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A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA Mestranda: Sandra Jacqueline Barbosa Orientadora: Profª Drª Maria Abádia da Silva Brasília/2009 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

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A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA

Mestranda: Sandra Jacqueline Barbosa Orientadora: Profª Drª Maria Abádia da Silva

Brasília/2009

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

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SANDRA JACQUELINE BARBOSA

A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA

Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Área de Concentração: Políticas Públicas e Gestão da Educação, Linha de pesquisa: Educação e Políticas Públicas na Educação Básica, sob orientação da: Profª Drª Maria Abádia da Silva.

Brasília/2009

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SANDRA JACQUELINE BARBOSA

Dissertação de Mestrado apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Concentração: Políticas Públicas e Gestão da Educação, Linha de pesquisa: Educação e Políticas Públicas na Educação Básica à Comissão Examinadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília – UnB.

Aprovada em 30 de março de 2009.

BANCA EXAMINADORA:

Professora Dra. MARIA ABÁDIA DA SILVA

Presidente – Orientadora – FE – Universidade de Brasília - UnB

Professor Dr. SADI DAL ROSSO Membro Titular – SOL – Universidade de Brasília - UnB

Professora Dra. OLGAMIR FRANCISCO CARVALHO Membro Titular – FE – Universidade de Brasília - UnB

Professor Dr. MARCELO SOARES PEREIRA DA SILVA

Membro Suplente – FE – Universidade Federal de Uberlândia – UFU

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Ao Gustavo, companheiro de todas as horas, pelo apoio incondicional para realização desta pesquisa. Às minhas queridas filhas pela paciência e compreensão em minhas ausências. Aos meus pais que, em parte, influenciaram minhas opções profissional e ideológica.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES pela bolsa de pesquisa, sem a qual seria muito difícil realizar o curso

de mestrado. À professora Abádia que esteve sempre presente como orientadora paciente,

atenta, firme quando necessário e absolutamente envolvida com o tema. Aos membros professores da banca, Professor Dr. Sadi Dal Rosso, Dra. Olgamir

Francisco Carvalho e Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva que se dispuseram a participar da análise deste trabalho desde a qualificação do projeto.

Às professoras entrevistadas e aos trabalhadores em educação da escola

pesquisada que me receberam de portas abertas, possibilitando a realização da parcela mais significativa deste trabalho, as entrevistas.

Aos colegas da pós, alguns se transformaram em amigos próximos, e alguns

distantes fisicamente, pelo apoio nos momentos de dificuldades, pelas dicas de formatação, por compartilhar os saberes, os livros e as esperanças em uma educação transformadora; os levarei sempre em minha vida: Angélica, Catarina, Cézar, Cláudia, Denise, Edson, Gabriella, Jean, Joana, Lucimara, Mayra, Milene, Miliane, Renísia, Ricardo, Rodrigo, Sandra, Vanderlúcia, Vânia.

Ao amigo Pedro que partilhou de minhas angústias acadêmicas e pessoais,

todas as semanas, desde o início do curso de mestrado. Aos professores da pós-graduação que mediaram o meu caminho acadêmico:

Professor Dr. Erasto Fortes Mendonça, Dra. Lúcia Resende, Dra. Ivanete Boschetti, Dr. Jacques Velloso.

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RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo compreender como as exigências que permeiam as atribuições docentes indicam práticas intensificadoras desse trabalho realizado nas séries iniciais na rede pública no Distrito Federal. A abordagem metodológica situa-se na perspectiva qualitativa, considerando-se a historicidade, as relações e as percepções dos professores com mais de dez anos no trabalho docente na rede pública. O estudo está dividido em três capítulos: o primeiro trata-se da compreensão do trabalho docente como diferenciado, particularizado, tendo o seu cerne na transformação do conhecimento e da realidade para a satisfação de necessidades humanas imateriais. Analisou-se as transformações na estrutura produtiva em razão das mudanças no campo econômico, político, tecnológico e na cultura. O segundo capítulo busca conhecer o sistema de ensino no Distrito Federal por meio de sua história e legislação local e nacional. O terceiro capítulo focalizou a intensificação do trabalho docente na escola pública. O estudo aponta que a intensificação deriva de demandas institucionais, entre elas, transformações sociais na cultura e na família; participação na gestão da escola; novos arranjos pedagógicos criados na escola pública; desdobramentos na política de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais (ANEE); tempo insuficiente para a realização das tarefas; exigências burocráticas e cobranças da Secretaria de Educação; atendimento diferenciado e individualizado aos alunos em suas especificidades de aprendizagem. Pode-se destacar, além disso, situações de intensificação individual: formação continuada decorrente das novas demandas da profissão; cuidados voltados para a segurança dos estudantes; níveis de afetividade com os alunos; planejamento prescrito pela Secretaria de Educação; divergências em relação às concepções de avaliação dos alunos; a busca de novos conhecimentos sobre a aprendizagem, de novas metodologias e de novas habilidades para realizar o trabalho por meio de novas tecnologias.

Palavras-chave: Intensificação do trabalho. Trabalho docente. Políticas para Educação Básica. Formação de professores. Magistério público.

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ABSTRACT

This research is aimed at understanding how the requirements that constitute the teaching assignments indicate intensifying practices within work practices at elementary public schools in the Distrito Federal. The methodological approach embraces a qualitative perspective, considering the history, relationships and perceptions of teachers with more than ten years of public service. The study is divided into three chapters: the first one deals with the understanding of teaching as differentiated, particularized, focusing on the transformation of knowledge and reality to fulfill immaterial human needs. It includes an analysis of changes in production caused by changes in the economic, political and technological culture. The second chapter is an inside look into the education system in the Distrito Federal through its history as well as local and national legislation. The third section focuses on the intensification of teaching in public schools. The study suggests that such intensification derives from institutional demands, among which are social change, culture and family, participation in school management, new pedagogic arrangements that arose in public teaching, developments in inclusion policies contemplating pupils with special educational needs, insufficient time for tasks, bureaucratic requirements and demands from the Secretary of Education; differentiated and individualized attention to students in their specific processes. Additionally, individual cases of intensification are highlighted: continuing education arising from new demands of the profession; care towards students‟ safety, level of affection towards students, planning activities prescribed by the Department of Education; differences in conceptions of student assessment, search for groundbreaking knowledge on learning, new methodologies and new skills that enable teaching with new technologies. Keywords: Intensification of work. Teaching. Policies for Elementary Schools. Teacher training. Public teaching.

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LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS

Quadro 01 – Organograma do trabalho escolar .......................................................... 27

Tabela 01 – Matrículas no Ensino Fundamental – DF ................................................. 71

Tabela 02 – Tipos de Contratação - Carreira magistério ............................................. 82

Tabela 03 – Categorias Profissionais .......................................................................... 82

Quadro 02 – Atribuições dos Professores ................................................................... 94

Quadro 03 – Trabalho pedagógico identificado na escola pública .............................. 98

Quadro 04 – Dados da escola pesquisada ................................................................. 112

Tabela 04 – Evolução da matrícula de ANEE .............................................................. 131

Gráfico 01 – Evolução da matrícula de ANEE ............................................................

131

Quadro 05 – Critérios para Redução de alunos em salas com ANEE ........................ 135

Quadro 06 – Sínteses das respostas das professoras jornada de trabalho ................ 142

Quadro 06a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias ...................................................................

142

Quadro 07 – Sínteses das respostas das professoras – jornada insuficiente .............

147

Quadro 07a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias ..................................................................

147

Quadro 8 – Sínteses das respostas das professoras – exigências .............................

150

Quadro 08a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias ...................................................................

150

Quadro 09 – Sínteses das respostas das professoras – procedimentos administrativos ..............................................................

152

Quadro 09a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias ...................................................................

153

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LISTA DE SIGLAS/ABREVIATURAS

ANEE – Aluno com Necessidade Educacional Especial

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

CASEB – Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília

COMPP – Centro de Orientação Médico-Psico-Pedagógica

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DF – Distrito Federal

DRE – Diretorias Regionais de Ensino

DRE – Divisão Regional de Ensino

EAP – Escola de Aperfeiçoamento de Pessoal

ENC – Exame Nacional de Cursos

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

FEDF – Fundação Educacional do Distrito Federal

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério.

GE1 – Grupo Escolar 1

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo

PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PPS – Partido Popular Socialista

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

PV – Partido Verde

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEDF – Secretaria de Educação do Distrito Federal

SINPRO – Sindicato dos Professores (da rede pública) do Distrito Federal

SINPROEP – Sindicato dos Professores da Rede Particular do Distrito Federal

UnB – Universidade de Brasília

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UniCEUB – Centro Universitário de Brasília

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CÓDIGOS UTILIZADOS NA TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS E DIÁLOGOS

P: abreviação para pesquisadora E: abreviação para entrevistada (.) um ponto entre parênteses expressa uma pausa inferior a um segundo (2) o número entre parênteses expressa o tempo de duração de uma pausa (em

segundos) exem- palavra foi pronunciada pela metade exe:::mplo pronúncia da palavra foi esticada (a quantidade de : equivale o tempo da

pronúncia de determinada letra) exemplo palavras pronunciadas de forma enfática são sublinhadas exemplo palavras ou frases ressaltadas pela pesquisadora são colocadas em negrito (exemplo) palavras que não foram compreendidas totalmente são colocadas entre

parêntesis ( ) parênteses vazios expressam a omissão de uma palavra ou frase que não foi

compreendida (o tamanho do espaço vazio entre parênteses varia de acordo com o tamanho da palavra ou frase)

@exemplo@ palavras ou frases pronunciadas entre risos são colocadas entre sinais de

arroba

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12 Capítulo 1 – TRABALHO DOCENTE – Aproximações Teóricas ...................... 29

1.1 – Trabalho: humanização e desumanização ............................................ 29 1.2 – Intensidade e intensificação do trabalho ................................................ 36 1.3 – A intensificação do trabalho docente ..................................................... 43 1.4 – Trabalho docente: mudanças e práticas intensificadoras ...................... 48 1.5 – Especificidades do trabalho docente na sociedade capitalista............... 52 1.6 – Tendências Teóricas: profissionalização e proletarização...................... 55

Capítulo 2 – TRABALHO DOCENTE NO DISTRITO FEDERAL: séries iniciais ....................................................................................................... 65

2.1 – Educação Básica Pública no Distrito Federal: o trabalho docente ........ 66 2.2 – Contrato de Trabalho Temporário de docentes...................................... 78 2.3 – Ambiguidades da/na Participação da comunidade escolar ................... 84 2.4 – Atribuições exigidas do profissional docente.......................................... 92

Capítulo 3 – TRABALHO DOCENTE INTENSIFICADO...................................... 103

3.1 – A Gestão Democrática em construção na escola pública....................... 104

3.1.1 – Caracterização da Escola Pública ............................................... 110 3.2 – A Reorganização do trabalho pedagógicoproduz práticas

intensificadoras......................................................................................... 113 3.2.1 – Pré-conselho e Conselho de Classe Participativo........................ 114 3.2.2 – Laboratório de Aprendizagem ou Reagrupamento....................... 117 3.2.3 – Atividades de Coordenação Pedagógica na escola pública ....... 122 3.2.4 – Relatório de Avaliação e Novas tecnologias ................................ 125

3.3 – A política de Inclusão intensifica o trabalho docente ............................. 129 3.4 – Trabalho docente intensificado na escola pública.................................. 141 3.5 – Tendências da intensificação para os trabalhadores da educação........ 148

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 156

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 161 APÊNDICE .............................................................................................................. 168 ANEXOS ................................................................................................................. 169

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INTRODUÇÃO

Trata-se de uma pesquisa desenvolvida na linha de Políticas Públicas e Gestão

da Educação Básica na Área de Concentração de Políticas Públicas e Gestão da Educação

no programa de Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de

Brasília e tem como objeto de estudo a intensificação do trabalho docente realizado na rede

pública do Distrito Federal nas séries iniciais do Ensino Fundamental entre 1999 e 2003.

Prioriza o trabalho dos professores que atuam na rede pública do Distrito Federal há mais

de dez anos quanto às suas percepções e significados em relação ao aumento e a

intensificação de suas atribuições profissionais, considerando que esses sujeitos

acompanham as mudanças no processo educacional derivadas de outras demandas

sociais, políticas e econômicas.

Os estudos sobre a trajetória da profissão docente na graduação em pedagogia

e a experiência como educadora me ajudaram a desmistificar o status social que, por vezes,

ronda a profissão docente. A compreensão da influência que a organização do trabalho

produtivo exerce sobre o trabalho pedagógico, isto é, a determinação que as forças

produtivas desempenham sobre as dimensões social, cultural e política nas relações

humanas motivaram-me a investigar esse fenômeno, assim como analisar o modo como

essas relações acontecem, suas contradições, as reproduções e resistências exercidas

pelos trabalhadores da educação que atuam no Sistema Educacional.

A curta participação no sindicato ao qual era filiada, na condição de trabalhadora

de contrato terceirizado, no início dos anos de 1990, influenciou minhas reflexões quanto às

difíceis condições materiais dos trabalhadores que atuam na educação infantil na creche da

Unicamp – Universidade Estadual de Campinas, serviço oferecido pela reitoria aos filhos

dos funcionários, estudantes e professores da universidade.

Em Brasília, desde 2004, atuei na rede particular na coordenação pedagógica de

educação infantil e como professora nas primeiras séries do Ensino Fundamental; essa

experiência foi oportuna para a reflexão sobre algumas contradições no trabalho docente.

As relações trabalhistas travadas em escolas particulares podem chegar, em alguns casos,

a graus elevados de exploração da força de trabalho. As razões são de outra natureza,

diferentes da rede pública, já que a finalidade do ensino privado é o lucro, dentro da lógica

de mercado. A falta de registro em carteira, de pagamentos de direitos trabalhistas

fundamentais como horas extras, depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a

falta de remuneração referente a férias, atrasos no salário mensal, são realidades

vivenciadas por alguns professores da rede particular de ensino. As horas extras em que os

professores se dedicam ao preparo de materiais pedagógicos, planejamento e avaliação

nem sempre são consideradas como horas trabalhadas. Além disso, as escolas particulares

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agregam ao trabalho docente algumas funções administrativas, intensificando o trabalho dos

professores, sem nenhum adicional financeiro. Atribuições como recolhimento e controle de

recursos para a realização de eventos são somadas às funções docentes com naturalidade

e aceitas pelos professores, ainda que com questionamentos eventuais.

Na escola pública, os professores deparam-se com outros elementos de

intensificação de seu trabalho. O baixo prestígio social de sua função, atitudes de

desrespeito dos estudantes e familiares em relação à autoridade do professor e a

indisciplina dos alunos foram apontados como fatores de intensificação do trabalho docente

em entrevistas preliminares com as diretoras do Sinpro-DF – Sindicato dos Professores (da

rede pública) do Distrito Federal, realizadas em 2007. Os profissionais docentes têm

apresentado problemas de saúde e sofrimentos psíquicos relacionados à sua atividade

profissional, um fenômeno brasileiro (CODO, 1999), mas também verificado na Europa, nos

EUA, entre outros países (ESTEVE, 1999).

Essas práticas organizativas do trabalho docente inseridas no contexto social e

político suscitaram-me algumas indagações:

Como e quais mecanismos conduzem os professores da rede pública a

trabalharem mais? De que maneira se consegue que os educadores empreguem mais

esforço e energia para a realização de seu trabalho? As políticas públicas têm oferecido

aportes institucionais para que se efetive a intensificação no trabalho pedagógico nas

Escolas do Distrito Federal?

Alguns estudos1 indicam que as práticas intensificadoras surgem quando o

professor lida com questões que exigem qualificação profissional diferenciada: I- dado os

problemas que enfrentam como a violência, a desagregação familiar, desemprego dos pais,

drogas, entre outros problemas de ordem social; II- quando há demandas por maior

capacidade intelectual, afetiva e de cuidados; III- quando equipamentos tecnológicos são

utilizados para o trabalho e torna-se imperativa a aquisição de conhecimentos e de

instrumentos para a realização desse trabalho. Alguns elementos aparecem nesses estudos

como causas de fadiga e mal estar dos professores. Esses fatores afligem o professor

individualmente quando dele é exigido que se trabalhe com novas tecnologias e temas que

emergem no cotidiano da vida social que se tornam conteúdos obrigatórios nas escolas

públicas.

Além disso, a política de descentralização financeira propugnada pelos governos

para as escolas públicas tem acarretado a busca por alternativas próprias para a aquisição

de materiais pedagógicos e de consumo para a escola. Professores e diretores

cotidianamente criam estratégias para arrecadação financeira com a finalidade de obter

1 Apple (1995), Dal Rosso (2006), Kuenzer e Caldas (2007), Lourencetti (2006).

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recursos para a compra desses materiais, resultando em mais trabalho sobreposto ao

trabalho pedagógico.

Outro fator preponderante no processo de intensificação do trabalho docente,

referido pelas diretoras do Sinpro-DF na entrevista preliminar, foi a jornada de trabalho do

professor, que, muitas vezes, pode ser duplicada. A legislação2 permite a dupla contratação

ou dupla matrícula para o ingresso no serviço público. Entretanto, intensifica-se também o

trabalho docente, elevando-se a carga e o esforço de trabalho sem aumentar

necessariamente as horas trabalhadas. O trabalho pode ser organizado de forma que se

exija mais do trabalhador pelo mesmo tempo de trabalho. Os tempos mortos de trabalho são

eliminados da jornada, substituindo-os por tempo de trabalho ativo (DAL ROSSO, 2008).

A falta de estudos que analisam as relações de trabalho na escola em

consonância com as alterações advindas da economia, da política e das relações de

trabalho em outros setores, foi apontada por Oliveira (2004) como espaço a ser preenchido

na pesquisa em educação. A autora ressalta também a ausência de análises que

consideram as relações que as reformas educacionais têm estabelecido na organização do

trabalho docente, pode-se dizer que existe um vazio de estudos sobre as práticas

intensificadoras deste tipo de trabalho.

A literatura sobre o tema [mudanças na natureza do trabalho escolar] não tem oferecido aportes seguros para a análise dos processos mais recentes de mudança, o que justifica a necessidade imperiosa de investigações que procurem contemplar a difícil equação entre a macro-realidade dos sistemas educacionais e o cotidiano escolar [...] verifica-se ainda a existência de uma grande lacuna, na produção bibliográfica, no que se refere tanto às condições atuais de trabalho na escola quanto às formas de resistência e conflito que são manifestas nessa organização (OLIVEIRA, 2004, p. 1128).

Considerando as transformações sociais no mundo do trabalho em geral, e do

trabalho docente em particular, pretende-se, então, compreender de que forma e quais os

mecanismos advindos das inovações tecnológicas e de uma nova organização do trabalho

adentraram na dinâmica do trabalho docente no Distrito Federal nos anos de 1999 a 2003.

No Distrito Federal, dada a realidade específica, mas dentro das condições

gerais de trabalho, pretende-se compreender como a intensificação do trabalho se efetiva

nas relações do trabalho pedagógico nas séries iniciais na rede pública de ensino. Além

disso, propõe-se a seguinte reflexão: de que maneira o docente se relaciona com as

condições de seu trabalho? Como ele percebe a trajetória da organização do trabalho

2 Constituição Federal, capítulo VII, artigo 37, inciso XVI, é vedada a acumulação remunerada de cargos

públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico [...] (BRASIL, 1999: p. 41)

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pedagógico? Quais as estratégias utilizadas pelos professores para conviverem com os

efeitos do aumento de seu trabalho?

As questões que nortearam a análise dividem-se em três eixos:

I) A categoria trabalho, em seu sentido ontológico, contribui para a compreensão do trabalho

docente da rede pública situado no setor de serviços públicos? Em que medida a

reestruturação produtiva no campo econômico, político e tecnológico influencia a

intensificação do trabalho dos professores da rede pública?

II) De que forma, por meio da organização do trabalho docente e das novas tecnologias os

docentes têm/tiveram uma ampliação de seu volume de afazeres pedagógicos? Como

compreender as mudanças políticas no trabalho docente no ambiente escolar no Distrito

Federal? Como a trajetória da organização do trabalho pedagógico desencadeou a

intensificação no trabalho do professor da rede pública, considerando a revolução

tecnológica e as novas organizações do trabalho pedagógico no Distrito Federal nos anos

de 1999 a 2003? Que significados os docentes atribuem ao seu trabalho, em decorrência

dessas alterações?

III) Como as exigências e atribuições demandadas dos docentes indicam práticas

intensificadoras e alongamento de trabalho? Como ocorre a intensificação de esforços,

energias e tarefas desumanas, desgastantes dos docentes sem a ampliação das horas

trabalhadas? Como se expressa a intensificação do trabalho pedagógico na escola-classe

da rede pública no Distrito Federal? Como os docentes percebem a trajetória da

organização do trabalho pedagógico?

Para tanto, elegeu-se como objetivo geral: identificar e analisar as mudanças

políticas no processo de intensificação do trabalho docente nas séries iniciais do ensino

fundamental da rede pública do Distrito Federal, entre 1999 e 2003. E para refletir sobre as

questões mais particularizadas, na busca de sinais que demonstrem o processo de

intensificação do trabalho docente, têm-se como objetivos específicos:

Apreender em que medida a categoria trabalho, em seu sentido ontológico, contribuiu

para a compreensão da especificidade do trabalho do professor da rede pública (Capítulo

1).

Analisar como as atribuições dos professores das séries iniciais do ensino fundamental

na rede pública do Distrito Federal estabelecidas nas legislações e documentos nacionais

e locais são traduzidas em trabalho pedagógico intensificado (Capítulo 2).

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Identificar e analisar como os procedimentos de gestão escolar e as atividades

pedagógicas complementares à sala de aula e exigidos dos docentes contribuem para a

intensificação de trabalho pedagógico e, sobretudo, do trabalho docente (Capítulo 2 e 3).

Examinar, por meio das percepções dos professores, notadamente, e da equipe

pedagógica (diretora, vice-diretora, supervisora, coordenadora, apoio pedagógico) como

se traduz a intensificação no processo do trabalho pedagógico ao longo de sua

experiência profissional em Educação (Capítulo 3).

Delineamento teórico-metodológico de estudo

Ao se fazer uma pesquisa científica tornou-se imprescindível que se tenha uma

compreensão teórica e filosófica do papel do conhecimento como “instrumento de libertação

do homem” (VIEIRA PINTO, 1979). A opção filosófica, segundo Vieira Pinto (1979, p. 4),

“incorporará naturalmente toda a reflexão sobre a metodologia da investigação, a lógica do

raciocínio científico e a sociologia da ciência”. O autor identifica dois grupos de

pesquisadores que denomina “ingênuos”, pois desconsideram a abordagem filosófica em

suas investigações científicas ou apenas a utilizam descolada da prática científica.

Sobre aqueles que desprezam a preparação filosófica no trabalho científico,

Vieira Pinto afirma:

[Os] trabalhadores científicos, ainda que disso com frequência não tenham clara noção, são sempre movidos por ideias universais, por princípios metódicos, por regras de procedimento e avaliação [...] A teoria não está ausente na obra dos pesquisadores, que aparentemente se despreocupam destas discussões chamadas „especulativas‟; o que está ausente é a consciência dela (VIEIRA PINTO, 1979, p. 08).

O outro grupo, formado pelos “filósofos lógicos”, “pessoas que habitualmente

vivem enclausuradas num mundo de pensamentos abstratos” compõem, o que o autor

denomina consciência ingênua: “de um lado, a prática sem a teoria justa, de outro, a teoria

sem a prática indispensável” (VIEIRA PINTO, 1979, p. 06 e 07), resultando em prejuízos à

construção e posse do conhecimento. Vieira Pinto aponta também outra tendência nociva à

produção científica: “a que julga dispensável todo esforço para constituir uma teoria da

pesquisa científica” (VIEIRA PINTO, 1979). A defesa da compreensão filosófica pelo autor

tem como objetivo o “alcance da plenitude de seu rendimento intelectual” (VIEIRA PINTO,

1979, p. 08).

A partir dessa compreensão de como se processa a pesquisa científica, e sua

intrínseca concepção da relevância de uma orientação filosófica explicitada por Vieira Pinto,

pretende-se refletir sobre o processo de construção do conhecimento e “do próprio ser do

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homem em geral, e do pesquisador, enquanto trabalhador, em particular” (VIEIRA PINTO,

1979, p. 9).

Ao optar pelo trabalho com categoria, faz-se necessário entender que algumas

categorias são anteriores e originárias de outras, entre elas, contradição, totalidade,

reprodução e hegemonia. Dentre todas, elege-se a categoria contradição, pois ela “é o

próprio motor do desenvolvimento” (CURY, 1995, p. 27). Então, neste estudo, sempre que

se discutir as categorias trabalho, trabalho docente e intensificação do trabalho docente,

considera-se incutida a categoria contradição como central na análise.

Assim, investigar e pensar por contradição seriam a fundamentação da

metodologia dialética de compreensão do mundo de forma objetiva, isto é, prescindir da

contradição consiste em compreender a realidade de forma metafísica. A contradição

pressupõe analisar o fenômeno e sua negação intrínseca.

Cada coisa exige a existência do seu contrário, como determinação e negação do outro. As propriedades das coisas decorrem dessa determinação recíproca e não das relações de exterioridade [...] as determinações mútuas das coisas se encontram em relação interna de antagonismo (CURY, 1995, p. 30).

Ainda de acordo com Cury:

As categorias devem corresponder às condições concretas de cada tempo e lugar. Elas não são algo definido de uma vez por todas e não possuem um fim em si mesmas. Elas ganham sentido enquanto instrumento de compreensão de uma realidade social concreta, compreensão esta que, por sua vez, só ganha sentido quando assumida pelos grupos e agentes que participam de uma prática educativa (1995, p. 21).

As categorias são compostas de sua essência e fenômeno, de sua

representação e conceituação, portanto, cada categoria analisada procura envolver todas

essas características que lhes são inerentes. A essência de cada categoria deve ser

apreendida em seu movimento dialético a fim de captar a coisa em si, na intenção de se

chegar naquilo que o fenômeno mostra até aquilo que ele esconde (KOSIK, 2002).

Na práxis cotidiana são criadas as representações e conceitos das coisas, das

categorias aqui elencadas.

A representação é um complexo de fenômenos do cotidiano que penetra a consciência dos indivíduos, assumindo um aspecto abstrato quando essa percepção do imediato está desvinculada do processo real que determina sua produção [...] é a projeção, na consciência do sujeito, de determinadas condições históricas petrificadas (CURY, 1995, p. 24).

Ou seja, o senso comum tem a representação parcial do fenômeno quando este

não está articulado com o processo material que produziu tal fenômeno. Pretende-se com

as categorias eleitas analisar e desvelar os conceitos por meio da sistematização e crítica

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(CURY, 1995, p. 25), dentro de um processo interdependente de relações entre trabalho,

trabalho docente, intensidade e intensificação do trabalho docente.

O método da sistematização e crítica do objeto de estudo consiste em “destruir a

pseudoconcreticidade, como condição do processo de desvendamento da lei do fenômeno”

(CURY, 1995, p. 25; KOSIK, 2002, p. 20 e 21). Na compreensão de Kosik, a contradição

relaciona-se mutuamente com a categoria totalidade, nenhuma se sobrepondo a outra: “a

totalidade sem contradições é vazia e inerte, as contradições fora da totalidade são formais

e arbitrárias” (2002, p. 60). A contradição está presente nos fenômenos sociais, portanto,

nos fenômenos educativos, dentro dessa lógica de negação e superação do próprio

fenômeno de construção, incorporação e transmissão de conhecimentos, relacionados à

prática social.

A partir deste ponto de vista e em relação à categoria trabalho aqui

desenvolvida, pretende-se situar de forma objetiva a especificidade que a essência do

fenômeno trabalho docente assume na realidade social concreta do Distrito Federal, dentro

do movimento contraditório de pensamento e ação (KOSIK, 2002, p. 22) que os

trabalhadores lhes impõem em suas práticas educativas.

A fim de se conhecer a totalidade do processo de intensificação do trabalho

docente foi necessário entrar em contato com o fenômeno, assim como Kosik (KOSIK, 2002,

p. 28) elucidou, através de seus sujeitos e suas percepções e os significados construídos

por eles em relação às transformações ocorridas em seu trabalho em determinado tempo e

contexto histórico.

A concepção de realidade assumida pelo investigador define a metodologia

empregada ao se realizar uma pesquisa, seja ela quantitativa ou qualitativa. Neste sentido, a

ontologia, assim como a epistemologia, estão intrinsecamente relacionadas à opção

metodológica (CHIZZOTTI, 2006). Realidade para Kosik é:

Concreticidade, como um todo que possui sua própria estrutura (e que portanto, não é caótico), que se desenvolve (e que portanto, não é imutável nem dado uma vez por todas), que se vai criando (e que portanto, não é um todo perfeito e acabado no seu conjunto e não é mutável apenas em suas partes isoladas, na maneira de ordená-las) [...] A própria realidade, na sua estrutura é dialética [...] um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade [...] em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade (2002, p. 44, 45 e 50, grifos do autor).

No intuito de se conhecer um fenômeno faz-se necessário diferenciar o senso

comum que permeia o conhecimento que se tem a respeito de tal fato. A aparência que

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esse fenômeno demonstra não é a coisa, não revela totalmente sua estrutura, seu núcleo

interno essencial; por isso, não proporciona a compreensão da realidade.

Kosik denomina pseudoconcreticidade os acontecimentos vivenciados e

analisados sem que se chegue a sua essência. O cotidiano evidencia fenômenos externos,

superficiais; esses fatos tornam-se praxis fetichizada; é o universo das representações

comuns, das projeções que os homens fazem da realidade, percebida como natural e não

como atividade produzida historicamente (2002, p. 14-15).

O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças ao seu contrário [...] não é algo independente e absoluto; os fenômenos se transformam em mundo fenomênico na relação com a essência” (KOSIK, 2002, p. 15-16).

O procedimento para se chegar ao conhecimento da realidade passa pela

decomposição do todo, separando-se o fenômeno e sua essência. Através da cisão, o

pensamento capta a coisa em si, distinguindo representação e conceito, mundo da

aparência e o mundo da realidade, a práxis utilitária cotidiana dos homens e a práxis

revolucionária da humanidade (KOSIK, 2002, p. 18 e 20).

A totalidade concreta faz parte da realidade nessa perspectiva, o que não

significa que o pesquisador deva ter informações sobre tudo o que se passa com o

fenômeno.

Significa que cada fenômeno pode ser compreendido como momento do todo. Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado como momento de um determinado todo; desempenha, portanto, uma função dupla, a única capaz de dele fazer efetivamente um fato histórico: de um lado, definir a si mesmo; conquistar o próprio significado autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido a algo mais (KOSIK, 2002, p. 49).

Nesse processo de conhecimento da realidade há o risco, segundo Kosik, de se

chegar a uma falsa totalidade, ou ainda, a totalidade vazia, abstrata, má, em contraposição

à totalidade concreta. Kosik descreve que o sujeito que se propõe chegar à verdade não

pode se posicionar como superior; julgar a realidade o leva a uma análise que resultará em

falsa totalidade. O conhecimento dialético se articula com a totalidade:

É um processo em espiral de mútua compenetração e elucidação dos conceitos, no qual a abstratividade (unilateralidade e isolamento) dos aspectos é superada em uma correlação dialética, quantitativo-qualitativa, regressivo-progressiva [...] Compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes (KOSIK, 2002, p. 50, grifos do autor).

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Na perspectiva do conhecimento dialético, o real é percebido e representado como um todo articulado em sua criação, estrutura e gênese, presumindo a historicidade ao mesmo tempo como intenção e resultado da investigação (KOSIK, 2002, p. 51 e 53).

A postura do pesquisador define a explicitação dos fatos: as informações que

trazem dependem do método e da atitude do investigador, de sua capacidade para

interrogar os fatos e descobrir o seu conteúdo e significado objetivo.

A distinção dos fatos com base em seu significado e na sua importância não é o resultado de uma avaliação subjetiva, mas resulta do conteúdo objetivo dos fatos isolados [...] o conhecimento da realidade histórica é um processo de apropriação teórica – isto é, de crítica, interpretação e avaliação de fatos – processo em que a atividade do homem, do cientista é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fatos (KOSIK, 2002, p. 54, grifos do autor).

Para se conhecer as relações que os homens estabelecem com o mundo, torna-

se fundamental que se tenha a compreensão de como se processa a relação sujeito-objeto

(PIRES, 1997, p. 84). Essa compreensão da relação sujeito-objeto pode ser analisada sob

diferentes olhares, mas a perspectiva do materialismo histórico-dialético é a que

compreende os conflitos de maneira histórica e contraditória. Assim:

Compreender o Método é instrumentalizar-se para o conhecimento da realidade, no caso, a realidade educacional. O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade. (PIRES, 1997, p. 87).

A historicidade do objeto a ser investigado, como parte integrante do método

materialista histórico-dialético, diz respeito à forma de organização da sociedade

empreendida pelos homens ao longo da história, considerando nessa análise o trabalho, da

produção e reprodução da vida, como determinante dessa história. “Se o caráter de uma

espécie define-se pelo tipo de atividade que ela exerce para produzir ou reproduzir a vida,

esta atividade vital, essencial nos homens, é o trabalho” (PIRES, 1997, p. 88).

Detalhamento e percurso da investigação

A proposta metodológica nesta pesquisa localiza-se na perspectiva crítica-

dialética e na abordagem qualitativa, pois o trabalho docente foi compreendido como parte

dos fatos do contexto social das políticas neoliberais, das mudanças no mundo do trabalho,

das variações paradigmáticas da cultura da globalização. Em meio a isso, considera-se a

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historicidade e as relações com os sujeitos envolvidos e suas percepções em relação a essa

trama.

Ao contrário da abordagem positivista, em que prevalece a harmonia, a ordem, a

causa e efeito das relações ao se elucidar um fenômeno, na pesquisa em ciências humanas

o relevante é o desvelamento dos fenômenos. Leva-se em conta a complexidade e as

contradições, as relações entre os sujeitos envolvidos num movimento de imprevisibilidade e

originalidade. Os significados que os docentes dão ao seu trabalho, à escola, as decisões ali

tomadas e a conexão no contexto social possibilitaram desvelar o sentido e compreender

como vem se transformando a organização do trabalho pedagógico nas escolas do Distrito

Federal.

A priori, parte-se da premissa de que os professores são sujeitos capazes de

fazer a relação entre o seu trabalho cotidiano e as mudanças ocorridas na sociedade. Estes

são sujeitos que conferem sentido à sua atuação, e os saberes apontados, ainda que

relativamente limitados por conter concepções do senso comum, são levados à reflexão e à

crítica.

