

2 5 5

 

dicosX O título oficial da Bill ofRights inglesa de 1689 era "Uma Lei Declarando

os Direitos e as Liberdades do Súdito e Estabelecendo a Sucessão da Coroa".

2. Archives parlementaires de 1787à 1860: Recueil complet des débats législa

tifs et politiques des chambres françaises, série 1,99 vols. (Paris: Librairie Admi nis

trative de P. Dupo nt, 1875-1913) , vol. 8, p. 320.

3. Sobre a impor tâ nci a de Grot ius e do seu tratad o O direito da guerra e da

 paz (1625), ver Richard Tuck, Natural Rights Théories: Their Origin and Develop

ment (Cambridge: Cambridge University Press, 1979). Ver também Léon Ingber,

"La Tradition de Grotius. Les Droits de l'ho mme et le droit naturel à l'époque con

temporaine", Cahiers de philosophie politique et juridique, n" 11 : "Des Théories du

droit naturel" ( Caen, 1988): 43-73 . Sobre Pufendorf, ver T. J. Hochstrasser, Natu

la Nature une Liberté 8c une indépendance, qu'ils ne peuvent perdre que par leur 

consentement" [Prova-se em Direito Natural que todos os homens recebem da

 Natureza uma Liberdade 8c uma independência que eles não podem perder senão

  por seu consen timen to] — M. de Vattel, Le Droit des gens ou principes de la hi

naturelle appliques à la conduite etaux affaires des nations et des souverains, 2 vols.

(Leyden:AuxDé pens de la compagnie, 1758), vol. l , p.2 .

6. Joh n Locke, Two Treatises of Government  (Cambridge: Cambridge Uni

versity Press, 1963), pp. 36 6-7. [Ed. brasileira: Dois tratados sobre o governo, trad.

Júlio Fischer (São Paulo: Martin s Fontes, 1998).] James Farr," 'So Vile and Mise

rable an Estate': Th e Problem of Slavery in Locke's Political Thought ", Political 

Theory, vol. 14, n a 2 (mai o de 1986): 263-8 9, citação p. 263.

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ral Law Théories in the Early Enlightenment  (Cambridge: Cambridge University

Press, 2000).

4. Nã o me concen trei aqui na distinçã o entre a lei natural e os direito s natu

rais, em parte porque nas obras em francês, como a de Burlamaqui, ela é frequen

tement e pouco nítida. Além disso, as própri as figuras políticas do século xvm não

faziam necessariamente distinções claras. O tratado de Burlamaqui de 1747 foi

traduzi do imediatame nte para o inglês como The Principies of Natural Law

(1748) e depois para o holandês (1750), dinamarquês (1757), italiano (1780) e

finalmente espan hol ( 1850) — Ber nard Gagn ebin , Burlamaqui et le droit naturel 

(Genebra: Editions de la Frégate, 1944), p. 227. Gagnebin afirma que Burla maqui

tinha menos influência na França, mas um dos ilustres autores que escreviam

  para a Encyclopédie (Boucher d'Argis) usou-o como sua fonte para um dos arti

gos sobre a lei natural. Sobre as visões de Burlamaqui a respeito da razão, da natu

reza hum an a e da filosofia escocesa, ver J. J. Burl amaq ui, Principes du droit natu

rel par J.}. Burlamaqui, Conseiller d'État, et ci-devant Professeur en droit naturel et 

civil à Genève (Genebra: Barrillot et fils, 1747), pp. 1-2 e 165.

5. Jean Lé vesque de Burigny , Vie de Grotius, avec l'histoire de ses ouvrages, et 

de négociations auxquelles il fut employé, 2 vols. (Paris: Debure l'aîné, 1752) . T.

Rutherford, D. D. F. R. S., Institutes of Natural Law Being the substance ofa Course

of Lectures on Grotius de Jure Belli et Paci, read in St. Johns Collège Cambridge, 2

vols. (Cambridge: J. Bentham, 1754-6). As palestras de Rutherford parecem ser 

um a exemplificação perfeita da ideia de Haako nss en de que a ênfase da teoria da

lei natural sobre os deveres mostrou-se muito difícil de se conciliar com a ênfase

emergente sobre os direitos naturais que cada pessoa possui (ainda que Grotius

tivesse contribuído para ambas). Outro jurista suíço, Emer de Vattel, escreveu

tam bém ex tensamente sobre a lei natural, mas ele se concentrou mais nas relações

entre as nações. Vattel também insistia na liberdade e independência naturais de

todos os homens. "On prouve en Droit Naturel, que tous les hommes tiennent de

256

7. William Blackstone, Commentaries on the Laws of England, 8' ed., 4 vols.

(Oxford: Clarendon Press, 1778),vol. l,p. 129.Ainfluênciadodiscurso dos direi

tos naturais é evidente nos comentários de Blackstone, porque ele começa a sua

discussão no livro 1 com uma consideração sobre os "direitos absolutos dos indi

víduos", com os quais ele queria dizer "aqueles que perten ceriam às suas pessoas

mera ment e num estado de natureza, e que todo hom em tem o direito de possuir,

dentr o ou fora da sociedade" (1:123, mesmas palavras na edição de 1766, Dublin) .

Há uma literatura imensa sobre a relativa influência das ideias universalistas e

  particularistas dos direitos nas colónias britânicas na América do Norte. Uma

alusão sobre esses debates pode ser encontrada em Donald S. Lutz, "The Relative

Influence of European Writers on Late Eighteenth-Century American Political

Thought", American Political Science Review, 78 (1984): 189-97.

8. James Otis , TheRights of the British Colonies Asserted and Proved  (Boston:

Edes 8c Gill, 1764), citações pp. 28 e 35.

9. Sobre a influência de Burlamaqui nos conflitos americanos, ver Ray For

rest Harvey, Jean Jacques Burlamaqui: A Liberal Tradition in American Constitu

tionalism (Chapel Hill: University of Nor th Carolina Press, 1937) ,p. 116. Sobre as

citações de Pufendorf, Grotius e Locke, ver Lutz, "The Relative Influence of Euro

  pean Writers", esp. pp. 193-4; sobre a presença de Burlamaqui nas bibliotecas

americanas, ver David Lundberg e Henry F. May, "The Enlightened Reader in

America", American Quarterly, 28 (1976): 262-93, esp. p. 275. Citação de Burla

maqui, Principes du droit naturel, p. 2.

10. Sobre o crescente desejo de declarar a indep endê ncia , ver Paulin e Maier,

  American Scripture, pp. 47- 96. Sobr e a Decla ração da Virgin ia, ver Kate Mason

Rowland, The Life of George Mason, 1725-1792,2 vols. (Nova York: G. P. Putnam's

Sons, 1892),vol. l .pp.438-41.

11. Um a discussão breve mas extremamen te pertinen te é encontrad a em

257

 

Jack N. Rakove, Declaring Rights: A Brief History with Documents (Boston: Bed

ford Books , 1998) , esp . pp . 32-8 .

12. Sou gra ta a Jennifer Popi el pela pesquis a inicial sobre os títulos ingleses

empregando o Engl i sh Shor t Ti t le Cata logue . Não faço d is t inção no emprego do

termo "di re i tos" , e não excluo o cons iderável número de re impressões ao longo

dos anos . O número de usos de direitos nos t í tu los dobrou dos anos 1760 para os

anos 1770 (de 51 na década de 1760 para 109 na de 1770) e depois permaneceu

quas e o mesm o na déca da de 1780 (95) . [Wil l iam Gra ha m of Newc as t le ] , An

  Attempt to Prove, That Every Species of Patronage is Foreign to the Nature of the

Church, and, That any MODIFICATIONS, which either have been, or ever can be

  proposed, are INSUFFICIENT to regain, and secure her in the Possession of the

(1983) , p . 243. Uma bib l iograf ia comple ta encont ra-se em D. O. Thomas , John

Stephens e P. A. L. Jones, A Bibliography of the Works of Richard Price ( A l d e r s h o t ,

Hants : Scolar Press , 1993) , esp . pp . 54-80. J . D. van der Capel len , car ta de 14 de

dezembro de 1777, in Peach e Thomas , eds . , The Correspondence of Richard Price,

vol.1, p. 262.

14 . Civil Liberty Asserted, and the Rights o f the Subject Defended, against The

  Anarchical Principles of the Reverend Dr. P rice. In which his Sophistical Reasonings ,

  Dangerous Te nets, and Principles of False Patriotism, Contained in his O b s e r v a

tions on Civil Liberty, etc. are Exposed and Refuted. In a Letter to a Gentleman in

theCountry.ByaFriendtotheRightsoftheConstitution(Londres:].WiMe, 1776) ,

c i tações pp . 38-9 . Os opos i tores de Pr ice não negavam necessar iamente a ex is tên

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 129/142

  LIBERTY, wherewith CHRISThath made her free... (Edimburgo: J .Gray 8cG.Als-ton , 1768) , pp . 163 e 167. Já em 1753, um cer to James Tod t inha publ icado um

  panf le to in t i tu lado The Natural Rights of Mankind Asserted: Or a Just and Faithful 

  Narrative of the Ille gal Procedure of the Pre sbytery of Edinburgh against Mr. James

Tod Preacher of the Gospel... ( E d i m b u r g o , 1 7 5 3 ) . W i l l i a m D o d d , Popery inconsis

tent with the Natural Rights of MEN in general, and of ENGLISHMEN in particu

lar: A Sermon Preached at Charlotte-Street Chapel  (Lond res : W. Faden , 1768) .

Sobre Wilkes , ver por exe mplo "To the Elec tors of Aylesbury (1764)" , in English

  Liberty: Being a Collection of Interesting Tracts, From the Year 1762 to 1769 Contai

ning the Private Correspondence, Public Letters, Speeches, and Addresses, of John

Wilkes, Esq. (Londres : T . Baldwin , s . d . ) , p . 125. Sobre Junius , ver , por exempl o , as

cartas xii (30 de maio de 1769) e xni (12 de junho de 1769) in The Letters of Junius,

2 vols . (Dubl in : Thomas Ewing, 1772) ,pp . 69 e 81 .

13 . [Manass eh Da wes] , A Letter to Lord Chatham, Concerning the Present 

War of Great Britain against America; Reviewing Candidly and Impartially Its

Unhappy Cause and Consequence; and wherein The Doctrine of Sir William Black-

  stone as Explained in his Celebrated Comm entar i es on the Laws of England, is Oppo

  sed to Ministerial Tyranny, and Held up in Favor of America. With some Thoughts

on Government by a Gentleman of the Inner Temple (Londres: G. Kearsley, s.d.;

manu scr i t o 1776) , c i tações pp . 17 e 25 . Richard Pr ice , Observations on the Nature

of Civil Liberty, c i tação p . 7 . Pr ice a legou exis t i rem onze edições de seu t ra tado

numa car ta a John Winthrop — D. O. Thomas , The Honest Mind: The Thought 

and Work of Richard Price (Oxford: Clarendon Press , 1977) , pp . 149-50.0 sucesso

do panf le to fo i ins tan tâneo. Pr ice escreveu a Wil l iam Adams, em 14 de fevere iro

de 1776, que o panf le to fora publ icado t rês d ias an tes e já es tava quase in te i rament e esgotada a sua edição de mi l cópias — W. Bernar d Peach e D. O. Thom as ,

eds . , The Correspondence o f Richard Price, 3 v ol s . ( D u r h a m , N C : D u k e U n iv e r s i t y

Press, e Cardiff: Universi ty of Wales Press , 19 83-94 ), vol. 1: July 1748-March 1778

258

c ia de d i re i tos universa is . Às vezes e les s implesmente se opunham às pos ições

especí f icas de Pr ice no Par l amen to ou à re lação da Grã-Bre ta nha com as colônia s .

