a invenção da estratégia: hermenêutica transdisciplinar de “história de milagre” e o...

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Revista Caminhando v. 19, n. 1, p. 41-59, jan./jun. 2014 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-3828/caminhando.v19n1p41-59 41 A invenção da estratégia: hermenêutica transdisciplinar de “história de milagre” e o empoderamento das milícias de Jesus de Nazaré em meio ambiente imperial romano. Estudo de fonte* La invención de la estratégia: transdisciplinario hermenéutica de la “historia de milagro” y el empoderamiento de las milicias de Jesús de Nazaret en entorno imperial romano. Estudio de la fuente The invention of the strategy: transdisciplinary hermeneutic of “story of miracle” and the empowerment of militias of Jesus of Nazareth in imperial Roman environment. Study of source João Batista Ribeiro Santos RESUMO Esta pesquisa tem como objeto as memórias pedagógicas de um milagre opera- do por Jesus de Nazaré. O objetivo é realizar uma hermenêutica caracterizada pela minúcia linguística, mas que problematize a sociedade através do diálogo científico com as Ciências Humanas. Palavras-chave: Jesus de Nazaré, hermenêutica, textualização, cristianismo primitivo, sociedade. RESUMEN Esta investigación tiene como objeto la memoria pedagógica de un milagro opera- do por Jesús de Nazaret. El objetivo es realizar una hermenéutica caracterizada por minucias lingüística, pero que problematizar la sociedad a través del diálogo científico con las Humanidades. Palabras clave: Jesús de Nazaret, hermenéutica, textualización, cristianismo primitivo, sociedad. ABSTRACT This research aims pedagogical memories of a miracle wrought by Jesus of Na- zareth. The goal is to perform a hermeneutic characterized by linguistic nicety, but problematizes society through scientific dialogue with the Humanities. Keyword: Jesus of Nazareth, hermeneutic, textualisation, early Christianity, society. * Em honra da Revista Caminhando, em seus 30 anos, e do Prof. Dr. Helmut Renders, por alargar os âmbitos editoriais e científicos de uma revista teológica para o diálogo com as Ciências Humanas.

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A invenção da estratégia: hermenêutica transdisciplinar de “história de milagre” e o empoderamento das milícias de Jesus de Nazaré em meio ambiente imperial romano. Um estudo de fonte

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  • Revista Caminhando v. 19, n. 1, p. 41-59, jan./jun. 2014DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-3828/caminhando.v19n1p41-59

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    A inveno da estratgia: hermenutica transdisciplinar de histria de milagre e o empoderamento das milcias de Jesus de Nazar em meio ambiente imperial romano. Estudo de fonte*

    La invencin de la estratgia: transdisciplinario hermenutica de la historia de milagro y el empoderamiento de las milicias de Jess de Nazaret en entorno imperial romano. Estudio de la fuente

    The invention of the strategy: transdisciplinary hermeneutic of story of miracle and the empowerment of militias of Jesus of Nazareth in imperial Roman environment. Study of source

    Joo Batista Ribeiro SantosResumoEsta pesquisa tem como objeto as memrias pedaggicas de um milagre opera-do por Jesus de Nazar. O objetivo realizar uma hermenutica caracterizada pela mincia lingustica, mas que problematize a sociedade atravs do dilogo cientfico com as Cincias Humanas.Palavras-chave: Jesus de Nazar, hermenutica, textualizao, cristianismo primitivo, sociedade.

    ResumenEsta investigacin tiene como objeto la memoria pedaggica de un milagro opera-do por Jess de Nazaret. El objetivo es realizar una hermenutica caracterizada por minucias lingstica, pero que problematizar la sociedad a travs del dilogo cientfico con las Humanidades.Palabras clave: Jess de Nazaret, hermenutica, textualizacin, cristianismo primitivo, sociedad.

    AbstRActThis research aims pedagogical memories of a miracle wrought by Jesus of Na-zareth. The goal is to perform a hermeneutic characterized by linguistic nicety, but problematizes society through scientific dialogue with the Humanities.Keyword: Jesus of Nazareth, hermeneutic, textualisation, early Christianity, society.

    * Em honra da Revista Caminhando, em seus 30 anos, e do Prof. Dr. Helmut Renders, por alargar os mbitos editoriais e cientficos de uma revista teolgica para o dilogo com as Cincias Humanas.

  • 42 Joo Batista Ribeiro SaNTOS: a inveno da estratgia

    O gnio da criao literria de Marcos comea por criar o gnero do evangelho, escriturando proclamaes orais. Isto, de certa forma, nos leva a um procedimento hermenutico que tem por objetivo proporcio-nar a interpretao do documento como produo narrativa histrica. O Evangelho segundo Marcos desperta interesse pela conciso precisa da narrao, tantas vezes subversiva, cheia de revises religiosas e moti-vaes polticas. assim, a percope 9.14-29 destaca-se no apenas por estar no centro de inquietaes retoricamente hermticas (transfigurao, Elias, paixo, ressurreio, perspectivas acerca do reinado divino), mas tambm por revelar, nas exigncias da misso crist, estratgias para o exorcismo. Partindo da percope, literariamente se elucidar expresses e personagens que funcionam como pontos de luz; teoricamente, a pesquisa hermenutica ser desenvolvida nos domnios das Cincias Humanas.

    Na hermenutica, apreendido pela pesquisa, na experincia do passado, um contexto histrico de sentido, cujos critrios determinantes tambm per-tencem tradio presente nos testemunhos do passado. a histria um contexto temporal de fatos do passado, que se pode compreender, quando se interpreta os fatos luz dos significados que lhes foram atribudos na forma de objees culturais das intenes humanas (RSEN, 2007, p. 137).

    O procedimento aludido pelo fundamento hermenutico leva-nos apreenso cultural dos estados de coisas histricos. Por esta razo, inte-ressam-nos os usos que se fizeram dos kerygmata, porque os processos formativos do Novo Testamento esto ligados circulao de textos,1 de vario evangelium, exigindo o exerccio hermenutico. Soe relevante acen-tuar que os termos tcnicos kerygma e euagglion so desenvolvimentos do cristianismo helenista, evidentemente em territrios sob o protetorado romano, como demonstrado por Rudolf Bultmann (1987).

    a delimitao evidenciar o recurso literrio qualitativo do autor do evangelho, no qual ganham importncia a indicao de lugar e o prprio acontecimento. Interessam-nos criticamente, pois o passado , por defi-nio, um dado que nada mais modificar, cujo conhecimento se adquire em progresso (BLOCH, 2009, p. 75; cf. GINZBURG, 2007, p. 312). Ento, cabe o reconhecimento da estrutura da sociedade, na medida em que h um conflito por parte dos setores flexvel e inflexvel distinguveis entre o Imperium e o judasmo ritualstico voltado para a tradio, no que essa sociedade em seu tradicionalismo normativo seja esttica. Metodologi-camente, fica desde j evidente que este ensaio no ser desenvolvido nos domnios da histria da sociedade; por ser a literatura tambm um produto social, o que de fato aconteceu interessa-nos para superpor o quadro da literatura de validade permanente.1 acerca disto remetemos o leitor obra de Justin Taylor (2010), mormente pgina 144.