O pesquisador, por sua vez, entendido como um sujeito integrante do processo

de conhecimento, atribui também um significado quanto aos dados que apresentará aos

pesquisados. As relações entre pesquisador e pesquisados são dinâmicas, as posições

contraditórias são valorizadas como parte imprescindível para as considerações levantadas.

(CHIZZOTTI, 2003, p. 82-83).

Documentos e legislação pertinentes

A análise dos dados deu-se sob a ótica da atuação e constituição das

características e funções do profissional educador na Escola-Classe pesquisada, e o olhar

voltado para as transformações de suas atribuições profissionais ao longo do período

analisado e também das modificações exigidas pela legislação, entre elas, a LDBEN

9394/96, as Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração para o

Magistério da resolução CNE/CEB nº 3, de 8 de outubro de 1997. Outros documentos

incorporados na análise: Resoluções dos Congressos de Professores do Distrito Federal;

atribuições nomeadas pela Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho

e do Emprego – MTE.

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Técnicas e instrumentos

O trabalho em campo foi realizado em uma Escola-Classe localizada no Plano

Piloto, sob responsabilidade da Diretoria3 Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro, no

Distrito Federal. Essa escola pública atende alunos de primeira a quarta séries do Ensino

Fundamental4.

Nessa escola pública, elegeu-se para estudo o trabalho dos professores que

atuam na rede pública do Distrito Federal há mais de dez anos, em especial as percepções

e significados desses sujeitos em relação ao aumento de intensidade de suas atribuições

profissionais, considerando que acompanharam as mudanças no processo de seu trabalho

durante o período analisado.

A obtenção de dados foi feita inicialmente por meio de observação de campo

não-estruturada5 de todos aqueles sujeitos que realizam o trabalho pedagógico, ou seja,

professores, coordenadores, orientadores, diretor e vice-diretor da escola. Esse tipo de

observação foi escolhido por ser uma técnica adequada para os primeiros contatos com a

escola, como método exploratório, a fim de se levantar alguns elementos de intensificação

do trabalho docente, assim como relacioná-los com os elementos surgidos durante a revisão

da literatura sobre o tema.

A observação capta, em certa medida, percepções influenciadas pelo

observador, sua cultura e história pessoal. No entanto, procurou-se sistematizar a

observação na medida em que se aumentava o contato com a escola. O controle e

sistematização foram sendo adquiridos por meio do planejamento cuidadoso e rigoroso das

observações. Primeiramente, a atenção se voltou para a delimitação do objeto de estudo –

intensificação do trabalho docente. Buscou-se recortar, nas diversas atividades, eventos e

episódios ocorridos no cotidiano da escola que se relacionavam com o trabalho e sua

possível intensificação.

A pesquisa de campo aspirou abarcar parte da totalidade das relações

estabelecidas na escola, sem, no entanto, pretender conhecer todas as suas vivências e

experiências. Para que esse objetivo metodológico fosse alcançado, foram realizadas

observações de diversos momentos de trabalho das professoras, assim como diversas

3 Termo modificado a cada governo, Divisão Regional de Ensino no governo de Cristovam Buarque e Gerência

Regional de Ensino nos governos de Joaquim Roriz e Diretoria Regional de Ensino no final do governo de Joaquim Roriz e no atual governo de José Roberto Arruda. 4 Atuais 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental de nove anos, segundo a Lei Nº 11.114, de 16 de maio de 2005,

que altera os arts. 6º, 30º, 3º e 87º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em 24/07/2008. 5 “[...] consiste na possibilidade de o observador integrar a cultura dos sujeitos observados e ver o „mundo‟ por

intermédio da perspectiva dos sujeitos da observação e eliminando sua própria visão, na medida em que isso é possível [...] (VIANNA, 2007, p. 26, grifo do autor).

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atividades na escola, entre elas: reuniões de coordenação do trabalho entre as professoras;

reuniões de coordenação do Projeto de Re-Educação Matemática; reuniões com as famílias;

Conselhos e Pré-Conselhos de Classe Participativos; atendimentos individualizados aos

alunos com dificuldades de aprendizagem; reuniões de avaliação do semestre; trabalho de

limpeza e manutenção da estrutura física da escola durante o recesso de julho; eleição do

Conselho Escolar, entre outras, num total de 60 horas de observação, de maio a dezembro

de 2008.

A intenção, desde o início das observações, foi no sentido de que essas não

fossem casuais, mas confiáveis, pois os fenômenos educativos são demasiadamente

complexos e somente a escolha de metodologias apropriadas pode garantir essa

credibilidade (VIANNA, 2007). O aprimoramento foi progressivo na busca por fazer registros

descritivos, objetivos e sem juízos de valor. Separar os detalhes relevantes dos triviais foi

uma oportunidade de aprendizagem, as anotações nem sempre foram organizadas

simultaneamente aos fatos, pois os acontecimentos são sempre muito dinâmicos. O material

utilizado inicialmente foram notas de campo, feitas em uma espécie de “diário de bordo”, o

que não se mostrou muito prático nem eficiente, pois os elementos de intensificação do

trabalho docente apareciam de forma muito frequente e em formatos diversos. Por exemplo,

em uma mesma reunião de coordenação, observava-se diversas formas de controle

pedagógico, como a organização de escalas para o trabalho na festa junina, a cobrança da

Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal – SEDF em relação ao preenchimento

de formulários de frequência para os alunos beneficiados por Programas de Transferências

de Rendas – como o Bolsa Família6 e a programação e encaminhamentos da aplicação da

avaliação institucional Provinha Brasil7. Ou seja, várias categorias de análise apareciam em

um mesmo momento, o que mostrava a dificuldade em captar todos os elementos por meio

do instrumento escolhido inicialmente. Essas categorias surgiram na revisão da literatura

sobre temas correspondentes ao objeto de estudo e apareceram também em entrevistas

preliminares com professores/diretores do Sinpro-DF realizadas no ano de 2007, que

ajudaram no levantamento de algumas asserções quanto aos possíveis elementos de

intensificação do trabalho docente.

6 Decretos nº 5.209 de 17 de setembro de 2004 e 5.749 de 11 de abril de 2006. “[...] destinado às famílias em

situação de pobreza, com renda mensal até de R$ 100 per capita, que condiciona a transferência do benefício financeiro a contrapartidas sociais que devem ser cumpridas pelas famílias [...] As contrapartidas são: acompanhamento da saúde e do estado nutricional; as crianças em idade escolar devem estar matriculadas e frequentar o ensino fundamental; e participação em ações de educação alimentar”. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br> Acesso em 24/07/2008. 7 Avaliação estruturada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais "Anísio Teixeira" – INEP,

que disponibilizará às redes de ensino fundamental interessadas, com periodicidade anual, o instrumento necessário à avaliação, juntamente com material de instrução de procedimentos . Portaria Normativa nº- 10, de 24 de abril de 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br Acesso em 24/07/2008.

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A orientação recebida foi, então, de se estabelecer as categorias de análises

que apareceram nessa primeira etapa e, a partir dessas, tornou-se necessário confeccionar

um quadro de observação elencando as categorias, com espaços para cada uma a serem

preenchidos pelas descrições dos fatos. Em alguns momentos, foi preciso recorrer ao

gravador como instrumento auxiliar à observação; o material transcrito das gravações não

foi utilizado na íntegra, apenas como apoio às notas realizadas no momento exato da

observação dos fatos. O quadro de observação, as notas de campo e as transcrições das

gravações tornaram-se instrumentos complementares e eficientes para a compreensão das

diversas práticas pedagógicas e de trabalho docente que contribuíram para a formulação

das categorias analíticas.

Os critérios de escolha da escola foram sua localização no Plano Piloto e o

atendimento a estudantes de diversas regiões do Distrito Federal. Sua habitual convivência

com pesquisadores também foi considerada: a escola mantém vínculo frequente com a

Universidade de Brasília por meio de projetos e programas de estágios supervisionados.

Assim, os sujeitos observados têm muita familiaridade com a presença de pessoas que não

fazem parte do quadro de funcionários da escola. Dessa forma, o risco dos sujeitos

maquiarem ou deformarem a situação ou, ainda, sentirem-se constrangidos pela

observação, parecia amenizado nesse contexto, pois estavam acostumados com a

presença de estudiosos na escola (VIANNA, 2007, p. 19).

A escola recebe frequentemente inúmeros pesquisadores no campo da

Psicologia e Psicopedagogia, mas principalmente na área de Educação Matemática. A

investigação em Gestão e Políticas Públicas, com enfoque no trabalho do professor, seria

um possível diferencial na contribuição da universidade à comunidade escolar, segundo a

vice-diretora.

As observações iniciaram-se em maio de 2008, no período vespertino, em uma

reunião de coordenação entre professoras da primeira série. Ao longo de seis meses, no

decorrer dos trabalhos, tornou-se necessário o registro das atividades observadas:

Três reuniões de coordenação por série entre as professoras;

Três reuniões de coordenação de Re-Educação Matemática;

Duas reuniões com a família;

Duas atividades com as crianças, denominadas “Pátio”;

Uma oficina de música com as professoras no horário de coordenação por turno;

Reunião coletiva e de preparação de eventos;

Três oficinas da escola integral para confecção de materiais para a festa junina;

Confecção de materiais para a festa junina na sala dos professores;

Pré-conselhos e Conselhos de classes participativos;

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Duas oficinas da escola integral com jogos matemáticos;

Dois atendimentos individualizados a alunos com dificuldades de aprendizagem;

Trabalhos na sala de leitura;

Trabalhos em sala de aula: com uma professora (P5) no “Laboratório de aprendizagem” e

com outra professora (P7) em atividades diversificadas.

Além dessas atividades planejadas e sistematizadas, foram realizadas também:

Entrevistas de roteiros abertos com a diretora; professora da sala de leitura; professora

regente;

Observação em horários de intervalos (recreio dos alunos);

Observação do trabalho da supervisora no controle e preenchimento de documentos e

relatórios da Provinha Brasil;

Observação em reuniões de avaliação do semestre, entre todos os trabalhadores da

escola;

Observação do trabalho de organização e limpeza da escola, com a presença da diretora,

de servidores e membros da comunidade, durante o recesso em julho;

Reunião sobre a paralisação do trabalho proposta pelo sindicato;

Eleição do Conselho Escolar.

A entrevista, escolhida como um dos principais instrumentos da coleta de dados,

e a observação, serviram para captar as diferentes percepções sobre o objeto desse estudo.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, cuja finalidade, além de responder a questões

objetivas sobre as políticas de intensificação do trabalho docente, envolve também questões

de ordem subjetiva como as opiniões, sentimentos, condutas do passado das professoras,

foi selecionada a entrevista reflexiva entre os sujeitos, pesquisadora e entrevistadas

(SZYMANSKI, 2008).

As entrevistas foram realizadas com sete professoras da escola, entre as quais

seis com mais de dez anos de experiência na função e uma professora com sete anos de

experiência sob o regime de contrato temporário com a Secretaria de Educação. O objetivo

foi apreender as percepções desses sujeitos quanto à intensificação de seu trabalho,

enfatizando o ponto de vista dos professores em relação às modificações no processo do

trabalho pedagógico ao longo de sua experiência profissional em Educação.

Para preservar a identidade dos sujeitos envolvidos na pesquisa, seus nomes

foram substituídos por códigos: P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7.

As professoras da equipe pedagógica têm seus nomes substituídos por suas

funções. Por exemplo, em todas as vezes que a diretora foi citada, seu nome foi substituído

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pela palavra diretora, assim também ocorreu com a coordenadora, supervisora, orientadora

e com as professoras do Ensino Especial, apoio pedagógico 1 e apoio pedagógico 2.

Os nomes das crianças e do professor que coordena o projeto de Re-educação

Matemática foram substituídos por nomes fictícios, assim como o nome da cidade satélite

citada por uma professora.

Antes de prosseguirmos, um registro se faz necessário. São inúmeros e diversos

os termos utilizados para se referir ao trabalho e aos trabalhadores da educação. Ao

procurar entre esse rol de nomenclaturas, que em muitos estudos podem parecer análogos,

encontramos os seguintes termos: atividade de ensino, atividade docente, trabalho do

professor, trabalho docente, trabalho pedagógico, trabalho escolar, fazer pedagógico,

função pedagógica, função docente8.

Ao estudar essa temática percebe-se que há uma modificação da terminologia

de acordo com o entendimento que se tem das atribuições dos professores em cada

momento histórico. Oliveira (2002) define especificamente a organização do trabalho escolar

como:

[...] um conceito econômico, refere-se à divisão do trabalho na escola. Podemos considerá-la a forma como o trabalho do professor e demais trabalhadores é organizada na instituição escolar visando atingir os objetivos da escola ou do sistema. Refere-se à forma como as atividades estão discriminadas, como os tempos estão divididos, a distribuição das tarefas e competências, as relações de hierarquia que refletem relações de poder, entre outras características inerentes à forma como o trabalho é organizado. (OLIVEIRA, 2002, p. 40 e 41).

Optou-se nessa pesquisa pelo termo trabalho pedagógico, abrangendo o

trabalho dos professores em sala de aula, e também em atividades extraclasse, além do

trabalho da equipe pedagógica que atua na escola pública em funções específicas: a

orientadora educacional, a supervisora administrativa, a supervisora pedagógica, a

coordenadora pedagógica, a diretora e vice-diretora, assim como as professoras da sala de

leitura, da sala de informática, e as professoras que atuam no Ensino Especial. De todos os

trabalhadores da escola, excluem-se, então, a equipe administrativa (os profissionais de

secretaria, portaria e vigilância, merenda escolar, conservação e limpeza) e os bolsistas9.

Os conceitos e divisões de trabalhos tratados nessa pesquisa, aferidos com a

reflexão e análise de autores (BASSO, 1998; ENGUITA, 1991; FREITAS, 2006; HYPOLITO,

1991 e 1997; JÁEN, 1991; OLIVEIRA, 2000 e 2004; PARO, 2001; SAVIANI, 1999) elegeu-

se a nomenclatura trabalho docente para o trabalho realizado pelo professor em sala de

aula ou fora dela. Por sua vez, entendeu-se o trabalho pedagógico como aquele trabalho

8 Enguita (1989; 1991); Hypolyto (1991; 1997); Jáen (1991); Oliveira (2000; 2002; 2004); Silva (1993).

9 Estudantes universitários que prestam serviços às escolas públicas em contrapartida a bolsa de estudos que

recebem da Secretaria de Educação.

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realizado pelo coordenador, orientador, supervisor e diretor e vice-diretor escolar que dá

subsídios ao trabalho docente, além do próprio trabalho do professor. Os demais

trabalhadores da escola, que atuam na área técnica-administrativa, são considerados parte

dos trabalhadores na organização do trabalho escolar.

Quadro 01– Organograma do trabalho escolar.

Fonte: Quadro elaborado a partir dos autores e da observação realizada na escola pública.

O termo professor foi utilizado inúmeras vezes no gênero feminino por se tratar

de ocupação exercida em sua grande maioria por mulheres, principalmente nas primeiras

séries do Ensino Fundamental, além disso, especificamente no campo de pesquisa, todas

as funções docentes são desempenhadas por mulheres.

O capítulo 1 aborda a compreensão teórica das categorias analisadas no

decorrer do estudo e a especificidade do trabalho docente relacionando-o com a

organização do trabalho produtivo e as configurações que estes apresentam na sociedade

capitalista; com prioridade para a compreensão da reestruturação produtiva como

fomentadora da reestruturação do trabalho no setor de serviços, assim como a utilização de

novas tecnologias nos diferentes segmentos.

As exigências que permeiam as atribuições docentes são vistas como possíveis

indicadores de intensificação do trabalho pedagógico realizado na rede pública a partir do

ponto de vista da historicidade da trajetória da organização do trabalho pedagógico.

No capítulo 2, o olhar está voltado para a educação no Distrito Federal e na

maneira como os professores se relacionaram com elementos intensificadores de seu

trabalho, utilizando-se para isso da análise de documentos e orientações em relação às

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atribuições do trabalho docente. Aborda-se o contexto da construção da cidade de Brasília e

da educação no Distrito Federal, considerando suas particularidades econômicas, sociais e

políticas, por meio de estudos que consideraram a história da cidade desde o período de

sua edificação. A observação da política de contratação temporária de professores para a

rede pública e, dentro dessa política, a contratação por meio do Banco de Professores

Substitutos, foram significativas para se pensar os diversos tipos de artifícios utilizados pelos

governos que resultam em precarização das condições de trabalho dos professores. As

novas atribuições dos professores também foram vistas como parte do processo de

intensificação do trabalho docente, sejam elas atribuições formais ou surgidas por

problemas sócio-econômicos vividos pelas crianças atendidas pela rede pública.

No capítulo III, o cerne foi a pesquisa empírica e a análise dos elementos de

intensificação do trabalho docente. Considera-se a organização do trabalho docente

praticada na escola e a intensificação do trabalho dos professores em suas diversas

exigências ao longo do tempo, assim como se observa as relações destes com seu trabalho

no período analisado. Entre essas responsabilidades estão aquelas advindas da forma

como a política de inclusão está sendo arranjada pela Secretaria de Educação do Distrito

Federal. Além desses elementos, o ponto focal está nos dados apresentados pelas

professoras, como o significado do trabalho em suas vidas e as formas de resistência à

alienação criadas por elas, dentro e fora do trabalho.

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CAPÍTULO 1 TRABALHO DOCENTE: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

A institucionalização da escola pública pelo Estado capitalista exigiu

trabalhadores que fornecessem os meios para que a ideologia da classe dominante se

perpetuasse de forma hegemônica nessa significativa instância da superestrutura social

(CARNOY, 1986).

Este capítulo tem como objetivo compreender como as exigências que permeiam

as atribuições docentes indicam práticas intensificadoras de seu trabalho. A primeira parte

problematiza as seguintes questões: em que medida a categoria trabalho, em seu sentido

ontológico, contribui para a compreensão do trabalho específico do professor da rede

pública? Como no trabalho docente, situado no setor de serviços, e mais especificamente no

serviço público, vêm sendo incorporadas práticas e ações intensificadoras?

Na segunda parte, a análise prioriza o entendimento de como se realiza o

trabalho docente, com o olhar voltado para os mecanismos condutores da intensificação do

trabalho em geral, e do trabalho docente em particular, a partir do estudo da trajetória

profissional docente construída pela sociedade e também pelos professores. Ao identificar

os diferentes contornos desse processo de constituição de sua identidade, algumas

questões nortearam a reflexão, entre elas: de que modo a reestruturação produtiva

influencia a intensificação do trabalho dos professores da rede pública? Como, no trabalho

docente, a utilização de novas tecnologias e a nova organização do trabalho pedagógico se

traduzem em aumento de trabalho? Como a trajetória da organização do trabalho

pedagógico desencadeou a intensificação no trabalho do professor da rede pública?

Partindo dessas indagações, o capítulo tem como objetivo refletir sobre os

principais conceitos que envolvem o trabalho e o fenômeno de intensificação do trabalho

docente no intuito de desvelar os seus aspectos constituintes e sua relação com o contexto

histórico-social. Portanto, buscou-se na literatura disponível cercar-se daquelas análises que

demonstram ou contribuem para aprofundar essa reflexão.

1.1 Trabalho: humanização e desumanização

Nesta seção, procura-se compreender a trajetória que o trabalho percorreu no

processo histórico como elemento diferenciador da espécie humana e, para isso, utiliza-se

da categoria trabalho pensada em sua condição contraditória e em movimento.

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Com o início da utilização de instrumentos para facilitar a busca de alimentos e

proteção para a sua sobrevivência, o homem passa a se diferenciar como espécie, modifica

a natureza e também se relaciona coletivamente através dessa atividade. Ao se estabelecer

a propriedade privada, a humanidade começa a diferenciar-se entre si por meio de classes

sociais e o trabalho adquire socialmente uma conotação pejorativa.

Segundo Engels10, na elaboração da história do trabalho nos primórdios da

humanidade, os nossos antepassados tiveram na diferenciação da função das mãos, em

relação aos pés, a liberação destas para que operassem outras funções. Também contribuiu

para o desenvolvimento da atividade laboral a gradual necessidade de manter-se em

posição ereta ao caminhar. Algumas espécies se utilizam de instrumentos rudimentares

para conseguir alimentos e também constroem abrigos de proteção; no entanto, não são

humanizadas. O que, de fato, diferencia a espécie humana entre as outras? Segundo

Engels, a progressiva destreza, habilidade e flexibilidade das mãos. Entretanto, enfatiza:

“[...] a mão não era algo com existência própria e independente. Era unicamente um

membro de um organismo íntegro e sumamente complexo” (ENGELS in: ANTUNES (org.),

2004, p. 16).

A esse desenvolvimento complexo do homem acompanhou outro, o

desenvolvimento da linguagem, por meio do trabalho realizado coletivamente.

Primeiro o trabalho e, depois dele e com ele, a palavra articulada, foram dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi se transformando gradualmente em cérebro humano – que apesar de toda sua semelhança, supera-o consideravelmente em tamanho e em perfeição (ENGELS, in: ANTUNES (org.), 2004, p. 19 e 20, grifo nosso).

Assim, o trabalho constitui-se em atividade humana, coletiva, que visa um fim,

meio pelo qual o homem transforma a natureza para suprir suas necessidades de

alimentação e abrigo. Engels aponta como complementares, mas significativos, elementos

de constituição da humanidade, a dieta carnívora e o crescente nomadismo como

fundamentais ao desenvolvimento do trabalho pela humanidade.

Só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferença essencial entre o homem e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho (ENGELS, in: ANTUNES (org.), 2004, p. 28).

A contradição do trabalho atinge seu auge na organização do sistema capitalista

de produção, pois o proletário, sujeito que trabalha na sociedade capitalista, passa a se

desumanizar devido às relações estabelecidas nesse modo de produção.

10

ENGELS, F. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: ANTUNES (org.),

2004, p. 13-34.

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Desse modo, pretende-se compreender de que forma, ao longo do processo

histórico, as relações de trabalho exigiram do trabalhador mais horas de trabalho, maior

produtividade, maior envolvimento e maior energia em sua realização. No modo de

produção capitalista, particularmente, de que maneira o trabalho passa a ser elemento de

desumanização?

No século XIX, Marx compreendeu o trabalho como intercâmbio material entre o

homem e a natureza, diferenciando-o, dessa forma, dos animais. Categoria fundadora do

ser social, o próprio trabalho define o homem.

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. [...] atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (MARX, 1983; in: ANTUNES (org.), 2004, p. 36 e 46)

11.

O processo de trabalho exige vários elementos em sua constituição: o sujeito

trabalhador que idealiza a atividade com uma finalidade; a natureza, de onde o homem

busca e retira a matéria prima a ser transformada; os meios e os instrumentos utilizados

para sua fabricação; e o produto final incorporado de trabalho humano.

Portanto, através do trabalho o homem produz e reproduz sua existência. No

entanto, nas relações sociais o trabalho pode apresentar características diversas de acordo

com sua construção histórica. Nas palavras de Marx:

Na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social (MARX, Prefácio para a Crítica da Economia Política. s/d.).

O trabalho e as relações sociais advindas dele em concomitante relação com a

natureza vão determinar outras práticas sociais como a relação social, política, cultural,

jurídica de uma sociedade.

O trabalho na acepção marxista não é uma entidade independente, ao contrário,

o trabalho só tem esse sentido criador e transformador do homem, quando o próprio homem

é considerado sujeito e não objeto nesse processo, quando se considera “a força humana

11

Processo de Trabalho e processo de Valorização. O Capital – Crítica da Economia Política, vol. 1, livro primeiro, p. 149-163, Editora Abril, 1983. In: ANTUNES (org.), 2004.

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de trabalho”; processo esse que necessita de instrumentos, de condições materiais para

realizar-se. Para Marx, tornou-se conveniente para a classe dominante entender o trabalho

como “uma força criadora sobrenatural”, o que justifica a exploração daqueles que não

possuem outra propriedade além da força de trabalho por aqueles que possuem os

instrumentos de trabalho e as condições materiais para realizá-lo12.

O trabalho do nômade era móvel, assim como era sua casa; seus momentos de

trabalho e de inatividade confundiam-se, assim como o tempo dedicado aos rituais sociais

em todas as sociedades pré-industriais. Por sua vez, o trabalho na sociedade industrial

caracteriza-se pela divisão entre trabalho e não-trabalho, no que se refere ao tempo e ao

espaço físico, de produção e de consumo, do privado e do público.

A cooperação simples pode ser considerada origem da complexa divisão social

do trabalho na sociedade capitalista moderna (CARVALHO, 1989; MARX e ENGELS, 1984).

Sobre os primórdios da divisão do trabalho, Carvalho afirma:

Nas sociedades primitivas e outras anteriores à sociedade capitalista, não havia uma separação acentuada entre trabalho intelectual e o manual, o que possibilitava ao servo da gleba ou ao artesão, por exemplo, o domínio de um saber que ultrapassava a mera execução do seu trabalho, posto que eles também o concebiam (CARVALHO, 1989, p. 36).

Carvalho (1989, p. 38) identifica a origem e formação da manufatura como um

novo tipo de divisão social do trabalho que se diferencia do trabalho feito artesanalmente;

até então, a divisão do trabalho era sexual ou por idade. A autora esclarece que esse

processo foi um artifício de aproveitamento da cooperação e ao mesmo tempo criação de

um novo tipo de colaboração na execução do trabalho. Este passa a ser dividido entre os

artesãos, que ocupam, a partir daí, o mesmo local de trabalho, o que contribui para a

diminuição dos custos de fabricação e, concomitantemente, para o aumento da produção e

da sobrecarga de trabalho.

Na cooperação simples, o trabalhador, os instrumentos de trabalho e o produto

integravam-se mutuamente (ENGUITA, 1989). No desenvolvimento do modo de produção

capitalista, ao se dividir o trabalho entre aqueles que pensam e aqueles que o executam,

essa atividade perde sua dimensão de totalidade: “a própria ação do homem se torna para

este um poder alheio e oposto que o subjuga, em vez de ser ele a dominá-la” (MARX &

ENGELS, 1984, p. 39, grifo nosso). O homem passa a ser objeto e não sujeito nessa

relação entre seu trabalho e o produto de seu trabalho.

No século XVIII, introduziu-se no mundo do trabalho o rompimento do tempo e

espaço entre trabalho e ócio. Segundo Enguita (1989, p. 07 e 08), a industrialização

apresenta-se como marco desse fenômeno ao longo da história da humanidade.

12

MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. s/d., p. 7.

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[...] nas economias pré-industriais os homens dispõem a seu critério de seu tempo de trabalho – e de seu tempo em geral –, ou seja, decidem sua duração, sua intensidade, suas interrupções [...] Podem prolongar sua jornada, acelerar seu ritmo ou eliminar as interrupções quando urge a consecução de um objetivo [...] Isto significa ser dono do próprio tempo, como assinalou Marx, é o espaço em que se desenvolve o ser humano (ENGUITA, 1989, p. 9, grifo nosso).

Com o advento do capitalismo industrial, o trabalho passa a ser assalariado. Um

grupo de indivíduos que possui apenas sua força de trabalho a vende a um capitalista que,

por sua vez, possui os meios de produção, ou seja, matérias primas, ferramentas,

máquinas, tudo o que seja necessário para se criar um produto. Esse produto também muda

seu aspecto, passa a ser mercadoria e ter um valor a depender da quantidade de trabalho

empregada em sua produção.

Trabalhadores e instrumentos de trabalho parcelares são os elementos constituintes deste processo. Nele exige-se do trabalhador a habilidade de ser cada vez mais rápido e preciso na sua tarefa específica; e como a base técnica da manufatura é artesanal, o trabalhador é obrigado a se fixar por todo o tempo a uma mesma função e operações exclusivas. O produto que resulta desse processo é um trabalhador mutilado, deformado, transformado „num aparelho mecânico de uma operação parcial‟ (CARVALHO, 1989, p. 40, grifo nosso).

A transformação do trabalho em elemento subordinado à troca e a propriedade

privada, segundo Antunes (2004, p. 173), leva à alienação e ao estranhamento, fatores

intrínsecos ao processo de desapropriação do homem e seu objeto de trabalho.

Existe uma distinção entre alienação (Entäusserung) e estranhamento (Entfremdung): enquanto alienação tem o significado de algo ineliminável do homem, uma exteriorização que o autoproduz e forma no interior de sua sociabilidade, estranhamento é designação para as insuficiências de realização do gênero humano decorrentes das formas históricas de apropriação do trabalho, incluindo a própria personalidade humana, assim como as condições objetivas engendradas pela produção e reprodução do homem (RANIERI, 2006, p. 01).

Em outra obra, Ranieri (2001) propõe-se analisar criteriosamente nas obras de

Marx a diferenciação entre essas duas categorias, já que para ele, durante muito tempo as

traduções desses termos foram confundidas. Seu objetivo foi clarificar e encontrar

semelhanças e diferenças entre esses dois conceitos para a melhor compreensão da obra

marxiana no momento em que o capital se mostra mais complexo e o estranhamento no

trabalho atinge seu ápice. As obras analisadas pelo autor são os Manuscritos de Paris,

também conhecida como Manuscritos econômico-filosóficos, A sagrada família e a Ideologia

Alemã.

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34

Essa distinção necessita ser esclarecida, pois em geral são conceitos

apresentados como sinônimos e, para Antunes (2004, p.173), é preciso compreender a

diferenciação feita por Marx13, assim enfatiza:

[Estranhamento] tem o sentido mais forte e negativo atribuído em geral ao termo alienação, ao passo que exteriorização [alienação] significa atividade, objetivação, e é ineliminável do contexto histórico do fazer-se homem do homem, o que Marx deixa claro ao indicar o estranhamento como forma específica de exteriorização humana, especialmente sob o domínio do trabalho assalariado sob o capitalismo (ANTUNES, 2004, p.173).

Na parte final dos Manuscritos econômico-filosóficos encontram-se algumas

definições feitas pelo próprio Marx. Estranhamento está intrinsecamente ligado à

propriedade privada, pois é a partir dela que se extrai e se apropria do valor do trabalho

(mais-valia).

O objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta com um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se “coisal” (sachlich), é a objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. [...] A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento (Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital (ANTUNES, 2004, p.176).

Em outras palavras, a alienação é inerente ao trabalho entendido em sua forma

ontológica, parte constituinte do modo de produção a que o trabalho está submetido.

Estranhamento constitui-se num dos elementos da limitação histórica das classes

trabalhadoras para alcançar o pleno desenvolvimento humano através do trabalho, pois está

relacionado à propriedade privada. O modo de produção capitalista incorporou ao trabalho a

apropriação do produto do trabalho pelo capitalista, e o estranhamento decorre dessa

expropriação. A desumanização do trabalho advém do processo de estranhamento que o

modo de produção capitalista integrou ao trabalho produtivo. A base do estranhamento é a

apropriação privada dos bens produzidos coletivamente.

A forma última (mais complexa) do estranhamento aparece como sendo a posição do trabalho no interior da relação entre trabalho assalariado e capital. O foco recai sobre a relação do trabalho social com a forma de sua apropriação e, consequentemente, com o seu produto, portanto, a relação social aparecendo como uma relação coisal. Especificamente, a relação social entre os homens enquanto relação de intercâmbio entre os seus produtos (RANIERI, 2006, p. 02, grifos do autor).

13

Trabalho estranhado e propriedade privada. Manuscritos econômico-filosóficos, escrito por Marx entre

março e setembro de 1844, em Paris. In: ANTUNES (org.), 2004. Neste trabalho, de tradução de Jesus Ranieri, Antunes utiliza-se das mesmas traduções das palavras Entäusserung (alienação ou exteriorização) e Entfremdung (estranhamento) utilizadas por Ranieri (2006).

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No capitalismo não há trabalho que não seja estranhado, pois o estranhamento

acontece num processo anterior ao próprio trabalho. As relações de trabalho estão

estabelecidas antes mesmo de se instituir individualmente uma relação entre o trabalhador e

o capitalista. Essa relação estabelecida histórica e socialmente leva Ranieri a afirmar que o

estranhamento é um poder hostil, alheio ao trabalhador.

A diferenciação entre os dois conceitos, estranhamento e alienação, se faz

necessária para a compreensão das novas formas de organização do trabalho que

engendram a intensificação no trabalho produtivo. Segundo os dois autores, Antunes e

Ranieri, o trabalho estranhado proporciona novas formas de exploração do trabalho, a partir

da reestruturação produtiva ocorrida no final do século XX, principalmente na Europa e no

Japão. Entre essas novas formas, apresenta-se a intensificação do trabalho como elemento

de concentração e centralização do capital (Ranieri, 2006, p. 06).

O trabalho sob o modo de produção capitalista apresenta-se cada vez mais

complexo, a discussão quanto ao trabalho produtivo e improdutivo, trabalho material e

imaterial, feita por Marx14 nos primórdios do modo capitalista industrial de produção

diferencia o trabalho produtivo geral daquele realizado no sistema capitalista:

Só é produtivo aquele trabalho – e só é trabalhador produtivo aquele que emprega a força de trabalho – que diretamente produz mais-valia; portanto, só o trabalho que seja consumido diretamente no processo de produção com vistas à valorização do capital [...] é produtivo o trabalho que valoriza diretamente o capital, o que produz mais-valia, ou seja, que se realiza – sem equivalente para o operário, para seu executante – em mais-valia [...] (MARX, 1978 in: ANTUNES (org.), 2004, p. 155-156).

A análise marxiana do sistema produtivo capitalista pressupõe o trabalho

socialmente combinado, isto é, trabalho realizado por um conjunto de trabalhadores cujo

resultado será consumido como valor de troca, e não de uso. Por isso, mesmo que a função

do trabalhador não seja diretamente a produção de mercadorias, configura-se trabalho

produtivo quando este se realiza dentro de ambiente produtivo. Por sua vez, todo o trabalho

que não produz capital é trabalho improdutivo. Marx afirma:

[...] como as diversas capacidades de trabalho que cooperam e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato da formação de mercadorias, ou melhor, de produtos – este trabalha mais com as mãos, aquele mais com a cabeça, um como diretor (manager), engenheiro (engineer), ou técnico etc., [...] temos que mais funções da capacidade de trabalho se incluem no conceito imediato de trabalho produtivo, e seus agentes no conceito de trabalhadores produtivos, diretamente explorados pelo capital e subordinados em geral a seu processo de valorização e de produção (MARX, 1978 in: ANTUNES (org.), 2004, p. 157-158).

14

Trabalho produtivo e trabalho improdutivo. MARX, K. O Capital. Livro I, capítulo VI (inédito), p. 70-80, in Livraria Editora Ciências Humanas Ltda. São Paulo, 1978. In: ANTUNES (org.), 2004.