Por exemplo , The Honor of Parliament and the Justice of the Nation Vindicated. In

a Reply to Dr. Price's Observat ions on the Nature of Civ i l Liber ty (Londres : W.

Davis , 1776) usa a expressão "os d i re i tos na tura is da humanidade" por todo o

l ivro num sent ido favorável . Da mesma forma, o autor de Experience Preferable to

Theory. An Answer to Dr. Price's Observ at ion s on the Natur e of Civ i l Liber ty , and 

the Justice and Policy of the War with America (Londres : T . Payne , 1776) não vê

nenhum problema em se refer i r aos "d i re i tos da na tureza humana" (p . 3) ou aos

"di re i tos da humanidade" (p . 5) .

15 . A longa répl ica de Fi lmer a Grot ius pode ser enco nt rad a em "Observa

t ions Conc ernin g the Or ig in a l of Govern ment" , no seu The Free-holders Grand   Inquest, TouchingOur Sovereign Lord the Kingandhis Parliament (Londres , 1679) .

Ele resume a sua pos ição: "Apresente i brevemente aqui as inconveniências i r re

m e d i á v e i s q u e a c o m p a n h a m a doutrina da liberdade natural e da comunidade de

todas as coisas; es tes e mui to mais absurdos são fac i lmente e l iminados , se ao con

t r á r i o m a n t e m o s o domínio natural e privado de Adão como a fonte de todo o

governo e propr iedade" — p. 58 . Patriarcha: Or the Natural Power of Kings ( L o n

dres: R. Chiswel et al. , 1685), esp. pp. 1-24.

16. Char les Wa rren Evere t t , ed., A Comment on the Commentaries: A Criti

cism of William Blackstone's C o m m e n t a r i e s o n t h e L a w s o f E n g l a n d by Jeremy

 Bentham (Oxford: Cla ren don Press , 1928) , c i tações pp . 37-8 . "Non sens e up on

St i l t s , o r Pandora ' s Box Ope ned , or The French Declara t ion of Rights Pref ixed to

the Const i tu t ion of 1791 Laid Open and Exposed" , re impresso in Phi l ip Scho-f ie ld , Cather ine Pease-Watkin e Cypr ian Blamires , eds . , The Collected Works of 

  Jeremy Bentham. Rights, Representation, and Reform:Nonsense upon St i l t s and 

Other Writings on the French Revolution (Oxford: Clarendon Press , 2002) , pp .

259

 

319-75 , citação p. 33 0. 0 panfleto, escrito em 1795, só foi publ icad o em 1816 (em

francês) e 1824 (em inglês).

17 . Du Pon t tam bém ins is t ia nos deve res rec íp rocos dos ind i v íduos — 

Pie rre du Pon t de Nemours , De l'Origine et des progrès d'une science nouvelle

(1768), in Eugène Daire, ed., Physiocrates. Quesnay Dupont de Nemours, Mercier 

de la Rivière, l'Abbé Bandeau, Le Trosne (Paris: Librarie de Guil laum in, 1846), pp.

335-66, citação p. 342.

18 . Sobre a "p ra t icam ente e squec ida" Dec la ração da Inde pendênc ia , ver  

Maier, American Scripture, pp. 160-70.

19. A carta de Rousseau criti cando o uso excessivo de "hu man ida de" pode

ser encontrada em R. A. Leigh, ed., Correspondance complète de Jean Jacques Rous

  Les Droits de l'homme et la conquête des libertés: Des Lumières aux r évolutions de

1848 (Grenoble: Presses Universitaires de Grenoble, 1988), pp. 44-9.

23. Archives parlementaires, 8:135 ,217 .

24. Julian P. Boyd, ed., The Papers of Thomas Jefferson, 31 vo ls . (Prince ton :

Prin ceto n University Press, 1950- ),vol. 15: March 27,1789, to November30,1789

( 1958), pp . 266-9 . Os t í tu los dos vá rios p ro je tos encon tr am-se em Anto ine de

Baecque, ed., L'An Ides droits de l'homme. De Baecque oferece informações essen

ciais sobre o pano de fundo dos debates.

25. Rabau t é cita do em de Baecque , L'An I, p. 138. Sobre a dificuldade de

explicar a mudança de opiniões a respeito da necessidade de uma declaração, ver 

T imothy Tacke tt , Becoming a Revolutionary: The Deputies of the French National 

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 130/142

 seau, vol. 27, Janvier 1769-Avril 1770 (Oxford : Voltaire Foundat ion, 1980), p. 15

(carta de Rousseau a Laurent Aymon de Franquiè res, 15 de janeiro de 1769). Sou

grata a Melissa Verlet pela sua pesquisa sobre esse tema. So bre Rousseau ter con he

cido Benjamin Franklin e sua defesa dos americanos, ver o relato de Thomas Ben

tley datad o de 6 de agosto de 1776, em Leigh, ed., Correspondance complète, vol. 40,

  Janvier 1775-Juillet 1778,pp. 258-63 ("[...] os ameri canos, que ele disse não ter em

menos direito de defender as suas liberdades por serem obscuros ou desconheci

dos", p. 259). Além desse relato de um visitante de Rousseau, não há menção a

temas americanos nas cartas do próprio Rousseau de 1775 até a sua morte.

20. Elise Mari enstr as e Nao mi Wulf,"Fr ench Translations an d Reception of 

the Declaration of Independence", Journal of American History, 85 (1999): 1299-

-334. Joyce Appleby, "America as a Model for the Radical French Re form ers of 

1789", William and Mary Quarterly, 3" série, vol. 28, n" 2 (abr il de 1971 ): 267-8 6.

21. Sobre os emp reg os dessas expres sões, ver  Archives parlementaires, 1:

711 ; 2 :57 ,139 ,3 48 ,383 ; 3 :256 ,3 48 ,662 , 666 ,740 ; 4 :668 ; 5 :391 ,545 . Os p rime i

ros seis vol umes do s Archives parlementaires con têm apenas uma se leção das

milhares de listas de queixas existentes; os editores incluíram muitas das listas

"gerais" (as dos nobres, clero e Terceiro Estado de toda uma região) e algumas dos

estágios preliminares. Sou grata a Susan Mokhberi pela pesquisa sobre esses ter

mos. A maior parte da análise do conteúdo das listas de queixas foi realizada antes

que houvesse escaneamento e pesquisa eletrônica e, portanto, reflete os interes

ses específicos dos autores e os meios um tanto canhestros de análise antes dispo

nív eis — Gilbert Saphiro e John Markoff, Revolutionary Demands.

22. Archives parlementaires, 2: 348; 5: 238. Beatric e Fry Hyslop, French

  Nationalism in 1789According to the General Cahiers (Nova York: Colum bia Uni

versity Press, 1934), pp. 90-7. Stéphane Rials, La Déclaration des droits de l'homme

et du citoyen (Pa ris : Hache tte , 1989). Um tan to desapon tador é Claude Courvo i -

sier,"Les Droits de l'homme dans les cahiers de doléances", in Gérard Chinéa, ed.,

260

  Assembly and the Emergence of a Revolutionary Culture ( 1789-1790) (P r in c e to n :

Prin ceton Universit y Press, 1996), p. 183.

26. Sessão da Asse mble ia Naci onal de 1" de agosto de 178 9, Archives parle

mentaires,^: 230.

27. A necessidade de quatro declaraçõ es é menc ion ada na "rec apit ulaçã o"

dad a pelo Comi tê sobre a Constit uição em 9 de jul ho de 1789 — Archives parle

mentaires^: 217.

28. Con for me citado em D. O. Thoma s, ed., Richard Price: Political Writings

(Cambri dge : Cambrid ge Unive rs i ty Pres s , 1991),pp . 119e 195 .

29. A pass agem de Direitos do homem pode se r encon trada em "Hypertex t

on American His to r y from the Colon ia l Pe riod un ti l Moder n Times", Depart

ment o f Huma nit i e s Com put ing , Unive rs idade de Gron i ngen , Pa íses Ba ixos ,

< h t t p : / / o d u r . l e t . n l / ~ u s a / _ D / 1 7 7 6 - 1 8 0 0 / p a i n e / R O M / r o f m 0 4 . h t m >( c o n s u l t a d o

em 13 de ju lho de 2005). A passagem de Burke pod e se r encon tra da em

< w w w . b a r t l e b y . e o m /2 4 /3 /6 . h tm l> (consultado em 7 de abril de 2006).

30. Sobre os títulos ingleses, ver nota 12 acima. O nú mer o de títul os ingle

ses que usam a palavra "direitos" na década de 1770 foi 109, muito mais elevado

que na década de 1760, mas ainda só um quart o do núm er o encont rado na década

de 1790. Os títulos holandeses podem ser encontrados no Short Title Catalogue

  Nethe rla nds. Sobr e as tra duçõ es alemãs de Paine, ver Hans Arno ld, "Die Auf

nahme von Thomas Paine Schriften in Deutschland", PMLA, 72 (1959): 365-86.

Sobre as ideias de Jefferson, ver Matt hew Schoenbachler , "Republ icanism in t he

Age o f Democr a t ic Revo lu t ion : The Democr a t ic - Republ ican Soc ie t ies o f the

1790s", Journal of the Early Republic, 18 (1998): 237-61. Sobre o impacto deWoll-

stonecraft no s Estados Unidos , ver Rosema rie Zagarri, "The Rights of Man and

Wom an in Pos t -Revo lu t iona ry America" , William and Mary Quarterly, 3" série,

vol. 55, n" 2 (abril de 1998): 203-30.

31. Sobre a discussão de 10 de setemb ro de 1789, ver Archivesparlementai-

• ( . I

 

res, 8:608. Sobre a d iscussão e passagem f ina is , ver ib id . , 9 :386-7 ,392-6.0 melhor  

re la to da pol í t ica em torno da nova leg is lação cr iminal e penal pode ser encon

t r a d o e m R o b e r t o M a r t u c c i , La Costituente ed il problema pénale in Francia, 1789-

-1791 (Mi lão: Giuff re , 1984) . Mar tucc i most ra que o Comitê dos Sete tornou-se

o Comitê sobre a Lei Cr iminal .

32. Archives parlementaires, 9: 394-6 (o decreto final) e 9: 213-7 (relatório

d o c o m i t ê a p r e s e n t a d o p o r B o n A l b e r t B r i o i s d e B e a u m e t z ) . O a r t i g o 2 4 n o

decre to f ina l e ra uma versão levemente revisada do ar t igo 23 or ig ina l , submet ido

  p e l o c o m i t ê e m 2 9 d e s e t e m b r o . V e r t a m b é m E d m o n d S e l i g m a n , La Justice en

  Francependantla Révolution, 2 vols. (Paris : Librairie Pion, 19 13), vol. 1, pp. 1 97-

-204. A l inguagem usada pe lo comi tê sus tenta a pos ição tomada por Barry M.

Máximas e pensamentos, t rad . Cláudio Figuei redo (Rio de Janei ro : José Olympio ,

2007) . ] Eve Katz, "Chamfo r t" , Yale French Studies, n"  40 (1968) : 32-46.

4. "isso  N Ã O T E R M I N A R Á N U N C A " [ P P . 146-76]

1. Archives parlementaires, 10: 693-4 ,754-7 . Sobre os a tores , ver Paul Fr ie -

d l a n d , Political Actors: Representat ive Bodies and Theatricality in the Age of the

 French Revolution ( I thaca , NY : Cornel l Univers i ty Press , 2002) , esp . pp . 215-7 .