  • Revista Caminhando v. 19, n. 1, p. 41-59, jan./jun. 2014DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-3828/caminhando.v19n1p41-59

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    traduo literal da percope2 e questes tericas em relao narrao

    Texto grego* Traduo literal9.14 Kaiv evlqo,ntej pro.j tou.j maqhta.j ei=don o;clon polu.n peri. auvtou.j kai. grammatei/j suzhtou/ntaj pro.j auvtou,j15 kai. euvqu.j pa/j ~o o;cloj ivdo,ntej auvto.n evxeqambh,qhsan kai. prostre,contej hvspa,zonto auvto,n16 kai. evphrw,thsen auvtou,j ti, suzhtei/te pro.j auvtou,j17 Kai. avpekri,qh auvtw/ ei-j evk tou/ o;clou dida,skale, h;negka to.n ui~o,n mou pro.j se, e;conta pneu/ma a;lalon18 kai. o]pou eva.n auvto.n katala,bh ~rh,ssei auvto,n kai. avyri,zei kai. tri,zei tou.j ovdo,ntaj kai. xhrai,netai kai. ei=pa toi/j maqhtai/j sou i-na auvto. evkba,lwsin kai. ouvk i;scusan19 ~o de. avpokriqei.j auvtoi/j le,gei w= genea. a;pistoj e[wj po,te pro.j ~uma/j e;somai e[wj po,te avne,xomai ~umw/n ye,rete auvto.n pro,j me20 kai. h;negkan auvto.n pro.j auvto.n kai. ivdw.n auvto.n to. pneu/ma euvquvj sunespa,raxen auvto,n kai. pesw.n evpi. th/j gh/j evkuli,eto avyri,zwn21 kai. evphrw,thsen to.n pate,ra auvtou/ po,soj cro,,noj evsti.n ~wj tou/to ge,gonen auvtw/ ~o de. ei=pen evk paidio,qen22 kai. polla,kij kai. eivj pu/r auvto.n e;balen kai. eivj u[data i[na avpole,sh auvto.n avll v ei; ti du,nh boh,qhson ~hmi/n splagcnisqei.j evy v ~hma/j23 ~o de. vIhsou/j ei=pen auvtw/ to. eiv du,nh pa,nta dunata. tw/ pisteu,onti24 euvqu.j kra,xaj ~o path.r tou/ paidi,ou e;legen pisteu,w boh,qei mou th/ avpisti,a25 vIdw.n de. ~o vIhsou/j o;ti evpisuntre,cei o;cloj evpeti,mhsen tw/ pneu,mati tw/ avkaqa,rtw le,gwn auvtw/ to. a;lalon kai. kwyo.n pneu/ma evgw. evpita,ssw soi e;xelqe evx auvtou/ kai. mhke,ti eivse,lqhj eivj auvto,n26 kai. kra,xaj kai. polla. spara,xaj evxh/lqen kai. evge,neto ~wsei. nekro,j w[ste tou.j pollou.j le,gein o[ti avpe,qanen27 ~o de. vIhsou/j krath,saj th/j ceiro.j auvtou/ h;geiren auvto,n kai. avne,sth28 Kai. eivselqo,ntoj auvtou/ eivj oi=kon oi~ maqhtai. auvtou/ kat v ivdi,an evphrw,twn auvto,n o[ti ~hmei/j ouvk hvdunh,qhmen evkbalei/n auvto,29 kai. ei=pen auvtoi/j tou/to to. ge,noj evn ouvdeni. du,natai evxelqei/n eiv mh. evn proseuch/

    9.14 E vindo aos discpulos viram grande multi-do em torno deles e escribas discutindo com eles.v. 15 E imediatamente toda a multido vendo a ele foi tomada de grande admirao, e correu para saud-lo.v. 16 E lhes perguntou: Que estavam debatendo com eles?v. 17 E respondeu a ele um da multido: Mestre, trouxe o meu filho para ti, tendo esprito mudo;v. 18 e onde quer que a ele agarra lana-o no cho, e espuma, e range os dentes e vai definhando. E disse aos teus discpulos para que expulsassem a ele, mas no foram capazes.v. 19 E ele respondendo-lhes diz: gerao des-crente! At quando junto a vs estarei? At quanto suportarei a vs? Trazei-o a mim.v. 20 E lho trouxeram a ele. E vendo a ele o esp-rito imediatamente convulsionou a ele, e caindo sobre o cho rolava espumando.v. 21 E perguntou ao pai dele: Quanto tempo que isto tem acontecido a ele? E ele disse: Desde meninice;v. 22 e muitas vezes tanto em fogo a ele lanou como em guas a fim de destruir a ele. Mas se alguma coisa podes, ajude a ns compadecendo--te de ns.v. 23 E Jesus disse a ele: Se tu podes, todas as coisas [so] possveis ao crente.v. 24 Imediatamente gritando o pai do menino di-zia: Creio! Ajude-me na falta de f.**v. 25 E vendo Jesus que junta-se multido, cen-surou o esprito imundo dizendo a ele: Esprito mudo e surdo, eu te ordeno, sai dele e nunca mais entres nele.v. 26 E gritando e muito convulsionando saiu; e se tornou como morto, a ponto de muitos dizerem que morreu.v. 27 Mas Jesus pegando na mo dele levantou-o, e ficou de p. v. 28 E tendo entrado ele em casa os discpulos dele em particular perguntavam a ele: Por que ns no pudemos expelir a ele?v. 29 E disse a eles: Este tipo com nada pode sair seno com orao.***

    2 Todas as tradues apresentadas neste ensaio foram realizadas pelo autor. a traduo desta percope foi realizada a partir de texto e estrutura gregos (cf. aLaND et alii, 1993).