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36

Um exemplo citado por Marx ilustra essa proposição: o jardineiro que trabalha

nos jardins de uma fábrica realiza trabalho produtivo, uma vez que contribui coletivamente

para a valorização e produção de capital. O mesmo jardineiro, cuidando do jardim da casa

do proprietário da mesma indústria, realizará trabalho improdutivo. Apesar de ser o mesmo

tipo de trabalho, este não produz e nem acumula capital. Essa diferenciação se faz útil para

a compreensão do trabalho no modo capitalista de produção, o que não implica em

ajuizamento em relação à utilidade da análise de suas diferentes naturezas (BRAVERMAN,

1980 apud CARVALHO, 1989, p. 53). Nas palavras de Marx:

O mesmo trabalho, por exemplo, jardinagem, alfaiataria (gardening, tailoring) etc., pode ser realizado pelo mesmo trabalhador (workingman) a serviço de um capitalista industrial ou de um consumidor direto. Em ambos os casos estamos ante um assalariado ou diarista, mas trata-se, num caso, de trabalhador produtivo e, noutro, de improdutivo, porque no primeiro caso esse trabalhador produz capital e no outro caso não; porque, num caso, seu trabalho constitui um momento de autovalorização do capital; no outro caso não. (MARX, 2004 in: ANTUNES (org.), p. 165 e 166).

O trabalho no setor de serviços públicos encontra-se, então, na esfera de

trabalho improdutivo. Dentro dessa categoria localiza-se o trabalho do professor realizado

na escola pública15, por meio da educação oferecida como serviço pelo Estado. No entanto,

entende-se nesta pesquisa que o trabalho docente do setor público está sob as condições

capitalistas de produção, apesar desse tipo de trabalho não reproduzir capital.

1.2 Intensidade e intensificação do trabalho

Pretende-se, então, apreender de que forma o capital se articula nesse final de

século XX para sua reprodução e acumulação. A partir do entendimento do estranhamento

como elemento de exteriorização e coisificação do trabalhador, espera-se compreender

como a intensificação do trabalho integra esse processo. Em que medida as mudanças

tecnológicas e na organização do trabalho propiciam aumento do envolvimento do

trabalhador e maior produtividade de seu trabalho? Como ocorre a extensão do modelo do

trabalho produtivo típico da indústria para os outros setores da sociedade? A reestruturação

produtiva, ocorrida no final do século XX, influencia o trabalho do setor de serviços? Como

ocorre o estranhamento e a intensificação no trabalho no setor de serviços?

Neste estudo, busca-se captar a intensificação do trabalho docente nas diversas

exigências exteriores à sua vontade, porém, incluem-se também o envolvimento dos

15

O professor da escola particular, segundo Marx, “é contratado com outros para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário (entrepreneur) da instituição que trafica com o conhecimento”, portanto, é trabalhador produtivo (MARX, in: ANTUNES (org.), 2004, p. 165).

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37

professores, as relações sociais que estabelecem em função do trabalho e o dispêndio de

carga emocional na realização desse trabalho.

Inicialmente, faz-se necessário compreender o significado do termo intensidade

para se chegar à definição de intensificação. O conceito de intensidade utilizado por Dal

Rosso (2008, p. 23) como “o emprego das energias vitais do sujeito, em toda a dimensão

desta expressão, compreendendo as potencialidades físicas, emocionais e intelectuais,

conforme exigido para a realização de uma atividade, tarefa ou trabalho”. Ou, ainda:

É o esforço físico, intelectual ou emocional empregado para executar uma quantidade de trabalho em uma unidade de tempo [...] Refere-se ao grau de envolvimento humano investido e consequente gasto de energias do sujeito trabalhador na execução de uma atividade qualquer (DAL ROSSO in: CATTANI (org.), 2002, p. 327).

Dal Rosso (2008) diz que a intensidade é condição inerente do trabalho,

independente de seu tipo e do modo de produção a que esteja submetido. No entanto, no

capitalismo os resultados do trabalho foram sistematizados, tornando-se a forma mais

organizada de trabalho até então, apesar de a quantidade de intensidade empregada no

trabalho ter sido uma preocupação em todos os momentos históricos e modos de produção

anteriormente existentes.

Quando um projeto conceitual se atualiza na prática, os sujeitos que o realizam gastam um volume variável de suas energias físicas ou psíquicas. A ideia de que todo ato de trabalho envolve gastos de energia e, portanto, exige esforço do trabalhador, está na raiz da noção de intensidade. O trabalhador pode gastar mais ou pode gastar menos suas energias, conforme o agir seja mais ou menos exigente, mas sempre gasta alguma coisa. Intensidade tem a ver com o modo, com a maneira como é realizado o ato de trabalhar (DAL ROSSO, 2006, p. 68).

O movimento de variação da exigência social de intensidade no grau de esforço

humano para a realização do trabalho, assim como os movimentos sociais de resistência à

superexploração por parte dos trabalhadores, dependem de circunstâncias construídas

historicamente. Dentro dessa variação de intensidade podem-se encontrar movimentos de

intensificação do trabalho em maior ou menor grau.

Intensidade distingue-se de produtividade, assim como também se diferencia da

categoria envolvimento humano. Produtividade refere-se comumente aos resultados obtidos;

por sua vez intensidade faz menção ao objeto trabalho, enquanto envolvimento humano

relaciona-se exclusivamente ao sujeito trabalhador (DAL ROSSO, 2008, p. 22 e 23). Quando

se fala em envolvimento humano abarca-se, nesse termo, o sentido de esforço empregado

pelo trabalhador na realização de seu trabalho, e ao mesmo tempo exclui dessa

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38

terminologia a carga de trabalho que, segundo Dal Rosso, está relacionada somente ao

objeto de trabalho.

O termo produtividade, por sua vez, deve restringir-se a descrever os efeitos das mudanças tecnológicas sobre a elevação de resultados. Desta forma, é possível separar os conceitos de intensidade, que se refere ao esforço humano despendido, e de produtividade, que se aplica às mudanças técnicas agregadas ao trabalho na produção de mais resultados (OECD, 2002 apud DAL ROSSO, 2006, p. 70)

16.

Dal Rosso aponta dois autores que se utilizam do adjetivo total, agregado ao

termo carga de trabalho, para dar a noção de que “compreende todos os elementos

componentes do trabalho humano, seja no sentido fisiológico, mental, relacional ou

psíquico” (FERNEX, 2000 e MARC BARTOLI, 1980 apud DAL ROSSO, 2006, p. 70). Porém,

o autor atenta-se para a imprecisão da categoria para medir os aspectos emocionais do

trabalho. Essa é uma das dificuldades metodológicas colocadas por Dal Rosso para se

mensurar a intensificação em qualquer tipo de trabalho.

A intensidade do trabalho é, pois, mais que esforço físico, pois envolve todas as capacidades do trabalhador, sejam as capacidades de seu corpo, a acuidade de sua mente, a afetividade despendida, os saberes adquiridos através do tempo ou transmitidos pelo processo de socialização. Além do envolvimento pessoal, o trabalhador faz uso de relações estabelecidas com outros sujeitos trabalhadores sem as quais o trabalho se tornaria inviável. As relações de cooperação com o coletivo dos trabalhadores, a transmissão de conhecimentos entre si, que permite um aprendizado mútuo, as relações familiares, grupais e societais, que acompanham o trabalhador em seu dia-a-dia e que se refletem nos locais de trabalho, quer como problemas, quer como potencialidades construtivas, são levadas em conta na análise da intensificação do trabalho (DAL ROSSO, 2006, p. 68).

O aumento da intensidade do trabalho em uma relação heterônoma17, exterior à

vontade do indivíduo, resulta em intensificação do trabalho. A partir de metáforas criadas por

Marx para ilustrar a porosidade de “tempos mortos” durante a jornada de trabalho, Dal

Rosso mostra como esses espaços de não-trabalho podem ser preenchidos a depender da

organização do trabalho ou de tecnologia que densificam o trabalho sem aumentar

objetivamente a jornada do trabalhador. Marx exemplifica a porosidade do tempo de

trabalho, como se os tempos livres, de não-trabalho, fossem os espaços vazios de uma

esponja.

A tecnologia empregada com o intento de aumentar a produção altera,

concomitantemente, o próprio trabalho, que passa a ser reorganizado, reestruturado,

16

OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development). 2002. Measuring productivity: Measurement of aggregate and industry-level productivity growth. OECD Manual: Paris: OECD. 17

“A heteronomia se caracteriza, em geral, como relação abusiva entre as partes nas relações de trabalho, uma vez que o controle externo tende a restringir o espaço do outro. Se a autonomia significa relação de troca equilibrada entre as partes, a heteronomia, ao contrário, significa relação de desequilíbrio ou de abuso de uma parte em relação às outras. Em suma, autonomia e heteronomia podem ser apresentadas como faces da mesma moeda e, em função disso, estão em constante relação de forças” (LIMA, 2004, p. 105-106).

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39

readaptado, geralmente exigindo do trabalhador maior esforço e envolvimento. A evolução

tecnológica, à primeira vista, pode parecer intrinsecamente ligada à intensificação, porém

essa afinidade nem sempre é correlata.

O taylorismo talvez seja a prova mais direta desta tese. O estudo científico da organização do trabalho pode trazer resultados fantásticos para os empregadores, consequência do aumento de intensidade, que significa produzir mais no mesmo espaço de tempo e sob as mesmas condições tecnológicas (DAL ROSSO, 2008, p. 25).

Dal Rosso demonstra que há historicamente movimentos de ampliação e

redução da intensificação do trabalho do ponto de vista social, alternadamente, a depender

da correlação de forças na luta entre capital e trabalhadores, classe burguesa e classe

trabalhadora, num processo histórico em que ocorreram diferentes graus de intensificação

do trabalho coletivo.

Considerando [o fenômeno da intensidade do trabalho] sob a ótica coletiva, é plausível pensar em ondas de intensificação do trabalho, seguidas de períodos em que os trabalhadores conseguem estabelecer controles sobre as formas exacerbadas de exploração. Uma leitura integrada dos momentos históricos exponenciais em que a intensidade do trabalho é elevada até seu ápice possível, propicia uma visão evolutiva das práticas intensificadoras, bem como uma perspectiva de movimento na teoria da intensificação (DAL ROSSO, 2008, p. 26).

Dal Rosso faz sua análise do ponto de vista de movimento e processo, numa

perspectiva dialética, contraditória, evidenciando que em cada período de intensificação do

trabalho houve diferentes graus dessa intensificação, variando a forma, a qualidade e a

reação a esses movimentos de acordo com o contexto histórico. O autor busca em Marx18 o

resgate da metodologia dialética para compreender o fenômeno da intensificação do

trabalho.

A noção de movimentos permite supor que também possam organizar-se contra-movimentos, ou anti-movimentos, que são categorias mais adequadas para tratar de intensidade. Movimentos, ondas ou vagas tem origem e organizam-se em torno a processos que resultam em alteração da intensidade do trabalho ou que modifiquem os meios pelos quais a intensificação é obtida [...] Movimentos, ondas ou vagas de largo prazo atendem a um segundo requisito do argumento imagético, qual seja a unidade interna e as diferenças qualitativas entre os momentos (DAL ROSSO, 2008, p. 26).

Utilizando-se, então, dessa metodologia, Dal Rosso apresenta marcos em que

se podem identificar distintos movimentos de intensificação. A primeira onda de

intensificação ocorre durante a Revolução Industrial na Europa, mais especificamente na

Inglaterra, no século XVII e XVIII, quando foram exigidos maior esforço, maiores resultados

e maior envolvimento dos trabalhadores na produção. Foram introduzidas novas tecnologias

18

Marx, K. O Capital, apud DAL ROSSO (2008).

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40

e novas formas de organização do trabalho, todos esses aspectos atuando como elementos

de intensificação do trabalho.

A revolução Industrial representa a combinação de mudanças tecnológicas com exigência por maiores resultados do trabalho com base na socialização da mão de obra à forma capitalista de trabalho por obediência rígida a avanços modernos da divisão técnica, que representavam maior exploração da força de trabalho (DAL ROSSO, 2008, p. 27).

O trabalho, naquele período, caracterizou-se por três fatores principais:

exigência objetiva de mais horas de trabalho, solicitando muito esforço por parte do

trabalhador para realizá-lo e, ao mesmo tempo, o incremento de modernas tecnologias que

necessitavam de novas habilidades e novo ritmo de trabalho. Além disso, outro diferenciador

no processo de trabalho foi a nova divisão social que se configurou nos países centrais do

capitalismo.

A organização do trabalho empregada na Revolução Industrial entrou em

declínio e esgotou-se, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento tecnológico estagnou-

se, em razão da perda gradual de sua eficiência19. Criam-se, então, novas técnicas de

organização do trabalho e apropriação do seu produto.

Tal qual um furacão, a onda de intensificação da Revolução Industrial em algum momento perdeu força e momento. Os princípios fundadores da divisão técnica do trabalho não mais se mostraram eficazes. A tal ponto que já nos anos de 1890, Taylor criticava acerbamente os empresários por empregar formas obsoletas de trabalho e descuidar de elementos que poderiam fazer com que o trabalho rendesse muito mais. (DAL ROSSO, 2008, p. 27).

Surgido no início do século XX, o fordismo/taylorismo20 tinha a finalidade de

aumentar a produtividade sem, no entanto, empregar mudanças significativas na tecnologia.

Seria, então, a segunda onda de intensificação baseada na extrema separação entre

planejamento e execução do trabalho.

O taylorismo emprega veementemente o estudo científico do trabalho como meio

para reorganizá-lo, resultando em aumento da produtividade. Esse tipo de rearranjo baseou-

19

Dal Rosso sugere estudos sociológicos e historiográficos a fim de se pesquisar a razão da perda de eficácia dos princípios fundadores da divisão técnica do trabalho da Revolução Industrial. “Seria o trabalho da Revolução Industrial menos eficiente? Ou em algum momento as práticas intensificadoras da revolução industrial perderam fôlego ante a resistência dos trabalhadores?” (DAL ROSSO, 2008, p. 27). 20

Expressão fundida entre as duas formas hegemônicas de organização do trabalho no século XX. “Fordismo é um termo que se generalizou a partir da concepção de Gramsci, que o utiliza para caracterizar o sistema de produção e gestão empregado por Henry Ford em sua fábrica, a Ford Motor Co.”, distingue-se pela produção em massa, separação entre concepção e prática do trabalho, resultando em trabalho fragmentado, simplificado e repetitivo, demandando por isso pouco tempo de qualificação do trabalhador; fundamenta-se na linha de montagem e na esteira rolante que mantém o trabalhador parado e um fluxo contínuo da produção das peças (LARANGEIRA, S. M. G. in: CATTANI (org.), 2000, p. 123, 124). Taylorismo é um “sistema de organização do

trabalho, especialmente industrial, baseado na separação das funções de concepção e planejamento das funções de execução, na fragmentação e na especialização das tarefas, controle de tempos e movimentos de remuneração por desempenho” (CATTANI, 2000, p. 309).

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41

se na separação entre concepção e execução, prescindindo de inovação tecnológica. O

estudo científico da organização do trabalho tornou-se o meio mais eficaz de se conseguir a

intensificação do trabalho. A definição de fordismo para Enguita (1989) é:

a incorporação do sistema taylorista ao desenho da maquinaria mais a organização do fluxo contínuo do material sobre o qual se trabalha: simplificando, a linha de montagem [...] supõe a subordinação do trabalhador à máquina, a supressão de sua capacidade de decisão e, ao mesmo tempo, a diminuição drástica dos custos de supervisão [...] o trabalho alcança o grau máximo de submetimento ao controle da direção,

desqualificação e rotinização (ENGUITA, 1989, p. 17).

O objetivo do taylorismo, por sua vez:

[...] é converter a capacidade de trabalho assalariado, que o capitalista comprou, no máximo de trabalho efetivo, o que passa por arrebatar-lhe a capacidade de decidir a respeito [da organização de seu trabalho] [...] representa simplesmente uma tentativa de sistematização, codificação e regulação dos processos de trabalho individuais com vistas a maximização do lucro [...] (ENGUITA, 1989, p. 17).

Essa nova organização do trabalho condicionou o trabalhador a um novo

comportamento para além do trabalho. Na década de 1930, Gramsci (1968, p. 376) analisou

como o proibicionismo, nos EUA, contribuiu para a formação desse novo tipo de trabalhador

por meio da coerção moral. “Na América, a racionalização determinou a necessidade de

elaborar um novo tipo humano, conforme ao novo tipo de trabalho e produção” (GRAMSCI,

1968, p. 382).

Os novos métodos de trabalho estão indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida; não é possível obter êxito num campo sem obter resultados tangíveis no outro. Na América, a racionalização do trabalho e o proibicionismo estão indubitavelmente ligados: os inquéritos dos industriais sobre a vida íntima dos operários, os serviços de inspeção, criados por algumas empresas para controlar a “moralidade” dos operários são necessidades do novo método de trabalho (GRAMSCI, 1968, p. 396, grifo do autor).

Em relação à teoria de Taylor, Gramsci diz:

[Essa] exprime com cinismo brutal o objetivo da sociedade americana: desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e automáticas, romper o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador, e reduzir as operações produtivas apenas ao aspecto físico maquinal (GRAMSCI, 1968, p. 397).

Dentro da lógica do domínio moral e físico encontra-se, no fordismo, o controle

do uso de álcool consumido pelos trabalhadores, assim como a regulação e racionalização

da sexualidade da população trabalhadora. Esses ajustamentos são, para Gramsci,

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42

procedimentos do novo método de trabalho, ainda que travestidos de “puritanismo”

(GRAMSCI, 1968, p. 392).

Em meados do século XX, percebe-se um movimento de resistência por parte

dos trabalhadores em relação a essa intensificação; concomitante ao abalo nas relações de

trabalho, começam a surgir críticas a este modelo de organização. Do ponto de vista dos

capitalistas, essa organização passa a ser considerada dispendiosa, ineficiente, leniente

com as greves e as reivindicações dos trabalhadores, onerosa para as empresas, em suma,

um modelo fracassado. Foi no Japão que surgiu a mais dura crítica a esse modelo de

organização, com Taichi Ohno, o criador do sistema de produção chamado toyotismo (DAL

ROSSO, 2008, p. 28). Também conhecido como modelo japonês, o toyotismo, um conjunto

de técnicas e organização da produção e do trabalho industrial caracteriza-se principalmente

por produção vinculada à demanda, ao consumo; produção variada e heterogênea; trabalho

em equipe, multivariedade de funções; just in time, melhor aproveitamento do tempo (na

produção, no transporte, no controle de qualidade e no estoque); polivalência (um

trabalhador opera com várias máquinas); horizontalização (produção terceirizada de

elementos básicos) (ANTUNES, 2007, p. 34).

Assim, a década de 1980 foi considerada como inauguradora da terceira onda

de intensificação do trabalho. Os dois principais elementos utilizados para a intensificação

do trabalho são a polivalência e o uso de novas tecnologias.

A polivalência ocupa completamente o tempo de trabalho da pessoa, a imagem de trabalho poroso perde sentido, nem mesmo os chamados tempos mortos existem mais, todo momento constitui-se em instante de trabalho. As bordas entre horário de não-trabalho e trabalho efetivo mais que se tocam, coincidem. Portanto, a noção de polivalência amplia o grau de intensidade do trabalho a níveis muito mais elevados do que aqueles atingidos pela divisão entre concepção e execução. No sistema da polivalência não há lugar para repetição de movimentos, vários trabalhos são feitos simultaneamente. O engajamento do trabalhador é muito maior e o envolvimento de suas energias físicas, mentais e afetivas acontece ao máximo (DAL ROSSO, 2008, p. 28).

O trabalhador executa várias tarefas ao mesmo tempo, utilizando-se de

instrumentos e máquinas portadoras de novas tecnologias21, que também efetuam tarefas

múltiplas, diminuindo consideravelmente a quantidade de pessoas para a realização do

trabalho (DAL ROSSO, 2008, p. 28).

Chama-se intensificação do trabalho aos processos que resultam em maior dispêndio das capacidades físicas, cognitivas e emotivas do trabalhador

21

Automação de base microeletrônica, equipamentos que tem em comum o fato de se conectarem a um computador. Alguns autores consideram as inovações na gestão do trabalho e da produção como parte das novas tecnologias, entre elas os Círculos de Controle de Qualidade, Qualidade Total, Gestão Participativa. (HOLZMANN, L. in: CATTANI (org.), 2000, p. 224 e 225).

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43

com o objetivo de elevar quantitativamente ou melhorar qualitativamente os resultados. Em síntese, mais trabalho (DAL ROSSO, 2006, p. 70).

O estudo em questão circunscreve o serviço público, com ênfase no trabalho

docente realizado na escola pública, que se encontra num movimento de reestruturação em

que se evidenciam sinais de intensificação.

A compreensão do trabalho, em seu sentido ontológico, fornece alguns

pressupostos para a compreensão do trabalho específico do professor da rede pública,

ainda que este seja um trabalho situado no setor de serviços públicos oferecido pelo Estado.

Faz-se necessário o entendimento de como o trabalho docente pode apresentar diferentes

graus de intensidade e intensificação nas relações entre os sujeitos envolvidos.

1.3 A intensificação do trabalho docente

No capitalismo, as relações sociais e trabalhistas são cada vez mais complexas,

e nelas, as contradições sociais revelam os diversos conflitos políticos de classes, em razão

dessas relações transformarem-se gradualmente em relações de mercado. Segundo

Carvalho (1989, p. 54), a origem dos serviços de controle públicos oferecidos pelo Estado

advém das necessidades geradas por esses conflitos sociais.

Aquilo que poderia representar progresso histórico, no sentido de propiciar melhores condições de vida para todos, acaba por converter-se no seu contrário. Daí que a existência de escolas, ao invés de servir ao preenchimento das questões educacionais, assim como a existência de hospitais ao progresso da medicina e as prisões à prevenção ao crime, acabam, como afirma Braverman, por representar, fundamentalmente, a abertura do mercado apenas para os economicamente ativos (CARVALHO, 1989, p. 57).

Coitinho (2007) mostra em sua pesquisa o crescimento do setor de serviços e a

profunda relação que este tem com a precarização do trabalho, modalidade que tem

crescido na contratação de trabalho feminino, parte integrante do processo de

reestruturação produtiva. Para a definição do que venha a ser Setor de Serviços (ou setor

terciário), a pesquisadora optou, entre tantas outras acepções, pela demarcação utilizada

pelo IBGE, e separa o Comércio dos Serviços. Quanto a sua materialidade:

Os serviços são observados como criadores de produtos intangíveis e perecíveis (desde que são consumidos no ato da produção e não podem ser estocados). Contudo, em casos como o de uma peça de teatro, os

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44

efeitos do serviço podem ser desfrutados pelo consumidor por muito tempo após sua produção. (KON

22, 2004, p. 49 apud COITINHO, 2007, p. 122).

Quanto a sua eficiência:

As medidas de eficiência dos serviços são subjetivas, e o controle de qualidade envolve o consumidor e está embutido no processo de produção, pois na maioria das vezes o serviço não pode ser controlado e rejeitado pelo consumidor antes de ser efetuado (COITINHO, 2007, p. 122).

Os trabalhadores do setor de serviços compartilham das novas organizações do

trabalho que resultam em padronização e especialização, encontrados também no trabalho

industrial. No que se refere ao planejamento da produção, ocorre o contrário: na indústria

esse planejamento é exato, em razão da produção pela demanda, a necessidade ou não de

formação de estoques; nos serviços “a „incerteza‟ seria a principal característica”. Por sua

vez, no setor público essa incerteza faz com que se necessite manter capacidade de

atendimento de demandas extras inesperadas, o que implica no máximo de qualificação e

prontidão de mão de obra e o crescimento da burocracia (COITINHO, 2007, p. 125).

As funções governamentais têm papel relevante nessa perspectiva de controle

social por meio do setor de serviços; para isso, prescinde de trabalhadores para seu

funcionamento e organização. “A escola localiza-se entre esses serviços, assumindo um

papel ampliado na era do capitalismo monopolista” (CARVALHO, 1989, p. 60). Naquele

contexto específico do capitalismo, o Estado atuava nas brechas deixadas pelas empresas

privadas; no entanto, Carvalho admite sua grande relevância na orientação, financiamento,

avaliação, planejamento, na formação e qualificação dos trabalhadores, em subvenções, na

criação e geração de serviços onde a iniciativa privada não alcança ou não se interessa em

atender23.

Do ponto de vista dos trabalhadores, o processo de luta pela formação e

profissionalização do trabalhador o fez sujeito central nessa ação de humanização do

trabalho. Nesse sentido, o trabalho no setor público pode ser entendido como espaço

educativo, seus gestores como pedagogos e a formação e aperfeiçoamento no e do

trabalho, percebido principalmente como um direito do trabalhador, entre esses os

profissionais da educação escolar24 (ARROYO, 1997, p. 61 e 62).

Nas relações sociais, avançou-se na percepção dos trabalhadores como sujeitos

de direitos, demandando transformações nos espaços e instrumentos de trabalho que os

adaptam a essa nova função, ainda que as propostas do fordismo, taylorismo e toyotismo

22

KON, Anita. Economia de Serviços. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. 23

Carvalho cita a obra de LEROUX, J. V. O trabalhador social: prática, hábitos, ethos, formas de intervenção.

São Paulo: Cortez, 1986. 24

Emenda 53, altera Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, parágrafo V, substitui a nomenclatura Profissionais do Ensino por Profissionais da Educação Escolar.

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45

preconizaram que o trabalhador tem de se adaptar às tecnologias, à organização, ao tempo

e ritmo das máquinas.

Não se trata de uma diferença de termos apenas. Trata-se de uma inversão de valores. Não adianta qualificar o trabalhador para o trabalho desqualificador [...] que tarefas não podem ser enriquecidas, devendo ser eliminadas? [...] Há muitas tarefas tão repetitivas, inúteis e desgastantes que é impossível torná-las qualificadoras (ARROYO, 1997, p. 63).

Há que se transformar a cultura do trabalhador no setor público, inverter a

imagem que se tem de trabalhadores ociosos, e do trabalho sem criatividade e desumano.

Para Arroyo, a autonomia do trabalhador por meio do trabalho criativo é central para essa

modificação.

Na cultura do trabalho coletivo, aqueles que trabalham numa mesma repartição ou recorte constituem-se não como indivíduos isolados, mas como coletivo que pensa, decide e tem seu grau de autonomia. O chefe é aquele que se senta na roda para coordenar a construção e a decisão coletiva mais do que repartir tarefas individualizadas. Cria-se uma nova cultura (ARROYO, 1997, p. 64).

Essa nova cultura diferencia-se daquela que a empresa privada está propondo;

Arroyo refere-se a uma ética do trabalho não no sentido moralista, mas de respeito a

valores, concepções e representações do trabalhador como sujeito de direitos. A

materialidade das condições de trabalho constitui outro elemento significativo no trabalho

como processo educativo, humanizador. “Não adianta querer humanizar o trabalhador se o

espaço o desumaniza [...] Refiro-me ao espaço material, às condições materiais de trabalho,

até ao espaço humano, o clima de trabalho em termos de gente que se relaciona”

(ARROYO, 1997, p. 65).

Com esse raciocínio, pretende-se analisar de que maneira exige-se mais

trabalho dos servidores públicos do Estado e, entre esses, dos profissionais docentes da

rede pública. Como ocorre a intensificação do trabalho docente na educação básica

pública? Que práticas pedagógicas configuram a intensidade no cotidiano do professor?

Na escola pública, o trabalho docente realizado, principalmente, através de

relações interpessoais entre o professor e o aluno, entre o professor e a equipe gestora, o

professor e a comunidade escolar, caminha para o uso de novas tecnologias, mas é ainda

incipiente. Nesse caso, conjetura-se que a polivalência, entendida no trabalho docente como

a capacidade do professor para realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, seja o principal

instrumento utilizado pela gestão do trabalho pedagógico para se obter a intensificação do

trabalho docente nas primeiras séries do Ensino Fundamental.

Para Apple (1995, p. 39) a intensificação está dentro de um processo mais

recente de racionalização e controle praticados na escola ao longo de sua história como

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46

instituição. Segundo ele, esse esforço de controle dos fazeres da escola pelo Estado e pelos

interesses industriais não se interrompeu, ao contrário, sofisticou-se.

O autor mostra exemplos de outros tipos de trabalho intelectual, como o trabalho

de jornalistas e também de outros, como médicos, cujo processo de intensificação também

advém de “eventos pré-esquematizados, pré-formulados” (APPLE, 1995, p. 40).

Outrossim, a falta de profissionais constitui parte dessa reestruturação das

relações sociais que se torna mais visível na racionalização de recursos e diminuição das

vagas de trabalho que auxiliam o fazer docente. Por um lado, dependendo da região, pode-

se dizer que há falta de profissionais; por outro, não é a falta deles e sim a supressão de

vagas de trabalho e a transferência das tarefas para aqueles que ficam. Esse processo gera

aumento de trabalho, mantém-se o mesmo salário, sobrecarrega o trabalhador com horas

complementares e apresenta-se como outra causa de intensificação do trabalho docente: no

sentido de suprir a carência de profissionais especializados, o trabalhador se vê obrigado a

executar funções que não sejam de sua atribuição profissional.

O excesso crônico de trabalho tem também levado alguns trabalhadores/as não-manuais a aprender ou reaprender certas habilidades e capacidades [...] assim uma gama mais variada de tarefas, que costumava ser coberta por outras pessoas, deve agora ser executada, pelo fato de que essas outras pessoas simplesmente não estão mais na instituição (APPLE, 1995, p. 40).

A intensificação, segundo Apple, tende a desarticular os trabalhadores enquanto

categoria profissional, assim como na organização do trabalho de forma coletiva e

cooperativa. Para Lourencetti (2006), que estudou a intensificação do trabalho em

professores do ensino secundário25 e teve como base teórica os textos de Apple (1995), os

principais elementos de intensificação do trabalho docente são: imposição e sobrecarga de

atividades e tarefas; imposição de projetos impostos pela Secretaria de Educação; cobrança

e pressão por certos resultados26; mecanismo de controle do trabalhador (de forma

individual: aquele professor que faltar menos recebe bônus, e também, institucional: a

escola recebe verba se não apresentar retidos ou evadidos); baixo salário dos professores e

25

No artigo a autora refere-se ao atual Ensino Médio (LDBEN 9495/96) e as últimas quatro séries do Ensino Fundamental, como ensino secundário. LOURENCETTI, Gisela do Carmo. O processo de intensificação no trabalho docente dos professores secundários. Disponível em: http://www.anped.org.br Acesso em:

25/09/2007. 26

Algumas políticas condicionam a liberação de verbas aos resultados obtidos nas avaliações institucionais. Lourencetti refere-se especificamente ao SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – que se utiliza de questionário e provas aplicadas aos alunos. Disponível em: http://saresp.edunet.sp.gov.br. Segundo Torres Santomé (2003), o processo crescente de avaliação dos alunos e dos professores por parte do Estado também está relacionado com as medidas de descentralização e desregulamentação. “[essas medidas] são coincidentes com o aparecimento de um „Estado avaliador‟. Este não desapareceu, porém se tornou invisível, adotando funções mais ligadas à avaliação e à supervisão. Os controles finais se transformam no mecanismo que permite dissimular as prescrições implícitas” (p. 56).

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a perda do poder aquisitivo; falta de tempo que acarreta em deficiência de investimento em

qualificação e que implica em insuficiência de tempo para planejamento e organização do

trabalho pedagógico; e por último, a ausência de trabalho coletivo na escola como fator de

intensificação do trabalho dos professores secundários (LOURENCETTI, 2006, p. 09).

A autora afirma que os professores resistem de forma consciente, procurando

orientação e formação na busca de alternativas para esses problemas, ao mesmo tempo em

que sofrem as consequências da intensificação de seu trabalho, apresentando diversos

tipos de transtornos emocionais e de saúde e, contudo, seguem trabalhando.

As atribuições dos professores das primeiras séries do Ensino Fundamental

consistem em lidar com as várias particularidades de seus alunos, alguns chegam à escola

com múltiplas necessidades: de hábitos de higiene à falta de convivência em ambiente

social; com diferenças entre os níveis de aprendizagem; com necessidades educacionais

especiais. Além disso, o professor participa da gestão da escola em reuniões de conselhos,

articula-se com a comunidade, colabora com a direção nas diversas tarefas administrativas

e pedagógicas, como arrecadação financeira (rifas e eventos), em razão da autonomia da

escola para captar recursos financeiros alternativos a fim de suprir suas necessidades de

materiais pedagógicos.

Essas tarefas adicionais atribuídas aos profissionais para angariar fundos para a

escola são apontadas por Torres Santomé (2003, p. 43 e 44), e revelam a consequência de

uma política de descentralização. Esta enfraquece a autonomia da comunidade escolar no

que se refere ao currículo, ao mesmo tempo em que aumenta a responsabilidade da

comunidade na arrecadação financeira, articulando-se a um processo mais geral de

mercantilização do sistema educacional.

Na escola pública, desde a década de 1980, processos de descentralização e

centralização permeiam as políticas. Esses processos formatam os eixos de ação para a

mercantilização da educação27, com medidas para a homogeneização das ações com a

finalidade de ajustar-se às características típicas do neoliberalismo28. Os outros eixos

seriam: privatização, favorecimento e credenciamento da excelência competitiva e a

naturalização do indivíduo (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 39). As medidas de

descentralização, para Torres Santomé:

27

Torres Santomé (2003) analisa a política de descentralização na Espanha, no entanto, afirma que suas análises são válidas para outros países. 28

Diferencia-se da teoria do liberalismo clássico e constitui-se em uma “reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar social [e sua política correspondente nos EUA, o New Deal]. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayeck, escrito já em 1947”. Teoria contrária a qualquer

intervenção do Estado nas limitações da liberdade do mercado. Terá aceitação nos anos de 1970, como solução para a então crise econômica do petróleo (ANDERSON, 1995, p. 9-10, grifo do autor).

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48

Obedecem a duas dinâmicas opostas: por um lado, a luta, realizada por posições ideológicas progressistas, para conquistar um maior nível de democratização e envolver de forma mais direta a cidadania [...] por outro lado, com um aparecimento mais tardio, estão as políticas de forças neoliberais, que tentam enfraquecer o Estado por todos os meios possíveis, para que o mercado seja o principal mecanismo de regulação social existente (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 40).

Oliveira (2002) observa que as novas exigências dos sistemas de avaliação de

desempenho dos alunos afetam a qualidade de trabalho oferecida pelo professor. Para essa

autora, a intensificação pode advir de vários fatores, entre eles:

Sobrecarga trazida pelos novos processos de ensino e avaliação; forçando os professores a encontrar meios alternativos para responder as demandas crescentes [...] Tudo isso vem somar à condições extremamente extenuantes de trabalho em que o professor já era submetido, extrapolando muitas vezes ao que é prescrito como sua atividade (OLIVEIRA, 2002, p. 44).