2 . Ci tado em Joan R. Gund erse n . 'Tn depen denc e , Ci t izenship , and the Ame

r ican Revolu t ion" , Signs: Journal of Women in Culture and Society, 13 ( 1987): 63-4.

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 131/142

Saphi ro de que o "humani tar i smo" do I luminismo animava as cons iderações dosd e p u t a d o s — S a p h i r o , Revolutionary Justice in Paris, 1789-1790 ( C a m b r i d g e :

Cambridge Univers i ty Press , 1993) .

33. Archives parlementair es, 2 6 : 3 1 9 - 3 2 .

34 . Ib id . , 26: 323. A imprensa foca l izava quase exclus ivamente a ques tão

d a p e n a d e m o r t e , e m b o r a a l g u n s n o t a s s e m c o m a p r o v a ç ã o a e l i m i n a ç ã o d a

marca de fer ro em brasa . O opos i tor mais voci férante da pena de mor te fo i Louis

P r u d h o m m e e m Révolutions de Paris, 98 (21-28 de maio de 1791) , pp . 321-7 , e

99 (28 de mai o-4 de ju nho de 1791 ) , pp . 365-470. Pr ud ho mm e c i tava Beccar ia

c o m o a p o i o .

35 .0 tex to do código cr iminal pode ser encont rado em Archivesparlemen-

taires,3\: 326-39 (sessão de 25 de se tembro de 1791) .

36. Ib id . , 26:325 .37 . Robe spier re é c i tad o em con for mid ade com a cr í t ica que Lacre te l le

  publ icou a respe i to do ensa io : "Sur le d iscours qui ava i t obtenu u n second pr ix à

l 'Académie de Metz , par Maximi l ien Robespier re" , em Pier re-Louis Lacre te l le ,

Oeuvres, 6 vols . (Par i s : Bossange , 1823-4) , vol . m, pp . 315-34, c i tação p . 321. O

  própr io ensa io de Lacre te l le encont ra-se no vol . l i t , pp . 205-314. Ver também

Joseph I . Shul im, "The Youthful Robespier re and His Ambivalence Toward the

Ancien Régime" , Eighteenth-Century Studies, 5 (pr i maver a de 1972) : 398-420. Fui

a ler tada para a impor tância da honra no s i s tema de jus t iça c r iminal por Gene

Ogle , "Pol ic ing Sain t Domingue: Race , Violence , and Honor in an Old Regime

Colony" , d iss . PhD, Univers i ty of Pennsylvania , 2003.

38 . A def in ição de honra no d ic i onár i o da Acad émie Franç aise pod e ser  

e n c o n t r a d a e m A R T F L , < h t t p : / / c o l e t . u c h i c a g o . e d u / c g i - b i n / d i c o l l o o . p t f - l s t r i p -  p e d h w + h o n n e u r >.

3 9 . S é b a s t i e n - R o c h - N i c o l a s C h a m f o r t , Maximes e t pensées, anecdotes et 

caracteres, ed. Louis Ducros (1794; Par i s : Larousse , 1928) , p . 27 . [Ed. bras i le i ra :

262

3. Em 20-21 de ju lho de 1789 Sieyès leu o seu"Rec onnai ssance e t expos i t ion

ra isonnée des dro i t s de l ' homme e t du c i toyen" para o Comitê sobre a Const i tu i

ção . O texto fo i publ icado como Préliminaire de la constitution française (Par i s :

Baudoin , 1789) .

4 . Sobre as qual i f icações para votar em Delawar e e nas out ra s t reze colônias ,

ver Pa t r ick T. Conley e John P . Kaminsky, eds . , The Bill of Rights and the States: The

Colonial and Revolutionary Origins of American Liberties ( M a d i s o n , w i : M a d i s o n

Hous e , 1992) , esp . p . 291 . Adams é c i tado in Jacob Katz Cogan, "The Look With in :

Proper ty , Capaci ty , and Suff rage in Ninete enth -Cen tury Amer ica" , Yale Law Jour

nal, 107 (1997) : 477.

5 . Antoine de Baecque , éd . , L'An Ides droits de l'homme, p. 165 (22 de agosto),

  pp . 174-9 (23 de agos to) . Timot hy Tacket t , Becoming a Revolutionary, p. 184.

6. Archives parlementaires, 10 (Par i s , 1878) : 693-5 .

7 . Ib id . , 780 e 782. A f rase-chave do decre to d iz : "Não pod e ser apresent ado

nenhum mot ivo para exc lu i r da e legib i l idade um c idadão, a não ser aqueles que

resul ta m de decre tos cons t i tuc ionais" . Sobre a reação à dec isão a respe i to dos pro

tes tantes , ver   Journal d'Adrian Du quesnoy, Député du tiers état de Bar-le-Duc sur 

l'Assemblée Constituante, 2 vols. ( Paris , 1894) , vol. 11, p. 208. Ver ta mb ém Ray

mo nd Birn , "Rel ig ious Tolera t ion and Fre edom of Express ion" , in Dale van Kley,

ed . , The French Idea of Freedom: The Old Regime and the Declaration of the Rights

of1789 (Stanford: S tanford Univers i ty Press , 1994) , pp . 265-99.

8. Tackett, Becoming a Revolutionary, p p . 2 6 2 - 3 . Archives parlementaires, 10

(Par is , 1878) : 757.

9 . Ronald Schechter , Obstinate Hebrews: Representations of Jews in France,

1715-1815 (Berkeley: Univers i ty of Cal i forn ia Press , 2003) , pp . 18-34.

10 . David Feu erwerker , "Anato mie de 307 cahiers de doléances de 1789" ,

  Annales: E. S. G, 20 ( 1965): 45-61.

11. Archives parlementaires, 11 (Paris, 1880): 364.

263

 

12. Ib id . , 364-5; 31 (Par i s , 1880) : 372.

13 . As pa lavras de Clerm ont- Tonn erre são t i radas de seu d iscurso de 23 de

deze mbro de 1789 — ib id ., 10 (Par i s , 1878) : 754-7 . Alguns cr í t icos toma m o d is

curso de Clermont-Tonnerre como um exemplo da recusa a endossar a d i ferença

é t n i c a d e n t r o d a c o m u n i d a d e n a c i o n a l . M a s u m a i n t e r p r e t a ç ã o m a i s a n ó d i n a

  parece jus t i f icada: os deputados acredi tavam que todos os c idadãos devem viver  

sob as mesmas le i s e ins t i tu ições , por tanto um grupo de c idadãos não podia ser  

  ju lgado em t r ibunais separados . Tenho c laramente uma v isão mais pos i t iva que

Schechter , que descar ta a "emancip ação fabulosa dos judeus" . O decre to de 27 de

se tembro de 1791, e le ins i s te , "era meramente uma revogação de res t r ições" e

mudou "o s ta tus apenas de um punhado de judeus , a saber , aqueles que sa t i s fa

sa in t , "Moye ns proposé s à l 'Assemblée Nat ion ale pou r ré tabl i r l a pa ix e t l ' o rdre

dans les co lonies" ) .

2 2 . D u b o i s , Avengers of the New World, esp. p. 163. Décret de la Convention

  Nationale, du 16 jour de pluviôse, an second de la Républi que française, une et indi

visible (Par i s : Impr imer ie Nat ionale Execut ive du Louvre , ano 11 [ 1794] ).

2 3 . P h i l i p D . C u r t i n , " T h e D e c l a r a t i o n o f t h e R i g h t s o f M a n i n S a i n t -

- D o m i n g u e , 1 7 8 8 - 1 7 9 1 " , Hispanic American Historical Review, 30 (1950) : 157-

-75 , c i tação p . 162. Sobre Toussa in t , ver Dubo is , Avengers of the New World, p. 176.

Dubois fornece um re la to comple to do in teresse dos escravos pe los d i re i tos do

h o m e m .

24. Sobr e o f racasso dos esforços de Nap oleã o , ver Dubo is , Avengers. O

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z iam as condiç ões r igorosas " para a c idadan ia a t iva . Que o decre to t ivesse conce

dido aos judeus d i re i tos iguais aos de todos os out ro s c idadãos f ranceses parece

não ser mui to s igni f ica t ivo para e le , mes mo que os jude us só tenha m ganhad o

essa igualdade no es tado de Maryland em 1826 ou na Grã-Bre tanha em 1858 — 

Schechter , Obstinate Hebrews, p. 151.

14 . Um a discussão das pe t ições judaicas encon t ra-se em Schechter , Obsti

nate Hebrews, pp. 165-78, citação p. 166; Petition desjuifs établis en France, adres-

  sée à 1'Assembl ée Nationale, le 28 Janvier 1790, sur I'ajournemen t du 24 décemb re

1789 (Par i s : Praul , 1790) , c i tações pp . 5-6,96-7 .

15. Stanl ey F. Chy et, "Th e Political Rights of Jews in the Uni ted States: 1776-

-1840" , American Jewish Archives, 10(1958) : 14-75. Sou gra ta a Beth Wenger pe la

sua a juda nessa ques tão .

16. Um út i l panor ama do caso dos Es tados Unidos pod e ser enc ont r ado em

Cogan, "The Look With in" . Ver também David Ski l len Bogen, "The Maryland

C o n t e x t o f  Dred Scott: The Decl ine in the Legal S ta tus of Mary land Free Blacks ,

1776-1810" , American Journal of Legal History, 34 (1990) : 381-411.

17. Mémoire enfaveur desgens de couleur ou sang-mêlés de St.-Domingue, et 

desautresílesfrançoisesdel'Amérique,adresséàl'AssembléeNationale,parM. Gré-

  goire, c ure d'Embermenil , Depute de Lorraine (Par i s , 1789) .

18. Archivesparlementaires, 12 (Par i s , 188 1) : 71 . David Geggus , "Racia l

E q u a l i t y , S la v e r y, a n d C o l o n i a l S e c e s s i o n d u r i n g t h e C o n s t i t u e n t A s s e m b l y " ,

  American Historical Review,vo\. 94 , n"  5 (dezembro de 1989) : 1290-308.

19. Motion faiteparM. Vincent Ogé,jeuneà l'assembléedes colons, habitants

deS.-Domingue, à 1'hôtel Massiac, Place des Victoires (provavelmente Par i s , 1789) .

2 0 . L a u r e n t D u b o i s , Avengers of the New World: The Story of the Haitian

 Revolution (Cam br idg e , MA: Belknap Press of Harv ard Univers i ty Press , 2004) ,

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21. Archives parlementaires, 40 (Par i s , 1893) : 586 e 590 (Arma nd- Guy Ker-

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(Oxford: Cla rendo n Press , 1940-9) , vol . 3 , pp . 11 2-3 . Laurent Dubois , A Colony of 

Citizens: Revolution and Slave Emancipatio n in theFrench Car ibbean, 1787-1804

(Chapel Hi l l : Univers i ty of Nor th Carol i ne Press , 2004) , c i tação p . 421.

25 . A expl icação para a exc lusão das mulheres tem s ido mu i to deb at ida no s

úl t im os tempo s . Ver , por exemp lo , a mui to suges t iva in tervençã o de Ann e Ver jus ,

  Le Cens de la famille: Les femmes et le vote, 1789-1848 (Par i s : Bel in , 2002) .

26 . Réflexions sur l'esclavage des nègres ( N e u f c h â t e l : S o c i é t é t y p o g r a p h i q u e ,

1781) , pp . 97-9 .

27 . As referências às mulh eres e aos judeu s encon t ram -se em Archives par

lementaires, 33 (Par i s , 1889) : 363,431-2 . Sobre as opin iões a respe i to das v iúvas ,ver Tacket t , Becoming a Revolutionary, p. 105.

