a interação estrutural entre a desigualdade de raça e de gênero no brasil

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  • 7/22/2019 A interao estrutural entre a desigualdade de raa e de gnero no Brasil

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    A INTERAO ESTRUTURAL ENTRE ADESIGUALDADE DE RAA E DE GNERO

    NO BRASIL*

    Jos Alcides Figueiredo Santos

    Os princpios de ordenamento social geramconseqncias que vo alm dos seus poderes cau-sais especficos. As divises sociais que organizamdesigualdades durveis exercem efeitos conjuntosderivados da sua interao estrutural. Investiga-seaqui a hiptese de que a desigualdade de gnero de

    renda no Brasil seria afetada pela hierarquia racial.Tendo em vista este fim, assim como as suas moti-vaes tericas, estima-se a distncia (gap) de gne-ro de renda entre os grupos raciais, usando novassolues metodolgicas, e analisam-se os compo-nentes desta desigualdade no mbito de cada gru-po racial. Este trabalho focaliza as divises de g-nero no interior das divises de raa, as combinaesdessas categorias, considerando a especificidade dosmecanismos de cada diviso social e seus processos

    de interao social. A anlise empreendida situa eexplora, de modo complementar, o papel do con-texto subjacente da estrutura da desigualdade eco-nmica de classe no entendimento dos padres dedesigualdade emergentes. Esta iniciativa inscreve-se,ainda, em um programa de investigao de maioramplitude a respeito da produo e da reproduoda desigualdade social na sociedade brasileira.1Osestudos j realizados sobre as desigualdades de raa

    RBCS Vol. 24 no70 junho/2009

    Este estudo contou com um auxlio de pesquisa principalda Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de MinasGerais Fapemig e um complementar do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CNPq. O autor agradece ao professor Trond Petersen, doDepartamento de Sociologia da Universidade da Califr-nia-Berkeley, pela oportunidade de conhecer seu inova-dor trabalho metodolgico que fundamenta a escolha domodelo estatstico usado nesta investigao. O estudocontou tambm com a participao de trs bolsistas deiniciao cientifica: Lara Cruz Correa, Juliana de SouzaBarbosa e Eder Lima Moreira, que colaboraram no ma-nuseio dos dados.

    Artigo recebido em junho/2007Aprovado em fevereiro/2009

    *

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    e de gnero no Brasil servem de esteio para o trata-mento atual das interaes entre essas categoriassociais (Figueiredo Santos, 2005a e 2008).2

    Gnero e raa evoluram como campos sepa-rados de investigao nas cincias sociais. Os estu-

    dos raciais privilegiaram o homem no branco e osestudos de gnero, a mulher branca. Esta modalida-de de estudo de cada hierarquia separada, em iso-lamento uma da outra, tanto marginalizou em am-bas as reas o estudo da mulher no branca comoincentivou o tratamento meramente aditivo dos atri-butos de gnero e de raa (Glenn, 2000, pp. 3-4).No so poucas as pesquisas que, ao considerargnero e raa como fatores independentes, focali-zam um fator em detrimento do outro. Do pontode vista terico, omitir gnero ou raa implica assu-

    mir que a atribuio de recompensas neutra emrelao ao fator omitido. Em um modelo estatsti-co, isso representa um erro de especificao, pois seest suprimindo uma varivel relevante, correlacio-nada com variveis independentes no modelo, oque enviesa as estimativas dos efeitos das variveisindependentes correlacionadas. J outras pesquisas,quando controlam o outro fator, o que representaavano, muitas vezes no testam a possibilidade deinteraes entre ambas as variveis (Reskin e Char-les, 1999, p. 385).

    As construes sociais de gnero e raa, embo-ra distintas, estariam entrelaadas na sua constitui-o histria e na experincia individual. A naturezae a dinmica do poder, do privilgio e da opressopoderiam ser mais bem entendidas se gnero fosseconsiderado em combinao com raa, assim comoclasse. Os papis de gnero e as experincias de dis-criminao no local de trabalho podem variar comouma funo tanto de gnero como de raa (Ferd-man, 1999). Em certo sentido, raa e gnero seriamsistemas de relaes sociais mutuamente constitu-

    das, organizadas em torno de diferenas percebi-das, e no caractersticas de categorias fixas (Glenn,2000, p. 9).3

    No estudo das relaes entre gnero e raa naproduo de desigualdade ganhou curso a tese dadupla desvantagem, em que a pessoa que ocupauma posio subordinada em mais de uma hierar-quia sofreria da soma das desvantagens de ambasas dimenses. Essa idia, embora freqentemente

    invocada, no tem sido devidamente examinada(Leffler e Xu, 1997, p. 71). A tese da dupla des-vantagem supe que os efeitos de gnero e raaso aditivos, de modo que a mulher no brancasofreria a soma da desvantagem plena associada aos

    dois tipos de status subordinado. Uma reviso daliteratura sociolgica sobre a interseo de gnero eraa no mercado de trabalho, com foco particularnos Estados Unidos, sugere que a evidncia coleta-da ainda seria mista, sem favorecer claramente umamodalidade de interpretao, e dependeria da ques-to colocada, do mtodo empregado e do tipo deprocesso investigado. Apesar da ambigidade dosresultados empricos apurados, este artigo argumen-ta que a focalizao da interseo entre ambas asdivises sociais pode enriquecer o entendimento da

    desigualdade econmica e oferecer conceituaesmais acuradas dos processos do mercado de tra-balho (Browne e Misra, 2003). A suposio de efei-tos aditivos, adotada como orientao ou por mo-tivo de simplicidade, representa, na verdade, umatese bastante forte, pois supe que o grupo subor-dinado enfrenta o nus integral do pior dos doismundos. Estudo emprico mais recente apresentaevidncias amplas e robustas que colocam em ques-to a caracterizao da dupla desvantagem nosEstados Unidos, ao demonstrar que as mulheres

    de todos os dezoito grupos minoritrios estudadossofrem de uma menor penalidade de gnero doque as mulheres brancas, dentro dos respectivosgrupos raciais ou tnicos (Greenmam e Xie, 2008).

    As investigaes da distncia (gap) de gnero(ou raa) de renda devem estimar mdias ajustadas,no se limitando apenas a comparar mdias obser-vadas, pois esse procedimento adicional revela-seimportante para demonstrar relaes intrnsecas eespecificar a natureza dos nexos subjacentes entreas variveis. Nas anlises da distncia de gnero de

    renda no Brasil, que estimam mdias ajustadas, pre-dominam trabalhos escritos por economistas naperspectiva da abordagem de capital humano(Kassouf, 1998; Matos e Machado, 2006). Este pa-radigma hegemnico na rea e com influncias naprpria sociologia subestima as bases posicionais erelacionais da desigualdade social, o que no invali-da as contribuies parciais oferecidas e as evidn-cias encontradas, embora algumas delas precisem

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    ser qualificadas e mesmo reinterpretadas, em parti-cular quando variveis posicionais endgenas s di-vises sociais so tratadas como se fossem vari-veis exgenas, a exemplo da aquisio de credenciaiseducacionais (Reskin e Charles, 1999, pp. 389-390;

    Figueiredo Santos, 2002, pp. 199-216 e 253-262).A contribuio sociolgica destaca-se particularmen-te nas investigaes sobre a desigualdade racial derecompensas (Valle Silva e Hasenbalg, 1992; Ha-senbalg et al., 1999; Telles, 2003). Entretanto, regrageral esses trabalhos no conceituam nem mode-lam diretamente a possibilidade de efeitos interati-vos entre ambas as variveis. Um efeito interativoocorre quando a associao entre a varivel inde-pendente de interesse (gnero) e a dependente (ren-da) difere em fora ou forma nos diferentes nveis,

    ou categorias, da outra varivel (raa) com a qualinterage. Na medida em que raa e gnero intera-gem, excluir um termo de interao do modeloexplicativo produz estimativas inexatas dos efeitosde gnero e raa (Reskin e Charles, 1999, p. 386). Opresente estudo pretende dar uma contribuio dife-renciada em cinco aspectos: a introduo da dimen-so da estrutura subjacente da desigualdade econ-mica de classe na anlise das diferenas estimadas; aexplorao do entendimento de que raa e gnerorepresentam mecanismos causais distintos, cujas

    conseqncias para a renda variam em termos danatureza dos nexos causais (diretos ou mediados;tipos de fatores mediadores) e das respectivas in-tensidades, o que tem importantes implicaes parao estudo dos efeitos conjuntos; a modelagem ex-plicativa estrita dos efeitos interativos entre raa egnero, com o uso de termos multiplicativos entreambas as variveis; o uso de uma especificao log-linear de um Modelo Linear Generalizado para es-timar as discrepncias de mdias condicionais; e aformulao de uma interpretao terica da intera-

    o estrutural, ou efeitos interativos, entre as divi-ses de raa e gnero no Brasil.

    Os estudos contemporneos da estratificaosocial de cor no Brasil demonstraram que em ter-mos de desigualdades de recompensas materiais ocontraste marcante se faz entre brancos e no bran-cos (pardos e pretos). Foram geradas evidncias queapontam a existncia de um ciclo cumulativo dedesvantagens que afeta a trajetria e os resultados

    atingidos pelos no brancos. Esses trabalhos desta-cam o papel das assimetrias nas trajetrias educacio-nais e na distribuio da escolaridade entre os gru-pos raciais nos processos de mobilidade social e deconstituio das discrepncias de rendimento. A

    desigualdade racial no Brasil, quando comparadaaos Estados Unidos, possui como uma de suas ca-ractersticas especficas a pequena presena dos nobrancos no topo da pirmide social (Valle Silva eHasenbalg, 1992; Hasenbalg et al., 1999; Telles,2003). Estudo das intersees e interaes entre clas-se social e raa no Brasil contribuiu para demons-trar que grande parte da desigualdade racial de ren-da uma desigualdade de acesso a contextos erecursos valiosos, notadamente alocao estrutu-ra de classes, posse de credenciais educacionais e

    distribuio socioespacial (Figueiredo Santos, 2005a).A distino analtica entre desigualdade de acesso edesigualdade de tratamento, assim como a corretainterpretao do significado de ambas, uma ques-to chave para entender a desigualdade racial noBrasil. O elo entre classe social e raa, particular-mente forte no Brasil, decorre da importncia dosprocessos de excluso do controle de recursos queas duas divises sociais envolvem. Divises sociaisque se cruzam to fortemente realam o papel dosefeitos indiretos e dos processos mediadores. As

    conseqncias das divises de raa, quando ope-ram mediante a colocao dos no brancos emposies inferiores na hierarquia social, testemunhama importncia da raa como uma categoria socialque condiciona o acesso desigual aos bens posicio-nais valiosos e em relao aos quais se constituemprocessos de discriminao de acesso ou alocao.