De fato, se as instituições escolares situadas na sociedade capitalista modificam

e são modificadas constantemente, torna-se necessário, então, compreender as relações

sociais estabelecidas em seu interior, suas contradições e suas transformações em relações

de mercado. Os serviços públicos engendram conflitos sociais regulados pelo Estado, assim

como os serviços ligados à produção e circulação de mercadorias. Ambos possuem

algumas características comuns, principalmente o seu crescimento nas últimas décadas.

Essa revelação foi-nos útil para a compreensão de como a escola tem cumprido os papéis

de controle social e formadora de força de trabalho, principalmente para apreender como a

intensificação do trabalho acontece na escola, ao mesmo tempo diluída e naturalizada.

1.4 Trabalho Docente: mudanças e práticas intensificadoras

Ao adentrar o universo do trabalho em que a produção e o consumo se dão

simultaneamente, evidenciou-se a intensificação específica voltada aos processos

pedagógicos e seus invisíveis mecanismos que demandam mais energia, mais esforço

intelectual, mais elaboração cognitiva para a realização do trabalho docente nas instituições

escolares.

Quais as principais mudanças no processo de organização do trabalho docente

a partir das reformas de Estado brasileiro? Como a reestruturação produtiva e suas novas

tecnologias de gestão têm abarcado a escola? De que maneira exige-se mais trabalho dos

servidores públicos do Estado e, entre esses, dos profissionais docentes da rede pública?

Na análise específica sobre intensificação e ensino, Apple (1995, p. 39) trata

esse tema como uma das implicações do processo de sofisticação dos desenvolvimentos de

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49

racionalização e controle do trabalho dos professores. Processo ocorrido, certamente, com

diversos tipos de reação das professoras e professores. Para Apple, a intensificação do

ensino:

[...] representa uma das formas tangíveis pelas quais os privilégios de trabalho dos/as trabalhadores/as educacionais são degradados. Ela tem vários sintomas, do trivial ao mais complexo – desde não ter tempo sequer para ir ao banheiro, tomar uma xícara de café, até ter uma falta total de tempo para conservar-se em dia com sua área. Podemos ver a intensificação atuando mais visivelmente no trabalho mental, no sentimento crônico de excesso de trabalho, o qual tem aumentado ao longo do tempo (1995, p. 39).

Apple trata o trabalho docente sob a perspectiva da proletarização, levando-se

em conta a análise de classe social e gênero como intrínseca nesse ponto de vista. Para

Apple, o processo de proletarização se apresenta principalmente pelo artifício da gradual

perda de controle do trabalho do professor amparada pelas estruturas gerenciais a serviço

do Estado, principalmente em fases de crises econômicas, a fim de se obter uma maior

racionalização dos recursos administrativos. Esse processo implica na desqualificação dos

professores, sobretudo com a implantação de procedimentos de controles técnicos externos

e internos. Para essa análise, Apple situa o grupo dos professores e professoras entre duas

classes sociais da sociedade capitalista, a pequena burguesia e a classe operária, e, dessa

forma, os interesses dos professores oscilam simultaneamente nessas duas classes. Ao

considerar os professores entre duas classes sociais, Apple atenta para as questões de

gênero e raça que caracterizam esses profissionais. Propõe uma reflexão que abarque essa

dupla relação, “essas duas dinâmicas (junto com a de raça, naturalmente) não são

redutíveis uma à outra, mas se entrelaçam, se influenciam e codeterminam o terreno sobre

o qual cada uma delas atua” (APPLE, 1995, p. 34).

O artifício da multivariedade de funções imposto ao professor implica em uma

relação contraditória, ao mesmo tempo em que se exige do professor que trabalhe com

diferentes temas, métodos e perspectivas, ou seja, uma “diversificação de habilidades”29

impinge-lhe uma desqualificação intelectual por meio da dependência cada vez maior do

planejamento de experts30.

Apple vê como principal efeito da intensificação do trabalho a perda de qualidade

do serviço oferecido, pois “a intensificação tende a contradizer o interesse tradicional no

29

Os autores da sociologia do trabalho chamam a esse fenômeno de “multifuncionalismo” ou “polivalência”. 30

Um exemplo desse fato é o Projeto Ciência em Foco implementado no ano de 2008 na rede pública do Distrito Federal pela SE-DF e grupo Sangari Brasil, empresa privada multinacional especializada em educação (Disponível em: <http://www.sangari.com/>). O programa constitui-se de variados tipos de materiais para a realização de experiências em ciências naturais, além de livro didático para cada aluno e um exemplar especial com instruções programadas para a aplicação pelo professor. Não foi objeto de análise desse estudo por seus impactos serem ainda muito recentes e pelo fato do período ser muito distanciado daquele recortado nessa pesquisa. O valor destinado à Política Setorial para o Ensino de Ciências foi de R$ 38.840.977,38, fonte: GDF/SEDF. Relatório de Gestão: Acompanhamento Orçamentário-Financeiro, Brasília, 2007, p. 137. Disponível

em: <www.se.df.gov.br> Acesso em 25/09/2008.

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50

serviço bem feito, tanto em termos de um processo quanto de um produto de qualidade”

(APPLE, 1995, p. 40).

A dinamicidade e a velocidade com que se substitui um objeto por outro, ou um

trabalhador por outro no mundo do trabalho determinam, em grande parte, os objetivos e a

avaliação do produto da escola e, por conseguinte, o tipo de atribuições impostas ao

trabalho docente. Segundo Hypolito:

São as transformações do mundo do trabalho que têm determinado essa avaliação (do produto que a escola está formando) e as reformas do ensino cumprem exatamente essa função avaliativa e prospectiva (1991, p. 17).

Para Oliveira (2004) são as reformas de ensino as principais impulsionadoras

das mudanças ocorridas na profissão docente e na gestão do trabalho escolar que induzem

à flexibilização das relações de emprego e trabalho, e precarizam as condições de trabalho

disponibilizadas a esses profissionais, bem como geram os movimentos de resistência a

essas imposições.

É possível identificar nessas reformas no Brasil uma nova regulação das políticas educacionais. Muitos são os fatores que indicam isso, dentre eles é possível destacar: a centralidade atribuída à administração escolar nos programas de reforma, elegendo a escola como núcleo do planejamento e da gestão; o financiamento per capita, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), por meio da Lei n. 9.424/96; a regularidade e a ampliação dos exames nacionais de avaliação (SAEB, ENEM, ENC), bem como a avaliação institucional e os mecanismos de gestão escolares que insistem na participação da comunidade (OLIVEIRA, 2004, p. 1130).

Diz a autora que a sociologia e a economia têm se debruçado nos estudos sobre

as novas necessidades do perfil da força de trabalho, como as diferentes capacidades

cognitivas e informações exigidas pelo mundo do trabalho, e, no entanto, no contexto

escolar, pouco se sabe sobre essas demandas.

A constatação de que as mudanças mais recentes na organização escolar apontam para uma maior flexibilidade, tanto nas estruturas curriculares quanto nos processos de avaliação, corrobora a ideia de que estamos diante de novos padrões de organização também do trabalho escolar, exigentes de novo perfil de trabalhadores docentes [...] Os trabalhadores docentes vêem-se forçados a dominar novas práticas e novos saberes no exercício de suas funções [...] São muitas as novas exigências a que esses profissionais se vêem forçados a responder. Sendo apresentadas como novidade ou inovação, essas exigências são tomadas muitas vezes como algo natural e indispensável pelos trabalhadores (OLIVEIRA, 2004, p. 1139 e 1140).

Dentro dessa análise de mudanças na organização do trabalho docente, Basso

(1998) utiliza-se de alguns termos ao se referir ao trabalho docente, entre esses, atividade

de ensino e atividade docente.

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51

Essa autora diferencia o trabalho do professor e o trabalho fabril, principalmente

por aquele ser feito com autonomia, enquanto este é totalmente mecânico, aproximando-a

teoricamente dos autores críticos à tese da proletarização, quando enfatizam as

particularidades do trabalho docente mesmo sendo um trabalho realizado dentro da lógica

do sistema capitalista de produção. Para a autora, o fato do trabalho docente não produzir

diretamente mais-valia o distingue substancialmente do trabalho fabril. A autora defende que

o controle do trabalho do professor se dá pela falta de qualificação profissional, chamada

por ela de condições subjetivas, e não por falta de autonomia na execução de seu trabalho.

Nessa linha, afirma que o trabalho do professor possui um significado para além

dos valores mensuráveis, dentro da perspectiva histórico-cultural que caracteriza a atividade

humana de ação, no entanto, esse significado nem sempre está visível para o sujeito que o

realiza. Para que haja significado nas ações dos sujeitos, esses atos precisam abrigar a

finalidade de humanização. Assim, é através das relações das ações em conjunto, do

sentido de sua atividade, que se constroem significados, utopia, linguagem, ritos, culturas.

O significado é, então, a generalização e a fixação da prática social humana, sintetizado em instrumentos, objetos, técnicas, linguagem, relações sociais e outras formas de objetivações como arte e ciência [...] no caso dos professores, o significado de seu trabalho é formado pela finalidade da ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações realizadas conscientemente pelo professor (BASSO, 1998, p. 4)

A ruptura do significado das ações na atividade docente resulta em trabalho

estranhado, e essa separação entre significado e sentido das ações tem seu marco histórico

na divisão social do trabalho. O trabalho sob o jugo da dominação do capital passa a ter

apenas o sentido da sobrevivência, cinde com o significado de auto-criação do homem,

enquanto gênero humano.

Para a autora, o significado do trabalho do professor é mediar a aprendizagem,

e, para isso, trabalha com os aspectos emocionais, cognitivos e sociais do educando e os

instrumentos culturais necessários para aprendizagem, através da ampliação e da

sistematização que o estudante estabelece a partir dessa relação na compreensão da

realidade. Do mesmo modo acontece com o trabalho docente: se este não tiver significado

social e sentido pessoal, pode descaracterizar sua ação educativa. Portanto, conclui:

Os professores bem-sucedidos são aqueles que conseguem integrar significado e sentido [...] com uma formação adequada que inclui a compreensão do significado de seu trabalho e que, encontrando melhores condições objetivas ou lutando muito por elas, e, em alguns casos, contando com apoio institucional, concretizam uma prática pedagógica mais eficiente e menos alienante (BASSO, 1998, p. 6).

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52

Ao longo de sua trajetória e construção histórica como instituição social, a escola

pública relaciona-se com fenômenos e mutações da sociedade. O trabalho docente inserido

na lógica capitalista pode se tornar trabalho estranhado, alheio e oposto ao professor. Desse

modo, considerando o sujeito (professores) e suas ações neste processo, o texto seguinte

busca compreender de que forma as transformações no âmbito econômico e político

influenciaram a intensificação do trabalho docente no interior da escola.

Comecemos por tentar apreender de que forma as transformações no mundo do

trabalho produtivo se desenvolveram nas últimas décadas, 1980-2000, e como estas

repercutem na organização do trabalho pedagógico.

1.5 Especificidades do trabalho docente na sociedade capitalista

A finalidade desta seção é iniciar uma demonstração de como as relações do

setor produtivo alcançam a escola no que diz respeito à intensificação do trabalho do

professor, ainda que de forma particularizada e específica e apreender aquilo que lhe é

característico nas relações escolares, o trabalho docente entendido como parte constituinte

das relações gerais do mundo do trabalho.

Bruno (2005), ao tratar dessas relações de trabalho reorganizadas pelo capital

na contemporaneidade, sobretudo as novas estruturas de poder e a reestruturação

produtiva, faz uma relação dessa reestruturação com as novas formas de trabalho

desenvolvidas na escola.

Para a autora, esses elementos não são novos, desde os anos de 1960 inicia-se

uma reformulação no modo de produção, na organização do trabalho e nas formas de se

exercer o poder sobre os trabalhadores. A internacionalização foi uma característica da

natureza do sistema capitalista, desde a Segunda Guerra Mundial – 1939 a 1945 – em um

movimento impulsionado pelas multinacionais em expansão.

O termo internacional, por sua vez, era e continua a ser empregado para designar o inter-relacionamento entre várias nações [...] tanto o termo multinacional quanto o internacional pressupõem, portanto, a existência de nações e, pelo menos no plano formal dos princípios, a existência de soberanias políticas consubstanciadas no aparelho de Estado Nacional (BRUNO, 2005, p. 18).

A criação dos organismos internacionais aconteceu naquele cenário, tendo os

Estados nacionais poder de regulação das relações econômicas. Esse sistema de relação

entre os Estados-nações e o capital vigora até a década de 1970. A partir de então, o capital

em determinados aspectos prescinde dos Estados-nações, pois a concentração de capital

chegou ao ponto de as próprias empresas relacionarem-se entre si, diminuindo a

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53

intermediação dos Estados, situação propiciada pelo desenvolvimento das tecnologias de

informação que permitem comunicação instantânea e ininterrupta.

[...] o termo transnacional recobre uma situação inteiramente distinta das anteriores. Uma organização transnacional não inter-relaciona nações. Enquanto as organizações internacionais corporificam o princípio da nacionalidade, as organizações transnacionais o ignoram e o ultrapassam [...] é uma estrutura sistêmica, em que cada parte deve servir ao conjunto (BRUNO, 2005, p. 18-19).

Diante disso, o poder econômico concentra-se em graus cada vez mais altos:

Como os mecanismos de poder desta nova estrutura são relativamente invisíveis e as hierarquias perdem a forma piramidal e monocrática de antes, a aparência por ela assumida é de uma democracia participativa. A ideia de participação perpassa as novas formas de controle social tanto dentro quanto fora dos locais de trabalho (BRUNO, 2005, p. 27, grifo nosso).

As formas de manipulação e coerção são diferentes do anterior modelo de

organização do trabalho, tem-se a gestão chamada por Bruno (2005, p. 29) de dirigismo, por

meio de técnicas motivacionais, de cooperação e integração, prática que Antunes (2007)

denomina envolvimento cooptado. O controle continua sendo exercido, mas mudam suas

feições.

Esta (sujeição, no fordismo) era movida centralmente por uma lógica mais despótica; aquela (sujeição), a do toyotismo, é mais consensual, mais envolvente, mais participativa, em verdade mais manipulatória [...] O estranhamento próprio do toyotismo é aquele dado pelo “envolvimento cooptado”, que possibilita ao capital apropriar-se do saber e do fazer do trabalho (ANTUNES, 2007, p. 42, grifos do autor).

Uma nova cultura organizacional31 vem sendo produzida em substituição ao que

antes era a disciplina rígida exigida do trabalhador no modelo fordista/taylorista. Como essa

nova forma de organização do trabalho pedagógico, das novas tecnologias, engendra

práticas intensificadoras do trabalho docente?

Essas mudanças na escola pública são, então, no sentido de se adequar as

tendências gerais do capitalismo contemporâneo à organização do trabalho pedagógico com

ênfase no trabalho do professor.

O que está sendo pensado e implementado na rede pública são adequações às tendências gerais do capitalismo contemporâneo, com especial ênfase na reorganização das funções administrativas e de gestão da escola, assim como do processo de trabalho dos educadores, envolvidos

31

“Cultura organizacional significa um dado modo de vida, um sistema de crenças e valores, uma forma aceita de interação e de relacionamento característicos de determinada organização [...] O clima organizacional constitui o ambiente psicológico de uma dada organização” (BRUNO, 2005, p. 32-33). “Um conjunto de compreensões, interpretações ou perspectivas compartilhadas pelos indivíduos na esfera de uma empresa específica, representando uma complexa rede de princípios, valores, crenças e pressupostos, ritos e cerimônias, estórias e mitos, tabus e símbolos” (GARAY, A. in: CATTANI (org.), 2000, p. 63).

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54

com a formação das futuras gerações da classe trabalhadora, tendo em vista a redução de custos e de tempo [...] Trata-se também de potencializar a utilização dos meios físicos que integram o processo de trabalho dos educadores [...] de intensificar suas atividades, sem investir efetivamente em capacitação de professores. (BRUNO, 2005, p. 41-42, grifos nossos)

A precarização das relações de trabalho na sociedade capitalista

contemporânea acompanha um movimento de desregulamentação dos direitos trabalhistas

a partir dos anos de 1990, quando, no Brasil, os governos federal, estaduais e municipais

aderiram às reformas das políticas sociais do Estado com o objetivo de diminuir os custos e

responsabilidades sociais para efeito de uma melhor administração de uma crise de ordem

econômica. A esse fenômeno, alguns teóricos denominam neoliberalismo, quando se

instituíram as reformas educacionais com indícios das mudanças nas atribuições da

profissão docente e dos trabalhadores em geral.

A reestruturação capitalista analisada por Oliveira (2000) como determinante das

transformações ocorridas no mundo do trabalho enseja, também, na organização do

trabalho docente. Essas mudanças são sintomas de um novo estágio da organização do

capital, e sua complexificação indica a passagem dos parâmetros do nacional-

desenvolvimentismo para um movimento de globalização32 da economia. Nesse processo, e

como parte dele, a educação pública passou a ter uma importância substancial em razão

dos indicativos de desenvolvimento dos países serem medidos principalmente pelos índices

educacionais e científicos.

A reestruturação no setor produtivo33 passou a valorizar um modelo de

profissional multifuncional, contrapondo-se ao profissional especializado do modelo fordista-

taylorista. O funcionamento do mundo capitalista com crises cíclicas, lógica de acumulação

do lucro e expansão de capital implica, em alguma medida, no modo como as políticas

públicas foram conduzidas por meio dos ditames de organismos internacionais,

principalmente o Banco Mundial. Esse modo de reorganização do capitalismo contribuiu

para que as relações e as práticas pedagógicas reproduzissem nas escolas a forma de

organização do trabalho das empresas. Portanto, a forma vigente do trabalho docente

32

“O termo globalização tem sido utilizado em alusão a uma multiplicidade de fenômenos que, sobretudo a partir da década de 70, estariam configurando uma redefinição nas relações internacionais em diferentes áreas da vida social, como a economia, as finanças, a tecnologia, as comunicações, a cultura, a religião, etc.” (SCHERER, A. L. F. in CATTANI (org.), 2002, p. 147). 33

“Processo que compatibiliza mudanças institucionais e organizacionais nas relações de produção e de trabalho, bem como redefinições de papéis dos estados nacionais e das instituições financeiras, visando atender às necessidades de garantia de lucratividade”. São vários os fatores desencadeadores de instabilidade econômica, entre elas a crise do petróleo no início dos anos 70, com o aumento do preço dos barris no mercado internacional estabelecido pela OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) provoca uma recessão em escala mundial; a crise do modelo de acumulação fordista, em razão da agudização da luta de classes, cujo resultado foi o limite à extração de mais-valia por parte do capital, o que levou a diminuição da lucratividade das empresas (BAUMGARTEN, M. in CATTANI (org.), 2002, p. 268).

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55

abarca inúmeras atribuições, a partir de orientações exteriores, que ensejam um volume de

energia, concentração e ritmos desgastantes para os profissionais da educação.

O trabalho docente da rede pública, situado no setor de serviço público estatal,

localiza-se no âmbito do trabalho imaterial, visto que seu produto e consumo acontecem

simultaneamente; e improdutivo, pois o fruto de seu trabalho não acumula mais-valia

diretamente ao capital, mas acrescenta qualidade e produtividade à força de trabalho

(OLIVEIRA, 2000; SANTOS, 2004).

Sua especificidade é a mediação entre o educando e o conhecimento, além do

estreitamento das relações interpessoais com a comunidade escolar. Entretanto, pode

assumir formas estranhadas quando submetido às imposições na organização do trabalho

docente que precarizam e rotinizam seu processo, reduzem a autonomia nas decisões,

modificam as formas de contrato de trabalho (ENGUITA, 1991; HYPOLITO, 1991 e 1997;

OLIVEIRA, 2004).

1.6 Tendências Teóricas: profissionalização e proletarização

Nesta seção, o objetivo é analisar alguns estudos entre as tendências teóricas34

necessárias para a compreensão da intensificação do trabalho docente. Procurou-se nos

diferentes autores as definições comuns e, também, as divergências em seus significados

em relação à trajetória do trabalho e do trabalhador docente.

O sistema capitalista ao longo de sua história tem alterado algumas relações de

trabalho de acordo com seus interesses de perpetuação. O desenvolvimento do setor de

serviços expõe a necessidade de ajustamento do capital e a procedente transformação de

seus trabalhadores com decréscimos de salários e benefícios aproximando-os do operário

fabril.

Em seus estudos, Saviani (2005) faz uma reflexão sobre a escola pública e a

sociedade capitalista, considerando como base de sua ideia o trabalho como atividade

inerente à humanidade.

Diferentemente dos outros animais, que se adaptam à realidade natural tendo a sua existência garantida naturalmente, o homem necessita produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto é, transformá-la. E isto é feito pelo trabalho [...] o trabalho não é qualquer tipo de atividade, mas uma ação adequada a finalidades. É, pois, uma ação intencional (SAVIANI, 2005, p. 11).

34

Nesta pesquisa optou-se por analisar as tendências que estão mais consolidadas nos estudos em relação à identidade docente. Há alguns autores que trabalham na perspectiva da profissionalização docente, como Jáen (1991) e Nóvoa (1991). A visão do professor como intelectual tem sido uma postura mais recente entre outros autores, entre eles GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da

aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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56

Em relação à natureza da educação, Saviani desvela duas vertentes ao

relacioná-la com o trabalho, “a educação é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o

processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho” (BRUNO, 2005: p.

12).

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta ou intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para se atingir um objetivo (SAVIANI, 2005, p. 13).

Em suas reflexões e estudos, Paro (2001), a partir das conceituações de

Saviani, estende seu entendimento em relação ao trabalho docente, com ênfase na aula e

em todo o processo de trabalho na educação. O autor utiliza categorias análogas como

trabalho escolar e trabalho pedagógico, apesar de mencionar, por vezes, a expressão

trabalho produzido em aula. No entanto, refere-se a todo o trabalho realizado na escola

que visa fornecer ao educando as possibilidades para a sua apreensão dos conhecimentos

acumulados historicamente.

Da natureza, o homem retira os elementos para produzir os objetos e artefatos

de valor de uso necessários para sua sobrevivência. Para isso, utiliza-se de instrumentos de

trabalho, denominados também de meios de produção. A energia desprendida pelo homem

ao realizar o trabalho configura-se em força de trabalho; o trabalho é compreendido como

categoria humana, como processo de humanização e socialização, através do qual o

homem cria sua existência e constrói sua relação com os outros homens e com a natureza.

A „natureza mesma‟ da educação escolar como processo de trabalho cuja produção e consumo se dão ao mesmo tempo [...] a análise da natureza do processo pedagógico enquanto trabalho humano exige a consideração de um conceito mais abrangente de produto de tal processo [...] a aula consiste tão-somente na atividade que dá origem ao produto do ensino. Ela não é produto do trabalho, mas o próprio trabalho pedagógico (PARO, 2001, p. 31-32, grifo do autor).

Paro entende, então, que a natureza do trabalho na educação é especificamente

de trabalho não-material, em que ocorre ao mesmo tempo sua produção e consumo, por

isso o produto fica impedido de ser apropriado pelo capital. Paro e Saviani entendem que o

trabalho pedagógico é trabalho imaterial, pois não se produz um objeto, e sim, um serviço.

Para ambos, a aula é considerada, na sociedade capitalista, produto do processo de

educação escolar, por isso é transformada em objeto a ser oferecido no mercado, neste

mesmo mercado que estabelece um preço a ser pago ao professor do ensino privado.

Porém, a aula, um dos meios para se obter o produto do ensino, não é em si o produto. A

aula é o próprio trabalho pedagógico. Assim, a aula pode ser considerada produto, porém é

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57

também o próprio trabalho. O trabalho pedagógico também não se limita ao ato de aprender,

e, consequentemente o educando não é apenas consumidor, é também objeto de trabalho

sobre o qual se processa e se transforma o trabalho com a intensa participação ativa do

educando, na condição de co-produtor, ao contrário da produção material, cujo objeto

transforma-se passivamente.

Paro (2001) coloca que há uma percepção de que o capital subordinou o

trabalho pedagógico por meio do uso massivo das tecnologias de ensino. Para ele, essa

impressão continua a ser parcial, pois há apenas subordinação formal e não real do saber

pedagógico pelo capital. No trabalho produtivo, esse condicionamento se dá na própria

produção, já que é nela que ocorre e se materializa o saber-fazer. No caso do trabalho

pedagógico, por sua própria natureza de trabalho, onde a produção e o consumo se dão

simultaneamente, não há a apropriação de valor nesse processo; sendo assim, o trabalho

do professor localiza-se como trabalho improdutivo. Paro afirma que o saber no trabalho

pedagógico:

Opõe resistência à generalização do modo de produzir especificamente capitalista na escola, ou seja, que dificulta a radical “parcelarização” do trabalho docente com a consequente apropriação radical do saber do educador e a subordinação real do trabalho ao capital (PARO, 2001, p. 35, grifo do autor).

Entende-se nessa questão que a dificuldade de parcelarização não impede que o

capital, por meio da ideologia dos novos tipos de gestão, continue tentando impor a

fragmentação, a especialização; contraditoriamente e concomitantemente, impõe também a

ideologia da polivalência, do trabalho em equipe e do saber viver juntos35.

Hypolito situa-se entre os autores que vêem o trabalho docente da escola

pública como trabalho no setor de serviços, entretanto analisa outras perspectivas, entre

elas o ponto de vista que o considera como trabalho tipicamente capitalista e, também, a

visão oposta, que o define como um trabalho inteiramente diferenciado daquele realizado na

linha de produção. Se o funcionário do serviço público produz ou não um objeto, não é

relevante para se caracterizar se este trabalho é, ou não, trabalho produtivo (HYPOLITO,

1997, p. 80-81), pois a circulação de produtos no mercado, mesmo que não gere mais-valia,

gera lucros, e esses são parte da mais-valia apropriada originalmente na produção da

mercadoria.

Para esse autor, a educação não está isenta das determinações do modo de

produção capitalista, contudo, alerta para que não se caia na armadilha da interpretação

determinista e economicista no fenômeno educativo. A realidade é contraditória, há diversas

35

DELORS et al. (1998).

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58

formas de resistências por parte dos profissionais da escola, o professor luta para assegurar

sua autonomia ao mesmo tempo em que busca superar a fragmentação de seu trabalho.

O processo de trabalho fabril se apresenta num grau muito maior de dominação e a análise do processo de trabalho escolar não pode ser feita com o emprego absoluto das mesmas categorias. É preciso encontrar a particularidade e não a especificidade do desenvolvimento do processo de trabalho na escola (HYPOLITO, 1991, p. 11, grifos nossos).

À procura dessa particularidade, o autor incita a reflexão sobre a base material

das relações de poder travadas no interior da escola, e sugere que o olhar sobre o

desenvolvimento e transformação que a organização do trabalho na escola sofre ao longo

da história pode contribuir para esse debate.

A interpretação do autor sinaliza que o trabalhador em educação passou de um

profissional de prestígio, autônomo, possuidor de um saber, controlador de seu trabalho,

para um trabalhador assalariado, com pouca qualificação, decorrente de um processo de

urbanização/industrialização e massificação da escolarização.

Hypolito (1997) encontra em alguns autores36 o que ele chama de tese da

proletarização, e considera relevante a contribuição que estes deram aos estudos sobre o

trabalho docente no sentido de se romper com a identificação da profissão de professor

como sacerdócio, identidade nutrida desde os tempos do Brasil colônia, com os padres

jesuítas.

Por outro lado, o autor pondera que as mesmas categorias da fábrica não devem

ser utilizadas e transplantadas para a escola sob o risco de a crítica se tornar mecanicista e

reprodutivista. Ele considera que os professores, assim como os trabalhadores da linha de

produção, são sujeitos históricos e, por isso, não aceitam passivamente as imposições dos

sistemas de ensino, dos materiais didáticos, das novas tecnologias, dos alardes da gestão

da Qualidade Total37, ainda que essas resistências possam se expressar como oposições

individuais dos professores. Para os autores que defendem a tese da proletarização:

36

Na produção teórica brasileira cita ARROYO, Miguel (1980). Operários e Educadores se Identificam: que rumos tomará a educação brasileira? Educação e Sociedade. n. 5, São Paulo, Cortez/CEDES, jan., p. 5-23; SÁ,

Nicanor Palhares (1986). O aprofundamento das relações de produção capitalista no interior da escola. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 57, mai. p. 20-29; e estrangeiros como Apple (1995) [a edição citada pelo

autor é de 1989] e OZGA, Jenny e LAWN, Martin (1991). O trabalho docente: interpretando o processo de trabalho do ensino. Teoria & Educação. n. 4, Porto Alegre, p. 140-158.

37

Programa de Qualidade Total – apresenta-se como uma revolução na administração, surge com o objetivo de tornar a economia norte-americana mais competitiva, produtiva e lucrativa. Trata-se de uma nova abordagem que objetiva a economia de recursos, entre eles e principalmente, na melhor utilização das potencialidades dos recursos humanos. Os princípios da TQC (Total Quality Control) originaram-se no Japão, nos anos 50, em face aos programas de recuperação industrial do país. Associado aos modos pós-fordistas de organização do trabalho, baseia-se em: incorporação de qualidade do produto durante o processo, divisão de responsabilização entre todos os empregados na participação e tomada de decisão, entre outros. Possui forte conteúdo ideológico, exigindo-se uma nova ética de trabalho, por meio de uma nova linguagem em favor de uma mudança cultural na empresa estendida a toda a sociedade. O parâmetro de qualidade, aqui, é definido pela expectativa do cliente (LARANGEIRA, S. M. G. in CATTANI (org.), 2002, p. 249-256).

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59

Quanto maior o grau de racionalização do trabalho escolar e mais complexas as formas de organização e administração escolar, maior será o controle do trabalho docente [...] Quanto maior o grau de racionalização do trabalho, quanto mais elevado o nível de determinação externa sobre o trabalho, maior sua intensificação, reduzindo-se o tempo dedicado para pensar, programar e planejar (HYPOLITO, 1997, p. 86-87, grifo do autor).

Sob esse ponto de vista, o trabalho docente se configura em um tipo de trabalho

que, ao longo de sua trajetória histórica, desenvolveu-se como trabalho tipicamente

capitalista. Na perspectiva da proletarização docente, a divisão no processo de trabalho

tornou-se determinante de sua caracterização, ou seja, sua intensificação e proletarização

deram-se através do controle dos objetivos, dos meios e do processo do fazer pedagógico.

Para os adeptos dessa teoria, reduziu-se a autonomia do trabalho docente e o professorado

procura construir a sua identidade em meio a esse contexto de desqualificação de sua

categoria (HYPOLITO, 1997, p. 86-87).

Apple (1995) entende que os movimentos de resistência dos trabalhadores da

educação devem ser analisados principalmente sob a ótica do papel do Estado em favor do

capital e das contradições de interesse dentro deste. “É inapropriado ver o Estado como

uma entidade homogênea, situada acima dos conflitos do dia-a-dia” (APPLE, 1995, p. 37).

Os sujeitos envolvidos no trabalho escolar não são “seguidores passivos das políticas

estabelecidas a partir de cima” (APPLE, 1995). Ao contrário, diz que em muitas situações, o

aparato do Estado tem que se adaptar aos interesses desses servidores, pois os

professores construíram uma organização própria de trabalho ao longo dos tempos, e essa

organização não se desfaz totalmente com uma orientação de um órgão de Estado.

Apesar dessa resistência e das contradições advindas destas, Apple afirma que

os efeitos desses desmandos administrativos são consideráveis, pois “a situação é

realmente bastante similar à dos efeitos do uso de estratégias de gerência taylorística na

indústria”. No caso das indústrias, esses efeitos foram importantes não nos resultados

objetivos ao implantar um sistema de técnicas de separação entre o pensar e o fazer, mas

no sentido de:

Legitimar uma ideologia particular de controle e gerência tanto para o público quanto para empregadores/as e trabalhadores/as [...] causou a aceitação de um corpo mais amplo de práticas ideológicas de desqualificação dos/as trabalhadores/as ao longo de toda a escala de posições e de racionalização e intensificação de seu trabalho (APPLE, 1995, p. 38, grifo nosso).

Assim como Apple, para Hypolito a questão de gênero tornou-se elemento

fundamental para se compreender o debate em torno do trabalho docente. A contribuição de

Hypolito (1997) destaca o fenômeno da feminização da profissão docente como elemento

essencial para sua análise. O trabalho feminino está relacionado ao rebaixamento salarial

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pelo qual passou a carreira docente. Considerado uma extensão do trabalho doméstico, tem

seu status social também inferiorizado; apontado como trabalho temporário, sua

remuneração passou a ter valor de renda extra, além das relações de domínio das mulheres

na sociedade patriarcal tornarem possível esse quadro de opressão e exploração, ainda

que, com movimentos de resistências por parte destas. Hypolito enfoca os estudos que

tratam da ambiguidade no decorrer do processo desse fenômeno, onde coexistem a

acomodação e a rebeldia.

O magistério primário tornou-se uma profissão feminina principalmente a partir

do século XIX. Trata-se de um processo que está relacionado com as transformações

econômicas, políticas, sociais e culturais, junto à consolidação do capitalismo a partir da

revolução industrial e o concomitante processo de urbanização. Nesse contexto, ocorreu a

expansão da rede escolar do ensino básico.

Pode-se dizer que se consolidou nesse período um novo tipo de sociedade, cada vez mais internacionalizada, que impôs, dentre outras coisas, um sistema escolar para atender às demandas do novo modelo econômico-social (HYPOLITO, 1997, p. 48).

O autor assinala que essas transformações ocorreram de forma singular nos

diferentes países, variando seu ritmo, amplitude e alcance.

O processo de desenvolvimento econômico decorrente do aumento das áreas de

comércio e serviços e a complexificação do aparato do Estado provocou uma ampliação das

camadas médias como comerciantes, funcionários públicos, militares, profissionais liberais,

originando demandas por um sistema escolar. Também no mundo do trabalho, ainda que

incipiente, era necessário um mínimo de conhecimentos formais básicos de leitura e escrita

para se operar as novas máquinas das indústrias.

Hypolito analisa a relação existente entre o processo de industrialização e o

aumento substancial das mulheres na profissão docente e afirma que “esse fenômeno (a

feminização do magistério) foi, praticamente, generalizado nos países de cultura ocidental”

(1997, p. 51), configurando-se em uma tendência histórica geral.

As mulheres construíram a possibilidade de entrar no mercado de trabalho

através da profissão docente, não ingressaram nele como concessão ou por oportunidade.