28 . "Sur l ' admi ss ion des femm es au dro i t de c i té" , Journal de la Société de

1789,5 (3 de jul ho de 1790): 1-12.

29 . Os tex tos de Condo rce t e Olympe de Gouges pode m ser enco nt ra dos

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tary History(Boston: Bedford/St . Mar t in ' s Press , 1996) , pp . 1 19-21, 124-8 . Sobr e

a reação a Wol ls tonecraf t e para um ót imo re la to da s suas idéias , ver Barbara Tay

lor , Mary Wollstonecraft and the Feminist Imagination ( C a m b r i d g e : C a m b r i d g e

Univers i ty Press , 2003) .

30 . A cont r ib uiçã o de Pier re Gu yom ar pode ser enc ont r ada em Archives

 parlementaires, 63 (Par i s , 1903) : 591-9 . O por ta-voz do comi tê cons t i tuc ional

  propôs a ques tão dos d i re i tos das mulheres em 29 de abr i l de 1793, e c i tou dois

defensores da idéia , um deles Guyom ar , mas a re je i tou (pp . 561-4) .

31 . Lynn Hu nt , The Family Romance, esp. p. 119.

32 . Rosema r ie Zagarr i , "The Rights of Man and Woma n in Pos t -Revolu t io -

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m i l l a n , 2 0 0 5 ) .

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11 . As v isões revoluc ioná r ias f rancesas são d iscut idas em Lynn Hu nt , The

 Family Romance, esp. pp. 119 e 157.

12 . O texto de Mi l l po de ser enc ont rad o em <w w w . c o n s t i t u t i o n . o r g / 

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4 . Sobre o bandido Schinderhannes e seus a taques a f ranceses e judeus na

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disponível em Frantext: < www. lib .uchicago.edu/ef ts /ARTFL/databases /TLF/> . O

  principal opositor de Jaurès, Jules Guesde, é citado em Ignacio Walker, "Demo

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23. Ver Vladimir Lenin, The State and Revolution (1918), em < www.mar-

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25. A condiç ão estabeleci da pela Cart a é citada em Ishay, The History of 

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Créditos das imagens

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

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P. 37: Julie's Deathbed. Department of Special Collections, Charles E. Young

Research Library, U C L A

 

P. 100: © Bibl io thèque Nat iona le de France

P. 196: © The French Revolu t ion Before and Today. Depa r tm ent of Specia l Col

lec t ions , Char les E. Young Research Library , U C L A

índice remissivo

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Abelardo , Pedro , 35

Académie Française , 143-5 ,262

a ç o i t a m e n t o , 7 7 , 7 8

acordo soc ia l , 60

A d a m s , J o h n , 1 6 , 1 4 7 - 8 , 2 5 8 , 2 6 3

Áfr ica : d iv isão colonia l europeia da ,

1 9 4 , 2 0 8

A l e m a n h a : a n t i s s e m i t i s m o , 1 9 5 , 1 9 7 ;

ideologia rac ia l da , 186, 192, 195,

197, 202; nac ional i smo da , 184-5 ,

195; reg ime naz is ta da , 197,202-3 ,

2 1 0 - 1

Alember t , Jean Le Rond d ' , 36,240,242

alma, negação mater ia l i s ta da , 110

amende honorable, 9 4 , 1 4 0

A m é r i c a d o S u l , m o v i m e n t o s d e i n d e

  pendência da , 183

A n d e r s o n , B e n e d i c t , 3 0 , 2 4 1 , 2 4 3

anes tes ia , 97

a n t i s s e m i t i s m o , 1 8 6 - 8 , 1 9 0 , 1 9 5 , 1 9 7 ,

20 3

Argél ia , cont ro le f rancês da , 19 4-5 ,210

arqui te tura domést ica , 83

a r r a s t a m e n t o e e s q u a r t e j a m e n t o , 7 7 ,

80

ar te do re t ra to , 83 ,85 ,251

Art igos da Confederação (1777) , 126

as iá t icos , imigrant es , 186

asquenazes , 157

assass inos , penal idades judic ia i s para ,

77

A s s e m b l e i a N a c i o n a l : d e c l a r a ç õ e s d e

d i r e i t o s d a , 1 1 5 , 1 2 9 - 3 3 ; ver tam

bém D e c l a r a ç ã o d o s D i r e i t o s d o

H o m e m e d o C i d a d ã o ; f o r m a ç ã o

da , 129; puniçã o judic i a l re for

mad a pe la , 137-42,248; sobre a e l i -

g i b i l i d a d e d o s d i r e i t o s p o l í t i c o s ,

146; sobre o s i s tema da escravatura ,

1 6 2 , 1 6 4 - 5

ate ísmo, 110,180

atores , d i re i tos pol í t icos dos , 14 7,153

Aust rá l ia : res t r ições de imigração da ,

186; suf rágio feminino na , 190

273

 

a u t i s m o , 3 1 , 3 9

a u t o c o n t r o l e , 2 6 , 2 9 , 8 2

autodeterminação nac ional , 184-5 ,208

a u t o n o m i a i n d i v i d u a l : a e s c r i t a c o m o

e x p r e s s ã o d a , 4 4 ; a u t o d i s c i p l i n a

reque r ida pe la , 83; busca das hero í

nas da f icção pe la , 59-60; como

l iberdade , 61; das mulheres , 26,58-

60,64 , 67-9 , 169; ênfase educacio

na l na , 60 , 61; in ter ior idade como

e v i d ê n c i a d a , 3 0 , 4 8 ; j u l g a m e n t o

mora l e 26 241

Bonald , Louis de , 179-80,266

Bonnet , Char les , 111,255

Bossuet , Jacques-Bénigne , 22 ,238

Boswel l , James , 89 ,252

B o u c h e r d ' A r g i s , A n t o i n e - G a s p a r d ,

1 0 4 , 2 4 0 , 2 5 6

Bradshaigh , Lady Dorothy, 46,243

Brandeis , Louis , 190,267

Brisso t , Jacques-Pier re , 59 ,105-6,161,

2 4 5 , 2 5 4

Brunet de Latuque , P ier re , 146,152-3 ,

155

nas colônias amer icanas , 148, 160;

tá t icas da Inquis ição do , 74 ,76,180

Cavour , Cami l lo d i , 185

c é r e b r o , f u n c i o n a m e n t o d o , 3 1 , 3 9

C h a m b e r l a i n , H o w a r d S t e w a r t , 1 9 2 - 3 ,

1 9 5 , 2 6 8

C h a m f o r t , S é b a s t i e n - R o c h N i c o l a s ,

1 4 4 - 5 , 2 6 2 , 2 6 3

Chodowiecki , Danie l , 100

Chrét ien , Gi l les -Louis , 90 ,92

C h u r c h i l l , W i n s t o n , 2 0 8

Clarissa ( R i c h a r d s o n ) : d i l e m a f e m i

d o s D i r e i t o s H u m a n o s e L i b e r d a

d e s F u n d a m e n t a i s ( 1 9 5 0 ) , 2 0 8

corpo: cará ter reve lado pe lo , 99 , 101;

d ignidade do , 108; in tegr idade do ,

2 7 - 8 , 3 0 , 8 2 , 2 4 1 ; n a p i n t u r a , 8 5

Cor te In ternac ional de Jus t iça , 203

C o s w a y , R i c h a r d , 9 0

cr ianças : cont ro le dos pa is sobre as , 28 ,

61-2; educação das , 60-2; prá t icas

de cr iação das , 63

c r i m e s c o n t r a a h u m a n i d a d e , 2 0 2

cr i s t ian ismo 93 134 245 252; igual

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 137/142

moral e , 26,241

autor idade pol í t ica : acordo soc ia l so

  bre a , 60; preservação dos d i re i tos

como base da , 30

Barbeyrac , Jean , 118

Barnave , Antoine , 162

Bast i lha , a taque à pr i são da , 130

B e c c a r i a , C e s a r e , 8 0 , 8 1 , 9 3 - 4 , 9 7 , 1 0 1 -

4 , 1 3 9 , 2 4 8 , 2 5 0 - 1 , 2 5 3 - 4 ; a m p l a

inf luência de , 80-1 ,102,103-4 ,125,

250-1 ,262; opos to à pena de mor te ,

8 0 , 8 1 , 9 8 ; p r o c e d i m e n t o s c r i m i

na is públ icos apoiados por , 97 ,98 ,

101, 137; sobre a tor tura , 29 , 80- 1 ,

101-2; sobre os d i re i tos do homem,

102-3

B e n t h a m , J e r e m y , 1 2 4 - 5 , 1 7 7 , 2 5 0 - 1 ,

2 5 6 , 2 5 9

  Bill of Rights, americana (1791) , 16,

1 1 7 , 1 2 1 , 1 2 6

 Bill of Rights, br i tân ica (1689) , 19 , 77 ,

1 1 4 , 1 2 2 , 2 5 6

Blackburn , Joseph, 86

Blacks tone , Wil l iam, 23 , 26, 81 , 119,

1 2 2 , 1 2 4 - 5 , 2 3 9 - 4 0 , 2 5 0 , 2 5 7 - 9

  bolcheviques , 199,201-2

Bol ívar , S imón, 183,184,267

155

B u r k e . E d m u n d , 1 5 , 1 3 4 , 1 3 5 , 1 7 4 , 1 7 8 -

9 , 1 8 3 , 2 3 7 , 2 6 1

B u r l a m a q u i , J e a n - J a c q u e s , 2 5 , 1 1 7 - 8 ,

1 2 0 , 2 3 8 - 4 1 , 2 5 6 - 7

Burney, Fanny, 59

Bur ton , Richard , 195,267

Cabanis , P ier re , 189

C a l a s , J e a n , 7 0 - 5 , 7 8 , 8 0 - 1 , 9 2 , 9 9 - 1 0 4 ,

1 0 7 - 8 , 2 4 7 - 8 , 2 5 0 , 2 5 3

C a l a s , M a r c - A n t o i n e , 7 4

calv in is tas , 152,156

Campbel l , John, 193

capacidade de 1er e escrever, 40,211

capi ta l i smo, 41 ,246

Caran d 'Ache (Emmanuel Poi ré) , 196

c a r r a s c o s , 1 0 5 , 1 4 7 , 1 5 1 , 1 5 3 , 1 7 0 , 2 2 2

C a r t a A d â n t i c a ( 1 9 4 1 ) , 2 0 8

casamento: au tor idade dos pa is no , 62-

3; direitos de divórcio e, 62-4, 150,

168, 180; en t re d i ferentes grupos ,

1 8 8 , 1 9 2

Caste l lane , Comte de , 151

c a t o l i c i s m o : a r g u m e n t o d o s d i r e i t o s

natura is cont ra , 122; d i re i tos c iv is

  b r i t â n i c o s e , 1 5 9 ; d o m í n i o n a F r a n

ç a d o , 2 4 , 7 0 , 7 4 , 1 4 6 , 1 5 5 , 1 7 9 , 1 8 1 ;