    A desigualdade de gnero no Brasil, como pro-curei demonstrar em outro artigo conectado aomesmo programa de investigao, estrutura-se comcaractersticas bem diferenciadas de raa. Gnero

    cria uma discrepncia de renda observada bemmenor do que raa (32% contra 75%), entretantoproduz uma divergncia de renda ajustada ou con-trolada muito maior (35% contra 13%), o que indicaque estamos diante de processos geradores de discre-pncias de renda muito divergentes. Embora existauma desigualdade de gnero de acesso estruturade classes e ordem ocupacional, as mulheres tmimportantes vantagens posicionais particularmente

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    nos controles de credenciais educacionais, e o efei-to direto de gnero (desigualdade de tratamento)prepondera sobre o efeito indireto (desigualdadede acesso) na explicao das discrepncias de rendaentre homens e mulheres (Figueiredo Santos, 2008).

    Os processos de seletividade social, cujos efeitosexcludentes podem ser cumulativos, e que tm im-pactos decisivos no controle de bens posicionais,operam de modo muito mais forte entre as divi-ses raciais. Embora a maior parte do efeito deraa seja indireta e a maior parte do efeito de gne-ro seja direta, isso no quer dizer que raa seja me-nos importante do que gnero. As divises raciaisgeram conseqncias mais pronunciadas e excluden-tes, assim como tm se relevado mais difceis deserem erodidas no Brasil.

    Trabalhos realizados por economistas interes-sados na temtica da discriminao focalizam a com-parao entre grupos combinados de raa e gne-ro: mulheres brancas, mulheres negras, homensbrancos e homens negros. Mattos e Machado utili-zam cross sectionsempilhadas para analisar a presenade discriminao por sexo e cor no Brasil. O estu-do usa uma tcnica de decomposio e define adiscriminao na tica tradicional da teoria de capi-tal humano, como o diferencial de rendimento queno pode ser atribudo s discrepncias de habili-

    dades (resumidas pelo diferencial de escolaridade).Ao comparar a desigualdade de renda de cor, nombito do mesmo sexo, o estudo constata que, almdo diferencial associado discriminao, uma partesignificativa, em especial para os homens, deve-se deficincia na dotao do atributo de qualificao.J na comparao da desigualdade entre homens emulheres da mesma cor, o trabalho constata umareduo do diferencial de sexo de rendimentos en-tre 1987 e 2001, sendo que o que ainda se mantmda desigualdade se deve somente a fatores associa-

    dos discriminao. A investigao conclui que adesigualdade de rendimento do trabalho no Brasil ainda uma questo de sexo e, sobretudo, de cor(Matos e Machado, 2006, p. 23). Outro estudo sobreo perfil de discriminao no mercado de trabalhocompara os grupos com atributos desvantajososcom os homens brancos, tomados como o grupopadro, que estabelece a norma no mercado de tra-balho. Diversas tcnicas so usadas para analisar o

    diferencial de rendimento devido discriminaosofrida pelos indivduos por no serem homensbrancos. Constata-se que os homens negros sofremmais discriminao na formao e na insero ocu-pacional, enquanto as mulheres brancas sofrem mais

    discriminao na definio salarial, quando ambosos grupos so comparados aos homens brancos.O perfil de discriminao das mulheres negras seriaintermedirio entre os homens negros (baseadana formao e insero) e as mulheres brancas (ba-seada na definio salarial) (Soares, 2000). Caccia-mali e Hirata analisam a discriminao no mercadode trabalho para homens e mulheres, segundo ogrupo racial, em dois estados brasileiros com com-posio racial distinta: Bahia e So Paulo. A investi-gao compara a probabilidade de obteno de

    renda, usado um modeloprobit, com o controle deidade e escolaridade, em trs categorias que estru-turam o mercado de trabalho: dirigentes e gerentes,empregados com carteira de trabalho e emprega-dos sem carteira. Alm disso, o trabalho focaliza ogrupo diferenciado de trabalhadores pobres, en-tendidos como aqueles que esto no primeiro quin-til da distribuio da renda mdia familiarper capita.Contata-se que a discriminao de gnero predo-mina na categoria de dirigentes e gerentes; no en-tanto, as probabilidades de obteno de renda de

    homens e mulheres no brancos, independentemen-te do nvel de escolaridade, so inferiores quelasdos brancos. No grupo de empregado com regis-tro prevalece a discriminao de gnero, enquantono de empregado sem registro destaca-se a discri-minao racial. Entre os pobres, existe discrimina-o de gnero, porm a discriminao racial noapresenta significncia estatstica (Cacciamali e Hi-rata, 2005).

    Examinar gnero e raa simultaneamente podeoferecer um quadro relevante das situaes espec-

    ficas dos vrios subgrupos formados das combi-naes dessas categorias (Leffler e Xu, 1997, p. 73).Entretanto, ao se fazer isso, perdem-se as demarca-es entre as divises de raa e de gnero, que re-presentam mecanismos causais distintos e cujas con-seqncias para a renda se fazem sentir atravs decaractersticas e elos explicativos diferenciados. Amulher negra no Brasil, por ser mulher e negra, ten-de a estar em maior desvantagem, mesmo que no

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    exista uma soma simples das duas desvantagens.Entretanto, ao se realizar a superposio de raa egnero, como conseqncia torna-se difcil precisara contribuio independente de cada componen-te responsvel por esta grande desvantagem, das

    co-variveis associadas a cada um, assim como dosfatores que permitem entender os efeitos conjun-tos, o que pode ser especialmente problemticodiante da existncia de processos claramente diver-gentes entre as duas divises sociais. Em face dasdivergncias constatadas entre gnero e raa na des-vantagem de renda bruta e de renda ajustada, quetm relao com a predominncia dos efeitos indi-retos na desigualdade racial e dos efeitos diretos nadesigualdade de gnero, seria melhor trilhar umpercurso analtico que distingue e especifica os efei-

    tos aditivos, diretos e indiretos, e os interativos, queso efeitos sobre efeitos, em vez de tomar comoponto de partida a fuso das duas categorias.

    Estudos sociolgicos mais recentes que abor-dam os efeitos conjuntos de gnero e de raa naproduo de desigualdade de recompensas reali-zam comparaes relevantes e reveladoras, pormno chegam a modelar diretamente, com o uso determos multiplicativos, os efeitos interativos queespecificam as condies segundo as quais os efei-tos de uma varivel de interesse se altera em fora

    ou forma a depender do nvel ou categoria da ou-tra varivel com a qual interage. Uma investigaosobre a relao entre o desenvolvimento regionaldesigual, confrontando os estados de So Paulo eBahia, e a desigualdade salarial de raa e gnerono Brasil, mostrou que em 1991 a maior distnciade gnero se encontrava entre os brancos. Ao usarum modelo tradicional de decomposio da dis-tncia de renda, em que a discriminao representao resduo no explicado pelas dotaes de capi-tal humano, o estudo chega concluso j precon-

    figurada pelo modelo adotado de que a mulherbranca seria o grupo que sofre a maior discrimi-nao salarial (Lovell, 2000, p. 291). Estudo maisrecente focaliza explicitamente a articulao e a tema-tizao cruzada dos determinantes de gnero e denatureza tnico-racial. A decomposio do diferen-cial de salrios revela que as mulheres brancas so-frem mais da discriminao gerada no interior domercado de trabalho. Os homens negros so mais

    penalizados pela desigualdade de acesso s creden-ciais educacionais. Entre as posies mais elevadasno mercado de trabalho, no entanto, prevalece tam-bm para os homens negros o componente de dis-criminao. J entre as mulheres negras um calei-

    doscpio de fatores de acesso e de discriminaodireta explicam a distncia salarial em relao aoshomens brancos. O grau de discriminao cres-cente conforme se caminha para o topo da hierar-quia de renda e isso prevalece para todos os grupossubordinados (Bidernam e Guimares, 2004).

    Persiste ainda um conhecimento emprico limi-tado das discrepncias de recompensas que emer-gem das interaes entre gnero e raa. Como seno bastasse esta limitao, o tratamento das intera-es entre raa e gnero tem se realizado muitas

    vezes de modo passivo, como se as evidncias deefeitos interativos representassem basicamente nuan-as empricas. No tem sido feita uma tentativa dederivar significado terico para os padres interati-vos encontrados. Entretanto, os efeitos interativosentre raa e gnero possuem informao de interesseterico que deve ser abordada de modo direto eativo (Greenmam e Xie, 2008, p. 1219). O presenteestudo insere-se em um programa de investigaoabrangente das principais divises sociais no pas,notadamente classe, raa e gnero, com uma unida-

    de ou convergncia de orientaes tericas, instru-mentos de mensurao, base de dados e estratgiasde anlise. Os resultados obtidos pela investigaoprvia das caractersticas especficas das divisescategricas de raa e gnero contribuem para clari-ficar os termos de comparao entre as categorias,esclarecem as divergncias de processos e conse-qncias, assim como oferecem uma oportunidadeespecial para abordar os efeitos interativos entreambas as divises sociais.

    Pretende-se colocar prova a proposio de

    que a desigualdade de gnero no Brasil no seriahomognea entre os grupos raciais. Uma especifi-cao adequada dos processos causais nos estudosda desigualdade de gnero envolve a incorporaodas interaes entre raa e gnero, de modo que odesenho da investigao permita que o efeito degnero possa diferir entre os grupos raciais, evitan-do-se a suposio de que a desigualdade de gneroseria equivalente entre brancos e no brancos (Reskin

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    e Charles, 1999, pp. 385-386). As explicaes dadesigualdade entre homens e mulheres no podemser generalizadas automaticamente para brancos eno brancos. Foi escolhido o recorte racial dicot-mico entre brancos e no brancos (pardos e pre-

    tos), pois se encontra a o divisor preponderante dadesigualdade racial de renda no Brasil (Valle Silva,2000, pp. 18-19; Telles, 2003, p. 192).