    * H expresses dignas de nota no captulo 9: v. 15 ekthanbiomai, grande admirao, maravilhar--se, ficar extremamente atnito. Em relao ao v. 18 katalabe, se apodera, pegar, agarrar, os substantivos relacionados com este verbo eram usados como termos mdicos com referncia s doenas repentinas e s pessoas que sofriam. Em relao ao termo resso, lana por terra, o significado do verbo rasgar, despedaar, ou lanar por terra com fora; trizo significa range, rilhar, usado para qualquer som agudo ou de atrito; xeraino, se torna rgido, secar totalmente, murchar, retrata a exausto completa; ekkbalo, expulsassem, jogar fora, lanar fora, expulsar. No v. 20 syns-parasso, convulsionou, rasgar em pedaos, puxar de um lado para outro, convulsionar; no v. 22 apolese, destrusse, destruir, matar, arruinar; v. 25 episyntrekho, ajuntando-se rapidamente, correr junto, descreve a multido convergindo em um nico ponto, vindo de vrios caminhos.

    ** No v. 24 alguns manuscritos acrescentam com lgrimas.*** No v. 29 h uma variante: e jejum.

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    Um dado importante para a interpretao bblica tanto literria quanto historiogrfica , mas que nunca foi bvio porque inabitual, a experincia do tempo, sendo o tempo uma categoria da narrativa literria, plural, como conjunto de relaes variveis entre acontecimentos, com apoio na experincia interna ou externa, na cultura ou na vida social e histrica (NUNES, 2013, p. 70), no tendo em vista preferentemente nem a veridicidade nem o falso, ou o ficcional. A traduo literal da percope privilegia ao leitor apreender o que o eminente filsofo Benedito Nunes chamou de sntese memorial, num exerccio da experincia lingustica. Nesta vinculao, a percope, a narrao, preenchida pelo aconteci-mento. Em face disto, a autoria no ser problematizada, pois em algum momento a identificao por pseudnimo comea a ir de encontro ao ethos de uma cultura escrita desenvolvida, que declara aquele tipo de autoria fantasiosa (FRYE, 2004, p. 243).

    Nesse ponto, cabe assegurar que a produo literria tambm um produto social, nos sentidos dirigidos por Antonio Candido (2011, p. 30) arte: depende da ao de fatores do meio e produz sobre os indivduos um efeito prtico; por isto a edio tarefa inconclusiva se se desconsi-dera a repercusso. assim sendo, o ato completo da linguagem consiste em ver o escritor, as palavras e o leitor.

    a grandeza de uma literatura, ou de uma obra, depende da sua relativa intemporalidade e universalidade, e estas dependem por sua vez da funo total que capaz de exercer, desligando-se dos fatores que a prendem a um momento determinado e a um determinado lugar (CANDIDO, 2011, p. 55).

    Com efeito, os fenmenos temporalmente irreversveis exigem que trabalhemos com fontes, sem ignorar que realidade e ideologia se entre-laam, alm da constatao de que, em nosso tempo, a transformao da categoria da narrao historiogrfica aumentou a incerteza da relao en-tre quem narra e a realidade (GINZBURG, 2007, p. 328, 333; cf. BLOCH, 2009; CANDIDO, 2011; THEML, 2002). Quanto s memrias de aconteci-mento bblico, como escritura, no registro flmico, provavelmente no seja repetio do sentido original, mas reserva de sentido, interpretao hermenutica. neste sentido que Jos Severino Croatto (1986, p. 39) afirma que no fenmeno hermenutico do acontecimento feito palavra nos deparamos novamente com a alternncia de polissemia/monossemia, ou, em outros termos, de reserva-de-sentido/clausura do sentido.

    a partir dessa distino, a hermenutica apresenta como um dos seus objetivos abrir o claustro cannico para libertar o textus receptus da injun-o normativa e apresentar, portanto, a situao vital do acontecimento fundante. Em sua vertente etnogrfica, no existe texto narrativo neutro; para decifr-lo devemos tom-lo como uma narrao que, para se tornar

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    um relato uma histria construda , necessita que lhe acrescente-se complementarmente a nossa narratividade (CARDOSO, 2005, p. 205; GINZBURG, 2007, p. 288; cf. CANDIDO, 2011).

    Esta possibilidade gera tenso resultante da lonjura histrica, mas a nova prtica religiosa ser resultado tanto do novo horizonte de expectativa quanto da diferenciao das experincias. O fato de no ser possvel projetar nenhuma expectativa a partir da experincia passada (KOSELLECK, 2011, p. 319), leva-nos a criar novas situaes que reajam aos desafios da sociedade inclusive com predies historicamente novas. Por isso mesmo Klaus Berger (1999, p. 95) pde dizer que irrespons-vel condenar como pecado a pretenso da razo de querer reconhecer seus limites por conta prpria, o que impediria qualquer inovao para a descoberta das situaes e movimentos vitais,3 pois a exemplo do que aps Berger (1999, p. 108) quanto a questes de ordem teolgica e o fez Koselleck em relao a problemas da pesquisa histrica existimos no tempo e a religio se fundamenta nas experincias humanas que re-novem e revalidem as antigas, demonstrando algo ainda no percebido. assim, na ampliao do procedimento hermenutico colocamos a favor da emotividade as capacidades cognitivas.

    Referimo-nos ao tempo lingustico,4 mas deixamos sugerido o passa-do cronolgico, posto que, como enunciou Eric Hobsbawm (2008, p. 34), a histria mudana direcional; mais ainda, o processo de comentar textos antigos de validade permanente ou de descobrir as aplicaes especficas da verdade eterna implica um elemento de cronologia (HO-BSBaWM, 2008, p. 35), reconstrudo atravs das operaes arqueolgicas do pesquisador da histria que, na busca dos acontecimentos humanos, segundo Marc Bloch (2009, p. 135), nunca deve sair do tempo. Resta-nos acrescentar que na tradio judaico-crist, o Tempo foi concebido como o instrumento de uma histria sagrada. O Tempo era pensado, mas mais frequentemente celebrado, como uma sequncia de eventos especficos que se sucedem a um povo selecionado (FABIAN, 2013, p. 40).

    Destarte, o tempo lingustico adqua-se ao nosso pressuposto de que milagre na literatura crist primitiva a tentativa de reconstruo de uma experincia, no da explicao dos prprios milagres nem ainda da aplicao (BERGER, 1999, p. 341). Por que? Porque, como fundamenta--se Berger (1999, p. 343), no se est pensando em facticidade pura,

    3 Enunciamos situaes vitais como traduo expresso alem Sitz im Leben; em relao expresso movimentos vitais, seguimos o que Marc Bloch (2009, p. 134) designava como liame dos fatos.