274

Clarissa ( R i c h a r d s o n ) : d i l e m a f e m i

n i n o a p r e s e n t a d o e m , 4 6 , 5 3 , 5 9 , 6 3 ;

  publ icação de , 39 , 46; reações dos

l e i t o r e s a , 4 6 , 4 8 , 4 9 , 5 1 , 5 5 , 6 8 , 8 9

C l e r m o n t - T o n n e r r e , c o n d e S t a n i s l a s

d e , 1 4 6 - 7 , 1 5 3 , 1 5 8 , 2 6 4

cl ín ica médica , t ra tamento da dor na ,

97

c o l a r i n h o d e f e r r o , 7 8 , 7 9 , 1 4 1 - 2 , 1 4 4 ,

14 5

Comitê dos Sete , 136,139,262

C o m i t ê s o b r e a C o n s t i t u i ç ã o , 1 2 9 , 1 3 3 ,

1 5 7 , 2 6 1 , 2 6 3

Comitê sobre a Lei Cr iminal , 139,262

Common Sense (Pa ine) , 129

c o m u n i d a d e , a u t o n o m i a i n d i v i d u a l

vs . ,64

c o m u n i s m o , 1 9 7 , 1 9 9

C o n d o r c e t , m a r q u ê s d e , 2 3 , 1 0 7 , 1 2 7 - 8 ,

1 6 1 , 1 7 1 , 1 7 3 , 2 3 9 - 4 0 , 2 6 5 ; s o b r e o s

di re i tos das mulheres , 170-2

consc iência , 65

C o n s t i t u i ç ã o ( E U A ) , 117, 121, 126-7 ,

1 3 1 , 1 6 1

c o n s u m i s m o , 8 9 , 2 5 2

Contrato social, O ( R o u s s e a u ) , 2 2 , 3 5

C o n v e n ç ã o C o n s t i t u c i o n a l , 1 6 1

C o n v e n ç ã o E u r o p e i a p a r a a P r o t e ç ã o

cr i s t ian ismo, 93 , 134,245, 252; igual

dade das a lmas no , 28 , 40; pecado

or ig ina l no , 93 , 109; ver também

c a t o l i c i s m o , p r o t e s t a n t i s m o

Cuvier , Georges , 191,193,267

Dagge, Henry, 97 ,253

D a m á s i o , A n t ó n i o , 1 1 0 , 2 5 5

d e c a p i t a ç ã o , 8 0 , 1 4 0 , 1 4 3

14 a Emenda, 161

13 a Emenda, 161

declaração (def in ição) , 113-4

D e c l a r a ç ã o d a I n d e p e n d ê n c i a ( 1 7 7 6 ) :

  Bill ofRightsvs., 16, 126; busca da

fe l ic idade na , 64; Declaração da

Virg ina vs . , 121; d i re i tos humanos

af i rmados na , 13 , 23 , 115-6, 126;

f ranceses inf luenciados pe la , 20 ,

127; tex to da , 219-23; t ransferência

de soberania a f i rmada na , 115

D e c l a r a ç ã o d e D i r e i t o s d a V i r g í n i a

(1776) , 121,126

D e c l a r a ç ã o d o s D i r e i t o s d a M u l h e r  

( 1 7 9 1 ) , 1 7 1

Declaração dos Dire i tos do Homem e

do Cidadão (1789) : adoção da , 13 ,

1 3 1 ; a f i r m a ç ã o d e a u t o e v i d ê n c i a

da, 17; aprovação real da, 136; con-

275

 

t r o v é r s i a d o s d i r e i t o s i n f l a m a d a

  pe la , 15 , 134-5; c r i tér ios dos d i re i

tos pol í t icos e , 150-1 ,153; Declara

ção das Nações Unidas vs . , 205;

dec laração dos d i re i tos das mulhe

r e s m o d e l a d a n a , 1 7 1 ; e x c l u s ã o

colonia l da , 162; l iberdade re l ig iosa

na , 132, 146, 152; mot ivação da ,

1 2 7 - 3 0 ; m u d a n ç a d e s o b e r a n i a

suger ida pe la , 133; o re i omi t ido na ,

1 1 5 , 1 3 2 ; p r e c e d e n t e s a m e r i c a n o s

para , 19 , 127, 131; rascunho da ,

33; bases b io lógicas para exc lusão

d o s , 1 8 7 - 9 5 ; c o m o n a t u r a i s , 1 9 ,

115-25,256-7; conf l i tos en t re , 215;

d a l i b e r d a d e , 6 1 , 1 8 1 , 2 0 0 ; d a t o l e

rância re l ig iosa , 24 , 73-4 ,121, 132,

146, 152,154-5 , 160; das minor ias

étn icas , 185; ver também n e g r o s ;

  judeus ; dent ro da es t ru tura nac io

na l , 177; d i re i tos d iv inos vs . , 238;

esforços in ternac ionais para , 202-

7 , 209, 215; foco par t icu lar i s ta vs .

p e n s a m e n t o u n i v e r s a l i s t a s o b r e ,

9 , 1 5 1 , 1 5 3 , 1 5 7 , 1 6 8 - 7 5 , 1 7 7 , 1 8 9 -

9 0 , 1 9 9 , 2 0 7 , 2 6 5 ; d i r e i t o s n a t u r a i s

v s . , 6 7 , 1 2 3 , 1 2 4 , 1 4 8 ; d o s t r a b a l h a

dores , 177,198; igualdade vs . , 181;

n o s E U A , 1 4 8; n o s t e r r i t ó r i o s c o l o

n ia is , 194-5; posse de propr iedade

vs . , 26,148, 163,170; prof i ssão vs . ,

147, 149, 153; raça vs . , 149 , 151,

160-7; requis i tos de idade dos , 147-

8 , 1 5 1

d i v ó r c i o , 6 2 - 4 , 1 5 0 , 1 6 8 , 1 8 0

D o d d W i l l i a m 1 2 2 2 5 8

3 8 - 4 3 , 4 - 9 , 5 5 - 6 , 6 0 ; f r o n t e i r a s

soc iocul tura is t ranspos tas pe la , 27 ,

3 8 - 9 ; f u n c i o n a m e n t o d o c é r e b r o e ,

31 , 39; igualdade e , 26, 39; l imi tes

da , 212, 213, 214; re formas cr imi

na is produzidas pe la , 82; s impat ia

vs . , 65; tor tura e , 30 ,108-09

e m p r e g a d o s d o m é s t i c o s , d i r e i t o s p o l í

t icos dos , 149

 Encyclopédie ( D i d e r o t ) , 3 6 , 5 5 , 8 7 , 1 0 4 ,

2 4 0 , 2 4 4 , 2 5 1 , 2 5 4 , 2 5 6

e n f o r c a m e n t o s , 7 6 , 7 8

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 138/142

p , 9 , 7 , 3 ; scu o d ,

130-1; reaçõ es cr í t icas a , 125, 135,

179; reações socialistas a, 199-200;

s o b r e o g o v e r n o c o m o f i a d o r d o s

d i r e i t os , 2 9 , 1 1 5 , 1 3 3 ; t e r m i n o l o g i a

dos d i re i tos na , 23 , 240; tex to da ,

2 2 5 , 2 2 7 , 2 2 9 ; u n i v e r s a l i d a d e d a ,

1 4 , 1 9 , 1 1 7 , 1 5 3 , 1 9 9 , 2 0 0

Declaração dos Dire i tos dos Trabalha

d o r e s e d o s E x p l o r a d o s ( 1 9 1 8 ) ,

2 0 0 - 1

D e c l a r a ç ã o U n i v e r s a l d o s D i r e i t o s

H u m a n o s ( 1 9 4 8 ) , 1 5 , 2 0 5 , 2 1 5 , 2 2 9

Defoe , Danie l , 62

degradação c ív ica , 141

Delaunay, Nicolas , 37

D e z M a n d a m e n t o s , 1 2 4

  Dicionário Filosófico (Vol ta i re ) ,75 ,248

Diderot , Denis , 25 ,55-6,80 ,90 ,240,243,

245, 252; enc ic lopédia de , 36, 87 ,

104,240, 244; sobre d i re i tos na tu

ra is , 25; sobre Richardson, 55 ,245

di re i to romano, 76

  Direitos do homem, Os ( P a i n e ) , 1 3 5 ,

174

di re i tos humanos: abol ição da tor tura

l igada aos , 102-3 , 106, 108, 113,

254; au toevidência dos , 17 , 24 ,29 ,

p e s e o u v e s s s o b e ,

116-8, 120, 122-6; fontes seculares

d o s , 1 3 2 ; g a r a n t i a g o v e r n a m e n t a l

d o s , 1 9 , 1 3 3 , 1 7 8 , 1 8 4 - 5 ; i g u a l d ad e

d o s , 1 7 - 9 , 1 8 7 - 8 , 2 0 1 ; i n t o l e r â n c i a

r e j e i t a d a c o m o , 7 3 - 4 ; o r i e n t a ç ã o

s o c i a l i s t a s o b r e , 1 9 7 - 2 0 1 ; p o d e r  

  pa t r ia rca l vs . , 124 ,178,199; pol í t i

cos vs . na tura is , 67 , 124, 148; ver 

também d i r e i t o s p o l í t i c o s ; r e c o

n h e c i m e n t o p r o g r e s s i v o d o s , 2 7 ,

1 7 7 ; s o c i e d a d e h i e r á r q u i c a t r a d i

c ional ameaçad a pe los , 178-8 1; te r

minologia dos , 20-4 ,238; universa

l i d a d e d o s , 1 4 , 1 6 , 1 8 - 2 0 , 6 9 , 1 1 6 - 8 ,

1 2 0 , 1 2 2 - 6 , 1 3 2 , 1 3 6 , 1 7 7 , 1 8 8

di re i tos humanos , dec larações dos : da

O N U ver Declaração Universa l dos

D i r e i t o s H u m a n o s ; f r a n c e s a ver 

Declaração dos Dire i tos do Homem

e d o C i d a d ã o ; n o s E U A , 1 1 6 - 8 , 1 2 0 ,

122-6; ver também Bill of Rights,

amer icana; Declaração da Indepen

dência ; t ransferência de soberania

suger ida por , 114-5 ,132-3

di re i tos pol í t icos : das mino r ias re l ig io

sas, 146, 148-9, 151-61, 177, 181,

2 6 3 ; d a s m u l h e r e s , 6 7 - 9 , 1 4 1 , 1 4 7 -

276

D o d d , W i l l i a m , 1 2 2 , 2 5 8

d o r : c o m o e x p e r i ê n c i a c o m u n a l , 9 4 ;

  p o r n o g r a f i a d a , 2 1 4 ; t r a t a m e n t o

médico da , 97

  Dos delitos e das penas (Beccar ia ) , 80 ,

24 8

 DredScott, 1 6 1 , 2 6 4

Dreyfus , Al f red , 186-7 ,196 ,200

D u P o n t d e N e m o u r s , P i e r r e - S a m u e l ,

1 2 5 , 2 6 0

D u p a t y , C h a r l e s - M a r g u e r i t e , 1 0 6 - 8 ,

25 4

Eden, Wil l iam, 98

Edi to de Tolerância (1787) , 154-5

e d u c a ç ã o , 6 3 ; a u t o n o m i a d a i n d i v i

d u a l i d a d e n a , 6 0 - 1 ; d a s m u l h e r e s ,

68 ,175; públ ica , 125

E d w a r d s , T h o m a s , 4 6

  Elements ofCriticism ( K a m e s ) , 5 6 - 7 ,

24 5

 Emílio ( R o u s s e a u ) , 2 2 , 6 0 - 1 , 6 3 , 6 8 , 2 4 6

emo ção ver pa ixões

empat ia : a t ravés das l inhas do gênero ,

4 8 , 6 0 ; c o m o m e i o d e a p e r f e i ç o a

m e n t o m o r a l , 5 5 - 8 , 6 5 - 6 , 1 0 9 ; d e f i

n ição , 65; desenvolv imento da , 27 ,

3 9 ; e v o c a d a n o s r o m a n c e s , 3 1 - 2 ,

e o c e o s , 7 6 , 7 8

E q u i a n o , O l a u d a h , 6 7 , 2 4 7

e s c r a v i d ã o : a b o l i ç ã o a m e r i c a n a d a ,

160-1 , 193; abol ição f rancesa da ,

27 , 149, 160-1 , 165-7; abol ic ionis

t a s e , 6 7 , 1 6 1 - 2 , 1 6 7 , 1 9 1 , 2 0 7 ; a ç õ e s

in ternac ionais cont ra a , 206-7 ,210;