    Este estudo adota uma abordagem sociolgi-ca que privilegia os determinantes relacionais, cate-gricos e estruturais na gerao de desigualdadesde recompensas. No se adota aqui a soluo tradi-cional de estimar resduos da anlise de regresso,aps o controle dos fatores de capital humano,como medidas do conceito de discriminao. Essaprtica revela limitaes em particular quando se

    pretende comparar duas dimenses distintas dadesigualdade, como so raa e gnero, cada qualcom os seus prprios determinantes estruturais. Essetipo de abordagem tradicional, ao constatar que asdiferenas de gnero de rendimentos, ajustadas porcapital humano, so maiores que aquelas de raa,estimula a concluso artificial de que a discrimina-o de gnero suplantaria a discriminao racial. Talconcluso representa basicamente um resultadoconstrudo pelos prprios termos em que a ques-to posta. A lgica subjacente a essa abordagem

    alimenta a prtica terica e empiricamente poucoconsistente de tratar variveis endgenas como sefossem exgenas. As variveis estipuladas suposta-mente como exgenas s divises sociais podemresponder estatisticamente por uma parte substan-cial das diferenas de rendimentos do trabalho, emparticular no caso de raa. Os indicadores de capi-tal humano e social, no entanto, devem ser tratadostanto como resultados como causas da desigualda-de racial e de gnero. Eles esto inextricavelmenteassociados ao papel que raa e gnero tem tido e

    continuam a ter como princpios fundamentais deorganizao da vida social (Marini, 1989, pp. 361-362; Reskin e Charles, 1999, pp. 389-393).

    No tratamento das interaes entre gnero eraa, com a construo de termos multiplicativos,manteremos o foco na desigualdade de gnero, ten-do em vista o argumento terico que ser desen-volvido. Sem desconhecer a natureza simtrica dosefeitos interativos, pretende-se estimar a variao

    racial do efeito de gnero. Essa abordagem pos-sui a virtude de mensurar a magnitude e a significn-cia estatstica do efeito condicional, ou seja, o mon-tante da distncia de gnero de renda em cada gruporacial. Entretanto, possui a limitao de no realizar

    uma comparao direta entre, por exemplo, o ho-mem branco e a mulher no branca, ou entre quais-quer dois grupos que difiram um do outro tantoem raa como em gnero (Greenmam e Xie, 2008,p. 1218). Por outro lado, ao se considerar os gru-pos que contrastam em ambas as dimenses, con-fundem-se os mecanismos e os resultados caracte-rsticos de cada diviso social e perde-se a distinoda desigualdade de gnero, que foi o ngulo es-colhido para olhar as interaes entre gnero e raa.

    Este estudo pretende abordar igualmente, como

    um passo preliminar, a desigualdade de alocao ouacesso estrutura de classes dos grupos combinadosde gnero e raa. A estrutura social marca um pa-dro de desigualdade entre as posies de classe.Parte importante das discrepncias entre estes gruposcombinados pode ser mediada pelo acesso aos con-textos de classe que so desigualmente recompensa-dos. O contexto subjacente da estrutura da desigual-dade econmica de classe ajuda a situar e entenderos componentes de alocao subjacentes s discre-pncias de gnero de renda entre os grupos raciais.

    Distribuio dos grupos e acesso estruturade classes

    A Tabela 1 retrata os padres de distribuio eacesso desproporcional de homens e mulheres, di-ferenciados por grupo racial, estrutura de posi-es de classe no Brasil. A distribuio percentualde gnero entre as categorias de classe permite desdej identificar uma relao, ou associao, entre as

    duas variveis e mostrar o quanto gnero condicionao acesso ordem de classe. Entretanto, a compara-o entre os grupos ser realizada recorrendo noo de chances (odds) e ao clculo das razes entrechances (odds ratio) ou chances relativas. Uma chancerepresenta a razo entre a freqncia de estar emuma categoria e a freqncia de no estar nesta cate-goria. Isto equivale a comparar duas probabilidadesformando a razo entre as probabilidades. O resul-

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    tado pode ser interpretado como a chance de umindivduo selecionado ao acaso na populao serencontrado na categoria de interesse em vez de emoutra categoria. Na anlise de dados categricos, oefeito de uma varivel na outra mais bem ex-

    presso em termos de chances relativas, que corres-ponde razo entre duas chances. A chance de umacategoria pode ser comparada com qualquer outra.Comparam-se nesta tabela apenas as discrepnciasde gnero de chances em cada universo racial dis-tinto. Esta medida que permite comparar as chan-ces, ou mensurar as chances relativas, possui umainterpretao simples. Quando as chances das duascategorias comparadas so iguais, o razo resultarno valor 1 (um), o que equivale inexistncia deassociao estatstica. Valores menores que 1 (um)

    implicam em uma associao negativa, e maioresque 1 (um), em uma associao positiva. Quantomais o valor se distanciar de 1 (um) maior ser aassociao (Reynolds, 1982; Rudas, 1998). Na Ta-bela 1 o homem (branco ou no branco) forma onumerador das razes entre chances.

    No universo do grupo branco, os homens pos-suem uma vantagem de gnero de acesso a todasas posies que implicam em controle de ativos decapital e de terra. Esta vantagem cresce conformeaumenta a dimenso do capital controlado. Na rea

    agrcola, onde predominam relaes de gnero maistradicionais, a chance masculina de ser o titular deuma pequena atividade agrcola multiplicada por4,45 em comparao feminina.

    Entre as localizaes privilegiadas de classemdia existe no grupo branco uma forte desvanta-gem masculina no acesso condio de empregadoespecialista, um quase equilbrio posio de espe-cialista autnomo e uma pequena vantagem posi-o de autoridade exercida pelo gerente. Ao olharo conjunto da configurao de classe mdia no uni-

    verso branco, os homens ostentam uma desvanta-gem de acesso, devido ao peso relativo ou densida-de maior do emprego de especialista o que podeser visto comparando as percentagens nas colunas e ao fato de as chances relativas da mulher serempronunciadamente maiores nesta categoria.

    Tabela 1Distribuio Percentual dos Grupos Combinados de Gnero e de Raa entre as Categorias de Classe e Discre-

    pncias de Gnero nas Chances Relativas de Acesso Categoria, conforme o Grupo Racial Brasil, 2005

    Categorias de classe

    CapitalistaPequeno empregador

    Autnomo com ativosAutnomo agrcolaEspecialista autnomoGerente

    Empregado especialistaEmpregado qualificadoSupervisor

    Trabalhador tpicoTrabalhador elementarAutnomo precrioEmpregado domsticoTotal

    Homembranco

    1,246,409,426,901,663,95

    4,266,762,54

    37,2610,328,470,78

    100,00

    Mulherbranca

    0,593,365,471,111,643,59

    6,8011,591,09

    35,274,23

    10,1615,1

    100,00

    Chancesrelativas de

    gnero

    2,111,971,794,451,021,10

    0,620,552,371,092,610,820,04

    Homemno branco

    0,203,147,569,590,401,70

    1,394,212,26

    35,4721,2611,631,18

    100,00

    Chancesrelativas de

    gnero

    2,502,141,874,391,111,14

    0,550,473,541,313,120,820,03

    Mulherno branca

    0,081,494,192,360,361,50

    2,518,620,65

    29,637,97

    13,8926,74

    100,00

    Fonte: IBGE, 2006 (tabulaes especiais, ver Quadro 1 do Anexo). Dados para os casos com renda positiva.

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    REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No7044

    Entre as posies ambguas de classe de em-pregados qualificados e supervisores, as associaesse fazem em direes opostas. As chances de acessoaumentam significativamente entre os supervisorese regridem fortemente entre os empregados quali-

    ficados. O quadro registrado na ltima categoriareflete o avano educacional das mulheres e o fortecontingente de professoras de primeiro grau pre-sentes nesta posio.

    Ao voltar o olhar para a base da estrutura declasses, constata-se que os homens brancos tmchances relativas maiores, embora no muito maio-res, de estarem no grande agregado de trabalhado-res tpicos. Entre as posies de classe destitudas,logo abaixo na Tabela 1, a chances masculinas su-plantam bastante as chances femininas de serem

    encontradas entre as ocupaes mais braais tantoagrcolas como no agrcolas que compem os tra-balhadores elementares. Por outro lado, os homenspossuem uma vantagem de gnero de estarem ne-gativamente associados s posies de autnomosprecrios e empregados domsticos, que obtmmenores recompensas.

    No sero comentadas aqui as discrepncias dealocao entre os grupos raciais, que podem serfacilmente constatadas comparando as colunas depercentagens, pois isso foi objeto de outro estudo

    (Figueiredo Santos, 2005a). Tendo em vista o focodo presente estudo nas variaes raciais da desi-gualdade de gnero, a Tabela 1 serve para mensu-rar o componente de desigualdade de gnero deacesso s posies de classe desigualmente recom-pensadas que podem estar subjacentes s discrepn-cias de gnero de renda e s possveis divergnciasneste hiato de renda quando so confrontados osgrupos raciais.

    Quando so comparados o universo branco eo universo no branco percebem-se semelhanas e

    divergncias nos padres de intersees ou cruza-mentos entre classe e gnero. Os homens no bran-cos possuem maiores vantagens relativas no acessoa ativos de capital, e estas vantagens crescem igual-mente conforme aumenta a dimenso do capitalcontrolado.

    Entre os no brancos o exerccio de autorida-de representa uma prerrogativa de acesso masculi-na mais forte, em particular na posio de primeira

    linha de superviso. J na dimenso de controle deativos de qualificao, exceto entre os especialistasautnomos, ser homem no universo no brancoimplica em associao fortemente negativa com asposies que incorporam qualificao e percia en-

    tre os empregados.Entre a classe trabalhadora assalariada vincula-

    da s formas coletivas de trabalho, que exerce umtrabalho tpico ou elementar, os homens no bran-cos possuem fortes vantagens de gnero de acessoquando confrontados s mulheres do mesmo gru-po racial. J entre as posies de classe destitudasque so autnomas ou esto inseridas no mbitodomiciliar, as chances relativas de gnero mostram-se bastantes semelhantes em ambos os universosraciais. A distribuio racial entre estas posies, cabe

    observar, extremamente divergente: os no bran-cos esto muito mais concentrados entre os traba-lhadores elementares e os empregados domsticos.Entretanto, a anlise realizada aqui focaliza as dis-crepncias de gnero dentro de cada grupo racial.As razes entre chances cumprem bem este objeti-vo, pois representam medidas de associao quebuscam captar relaes inerentes entre as variveis,ou seja, as relaes intrnsecas que independem dasdivergncias entre as distribuies marginais dasvariveis contrastadas.