    4 Citando o lingusta mile Benveniste, o historiador Jacques Le Goff (2012, p. 207-208) estabelece a importante distino acerca do tempo: a) tempo fsico, contnuo, uniforme, infinito, linear, divisvel vontade; b) tempo cronolgico ou tempo de acontecimentos que, socializado, o tempo do calendrio; c) tempo lingustico, que tem o prprio centro no presente da instncia da palavra, o tempo do locutor. Interessa-nos o tempo lingustico.

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    e sim na demonstrao do poder de Deus diante de pessoas (porque se trata de misso ou apologtica). Em termos de reinado de Deus, Ekkehard W. Stegemann e Wolfgang Stegemann (2004, p. 235) afirmam que os poderes milagrosos so interpretados como eventos escatolgicos, ou seja, como o despontar da vitria sobre o reino dos demnios e dos espritos imundos. Por isto, nessa exigncia sociocultural do ouvir e do ver, em termos de escriturao, o milagre assume a referncia parcial de advento do Reino de Deus executado por Jesus de Nazar.

    Se, entretanto, observarmos os milagres de Jesus no contexto de sua men-sagem sobre a soberania real de Deus prxima, pode ser proposta ainda uma diferenciao adicional, a saber, a diferenciao entre aquelas histrias de milagres que podem ser entendidas como manifestaes prolpticas da ordem social heterotpica, aguardada pela basileia tou theou prxima e como legitimao de Jesus/dos discpulos conquanto agentes da sobera-nia vindoura, e os milagres que so mais sinais para a divindade de Jesus (STEGEMANN, 2012, p. 447).

    Nesta perspectiva, sem pretender aprofundar o debate para no correr o risco de girar em abstraes, pode-se ilustrar o acima exposto como a passagem do ritual ao textual, fato tpico das continuidades da histria. Particularmente o milagre deve ser situado como projeo de uma sociedade mais justa onde a multido tem responsabilidades polticas que vo alm dos seus prprios interesses.

    verdade tambm que o debate em torno da nossa percope foi sempre intenso. Rudolf Bultmann (1987) notou na percope dois relatos de milagre relacionados, certamente baseado nas intratextualidades co-muns a Marcos. Philipp Vielhauer (2005, p. 333) acentua que Bultmann reservou o gnero histrias de milagres para narraes sinticas como a nossa percope; alm disto, Vielhauer observa que a incapacidade dos discpulos mencionada com a finalidade de ressaltar a dificuldade da cura. Gnther Bornkamm (2005, p. 215) afirma com justeza que a pe-rcope marquina ex eventu, alm de observar, como Bultmann, duas diferentes enfermidades; segundo ele, os vv. 17 e 25 referem-se a um surdo-mudo e os vv. 18-25 e 26, a um epiltico. K. Kertelge considera que o relato de cura (vv. 20-27) fora ampliado, tambm assim pensa L. Schenke (GNILKA, 1986, p. 50-51). Com efeito, a nosso ver, a intratextu-alidade apresenta-se no fato de o redator juntar dois acontecimentos, isto , dois diferentes enfermos, com trs diferentes espritos, respectivamente mudo, imundo e surdo-mudo, e justapor dialeticamente elementos pronominais, respectivamente o eu e o ns. Podemos dizer: tudo isto o real fragmentrio, acidental, formado de fatos justapostos.

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    Mas o que parece ser unnime a constatao de que os vv. 28-29 so glossa, um dado importante na arqueologia textual de Julio Trebolle Barrera (1999, p. 496); segundo ele, os melhores representantes da tra-dio alexandrina, ocidental e cesariense, resistiram em admitir que o v. 29 acrscimo que deve ser visto como um testemunho da importncia da prtica do jejum no cristianismo primitivo.

    v. 17 Kai. avpekri,qh auvtw/ ei-j evk tou/ o;clou dida,skale, h;negka to.n ui~o,n mou pro.j se, e;conta pneu/ma a;lalon

    25 vIdw.n de. ~o vIhsou/j o;ti evpisuntre,cei o;cloj evpeti,mhsen tw/ pneu,mati tw/ avkaqa,rtw le,gwn auvtw/ to. a;lalon kai. kwyo.n pneu/ma evgw. evpita,ssw soi e;xelqe evx auvtou/ kai. mhke,ti eivse,lqhj eivj auvto,n

    v. 18 kai. o]pou eva.n auvto.n katala,bh ~rh,ssei auvto,n kai. avyri,zei kai. tri,zei tou.j ovdo,ntaj kai. xhrai,netai kai. ei=pa toi/j maqhtai/j sou i-na auvto. evkba,lwsin kai. ouvk i;scusan19 ~o de. avpokriqei.j auvtoi/j le,gei w= genea. a;pistoj e[wj po,te pro.j ~uma/j e;somai e[wj po,te avne,xomai ~umw/n ye,rete auvto.n pro,j me20 kai. h;negkan auvto.n pro.j auvto.n kai. ivdw.n auvto.n to. pneu/ma euvquvj sunespa,raxen auvto,n kai. pesw.n evpi. th/j gh/j evkuli,eto avyri,zwn21 kai. evphrw,thsen to.n pate,ra auvtou/ po,soj cro,,noj evsti.n ~wj tou/to ge,gonen auvtw/ ~o de. ei=pen evk paidio,qen22 kai. polla,kij kai. eivj pu/r auvto.n e;balen kai. eivj u[data i[na avpole,sh auvto.n avll v ei; ti du,nh boh,qhson ~hmi/n splagcnisqei.j evy v ~hma/j23 ~o de. vIhsou/j ei=pen auvtw/ to. eiv du,nh pa,nta dunata. tw/ pisteu,onti24 euvqu.j kra,xaj ~o path.r tou/ paidi,ou e;legen pisteu,w boh,qei mou th/ avpisti,a25 vIdw.n de. ~o vIhsou/j o;ti evpisuntre,cei o;cloj evpeti,mhsen tw/ pneu,mati tw/ avkaqa,rtw le,gwn auvtw/ to. a;lalon kai. kwyo.n pneu/ma evgw. evpita,ssw soi e;xelqe evx auvtou/ kai. mhke,ti eivse,lqhj eivj auvto,nv. 26 kai. kra,xaj kai. polla. spara,xaj evxh/lqen kai. evge,neto ~wsei. nekro,j w[ste tou.j pollou.j le,gein o[ti avpe,qanen

    Pondo no caso de relato instalado historicamente e mesmo em perspectiva conceptual , cabe afirmar que no h dizer que para fazer sentido no se inscreva na memria. No h dizer que no se faa a partir da repetio (ORLANDI, 2012, p. 173; cf. ASSMANN, 2010), o que implica e justifica deslocamento para outro lugar de sentido. Mas, caso servisse a um propsito retrico, o que afinal no se evidencia, a percope bem poderia afirmar a autoridade cultural da tradio oral.5 Eis que entre os vv. 16 e 17 h uma ruptura redacional. O pai do rapaz responde a uma inquirio formulada aos discpulos. ainda aqui estamos no mbito do fracasso dos discpulos e da cura, ambos fazem parte de uma nica unidade (GNILKA, 1986, p. 51). A insero do tema da f pode ser vista como uma nova unidade (vv. 19b-24). O poder para expulsar espritos imundos transmitido como ddiva da f a quem o necessita. Na forma literria da percope (histria de milagres), h frases que so costuradas na narrao da cura. a pergunta do v. 16 a introduo para

    5 Sobre isto e, mormente, sobre a escrita na poca do cristianismo primitivo no contexto das narraes que afirmam a autoridade do mestre e de tradies, cf. SCHNIEDEWIND, 2011, p. 275-280.