a r g u m e n t o s d o s d i r e i t o s n a t u r a i s

cont ra a , 20 ,119,134; de pr i s ionei

ros em guerras jus tas , 119; d i re i tos

das mulheres vs . , 67 , 151, 169; nas

colônias f rancesas , 161-7 ,181,191;

negros l ivres vs . , 151; puniç ão cor

  pora l e , 78; re la tos au tobiográf icos

da, 67

Espinosa , 110,255

  Essai sur l'inégalité des races humaines

( G o b i n e a u ) , 1 9 1 , 2 6 7

E s t a d o s U n i d o s : Bill of Rights dos , 16,

117, 121, 126; Const i tu ição dos ,

1 1 7 , 1 2 1 , 1 2 6 - 7 , 1 3 1 , 1 6 1 ; d i r e i t o s

das minor ias re l ig iosas nos , 159-

60; e l ig ib i l idade dos d i re i tos pol í t i

cos expandida nos , 148; escravidão

n o s , 2 0 , 7 8 , 1 6 0 - 1 , 1 9 3 ; n a s c i m e n t o

r e v o l u c i o n á r i o d o s , 1 5 , 2 3 , 6 1 - 2 ,

122,134; res t r ições é tn icas de imi

gração nos , 186; sobre grupos da

277

 

  paz in ternac ional , 202-4; suf rágio

feminino nos , 190

Estados-Gera is , 170,240

eu in ter ior , reve lação corpora l do , 99 ,

10 1

exper iência re l ig iosa : aprec iação ar t í s

t ica da , 83; mora l idade secular vs . ,

5 7 , 5 8

e x p r e s s ã o , l i b e r d a d e d e , 2 1 , 1 8 1 , 2 0 1 ,

2 0 6 , 2 2 9

famí l ia reformas legais f rancesas na

feminino concedido na , 190; ver 

também Assemble ia Nacional

François , Louis , 47

Frankl in , Benjamin , 14 , 16, 62 , 127,

2 4 9 , 2 6 0

Freder ico I I (o Gra nde) , re i da Prúss ia ,

75

frenologia, 101

G a g n e b i n , B e r n a r d , 2 3 9 , 2 5 6

Gluck, Chr is toph Wil l iba ld von, 83

G o b i n e a u , A r t h u r d e , 1 9 2 - 3 , 1 9 5 , 2 6 7

Hal ler , Albrecht von, 49-50,55

H e l o í s a , 3 5 , 3 7 , 2 4 2

h e r a n ç a , d i r e i t o s d e, 6 2 , 1 5 0 , 1 7 4

h e t e r o g e n e i d a d e é t n i c a , m o v i m e n t o s

nacional i s tas vs . , 185

H i l l , A a r o n , 4 5 , 5 7 , 2 4 3

H i t l e r , A d o l f , 1 8 7 , 1 9 3 , 1 9 5

H o b b e s , T h o m a s , 1 1 8 - 9 , 1 2 4

H o g a r t h , W i l l i a m , 9 5

H o l b a c h , P a u l - H e n r i - D i e t r i c h d ' , 2 2 -

4 , 2 4 0

honra , 142-5

i n d i v i d u a l i s m o , a r t e d o r e t r a t o e , 8 5 -

92

indus t r ia l ização , 198

Inquis ição Cató l ica , 76,180

i n t e r i o r i d a d e , 2 8 , 4 8

Itália, unificação da, 184-5

J a c q u i n , A r m a n d - P i e r r e , 5 1 , 2 4 4

Jahn, Fr iedr ich , 183-4 ,267

  ja rd ins , c i rcu i to de caminhada em, 85

Jaucour t , Louis de , 87 ,104,251

J a u r è s , J e a n , 2 0 0 , 2 0 9 , 2 6 8

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http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 139/142

famí l ia , re formas lega is f rancesas na ,

61-2

federalistas, 136

fe i t içar ia , 76,249,254

f e m i n i s m o , 6 8 , 1 9 0

Fie ld ing , Henry, 46,57

Fie ld ing , Sarah , 48 ,55

F i l m e r . R o b e r t , 1 2 4 , 2 5 9

fisionotraço, 92

Fi tz -Wil l iam, Lady Char lo t te , 88

Foucaul t , Michel , 241,251

Four ier , Char les , 199,268França: an t i ssemi t i smo na , 186-7; Ar

gél ia incorpo rada à , 193-4; Declara

ção dos Dire i tos do Homem e do

C i d a d ã o ver  Declaração dos Dire i

tos do Homem e do Cidadão (en

t rada pr inc ipa l ) ; d ia le tos regionais

da, 185; diferenças religiosas na, 24,

70 ,74 ,146,149-58; escravidão colo

n ia l da , 161-7 , 181, 190; imper ia

l i smo da , 179-81, 183, 193-5; na

Pr imei ra Guerra Mundia l , 202; Re

v o l u ç ã o A m e r i c a n a a j u d a d a p e l a ,127; Revolução Francesa , 14-5 ,47 ,

107, 135-6, 150, 169-70, 173, 179-

8 0 , 1 8 7 , 1 8 9 - 9 0 , 1 9 6 , 2 1 4 ; su f r á g i o

Goldsmi th , Ol iver , 57

Gorbatchev, Mikhai l , 209

Gouges , Olympe de , 171 -3 ,265

Grã-Bre tanha: abol ição da escravatura

da , 160,207; cont rovérs ia dos d i re i

tos na , 123-5 ,259; d i re i tos par t icu

la res dos homens l ivres da , 116,

119-20; d i re i tos pol í t icos das min o

r ias re l ig iosas na , 159; documentos

dos d i re i tos na , 19 ,77 ,114,122,256;

res t r ições de imigração da , 186;

s e p a r a ç ã o a m e r i c a n a d a , 1 1 6 , 1 2 0 ,

122,127; suf rágio feminino na , 190;

te r r i tór ios co lônias da , 194,208

G r a h a m , W i l l i a m , 2 5 8

Grégoi re , Bapt i s te -Henr i , 161

G r i m m , F r i e d r i c h M e l c h i or , 2 4 3 , 2 4 5

G r o t i u s , H u g o , 6 0 , 1 1 7 - 2 0 , 1 2 4, 2 4 1 ,

2 5 6 - 7 , 2 5 9

Guadalupe , escravos em, 168,181

Gui l herm e I da Ale manh a, 192

g u i l h o t i n a , 7 6 , 1 4 0 , 1 7 2

Guyomar , P ier re , 265

H a a k o n s s e n , K n u d , 2 4 1 , 2 5 6

H a i t i ( S a i n t D o m i n g u e ) , l e v a n t e d o s

e s c r av o s d o , 1 6 2 - 3 , 1 6 5 - 7 , 1 8 1 , 2 6 2

278

H u m p h r e y , J o h n , 2 0 5

H u t c h e s o n , F r a n c i s , 6 5 , 6 6 , 2 4 7

i d e n t i f i c a ç ã o , 3 6 , 3 8 - 9 , 5 5 - 8 , 2 4 5

i g u a l d a d e : a r g u m e n t o s b i o l ó g i c o s

cont ra , 190-5; c r í t ica soc ia l da , 201;

das a lmas cr i s tãs vs . d i re i tos te r re

nos , 40; do s i s tema penal , 139; dos

d i r e i t o s h u m a n o s , 1 7 - 9 , 1 8 7 - 8 , 2 0 1 ;

e m p a t i a e , 2 6 , 3 9 , 5 8 ; l i b e r d a d e s

  políticas vs., 181

I l u m i n i s m o , 2 2 - 5 , 4 6 , 6 0 - 1 , 8 1 - 2 , 1 0 3 ,

1 1 2 , 1 5 6 , 1 7 5 , 1 8 0 , 2 4 4 , 2 6 2 ; a u t o

n o m i a i n d i v i d u a l e n f a t i z a d a p e l o ,

60-1; re formas do s i s tema cr iminal

e , 80-1 ,251; sobre emoções , 110-1

imigração , res t r ições rac is tas na , 186,

19 4

i m p e r i a l i s m o , 1 8 3 , 1 9 4

i m p r e n s a , l i b e r d a d e d e , 1 2 1 , 1 2 8 , 1 3 2 ,

1 7 4 , 1 8 1

í n d e x p a p a l d o s l i v r o s p r o i b i d o s , 4 6 ,

7 5 , 1 0 3

índia , domínio br i tân ico da , 194

i n d i v i d u a l i d a d e , 2 8 - 9 , 3 2 , 4 8 , 5 6 , 5 9 ,

8 9 , 1 0 9 , 1 1 2 ; ver também a u t o n o

m i a i n d i v i d u a l ; i n t e r i o r i d a d e

Jefferson , Thomas: a Declaração Fran

cesa e , 13 ,129,130,240; como autor  

d a D e c l a r a ç ã o d a I n d e p e n d ê n c i a ,

13 ,16-8 , 64 , 120, 132; c r i tér ios de

  par t ic ipação pol í t ica de , 69 , 160;

escravidão e , 17 ,20 ,69; re t ra to de ,

91-2; sobre o d ivórc io , 64; sobre o

governo como segurança dos d i re i

tos , 30; sobre romances , 57-8 , 66,

6 8 , 1 1 1 ; t e r m o s d o s d ir e i t o s h u m a

nos empregados por , 20 ,136

Jesus Cr is to , 22 ,99

J o h n s o n , S a m u e l , 8 9 , 2 5 1

Jorge m, rei da Ingla ter ra , 113,11 6,121

  jorna is , 29 , 30 , 172, 186-7 , 195, 197,

21 1

  Journal to Eliza (Sterne) , 90

  j u d e u s : d i r e i t o s p o l í t i c o s c o n c e d i d o s

aos, 27, 146, 149, 151-3, 155-61,

170, 180, 195, 264; genocíd io na

z is ta cont ra , 202; preconcei to xe

n ó f o b o e u r o p e u c o n t r a , 1 8 6 - 9 1 ,

1 9 5 , 1 9 7

J u l g a m e n t o s d e N u r e m b e r g , 2 0 3

 Júlia ( R o u s s e a u ) , 3 8 , 4 1 , 4 6 , 5 6 , 5 9 , 6 8 ,

243; enredo de , 35 ,59; prefác io de ,

54; reações empát icas dos le i tores

279

 