    Distncias de gnero de renda entreos grupos raciais

    A Tabela 2 apresenta dados sobre as diferenasde renda mdia em reais entre as intersees ou cru-zamentos das categorias sociais de interesse, tendoem vista a necessidade de situar o papel mediadorda estrutura de classes no entendimento da varia-o racial das discrepncias de gnero de renda. A

    ltima linha dessa tabela, onde est o total, revelaque a vantagem masculina de renda, no ajustadapor outras variveis, maior entre os brancos(46,14%) do que entre os no brancos (38,55%).Alm disso, observa-se que na verdade existem di-ferentes patamares de vantagem masculina, a de-pender do contexto de classe, o que testemunha opapel no apenas mediador, mas tambm modera-dor da estrutura de classes. O papel mediador decor-

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    A INTERAO ESTRUTURAL... 45

    re do acesso diferenciado s posies que so de-sigualmente recompensadas. O papel moderadorde classe mostra-se atravs do fato de que a distn-cia de gnero de renda se acentua ou se atenua adepender do contexto de classe, conforme demons-

    trado em outro artigo (Figueiredo Santos, 2008).Caberia ento observar se o distanciamento damdia geral, ou seja, a sua variao entre os contex-tos de classe, seria semelhante ou no entre os gru-pos raciais, particularmente entre as categorias declasse que possuem uma densidade maior na estru-

    tura de classes e por isso possuem um peso maiorna formao da mdia do grupo racial. O resulta-do no mostra um contraste marcante. Entre osbrancos e no brancos iguais nmeros de contex-tos de classe (seis) e quase os mesmos contextos,

    exceto um, puxam a mdia da discrepncia de g-nero de renda para cima. Os dados sinalizam, en-to, uma importncia maior da desigualdade degnero de acesso ordem de classe como um fa-tor a ser considerado no entendimento das varia-es raciais da discrepncia de gnero de renda.

    Vantagemmasculina

    54,6823,6166,3188,3443,8748,8647,2343,37

    10,1827,806,62

    73,0938,3246,14

    Homemno branco

    4.349,611.400,37

    703,93271,90

    2.327,661.588,152.101,80

    966,77

    931,20572,78314,34427,80334,52582,94

    Mtodo de anlise e modelo estatstico

    Passa-se agora especificao do mtodo deanlise dos dados e das caractersticas do modeloestatstico usado para estimar a distncia (gap) derenda ajustada. O confronto simples de rendasmdias, ainda que relevante, pois mostra a distnciabruta de renda entre as categorias, no permite de-monstrar sem ambigidades o efeito de gnero,uma vez que a renda est associada tambm a ou-

    tras variveis, que cabe controlar, para ver a varia-

    bilidade da renda que decorre do fator de interes-se. Alm disso, a aplicao de um modelo estatsti-co incorpora anlise as mltiplas variveis queatuam no interior do nexo original constatado. Esseprocesso de elaborao da relao original permi-te abordar e trazer superfcie a estrutura subja-cente dos dados. A anlise da variao da desigual-dade de gnero de renda no Brasil, entre os gruposraciais, ser realizada estimando-se a distncia de

    Tabela 2Renda Mdia Mensal em Real do Trabalho Principal e Vantagem do Homem, conforme os Cruzamentos entre

    Categorias de Classe, Gnero e Grupo Racial Brasil, 2005

    Categorias de classe

    CapitalistaPequeno empregador

    Autnomo com ativosAutnomo agrcolaEspecialista autnomoGerenteEmpregado especialistaEmpregado qualificado

    SupervisorTrabalhador tpicoTrabalhador elementarAutnomo precrioEmpregado domsticoTotal

    Homembranco

    5.684,482.241,811.198,54

    520,473.667,542.646,622.948,971.300,27

    1.169,46707,48374,27602,28393,67

    1.128,13

    Mulherbranca

    3.675,031.813,54

    720,67276,35

    2.549,221.777,942.002,98

    906,94

    1.061,37553,57351,03347,95284,60771,95

    Vantagemmasculina

    60,836,08

    39,68108,0026,7232,4941,0643,66

    19,0632,822,24

    84,5332,4638,55

    Mulherno branca

    2.704,481.320,12

    503,94130,72

    1.836,911.198,651.391,38

    672,98

    782,11431,24307,46231,83252,54420,73

    Fonte: IBGE, 2006 (tabulaes especiais, ver Quadro 1 do Anexo). Dados para os casos com renda positiva.

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    REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No7046

    gnero em sucessivos Modelos Lineares Generali-zados, que incluem outros fatores com impacto im-portante na renda e que podem estar associados sdivises de gnero e de raa. O uso destes experi-mentos estatsticos permite conhecer os principais

    fatores que conformam, especificam e medeiam adesigualdade de gnero, assim como estabelecer osefeitos diretos, no mediados, das divises de g-nero entre os grupos raciais.

    A presente investigao beneficia-se de umanova proposio metodolgica formulada peloprofessor Trond Petersen, da Universidade da Ca-lifrnia-Berkeley, para a estimativa da mdia condi-cional de uma varivel dependente intervalar, comoa renda. Essa soluo retm a vantagem interpreta-tiva de estimar diferenas relativas de rendimentos

    mdios, porm sem os problemas associados es-pecificao semilogartmica de um modelo de re-gresso padro. Uma especificao loglinear de umModelo Linear Generalizado produz interpretaesde diferenas relativas, em termos de mdias arit-mticas, em vez de mdias geomtricas, ao contr-rio do que ocorre com a especificao semilogart-mica do modelo de regresso OLS, aps o clculodo exponencial do coeficiente estimado, visando sua reconverso para a mtrica original da variveldependente intervalar (Petersen, 2006; Goodman

    2006). O Modelo Linear Generalizado tm trscomponentes: um aleatrio, um sistemtico e umde ligao. O primeiro refere-se varivel depen-dente e distribuio de probabilidade que est asso-ciada a ela. O componente sistemtico diz respeitos variveis independentes e como elas se combi-nam com a finalidade de construir um modelo ex-plicativo. O de ligao especifica como a mdia davarivel dependente est relacionada com o cha-mado preditor linear(o modelo explicativo). A m-dia pode ser modelada diretamente ou alguma fun-

    o monotnica da mdia pode ser ento modelada(Agresti, 2007, pp. 66-67; Jaccard, 2001, pp. 3-4).4

    O presente estudo utilizar o Modelo Linear Gene-ralizado com uma funo de ligao logartmica euma distribuio Gamma. Na especificao logli-near deste Modelo a transformao logartmica internalizada dentro do prprio modelo. A funode ligao exponencializa o preditor linear em vezde fazer a transformao logartmica da varivel

    dependente. J a distribuio Gamma apropriadapara lidar com variveis dependentes positivas comcoeficiente de variao constante propriedade quecompartilha com a distribuio log-normal , maso modelo robusto mesmo na presena de gran-

    des desvios deste critrio. Modelar observaescom uma distribuio Gamma e uma funo deligao logartmica uma alternativa melhor do queusar a regresso padro com a transformao lo-gartmica da varivel dependente, pois o modelono requer nenhuma transformao externa, retmas observaes originais e mais fcil de interpre-tar. De fato, explicam Hardin e Hilbe, porque oformato dos dois parmetros da distribuio gam-ma flexvel e pode ser parametrizado para ajustarmuitos formatos de resposta, ele seria prefervel ao

    modelo Gaussiano para muitas situaes de dadoscom respostas estritamente positivas (Hardin eHilbe, 2007, p. 90; Halekoh, 2007). Todos os Mo-delos formam estimados, usando o programa es-tatstico Stata, verso 9.2 (Stata, 2005).

    A medida apropriada da distncia de rendaentre categorias contrastadas depende do propsi-to da anlise. A distncia de renda estimada aquireflete diversas formas de discriminao, no ape-nas aquelas que ocorrem no mbito da insero nomundo do trabalho, mas tambm as conseqncias

    decorrentes de escolhas e trajetrias empreendidassob a influncia de constrangimentos vividos ouantecipados (Gunderson, 1989, pp. 48-49). Os coe-ficientes da especificao loglinear, ao forneceremdiferenas relativas entre as categorias, ajustam-sebem lgica terica do estudo da desigualdade.Esta especificao, alm disso, ajuda a corrigir a forteassimetria positiva da distribuio e contribui parareduzir a influncia na estimativa dos valores extre-mos dissonantes do conjunto.

    Na especificao da equao de rendimentos

    para estimar a distncia de gnero, o tratamento dashoras trabalhadas joga um papel bastante impor-tante. Segue-se aqui a especificao proposta peloinovador trabalho metodolgico de Morgan e Ar-thur, que evita a subestimao dogapde gnero derenda. Recomenda-se o uso do log do rendimentocomo varivel dependente e do log do tempo tra-balhado como varivel independente de controle,com o retorno para o equivalente em log das horas

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    A INTERAO ESTRUTURAL... 47

    trabalhadas variando de modo seccional (piecewise),em uma funo spline, atravs do espectro de horastrabalhadas (Morgan e Arthur, 2005, pp. 398-401).O equivalente da primeira recomendao em umModelo Linear Generalizado seria a escolha da fun-

    o de ligao logartmica.A comparao entre grupos envolvendo o

    controle de mltiplas variveis, visando a estudarefeitos interativos ou condicionais, s vezes feitapor meio do clculo de equaes de regresso paracada grupo em separado. Entretanto, essa prticaanaltica usualmente no resulta num teste estatsticode diferenas nos coeficientes estimados entre osdois grupos, quando este teste necessrio caso sequeira falar de diferenas entre os grupos. A anli-se conduzida com a construo de termos intera-

    tivos, aplicada aqui, realiza esta avaliao estatsticadas diferenas entre grupos (Jaccard e Turrisi, 2003,p. 36). No modelo interativo, a varivel indepen-dente X possui um efeito condicional, que dependedo valor da varivel Z, com a qual interage. Esti-ma-se o efeito de X em Y, dado Z=0 (zero).Quando so construdos termos interativos entrevariveis binrias, como gnero e raa, o efeito con-dicional ao valor 0 (zero) refere-se naturalmente categoria de referncia (omitida) da outra varivelque compe o termo interativo (Brambor, Clark e

    Golder, 2006, pp. 73-74). A anlise das variaesda distncia de gnero entre os grupos raciais utili-zar a estratgia de recodificao das variveis bi-nrias, em que so realizados sucessivos reclculosda equao de regresso e produzidas as estatsticasrelevantes aps a especificao de cada categoriade referncia de interesse (Jaccard e Turrisi, 2003,pp. 55-60).