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    os vv. 17-19a (o relato do pai que apresenta o filho endemoninhado e enfermo). Como lembra Giuseppe Barbaglio (2011, p. 241) em sua pesquisa da histria,

    no intil indicar que, na tradio judaica, o mdico obtm, por sua vez, uma reconhecida e relativa legitimidade apenas da parte terminal da histria bblica, em Eclo [Eclesistico, Sircida] 38,1-15. Antes, a cura era esperada como resultado da interveno de Deus, no da medicina; assim o rei as repreendido duramente pelo cronista por ter recorrido, na sua doena, ao mdico e no ao Senhor (2Cr 16,12).

    acrescente-se que em alguns temas de cantos templares esto assu-midos a impetrao de sade por Jav. Tambm no intil informar que

    foi a corrente apocalptica que a partir do sculo IV a.C. influenciou a tradi-o hebraica, inserindo nela a presena dos espritos maus que dominam os homens, sempre, obviamente, sob o poder de Deus que os atualmente os tolera para seus misteriosos fins, mas que no final os derrotar ou os aniquilar, libertando o mundo humano de seus malficos influxos fsicos e morais (BARBAGLIO, 2011, p. 242).

    a epilepsia, apresentada sob a designao de possesso demonaca, domina um rapaz. Enfim, o pai protagoniza o momento dramtico. Re-conhece que sua f ainda no f, que no sabe como crer para curar o prprio filho e que, por isso, ambos necessitam de ajuda. A crise pessoal est em definir para si f e no-f. Para Gerd Theissen (2009, p. 376-377),

    Deus e a salvao abrem-se ao ser humano, mediante a f, como um ato de confiana total, com o qual o ser humano fundamenta sua vida fora de si mesmo. Formulado como regra de ligao: a f liga o ser humano realidade divina de forma privilegiada. Onde a f e o ser humano esto firmemente ligados, torna-se possvel uma separao do ser humano de sua alienao em relao a Deus. O surpreendente que as declaraes a respeito da f e os acontecimentos externos se correlacionam.

    a cura funciona como soluo para a no-f demonstrada pelos discpulos e para a dvida do pai do rapaz, tem a marca de ressurrei-o, pois o rapaz oprimido pelo esprito surdo-mudo estava morto (vv. 26-27). O eplogo, representado pelo ensinamento contido nos vv. 28-29, amplia o relato de milagre para o mbito da comunidade que possivel-mente no mais se destaca atravs desse ministrio.

    Em primeiro plano, Marcos 9.14-29 texto narrativo de mandatio (BERGER, 1998, p. 285), tem como correspondente uma ordem dada por uma autoridade seguida da obedincia a ela. Segundo Joachim Gnilka

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    (1986, p. 259), os relatos que falam de exorcismos de Jesus tm alguns pontos de contato com as narraes de cura. De maneira especial, a idia de que a loucura do possudo e a enfermidade so ocasionadas por foras demonacas e os traos dos exorcismos, nas terapias milagrosas. Uma grande multido discutia em uma plancie da regio galilaica. Um dentre a multido respondeu, em nome dos discpulos. Trouxeram o rapaz a Jesus de Nazar. Na primeira parte da percope a presena de Jesus estremece a multido, na terceira parte o esprito surdo-mudo quem estremece.6 Nesta, um epilptico; naquela, um surdo-mudo. Todos tm suas vidas expostas.

    O poder de Jesus de Nazar no posto em dvida como, por exem-plo, em 8,11-13. Neste caso, a prpria realizao do milagre pode ter se tornado motivo de controvrsias; o que, alis, permeia toda a percope. Contudo, a percope quer mostrar que a presena de Jesus sinal de liberdade. a ao libertadora causa convulso nas instituies (espritos, escribas etc.), restaura esperanas mesmo diante de casos traditivos que geram desesperana.

    Estes pontos tm o intuito de compreender a interpenetrao do milagre no texto antes dos pormenores. A justificao exige-nos a apre-sentao da estrutura literria: a) O taumaturgo: Jesus de Nazar desce do monte e se aproxima dos discpulos (vv. 9 e 15), questiona os escribas (v. 16), queixa-se da presente gerao (v. 19), obtm informaes do pai do rapaz (v. 21), repreende o pai por sua falta de f (v. 23), expulsa o esprito imundo (v. 25), responde s indagaes dos discpulos (v. 28); a cura se processa atravs de uma palavra de ordem (v.25) e do fato de tomar pela mo o rapaz (v. 27); b) Os discpulos: discutiam com os es-cribas (v. 16); o tema da discusso no expresso, talvez alguma tcnica de exorcismo, dos discpulos declarada tambm a sua incapacidade de expulsar aquele esprito imundo (vv. 18 e 28); c) A multido: diz-se que era grande ao redor dos discpulos (v. 14), quando v Jesus atrada por ele, e tambm se agita (v. 25); d) O intermedirio: O pai do rapaz (v. 17) relata como se d a ao do esprito mudo (v. 18 e vv. 21-23) e expressa sua falta de f (v. 24); e) O enfermo: um rapaz (v. 24) que sofre muito; a descrio de epilepsia, lana-o por terra, espuma, rilha os dentes, definha; s vezes, cai no fogo, na gua (v. 22); aps o exorcismo o rapaz fica como morto (v. 26) mas levantado por Jesus (v. 27); f) O demnio: chamado de esprito mudo (v. 17), esprito imundo (v. 25) e de esprito surdo e mudo (v. 25), de difcil expulso (v. 27); g) Advers-rios: no texto so os escribas, que discutem com os discpulos (v. 14) e so questionados por Jesus (v. 16), depois disso desaparecem da cena.