Esse movimento foi contraditório, como todos os outros na história das lutas de grupos

sociais oprimidos. Para as mulheres, era uma possibilidade de participar da vida pública,

romper com uma vida reclusa e privada e conciliar outras funções culturalmente designadas

a elas, como mãe, dona-de-casa, esposa. A profissão docente começa a ser entendida e

defendida como “natural” para as habilidades consideradas inerentes ao sexo feminino,

como docilidade, submissão, sensibilidade, paciência, características legitimadas pelo poder

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político e religioso. Paz (2008), analisando as relações de gênero na educação infantil

constata esse processo de “naturalização” da profissão docente para as mulheres e afirma:

A concepção predominante, no campo político e religioso sobre o magistério, era uma profissão naturalmente feminina, o discurso e a prática oficiais reforçavam que cuidar de crianças e ensiná-las era uma tarefa feminina, uma vocação, uma missão, sem interesse material. A função de educar estava diretamente ligada à maternidade, o que facilitava a aprovação da sociedade sobre este trabalho da mulher fora do lar (PAZ, 2008, p. 27).

A autora afirma que as mulheres urbanas das classes mais favorecidas

aproveitaram a aprovação da sociedade à profissão docente e ingressaram de forma

crescente nas escolas normais, passando à quase totalidade de matrículas nesses cursos,

contribuindo de forma substancial para o aumento da escolarização feminina. Sobre a

organização dessas escolas, Paz comenta:

As escolas normais tornaram-se quase que exclusivamente femininas. Essas instituições tinham suas diferenças e reconhecimento social. Poderiam ser públicas, particulares, religiosas, de acordo com seu público, de origens sociais diversas, mas tinham em comum a organização, controle de tempos e de espaços no seu interior, vigilância e interdição de condutas, além de uma forte hierarquia, regulamentos rígidos e obediência às ordens (PAZ, 2008, p. 28).

Concomitante a isso, os homens foram empurrados para outras profissões e

para outro lugar social, os baixos salários não os atraíam, assim como o relativo grau de

formação necessária, ou mesmo pela resistência à perda de autonomia sofrida pela função.

Uma das facetas dessa mudança foi o movimento de transferência dos homens aos cargos

de direção e funções técnicas, enquanto as mulheres permaneciam em sala de aula, mesmo

após vários anos de trabalho.

Os professores ficavam pouco tempo no trabalho de sala de aula, sendo promovidos a diretores ou cargos técnicos no sistema de ensino; as professoras, em geral, ficavam quase que todo o tempo de exercício profissional no trabalho decente de sala de aula (HYPOLITO, 1997, p. 62).

Para Apple (1995), o processo de controle e a racionalização do trabalho

docente estão relacionados às divisões de gênero e classe e que esse viés não é levado em

consideração pela maioria dos estudos na área de trabalho que até então se preocupou em

estudar a história do trabalho masculino. Para o autor, o trabalho remunerado feminino

apresenta dois tipos de divisão, vertical e horizontal. As mulheres enfrentam inadequadas

condições de trabalho quando competem diretamente com os homens em uma mesma

profissão, o que Apple chama de divisão vertical do trabalho. Além disso, há também as

profissões que são tipicamente exercidas por mulheres por lhes serem mais “adequadas”.

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Nessas profissões, os salários são baixos, muitas vezes de um turno, pois cabe às mulheres

a responsabilidade e execução do trabalho doméstico38.

Apple, a partir de uma visão dialética da história do trabalho, afirma que os

empregos femininos passaram por um processo de proletarização muito maior de que os

masculinos, ao mesmo tempo em que aumentaram os empregos que demandam mais

controle e são submetidos à autonomia limitada.

Numa outra tendência teórica, localizam-se os autores que preconizam a

profissionalização docente. O processo de construção da identidade do trabalhador docente

com ênfase na profissionalização encontra-se explicitado nos estudos de Jáen (1991), que

defende o trabalho do professor como profissão autônoma, diferenciada do operário do setor

produtivo. Sua análise aproxima-se dos estudos de Paro (2001) na crítica à teoria da

proletarização docente. Na visão da autora há dois tipos de proletarização nesse processo:

Há formas distintas de controle vinculadas especificamente aos tipos de decisões controladas pela administração [...] “ideológica e “técnica” – A “proletarização técnica” define-se em relação ao controle dos modos de execução do trabalho [...] – A “proletarização ideológica” vincula-se ao controle sobre os fins do trabalho [...] (JÁEN, 1991, p. 77, grifos da autora).

Em outras palavras, a autora afirma que a proletarização ideológica se refere ao

controle sobre os objetivos do trabalho, cujo processo afeta os docentes; e há a

proletarização técnica referente ao controle dos modos de execução do trabalho. Neste

último caso, a autora acredita que há formas de resistências ou artifícios, às vezes

inconscientes, por parte dos docentes.

Para Jáen, essas diversas formas de resistência dos professores são vistas

pelos defensores da teoria da proletarização como elementos que os aproximam ainda mais

dos operários fabris. A organização e filiação em sindicatos seria um desses elementos.

Jáen também vê de forma atípica o incremento das novas tecnologias e o procedimento de

especialização no meio educacional. Para ela, há muito mais ganhos que perdas nesse

processo do ponto de vista da qualificação dos professores, ao se introduzir o uso de

computadores nas escolas e ao se exigir novos conhecimentos para que os educadores

exerçam funções especializadas.

As especializações que se tem criado no ensino surgiram na raiz da criação de novos campos do conhecimento, da „qualificação‟ de aspectos do trabalho docente que anteriormente não requeriam habilidades específicas, ou pelo menos, não estavam sujeitas a um processo de formação (JÁEN, 1991, p. 80, grifo da autora).

38

Apple analisa a realidade dos EUA e da Inglaterra, mas destaca que essas questões não se limitam a esses dois países; nesses casos as mulheres têm ocupado profissões como trabalho em escritórios, serviços, saúde, “super representadas nas posições menos qualificadas, de menos status, ou de mais baixa remuneração [...]

[mantendo] correspondência entre os tipos de ocupação em que as mulheres tendem a se concentrar e a divisão de trabalho na família (APPLE, 1995, p. 54).

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Em relação ao uso das novas tecnologias:

Ainda que a informatização possa implicar em desqualificação docente, há que se ter em conta que, no momento, afeta somente um número limitado de educadores e, sobretudo, sua utilização tem tido sempre um caráter complementar no que se refere às outras tarefas desempenhadas pelos docentes (JÁEN, 1991, p. 81).

A autonomia do planejamento do trabalho, o principal elemento diferenciador do

trabalho do professor em relação ao trabalho fabril, segundo Jáen, ainda está presente na

prática docente. Para ela, não se pode comparar a proletarização técnica dos professores à

dos operários, estes não tem sequer o controle do ritmo de seu próprio corpo. O trabalho

docente, realizado por relações entre seres humanos, torna infinito o rol de possibilidades de

encaminhamento do trabalho; o professor obrigatoriamente não tem controle de todos os

meios de seu fazer, então, o controle externo torna-se ainda mais intricado.

O fato de a racionalização educativa não responder aos mesmos fins que a produção, por serem os “administradores do Estado” (e não o capital, ao menos tão diretamente como na produção) os agentes que promovem este processo, e o fato de estar a educação imersa na produção/transmissão ideológica e cultural a nível social, fazem deste um processo muito mais vulnerável que o que se desenvolveu na produção (JÁEN, 1991, p. 83, grifo da autora).

Outra crítica de Jaén à teoria da proletarização refere-se ao valor que esta dá ao

fato de os professores identificarem-se com o operariado e resistirem ao controle de seu

trabalho. Ora, a natureza dessa oposição ao domínio, questiona Jáen, não é

necessariamente progressista. Afrontar o controle do trabalho docente pode expressar-se de

diferentes formas, podem ser inconscientes, de caráter coorporativo, alienadas ou até

mesmo reacionárias, quando se reivindica a volta da educação nos moldes do passado.

Oliveira (2004), assim como Apple (1991), rejeita a ideologia da

profissionalização docente como alternativa para a valorização dos trabalhadores da

educação. Oliveira entende que o modelo funcionalista dominou essa análise,

compreendendo que a profissionalização caracteriza-se por um sistema de mandarinato,

quando há autonomia para organizar suas atividades, mas ao mesmo tempo, o profissional

detém domínios e privilégios especiais que são utilizados em proveito próprio, em uma

prática de corporativismo, quando a coletividade passa a ser excluída de seus princípios e

finalidades.

Assim, a autonomia e o controle sobre recrutamento, formação, títulos e monopólios seriam prerrogativas de poder extensivas às profissões estabelecidas [...] A possibilidade de o conhecimento ser manipulado e modificado „a fim de melhor servir às necessidades dos membros da profissão, como meio de defesa, exclusividade e autoperpetuação em face de ameaças de inovação e racionalização de tarefas e ocupação e também como instrumento nas lutas entre grupos ocupacionais disputando a mesma área‟ (OLIVEIRA, 2004, p. 1137).

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Para Apple, a ideologia da profissionalização é elemento fundamental na

intensificação do trabalho docente. Parte constituinte do processo de racionalização e

controle imposto pelo Estado e aceito/resistido pelos professores, a ideologia da

profissionalização apresenta-se como uma forma mais sofisticada para aumentar o trabalho

dos professores ao mesmo tempo em que restringe sua autonomia na concepção do

mesmo. Há uma contradição na exigência de que o trabalho docente opere por meio de

várias habilidades, ao mesmo tempo em que se transfere aos “experts” a concepção de

programas de ensino a serem executados pelos professores, ou quando os professores são

obrigados a preencher formulários avaliativos de seus alunos de acordo com objetivos39

alheios aos estabelecidos pelos próprios professores.

[...] “acabar a tarefa” tornou-se a norma. Existe tanta coisa a fazer que simplesmente cumprir o que é especificado exige quase todos os esforços da pessoa. Como disse uma professora: “Eu só quero terminar isso. Eu não tenho tempo para ser criativa ou imaginativa”. [...] O processo de controle, a tecnização e intensificação crescente do ato docente, a proletarização de seu trabalho, tudo isto era uma presença ausente, sendo erroneamente identificado como um símbolo de seu crescente profissionalismo (APPLE, 1995, p. 41-42, grifos do autor).

A partir da compreensão do trabalho específico do professor da rede pública

como trabalho situado no setor de serviços, dentro das relações gerais de trabalho da

sociedade capitalista de produção, constataram-se alguns elementos de estranhamento e

alienação intrínsecos a esse tipo de trabalho, assim como processos de intensificação do

trabalho docente. Para isso, foi necessário compreender a história particular do trabalho

docente, sua trajetória e o processo de constituição de sua identidade. A intensificação do

trabalho dos professores da rede pública dá-se por motivos diferentes daqueles do trabalho

na indústria, pois ocorre na esfera da superestrutura, por ser trabalho imaterial, por não

produzir mais-valia. No entanto, a reestruturação produtiva estende sua forma de

organização por meio das ideologias propagadas pelas novas formas de gerenciamento e

controle do trabalho, ainda que seja um tipo de trabalho singular como o trabalho docente;

situado no setor de serviços públicos, convivem visíveis e invisíveis maneiras de intensificar

o fazer pedagógico na escola pública.

39

Anexo 01 – Roteiro para preenchimento do diário de classe – Diagnóstico da turma.

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CAPÍTULO 2 TRABALHO DOCENTE NAS SÉRIES INICIAIS NO

DISTRITO FEDERAL

Este capítulo tem como prioridade a compreensão da constituição da educação

no Distrito Federal, tendo em vista suas particularidades sociais, políticas e históricas,

considerando as orientações das políticas educacionais locais e nacionais entre 1999 e

2003. A primeira parte contextualiza o sistema de ensino instituído no Distrito Federal,

passando-se pelo ideário da construção da nova capital e pela trajetória profissional dos

professores no início da implementação desse sistema. Procura-se compreender de que

forma o movimento profissional dos professores do Distrito Federal, em particular, se

assemelha aos caminhos percorridos pelos professores no país em geral. Busca-se nas

medidas legais evidenciar indícios de intensificação nas atribuições dos trabalhadores

docentes, como a contratação temporária de professores para a rede pública e o banco de

professores substitutos.

Na segunda parte, a investigação leva ao desvelamento de como a participação

e as novas atribuições dos professores das séries iniciais do ensino fundamental na rede

pública do Distrito Federal foram sistematizadas nas diferentes políticas públicas, de âmbito

nacional e local, e como contribuíram para a efetivação de trabalho pedagógico

intensificado.

As condições de trabalho dos professores são analisadas como parte do

processo de precarização do trabalho docente e confrontadas com a compreensão das

professoras em relação a essas condições. A política de inclusão e o envolvimento

emocional por parte das professoras em relação às crianças apareceu como parte do

processo de intensificação em razão das políticas sociais serem insuficientes para aplainar

as pendências dessa natureza.

Como as mudanças políticas no trabalho docente no ambiente escolar no Distrito

Federal desencadearam a intensificação no trabalho do professor na escola pública,

considerando as inovações tecnológicas e as novas atribuições instituídas entre os anos de

1999 a 2003? Para isso, são consideradas a legislação e orientações das políticas local da

Secretaria de Estado da Educação, entre 1999 e 2003, assim como os relatos das

professoras com mais de dez anos de trabalho na rede pública do Distrito Federal, inseridas

no contexto nacional de políticas de redução de direitos sociais, num movimento de

afastamento do Estado no financiamento da Educação Pública.

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2.1 Educação Básica Pública no Distrito Federal: o trabalho docente

No Brasil dos anos de 1950 vivia-se um clima de otimismo e esperança

representado pela posse do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, que se tornou um

líder dinâmico, empreendedor e otimista. O Plano de Metas, que incluiu 4,3% dos

investimentos em educação, aumentou o PIB brasileiro, em média, 7% ao ano entre 1957 e

1961 (BUENO, 1997, p. 245).

Falava-se cada vez mais em libertação nacional e ela se ligava diretamente a slogans ultra-otimistas, do tipo “50 anos em 5”, “transformações estruturais”, “reformas de base”. O nacional-desenvolvimentismo parecia ser o caminho do meio entre o nacionalismo e entreguismo, entre economia estatizada e liberalismo. O latifúndio recuava e a reforma agrária se punha em movimento. Árvores caíam e carros roncavam – e isso era visto como símbolo inequívoco de progresso (BUENO, 1997, p. 241 e 243, grifos do autor).

Nesse contexto, a construção de uma nova capital vinha ao encontro das

demandas advindas do desenvolvimento e modernização que rondavam a América do Sul

na era do pós II Guerra Mundial. Contraditória em seu ideário, em seu projeto e em sua

execução, Brasília resultou em problemas e também em espaço de grandes perspectivas.

Acarretou para o país enorme dívida externa para que fosse construída; ao mesmo tempo,

levou milhares de pessoas a sonhar com o desenvolvimento e progresso no centro do

Brasil. A construção de Brasília integrou as metas do Programa de Metas do presidente

Juscelino Kubitschek, divididas em seis áreas: energia, transportes, alimentação, indústria

de base, educação, e a própria construção de Brasília. Com esta última, pretendia-se

alcançar todas as outras.

De um lado, setores da burguesia industrial foram contemplados com

investimentos em desenvolvimento; de outro, os militares foram atendidos pela valorização

no setor da defesa; e de outro lado, ainda, a classe trabalhadora avistava, nesse progresso,

a esperança de um futuro mais próspero com possibilidades reais de empregos (BARROSO,

2004).

A história da construção de Brasília é permeada de idealizações por ter sido

escrita, principalmente, do ponto de vista dos políticos, dos arquitetos, dos administradores

(RIBEIRO, 2008). Com proposta contrária, Ribeiro (2008) analisa a história de Brasília pela

ótica dos trabalhadores migrantes e anônimos que, de fato, construíram a cidade. Para ele,

a localização da construção em região isolada permitiu um grau de maior subordinação dos

trabalhadores, extraindo desses um “ritmo de trabalho extraordinário”, garantida pela

repressão cotidiana da força armada das empresas construtoras. A resistência mostrou-se

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nos conflitos durante o período da construção por meio da luta por moradia e contra o alto

custo da alimentação. Em meio a esse cenário, como se configurou o sistema de ensino no

Distrito Federal, em especial para os profissionais da educação?

À época de sua construção, a responsabilidade pelo sistema de ensino em

Brasília foi designada à Companhia Urbanizadora da Nova Capital (NOVACAP)

personalizada em seu presidente Israel Pinheiro e a tarefa de organizar esse sistema

Educacional do novo Distrito Federal coube a Ernesto Silva (SILVA, 1985, p. 235). Os

anseios pela educação estão presentes desde o início da implantação do sistema de ensino.

Porém, de um lado, os operários que vieram construir Brasília tinham poucas expectativas

em relação à própria educação e à de sua família; de outro, os funcionários públicos

transferidos para a nova capital exigiam educação de qualidade para seus filhos. É nesse

contexto de pressões e expectativas que se construiu a educação pública em Brasília.

As primeiras professoras da rede pública foram esposas e filhas dos funcionários

transferidos do Rio de Janeiro e atuaram no Grupo Escolar 1 – GE-1, inaugurado em 18 de

outubro de 1957 (SILVA, 1985, p. 238). A essa escola coube a seleção dos professores no

Distrito Federal até a criação da Comissão de Administração do Sistema Educacional de

Brasília (CASEB) em 1959, órgão responsável pela construção e manutenção das escolas

(BARROSO, 2004, p. 28). Essas professoras atuavam como gestoras, acumulavam função

docente, de planejamento, de orientação e de direção da escola e, no início, até mesmo a

limpeza era feita por elas (PAIVA, 2007, p. 16).

A seleção dessas professoras foi rigorosa, 40% das postulantes ao cargo foram

reprovadas no concurso que consistia em avaliação de títulos, entrevista e prova prática.

Para a formação dessas primeiras professoras foram incentivados estágios e cursos em

outras localidades, como na Escola-Parque de Salvador/BA, onde já estava implantado o

sistema e metodologia das Escolas-parque e Escolas-classe, no Rio de Janeiro e em Porto

Alegre (SILVA, 1985, p. 242). As diferenças culturais levaram a vários conflitos nas relações

entre os professores de diversas regiões e formação. Conviviam num mesmo espaço, em

uma mesma escola, professores e gestores de Goiás e os novos professores vindos de

várias regiões do país. As condições de trabalho dos professores eram diferenciadas do

restante do país, estes eram atraídos pelos salários elevados. Entretanto, os profissionais

da Fundação Educacional Distrito Federal – FEDF40 lidavam com os atrasos de salários

devido à crise financeira pela qual passava a Fundação (BARROSO, 2004, p. 38).

40

A FEDF foi criada em 17 de junho de 1960, com a finalidade de substituir a CASEB – de caráter transitório – além de dar eficácia e flexibilidade ao sistema de ensino, aumentar a autonomia administrativo-financeira e facilitar a seleção de pessoal (SILVA, 1985, p. 249).

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O primeiro concurso público para a seleção de docentes foi em janeiro de 1960,

quando cinquenta e nove professores foram considerados aptos para desempenhar a

função no Ensino Médio na primeira escola, CASEB, inaugurada em 19 de maio de 1960, a

jornada de trabalho desses professores era de 40 horas semanais.

A particularidade do processo de crescimento do acesso à educação em Brasília

foi em razão do grande fluxo migratório, que permaneceu ao longo dos anos após a

inauguração da cidade. A demanda por matrículas e, consequentemente, por professores,

aumentava consideravelmente a cada ano, fator que exigia ações para constituição de um

sistema de educação no Distrito Federal.

A migração, o aparecimento de novas comunidades, a extinção de acampamentos e núcleos provisórios, a criação das regiões administrativas ou cidades-satélites [...] redundam nas medidas usuais no enfrentamento da questão: escolas provisórias, diminuição de horas, aumento de turnos, classes em espaços emprestados [...] O ano letivo de 1963 foi concluído com o atendimento de 27.104 crianças e jovens. O ano de 1964 finalizou com 34.819, uma demanda crescente que não encontrava respaldo no planejamento do sistema escolar (BARROSO, 2004, p. 38)

A história da educação no Distrito Federal tem suas particularidades, contudo,

em se tratando das questões relacionadas ao trabalhador em educação, em muitos casos,

se assemelha à história da trajetória desse profissional nas demais localidades do país. Os

professores em todo o país, e no Distrito Federal em particular, se organizaram para manter

e ampliar sua autonomia e seu reconhecimento profissional através de reivindicações como

a descentralização administrativa; contra a dicotomia entre o planejamento e a execução de

seu trabalho; pela democratização das tomadas de decisão; rejeição à precariedade

material e às difíceis condições de trabalho e baixos salários; e a defesa da educação como

direito universal, entre outras lutas e conquistas.

A primeira manifestação de professores foi para reivindicar melhores condições

de moradia, em 1962, por meio de uma paralisação. Os professores foram contrários aos

apartamentos oferecidos à categoria, pois os consideraram inadequados por seu tamanho

muito reduzido (BARROSO, 2004, p. 48).

No início da década de 1970, o país vivia o período mais agudo do regime

militar. Os movimentos sociais urbanos tiveram participação significativa no processo de

oposição a esse sistema, contribuindo para o lento e gradual enfraquecimento do regime

ditatorial. Movimentos populares que reivindicavam moradia, educação, urbanização, assim

como o surgimento de sindicatos de trabalhadores em várias categorias, principalmente dos

operários industriais, formavam parte da luta em favor da democratização política do país.

As eleições para as câmaras municipais, assembleias estaduais e distrital, e para o

Congresso Nacional, entre 1974 e 1976, também foram indicativos desse enfraquecimento

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do regime e resultaram em reduções significativas para o partido que dava sustentação ao

governo – Aliança Renovadora Nacional – Arena. O período entre 1978 e 1979 foi marcado

por greves de vários setores na região do ABC41 paulista, dos operários fabris, da

construção civil e também do setor de serviços. Em 1979, os professores do Distrito

Federal42, organizados como Sindicato dos Professores do Distrito Federal – Sinpro-DF,

realizaram uma greve que durou vinte e três dias, atingindo toda a rede, o que resultou na

demissão de nove professores. Uma junta interventora federal assumiu a entidade

(BARROSO, 2004, p. 48). Os professores de Brasília foram a segunda categoria a entrar em

greve no período de regime militar, em oposição ao aparelho repressor e as medidas

arbitrárias43.

A legitimação da organização sindical construiu-se nas lutas salariais, na instituição de um Plano de Carreira, nas campanhas por participação na gestão do sistema, na defesa da escola pública e também no embate pela autonomia do Distrito Federal, que somente em 1990 pode eleger o governador (BARROSO, 2004, p. 49).

Em meados dos anos 80, a Aliança Democrática44 indicou para o Governo do

Distrito Federal José Aparecido de Oliveira, que nomeou para a Secretaria de Educação

Roberto Pompeu de Sousa Brasil e, para a Direção Executiva da FEDF, Fábio Vieira Bruno.

Entre outras políticas com viés liberal-democrático, constituíram-se eleições diretas para os

cargos de direção das escolas públicas no Distrito Federal, em Acordo Coletivo com o

Sinpro-DF (BARROSO, 2004, p. 55).

Em 1988, Joaquim Roriz, do PMDB, foi indicado pelo presidente da república

José Sarney para o cargo de governador do Distrito Federal para o mandato de 1988 a

1990.

Na educação, o retorno de pessoal ligado às práticas autoritárias do passado, o arrocho salarial, as sucessivas greves, a relação conflitiva com os sindicatos, o traço populista da administração, a precarização das condições de trabalho do magistério, o aumento do número de turnos, entre outros fatores, provocam novo avanço das forças conservadoras sobre o sistema de ensino (BARROSO, 2004, p. 58).

41

Região altamente industrializada, formada pelas cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Diadema. 42

Em 1979, os professores do DF foram autorizados pelo Ministério do Trabalho a utilizar a nomenclatura de sindicato, pois se tratava de uma entidade que congregava professores de escolas públicas e também escolas privadas. No entanto, os professores já haviam se organizado em vários tipos de entidades associativas como a Associação dos Professores de Ensino Médio de Brasília (APEMB); Associação dos Professores secundários e Primários de Brasília (APPESPB); e posteriormente Associação Profissional dos Professores do Distrito Federal (APPDF), (BARROSO, 2004, p. 48). Atualmente o SINPRO-DF representa os professores da rede pública e o SINPROEP-DF representa os professores da rede privada. 43

QUADRO NEGRO. Informativo do Sindicato dos Professores no Distrito Federal. Brasília/DF: Edição Especial:

História, abr./2004, p. 02, 03. 44

A Aliança Democrática foi um movimento nacional formado, em 1985, pelo então recém criado Partido da Frente Liberal (PFL) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) (BUENO, 1997, p. 277-278). No DF a Aliança contava com o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

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Por outro lado, os professores viam novas possibilidades de atuação em sua

identidade profissional. Propuseram ações, fizeram-se sujeitos históricos em meio às

decisões autoritárias.

Nos anos 1980, o debate e a implantação das políticas educacionais centravam-se na universalização do acesso e na gestão democrática. A ênfase nessas temáticas mobilizou os trabalhadores de educação, que tentavam superar o imobilismo imposto pela ditadura militar e a despolitização com que a gestão e o acesso eram tratados pelos governantes, em sua maioria comprometidos ideologicamente com a visão de neutralidade da administração e do trabalho. A década foi marcada pelo movimento de redefinição da identidade profissional, de questionamentos das condições de trabalho e de abertura para uma participação ativa dos diversos segmentos da comunidade na gestão escolar (BARROSO, 2004, p. 132).

Em meio a um contexto nacional de luta pela democratização do país, a década

de 1980 foi marcada pela campanha das “Diretas-já”. As grandes manifestações realizadas

nas principais capitais do país não conseguiram assegurar as eleições diretas para

presidência da república; no entanto, esse movimento marcou simbolicamente o fim da

ditadura militar. Após vinte anos de indicações de representantes do colégio eleitoral,

somente no final da década, em 1989, Fernando Collor de Melo foi eleito presidente da

república com o apoio das elites dominantes, em uma disputa acirrada com o candidato do

Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva (BUENO, 1997).

Brasília, em 1990, elege o primeiro governador para o mandato de 1991 a 1994,

Joaquim Roriz volta ao Palácio do Buriti, dessa vez pelo voto direto. Para a Secretaria de

Educação reconduziu Eurides Brito, que havia ocupado o mesmo cargo nos mandatos de

dois governadores à época da ditadura militar, Aimé Lmaison (1979-1982) e José Ornellas

(1982-1985), sinalizando a tendência antidemocrática na política da Secretaria de

Educação.

O mandato de Joaquim Roriz (1991-1994) centrou-se no atendimento da

demanda habitacional. As questões relativas aos imigrantes expulsos da terra geraram

muitos conflitos que resultaram em assentamentos populacionais irregulares, movimento de

grileiros e especulação imobiliária. Houve, também, a contestação dos moradores do plano

piloto, organizados em movimentos defensores do patrimônio histórico-cultural e das causas

ambientais.

Na educação, as políticas do governo Roriz eram atreladas às questões do

processo migratório e às demandas que os assentamentos populacionais criavam,

demonstrando uma conotação assistencialista no âmbito da educação. Numa revitalização

do populismo, o artifício foi a implantação do turno intermediário, quando passaram a

funcionar as escolas de quatro turnos, três durante o dia, de três horas diárias cada um e o

período noturno, também de três horas de duração (BARROSO, 2004, p. 119).

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Segundo Barroso (2004), nesse mandato cresceu a oferta de vagas na escola

pública, no entanto, eram visíveis as questões de acompanhamento da permanência dos

alunos e da qualidade da educação oferecida pelo sistema.

Em 1995, Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque assume o governo da capital,

eleito por uma frente de partidos ligados aos movimentos sociais45. A educação tornou-se a

prioridade do Plano de Desenvolvimento Econômico do governo; no entanto, sua gestão

enfrentou conflitos com o sindicato dos professores: “foram três greves conduzidas pelo

Sinpro e 49 dias de paralisação entre assembleias e atos públicos. A mais longa delas, a

greve de 1998, durou 67 dias (de 23/04 a 30/06) e tornou-se tema central da campanha

deste ano” (BARROSO, 2004, p. 143).

A tabela a seguir mostra a evolução das matrículas em um período de dez anos

que perpassa aquele delimitado por nossa análise. O objetivo de expor esses dados é expor

o crescimento e não analisá-los em seus detalhamentos estatísticos.

Tabela 01 – Matrículas no Ensino Fundamental - 1ª a 4ª séries - em unidades. Matrículas

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

175.778 166.251 161.416 148.384 149.957 149.684 152.017 154.102 148.922 153.214

Docentes

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

6.044 6.140 5.691 5.739 5.791 5.802 5.646 5.740 5.214 5.561

Alunos/ Docente

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

29,08 27,07 28,36 25,85 25,89 25,79 26,92 26,84 28,56 27,55

Escolas

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

258 99 111 257 263 275 279 280 228 233

Fonte: Censo Escolar http://www.inep.gov.br/

Sob a gestão do Secretário de Educação Antonio Ibañez Ruiz (1995-1998),

foram realizados vários encontros e debates com o encaminhamento de propostas práticas

de políticas em educação. O primeiro desses encontros foi o 1º Congresso de Educação do

Distrito Federal, ocorrido entre agosto e novembro de 1996, cujo tema foi “Gestão

Democrática: em busca da qualidade do ensino”46; quando foi elaborado um documento com

propostas para o biênio de 1997-98; nele prevaleciam diferentes questões relativas à gestão

democrática, com enfoque na eleição direta para diretores. No entanto, os professores

45

Frente Brasília Popular, formada pelos partidos: PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB, PV, PMN e PPS. 46

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO/FUNDAÇÃO EDUCACIONAL. Regimento do I Congresso de Educação do Distrito Federal. Governo Democrático e Popular: fazendo a revolução na educação. 1996.

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organizados no sindicato mantiveram independência em relação ao governo, reafirmando

sua autonomia política (BARROSO, 2004, p. 149 e 150).

Os objetivos do Congresso expressos nesse documento são: I – dar

continuidade ao processo de construção coletiva de propostas educacionais para o Distrito

Federal, desencadeada com a elaboração do Plano Quadrienal de Educação 1995-1998; II

– discutir e elaborar propostas que articulem o compromisso da gestão democrática com a

qualidade de ensino, na perspectiva da Escola Candanga; III – discutir e deliberar sobre o

projeto político pedagógico que está sendo implementado pela SE/FEDF47.

A “Escola Candanga” marca a política de educação no Distrito Federal. Em

linhas gerais caracterizou-se pela organização por fases de escolarização, extinguiu-se a

seriação e a reprovação; a avaliação dos alunos passou a ser feita por meio de relatórios

feito pelos professores com a participação da comunidade.

Os alunos da Escola Candanga são reunidos em turmas por idade e nível de desenvolvimento, as Fases de Formação – Primeira Fase: Infância, de 6 a 8 anos de idade; Segunda Fase: Pré-Adolescência, de 9 a 11 anos de idade; Terceira Fase: Adolescência: de 12 a 14 anos de idade (GDF, 1997).

Seus fundamentos políticos e sociais pautam-se na democracia e seu objetivo

pressupõe revolucionar a escola pública do Distrito Federal a partir da crítica à realidade

social e apontamentos para a transformação dessa realidade. Seus princípios são contrários

às propostas que defendem obter qualidade por meio da competitividade; na Escola

Candanga esta deveria ser alcançada por meio da cooperação (FEDF, 1995).

No que se refere especificamente ao trabalho do professor, sua organização, a

jornada, entre outros, a Escola Candanga se diferencia pela proposta e prática da redução

da jornada do professor em sala de aula para que se dedique ao planejamento, participação

no projeto político-pedagógico da escola, coordenação e formação no horário oposto ao

atendimento dos alunos.

O grande divisor de águas da escola foi a implantação da Escola Candanga [...] isso foi uma luta, isso foi uma conquista. Então deu trabalho, dá trabalho. Não deu não, dá até hoje. (Diretora).

Até 1997, havia dois tipos distintos de regime de jornada dos professores,

aqueles que trabalhavam quarenta horas semanais e assumiam duas turmas, em períodos

de quatro horas por turno; e outro tipo de contrato, de vinte horas semanais. Apenas os

professores dos “Centros do Excelência”48, escolas que formavam os professores

47

GDF. Secretaria de Educação/Fundação Educacional do Distrito Federal. Escola Candanga: implantação da

1ª fase na Educação Fundamental. Orientação à comunidade. Abril/1997. 48

A professora P2, entrevistada nesta pesquisa, atuava como formadora em um desses centros de excelência.

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alfabetizadores da região, gozavam do tempo para planejamento das aulas e formação

profissional. Esses professores trabalhavam quarenta horas, com uma turma de

alfabetização em um turno e no outro eram responsáveis pela formação dos alfabetizadores

das escolas próximas.

Do Paranoá eu vim pra escola classe [da Asa] Norte. Nessa época era Centro de Alfabetização, a gente tinha que receber professores de outras escolas para coordenar, já tinha o horário de coordenação do turno inverso. Só que eu era responsável praticamente pelos professores da Asa Norte e daquela série. [...] Elas iam lá receber orientação, e ao mesmo tempo, no outro horário, você podia assistir as aulas de aplicação, chamava aula de aplicação. Então sempre tinha professores assistindo às suas aulas. Num horário com os professores e no outro horário eu estava dando orientação. [...] Os outros dias era planejamento mesmo. (P2).

A diretora da escola expressa sua percepção de como era diferenciado o

trabalho entre os docentes de uma mesma escola. Aquelas que possuíam condição

econômica privilegiada trabalhavam vinte horas semanais e, por isso, podiam fazer o

planejamento mais elaborado e atender seus alunos de forma mais particularizada.

Eram professoras que tinham uma condição econômica até razoável que não trabalhavam 40 horas, trabalhavam 20. Então eram profissionais que sempre olharam muito para os seus alunos. Então por trabalhar 20 horas, elas levavam as provas para casa, e faziam tudo em casa, aquelas professorinhas mesmo. (Diretora).

Esse sistema dual de contratação deixava explícita a contradição entre os

processos de profissionalização e proletarização docente em um mesmo ambiente de

trabalho. Um grupo de professores desfrutava de tempo livre (porém, sem remuneração)

para preparação, realização e reflexão de seu trabalho, enquanto outro grupo era submetido

ao dobro da carga horária e, possivelmente, ao dobro de alunos sob sua responsabilidade,

ou seja, mais trabalho e menos tempo para prepará-lo e realizá-lo. No entanto, nesse

contexto em que os tempos de trabalhos eram desiguais, os professores criavam estratégias

de solidariedade na realização do trabalho de forma a contemplar o grupo todo em sua

elaboração e execução. Apesar desse esforço por parte dos professores, percebe-se que o

parcelamento do trabalho era inevitável.