    A pesquisa emprica utiliza a base de microda-dos da PNAD de 2005 (IBGE, 2006). A amostrautilizada neste estudo composta de 165.147 ca-

    sos, que possuem informaes vlidas para todasas variveis. Devido escolha da especificao lo-glinear de um Modelo Linear Generalizado, a an-lise foi restrita aos casos com renda positiva. Utili-za-se apenas a renda do trabalho principal, pormotivo de ajuste, j que a classificao socioecon-mica usada para mensurar o conceito de classe so-cial foi construda com base no trabalho principalda pessoa.

    Variaes da distncia de gnero entre osgrupos raciais

    A Tabela 3 apresenta os resultados dos modelosestimados j convertidos em diferenas percentuais

    a favor do homem5 . O modelo 1, composto apenasdas variveis do termo interativo, mostra que avantagem de gnero dos homens no homog-nea entre os grupos raciais. A distncia de gneroentre os brancos suplanta a registrada entre os nobrancos. Este padro revelador de uma maior pe-nalidade de gnero para as mulheres brancas sermantido em todos os modelos, com variaes deintensidade.

    O modelo 2 controla as diferenas de horastrabalhadas entre homens e mulheres recorrendo a

    uma soluo que evita a subestimao da distnciade gnero, conforme foi demonstrado em outroartigo (Figueiredo Santos, 2008). A desigualdadeexistente de horas trabalhadas entre homens e mu-lheres, ainda assim, faz com que a distncia de g-nero seja reduzida em ambos os grupos raciais.Entretanto, a distncia se reduz mais entre os nobrancos, mostrando que neste grupo existe umamaior divergncia de gnero no efeito das horastrabalhadas, conforme captado pela spline linear, oque gera um aumento da discrepncia de gnero

    entre os dois universos raciais.O modelo 3 introduz o controle das credenciais

    educacionais. Controlam-se neste modelo os efei-tos da desigualdade de educao entre os grupos edos diferenciais de renda por nvel educacional. Naespecificao do modelo de regresso sem termosinterativos entre a credencial educacional e o fatoratribudo raa ou gnero, os diferenciais de rendapor nvel educacional seriam equivalentes entre osgrupos. Isso significa que o efeito produzido na dis-tncia de renda decorre, dados os diferenciais exis-

    tentes de renda por nvel educacional, da desigual-dade de educao encontrada entre as categorias.Esse procedimento produz e revela um incremen-to muito significativo da desigualdade de tratamen-to de gnero nos grupos raciais. O aumento abso-luto ainda mais forte da distncia entre os brancosfaz com que a discrepncia racial na desigualdadede gnero atinja a o seu ponto mais alto. Como adistncia de renda j est em um patamar muito

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    elevado entre os brancos, o controle estatstico dascredenciais educacionais o controle de um fator

    que faz emergir o efeito direto da desigualdade detratamento de gnero incrementa a variao absolu-ta da distncia de gnero entre os grupos raciais,embora o seu aumento relativo, em comparao aopercentual registrado no modelo anterior, mostreuma divergncia muito pequena entre os gruposraciais.6

    O controle das discrepncias de tempo de tra-balho e tempo no trabalho atual, realizado no mo-delo 4, em que as mulheres brancas e no brancaspossuem desvantagens, reduz a diferena entre as

    duas distncias, mas essa defasagem ainda se man-tm em um patamar alto. De uma maneira muitosimplificada pode-se dizer que o controle da varia-bilidade devido a uma desvantagem diminui a dis-tncia de renda entre o grupo em desvantagem(mulher) e o privilegiado (homem), revelando-se,desse modo, o peso da contribuio deste compo-nente da distncia de gnero de renda. Nesse senti-do as discrepncias de gnero em relao a estes

    fatores parecem ser maiores entre os brancos, poisocorre a a maior retrao tanto absoluta como re-

    lativa da distncia de gnero.Os controles das circunstncias de localizao

    geogrfica, moradia urbana e de condio de migra-o, realizados no modelo 5, aumentam as distnciasde gnero em ambos os grupos raciais, porm esseprocesso ocorre com mais fora no grupo no branco,o que precipita uma reduo da sua variao racial.Esse resultado mostra que a distribuio regional eurbana d uma pequena vantagem relativa mulherno grupo no branco, quando confrontada ao ho-mem no branco, pois o seu controle estatstico faz

    com que aumente mais a distncia de gnero nestegrupo racial.

    A partir do modelo 6 so introduzidas variveissocioeconmicas relacionadas com a diviso socialdo trabalho e que so de natureza tipicamente es-truturais. O modelo 6 faz com que volte a crescer adivergncia na distncia de gnero. A desigualdadede gnero de acesso aos setores econmicos, nosquais existem diferentes padres de renda mdia,

    Notas: Modelo Linear Generalizado, usando a distribuio Gamma e a funo de ligao log.*Splinelinear do equivalente em log dos intervalos de horas de trabalho (ver Quadro 2 do Anexo).O impacto percentual dos coeficientes foi calculado conforme: 100 [exp (Coef.) 1].

    Todos os coeficientes originais so estatisticamente significativos no nvel de 0,001 ou mais.Fonte: Tabelas 1-A e 2-A do Anexo Estatstico.

    Tabela 3Distncia (gap) de Renda do Trabalho Principal a favor do Homem, em relao Mulher,

    no Grupo Branco e No Branco e Diferena entre Ambos, Estimada por meio de Modelo LinearGeneralizado Brasil, 2005

    Modelo

    1 (gnero, raa e termo interativo)2 (+ horas de trabalho: splinelinear)*3 (+ educao)4 (+ tempo de trabalho e tempo no trabalho atual)5 (+ regio, residncia urbana e migrante)6 (+ setor pblico e seis grandes setores econmicos)7 (+ categorias de classe)8 (+ composio de gnero das ocupaes)

    Distnciaentre brancos

    (%)

    45,9937,7358,5847,8350,4548,9838,5030,63

    Distnciaentre no

    brancos (%)

    38,4428,6644,3637,5842,2439,7231,9423,82

    Diferena(B NB)

    (%)

    7,559,07

    14,2210,258,219,266,566,80

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    revela-se maior entre os no brancos, pois o con-trole deste componente mediador da desigualdadegera uma reduo maior da distncia de gnero derenda neste grupo racial, o que produz o incremen-to da sua discrepncia entre os grupos raciais.

    A introduo das categorias de classe, no mo-delo 7, reduz a discrepncia entre as distncias degnero ao seu nvel mais baixo. Isso significa que oacesso assimtrico s posies de classe, que sodesigualmente recompensadas, joga um papel cha-ve na explicao da divergncia existente. Cabe pri-meiro descortinar o tipo de distncia de renda quepassou a ser estimada neste modelo. Controla-seagora a distribuio diferenciada de homens e mu-lheres entre as posies de classe, dentro de cadauniverso racial, e as discrepncias de remunerao

    entre as posies de classe. A desigualdade de aces-so ordem de classe entre homens e mulheres pa-rece ser maior no universo branco, pois o controledas intersees entre classe e gnero em cada gruporacial aproxima mais as distncias de gnero de rendaentre brancos e no brancos, devido ao fato de adistncia de gnero cair mais no grupo branco, tan-to no nvel absoluto como relativo. O forte com-ponente de acesso desigual a recursos valiosos, queest associado opresso racial, responde possivel-mente por uma menor diferenciao de classe en-

    tre mulheres e homens no brancos.Por fim, o modelo 8 incorpora um indicador

    de segregao ocupacional de gnero, que a pro-poro de mulheres em cada um dos 519 gruposocupacionais da PNAD. O controle da segrega-o ocupacional de gnero existente no interior dascategorias de classe social a alocao entre as po-sies de classe j foi controlada estatisticamente nomodelo anterior tem um grande impacto na dis-tncia de gnero, porm aumenta apenas ligeiramentea sua divergncia entre os grupos raciais. Note-se

    ento que a divergncia entre os grupos raciais estmais associada aos grandes agregados da estruturade classes, j que o componente interno de segrega-o ocupacional, apesar da sua importncia comofator mediador da desigualdade de gnero nos doisgrupos raciais, responde apenas por uma tnue des-vantagem relativa da mulher no branca, indicadapelo fato da vantagem masculina diminuir mais nogrupo no branco.

    Mtodo alternativo: o efeito contidono termo interativo

    Uma metodologia alternativa para analisar eapresentar os efeitos interativos entre gnero e raa

    nos rendimentos foi proposta e utilizada por EmilyGreenmam e Yu Xie (2008). Aps fazer uma revi-so crtica da tese da dupla desvantagem na lite-ratura norte-americana, assim como das estratgiasdesenvolvidas para estudar os efeitos conjuntos deraa e gnero, o trabalho oferece um modelo de in-vestigao emprica, usando o que seria, na formu-lao das autoras, uma conceituao nova e menosrestritiva dos seus efeitos. Nesta abordagem, o co-eficiente de interesse principal na equao deregresso aquele formado pelo termo de intera-

    o entre as variveis raa e gnero. Para entenderadequadamente o significado do valor captado pelotermo interativo, cabe atentar para o fato de esteno representar estritamente a magnitude de umefeito, como so os coeficientes das variveis que ocompem, mas expressar essencialmente como umefeito muda, ou seja, ele corresponde a um efeito sobreum efeito(Kam e Franzese, 2007). O estudo desen-volvido aqui tem relao estreita com esta metodo-logia, diferindo mais na forma de apresentao dosdados, pois a variao racial do coeficiente de g-

    nero entre os grupos raciais decorre justamente damagnitude e do sinal (positivo ou negativo) do ter-mo interativo, que estima como o efeito de raamuda o efeito de gnero ou, simetricamente, comoo efeito de gnero muda o efeito de raa.7

    No modelo interativo construdo aqui para apli-car este mtodo alternativo, raa includa como va-rivel binria que assume o valor 1 para o branco.Gnero includo como uma varivel binria querecebe o valor 1 para o homem. Gerou-se, ento,um termo interativo ou multiplicativo entre a vari-

    vel raa e gnero. O coeficiente do termo interativorepresenta a extenso em que ser membro do gruporacial branco tem um efeito diferente para o homemem comparao mulher ou, alternativamente, a ex-tenso em que ser homem tem um efeito diferentepara membros do grupo branco em relao aosmembros do grupo no branco. O exponencial ouantilog do coeficiente do termo interativo, na codifi-cao adotada aqui, pode ser pensado como a taxa

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    de rendimento observado/predito ou esperado dohomem branco, em que o rendimento predito ba-seado na suposio de efeitos apenas aditivos (ausnciade interao) entre as variveis raa e gnero. O Mode-lo Linear Generalizado usado neste estudo expo-nencializa o preditor linear. As pesquisadoras norte-americanas usam um modelo de regresso padrocom a transformao logartmica dos rendimentos.Um valor positivo do coeficiente corresponde aoexponencial maior que 1, enquanto o valor negativocorresponde a um valor menor que 1 (Greenam eXie, 2008). O exponencial do coeficiente no valorde 1 equivale ausncia de interao entre as variveis,ou seja, o coeficiente de raa no afeta o de gnero evice-versa. Esta forma de apresentao tem o mritode realar o significado do termo de interao, de

    um modo matemtico simples e claro, como umadiscrepncia positiva ou negativa em relao ao va-lor 1 (um) neutro, que traduz ausncia de interao.