    6 Consideramos o captulo 9.14-19a + v. 19b-24 + v. 25-27 + v. 28-29 agrupamentos re-dacionais.

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    Consideramos duas unidades literrias: (1) os discpulos no foram suficientemente fortes; no contexto literrio envolvendo os exorcismos7 isto quer dizer que eles no conseguiram amarrar o forte; (2) os dis-cpulos esto entre os incrdulos, mas no entre os surdos. Destarte, a ineficincia para com o exorcismo no anloga ao grupo de oposio ao Reino de Deus; entretanto, a morte do rapaz depe contra os discpulos quando vista sob o ngulo da incredulidade. Os vv. 22-23 so releitura dos vv. 18-19, ou seja, a f empodera para o exorcismo. No obstante, o comeo da narrao aponta para uma repreenso como denncia de um comportamento negativo. a pergunta dos discpulos e a resposta de Jesus de Nazar (vv. 28-29) deixam evidentes aos discpulos o carter pedaggico do mestre; no entanto, no contexto predomina a repreenso. Desta forma, fica destacado o dilogo nos vv. 28-29, caracterizando a didtica entre discpulos (v. 14) e mestre (v. 29), que, por ensinar algo no sabido, recebe conotao revelatria. Esta inscrio apresentada duas vezes: no v. 23, quando a f aparece como primado da libertao, e no v. 29, quando o ensino indicado como revelao. Ou seja: a orao a responsvel pelo poder de Jesus de Nazar (os discpulos no puderam).

    Fica implcita a incompreenso resposta dada no v. 23, aps a re-preenso do v. 19 ( gerao descrente! At quando?). O ensinamento--dilogo de revelao ocorre em casa. Os discpulos retornam ao centro. Isso tem o intuito de orient-los quanto prtica do milagre (VIELHAUER, 2005), mas no quadro literrio visa legitim-los para a permanncia do milagre como memria (BERGER, 1998, p. 280).

    Em adio, em seu incio a percope apresenta a chegada de Jesus de Nazar e sua indagao a respeito de uma discusso entre seus disc-pulos e os escribas. O assunto no declarado. Pode ser algum aspecto do exorcismo ou da lei de pureza.8 Parece-nos que o alvoroo foi iniciado pelo pedido do pai do rapaz possesso (ou epiltico), cuja necessidade os discpulos no foram capazes de solucionar.

    a resposta de Jesus de Nazar a tal informao uma repreenso expressa: gerao descrente! At quando estarei convosco? Quanto tempo vos suportarei? (v. 19). De quem Jesus se queixa? Dos discpulos? Do pai do rapaz? Da multido? Da incredulidade em-si? Da estrutura social? Parece que cada qual tem a sua poro de culpa. O pai, quan-do pede auxlio sua falta de f (v. 24); a multido, que tem o rapaz como morto (v. 26), e os discpulos, a quem faltou a orao para inclusive desvincularem-se daquela sociedade (v. 29).

    7 Cf. os captulos 1.26-27; 1.41; 2.16; 3.5; 3.27; 5.3-6; 5.41-42; 7.25-30; 7.31-35.8 O demnio qualificado de esprito impuro no v. 17; cf. Marcos 7 acerca da discusso

    sobre pureza.

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    Jesus de Nazar ordena que lhe entreguem o rapaz. A narrao cheia de dramaticidade. Apresenta uma situao limite, em que um rapaz atormentado (v. 22). adiciona-se a isso a descrio pormenorizada do pai acerca da enfermidade e uma demonstrao imagtica. Alm do rapaz, o pai algum que muito sofre, a desolao e falta de f dele demonstram cansao e decepo, a ltima com o fracasso dos discpu-los. O seu grito uma tentativa desesperada de superar seu estado de vida (v. 24) e apela ao poder de Jesus (v. 22). a base do motivo seria a compaixo. Mas Jesus exige f (v. 23).

    No dilogo com o pai do rapaz Jesus de Nazar parece se apre-sentar como um mdico que deseja fazer um diagnstico: E perguntou ao seu pai: Quanto tempo que isto tem acontecido a ele? (v. 21). A resposta do pai surpreende: Desde a meninice (v. 21). O mesmo tormento atribudo na cena de exorcismo de Marcos 7.25 acerca da filhinha (paidion, criancinha) que sofre na mo de um demnio. A diferena est na extenso temporal. O rapaz j sofre h tempos e a filhinha, h pouco tempo.

    Em face destas evidenciaes, destaca-se o problema do historiador: o que se pode apreender do discurso do ausente? (pois a percope narrao); como interpret-lo, j que est ligado a um outro tempo e a uma experincia inefvel?9 Est no horizonte lingustico a metfora que se alterna entre a lgica do tempo e a razo religiosa. Caracteristicamen-te, Jesus de Nazar reconduz as dimenses conflituais e assim equilibra o animus da multido. De contnuo, a alteridade do pai agora como um coletivo associa a libertao a um tratamento social. Na verdade, para usar o postulado de Michel de Certeau (2011, p. 268), o retorno do outro no discurso que o probe (pois no estamos parte do conflito entre pureza e impureza). Era o espao necessrio para Jesus tornar o inefvel dizvel noutras palavras, faz-lo adentrar-o-texto. Implica tam-bm transigir os cdigos da funo da sociedade em que a experincia de possesso no tem elocuo prpria.

    Ora, para o saber teolgico o exorcismo tpico. O evangelista evi-dencia a superioridade de Jesus de Nazar, que no recorre a gestos de ritos religiosos e a frmulas mgicas.10 A sada do demnio to escan-dalosa como a sua possesso, s que em tese definitiva: e nunca mais

    9 A reflexo acerca da linguagem desenvolvida pelo historiador e cientista da religio Michel de Certeau (2011, p. 261) pareceu-nos pertinente.

    10 Citando o biblista Howard Clark Kee, Giuseppe Barbaglio (2011, p. 251) conceitua: Na magia, o mago apropria-se de foras extraordinrias por meio de frmulas estereotipadas e de gestos particulares, forando os detentores divinos a ceder seu uso; a arte mdica baseia-se no conhecimento e uso cientficos dos recursos da natureza; no milagre est em ao o poder divino livremente concedido ao taumaturgo, em nosso caso, a Jesus. aqui aparece eloquente a reao dos espectadores que glorificam a Deus, que fez de Jesus um carismtico, um homem dotado de uma fora curativa recebida livremente do Alto.