E quem era 40 [horas], eu e a Professora de Apoio 1, a gente ralava, mas a gente produzia coletivamente com elas. Então a gente planejava coletivamente, aí elas preparavam os exercícios. Tudo era pensado coletivamente. Na execução, elas que tinham mais tempo, elas faziam. Porque a gente ficava ralando o dia inteiro com menino. Então todas nós víamos que o melhor para todas nós, para quem levava o trabalho para casa, estava trabalhando, para quem trabalhava 40 horas com duas turmas, que o melhor era a Jornada Ampliada. (Diretora).

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O horário para a coordenação pedagógica, dentro da jornada de trabalho, fazia

parte de uma reivindicação dos trabalhadores do Distrito Federal. Segundo o texto dos

Cadernos da Escola Candanga:

A Coordenação Pedagógica, anteriormente normatizada pela Orientação n° 01/89-90 e revogada pela Instrução n° 395, de 12/02/1992, vinha nos últimos tempos, constituindo-se numa atividade esvaziada de significado político-pedagógico. Traduzida em simples mecanismos de organização administrativa da escola, a coordenação converteu-se, apenas, em normatização técnica de modulações e horários. (FEDF, 1996, p. 09).

A concepção de coordenação pedagógica proposta pela Escola Candanga tinha

como pressuposto o entendimento de que a escola constitui-se em um dos espaços

possíveis para a construção de práticas coletivas, partindo de objetivos que se pretendiam

transformadores; era essencial que as relações fossem construídas em bases democráticas.

A coordenação pedagógica é um espaço privilegiado para a discussão e implementação do projeto-político pedagógico da escola, possibilitando a reavaliação das práticas institucionais, docentes e discentes, troca de experiências entre as escolas, bem como a realização de atividades de reflexão do trabalho docente (FEDF, 1996, p. 11).

Essas coordenações aconteceriam em três níveis: local, em cada instituição

escolar; intermediário, entre os coordenadores de cada Divisão Regional de Ensino; e

central, entre os coordenadores de diversas modalidades de ensino e áreas do

conhecimento. No Ensino Especial, as coordenações seriam distribuídas pelas áreas de

atendimento de acordo com as diversas necessidades especiais atendidas.

A base legal para a implementação do horário de coordenação é a Instrução

Normativa de número 536, de 03 de novembro de 1995, que resolve que a carga horária de

40 horas semanais dos docentes passa a ser dividida entre 20 horas de regência de classe

e 20 horas para atividades de Coordenação Pedagógica.

Algumas escolas optaram então, por funcionar dentro da proposta da Escola

Candanga.

[...] Foi uma opção da escola. [...] Porque foi isso, não adiantava eu querer, nós tínhamos que querer. E a nossa escola queria, muito. [...] então isso foi assim... Pronto, aí nós começamos a trabalhar. Quando a jornada ampliou, então nós recebemos mais da metade de profissionais novos na escola. Então o grupo que gritava, trabalhava unido, já ficou minoria. [...] A Escola Candanga era o máximo. A gente aqui cheio de gás, energia, cheios de ideias brilhantes, maravilhosas. E eu acredito plenamente que se não fosse por isso muitos profissionais não tinham mudado a sua prática. Não tinham refletido, não tinham pensado, não seriam o que eles são. Muito, por essa construção coletiva. Que foi cansativa, exaustiva, que foi alegre, que foi divertida, mas que foi conjunta. Eu tenho plena convicção de que isso é muito importante. É muito importante para eu me enxergar, quer dizer, se eu tenho uma visão de mim no grupo, essa visão, ela se confirma ou se altera, ou se acrescenta ou se dilui, ela muda. (Diretora).

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Essa fala revela a faceta do potencial do trabalho docente como constitutivo e

constituinte no processo de humanização do trabalhador em educação.

Do ponto de vista da legislação e regulamentação do trabalho docente, a

Resolução número 3 do Conselho Nacional de Educação, que através da Câmara de

Educação Básica de 8 de outubro de 1997, fixa as Diretrizes para os Novos Planos de

Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios. Em seu artigo 6º trata da jornada de trabalho quanto à distribuição da carga

horária entre a regência em sala de aula e os horários de atividades, chamados no Distrito

Federal de coordenação pedagógica.

IV – a jornada de trabalho dos docentes poderá ser de até 40 (quarenta) horas e incluirá uma parte de horas de aula e outra de horas de atividades, estas últimas correspondendo a um percentual entre 20% (vinte por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da jornada, consideradas como horas de atividades aquelas destinadas à preparação e avaliação do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola; [...] (CNE/CEB, 1997, p. 193).

A proposta da Escola Candanga para a distribuição da jornada de trabalho

docente antecede e suplanta a orientação do CNE na quantidade de tempo destinado às

atividades extraclasses.

Em 1998, Joaquim Roriz foi novamente eleito para o mandato de governador

para o período de 1999 a 2002. Na educação foi anulada a eleição para os dirigentes

escolares, a Escola Candanga passou a ser mantida em regime experimental, segundo a

Secretária de Educação. Em carta dirigida a todas as escolas do Distrito Federal, em janeiro

de 1999, ela afirma:

É preciso avaliar o projeto para determinar se produz ou não os resultados a que se propõe. Os resultados do SAEB são preocupantes. Por isso, no presente ano letivo a Escola Candanga prosseguirá, embora sem ampliação. Seguindo a metodologia de avaliação de projetos sociais, será utilizado o que se chama de desenho quase experimental, para comparar, ao longo de um ano letivo, os resultados da Escola Candanga e das demais escolas públicas do Distrito Federal (BRITO, E. Escola Candanga: parada para reflexão. Mimeo, 1999).

Nesse documento, a Secretária de Educação fez uma crítica à Escola

Candanga, principalmente no aspecto da aprovação automática; para isso se baseou nos

dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB/97, afirmando que

“pela primeira vez o Distrito Federal ficou ao nível da média do Brasil e não acima dela”.

Em resposta à carta da Secretária, a comunidade da escola pesquisada, por

meio de seu Conselho Escolar, fez outra reflexão que vai em direção oposta àquela relatada

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no documento escrito por Eurides Brito. A comunidade contrapôs, em carta aberta, que a

avaliação da Escola Candanga não pode ser feita de forma partidária e parcial como

consideraram a abordagem da Secretária. Argumentaram que a proposta da Escola

Candanga foi implementada em 180 escolas em um universo de mais de 500 escolas

públicas do Distrito Federal, e que, portanto, os dados do SAEB/97 não eram, em sua

totalidade, resultados dessa política. Nem tampouco os alunos avaliados, de quarta série,

tinham passado pela experiência do modelo da Escola Candanga que estava em vigor há

apenas dois anos, estes foram atendidos pelo regime anterior, da seriação. Concluíram ser

impossível avaliar uma proposta educacional e ao mesmo tempo desmontá-la, e

protestaram veemente contra a diminuição da carga horária dos alunos de cinco para quatro

horas diárias.

A professora enuncia em seu documento que “a escola bem sucedida é a que leva o aluno a aprender”. Como poderemos entender essa questão privando os alunos da jornada diária de cinco (5) horas de aulas que redundará numa perda de pelo menos cento e sessenta (160) horas/ano. (CONSELHO ESCOLAR, 1999).

Os diretores escolares passaram a ser escolhidos pelo próprio governador, em

uma lista tríplice dos primeiros colocados em um processo seletivo de prova de títulos; prova

escrita objetiva, sob responsabilidade do Instituto de Desenvolvimento de Recursos

Humanos – IDR e análise da Proposta Pedagógica a cargo da Comissão de Coordenação

Geral da Secretaria. Além do diretor, passaram a ser avaliados e indicados o vice-diretor,

assistentes e o secretário escolar49.

O regime de Jornada Ampliada50 passou a ser realizado na proporção de 70%

do tempo de trabalho, necessariamente com regência de aula; os outros 30% do tempo,

destinados às atividades de coordenação, planejamento, formação em serviço. Os

professores, por intermédio do sindicato, reivindicaram a divisão da carga horária como na

proposta da Escola Candanga. O item 33 da Pauta de Reivindicações do Congresso

realizado em 2004 dividia-se em: “- eleição democrática para coordenador pedagógico -

garantir a divisão da carga horária da seguinte forma: 50% da jornada para coordenação

pedagógica e 50% para regência de classe” (QUADRO NEGRO, 2004, p. 05).

Quando o Roriz entrou, as pessoas falaram: “ah, ele deu uma folga pra gente”. Ele só quis fazer diferente aquilo que ele era obrigado a fazer. [...] Então as pessoas falavam: “o Roriz vai entrar e ele vai tirar... a Jornada Ampliada” [...] Eu acho que esse peso que as pessoas carregam tanto, todo

49

Decreto n° 20.691, de 11 de outubro de 1999. DODF, n° 197, 13 de outubro de 1999, p. 08. 50

Segundo servidora da Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto-Cruzeiro, trata-se de Instrução Normativa, n° 724 de 25 de novembro de 1999. A legislação encontrada que faz referência à Jornada Ampliada é a Lei nº 3.318 de 11 de fevereiro de 2004, de autoria do poder Executivo que dispõe sobre a carreira Magistério Público do Distrito Federal.

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esse sofrimento também, vem por você desconhecer. Então eu falava: “não gente, ele não vai fazer isso”. Então eu não sofria, como algumas colegas. P: Ele não tirou trabalho. É menos tempo para fazer o mesmo trabalho? E: o mesmo trabalho. (Diretora).

Em seu segundo mandato (2003/2006,) Joaquim Roriz articulou “formas sociais

arcaicas em um contexto de novos tempos” (BARROSO, 2004, p. 209). Os direitos sociais,

entre eles a educação, foram substituídos pelo discurso e prática da filantropia, atualizada

em uma nova forma de gestão social de caráter compensatório e programas sociais

focalizados, resultando em desigualdades espaciais e políticas públicas de corte

assistencialista.

A formação profissional do magistério passou, em 2002, a ser incentivada pela

formação universitária em serviço51 com o convênio entre a Secretaria de Educação do

Distrito Federal e a Universidade de Brasília, repassado posteriormente a uma instituição

privada, o Centro Universitário de Brasília – UniCeub.

As decisões mais relevantes (gestão de pessoal, destinação dos recursos, orientações pedagógicas, definição das políticas educacionais, indicação de diretores das unidades escolares, estratégia de matrículas, entre outras) continuaram sendo tomadas no núcleo central, enquanto às Diretorias Regionais de Ensino (DRE) permaneciam assumindo a tarefa de serem o filtro burocrático do sistema e o papel de instância intermediária que fazia chegar às escolas as resoluções postas. Os problemas cotidianos e seus ônus estavam devidamente democratizados para professores, funcionários e comunidades (BARROSO, 2004, p. 122 e 123).

Em suma, nos dois mandatos de Joaquim Roriz, prevaleceram no poder político

práticas autoritárias, ainda que tenha se alternado os nomes na Secretaria de Educação.

A história de construção da cidade e suas propostas iniciais em educação foram

inovadoras comparativamente à realidade do restante do país e da respectiva educação

praticada em todas as suas regiões. No entanto, os condicionantes materiais fizeram-se

presentes na cidade de Brasília. Percebe-se que a mística que envolve a cidade, a auto-

estima do cidadão brasiliense, foram muito influenciadas por essa característica

diferenciadora de cidade planejada, que mobilizou o país rumo a novas expectativas. Mas

com o passar do tempo, o crescimento, as transformações e outras demandas pelas quais

passou o Distrito Federal acompanharam o movimento de ampliação de vagas e queda da

qualidade da escola pública, ocorridas ao longo do processo de industrialização nas regiões

mais desenvolvidas do país, seguindo um movimento típico na história da educação

moderna (HYPOLITO, 1997, p. 19-20). Diante desse cenário, forja-se o profissional de

51

A formação em serviço, alardeada Banco Mundial pode ser encontrada nos trabalhos de SILVA, Maria Abádia da e SILVA, Ronalda Barreto (orgs.). A ideia de Universidade: rumos e desafios. Brasília: Líber Livro, 2006.

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78

educação do Distrito Federal, sujeito ativo na construção de sua trajetória profissional,

política e histórica.

2.2 Contrato de Trabalho Temporário de docentes

Nesta seção procura-se analisar o trabalho docente sob a perspectiva dos tipos

de contrato a que esses profissionais estão submetidos, no sentido de compreender em que

medida esse fator interfere na intensificação do trabalho do professor.

A base jurídica para a contratação de trabalho por tempo determinado, ou seja,

sem a realização do concurso público garantido pela Constituição Federal, dá-se pela Lei de

número 8.745, de 9 de dezembro de 199352, firmada pela Presidência da República.

§ 1º A contratação de professor substituto a que se refere o inciso IV far-se-á exclusivamente para suprir a falta de docente da carreira, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória.

No Distrito Federal, a introdução do trabalho de tipo temporário tem na Lei nº

1.169, de 24 de julho de 1996, a autorização formal para a contração de pessoal por tempo

determinado, a fim de atender “a necessidade temporária de excepcional interesse público”,

que, por sua vez,m busca sustentação na Lei Orgânica do Distrito Federal.

Art. 1º - Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da administração direta, autárquica e fundacional do Distrito Federal poderão efetuar contratação de pessoal, por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei (Lei nº 1.169).

A própria legislação diz que o contrato temporário deve ser utilizado em caráter

excepcional; no entanto, esse tipo de contratação tornou-se prática recorrente na Secretaria

de Educação do Distrito Federal. Encontrou-se na escola pesquisada professores53 que

trabalham sob esse tipo de contrato há sete anos, renovando-se o contrato a cada ano para

não se configurar maior vínculo empregatício. No artigo segundo da mesma lei, a alínea

terceira prevê a necessidade desse tipo de contratação para “substituir professor em

regência de classe”; o artigo terceiro regulamenta o prazo máximo de doze meses para a

contratação de professores54.

52

Modificada, entre outras, pela Lei nº 9.849 - de 26 de outubro de 1999 - DOU de 27/10/99. http://www010.dataprev.gov.br . Acesso em: 14/10/2008. 53

Na escola pesquisada há cinco professoras em regime de Contrato de Trabalho Temporário, o tempo de trabalho entre elas varia de sete meses a sete anos. A professora P7 afirma que sua mãe trabalha como docente contratada na rede pública de educação do Distrito Federal há 15 anos. 54

A seleção de pessoal para esse tipo de contrato está regulamentada na Portaria nº 383, de 13/11/2006.

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[Faz] uns sete anos que eu estou como contrato temporário. Mas assim, no primeiro ano como contrato eu trabalhei 60 horas [semanais], o dia todo. [Tenho] umas cinco matrículas, seis matrículas, porque sempre é uma nova matrícula, porque é contrato, para não criar vínculo. (P7).

A professora esclarece que existem contratações temporárias com a finalidade

de se preencher a vaga de professores que estão deslocados para as funções de direção.

Nesse caso, tem-se assegurada a vaga de trabalho até o final do ano letivo.

Se eu consigo entrar numa carência, de coordenador, como aqui, eu vou ficar o ano todo nessa carência, porque essa carência não pode ser substituída pelo efetivo, porque o efetivo sai da sala de aula, como é o caso da coordenadora, então precisa de um contrato, não de um efetivo. (P7).

Essa parece ser uma possibilidade considerada aceitável pelas professoras de

contrato, pois se assegura assim um tempo mínimo de permanência na escola. Nem sempre

essa é a realidade das professoras contratadas, a insegurança quanto à contratação é

constante.

Já aconteceu, eu ficar na licença, assim, de quatro meses. Aí você sai da escola, aí você volta para Regional, aí você olha, tem carência e você pega. [...] Já teve ano que chamaram poucos professores e eu fui chamada em maio. [...] [Ficamos] sem trabalhar, sem nada, sem vínculo nenhum. (P7).

A experiência dessa professora revela a perversidade da lógica do Contrato

Temporário para os trabalhadores subordinados a esse vínculo. A professora relata sua

trajetória a cada final de ano letivo: em dezembro sabe que ficará desempregada, então se

inscreve para as novas contratações do próximo ano. Em janeiro de cada ano, participa de

novo processo seletivo ao mesmo tempo em que rescinde o contrato do ano anterior com a

Secretaria de Educação.

Eles têm que esperar pelo menos dois meses para fazer a nova contratação porque tem que ter um período também. Tem que ter um período de 60 dias para a gente começar a voltar senão a gente cria vínculo. Então eles analisam tudo isso. (P7).

No final de janeiro saem os resultados da classificação dos candidatos ao

contrato, os primeiros colocados são chamados no início de fevereiro e, quanto melhor a

classificação, maior a chance de o contratado escolher a escola em que vai trabalhar.

Segundo P7, os critérios de escolhas pelos professores são as escolas mais próximas de

suas residências ou as que têm as melhores condições de trabalho.

As escolas aqui do Plano são as melhores, porque Taguatinga, Ceilândia [não]. Você pode ver os recursos que tem aqui, computador, não ter que passar [as atividades] no mimeógrafo, ano passado e esse ano que eu estou tendo esse privilégio. (P7).

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A percepção da professora é de que o contrato temporário tem sido positivo até

que consiga passar no concurso público, entretanto não consegue discernir a sistemática da

precarização e redução de direitos sociais e aumento do volume de tarefas e do esforço

para realizá-las.

Nesse período todo, eu fui guardando dinheiro, paguei minha faculdade, três anos e meio, como contrato. Muita coisa que eu tenho foi através do contrato, se eu tenho meu carro hoje é contrato, se eu tenho imóvel é contrato, se eu tenho minha faculdade hoje, graças ao contrato. (P7).

Os diferentes tipos de contrato do corpo docente são analisados por Torres

Santomé (2003, p. 112) como um dos elementos que revelam a forma e a amplitude com

que a educação pública tem sido levada a um processo geral de privatização do sistema

educacional, exigência do Consenso de Washington55 para as reformas dos países em

desenvolvimento. Para Silva, M. (2005, p. 257), a privatização da educação e de outros

setores sociais passa por acordos com organismos internacionais, entre eles, Fundo

Monetário Internacional – FMI, Organização Mundial do Comércio – OMC e Banco Mundial,

com o devido consentimento do governo federal, de alguns governos estaduais e das elites

dirigentes nacionais. Esses organismos internacionais são comandados por homens de

negócio56, cujo interesse é “tornar a educação um serviço comercial subordinado às leis de

mercado internacional” (SILVA, M., 2005, p. 258).

No entanto, essas reformas adquirem diferentes formatos quando chegam à

escola, a contratação temporária assume a função da diminuição da responsabilidade do

Estado para conter os gastos públicos, resultando em precarização do trabalho do servidor

contratado, pois este não tem assegurado os mesmos direitos do servidor concursado.

Para Torres Santomé (2003), a visão que a sociedade contemporânea tem do

servidor público implica em desprestígio profissional do professor da rede pública de ensino.

“Muitos cidadãos e cidadãs consideram o funcionalismo público como parasitas que

prejudicam o bom funcionamento das instituições públicas [...]” (TORRES SANTOMÉ, 2003,

p. 112). A seguir, observa-se a percepção de uma professora concursada quanto ao seu

trabalho e o preconceito que o ronda:

Eu acho que existe esse preconceito com o funcionalismo público, porque as pessoas têm na cabeça que não quer trabalhar e deixam as coisas correrem e tudo [...] eu penso diferente, eu não fiz a opção, mas eu estou nesse momento, agora, realizando essa atividade de docente, então eu procuro trabalhar da melhor forma possível, procuro me envolver mais, até mais do que eu deveria. (P4).

55

Documento elaborado em 1989, após avaliação da economia dos países devedores, feita por governos conservadores, diretores e executivos, representantes de instituições financeiras internacionais, ministros da Fazenda, presidentes de bancos centrais, representantes dos países em desenvolvimento. Trata-se das diretrizes de reformas estruturais a serem efetivadas como suposta solução ao endividamento. (SILVA, M., 2005, p. 256). 56

Termo utilizado por FRIGOTTO, G. in: GENTILLI (org.), 2007.

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A professora se ressente de trabalhar mais do que deveria e, a despeito disso,

ainda ser acusada de não trabalhar o suficiente por ser servidora pública. O autor defende a

ideia de que o professor de contrato temporário está suscetível às vontades pessoais

daqueles a quem serve. O servidor público, dentro da lógica da organização burocratizada57,

deve ser regido pela objetividade da lei, sendo responsável por seus atos a partir dessa

norma geral. Por sua vez,

Um professor ou professora contratado não tem a liberdade suficiente para exercer seu trabalho, e, por isso, é obrigado a adaptar-se aos interesses e ideologias, e mesmo manias, dos que pagam pelos seus serviços (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 112).

Outra situação enfrentada pelas professoras submetidas à contratação

temporária refere-se ao fato de sua incerteza em relação ao vínculo de trabalho. No

Relatório de Gestão58 há referência ao “Banco de Professores Substitutos”, uma política

criada pelo Decreto 28.428/07 de 2007, cuja função é manter um cadastro centralizado de

profissionais que estará à disposição do grupo gestor de cada escola para atendimento das

demandas e necessidades locais na substituição de professores absenteístas. A fala da

supervisora pedagógica desvela como essa imposição tem alcançado a escola: “Nós

insistimos com as professoras de contrato [temporário] para não faltarem, para virem

doentes, porque para elas: „faltou, dançou‟ [...]” (Diário de Campo, 15/05/2008, 10h20).

Na discussão sobre um possível movimento de paralisação do trabalho pelas

professoras, no mês de setembro de 2008, ficou naturalizada a compreensão e aceitação

por todo o grupo de que as professoras de contrato temporário não podem fazer greve, um

direito assegurado a todos os trabalhadores, independente do tipo de contrato a que está

submetido. Na prática, os professores que são contratados temporariamente sabem que

podem ser substituídos imediatamente. A falta de concursos públicos e a contratação

temporária tornaram-se parte de uma política que acarreta em alta rotatividade entre as

professoras, registrado no Projeto Político Pedagógico da escola:

Observa-se ainda, que devido à carência provisória da equipe que atua na área gestora e de apoio (necessidade de professor substituto), somado às necessidades médicas dos servidores, há uma grande rotatividade de professores, gerando uma necessidade constante de ajustes da equipe para o pleno atendimento dos projetos estabelecidos na proposta pedagógica. (PPP, 2007, p. 04).

57

Segundo Weber (1999, p. 129), a burocracia é o tipo mais puro de dominação legal, caracterizada pela obediência à regra estatuída e não a uma pessoa que ordena. Cabe a todos obedecer a mesma regra, formalmente abstrata, inclusive aquele que a ordena. A regra por sua vez “é estatuída, no âmbito de uma competência concreta, cuja delimitação e especialização se baseiam na utilidade objetivas e nas exigências profissionais estipuladas para a atividade de um funcionário. O tipo de funcionário é aquele de formação profissional [...] seu ideal é: proceder sine ira e studeo, ou seja, sem a menor influência de motivos pessoais e sem influências sentimentais [...]”. 58

SE/SEADJ/DPE/GMRH - GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. SEDF. Relatório de Gestão 2007.

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82

As tabelas 02 e 03, abaixo, mostram a quantidade de professores que atuam na

rede pública de ensino contratados por tempo determinado em 2006. São 3.144 servidores

contratados: quase 10% da força de trabalho de professores não mantém maiores vínculos

com a comunidade escolar.

Tabela 02 – Tipos de Contratação - Carreira magistério

Descrição

Quantidade

Realização de Processo Seletivo 0 Contratação 3.253 Convocação 2.953

Fonte: SE/SEADJ/DPE/GMRH - GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. SEDF. Relatório de Gestão 2007 – Parte 1. p. 26.

Tabela 03 – Categorias Profissionais

Servidores

Atividade Meio Atividade Fim Total

Geral

39.584

GDF Com Cargo em

Comissão

326

Sem Cargo em

Comissão

6.262

Com Cargo em

Comissão

1.681

Sem Cargo em

Comissão

31.315

GDF Requisitados

Área Federal

1

10

- -

3 -

404

30

408

40

Comissionados sem vínculo

79 - 167 - 246

Contrato temporário - - - 3.144 3.144

Conveniados - - - - 0

Estagiários - - - - 0

Subtotal (Força de Trabalho)

416 6.262 1.851 34.893 43.422

Cedidos - 568 - 568

Total Geral 416 6.830 1.851 34.893 43.990

Fonte: GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. SEDF. Relatório de Gestão 2007 – Parte 1. p. 23.

A diretora relata um dos aspectos de liderar professores com dois tipos

diferentes de contrato:

O grupo da tarde é estável, grupo de professoras novas, estão iniciando. O que está sendo oferecido para elas aqui está sendo satisfatório, elas estão gostando, e não é porque tudo que a gente fala elas obedecem, elas também se posicionam, mas são solidárias, tem um relacionamento entre elas diferente do grupo mais velho, do grupo que está com o emprego garantido. Então quem não está com o emprego garantido tem uma capacidade de mudança, de flexibilidade, de adequação, muito maior [...] tem a coisa da vontade, da interação entre elas pra poder alcançar essa competência. Uma ajuda a outra, uma sugere coisa (2) da 1ª até a 4ª série, elas se movimentam. (Diretora, 22/07, 10h18m).

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No entender da diretora, a contratação temporária é vantajosa, pois o

profissional está aberto e mais flexível a mudanças, enquanto o servidor concursado

questiona, discute o proposto e discorda; em suma, quando o profissional conhece seus

direitos e tem atuação, compromisso político e social, as relações entre direção e professor

se tornam mais difíceis para se administrar. Demanda, por isso, estratégias da equipe para

liderar e organizar trabalhadores com diferentes expectativas e vínculo temporário com a

comunidade escolar. De modo mais profundo, as relações com professores efetivos exigem

um tipo de liderança que leve em conta a participação e o convencimento quanto a objetivos

e métodos de trabalho, para que se envolvam completamente com seu trabalho; situação

essa nem sempre proporcionada pela Secretaria de Educação, o que faz com que tais

relações entre a direção da escola e os professores passem a ser cada vez mais

contraditórias. A presença do profissional contratado temporariamente implica, por sua vez,

em um novo tipo de organização do trabalho pedagógico.

[...] eu comecei a perceber que a forma como o trabalho, como a parceria com a Matemática estava acontecendo não estava tendo os resultados satisfatórios em sala de aula. Então, a forma como o professor Mário estava vindo para cá, planejando, coordenando com as professoras [...] é uma coisa que é a longo prazo [...] só que meu grupo da tarde não vai ficar comigo a longo prazo, ele está comigo agora, então eu tenho que ter uma nova forma de capacitação, continuada, que é mais imediata, que ao mesmo tempo que pense nas questões conceituais também possa fazer as ponderações e possa mostrar na prática como é que determinadas coisas acontecem. Então é uma pesquisa-ação. Mais rápida do que talvez o grupo da manhã, que é um grupo que então pensaria mais, quer refletir, elas não vão querer alguma coisa mais pronta, elas vão querer digerir aquilo, e depois transformar aquilo no seu trabalho pedagógico em sala de aula. Então são dois grupos. (Diretora, 22/07 10h18m).

Para a diretora, a organização da formação em serviço entre as professoras

precisa ser diferenciada, pois aquelas de contrato temporário necessitam de um

aprendizado de aplicação imediata, sem o tempo de reflexão necessário para um

desenvolvimento profissional mais duradouro, como na formação continuada oferecida às

professoras concursadas. A professora P7 comenta sobre um curso de capacitação em que

foi impedida de se matricular em razão de ter sido priorizado às professoras concursadas.

Não, eu não fiz esse curso. Tem algumas professoras sim, que tem um dia para o curso. No meu caso, eu e a P15, nós não pudemos. Porque tinha muitos professores inscritos e aí deram preferência para os efetivos. (P7).

Esse fato revela a necessidade de organização diferenciada por parte da equipe

pedagógica para administrar os variados perfis de trabalhadores da escola. O dualismo do

tipo de contratação reflete em dualismo na gestão do trabalho pedagógico, o que exige

capacidade do grupo de direção em lidar com esses dois perfis profissionais no cotidiano da

organização do trabalho e da formação dos professores.

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84

Portanto, pode-se afirmar que as professoras de contrato temporário, por se

sentirem inseguras no emprego, sentem-se mais pressionadas para participar das inúmeras

atividades da escola e, por isso, são vistas pela direção como mais ativas, criativas,

cooperativas no trabalho em equipe. Por outro lado, sua formação é mais aligeirada e

menos aprofundada se comparada à formação das professoras concursadas. Ou seja, seu

trabalho é mais precarizado e, por isso, sujeito a maior intensificação.

2.3 Ambiguidades da/na Participação da comunidade escolar

A participação pode apresentar múltiplos sentidos, como o conceito formulado

por Silva, L. (2005) de participação-execução:

[...] a participação associada à execução passa a ser entendida como critério de eficiência na realização das ações e, também, uma espécie de parâmetro de avaliação e de demarcação dos limites para a ação dos agentes escolares, o que transforma a participação em uma espécie de técnica de gestão. (SILVA, L., 2005, p. 275-276)

A partir dessa formulação, estabelecemos outros conceitos que chamamos de

participação-movimento e participação-decisão.

A participação-decisão adquire um sentido democrático de decisão sobre os

princípios educativos a serem praticados na escola até as decisões sobre os aspectos

operacionais do cotidiano escolar. Concordamos com o entendimento de participação

elucidado por Lima (2001, p. 71) definida como:

[...] um projecto político democrático, como afirmação de interesses e de vontades, enquanto elemento limitativo e mesmo inibidor da afirmação de certos poderes, como elemento de intervenção nas esferas de decisão política e organizacional, fator quer de conflitos, quer de consensos negociados.

Para esse autor, a orientação da participação se apresenta sob dois tipos: a

espontânea e a organizada, e, dentro desta, a participação decretada. Lima dedica-se a

analisar a participação nas instituições, particularmente na instituição escolar, a partir de

quatro critérios: a democraticidade, a regulamentação, o envolvimento e a orientação.

O conceito de participação-movimento parte do princípio de que a escola de

qualidade é aquela que desenvolve maior número de projetos possíveis. Para isso prescinde

que todos os sujeitos da escola sejam responsáveis por várias atividades que envolvam a

comunidade, por necessidade de alternativas de financiamento, ou por participação em

eventos impostos pela Secretaria de Educação. A prática da participação-movimento

mostrou levar as professoras a sentirem-se assoberbadas de trabalho.

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Na escola pesquisada, cabe aos professores incentivar os alunos a pedirem aos

pais que participem, pagando a taxa de contribuição voluntária à Associação de Pais e

Mestres (APM), que funciona como alternativa de financiamento dos recursos necessários

para a manutenção da escola. Essa necessidade de angariar fundos para a escola faz parte

de um processo resultante da política de cortes de gastos do Estado; segundo Torres

Santomé (2003), uma das primeiras atitudes de um governo comprometido com o

neoliberalismo.

Nas preparações para a festa junina, evidenciou-se esse fato, assim como a

intensificação de trabalho que essa atribuição acarreta aos professores. Para a festa, eram

atribuições das professoras recolher e controlar a quantidade de prendas59 levadas pelos

alunos para a festa junina, além das atividades pedagógicas referentes à festa, como a

busca à internet de coreografias típicas das regiões brasileiras e ensaio da dança com as

crianças, além da confecção de materiais decorativos. Os professores trabalharam os

conteúdos de Matemática com as quantidades, pesos e variedades de alimentos e objetos

doados pelas famílias para se realizar o festejo, cujo objetivo prioritário, segundo a diretora,

era “[...] ganhar dinheiro”, entre outros como “[...] estreitar laços com a comunidade”

(Anotação de Campo, Reunião Coletiva, dia 11/06, 10h10).

Na mesma reunião, a professora P7 de contrato temporário sugere que as

próprias professoras façam o controle do dinheiro arrecadado, pois o tema da reunião se

enveredou para os problemas financeiros pelos quais passam a escola. Nesses exemplos

encontrados no campo, percebe-se a contradição das atribuições dos profissionais docentes

a que se referiu Torres Santomé (2003): as professoras têm a preocupação de inserir a

comunidade na escola, fazer relação entre os conteúdos e a realidade significativa dos

alunos a fim de lhes parecerem mais atraentes e, por isso, mais eficientes no processo

ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo, as necessidades materiais da escola as obrigam a

pensar na contabilidade da APM e elas sentem-se no dever de solucionar o problema, cuja

natureza e origem extrapolam os muros da escola.

Você se envolve não só com o trabalho, mas com tudo que está acontecendo dentro da escola. São coisas boas e são coisas ruins. O que eu vejo? Todas essas atividades que estão sendo realizadas..., eu vejo aqui nessa escola, é muito participativa. Eu vejo os pais, são muito participativos também. Então eu acho que a questão dos pais estarem aqui na escola, faz com que a escola realmente seja diferente. Não só pelos pais, mas eu acho também pela postura da diretora, eu acho que ela é uma líder, eu acho que ela é uma gestora. Então isso faz com que a escola, ela tenha esse dinamismo todo. Ela produz um trabalho que não é fácil. Você tem que estar realmente, é::, tem que ter coragem, eu diria, coragem, porque são tantas situações [...] [a diretora] está sempre preocupada em trazer coisas novas para escola, está sempre preocupada em ver a escola crescer, não ficar estagnada. (P4).

59

Alimentos, roupas e demais objetos doados pela comunidade para serem utilizados na produção da festa junina.

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86

É um trabalho que requer muita dedicação, muito esforço e muita... tem que ter tranquilidade também, ter os pés firmes, a pessoa que não for equilibrada, ela não dá conta... Porque tem os prazos para entrega, como você viu, tem relatório, tem reuniões, tem... E isso é cansativo demais. Então se você não tiver sempre em dia, sempre correndo atrás, sempre agilizando... E você não pode deixar o tempo passar não. Você tem que ser ágil. (P7).

A imagem de escola dinâmica, ativa, participativa que permeia o ideário

propagado em horário nobre pelos telejornais e pela imprensa em geral como sinônimo de

escola de qualidade, implica, necessariamente, em esforço sobre-humano de toda a

comunidade escolar, especialmente dos professores e da equipe pedagógica.

Isso tudo soma-se a outras atribuições inerentes ao trabalho docente, como a

preparação e avaliação do trabalho didático e aperfeiçoamento profissional.

Você não pode adoecer, você não pode falhar. Porque uma falha dentro da escola, o prejuízo é enorme. (1). Entendeu? [...] Olha, que loucura! Olha que loucura! (3). Eu vejo que as meninas [da equipe pedagógica] estão extremamente cansadas, e eu não tenho nem como estender a mão pra ajudar em alguma coisa. Porque eu estou tentando sobreviver. (P2). Esse ano eu estou em outubro, eu estou cansada, desgastada. Tem dias que parece que nem pensamento não tem mais o que pensar, sabe? Quando a gente se sente assim, abatida, sugada, é assim que eu ando me sentindo. [...] Porque eu trabalho dentro da sala de aula, no horário de aula, ele é intenso, (.), e no horário inverso, quando você vai pegar para atender tu tem que pegar aquelas crianças para atender de novo. Então tem dias que a gente acaba o dia, (.), exaurida, a palavra é essa. (P5).