    A Tabela 4 apresenta o exponencial do coefi-ciente estimado do termo interativo, que d a taxade rendimento observado em relao ao preditopara o homem branco. Os valores do exponencialdo coeficiente, nos diversos modelos estatsticos,indicam que os rendimentos mdios do homembranco variam de 5,0% (modelo 7) a 9,9% (mo-delo 3) a mais do que seria predito sob a suposiode relaes apenas aditivas entre as variveis raa egnero. A discrepncia entre o rendimento obser-vado e predito do homem branco mostra que estese beneficia de um ganho adicional de gnero emcomparao ao homem no branco.

    Greenmam e Xie (2008) constataram a existn-cia na sociedade norte-americana de uma maior pe-nalidade de gnero para a mulher branca, quandocomparada a todos os outros grupos raciais e tni-cos. Na interpretao deste resultado, recorreramao enfoque de especializao de papis, baseado na

    economia neoclssica, cujo modelo terico vinculaa desigualdade no trabalho desigualdade de gne-ro na famlia. As autoras encontraram alguma evi-dncia que sugere que nas famlias brancas existiriauma maior especializao de papel do que nas fa-mlias de outros grupos raciais. Isso significa que a

    Tabela 4Taxa de Rendimento Observado/Predito do Homem Branco, em relao Suposio de Efeitos apenas

    Aditivos entre Raa e Gnero (=1,00) Brasil, 2005.

    Modelo

    1 (gnero, raa e termo interativo)2 (+ horas de trabalho: splinelinear)**

    3 (+ educao)4 (+ tempo de trabalho e tempo no trabalho atual)5 (+ regio, residncia urbana e migrante)6 (+ setor pblico e seis grandes setores econmicos)7 (+ categorias de classe)8 (+ composio de gnero das ocupaes)

    Taxa de rendimento observado/predito(homem branco)*

    1,05451,0705

    1,09861,07451,05771,06631,04971,0550

    Notas: Modelo Linear Generalizado, usando a distribuio Gamma e a funo de ligao log. Todos os coeficientes originaisso estatisticamente significativos ao nvel de 0,001 ou mais.*Exponencial do coeficiente do termo interativo entre raa e gnero.**Splinelinear do equivalente em log dos intervalos de horas de trabalhoFonte: Tabela 2-A do Anexo Estatstico.

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    A INTERAO ESTRUTURAL... 51

    mulher branca nos Estados Unidos, na tica destaabordagem de especializao de papis, possuiriauma maior penalidade de gnero na sua renda indi-vidual, pois o contexto familiar particularmente doscasais brancos com filhos, diferente daquele da mu-lher no branca, indicaria uma racionalidade eco-nmica derivada desta vantagem de grupo, asso-ciada especializao de papis entre homens emulheres, dentro da diviso de trabalho e do com-partilhamento de renda familiar, ainda que a mu-lher tenha nesta especializao uma funo indivi-dual subalternizada no mercado de trabalho. Aconvergncia metodolgica entre os dois estudos,no entanto, no impede a existncia de uma impor-tante divergncia terica na interpretao dos resul-tados obtidos, apesar de as evidncias apresentadaspor ambos os artigos contradizerem os pressupos-tos aditivos inerentes proposio da dupla des-vantagem. O presente artigo, ao se debruar sobreos dados brasileiros, inscreve-se em uma orienta-o sociolgica situada dentro da tradio marxistaem cincias sociais e adota uma linha de interpreta-o distinta.

    Significado terico da interaoentre gnero e raa

    A noo de limitao estrutural ajuda a clarifi-car o aparente paradoxo subjacente menor pena-lidade de gnero sofrida por um grupo racialmenteprivilegiado, que ocorre como conseqncia dosprocessos de interao entre os determinantes so-ciais. Erik Olin Wright introduziu a noo de modode determinao com a finalidade de enfatizar apluralidade de causas dentro da teoria marxista. Alimitao estrutural seria, ento, um modo de de-terminao em que uma estrutura ou processo es-tabelece limites de variao em outra estrutura ouprocesso (Wright, 1980 e 1981). A interpretao dosresultados encontrados destaca a forma assumidapelo processo de interao estrutural entre as hie-rarquias sociais e as caractersticas da desigualdaderacial no Brasil. Em primeiro lugar, deve-se enten-der que a hiptese da dupla desvantagem refleteuma viso estanque da estruturao da desigual-dade, pois pressupe que a desigualdade em uma

    hierarquia no gera conseqncias para a desigual-dade na outra hierarquia. A pessoa em posio su-bordinada nas duas hierarquias sofreria, ento, oefeito integral somado de ambas as desigualdades.A relao no aditiva ou interativa supe a possibi-lidade de uma hierarquia social condicionar o efeitoda outra hierarquia: interao equivale justamente aum efeito sobre outro efeito. A forma deste condi-cionamento pode ser pensada como um constran-gimento da assimetria passvel de ser produzida pelaoutra hierarquia. Em segundo lugar, no Brasil existeuma disparidade racial de renda muito elevada,como pode ser constatado na distncia racial bruta.Da mesma forma, homens e mulheres no bran-cos sofrem de um elevadssimo componente dedesigualdade de acesso a contextos e recursos valio-sos, que caracteriza a desigualdade de raa no Bra-sil. Esta opresso racial to acentuada seria capazde tolher, em certa medida, a variao que pode serproduzida por outros atributos, como gnero, nointerior do grupo no branco, subordinado na di-menso racial. Processo semelhante foi constatadono estudo das interaes entre classe e raa no Bra-sil, que demonstrou a existncia de uma menor de-sigualdade de classe entre os no brancos, em rela-o aos brancos. A interao estrutural entre classee raa assume um sentido especialmente restritivoquando a explorao de classe comum limita a de-sigualdade racial dentro da classe trabalhadora e, demodo especial, no seu segmento mais destitudo(Figueiredo Santos, 2005a). Quando so controla-das as diferenas de recursos e contextos valiosos,que esto no cerne da desigualdade racial brasileira,a variao racial entre as distncias de gnero derenda recua para um patamar menor. A explicao,no Brasil, da maior vantagem de gnero do ho-mem branco, equivalente menor vantagem dohomem no branco, se radicaria nas caractersticasda desigualdade racial. O peso da opresso racialcomum de mulheres e homens no brancos deixa-ria um espao menor para a realizao da assime-tria causal associada ao atributo de gnero. A hie-rarquia racial estabeleceria certo limite de variao hierarquia de gnero. Parte principal do efeito deraa na discrepncia de gnero mediada pela aloca-o desigual dos grupos raciais na estrutura de classes.A variao racial da distncia de gnero de renda,

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    como foi demonstrada, atinge o seu menor mon-tante (6,56%) quando ocorre o controle estatsticodas categorias de classe social. A estrutura subjacen-te da desigualdade econmica de classe revela-seum importante fator mediador na constituio dospadres que emergem das interaes entre raa egnero.

    Em um quadro geral de alta vantagem de g-nero a favor dos homens, a menor penalidade degnero sofrida pelas mulheres no brancas, porconta de uma certa compresso social introduzidapela opresso racial, no deve obscurecer o fato deestas mulheres experimentarem uma forte desigual-dade de acesso aos contextos de classe desigual-mente recompensados. A dimenso de percia equalificao permitiu avanos de classe para a mu-lher no seu mundo racial de no brancos. Entretan-to, a vantagem obtida pelas mulheres no brancas,em relao aos homens da mesma cor, no acessos posies privilegiadas de classe mdia, mostra-secontraditada por uma forte distribuio relativa entreas posies mais destitudas, que possuem uma den-sidade social muito maior. Entre as mulheres nobrancas, deve-se lembrar, a diviso racial permaneceainda como uma barreira bem mais difcil de sertransposta do que a desigualdade de gnero. Naverdade, todos os no brancos (homens e mulheres)esto em clara desvantagem na ordem de classe.

    Notas

    Tal programa explora os efeitos das divises de classe,raa e gnero, assim como de suas intersees e intera-es, na produo da desigualdade. Utiliza-se comoinstrumento analtico uma classificao socioecon-mica para o Brasil que aperfeioa a tipologia utilizadano livroEstrutura de posies de classe no Brasil(Figueire-

    do Santos, 2002). Os fundamentos tericos das suascategorias empricas foram formulados em outro arti-go (Figueiredo Santos, 2005b).

    Considerando o percurso j trilhado e o interesse atualpelas relaes condicionais entre essas categorias, noser repetido aqui o posicionamento terico dessasnoes sociolgicas. A recapitulao de manifestaesempricas de desigualdade organizadas no Brasil emtorno dessas categorias ocorrer apenas quando hou-

    ver necessidade.

    No se assume neste trabalho a tese de que gneroseria inerentementeconstitudo por raa. Exploram-seaqui os efeitos da interao entre essas categorias.

    A transformao logartmica, de amplo uso, faz parteda famlia de transformaes monotnicas que pre-serva a ordem subjacente da varivel transformada.

    Embora o interesse principal deste estudo esteja naestimativa dos coeficientes parciais que captam os efei-tos interativos, a Tabela 1-A do Anexo Estatsticofornece a estatstica BIC, usada para comparao demodelos. O modelo com melhor ajuste aquele queregistra o menor valor. Como esta estatstica freqen-temente possui um valor negativo, o modelo com omaior valor negativo seria prefervel (Hardin e Hilbe,2007, pp. 56-58).