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    entres nele (v. 25). Jesus levanta o rapaz (v. 27), tido como morto pela multido; ao levant-lo, executa a ressurreio? O acontecimento s concludo em casa, como a demarcar o terreno da comunho e instruo para o enfrentamento. A pergunta do v. 28, Por que ns no pudemos expelir a ele?, feita pelos discpulos, legtima, pois eles receberam a incumbncia de expulsar demnios.11 Devemos esclarecer que, no Evan-gelho segundo Marcos, a impossibilidade de expulsar o esprito imundo conferida falta de orao, numa textualizao destinada a demonstrar a plenipotncia da f e a onipotncia de Deus na histria.

    A estratgia como linguagem socialEm uma grande obra, John Dominic Crossan (2004, p. 83) apresen-

    ta introdutoriamente o cristianismo primitivo como uma dialtica entre a histria e a f, essa dialtica tem seu modelo normativo no tipo de evan-gelhos cannicos e seus exemplos paradigmticos existentes naqueles quatro textos evanglicos que, a nosso ver, deixam visveis constantes reconstrues e atualizaes de memrias. Empregamos este postulado, incontrolado pelas teologias, na reconstruo dessa sociedade que no dispe suas instituies para o acolhimento dos jurdica e economicamente fracos e cuja funo, portanto, no libertadora nem capacita para tal. Jesus de Nazar teria de opor-se aos templos, dolos e sacerdotes, Es-tado, ritos e teologias, e superar a inconstncia da alma e da mente do povo que tinha por objetivo apenas uma refeio.12 Assim, fica perceptvel a sua capacidade de entender

    que toda sociedade tende a perseverar no seu prprio ser, e que a cultura a forma reflexiva deste ser; pensamos que necessria uma presso violenta, macia, para que ela se deforme e transforme. Mas, sobretudo, cremos que o ser de uma sociedade seu perseverar: a memria e a tradio so o mrmore identitrio de que feita a cultura (VIVEIROS DE CASTRO, 2013a, p. 195).

    11 Cf. o captulo 6.7,12-13.12 Quanto a isto, Robert Gnuse (1986, p. 136) afirma que os seguidores de Jesus eram

    pessoas da classe mdia e mdia inferior, piedosas, tradicionais, sobretudo rurais e marginalizadas em termos de categoria econmica e religiosa. Esses judeus leais se consideravam pobres na acepo que o termo passara a ter na poca: eram humildes, fieis e obedientes a Deus e no dispunham das riquezas dos ricos e dos poderosos. Mais especficas quanto ao estrato social do que a concluso de Gnuse, as nossas com-provaes recebem atestao de muitos historiadores biblistas; nos domnios literrios, remetemos o leitor ao hebrasta William M. Schniedewind (2011, p. 278) e ao latinista Bruno Fregni Bassetto (2001, p. 125), que afirma na parte de sua pesquisa em que destaca as glossas ressemantizadas pelos cristos primitivos: a primeira comunidade crist foi fundada entre as classes mais baixas das grandes cidades, particularmente entre elementos de origem oriental e judia.

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    Embora o cristianismo primitivo construa sua emancipao em relao ao judasmo e se imiscua culturalmente com o mundo helenstico-romano (NOGUEIRA, 2010; BULTMANN, 1987), o mrmore identitrio a ser quebrado romano, pois tambm a questo religiosa tornou-se um pro-blema econmico. Praticamente, o intuito que aquela sociedade perca suas tradies e seja convertida de forma definitiva em Reino de Deus; a era preciso distinguir no s as crenas mas tambm a linguagem da razo prtica. Teoricamente, a nosso ver, atendo a conceito formulado pelo etnlogo Eduardo Viveiros de Castro (2013b), o problema consistia em posicionar-se entre o mundo coletivista e o mundo individualista, sem ignorar, ainda seguindo Viveiros de Castro (2013b, p. 315), que a sociedade o suporte objetivo das representaes coletivas. So os processos de cognio, cujo contedo abarca o pensamento, a mente e a alma, que provocam a mudana na estrutura e funo da sociedade. Este crescimento do conhecimento de um grupo radical permite-lhe prescindir de interlocutor externo e mantm a comunicao oral como forma permanente.

    a economia baseava-se no trabalho escravo, sem a mnima perspecti-va de abolio, pois era inimaginvel o funcionamento da economia imperial e da vida cotidiana sem a escravido (LOHSE, 2004). Esta estrutura na sociedade mantinha a violncia em favor de determinada vindicatio e na garantia da dignitas, legitimando-a nas relaes que forjavam a escravido, dentre outras, entre o credor e o devedor, e na supresso de bens e vida de quem era considerado perduellis (revoltoso, traidor). Em dois de seus ensaios sobre Roma, Norma Musco Mendes (2009a; 2009b) demonstra os fundamentos da violncia sob a Repblica e no Imprio; a violncia, legi-timada no mbito de determinada legis actio, na administrao do direito na civitas baseada no princpio suum cuique tribuere (dar a cada um o que seu) mas desconsiderando a ideia de igualdade , ainda que haja alguma restrio, o instrumental oficial da espoliao.

    Mas as surpreendentes potencialidades dos jurdica e economica-mente fracos possibilitam a demonstrao de estratgias em movimento sem abstraes. Cabe elucidar com Jack Goody (2012, p. 56) que

    se as culturas tradicionais consideram que as ideias esto ligadas s oca-sies se, por exemplo, afirmaes gerais surgem no contexto de cura e no como programas abstratos sobre aquilo em que acreditamos ento, quando os contextos mudam (em virtude da fome, de invases ou de doenas), ou quando as atitudes individuais mudam (em virtude do reconhecimento de que o remdio no funcionou), as prprias ideias e prticas iro mudar.

    Isto est patente naquela sociedade, possivelmente um dos modelos dentre os considerados propcios por Goody, pelo fato de as descries e prescries cientficas ou religiosas estarem escritas em tratados

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    cientficos ou como literatura de validade permanente. E parece impor ao movimento de Jesus de Nazar a radicalidade das aes e relacio-namentos nada tradicionais, por isso supomos que as atividades deter-minaram a crena. Para o antroplogo Alfred Reginald Radcliffe-Brown (2013, p. 141), as aes em si mesmas so expresso simblica dos sentimentos; foi neste sentido que a solidariedade entre os membros do movimento dependeu dos ritos das aes do lder.

    Nesse sentido, parte a didtica apresentada na percope, como estratgia, muitos outros milagres tero alguma funo pedaggica, guisa de repetio para o que Jan assmann (2010, p. 81) reconheceu como procedimento fundamental na produo de continuidade cultural; ou seja, a memria cultural circula como souvenir, no qual se constri a identidade. Sabemos que nessa sociedade de comunicao oral e escrita as tradies de Jesus de Nazar foram fixadas inicialmente atravs da mentalidade, da priorizar a testemunha, aquele que viu o acontecimento. O evangelho no obstante os desgnios religiosos normativos pode ser o lugar para tudo dizer acerca de Jesus e atender necessidade da comunidade do ouvir e do ver,13 para compensar na forma da eloquncia imagtica a lonjura histrica do fenmeno temporalmente irreversvel, posto que o ver que fundamenta a validade do relato descritivo ou mesmo do explicativo (THEML, 2002, p. 15).