Vejamos outras definições que o termo participação pode carregar. No relatório

“Educação um tesouro a descobrir”60 feito por Jacques Delors et al., para a Comissão

Internacional da Unesco, o texto com o subtítulo “Uma educação à prova da crise das

relações sociais” tem como objetivo o convencimento de que a sociedade precisa evitar o

conflito e manter o mínimo de coesão social para a manutenção dos conceitos e práticas de

democracia e de nação. Tal coesão será alcançada por meio da participação, iniciada nas

instituições educacionais, pois a escola apresenta dupla função, pode ser “fator de exclusão

social e, ao mesmo tempo, seja fortemente solicitada como instituição-chave para a

integração ou reintegração” (Delors et al., 1998, p. 56).

Nas sociedades complexas atuais, a participação em projetos comuns ultrapassa em muito a ordem do político em sentido estrito. É de fato no dia-a-dia, na sua atividade profissional, cultural, associativa, de consumidor, que cada membro da coletividade deve assumir as suas responsabilidades em relação aos outros. Há, pois, que preparar cada pessoa para esta participação, mostrando-lhe os seus direitos e deveres, mas também desenvolvendo as suas competências sociais e estimulando o trabalho em equipe na escola (DELORS et. al, 1998, p. 60 e 61).

60

Esse relatório é citado no PPP da escola como norteador dos princípios educacionais da comunidade.

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Para Silva, L. (2005), o conceito de participação foi ressignificado pelos

organismos internacionais a fim de se viabilizar as reformas no campo da educação,

tomando como base o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE (2005), que cumpre o

papel de orientador das diretrizes da gestão do trabalho docente, fundamentados na

eficiência e eficácia dos resultados. Esse direcionamento dos objetivos, missão e

organização do trabalho da escola deveu-se ao diagnóstico feito pelos organismos

internacionais, que apontavam como causa dos problemas educacionais o modelo de

gestão ultrapassado, centralizado, burocratizado, sem controle da comunidade. De acordo

com o autor, há um contexto de disputa acirrada entre as concepções antagônicas sobre a

finalidade da educação e de sociedade que se pretende construir: de um lado os

movimentos sociais, e de outro, os organismos multilaterais. Houve, mais precisamente,

uma ressignificação do conceito de participação como estratégia para reformar o modelo de

gestão escolar. O autor aponta o relatório de Jacques Delors para mostrar essa mudança no

significado de participação. Afirma ele:

O conceito de participação contido nos documentos apresentados pelos organismos multilaterais busca ressignificar o histórico compromisso e as motivações políticas que envolveram a participação da sociedade civil, reconfigurando a sua essência a uma lógica exclusivamente econômica e moral. Ocorre um processo de transformação da participação da sociedade civil da órbita do Estado de direito para a dimensão do Estado de investimento social regido pela lógica da moral da solidariedade social (SILVA, L., 2005, p. 272).

No Distrito Federal, a participação foi regulamentada em portaria pela então

Secretária, Eurides Brito, versando sobre as associações de pais e mestres:

Art. 1º Determinar aos administradores escolares que adotem iniciativas no sentido de promover a criação ou reativação de associações vinculadas aos estabelecimentos da rede pública de ensino para que favoreçam o entrosamento entre pais de alunos ou responsáveis, professores, servidores e alunos, possibilitando-lhes uma plena integração da escola com sua comunidade. (Portaria Nº 119, 2002).

Lima (2001) denomina esse tipo de regulamentação dentro do conceito de

participação decretada. Para ele, a participação nas organizações ocorrem quando os

sujeitos tomam parte nas decisões, diferente da participação de facto, quando os sujeitos

participam apenas pelo fato de pertencer à instituição. A participação pode advir pela via

direta, cada vez mais rara pela maior complexidade que as organizações adquiriram; ou

indireta quando mediatizada por representantes de representação livre, representação

vinculada ou imperativa (representantes dos interesses gerais) ou como delegado

(representante de interesses particulares). O autor considera a regulamentação da

participação como requisito organizacional e importante base de legitimação.

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A fala da professora P2 aponta a participação no sentido que Silva, L. (2005)

identifica como conceito construído pela sociedade civil, pelos movimentos populares, a

participação-decisão. No entanto, a professora revela o quanto é difícil conciliar a

participação na gestão da escola com todas as suas outras atribuições:

Então, eu faço parte do conselho de classe. Gente é um sacrifício enorme! Você vir para reunião, ainda à noite. Eu moro em Sobradinho. Eu saio da minha casa dez para as sete [da manhã]. Entro na minha casa no horário de almoço, sento na mesa, engulo a comida, desço, para chegar duas horas aqui. Então cinco horas da tarde acaba aqui o horário [...] dia nenhum cinco horas eu saio, é muito raro. Sempre, no mínimo, meia hora a mais de trabalho você acaba fazendo. Aí no dia que você tem reunião, para mim isso significa ficar aqui direto porque eu não tenho como ainda ir em casa de novo, para voltar [...]. E ao mesmo tempo eu não tenho coragem de ir, porque são coisas importantes. Eu não quero o melhor para minha escola? Eu preciso dar minha opinião. Eu acho que a pior coisa que existe é depois que a coisa foi decidida e eu não estava lá. Então agora eu vou ter que engolir, e eu detesto engolir o que eu não concordo. Então para isso eu tenho que participar. (P2).

Para a professora, a participação tornou-se imprescindível, mas, ao mesmo

tempo, elemento de mais trabalho. Ela demonstra ter consciência política de que é

necessário participar; as razões apontadas são no sentido de partilhar o poder de decidir os

rumos da escola, assim como apoiar a equipe pedagógica e compartilhar com os pais o

trabalho desenvolvido por todos. No entanto, revela sua ansiedade, aflição e tensão caso

possa, por algum motivo, se ausentar da reunião do Conselho. Esse cargo passou a fazer

parte de sua atribuição como membro da comunidade escolar para contribuir na decisão e

resolução das dificuldades.

Não dá para deixar as pessoas sozinhas. Você quer fazer parte de um grupo, você tem que ajudar o grupo. [...] Você tem que estar junto, você tem que apoiar. Então, eu imagino que para os pais, ouvir a direção é uma coisa, ouvir os professores é outra história. Porque cada um tem sua perspectiva. Um está lá dentro da sala, o outro não está. O outro está administrando tudo, então tem uma visão diferente. Cada um está vendo de um aspecto. Então é interessante quando estamos todos juntos. Porque às vezes aquilo que podia virar um problemão, não vira. [...] É a hora de se entender, é a hora de as pessoas se entenderem. (P2).

O relatório da Unesco parece ter sucesso na difusão da ideologia da coesão

social e da (re)formação de uma identidade nacional, reduzida em razão da globalização da

cultura. O objetivo comum da comunidade é valorizado como uma ação a ser desenvolvida

na escola, busca submergir os conflitos, inclusive, entre as classes sociais.

Graças à prática do desporto, por exemplo, quantas tensões entre classes sociais ou nacionalidades se transformaram, afinal, em solidariedade através da experiência e do prazer do esforço comum! E no setor laboral quantas realizações teriam chegado a bom termo se os conflitos habituais em organizações hierarquizadas tivessem sido transcendidos por um projeto comum! (DELORS et al., 1998 , p. 98)

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89

A ocultação dos conflitos parece ser o principal objetivo do relatório, além de

fazer com que as instituições escolares desenvolvam nas crianças dos países periféricos o

espírito conciliador. Ao analisar o relatório foi-se vislumbrando o quanto a escola busca

alcançar em suas práticas educativas as orientações desse relatório, citadas no Projeto

Político Pedagógico e exercidas efetivamente em seu cotidiano. A resolução de conflitos

através do diálogo em busca da conciliação e coesão da comunidade, a educação para a

paz, ações para se aprender a viver com opiniões diferentes, entre outros, fazem parte dos

princípios que regem o dia-a-dia da escola.

No entanto, o significado que o relatório pretende inculcar parece não surtir o

efeito esperado, pois foi observada na escola pública a disposição em superar os conflitos,

mas nunca em ocultá-los ou reprimi-los.

Para Silva, L. (2005), a principal diferença no sentido dado à participação é a

“perda da perspectiva de classe” que há nessa nova compreensão dos organismos

multilaterais sobre o conceito de participação da comunidade escolar. Para esse autor, há

um esvaziamento da compreensão do processo de participação e perde-se a perspectiva

histórica de socialização do poder, construída pelos movimentos sociais.

A acepção dada pela Unesco, para esse princípio, é o modelo de participação-

execução, “o modelo de participação consubstanciado no PDE centraliza as decisões e

fragmenta a execução das atividades” (SILVA, L. 2005, p. 274). Não parece ser o sentido de

participação-execução que as professoras interiorizaram. Constata-se um outro

posicionamento das professores quando das determinações de programas e currículos

educacionais. A professora P2 mostrou-se muito crítica em relação ao material oferecido

para a execução do projeto Ciência em Foco: “falta material concreto, [falta] fotografias do

corpo humano, [tem] muito desenho, nenhum vídeo, [não há] imagens [...] não inova em

relação ao tradicional livro didático. A professora reluta em aceitar as imposições do

programa e deixa claro que não atrasará seus próprios planos em andamento: não

prejudicarei meus projetos para dar conta do (projeto) Ciência em Foco (Coordenação por

série, 4ª série, 16/05).

Para a professora P3, a maior mudança em relação ao seu trabalho foi a

extensão da autonomia do professor, proporcionada por uma gestão que compreende a

necessidade de sua participação. Para ela, o fato de poder escolher as atividades

pedagógicas que desenvolverá com seus alunos, sem a interferência de supervisores

quanto aos objetivos e métodos de seu trabalho constitui-se espaço de participação.

É, essa é a maior mudança. Mas, vai depender muito da atuação da própria direção, da concepção que a direção tem de participação. Se você tiver diante de uma direção que não tenha, mesmo sendo uma gestão participativa, que ela não tenha uma visão de participação, que a participação seja de acordo com o que ela entende, ou ela não ouça a

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própria coletividade, acho que não vai ter garantia de participação. Na verdade a garantia de participação como a gente deseja não vai ocorrer. (P3 24”01‟).

Percebe-se que há ainda um embaraço entre as concepções de participação;

por um lado, as professoras possuem um histórico de luta em favor da educação pública e

de garantia de seus direitos trabalhistas, e por outro lado, o objetivo dos organismos

internacionais foi de desestruturar essa percepção de participação nas decisões,

desarticular a capacidade de decisão na comunidade escolar, além de estabelecer um

mecanismo de “coerção e controle realizado pelos próprios membros da escola” (SILVA, L.

2005, p. 278). Isso pode ter resultado, na prática, num amálgama de entendimentos nem

sempre correlatos entre os sujeitos envolvidos na comunidade escolar. As orientações

imprimidas à escola almejam a subordinação a novas regras de funcionamento e novas

configurações no trabalho docente; por outro lado, as professoras construíram, ao longo de

sua experiência docente, um conceito e uma prática de participação que se efetiva em suas

escolhas em relação à finalidade das atividades desenvolvidas na escola.

No final do primeiro semestre letivo, houve um conflito na escola que pode

ilustrar esse ponto de vista. Foi entre a equipe pedagógica e as professoras, supostamente

em razão dos diferentes entendimentos quanto ao caráter da participação em relação às

decisões sobre o calendário letivo e as atividades realizadas na escola.

Os alunos da escola foram convidados, pela Regional de Ensino do Plano

Piloto/Cruzeiro, a tomarem parte de um evento que, de início, foi entendido pela equipe

pedagógica como uma partida de futebol de salão profissional. Durante o evento, as

professoras perceberam que se tratava de outro acontecimento. Não haveria jogo de

futebol, era apenas o sorteio dos times para os jogos mundiais do esporte, a realizar-se em

setembro/2008. O sorteio era apenas uma etapa do evento e contou com a presença de

autoridades locais e nacionais, como o governador do Distrito Federal e o Ministro do

Esporte, entre outros. Segundo as professoras, esse evento foi utilizado para fins de

promoção política, e elas se sentiram “usadas” para a propaganda do Governo do Distrito

Federal para mostrar à sociedade a participação da escola no evento promovido pelo GDF e

o Ministério do Esporte.

Nesse dia, ao chegar à escola para acompanhar uma reunião geral de avaliação

do semestre, encontrei muitas famílias descontentes esperando as crianças chegarem do

evento, pois as informações sobre os horários foram desencontradas. Além do tempo de

duração do evento, outros fatores foram relevantes para o desconforto das professoras com

a situação. As professoras encontravam-se visivelmente cansadas, irritadas e contrariadas

com a desorganização e desinformação, sobretudo com a exclusão a que foram

submetidas. Por outro lado, a equipe pedagógica sentiu que algumas professoras

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desconfiaram de seu desconhecimento em relação às informações sobre a atividade, o que

causou imenso mal estar no relacionamento profissional entre elas, justamente no dia em

que estava programada uma avaliação geral do trabalho do primeiro semestre, contando

com a presença de todos os trabalhadores da escola: servidores, bolsistas e professoras.

Esse desentendimento entre os sujeitos da comunidade, provocado por situações e agentes

da administração exteriores à escola, gerou conflitos e desconfianças entre os membros da

comunidade e evidencia como são díspares as noções e os sentidos atribuídos à

participação.

Na opinião da professora P2, para que haja a participação efetiva de toda a

comunidade, é preciso que se tenha uma concepção de gestão que se abra à participação

na tomada de decisões importantes, e não apenas na execução de tarefas decididas pelos

professores em razão de seu saber técnico. Para ela, a participação real da comunidade

exige mais trabalho e energia dos professores e do grupo gestor.

Essa é uma escola diferente, e isso já exige @muita coisa da gente@, porque pra você ter participação da família, a participação aqui é uma participação verdadeira, eu costumo dizer isso. Porque eu conheci muitos lugares que [...] quer a participação dos pais na festa, pagando a APM, nas reuniões. É a participação que é do pai. Você não quer o pai entretido diretamente na vida da escola, tomando decisão: que dia vai ser a festa, que dia vai ser isso, como vamos fazer aquilo, entendeu? Porque nós, professores, diretor, a escola em si, a gente queria, a gente achava... a gente tinha um poder na mão. O poder de saber, o poder da posição. [...] Então a escola teve que desmontar e desmanchar isso tudo. Agora, para isso, você tem que ter uma equipe de direção que seja capaz de atuar e coordenar isso tudo. E não é qualquer pessoa, qualquer equipe que dá conta disso. (P2).

A participação que as professoras e a equipe pedagógica defendem, incentivam,

estimulam e praticam na comunidade tem o pressuposto da participação-decisão, entra em

conflito com o conceito de participação difundido pela Unesco e requerido pela Secretaria de

Educação com fundamentos na participação-execução.

De toda forma, a gestão que opta por compartilhar o poder, por meio da

participação, convive com mais trabalho para administrar as demandas oficiais, as

necessidades da comunidade e os conflitos inerentes a essa escolha. Eis uma nova

atribuição exigida pela gestão democrática e pela própria comunidade escolar ao

trabalhador docente.

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2.4 Atribuições exigidas do profissional docente

Esta seção pretende desvelar e analisar as novas exigências colocadas ao

professor e como elas contribuem para o aumento do trabalho docente. Para isso, são

analisados os textos que orientam a legislação de instâncias nacional e local que fazem

referência às funções pertinentes aos profissionais docentes, para, em seguida, ater-se à

legislação do Distrito Federal, e sua configuração nas práticas cotidianas na escola pública.

O mesmo relatório da Unesco, “Educação: um tesouro a descobrir” (1998), versa

também sobre a Educação que se almeja para o século XXI e admite objetivamente que são

muitas as atribuições determinadas aos professores:

A competência, o profissionalismo e o devotamento que exigimos dos professores fazem recair sobre eles uma pesada responsabilidade. Exige-se muito deles e as necessidades a satisfazer parecem quase ilimitadas. Em muitos países a expansão quantitativa do ensino resulta muitas vezes na falta de professores e em turmas superlotadas, com as consequentes pressões sobre o sistema educativo (DELORS et al., 1998, p. 155).

O Relatório (1998) também faz menção aos ajustes econômicos praticados pelos

países em desenvolvimento sob a orientação dos países desenvolvidos e faz alusão às suas

consequências no financiamento da educação, reconhecendo a queda dos salários dos

professores, apesar da conhecida atuação de organização dessa categoria no mundo todo

em favor de melhores condições para a educação e para o trabalho dos professores.

Considerado este aspecto sobre os sindicatos de professores, o relatório recomenda:

Seria desejável que o diálogo entre organizações de professores e autoridades responsáveis pela educação melhorasse e que, ultrapassando as questões salariais e as condições de trabalho, o debate se estendesse à questão do papel central que os professores deveriam ter na concepção e concretização das reformas do sistema educativo. As organizações de professores podem contribuir de forma determinante para instaurar na profissão um clima de confiança e uma atitude positiva diante das inovações educativas. Em todos os sistemas educativos elas constituem uma via de conciliação com os profissionais do ensino, seja em que nível for. A concepção e aplicação das reformas devia ser uma ocasião de busca de consensos sobre as finalidades e os meios. Nenhuma reforma da educação teve êxito contra ou sem os professores (DELORS et al., 1998, p. 156. Grifos nossos)

Mesmo admitindo que as condições e salários dos professores pioraram em

razão de ajustes econômicos, o relatório recomenda que se conte com a colaboração dos

mesmos, sem a qual se torna inviável o sucesso das reformas no sistema educacional.

Propõe que se “ultrapasse” as questões centrais da categoria, como as salariais e condições

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de trabalho, em nome de uma reforma em que os professores não foram consultados. A

sugestão é que os professores sejam utilizados para que se efetivem as mudanças

supostamente necessárias, ainda que com o sacrifício de seus salários e condições de

trabalho. Sem limites, os organismos externos atualizam a prática da separação entre

planejar e executar além de demonstrar o desejo conservador de tratar o professor como

sacerdote, como aquele que abdica de seus direitos como trabalhador em nome de uma

devoção idealizada da profissão. Outro aspecto a ser ressaltado é em relação ao conceito

de democracia. Após o uso abusivo da utilização de seu termo por parte dos diferentes

segmentos sociais, seu significado parece ter sido também ressignificado, pois democracia

nem sempre pode ser entendida como consenso das partes, mas também como preceito de

disputas entre interesses divergentes, onde apenas uma consegue se impor (LIMA, 2001).

O Ministério do Trabalho e do Emprego – MTE publica desde 1982 as

atribuições das diversas ocupações por meio do “documento que reconhece, nomeia e

codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho

brasileiro”, a Classificação Brasileira de Ocupações61. Essa classificação foi realizada por

pesquisadores de universidades públicas, profissionais do Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial – Senai, além de comissões de trabalhadores de cada área.

As atribuições para os demais trabalhadores em educação, entre eles o

Coordenador pedagógico (Auxiliar de coordenação de ensino fundamental de primeira a

quarta séries, Auxiliar de coordenador escolar, Coordenador auxiliar de curso, Coordenador

de disciplina e área de estudo, Coordenador de ensino, Coordenador escolar); Orientador

educacional62 (Auxiliar de orientação educacional, Orientador de disciplina e área de

estudo, Orientador de ensino, Orientador escolar, Orientador profissional, Orientador

vocacional e profissional); Pedagogo (Auxiliar de orientação pedagógica, Auxiliar de

orientação pedagógica em educação fundamental de primeira a quarta séries, Coordenador

de orientação pedagógica, Coordenador de serviço de orientação pedagógica); Supervisor

de ensino (Auxiliar de supervisão de ensino, Auxiliar de supervisor escolar, Supervisor

61

“A estrutura básica da CBO foi elaborada em 1977, resultado do convênio firmado entre o Brasil e a organização das Nações Unidas – ONU, por intermédio da Organização Internacional do Trabalho – OIT, no Projeto de Planejamento de Recursos Humanos (Projeto BRA/70/550), tendo como base a Classificação Internacional Uniforme de Ocupações – CIUO de 1968 [...]. Em 1994 foi instituída a Comissão Nacional de Classificações - Concla, organismo interministerial cujo papel é unificar as classificações usadas no território nacional. A partir daí iniciou-se um trabalho conjunto do MTE e o IBGE no sentido de construir uma classificação única”. A Portaria nº 397, de 09 de outubro de 2002 aprova e autoriza a publicação da CBO/2002. Disponível em: www.mtecbo.gov.br Acesso em: 17/01/2009.

62

O Decreto nº 72.846, de 26 de setembro de 1973 regulamenta a Lei nº 5.564/68 que dispões sobre o exercício da profissão de orientador educacional.

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educacional, Supervisor pedagógico). A seguir as descrições mais recentes das atribuições

dos professores:

Quadro 02 - Atribuições dos Professores das primeiras séries do Ensino Fundamental.

ATRIBUIÇÕES DOS PROFESSORES

1994 2002

• Ministra aulas transmitindo os conteúdos

pertinentes de forma integrada e através

de atividades.

• Participa das reuniões de planejamento,

programas e métodos a serem adotados

ou reformulados.

• Elabora o plano de aula;

• Seleciona ou confecciona o material

didático a ser utilizado, para facilitar o

ensino-aprendizado;

• Organiza solenidades comemorativas de

fatos marcantes da vida brasileira,

promovendo concursos, debates,

dramatizações ou jogos;

• Elabora e aplica testes, provas e outros

métodos usuais de avaliação;

• Elabora fichas cumulativas, boletins de

controle e relatórios, para manter um

registro que permita dar informações ao

Serviço de Orientação Pedagógica;

• Pode lecionar também artes e trabalhos

manuais, em nível elementar;

• Pode especializar-se na alfabetização de

adultos e crianças.

• Ministram aulas (comunicação e expressão,

integração social e iniciação às ciências) nas

quatro primeiras séries do Ensino Fundamental.

• Preparam aulas;

• Efetuam registros burocráticos e pedagógicos;

• Participam na elaboração do projeto

pedagógico;

• Planejam o curso de acordo com as diretrizes

educacionais;

• Atuam em reuniões administrativas e

pedagógicas;

• Organizam eventos e atividades sociais,

culturais e pedagógicas. Para o desenvolvimento

das atividades, utilizam constantemente

capacidades de comunicação;

• Desenvolvem trabalho junto a crianças,

adolescentes e adultos, em comunidades com

contextos culturais e sociais diversificados;

• Trabalham de forma individual e em equipes,

sob supervisão, predominantemente em zonas

urbanas, tanto em espaços especialmente

destinados ao ensino, como em ambientes

improvisados, em horários regulares e variáveis.

Fonte: CBO - Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e do Emprego – MTE. Disponível

em: www.mtecbo.gov.br Acesso em: 17/01/2009.

Implementam, avaliam, coordenam e planejam o desenvolvimento de projetos pedagógicos/instrucionais nas modalidades de ensino presencial e/ou a distância, aplicando metodologias e técnicas para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Atuam em cursos acadêmicos e/ou corporativos em todos os níveis de ensino para atender as necessidades dos alunos, acompanhando e avaliando os processos educacionais. Viabilizam o trabalho coletivo, criando e organizando mecanismos de participação em programas e projetos educacionais, facilitando o processo comunicativo entre a comunidade escolar e as associações a ela vinculadas. (Classificação Brasileira de Ocupações, CBO, Ministério do Trabalho, 2002).

Na LDBEN, Lei 9.394/96, as atribuições para os trabalhadores docentes são

encontradas no Art. 13º:

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Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

O trabalho docente tem um papel decisivo no processo educacional, segundo as

Diretrizes para a Formação dos Professores e Valorização do Magistério. Em relação à

jornada de trabalho e às atribuições do profissional docente, o documento afirma:

[...] a jornada de trabalho dos docentes poderá ser de até 40 (quarenta) horas e incluirá uma parte de horas de aula e outra de horas de atividades, estas últimas correspondendo a um percentual entre 20% (vinte por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da jornada, consideradas como horas de atividades aquelas destinadas à preparação e avaliação do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola

(CNE/CEB. Resolução nº 03, de 8/10/1997).

Entidades da sociedade civil, organizadas em torno dos diversos interesses na

área de Educação, também se pronunciam em relação ao trabalho docente. A Associação

Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE, em 2004, elaborou um

documento (em co-autoria com a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação – ANPEd e o Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES) enviado ao

Conselho Nacional de Educação para ser acatado nas Diretrizes Curriculares Nacionais

para os Cursos de Pedagogia, o trabalho docente é a base da formação de todos os

trabalhadores da educação.

Nossas posições históricas – a luta pela formação do educador de caráter sócio-histórico e a concepção da docência como base da formação dos profissionais da educação – têm outro caráter: indicam a necessidade de superação tanto da fragmentação na formação – formar, portanto, o especialista no professor – quanto para a superação da dicotomia – formar o professor e o especialista no educador [...] A formação docente, por sua vez, como especificada no Art. 65 da LDBEN/96, inclui, necessariamente, uma prática de ensino (ANFOPE, 2004, p. 02).

No Distrito Federal, do ponto de vista dos trabalhadores, o efeito esperado por

essa política de quarenta horas semanais era a melhora das condições de trabalho do

professor. Por jornada ampliada entende-se o aumento do tempo dos alunos na escola, que

passa de quatro para cinco horas diárias; em compensação, os professores teriam, dentro

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de sua jornada de trabalho de quarenta horas, um período para o planejamento de suas

atividades e para o aprimoramento de sua formação profissional.

Quando se criou essa Jornada Ampliada, ficou aquela coisa, “ah, agora o professor vai ter bastante tempo para coordenar”, na verdade nós mudamos a metodologia do trabalho, porque nós entrávamos na sala quando tínhamos uma turma de manhã e outra de tarde, a gente planejava num dia da semana, entrava na sala e dava conteúdo [...] agora se exige do professor que ele dê conta de um em um, uma por uma das dificuldades de cada criança. A gente precisa olhar a criança como um ser único, como um indivíduo. As diferenças, trabalhar cada diferença, então esse tempo que sobrou, esse tempo que ficou para coordenar, não dá, não dá mais, porque só são três horas. (P5).

No Distrito Federal, nas séries iniciais – 1º ao 5º ano – são 5 horas diárias,

seguidas, de trabalho com crianças em idade entre seis e dez anos, em sala de aula, sem

aporte de materiais pedagógicos, audiovisuais e espaços adequados à prática de esportes,

artes, entre outras atividades lúdicas.

A Jornada Ampliada com certeza foi um ganho muito grande para a gente [...] a gente acaba se adaptando, a verdade é essa. Porque quando eu não tinha a Jornada Ampliada eu trabalhava no mesmo dia e conseguia cumprir minhas obrigações do mesmo jeito e preparava material, fazia projetos nesse único dia que tinha. Agora eu tenho a manhã e as manhãs são curtas@. Temos mais tempo e a gente vai inventando mais coisas. (P6).

Na visão da professora, a intensificação do trabalho ocorre por responsabilidade

das próprias professoras, que sentem-se insatisfeitas com o trabalho desenvolvido e

procuram “mais coisas” para complementar os afazeres. Ao falar que as manhãs são

insuficientes, a professora expressa um pequeno sorriso, demonstrando contrariedade por

sua percepção de que não consegue dar conta do trabalho apesar do tempo destinado ao

planejamento. Ela enxerga a jornada de forma positiva, como um benefício alcançado pela

categoria, mas ao mesmo tempo, percebe que o tempo continuou insuficiente para a

realização de seu trabalho.

A legislação do Distrito Federal que regulamenta a carga horária dos professores

é a Lei nº 3.318 de 11 de fevereiro de 2004, de autoria do poder Executivo que dispõe sobre

a carreira do Magistério Público do Distrito Federal.

Seção VII Da Carga Horária de Trabalho Art. 12. A carga horária de trabalho do servidor da carreira Magistério Público do Distrito Federal é de: a) vinte horas semanais, para o servidor atuar exclusivamente no turno noturno; b) quarenta horas semanais, para o servidor atuar no turno diurno (matutino e vespertino). § 1º O servidor que, em 29 de fevereiro de 2004, estiver submetido à carga horária semanal de vinte horas no turno diurno ou de quarenta horas, sendo

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vinte horas no turno diurno e vinte horas no turno noturno, permanecerá nessa situação, observado o disposto no § 2º. § 2º É admitida a alteração de carga horária de vinte para quarenta ou de quarenta para vinte horas semanais. Art. 13. Ao servidor da carreira Magistério Público do Distrito Federal com carga horária de vinte horas semanais é admitida carga horária eventual de trabalho para substituição temporária. Art. 14. Fica assegurado ao professor, em regência de classe e ao especialista de educação/orientador educacional, em exercício nas unidades de ensino, o percentual mínimo de 20% (vinte por cento) de sua carga horária semanal para atividades de coordenação pedagógica. Parágrafo único. Ao professor com carga horária eventual de trabalho, em regência de classe, é assegurado o percentual de que trata o caput. Art. 15. A carga horária, a sua alteração, o turno de trabalho, diurno ou noturno, e a coordenação pedagógica serão objeto de regulamentação pela Secretaria de Estado de Educação.

O cotidiano de trabalho dos professores da escola pública revela muitas

atribuições para suprir as necessidades das escolas, entre elas, a substituição de um

professor ausente por outro que esteja em horário destinado à coordenação. A legislação

estabelece que somente os professores que atuam no regime de vinte horas semanais

façam substituições eventuais; entretanto, foi observado que as substituições são feitas por

docentes que estão disponíveis no momento; mesmo aqueles com carga horária de

quarenta horas são solicitados a fazer substituições em seus horários de coordenação.

Ao se analisar o quadro 02 da página 94, as atribuições sob o prescrito no

âmbito da legislação, observa-se uma ampliação quanto ao conteúdo, quantidade e

periodicidade das atribuições dos professores e da equipe pedagógica.

O quadro 03, nas páginas que se seguem, mostra atribuições constatadas no

período de observação:

Quadro 03 - Trabalho pedagógico identificado na escola pública. Função e Formação

Atribuições

PROFESSORAS: P1 – Magistério e Matemática P2 – Pedagogia em Alfabetização P3 – Magistério e Educação Ambiental

Em sala de aula:

- Ministrar aulas;

- Participar do

conselho de classe

participativo;

- Atender aos alunos

em suas necessidades

individualmente;

- Observar os alunos

com dificuldades de

aprendizagem e

encaminhar à Equipe de

Fora da sala de aula: - Acompanhar e ministrar aulas em ambientes

externos à escola (passeios);

- Planejar, coletiva e individualmente, as aulas;

- Preparar os materiais necessários para as

aulas;

- Atender alunos individualmente;

- Coordenar a reunião de pais;

- Informar a família o conteúdo, os métodos e

procedimentos para se alcançar a aprendizagem;

- Fazer o relatório de avaliação da turma no

início de cada ano.

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Função e Formação

Atribuições

P4 – Magistério e Estudos Sociais P5 – Magistério e Geografia P6 – Magistério e Pedagogia P7 – Magistério, Letras e Psicopedagogia.

Apoio e Sala de

Recursos;

- Servir o lanche para

os alunos e acompanhá-

los enquanto lancham;

- Fazer o diagnóstico

da psicogênese da

escrita, de acordo com

os critérios da Secretaria

de Educação;

- Fazer o diagnóstico

preliminar das crianças

com ANEE, em

cooperação com as

professoras de Apoio

Pedagógico.

- Fazer os relatórios de avaliação individuais dos

alunos a cada bimestre;

- Participar de todos os eventos da escola

(festas) proporcionando a participação dos alunos

nas produções pedagógicas;

- Corrigir tarefas;

- Corrigir atividades avaliativas;

- Participar das Reuniões de Coordenação

Coletiva da escola;

- Participar das Reuniões de Coordenação por

série;

- Participar das Reuniões do projeto de Re-

educação Matemática;

- Planejar atividades lúdicas para as oficinas da

Escola Integral;

- Preencher formulários avaliativos solicitados

pela Secretaria de Educação;

- Planejar os conteúdos para as aulas de

informática;

- Atender às famílias;

- Fazer o controle dos alunos que levam a

contribuição da APM.

Supervisora Pedagógica – Pedagoga

- Coordenar e orientar o planejamento das professoras;

- Coordenar o Projeto Ciência em Foco;

- Participar de projetos e eventos da escola;

Coordenadora Pedagógica – Mestre em Educação Matemática

- Acompanhar o Projeto de re-educação Matemática;

- Planejar, orientar e avaliar o processo de ensino-aprendizagem, dando

apoio às professoras;

- Promover ações que contribuam com as práticas didático-pedagógicas (ex:

oficina de educação matemática para a família).

Coordenadora Administrativa – Psicóloga

- Providenciar bilhetes para comunicação entre a escola e a família;

- Auxiliar a direção nas tarefas de atendimento às famílias, alunos, e no que

for necessário;

- Fazer o controle da merenda: cardápio, quantidades, compras etc.

Orientadora Educacional – Orientação Educacional

- Coordenar os Conselhos Participativos;

- Fazer a triagem de alunos com dificuldades de aprendizagem;

- Fazer triagem, por meio de teste de visão, e encaminhar para clínica da

SEDF;

- Auxiliar o médico oftalmologista na aplicação de colírios nas crianças que

passaram por consulta;

- Preencher fichas de consultas oftalmológicas;

- Participar de projetos e eventos da escola;

- Coordenar projetos com as professoras (ex.: aparelho reprodutor e

sexualidade, sobre a questão das relações sexuais, da gravidez, do abuso

sexual etc.);

- Participar da coordenação entre os orientadores das escolas da região.

Diretora – Educação Artística-Artes Cênicas

- Atender os alunos;

- Atender as famílias;

- Coordenar as ações administrativas e pedagógicas;

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Função e Formação

Atribuições

- Oportunizar o trabalho coletivo com a comunidade escolar;

- Garantir o funcionamento da escola;

- Responder e prestar contas à Secretaria de Educação de todo o

funcionamento da escola.

Vice-diretora – Pedagoga

- Substituir e apoiar o trabalho da diretora quando necessário; - Atender os pesquisadores, jornalistas e estagiárias; - Realizar as mesmas tarefas da diretora.