    Na mudana do modelo 2 para o modelo 3, ocorre

    entre os brancos um maior aumento absolutoda dis-crepncia percentual, de 20,85%, contra 15,70% entreos no brancos, o que explica a ampliao da divergn-cia racial. Entretanto, o aumento relativoda distnciade renda, em relao ao patamar anterior, difere muitopouco entre os grupos raciais. Entre os no brancos adistncia multiplicada por 1,548, ao passar de 28,66%para 44,36%; j a distncia entre os brancos multipli-cada por 1,553, ao passar de 37,73% para 54,58%. A

    vantagem feminina no controle de credenciais educa-cionais, dentro do respectivo grupo racial, maior entre osno brancos quando computada em termos de m-

    dias de anos completos de estudo. A mulher no bran-ca possui em mdia 7,565 contra 5,999 anos de escola-ridade do homem, o que d uma vantagem de 1,566anos; j a mulher branca tm em mdia 9,538, contra8,154 anos do homem, o que gera uma vantagem de1,414 (dados para as pessoas com posio de classe erenda positiva).

    O trabalho de Greenmam e Xie apresenta uma ins-trutiva representao e demonstrao matemtica dadivergncia entre os efeitos aditivos e interativos. Asautoras modelam os efeitos interativos pela introdu-o de termos interativos na equao de regresso. A

    convergncia entre as abordagens fica clara, por exem-plo, quando elas sintetizam a metodologia para exa-minar a relao entre a determinao dos rendimen-tos de raa e de gnero: Para cada grupo racial outnico k, ns computamos a quantidade d, que repre-senta a diferena entre a distncia de renda de gneroda minoria e dos brancos (Greenam e Xie, 2008, p.1225).

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    Anexos

    Quadro 1Classificao Socioeconmica para o Brasil: Categorias Empricas e Critrios Operacionais

    Categorias

    Capitalista e fazendeiro

    Pequeno empregador

    Autnomo com ativos

    Critrios operacionais

    Posio na ocupao de empregador; empregador no agrcola com 11 ou mais empregados;empregador agrcola com 11 ou mais empregados permanentes; empregador agrcola queemprega simultaneamente 6 ou mais empregados permanentes e 11 ou mais empregadostemporrios; empregador agrcola com 1.000 hectares ou mais de terra, independentementedo nmero de empregados.

    Posio na ocupao de empregador; empregador no agrcola que ocupa de 1 a 10 emprega-dos; empregador agrcola que ocupa de 1 a 10 empregados permanentes, desde que noempregue simultaneamente de 6 a 10 empregados permanentes e 11 ou mais empregadostemporrios.

    Posio na ocupao de conta-prpria com atividade de natureza no agrcola, cujo em-preendimento ou titular possui uma ou mais das seguintes condies: estabelecimento(loja, oficina, fbrica, escritrio, banca de jornal ou quiosque), veculo automotor (taxi, ca-minho, van etc.) usado para trabalhar ou ocupao qualificada no emprego principal.

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    Categorias

    Autnomo agrcola

    Especialista autnomo

    Gerente

    Empregado especialista

    Empregado qualificado

    Supervisor

    Trabalhador tpico

    Trabalhador elementar

    Autnomo precrio

    Empregado domstico

    Critrios operacionais

    Posio na ocupao de conta-prpriacom atividade em empreendimento do ramo quecompreende a agricultura, silvicultura, pecuria, extrao vegetal, pesca e piscicultura.

    Posio na ocupao de conta-prpria ou empregador; especialista de acordo com o grupoocupacional, com at 5 empregados ou sem empregados, com ou sem estabelecimento (loja,oficina, fbrica, escritrio).

    Posio na ocupao de empregado, gerente de acordo com o grupo ocupacional, abarcandoos diretores de empresas, dirigentes da administrao pblica, administradores em organiza-es de interesse pblico (sem fins lucrativos etc.) e gerentes de produo, operaes e dereas de apoio.

    Posio na ocupao de empregado, especialista de acordo com o grupo ocupacional, incluin-

    do as profisses credenciadas, as profisses de menor poder profissional e os professores doensino mdio e profissional com formao superior.

    Posio na ocupao de empregado, empregado qualificado de acordo com o grupo ocupa-cional, abarcando os tcnicos de nvel mdio nas diversas reas, professores no ensino infan-til e fundamental, professores de nvel mdio no ensino profissional, professores em edu-cao fsica e educao especial.

    Posio na ocupao de empregado, supervisor, chefe, mestre ou contramestrede acordo com o grupo ocupacional.

    Posio na ocupao de empregado, trabalhador em reparao e manuteno

    mecnica, ferramenteiro e operador de centro de usinagem; trabalhador de semi-rotina na operao de instalaes qumicas, petroqumicas e de gerao e distri-buio de energia; trabalhador de semi-rotina em servios administrativos, co-mrcio e vendas; trabalhador de rotina na operao de mquinas e montagem naindstria; trabalhador de rotina em servios administrativos, comrcio e vendas.

    Posio na ocupao de empregado, trabalhador com tarefas de trabalho bas-tante elementares na indstria e nos servios, como ajudantes de obras, trabalha-dores elementares na manuteno de vias pblicas, faxineiros, lixeiros e carrega-dores de carga; trabalhadores manuais agrcolas, garimpeiros e salineiros, exclusiveos trabalhadores na mecanizao agrcola, florestal e drenagem.

    Posio na ocupao de conta-prpria e empreendimento ou titular sem a possede nenhuma das seguintes condies: estabelecimento (loja, oficina, fbrica, escri-trio, banca de jornal ou quiosque), veiculo automotor (taxi, caminho, van, etc)usado para o trabalho ou ocupao qualificada no emprego principal.

    Posio na ocupao de trabalhador domstico, com ou sem carteira de trabalhoassinada.

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    Quadro 2Relao e Descrio das Variveis Utilizadas no Estudo

    Variveis

    Renda

    Raa

    Raa* gnero

    Gnero

    Horas de trabalho

    Educao

    Anos de trabalho

    Anos de trabalho2

    Anos no trabalho atua

    Anos no trabalho atual3

    Regio

    Residncia

    Migrao

    Descrio

    Varivel dependente intervalar. Rendimento mensal do trabalho principal; considera-se ren-dimento mensal do trabalho a remunerao bruta mensal para empregados e trabalhadoresdomsticos e a retirada mensal para conta prpria e empregadores; no caso de renda varivel,

    valor mdio mensal (mdia condicional estimativa com o uso de uma funo de ligaologartmica).

    Variveis binrias. No-branco (pardo e preto) como categoria designada, cdigo 1;branco como categoria de referncia, cdigo 0 (recodificao da varivel para efeito de estima-o).

    Variveis binrias. Termos multiplicativos (interativos) entre as variveis binrias de raa e degnero.

    Varivel binria. Masculino como categoria designada, cdigo 1; feminino como categoria dereferncia, cdigo 0.

    Splinelinear do equivalente em log das faixas de horas de trabalho semanal estipuladas: 1 a 29horas, 30 a 39 horas, 40 a 49 horas e 50 horas ou mais de trabalho.

    Variveis Binrias. De 8 a 10 anos escolaridade completa, 11 a 14 anos, 15 anos ou mais,como categorias designadas, cdigo 1; menos de oito anos, como categoria de referncia,cdigo 0.

    Varivel intervalar, idade menos a idade em que comeou a trabalhar.

    Varivel intervalar, quadrado dos anos de trabalho.

    Varivel intervalar, nmero de anos no trabalho principal atual, com valores a partir de 0(menos de 1 ano).

    Varivel contnua, quadrado dos anos no trabalho principal atual.

    Variveis binrias. Regies Sudeste, Sul, Centro-Oeste como categorias designadas, cdigo 1;Nordeste como categoria de referncia, cdigo 0.

    Varivel binria. Residncia urbana como categoria designada, cdigo 1; residncia rural comocategoria de referncia, cdigo 0.

    Varivel binria. Pessoa nascida em outro municpio que no o municpio de residncia,como categoria designada, cdigo 1; pessoa nascida no municpio de residncia, como cate-goria de referncia, cdigo 0.

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    Variveis

    Setor pblico/privado

    Setores econmicos

    Classe

    Composio de gnero dasocupaes

    Descrio

    Varivel binria. Setor pblico federal, estadual ou municipal, abrangendo, alm daadministrao direta, as suas fundaes, autarquias e empresas pblicas e de economia

    mista, como categoria designada, cdigo 1; setor privado como categoria de referncia,cdigo 0.

    Variveis binrias. Indstria de transformao, indstria extrativa, servios produtivos, ser-vios de distribuio e servios sociais como categorias designadas, cdigo 1; servios pesso-ais como categoria de referncia, cdigo 0.

    Variveis binrias. Capitalista, pequeno empregador, auto-empregado especialista, au-tnomo com ativos, autnomo agrcola, empregado especialista, gerente, empregadoqualificado, supervisor, trabalhador, autnomo precrio, empregado domstico, comocategorias designadas, cdigo 1; trabalhador elementar como categoria de referncia, c-

    digo 0.

    Varivel intervalar. Proporo de mulheres nos grupos ocupacionais, estimada ao nvel docdigo ocupacional de quatro dgitos da Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO) Do-miciliar.