a , 3 6 , 4 7 ; s u b t í t u l o d e , 3 5 ; s u c e s s o

de, 36

K a m e s , H e n r y H o m e , L o r d e , 5 6 - 7 , 2 4 5

K a n t , I m m a n u e l , 6 0 , 2 4 5 , 2 5 5

K e r s a i n t , A r m a n d - G u y , 1 6 4 - 5 , 2 6 4

K n o x , R o b e r t , 1 9 3

Knox, Vices imus , 51

Lacre te l le , P ier re-Louis , 142,262

Lafayet te , marquês de , 14 , 17 ,23 ,128,

1 2 9 , 1 3 6 , 1 6 1 , 2 4 0

Luís X V I , rei da França, 105,107-8,128,

136-7 ,144, 156,248; ações revolu

c ionár ias cont ra , 130, 136; re for

mas do s i s tema cr iminal de , 105,

1 0 7 - 8 , 1 3 7 , 2 4 8

MacArdel l , James , 88

Madison, James , 118,240

Magna Car ta (1215) , 114

M a i e r , P a u l i n e , 1 2 6 , 2 3 7 , 2 4 2 , 2 5 7 , 2 6 0

Manco (Le Blanc de Gui l le t ) , 22 ,239

marca de fer ro em brasa , 262

m u l h e r e s : a u t o n o m i a p e s s o a l d a s , 2 6 ,

5 8 - 6 0 , 6 4 , 6 7 - 9 , 1 6 9 ; c o m o h e r o í n a s

de f icção , 59-60, 68; ver também

r o m a n c e s ; c o m o p i n t o r a s d e r e t r a

tos , 89-90; dependência mora l im

  putada às , 26, 169; d i re i tos de d i

vórc io das , 62-4 ,149, 168; d i re i tos

 po l í t i c os d a s , 6 7 - 9 , 1 4 1 , 1 4 7 - 9 , 1 5 1 ,

1 5 3 , 1 5 7 , 1 6 8 - 7 5 , 1 7 7 , 1 8 9 - 9 0 , 1 9 9 ,

207,265; honra das , 143; l imi tações

  b io lógicas a t r ibuídas às , 187, 188-

9 0 ; p u n i ç ã o c r i m i n a l d a s , 7 7 , 1 4 1 ,

o r g a n i z a ç õ e s n ã o g o v e r n a m e n t a i s

( O N G S ) , 2 0 9 - 1 0

Ot is , James , 119,257

P a i n e , T h o m a s , 1 2 9 , 1 3 0 , 1 3 5 , 1 7 4 , 1 7 9 ,

26 1

  pa is , au tor idade absolu ta dos , 28

  p a i x õ e s : a u t o c o n t r o l e d a s , 8 2 ; c o m

  por tamento cr iminal l igado a , 109-

10; cont ro le ex terno das , 92 , 93;

razão vs . , 110-1

 Pamela ( R i c h a r d s o n ) , 4 0 - 1 , 4 4 , 4 9 , 5 1 ;

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 140/142

Larner , Chr is t in a A. , 249

Le Blanc de Gui l le t , Antoi ne , 239

L e i d a s C a u s a s M a t r i m o n i a i s ( 1 8 5 7 ) ,

63

Lei do Casamento (1753) , 62

le i pos i t iva , 93 ,124

Leis dos Es t rangei ros e da Sedição

(1798), 179

L e n g l e t - D u f r e s n o y , N i c o l a s , 2 1 , 5 0 ,

2 3 8 , 2 4 4

Lênin , 201

L e p e l e t i e r d e S a i n t - F a r g e a u , L o u i s --Michel , 139-42

  Letters ofjunius, The, 1 2 2 , 2 5 8

lettres de cachet, 62

Lévesque de Bur igny, Jean , 118,256

Lewis , Mat thew, 214

l iberdade , au togoverno como, 61

l iber t inagem, 51

Liga das Nações, 202-3

L i n g u e t , S i m o n - N i c o l a s - H e n r i , 1 0 4 ,

25 4

L o c k e , Jo h n . , 6 0 - 1 , 6 3 , 1 1 8 - 2 0 , 2 5 7

L o y s e a u d e M a u l é o n , A l e x a n d r e -J é r ô m e , 9 9 , 2 5 3

Lueger .Kar l , 187

Luís xiv, rei da França, 22,78

Mar ivaux, P ier re Car le t de Chambla in

de , 29 ,241

Martucc i , Rober to , 262

M a r x , K a r l, 1 9 8 , 2 0 0 - 1 , 2 6 8

M a s o n , G e o r g e , 2 4 , 2 5 7

m a s t u r b a ç ã o , 5 2

m a t e r i a l i s m o , 1 1 0 , 1 9 7

Maury, Jean , 155

M a z z i n i , G i u s e p p e, 1 7 7 , 1 8 4 , 2 6 6

Mercier , Louis-Sébas t ien , 22 , 87 ,252,

26 0

m e t o p o s c o p i a , 1 0 1

M i c k i e w i c z , A d a m , 1 8 4

Mil l , John Stuar t , 190 ,194

M i r a b e a u , c o n d e d e , 2 3 , 2 4 , 2 4 0

m o n a r q u i a , 2 1 , 2 2 , 7 5 , 1 1 3 , 1 1 7 , 1 2 7 ,

1 3 3 , 1 3 5 - 6 , 1 4 2 , 1 4 5 , 1 5 8 , 1 6 8 , 1 7 9 -

80

M o n t e s q u i e u , b a r ã o d e , 2 9 , 1 4 2 - 3 , 2 4 1 ,

25 0

M o n t m o r e n c y , M a t h i e u , d u q u e d e ,

1 1 7 , 1 3 2 , 1 4 5

Moreau, Jean-Michel , 37

Morel le t , André , 103

m o v i m e n t o d e i n d e p e n d ê n c i a h ú n

garo, 185

m u ç u l m a n o s a r g e l i n o s , 1 9 5

28 o

1 7 2 ; s e n t i m e n t o a s s o c i a d o à s , 9 0 ,

97

M u y a r t d e V o u g l a n s , P i e r r e - F r a n ç o i s ,

9 3 - 4 , 1 0 2 - 3 , 1 0 8 - 1 1 , 2 5 2 - 3 , 2 5 5

n a c i o n a l i s m o , 3 0 , 4 1 , 1 7 8 , 1 8 2 - 7 , 1 9 7 -

8 , 2 4 1 ; p o l o n ê s , 1 8 3 , 1 8 6

  N a ç õe s U n i d a s , 1 5 , 1 7 , 1 7 7 , 2 0 3 - 4 , 2 0 8 ,

2 1 0 , 2 2 9 - 3 0 , 2 3 2 , 2 3 5 - 6 ; D e c l a r a

ção Universa l dos Dire i tos Huma

n o s a p r o v a d a p e l a s , 2 0 4 - 6 , 2 1 0 ,2 2 9 - 3 6

  N a p o l e ã o B o n a p a r t e , 1 4 5 , 1 6 7 - 8 , 1 7 8 ,

1 8 0 - 4 , 2 4 9 , 2 6 5

nazismo, 202

n e g r o s : i n f e r i o r i d a d e b i o l ó g i c a a t r i

  buída aos , 187-95; l ivres , 16, 67 ,

149, 151, 160-1 , 170; ver também

escravidão

 Nicolas , August in , 254

Observation s on the Importance ofthe

  American Revolution (Pr ice) , 134Observation s on the Nature of Civil 

 Liberty ( P r i c e ) , 1 2 3 , 2 4 6 , 2 5 8 - 9

O g é , V i n c e n t , 1 6 3 , 2 6 4

di ferenças de c lasse em, 39 , 42;

efe i to mora l de , 52-3; popular idade

de , 42-6; reações emocionais a , 42-

3; res t r ições da hero ína em, 59

Pancko ucke , C. J ., 47 ,56

 Patriarcha (Fi lmer) , 124,259

  pecado or ig ina l , 93 ,109

  p e l o u r i n h o , 7 7 , 7 8 , 1 4 2 , 2 4 9

  p e n a d e m o r t e : a d m i n i s t r a ç ã o m e n o s

d o l o r o s a d a , 7 6 , 1 0 2 , 1 3 9 - 4 0 ; a d m i

n i s t r a ç õ e s t o r t u r a n t e s d a , 7 0 , 7 7 ,

80 , 99 , 131-40; execução públ ica

da , 73 , 76, 94-99; fa tor d issuas ivo

da , 77; opos ição à , 80-1 , 98 , 139,

2 5 0 , 2 6 2 ; ta x a s d e i m p l e m e n t a ç ã o

d a , 7 7 , 1 0 2 , 2 5 3

  peni tênc ia , a tos formais dos cr imino

sos de , 94 ,140-1

  Pensamentos sobre a educação (Locke) ,

61

  per formances musica is , 83

Petição de Direitos (1628), 114

Pigot t , John, 86

P i p e l e t , C o n s t a n c e ( C o n s t a n c e d e

Salm) , 174-6,266

Place de Greve, 96

  poder pa t r ia rca l , 124

281

 

Poiré , Emmanuel (Caran cTAche) , 196

  presença idea l , 56,57

Pr ice , Richard , 14-5 , 61 , 123-4 , 134,

2 3 7 , 2 4 6 , 2 5 8 , 2 5 9 , 2 6 1

Priestley, Joseph, 69

P r i m e i r a G u e r r a M u n d i a l , 2 0 2 , 2 0 8

Pr imei ro Es tado, 128

  p r i m o g e n i t u r a , 6 2

 pr ivac idade , no pro j e to do la r , 85

  p r o p r i e d a d e : a p r o p r i a ç ã o g o v e r n a

ment a l da , 131; c r í t ica soc ia l i s ta da ,

198-201; d i re i tos l igados à , 26,148,

d e s o n r a d a , 1 4 1 - 5 ; i g u a l d a d e d a ,

139; re formas f rancesas da , 136-45;

v a l o r d i s su a s i v o d a , 7 7 , 9 4 , 9 8 , 1 4 0 ;

v isões re l ig iosas da , 92-3 ,97-8 ,102,

1 0 9 - 1 0 , 1 4 0 ; ver também p u n i ç ã o

c o r p o r a l ; p e n a d e m o r t e ; t o r t u r a

Punt , Jan , 44

q u a r t o s d e d o r m i r , 8 4 , 9 2

q u e i m a n a f o g u e i ra , 7 7 - 8 , 8 0 , 1 0 2 , 1 4 0

Q u e n e d e y , E d m é , 9 1 - 2

q u e s t ã o p r e l i m i n a r , 7 0 , 1 3 7 , 2 5 5

Reynolds , S i r Joshua , 87-8

R i c h a r d s o n , S a m u el , 3 9 , 4 1 , 2 4 3 ; c o m o

a u t o r a n ô n i m o , 4 5 , 2 4 3 ; c o m o " e di

t o r " d e r o m a n c e s e p i s t o l a r e s , 4 2 ,

53-4; reações dos le i tores a , 45-9 ,

5 1 , 5 5 - 6

  Rights ofthe. British Colonies Asserted 

and Proved, The (Ot is ) , 119,257

R o b e s p i e r r e , M a x i m i l i e n d e , 1 4 2 - 3 ,

26 2

  Robinson Crusoé ( D e f o e ) , 4 1 , 6 2 , 6 3

Robison, John, 179

Rush, Benjamin , 76, 98 , 108-9 , 112,

2 4 9 , 2 5 3 , 2 5 5

R u t h e r f o r d , T h o m a s , 2 5 6

S a d e , m a r q u ê s d e , 2 1 4 , 2 6 9

Sain t Domi ngu e ver Hai t i

Sa lm, Constance de (Constance Pipe-

l e t ) , 1 7 4

S a p h i r o , B a r r y M . , 2 5 5 , 2 6 0 , 2 6 2

Saunders , Richard , 101

Schechter , Ronald , 263-4

S c h n e e w i n d , J . B . , 2 6 , 2 4 0

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163, 170; dos negros l ivres , 163;