    Em tese, nos outros milagres de Jesus de Nazar, na primeira parte do evangelho, Marcos no demonstra acentuado espao-temporalidade.14 a sucesso cronolgica das relaes entre as personagens histricas prepara o ensinamento: E vindo aos discpulos; correu para saud-lo; Mestre, eu trouxe o meu filho; e entrando em casa dele. O contraste est em que o dilogo narrado no momento histrico e as revelaes so temporais; quais sejam: Todas as coisas so possveis ao crente (v. 23b) e este tipo com nada pode sair [no se pode expulsar] seno com orao (v. 29).

    De fato, Jesus de Nazar fala de f para libertao. a possibilidade pela crena para um outro tempo, mas tambm para o presente (a cura do rapaz) e para a reflexo do passado (onde j se encontra o milagre no momento do dilogo de revelao, nos vv. 28-29). O domnio literrio de preparao para a continuidade da obra do Mestre, entre o relato da transfigurao e o segundo anncio da paixo e da ressurreio. Portanto, a dimenso temporal do milagre introduz o tema da revelao: a orao. Destarte, a percope demonstra a existncia de particularidades nos espritos imundos, desconhecidas pelos discpulos, e a estratgia 13 Remetemos o leitor importante pesquisa da historiadora Neyde Theml sobre o ver e

    o ouvir na antiguidade (2002).14 Cf. os captulos 1.23-28; 1.29-31; 1.40-45; 3.1-6; 7.24-30; 8.22-26. As excees so os

    trs milagres do captulo 5.

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    necessria para vencer tais espritos, inibindo a discusso que se esta-beleceu entre os presentes.

    Agora podemos compreender os termos f e orao na percope. Orar aprender a crer na transformao de si e do mundo, transforma-o que, empiricamente, parece impossvel como no caso de mover montanhas (11.23) (MYERS, 1992, p. 66-67). A f par da histria, dialeticamente!

    Os discpulos merecem ateno. Olhemos para eles, portanto. So exemplares. a percope parte da histria deles. Marcos 9.19 uma repreenso, j o afirmamos, e os vv. 28-29 so didtica importante, que assevera como deveriam agir ou estar preparados. a misso est no qua-dro didtico-descritivo. Mesmo na multido, o rapaz desumanizado um habitante do reino dos mortos, possudo ou com convulses epilpticas; afora isso, ele figura do povo,15 representado entre a multido pelo pai, que, diante de Mestre misericordioso e libertador, mostra-se deses-perado e inseguro. alm disso, vivendo sob o domnio imperial romano, o evangelista interpreta os espritos imundos como figuras das ideologias de violncia, indicando que Jesus de Nazar no liberta apenas o rapaz, mas os seus seguidores.16

    a histria das formas mostra que as histrias de milagres no ilustram a f, mas p. ex. problemas vitais das comunidades referentes ao comportamento em relao a mulheres impuras ou pags, problemas sociais e religiosos centrais da relao entre judasmo e cristianismo (BERGER, 1999, p. 352).

    Como foi se evidenciando, o eixo da percope o v. 23b: Todas as coisas so possveis ao crente. A narrao se desenvolve vinculada a esta afirmao. Se h f e no-f, a f deve ser orientada, servio, ser objetivo de poder, da o milagre. Se h vida e no-vida, temos uma representao da vida e outra, do esprito mudo. Ora, inexistem relaes de poder, mas combate entre poderes. Jesus de Nazar sabe como vencer os poderes da morte e combater as estruturas opressoras da sociedade, porquanto vence o esprito mudo/imundo/surdo-mudo.

    15 Os seguidores, ou o que designamos de milcias de Jesus de Nazar, foram pesqui-sados por ns recentemente (SANTOS, 2010; 2014). Pesquisa abordando a origem do cristianismo e mudanas sociopolticas posteriores foi realizada por ns em coautoria, sob o ttulo Sria-Palestina ou o Brasil portugus: apontamento sobre o cristianismo e um velho colonialismo cristo, e est em edio para ser publicada no primeiro semestre de 2014 em Escritas, revista da Universidade Federal do Tocantins.

    16 Cf. o v. 22b: Ajude a ns compadecendo-te de ns. Em seu comentrio, Juan Mateos e Fernando Camacho (1998) aproximam-se desta mesma ideia.

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    Consideraes finaisalm do que fora investigado supra, acrescente-se que a percope

    como (re)viso de parte da histria do cristianismo primitivo est alm dos sentidos simblicos que se quer ver nos exorcismos. Sendo o pr-prio exorcismo um tema antigo, tpico, nos induz a relatos vivenciados, elaborados considerando o momento em-si da comunidade. Uma ques-to especial que deve ser colocada que, em meio ambiente judaico, a pesquisa hermenutica implica no estudo das mincias lingusticas que possibilitem o comentrio (FALBEL, 2006, p. 98-99), tarefa aplicvel ao cristianismo. De modo claro, a narrao pesquisada em sua intratextu-alidade realidade vivida (historico) e experincias passadas a serem vividas no futuro (exempla).

    Faz sentido lembrar, com Pierre Bourdieu (2011, p. 185), que tratar uma histria de vida como o relato sequencial coerente conformar-se numa iluso retrica, mormente porque, como postulou Julie Cruikshank (2011, p. 157), todos os fatos so culturalmente mediados. Sendo assim, postulamos o que Cruikshank (2011, p. 153) fundamentou: as pessoas refletem sobre suas tradies orais e acontecimentos para dar sentido ordem social em que vivem, mas nunca como totalidade. Em adio, uma percope que coloca os discpulos no centro da discusso acerca do exorcismo de esprito mudo/impuro que sugere poderes com atuao contrria ao Reino de Deus e conclui com um ensino-revelao no pode ser esgotada em sua teologia.

    as consideraes contextuais transdisciplinares permitiram a apre-enso textual, o que nos leva a propor tal contribuio para uma interpre-tao do Evangelho segundo Marcos e para contextos dos cristianismos do tempo presente.

    bIbLIoGRAFIA

    Documentao TextualALAND, Barbara; ALAND, Kurt; KARAVIDOPOULOS, Johannes; MARTINI, Carlo M.; METZGER, Bruce M. (eds.). The New Testament Greek. 4th rev. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993.

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