    Anexo estatstico

    Tabela 1-A

    Modelos Lineares Generalizados Sucessivamente Abrangentes e os Coeficientes Estimados (Varivel Mascu-lino Estima a Vantagem de Renda do Homem Branco)

    Modelo 2

    5,248531(0,0399687)

    0,3201629(0,0108237)

    -0,5840133

    (0,0120818)

    -0,681164(0,0155498)

    0,3584113(0,0130076)

    1,226938(0,0434348)

    Modelo 7

    3,448256(0,02512)

    0,3256627(0,0059236)

    -0,0949376

    (0,0065364)

    -0,0484684(0,0080944)

    0,2789534(0,0070954)

    0,9235307(0,0236776)

    Variveis

    (Constante)

    Masculino

    No branco

    Masculino*no branco

    Lghs1a 29

    Lghs30a 39

    Modelo 1

    6,651979(0,081851)

    0,3783923(0,010714)

    -06089287

    (0,0121463)

    -0,053115(0,01564)

    Modelo 3

    4,586146(0,0316376)

    0,4611216(0,0083757)

    -0,2666641

    (0,0094006)

    -0,940038(0,0119492)

    0,3029849(0,0102611)

    1,115506(0,033873)

    Modelo 4

    4,019993(0,0287026)

    0,3908807(0,0073801)

    -0,2347689

    (0,008242)

    -0,0718759(0,0104712)

    0,2800173(0,0091029)

    1,13522(0,0298655)

    Modelo 5

    3,447754(0,0294978)

    0,4084319(0,007305)

    -0,1657172

    (0,0083664

    -0,0560688(0,0103553

    0,2885807(0,0090535)

    0,9506609(0,0296674

    Modelo 6

    3,475021(0,0305)

    0,3986873(0,0075898)

    -0,1559473

    (0,0084693)

    -0,0642068(0,010486)

    0,2756825(0,0092011)

    0,9373989(0,0302363)

    Modelo 8

    3,589045(0,0258834)

    0,2671944(0,0064765)

    -0,0939382

    (0,0065187)

    -0,0535507(0,0080793)

    0,2805371(0,007077)

    0,9051451(0,0236352)

  • 7/22/2019 A interao estrutural entre a desigualdade de raa e de gnero no Brasil

    22/25

    REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No7058

    Variveis

    Lghs 40 a 49

    Lghs 50 mais

    Edu 8 a 10

    Edu 11a 14

    Edu 15

    Anos de

    trabalho

    Anos detrabalho

    Anos no atualemprego

    Anos no atualemprego

    Norte

    Centro-Oeste

    Sul

    Sudeste

    Residnciaurbana

    Migrante

    Setor pblico

    Indstriaextrativa

    Indstria detransformao

    Modelo 1 Modelo 3

    0,1314242(0,041585)

    0,8660062(0,038326)

    0,2662266(0,0083669)

    0,7189483(0,0070888)

    1,734368(0,0111648)

    Modelo 4

    0,2166261(0,0366624)

    0,6400849(0,0334895)

    0,3845195(0,0075241)

    0,8165396(0,0064956)

    1,724387(0,0099635)

    0,031848

    (0,0006105)

    -0,0004042(0,0000109)

    0,0307715(0,0007269)

    -0,0005226(0,0000191)

    Modelo 5

    0,2464361(0,0362038)

    0,6470467(0,0332366)

    0,3243878(0,0075215)

    0,7620926(0,0065701)

    1,65557(0,0099874)

    0,0288534

    (0,0006065)

    -0,0003811(0,0000107)

    0,0317581(0,0007163)

    -0,0004688(0,0000188)

    0,3179177(0,0107651)

    0,4333422(0,0106651)

    0,3627153(0,0086766)

    0,3805723(0,0066823)

    0,2861654(0,0077118

    0,1084317

    (0,0052626)

    Modelo 6

    0,3606677(0,037092)

    0,6480801(0,0336854)

    0,2908467(0,0076503)

    0,6940263(0,0069373)

    1,564196(0,010759)

    0,0282887

    (0,000612)

    -0,0003684(0,0000108)

    0,0305262(0,0007295)

    -0,0004247(0,000019)

    0,3135879(0,010853)

    0,4362985(0,0107517)

    0,3670941(0,0087759)

    0,3846862(0,0067876)

    0,1948708(0,0089023)

    0,1098252

    (0,0053107)0,0723894

    (0,0117723)

    -0,0605635(0,0114744)

    0,1224891(0,0089692)

    Modelo 8

    0,2319894(0,0285377)

    0,3246168(0,0258847)

    0,2038998(0,0059552)

    0,4789453(0,0057123)

    1,016037(0,0098897)

    0,0258964

    (0,0004723)

    -0,0003761(0,0000083)

    0,0243713(0,0005713)

    -0,000346(0,0000149)

    0,3068224(0,0083386)

    0,4217045(0,0082565)

    0,3834234(0,0067565)

    0,4024554(0,0052319)

    0,1454956(0,0069676)

    0,0940008

    (0,0040811)0,1367151

    (0,0092758)

    0,2319894(0,0124537)

    0,0183383(0,008868)

    Modelo 2

    -0,9358351(0,052835)

    0,9331086(0,0502138)

    Modelo 7

    0,2412049(0,0285867)

    0,3287646(0,0259205)

    0,2000492(0,005965)

    0,467339(0,0056982)

    0,9987002(0,0098912)

    0,0263513

    (0,0004728)

    -0,0003843(0,0000083)

    0,0245379(0,000572)

    -0,0003486(0,0000149)

    0,3075794(0,0083577)

    0,4223956(0,0082755)

    0,3852664(0,0067716)

    0,4034758(0,0052436)

    0,1469646(0,0069862)

    0,0942554

    (0,00409)0,1439959(0,0093008)

    0,0239481(0,0122029)

    0,065991(0,0086318)

  • 7/22/2019 A interao estrutural entre a desigualdade de raa e de gnero no Brasil

    23/25

    A INTERAO ESTRUTURAL... 59

    Variveis

    Serviosprodutivos

    Servios dedistribuio

    ServiosSociais

    Capitalista

    Pequenoempregador

    Autnomo

    com ativosAutnomoagrcola

    Especialistaautnomo

    Gerente

    Especialista

    Qualificado

    Supervisor

    Trabalhador

    Autnomoprecrio

    Emprego

    domsticoComposiode gneroocupaes

    Estatstica BIC

    Modelo 1

    -1818192

    Modelo 3

    -1871691

    Modelo 4

    -1883522

    Modelo 5

    -1889802

    Modelo 6

    0,2676099(0,0117264)

    0,193485(0,0087717)

    0,1732808(0,0123076)

    -1891103

    Modelo 8

    0,1246819(0,01051)

    0,0506135(0,0085418)

    0,0436482(0,0110085)

    1,789099(0,027032)

    1,136625(0,0124673)

    0,5408964

    (0,0109648)-0,0144826(0,0117033)

    1,119436(0,0223123)

    0,9519983(0,0143842)

    0,9419349(0,0143927)

    0,5232658(0,0108696)

    0,5242498(0,0163258)

    0,2742707(0,0080215)

    0,0806644(0,0099046)

    0,1035388

    (0,0128106)-0,2155389(0,00978)

    -1904856

    Modelo 2

    -1871691

    Modelo 7

    0,1584681(0,0104164)

    0,0887609(0,008383)

    0,04623(0,011031)

    1,789378(0,0270939)

    1,136073(0,0124932)

    0,5334673

    (0,010979)-0,0140359(0,0117339)

    1,115491(0,0223685)

    0,9464578(0,0144185)

    0,9418829(0,0144317)

    0,5058554(0,0108486)

    0,5342563(0,0163557)

    0,262271(0,0080076)

    0,0646534(0,0098813)

    0,0364307

    (0,012463)

    -1904567

    Nota: Coeficientes estimados com erros padres (entre parnteses). Estatstica Z.Fonte (dados originais): IBGE, Microdados da PNAD de 2005.

  • 7/22/2019 A interao estrutural entre a desigualdade de raa e de gnero no Brasil

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    REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No7060

    Tabela 2-ACoeficientes Estimados da Vantagem de Renda do Homem entre os No Brancos, de acordo com Diferentes

    Modelos Lineares Generalizados

    Modelos

    Modelo 1

    Modelo 2

    Modelo 3

    Modelo 4

    Modelo 5

    Modelo 6

    Modelo 7

    Modelo 8

    Distncia entre no brancos

    0,3252773(0,0113938)

    0,2520464(0,0115437)

    0,3671178(0,0089071)

    0,3190047(0,0078142)

    0,3523632(0,0077518)

    0,3344804(0,0082679)

    0,3344804(0,0082679)

    0,2136437(0,0071171)

    Termo interativo

    0,053115(0,01564)

    0,0681164(0,0155498)

    0,0940038(0,0119492)

    0,0718759(0,0104712)

    0,0560688(0,0103553)

    0,0642068(0,0104866)

    0,0484684(0,0080944)

    0,0535507(0,0080793)

    Notas: Coeficientes estimados com erros padres (entre parnteses). Estatstica Z. Como foi feita apenas a recodificao davarivel binria raa, para efeito de estimativa da distncia (gap) de rendimentos entre os no brancos, no so apresentadosos demais coeficientes.Fonte (dados originais): IBGE, Microdados da PNAD de 2005.

  • 7/22/2019 A interao estrutural entre a desigualdade de raa e de gnero no Brasil

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    RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMS 181

    A INTERAO ESTRUTURALENTRE A DESIGUALDADE DERAA E DE GNERO NOBRASIL

    Jos Alcides Figueiredo Santos

    Palavras-chave: Divises sociais; Desi-gualdade de gnero e raa; Interseesentre classe, raa e gnero; Rendimentos.

    Este trabalho orientado pela noo te-rica de que as divises sociais geramefeitos derivados da sua interao estru-tural. Tendo em mente esta motivaoterica, o autor estima a distncia de g-nero de renda entre os grupos branco eno branco (pretos e pardos) no Brasil.

    Todos os oito Modelos Lineares Genera-

    lizados estimados, cujas variveis so su-cessivamente includas, mostram que adistncia de gnero grande em ambosos grupos raciais, porm ainda maiorentre os brancos. A investigao explorao papel do contexto subjacente da desi-gualdade de classe, assim como de outrosfatores, no entendimento da variaoracial da desigualdade de gnero. Consi-dera-se que as caractersticas da desigual-dade racial no Brasil, assim como asintersees entre classe e raa, explicamesta maior vantagem de gnero do ho-mem branco. A hierarquia racial estabe-

    lece certo limite de variao sobre a hie-rarquia de gnero no grupo no branco.

    STRUCTURAL INTERACTIONBETWEEN GENDER AND RACEINEQUALITY IN BRAZIL

    Jos Alcides Figueiredo Santos

    Keywords: Social divisions; Genderinequality; Racial inequality; Intersectionsbetween class, race and gender; Ernings.

    This paper is guided by the theoreticalnotion that social divisions generate ef-fects derived from its structural interac-tion. Having in mind this theoreticalmotivation, it estimates the gender earn-ings gap among white e non white (blackand mixed color) groups in Brazil. Allthe eight Generalized Linear Models es-timated, whose variables are successively

    included, show that the gender gap is bigacross both racial groups but it is biggeramong whites. The investigation exploresthe role of the underlying context ofclass inequality, as well as others factors,on understanding the racial variation ofthe gender inequality. The study consid-ers that the characteristics of the racialinequality in Brazil, as well as the inter-section between class and race, explainthe bigge