e s c r a v o s c o m o , 1 1 9 ; p u n i ç ã o p e l o

confisco da, 142

  p r o t e s t a n t i s m o : c o n s c i ê n c i a i n d i v i

dual no , 28; d i re i tos pol í t icos f ran

c e se s e , 1 4 6 , 1 4 9 , 1 5 1 - 5 8 , 2 6 3 ; m a i o -

r ia amer icana , 160; na França , 24 ,

7 0 , 1 4 6 , 1 8 0 , 2 1 6

  Protocolos dos sábios de Sião, Os, 197

P r u d h o m m e , L o u i s , 2 6 2

Pufendorf , Samuel , 117-8 , 120, 256,

25 7

  punição: obediência imposta pe la , 61

  punição corpora l , 29; das c r ianças na

escola , 63; dos escravos , 78; formas

 b r u t a i s d e , 2 9 , 7 7 , 2 4 9 ; h u m i l h a ç ã o

n a , 7 9 - 8 0 , 1 37 , 1 4 1 - 3 ; m o d e r a ç ã o

na , 105, 108, 250-1; mul tas , 98;

m u t i l a ç ã o n a , 8 0 , 1 4 0 ; p u n i ç õ e s

vergonhosas vs . , 141; reabi l i tação

vs . ,98 ,139-40; ver rambém punição

cr iminal ; pena de mor te ; tor tura

  p u n i ç ã o c r i m i n a l : a b o r d a g e n s r a c i o

na is da , 80-1 ,93; como reparação àc o m u n i d a d e , 9 4 , 9 8 ; c o n d i ç õ e s d a

 pr i são e , 106; das mulhe res , 77 ,1 41,

171; de membros da famí l ia , 142;

q u e s t ã o p r e p a r a t ó r i a , 7 4 , 1 3 7 , 2 5 5

Rabaut Sa in t -Ét ienne , Jean-Paul , 24-5 ,

1 3 1 , 1 5 2 , 1 5 4 , 2 1 6 , 2 6 1

rac ismo, 162, 188, 190-1 , 193-4 , 210;

ver também a n t i s s e m i t i s m o

Raven, James , 242-3

R a y n a l , G u i l l a u m e T h o m a s , 2 2 , 2 4 3

razão , 61 ,65; jus t iça c r iminal e , 80 ,81 ,

94; pa ixão vs. , 110 ,11 1

r e l i g i ã o : a r g u m e n t o s d o s d i r e i t o s n a

tura is cont ra ins t i tu ições da , 122;

l iberdade de , 128, 132, 146, 152,

1 5 4 - 5 , 1 6 0 , 2 0 0 , 2 0 4 , 2 0 6 ; p u n i ç ã o

c r i m i n a l i n f l u e n c i a d a p e l a , 9 2 , 9 3 ,

9 7 - 8 , 1 0 2 , 1 0 9 - 1 0 , 1 4 0 ; t o l e r â n c i a

d a , 2 4 , 7 3 - 4 , 1 2 1 , 1 3 2 , 1 4 6 , 1 5 2 , 1 5 4 -

5 , 1 6 0 , 1 8 1 - 2 , 2 1 6 , 2 4 8 ; ver também

c a t o l i c i s m o ; c r i s t i a n i s m o ; j u d e u s ;

  p r o t e s t a n t i s m o

revogação do Edi to de Nantes , 153

r e v o l u ç õ e s : c o m p r o m i s s o c o m u n i s t a

c o m , 1 9 9 , 2 0 0 ; R e v o l u ç ã o A m e r i

c a n a , 1 5 , 2 3 , 6 2 ; R e v o l u ç ã o F r a n c e s a , 1 4 - 5 , 4 7 , 1 0 7 , 1 3 5 - 6 , 1 5 0 , 1 6 9 -

70, 173, 179-80, 187, 189-90, 196,

214; Revolução Russa , 200

282

r o d a , s u p l í c i o d a , 7 0 , 7 3 , 7 8 , 8 0 , 9 6 , 9 9 ,

1 0 6 , 1 4 0 , 2 4 7

R o l a n d , J e a n n e - M a r i e , 4 7 , 2 4 3

r o m a n c e s : a u t o n o m i a i n d i v i d u a l n o s ,

5 8 - 6 0 ; b u s c a d a a u t o n o m i a p e l a s

  personagens femininas , 58-60, 68;

efe i tos mora is dos , 45 , 50-8 , 67-8;

e p i s t o la r e s , 3 0 , 3 2 , 3 8 , 4 1 , 2 4 3 ; g ó t i

cos , 214; ident i f icação dos le i tores

c o m o s p e r s o n a g e n s d o s , 3 6 , 3 8 , 4 2 -

3 ,45-8 , 55-6, 58-60; le i torado dos ,

41 ,45-6; na tureza in ter ior reve ladanos , 30 ,43 ,48 ,58; peças tea t ra i s vs . ,

4 3 ; p e s s o as c o m u n s c o m o p e r s o n a

g e n s c e n t r a is d o s , 2 9 , 4 0 , 8 9 ; p o n t o

de v is ta do autor , 42; reações empá

t i c a s a o s , 3 1 - 2 , 3 8 - 4 9 , 5 5 - 6 , 6 0 , 6 6

Romil ly , Samuel , 80 ,250-1

Roosevel t , Eleanor , 205,236-7

Rothschi ld , famí l ia , 197

R o u s s e a u , J e a n- J a c q u es : c o m o r o m a n

c i s ta , 3 5 - 6 , 4 1 , 4 6 - 8 , 5 3 - 4 , 5 7 - 8 , 2 4 3 ;

sobre Richardson, 47 , 243; teor ias

e d u c a c i o n a i s d e , 6 0 - 3 , 6 8 ; t e r m o sd e d i r e i t o s h u m a n o s u s a d o s p o r ,

2 2 - 3 , 7 0 , 1 2 7 , 2 3 8

Ruanda , conf l i to é tn ico em, 211

sefarditas, 157

S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l , 2 0 2

Segundo Estado, 128

 sellette, 13 7

sens ib i l idade , 28 , 66; ver também e m

  pa t ia ; s impat ia

senso mora l in ter ior , 118

S e r v a n , J o s e p h - M i c h e l - A n t o i n e , 1 0 5 ,

25 4

sexismo, 188,190

Shakespeare , Wi l l iam, 57

S i e y è s , E m m a n u e l - J o s e p h , 2 3 , 6 7 - 8 ,1 4 8 , 2 4 0 , 2 4 7 , 2 6 3

s impat ia , 58 , 65-7 , 109, 112; ver tam

bém e m p a t i a

s indica tos , 198-9 ,234

Skipwi th , Rober t , 57

S m i t h , A d a m , 6 5 , 2 1 2 - 3 , 2 4 7

Sobre a admissão das mulheres aos

direitos da cidadania ( C o n d o r c e t ) ,

171

socia l i smo, 197-9

Sociedade Ant iescravidão , 207,209

sociedade burguesa , 198S o c i e d a d e d o s A m i g o s d o s N e g r o s ,

1 0 6 , 1 6 1

sociedade h ierárquica , 178,182

283

 

Sociedade para a Abol ição do Tráf ico

de Escravos , 161,207

s o d o m i a , 8 0 , 1 4 0

Spierenburg , Pe ter , 250,252

Staèl , Germaine de , 266

Sta l in , Joseph, 201

Starobinski , Jean , 245

S t e r n e , L a u r e n c e , 5 7 , 5 9 , 6 6 , 6 8 , 9 0 , 9 2 ,

1 1 1 , 2 5 2 , 2 5 5

 strappado,7\

suic íd io , 43 ,74

Sujeição das mulheres, A (Mi l l ) , 190S u p r e m a C o r t e d o s E s t a d o s U n i d o s

2 ; m é t o d o s d e , 7 0 , 7 4 , 7 6 , 1 3 7 ; m o t i

vação re l ig iosa da , 102,180;nocaso

Calas , 70 , 74 ,99; para obter infor

m a ç õ e s , 2 9 , 7 0 , 7 4 - 6 , 9 9 , 1 0 1 - 2 , 1 0 4 ,

1 0 8 , 1 3 8 , 1 8 0 ; p e n a d e m o r t e a d m i

n i s t r a d a c o m , 7 0 , 7 7 , 8 0 , 9 9 , 1 3 1 - 4 0 ;

r e s s u r g i m e n t o c o n t e m p o r â n e o d a ,

2 1 0 - 1

Toussa in t -Louver ture , 166-7

t r a b a l h a d o r e s , d i r e i t o s p o l í t i c o s d o s ,

1 7 7 , 1 9 8

Tratado sobre a tolerância por ocasiãoda morte de Jean Calas ( V o l t a i r e )

  por , 73-4; sobre o caso da tor t ura de Wol ls to necraf t , Mary, 68 , 135, 172-3 ,

C a l a s , 7 3 - 4 , 8 0 - 1 , 9 9 , 2 4 8 , 2 5 0

Wagner , Richard , 192

W a l p o l e , H o r a c e , 4 8 , 8 7 , 2 4 4 , 2 5 1

Wilkes , John, 122,258

W i l s o n , W o o d r o w , 2 0 8

1 7 5 , 2 4 7 , 2 6 1 , 2 6 5

W o r d s w o r t h , W i l l i a m , 1 6 7 , 2 6 5

xenofobia , 186

Zola , Emi le , 187,196

5/7/2018 A Invenção dos Direitos Humanos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-invencao-dos-direitos-humanos 142/142

S u p r e m a C o r t e d o s E s t a d o s U n i d o s ,

1 6 1 , 1 9 0

supremacia : a r iana , 203

T a c k et t , T i m o t h y , 1 5 4 - 5 , 2 6 1 , 2 6 3 , 2 6 5

T a l l e y r a n d - P é r i g o r d , C h a r l e s - M a u

rice de, 157-8

t e a t r o , 4 3 , 5 4 - 5 , 8 3 , 2 4 5

teor ia da le i na tura l , 256; ver também

d i r e i t os h u m a n o s ; c o m o n a t u r a i s

Teoria dos sentimentos morais ( S m i t h ) ,

6 5 , 2 1 2 , 2 4 7 , 2 6 9Terce i ro Es tado, 23 , 126, 128-9 , 240,

2 5 5 , 2 6 0

Terror , 16,144,178

T h e r b u s c h , A n n a , 9 0

Théremin , Char les , 174-5 ,266

Tissot , Samuel -Auguste , 52 ,244,247

Tocquevi l le , Alexis de , 38 ,193 ,242, 267

Tod, James , 258

Tom Jones ( Fielding), 41,46,51

tor tura : abol ição of ic ia l da , 75 , 108,

136-9 ,248-9; a f i rmações dos d i re i

tos humanos vs . , 102-3 , 106, 108,113,254; campanha cont ra a , 102-

6 , 1 0 8 , 2 5 4 ; c o n v e n ç ã o d a O N U c o n

t ra , 210; empat ia e , 30 , 108-9 ,111-

da morte de Jean Calas ( V o l t a i r e ) ,

73

t r i b u t a ç ã o , 1 2 5 , 1 2 9 , 1 3 2 , 2 2 7

Tristram Shandy(Steme),4l, 59

t r o n c o ( i n s t r u m e n t o d e t o r t u r a ) , 7 7 ,

142,249

Tyburn , execuções públ icas em, 76,95-

6

União Soviét ica , 203-5 , 209; na Pr i

mei ra Guerra Mundia l , 202

Ut i l i ta r i smo, 124,250

Van der Capel len to t den Pol i , Joan

Derk , 123,259

Vat te l , Emer de , 256-7

Viagem sentimental, Uma (Sterne) , 59 ,

111

vida secular, 57

Vindication of the Rights of Woman

(Wol ls tonecraf t ) , 172-4

vio lência : da revolução pol í t ica , 179;

r e p o r t a g e n s d a m í d i a m o d e r n a

sobre , 211; sensac ional i smo da , 214Vol ta i re , 21 , 29 , 36, 38 , 73-5 , 81 , 93 ,

238-9 , 242, 248, 250, 260; a rgu

m e n t o d o s d i r e i t os h u m a n o s u s a d o

284 285