Apoio Pedagógico (Sala de Recursos) Professora de Apoio 1 Professora de Apoio 2

- Apoiar as professoras regentes no atendimento individualizado dos educandos;

- Acompanhar planejamentos didáticos e atividades extra-classe; - Auxiliar o processo de adaptação curricular, para contribuir para o acesso e

a permanência dos educandos; - Atender a alunos com dificuldades de aprendizagem; - Atender a alunos com ANEE; - Encaminhar as famílias aos especialistas, a depender da necessidade de

cada criança; - Participar dos conselhos participativos; - Observar o trabalho do professor, em sala de aula, e fazer a devolutiva

para as professoras (reunião da equipe pedagógica para avaliação e orientação do trabalho da professora);

- Realizar oficinas com professores, assistentes, famílias; - Trabalhar com dinâmicas em sala de aula para a sensibilização e

entendimento do projeto de inclusão; - Participar de reuniões com a equipe de ensino especial; - Participar das reuniões coletivas da escola; - Adequar o currículo aos alunos com necessidades especiais; - Participar das decisões sobre as estratégias de matrículas (enturmação); - Recepcionar os alunos nos dois períodos; - Atender os alunos em situação de conflitos; - Atender as famílias em situação de conflitos, ou com dificuldades, inclusive

com outros filhos não matriculados na escola.

Professora da sala de leitura – Magistério e Filosofia

- Atender os alunos nas consultas e empréstimos de livros e na reprodução de filmes;

- Atender os alunos conjuntamente com o Laboratório de Inclusão Digital e com a professora regente;

- Participar de projetos e eventos da escola;

Professora do Laboratório de Inclusão Digital – Pedagoga

- Atender aos alunos nas atividades conjuntas com a Sala de Leitura e com a professora regente;

- Participar de projetos e eventos da escola.

Fonte: Elaborado a partir das observações realizadas entre maio e dezembro de 2008.

Esse rol de atribuições pode ser considerado como ações inerentes ao trabalho

docente; no entanto, são construídas historicamente. Os dados e situações aqui

encontrados são indícios de intensificação nessas atribuições ao longo dos anos e como

cada uma dessas tarefas pode significar aumento de volume de trabalho para o professor.

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Para essa reflexão, vejamos a fala da professora P2 em relação às mudanças na

organização do trabalho na escola e às novas atribuições dos professores:

A diferença é tão grande! A gente não sabe, a gente tem impressão que vai explodir, com essas mudanças todas... [...] Quem é que nunca pode faltar? Se está doente, vem morrendo. Essa que é a realidade. Acaba que elas [professoras que estão trabalhando na equipe pedagógica] não têm tempo nem de ter uma vida pessoal direito delas. E isso a gente [professoras regentes] está sempre reclamando. Por quê? Porque ela tem que parar para ouvir o pai. Antigamente a diretora assinava papel. Ela ficava ali, assinava papel na reunião e tudo. Hoje em dia, o trabalho da direção da escola, meu deus, é ouvir pai, é conversar com professor, é conversar com aluno, é fazer a ponte entre as pessoas, é para eles pensarem projetos, é coordenar a construção do projeto político-pedagógico da escola, é ver se está tudo caminhando. [...] Então é um trabalho de convencimento, é um trabalho de sensibilização também. É um trabalho muito maior que envolve uma série de fatores, e que muita gente não está preparada pra isso. Então, o tempo na escola, é realmente um problema enorme. [...] Ela [diretora] já entra no portão com um grupo de pais querendo falar alguma coisa com ela [...] tem papel para responder que às vezes ela fica aqui depois do horário, de noite, porque aí a escola está vazia e ela vai conseguir olhar, ler os papéis para poder assinar, despachar, ver o que vai para o lugar, o que tem que fazer. (P2).

Apple (1995) denomina “diversificação de habilidades” no trabalho docente o que

os sociólogos chamam de multifunção ou polivalência no trabalho fabril. A multivariedade de

tarefas desempenhadas pela equipe pedagógica, e a sua desespecialização (tratada no

capítulo terceiro), além da capacidade em lidar com diversos tipos de desafios cotidianos,

caracterizam o novo perfil do professor da rede pública. Outra atribuição colocada ao

trabalho docente que revela aspectos de intensificação desse trabalho é o atendimento da

escola a pessoas de diversas áreas e com vários objetivos, como pesquisadores,

estagiários e jornalistas.

Então assim, tem muito isso também que toma tempo. Porque quando é uma observação, que entra e não atrapalha, tudo bem, mas já teve muitos momentos assim, que eu fiquei com um grupo de alunos, porque tem pais que não autorizam [a pesquisa ou entrevista], eu fico com aquele grupo de alunos, que não autorizou. É exatamente isso. Então é isso o cansaço. (P7).

A escola tem o reconhecimento do trabalho pela comunidade e também por

grupos para além daqueles que a frequentam como alunos, pais ou trabalhadores, por isso

se fazem constantes as solicitações de autorização à direção da escola de diversos

segmentos para a coleta de dados para pesquisas, entrevistas para programas de televisão

ou artigos de jornais e revistas, o acompanhamento e observação das aulas por estudantes

de diversas instituições de ensino.

Portanto, foi preciso compreender as especificidades do trabalho docente

desenvolvido no Distrito Federal; procurou-se na historicidade da construção da cidade e do

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101

seu sistema de ensino as contradições que a edificação de uma nova capital no centro do

país acarretou para os trabalhadores migrantes que a construíram, assim como suas lutas

por direitos sociais, como a educação pública. Desde a NOVACAP até a Secretaria de

Estado de Educação, passando pela CASEB e Fundação Educacional, foi preciso apreender

como esses órgãos institucionais se relacionaram com os professores e seu trabalho.

Constatou-se que os professores, como sujeitos históricos, criaram estratégias de

enfrentamentos dos conflitos, assim como inventaram formas para lutar por sua formação e

em defesa da educação pública. Diante dessa história de construção e reconstrução da

trajetória docente, pode-se perceber que a proposta educacional, chamada Escola

Candanga, foi marcante para a formação político-pedagógica dos professores. Apesar do

curto tempo em que vigorou e da ruptura provocada pelas políticas no governo seguinte, as

lições aprendidas naquele período ainda se fazem presentes, com grande significado nas

falas e ações das professoras da escola pública do Distrito Federal.

Pode-se afirmar que algumas políticas analisadas são intensificadoras do

trabalho docente, entre elas a política de contratação temporária de professores para a rede

pública, porque acarreta em trabalho precarizado aos docentes por suas condições

instáveis, assim como permite outro tipo de contrato que não aquele de caráter do servidor

público imparcial, imune a vontades pessoais. Finalmente, trata-se de uma política que

contribui para o processo de privatização da educação pública pela diminuição do papel do

Estado na responsabilização dos serviços públicos. Dentro dessa lógica, foi observada

também a política de Banco de Professores Substitutos que mantém um “exército

educacional de reserva”, provocando a alta rotatividade dos trabalhadores docentes, o que

implica em trabalho adicionado à equipe pedagógica para administrar diferentes perfis de

funcionários dentro da escola.

A participação apareceu como elemento de intensificação nas observações

realizadas na escola, e também nas entrevistas com as professoras; no entanto, foi

verificado que seus sentidos podem se apresentar de diferentes formas. A intenção foi

compreender se essas formas se relacionam entre si ou se, ao contrário, foram tão

ressignificadas que não apresentam significados correspondentes. De qualquer forma, a

conclusão a que se chegou foi que a participação se consagrou como termo hegemônico e

heterogêneo no meio educacional. A forma como é entendida, participação-movimento,

participação-execução ou participação-decisão, pode ser considerada como nova atribuição

do trabalhador docente, por isso, mais um elemento de intensificação de seu trabalho. Além

da participação, foram analisadas quais seriam as novas atribuições exigidas aos

professores da rede pública e como essas novas exigências chegaram à escola e

assumiram a função de intensificação do trabalho. As muitas atribuições depreendidas do

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relatório da Unesco, e muitas outras, são acrescentadas todos os dias ao trabalho docente

sem que se perceba os limites dos professores do ponto de vista de sua saúde mental e

física.

A classificação de ocupações do Ministério do Trabalho elenca as atribuições

dos professores; e as mudanças percebidas de 1994 para a classificação de 2002 são

principalmente no acréscimo das funções de participação dos eventos da escola, assim

como na construção do Projeto Político-Pedagógico, além dos famigerados registros

burocráticos exigidos pelos órgãos do Estado. A busca por formas alternativas para

providenciar materiais e recursos diversos para a escola passa a ser também mais uma

atribuição dos professores, ainda que não esteja formalizada na lei, mas na necessidade

cotidiana de investimentos financeiros.

O planejamento e execução de diferentes atividades para atender os alunos com

dificuldades estão respaldados na LDBEN (Lei 9.394/96) e foi constatada na prática das

professoras uma sobrecarga de trabalho, pois o tempo para esse planejamento e

atendimento é insuficiente, dadas inúmeras necessidades dos alunos. Mesmo que a

distribuição da carga horária esteja de acordo com a resolução do CNE, que estabelece um

mínimo de 20% de tempo destinado a preparação de material e atividades pedagógicas,

aumentou-se o tempo de coordenação, porém aumentaram-se muito mais as atribuições

aos professores de 1ª a 4ª série (2º ao 5º ano) do Ensino Fundamental da rede pública, sem

que se resolvessem pendências nas condições de trabalho dos professores, nem tampouco

nos problemas econômicos e sociais que afligem as famílias e as crianças atendidas pela

escola pública.

Quanto às condições de trabalho, além da falta de concursos públicos, há a

supressão de funções e vagas nas escolas, o que acarreta em mais trabalho àqueles que

permanecem na instituição. Com isso, são inúmeras as tarefas acrescidas àqueles que

estão na escola, como a substituição de professor realizada em horário destinado a

coordenação para suprir as necessidades das escolas, acarretando em “diversificação de

habilidades” no trabalho docente, trabalho multifuncional ou polivalência, e por fim, o

atendimento da escola às pessoas de diversas áreas e com múltiplos objetivos, como

pesquisadores, estagiários, bolsistas e jornalistas. A partir dessas reflexões, seguimos com

a análise da intensificação do trabalho docente e da observação de como esse fenômeno

ocorre particularmente na prática escolar no Distrito Federal.

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103

CAPÍTULO 3 TRABALHO DOCENTE INTENSIFICADO

Nos capítulos anteriores, tratou-se do trabalho docente como parte integrante do

trabalho como atividade constituinte do homem enquanto ser social. Abordou-se também a

educação como parte da totalidade, considerando suas contradições, envolvida em

condicionantes econômicos, sociais e políticos. Por sua vez, a escola foi analisada como

instituição reprodutora e transformadora; em sua função socializadora, atua como instância

de mediação entre o saber e as ações, o fazer e o pensar (CURY, 1995, p. 71). Essa análise

implicou em compreender o trabalho docente como elemento do movimento de criação e

recriação da cultura escolar e, por isso, parte integrante da ação educativa vivenciada na

escola.

Neste capítulo, em particular, analisa-se como a organização do trabalho

docente está assentada na escola e quais as implicações desta para a educação e para a

vida dos educadores. O objetivo é compreender como novas formas de gestão exigem dos

docentes práticas intensificadoras de seu trabalho e, ao mesmo tempo, como os professores

percebem essas novas exigências e seus desdobramentos ao longo de sua carreira

profissional. Para isso, foi preciso conhecer a historicidade da escola, como foram

construídas as relações entre os trabalhadores, a comunidade e a Secretaria de Educação

desde a sua inauguração e como esses sujeitos realizam seu trabalho. Buscou-se

compreender como se expressa a intensificação do trabalho pedagógico em uma Escola

Classe da rede pública no Distrito Federal e como os professores percebem essa

intensificação em sua história como trabalhadores em educação.

Que significados esses educadores construíram a partir de alterações na

organização de seu trabalho? Como eles se relacionam com as novas condições e

exigências de seu trabalho? Que contradições nesse processo de intensificação surgem nas

relações estabelecidas na escola? Como a escola contribui para produzir e/ou reproduzir a

intensificação verificada em outras instâncias da sociedade? (CURY, 1995, p. 35). A partir

desses questionamentos, procurou-se encontrar indícios de intensificação e as formas que

esta adquire na historicidade da escola e por meio da observação das relações travadas no

trabalho cotidiano dos educadores, concomitantemente às leituras sobre a temática. Ao

adentrar neste universo, despertou nos sujeitos a reflexão de como esses mecanismos vão

se naturalizando no cotidiano do trabalho docente.

As categorias utilizadas nessa investigação decorrem da contradição e foram

localizadas nas relações das políticas educacionais, nas práticas do trabalho docente, nas

relações entre os sujeitos e entre suas próprias concepções em relação aos conceitos de

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trabalho docente. A análise63 foi permeada pelo movimento das/entre as partes e a

totalidade que ocorre no processo educativo. O sincronismo entre os processos da estrutura

social que alcançam a escola não fica evidente na primeira observação do fato, é preciso

analisar as relações que a economia, a política e a cultura estabelecem entre si para se

compreender a intensificação no trabalho desenvolvido pelo professor.

O ato de pensar os fenômenos sociais por contradição, em particular a

educação, traz intrínseca a mediação como elemento de ligação entre os fenômenos

sociais, assim como é inerente ao fenômeno educativo a reprodução das ideias

hegemônicas difundidas e compartilhadas no ambiente escolar; porém, a análise deve

sempre ponderar as características de oposição e complementaridade próprias dos fatos

sociais (CURY, 1995). A origem da reprodução social encontra-se no processo produtivo; no

entanto, estende-se para além das relações de produção, por meio dos aparelhos

ideológicos64 em busca de consensos que neutralizem os conflitos próprios da contradição

do capitalismo; entre esses aparelhos ideológicos, encontra-se a escola.

Durante a pesquisa nos dados obtidos observou-se a relevância que a ideologia

do Relatório de Delors et al. (1998) assume no cotidiano do trabalho docente, mencionado

no Projeto Político Pedagógico feito pela comunidade em 2007; seus princípios são citados

na fala das professoras entrevistadas. O consenso em torno das ideias dos quatro pilares da

educação (1-aprender a fazer, 2-aprender a conviver, 3-aprender a aprender e 4-aprender a

ser) adentrou nas escolas, e esses princípios se converteram em forças materiais,

caracterizando a hegemonia dessas ideias no ambiente educativo (CURY, 1995, p. 29),

ainda que a escola tenha um histórico de luta e construção da gestão democrática em sua

trajetória como instituição.

3.1 A gestão democrática em construção na escola pública

A gestão da escola caracteriza-se pela busca e construção constantes da

participação de todos os segmentos da comunidade escolar; fato observado no cotidiano e

confirmado na fala das professoras, da secretária escolar, da orientadora e de familiares de

alunos. Nesta escola, o Projeto Político Pedagógico e o trabalho pedagógico têm como

63

No texto que segue, os trechos relacionados contém alguns signos/sinais característicos da pesquisa

qualitativa. Observe a legenda na página viii. 64

Aparelhos Ideológicos de Estado – AIE, termo alcunhado por Louis Althusser designando instituições

que agem na superestrutura social, principalmente por meio da disseminação de ideologia – para Althusser, entre os AIE a escola assume posição dominante – diferentemente dos aparelhos repressivos de Estado que agem predominantemente por meio da violência física. (ALTHUSSER, 1985).

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eixos centrais: a participação; a autonomia; a descentralização; a transparência; a

valorização da diversidade.

Essa escola em particular, ela me deu outra visão, você tem oportunidade de participar mais efetivamente [...] Em outras escolas você vê uma estrutura muito arcaica, então a mudança de estrutura, ela depende da própria direção da escola, eu notei isso. É lógico que os professores têm uma série de, (2), direitos averbados, tranquilos, mas assim, a efetivação, o exercício desse direito, ele vai com a própria direção, não são todas as direções que ouvem o professor, que compreendem, que respeitam seus direitos. Então, nessa escola, a escola que a gente está hoje, conseguiu, (3), é::, compreender que a administração exerce um papel mais... colaborativo com o professor. (P3).

Sua história é marcada por intervenções por parte da Secretaria de Educação e,

ao mesmo tempo, pela mobilização da comunidade na resistência ao que era entendido

como arbitrariedades (Linha do tempo histórica, mimeo, s/d).

Alguns documentos da comunidade escolar, assim como produções de textos

dos alunos e das professoras, demonstram essa relação de embate. A primeira intervenção

na escola ocorreu após a participação da diretora em uma greve; esta foi exonerada, mas,

em decorrência de manifestações da comunidade, a diretora retornou ao cargo e

permaneceu até sua aposentadoria e seu trabalho é reconhecido pelo grupo de profissionais

pela qualidade e transparência nas ações. Na ocasião da aposentadoria dessa diretora, a

comunidade indicou o nome da atual vice-diretora para substituí-la, porém a Diretoria

Regional de Ensino não acatou a indicação, nomeando outra professora para o cargo, esta

não pertencia ao quadro de funcionários da escola. Houve muitos conflitos nessa gestão,

pedidos de exoneração, de transferências, incompatibilidade entre diretora e vice-diretora;

entre outros, as professoras relataram o uso de autoritarismo na condução da diretora. Em

1995, houve eleições diretas para diretores, e a mesma professora elegeu-se com o apoio

das famílias e servidores, porém, sem os votos das professoras, o que contribuiu para a

continuidade e o agravamento das turbulências na administração da escola.

Em 1996, o Conselho Escolar reuniu-se por diversas vezes a fim de resolver o

impasse na gestão, já que esses conflitos estavam prejudicando a qualidade do trabalho

pedagógico. Assim, decidem-se pelo afastamento da diretora, e, após muitos desgastes, foi

convocada nova eleição extraordinária para o cargo. Nesse caso, observa-se que, por mais

que interesses externos interfiram, a comunidade escolar decide sua história e aprende

nesse processo.

Em 1997, a nova direção assume, quando a escola opta por implantar a

proposta educacional da Escola Candanga, ou seja, a escola passa a ter o dobro de

professoras, os grupos de estudo, as coordenações coletivas, entre outros projetos. “Foi um

trabalho duro e muitas vezes cansativo e desgastante, mas valeu à pena, pois aprendemos

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e continuamos a aprender muito umas com as outras” (Linha do tempo histórica, mimeo,

s/d).

A professora P2 relata sua percepção durante o processo de remoção para a

escola, nesse período de implantação da Escola Candanga:

Eu fiquei impressionada, impressionada. Eu aqui aprendi a ser gente. Porque eu também sou muito ansiosa, também acho que as coisas têm que ser certas, que tudo tem que ser assim: é como se professor não pudesse errar. [...] E aí veio pra cá muita gente mais nova, mais despreparada, e aí as meninas [professoras da equipe pedagógica] iam entendendo, entendia muito a outra. [...] Fazíamos muitos estudos pra todo mundo crescer junto e eu ficava impaciente [...] E devagar eu fui olhando, e descobrindo, vendo a beleza disso. Porque elas estavam aqui, não estavam aqui pra apostar só no aluno, elas estavam aqui pra apostar em todo mundo. [...] Então seja do quadro [efetivo], seja temporário, seja quem veio três dias, não interessa, você entrou aqui, você tem oportunidade. De aprender, de crescer, de melhorar, de não saber [...] Todo mundo que estava aqui era pra ser educado, todo mundo estava se formando. E era gente. Era não, é! Aqui as pessoas são gente. (P2).

Em 1998, houve novas eleições para diretores escolares no Distrito Federal;

dessa vez, a diretora eleita apresentou uma proposta cujos princípio e bases encontram-se

na Escola Candanga. “Uma gestão que tem por finalidade possibilitar a esta comunidade

uma Escola Pública democrática, criativa e prazerosa, oferecendo um ensino de qualidade

que prime pelo despertar crítico e participativo do aluno” (FARAGE. PROPOSTA DE

GESTÃO – 1998-1999, mimeo, 1997, p. 01). Essa proposta tinha como eixos centrais uma

nova qualidade de ensino e a democratização da gestão, e, entre esses, as égides da

participação, autonomia, descentralização e transparência. Esses ideais permearam as

propostas de gestão e os Projetos Políticos Pedagógicos da escola com significados

construídos pela comunidade.

Frigotto afirma que essas categorias são ressignificadas pelo ideário neoliberal

para dificultar a compreensão da realidade econômica pelas comunidades que as

empregam. Entendemos que a comunidade escolar, ao se utilizar das mesmas categorias

difundidas nos documentos, legislação e textos que embasam as reformas educacionais,

acaba atribuindo e compartilhando de sentidos ambíguos.

O ideário neoliberal, sob as categorias de qualidade total, formação abstrata e polivalente, flexibilidade, participação, autonomia e descentralização está impondo uma atomização e fragmentação do sistema educacional e do processo de conhecimento escolar. (FRIGOTTO, 2007, p.79, grifos nossos).

O desejo da comunidade e o sentido inicial atribuídos nos documentos da escola

têm como princípio uma educação que seja voltada para fins democráticos; no entanto,

percebe-se que essas categorias, de fato, confundem seus sentidos na prática, pois as

políticas do Distrito Federal desvelam resultados de exclusão e degradação das condições

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de trabalho dos professores. O universo do trabalho docente tornou-se complexo e

dinâmico, sujeito a pressões internas, externas e pessoais. Nesta, situação duas dimensões

políticas são postas em evidência – uma, os caminhos tortuosos sobre os quais os

trabalhadores dão significados aos termos participação, autonomia, descentralização e

transparência; outra, as políticas imprimidas na educação no Distrito Federal sob o manto da

descentralização e da gestão compartilhada.

Em relação à descentralização, Arretche (1996) afirma que, nos anos de 1980,

houve consenso entre as diversas correntes políticas de que há uma relação inerente entre

descentralização e democratização. Para a autora, esse foi um mito difundido e é preciso

desconstruí-lo. A descentralização, para Arretche, não se configura necessariamente em

uma política democrática, esse caráter depende, sim, da concretização de princípios

democráticos nas políticas de cada nível governamental. A autora explica que o modelo da

democracia representativa tornou-se necessário pela inviabilidade da participação direta em

todas as instâncias de decisões, e que, por isso, as instâncias de micro decisões têm seu

alcance de poder decisório limitado por sua própria natureza restrita. Esse é o caso das

decisões nas escolas públicas, algumas deliberações não são realizadas no recinto da

instituição escolar e, por isso, a descentralização das ações é executada a partir de

disposições tomadas em âmbitos mais amplos como a Diretoria Regional de Ensino,

Subsecretaria de Educação Básica, até a Secretaria de Educação ou mesmo o MEC.

A Lei de Gestão Compartilhada – nº 4.036 de 25/10/0765 implementa a política

de gestão na escola sob a égide da descentralização. A partir dessa regulamentação, as

instituições educacionais receberão verbas públicas66 destinadas ao funcionamento

administrativo e pedagógico da escola, desde a compra de gás de cozinha até a aquisição

de materiais pedagógicos. O gerenciamento desses recursos dar-se-á pela equipe gestora,

pelo Conselho Escolar e pela Associação de Pais e Mestres. Para Melo (2006), há uma sutil

diferença entre a Gestão Compartilhada e a Gestão Democrática, e, para se distinguir esses

dois modelos, a gestão escolar deve ser vista pela ótica das relações de poder em meio a

uma realidade de conflitos.

A história do Brasil está permeada por linhas políticas autoritárias desde o

período colonial e pela simultânea resistência e luta do povo para se democratizar a

participação política (MELO, 2006).

O que vem sendo posto pelas políticas de governo é o primeiro conceito [Gestão Compartilhada] como concessão de um poder maior, com o

65

Programa de Descentralização Administrativa e Financeira – PDAF. 66

O valor destinado à Gestão Compartilhada é de R$ 2.579.821,09. Para efeito de comparação a Política Setorial para o Ensino de Ciências (Ciência em Foco) obteve R$ 38.840.977,38; a Terceirização de Serviços de Limpeza R$ 33.681.040,58. Fonte: GDF/SEDF. Relatório de Gestão: Acompanhamento Orçamentário-Financeiro, Brasília, 2007, p. 137. Disponível em: <www.se.df.gov.br> Acesso em 25/09/2008.

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objetivo de envolver as pessoas e buscar aliados de “boa vontade” que se interessem em “salvar a escola pública” (MELO, 2006, p. 246, grifos da autora).

Nessa concepção de gestão, a proposta divide com a comunidade os encargos

na resolução dos problemas enfrentados pelas escolas públicas sem, no entanto, identificar

as condições que levaram à precariedade em que se encontra, nem tampouco apontar os

motivos e os responsáveis por essa situação. Para essa autora, a participação nesse

panorama apresenta uma conotação de altruísmo daqueles que se propõem a contribuir

com a escola. Sua crítica aproxima-se daquela que Silva, L. chamou de concepção de

participação-execução (Capítulo II). Além disso, para a autora, a participação que a Gestão

Compartilhada solicita faz parte da concepção gerencial que privilegia metas e eficiência

para se alcançar resultados estatísticos competitivos entre as escolas públicas. Melo (2006)

aponta a desprofissionalização dos educadores como outra consequência dessa prática

gerencial nas escolas, já que qualquer pessoa sem formação na área educacional pode

executar o trabalho pedagógico.

Nenhum desses projetos ou programas prevê a participação da comunidade escolar na sua elaboração ou permite condições para críticas e possíveis alterações. A “autonomia” fica por conta das adaptações à realidade de cada escola, desde que preservados os princípios. Os professores são meros executores e a comunidade escolar assume a condição de convidada especial. (MELO, 2006, p. 248, grifo da autora).

A descentralização não implica necessariamente em maior participação

daqueles que estão mais próximos das instituições, assim como a descentralização por si só

não garante o rompimento com as estruturas políticas tradicionais (ARRETCHE, 1996, p.

04). O movimento da volta ao assistencialismo e o ressignificado dos termos mostram como

a mistificação apontada por Arretche foi, de fato, vivenciada nas escolas do Distrito Federal.

Em 2000, a escola lutou e resistiu a algumas mudanças impostas pelas políticas

da Secretaria de Educação, entre elas a extinção das eleições diretas para a direção;

eliminação de projetos criados pela escola; novas exigências nos diários de classe e

relatórios de avaliação dos alunos, que passaram a privilegiar informações objetivas,

quantitativas e comparativas entre os alunos, eram sinais de mais trabalho e menos

autonomia do professor. A comunidade escolar chegou a acionar o Ministério Público, numa

demonstração de contrariedade a todas essas novas medidas, o que, de certa forma,

evidencia o protagonismo da comunidade na escolha de seus gestores, ainda que com

resistências da DRE. Os posicionamentos de parte dos trabalhadores em educação

contrários à DRE são passíveis de transferência destes para outro local. Esses episódios

revelam a mobilização da comunidade escolar por meio de abaixo-assinados, cartas aos

representantes distritais, à DRE, à SEDF, convocação de jornalistas e, principalmente, do

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109

ato público “Abraço à Escola”, com a participação de toda a comunidade e de professores

na luta pela democratização da escola pública. Em que pese os embates, a mobilização

conseguiu assegurar a permanência das professoras e o reconhecimento do trabalho

pedagógico realizado na escola.

Esse fato demonstrou como as políticas para educação são resultados de

embates e resistência entre a comunidade e a direção das instâncias de poder político.

Neste caso, ficou evidente o protagonismo dos trabalhadores da educação na definição de

políticas para aquela realidade específica, apesar da ingerência do governo distrital nas

decisões da escola pública.

O conceito de autonomia, assim como o termo participação e descentralização

(Capítulo II) intrinsecamente vinculados, sofreu ajustes em seu significado para melhor

atender aos anseios das políticas públicas nessas duas últimas décadas (MARTINS, 2002).

Para Martins, o desenvolvimento do significado da autonomia está articulado ao sentido

mais amplo que se tem de democracia, construída sob a égide do liberalismo político

moderno, cujo princípio consiste no reconhecimento dos direitos invioláveis do indivíduo

(MARTINS, 2002, p. 12-13). No entanto, ao se deparar com as condições concretas de uma

sociedade complexa e burocratizada, os indivíduos se veem obrigados a indicar grupos que

os representem para o pleno desenvolvimento de sua participação política. O conceito de

autonomia forjado nos grupos sociais tem o significado de novas formas de organização

política, econômica e social, inspirados nos movimentos de cunho socialista desde o final do

século XIX. O século XX foi marcado por reivindicações de autogestão no campo

educacional, imperando o que se convencionou de tendência da “escola nova” (SAVIANI,

1999), extrapolando as origens das lutas por autonomia, participação e descentralização.

[...] no contexto dos movimentos pedagógicos contemporâneos, consolidou-se uma tendência internacional que defende formas mais livres e flexíveis de organização dos sistemas educativos, consagrada por diretrizes emanadas de organismos internacionais e operacionalizadas em programas de diferentes governos. (MARTINS, 2002, p. 134).

Há, então, uma mudança de paradigma em processo, pois a autonomia exercida

na escola faz-se no sentido de definir os princípios educacionais, a organização do trabalho

pedagógico, assim como nas decisões operacionais. No entanto, ainda permanecem na

escola pública traços de autonomia do tipo tutelada, pois coexistem impasses colocados

pelas políticas públicas que impedem o pleno exercício da autonomia por parte da

comunidade escolar.

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110

3.1.1 Caracterização da Escola Pública

A inauguração da escola foi no dia 28 de abril de 1977, atendendo inicialmente

estudantes de 7ª e 8ª séries do Ensino de 1º Grau. A Resolução nº 102/77 estabeleceu a

criação da Escola Classe, o Código de Edificações de Brasília foi aprovado pelo Decreto nº

596 de 08/03/1967; e o documento de “habite-se” está registrado sob o número 288/77,

juntamente com o alvará de construção sob o número 236/76, a escola tem oito salas de

aula e um pátio coberto. A estrutura física da escola apresenta sinais de desgastes,

percebe-se problemas na cobertura (nas telhas), além da referência no Projeto Político

Pedagógico sobre as dificuldades com as redes elétrica, hidráulica e de esgoto. A escola

está sob jurisdição da Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro.

Em entrevista feita com servidores com contratos de trabalho mais antigos,

pôde-se depreender que a escola atendeu públicos diferentes. Assim que a escola foi

inaugurada recebeu, prioritariamente, aos alunos moradores da quadra, correspondendo ao

planejamento original de atendimento das escolas-classes. Esse público se diferenciou,

passando a ser, principalmente, filhos de trabalhadores dos condomínios das quadras

próximas, como porteiros e empregadas domésticas, que aproveitavam a proximidade entre

a escola e o local de trabalho. Segundo uma dessas servidoras de conservação e limpeza,

as crianças da quadra voltaram a ser atendidas na escola quando se implementou o

Telematrícula67, em 1993, pois esta estratégia de matrícula obriga a família a comprovar a

residência ou o trabalho próximo à escola. A fala da diretora também corrobora, pois a

matrícula feita no balcão da Secretaria assegurava a vaga, independente do local de

moradia do aluno. Isso mudou com a telematrícula, pois a partir dessa política o aluno

precisa comprovar residência nas proximidades da escola para efetivar a inscrição na

escola. Nos últimos anos, a diversidade tem marcado o perfil dos alunos atendidos: 1- os

primeiros estudantes estão “voltando” como pais de alunos, que em alguns casos moram

com os avós para frequentar a escola; 2- estudantes moradores de outras localidades, cujas

famílias encontram nessa escola a qualidade almejada, entre esses, professores e

estudantes da Universidade de Brasília que descobrem na escola um projeto político

pedagógico compatível com as expectativas educacionais que desejam para seus filhos; 3-

crianças portadoras de necessidades especiais, cujas famílias se deparam com dificuldades

na matrícula em outras instituições e encontram, nessa escola, a proposta e prática de

educação inclusiva solidificada.

67

Os alunos inscritos pelo Telematrícula são encaminhados para as escolas mais próximas de sua residência, do seu trabalho ou do trabalho dos pais. Disponível em: <http://www.codeplan.df.gov.br> Acesso em: 10/01/2009.

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111

O relato da trabalhadora que exerce a função de porteira na escola foi

expressivo para compreender o quanto a construção de Brasília significou para aqueles que

aqui vieram em busca de uma nova vida68. A agente de portaria trabalha na escola há

dezoito anos, do total de 31 anos de existência da escola. Seu ingresso deu-se por meio de

um curso para merendeiras realizado pelas candidatas ao cargo; antes, exerceu a função de

agente de portaria no Jardim de Infância, escola de Educação Infantil localizada ao lado da

Escola Classe e na Escola Parque próxima. A agente de portaria relata que já trabalhou com

vários diretores, mas que quando a atual diretora assumiu, tudo mudou, ao ser indagada

sobre o que de fato mudou, ela respondeu: “para melhor”. A maior mudança, percebida por

ela, foi em relação ao tratamento dado às crianças pelos funcionários:

[...] antes a gente podia brigar e gritar com as crianças, agora não, temos que conversar, dizer, repetir [...] eles hoje são cheio de vontades, mas eu amo essas crianças, quando estamos em recesso ou férias eu fico doidinha para voltar, eu sinto saudade dos gritos, @das brigas, das fofocas@ é gratificante trabalhar com eles (Notas de campo, 05/12, 11h).

Seu trabalho consiste em receber as crianças, atender às famílias, fazer

registros de justificativas para as chegadas e saídas em horários fora daqueles

estabelecidos. A agente de portaria diz conhecer todos os pais e familiares das crianças, o

que exige exímia memorização, pois são matriculados 315 alunos aproximadamente, o que

demanda também muita responsabilidade em entregar as crianças apenas àquelas pessoas

autorizadas pela família.

Os instrumentos de trabalho de agente de portaria mudaram durante esses

anos, o controle das saídas dos alunos passou a ser documentado no livro de ocorrências e

assinado pelos responsáveis, assim como os atrasos dos alunos. O “esquecimento” dos

alunos na escola por parte da família tornou-se fato repetitivo, assim como atrasos na

entrada por razões diversas, entre elas, consultas médicas e congestionamentos no trânsito.

Nesses casos recorrentes, a agente de portaria informa a diretora ou a vice-diretora, que

conversam com a família, para investigar os motivos dos atrasos, pois “só assim a situação

muda”. A direção procura mostrar à família que a criança tem prejuízos na aprendizagem

quando os atrasos na entrada, ou as saídas antes do horário, são frequentes. Uma situação

nova apontada pela servidora em relação às novas formas de organização familiar é quando

68

A família da servidora pertencia à comunidade Quilombola, na Serra da Barriga, no Quilombo dos Palmares (A

República dos Palmares, como chegou a ser conhecida, iniciou sua formação em 1597 e durou até 1695, situada numa vasta área da Capitania de Pernambuco, principalmente na comarca de Alagoas, em uma região serrana que atingia até 500 metros de altitude, coberta por florestas e de acesso muito difícil. Na época, chegou-se a atingir no quilombo dos Palmares, uma população com cerca de 20 mil pessoas. Sua família foi convencida a vir para Brasília pelo irmão da servidora, eletricista do Banco do Brasil à época da construção da cidade. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/>. Acesso em: 20/12/2008).

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112

um dos pais não tem a guarda do filho e a retirada da criança da escola envolve relações

familiares que extrapolam a escola.

Em 2008, a escola ofereceu ensino de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental,

atendendo a quatorze turmas, com 316 alunos, no turno matutino e vespertino. A partir

desse ano de 2008, houve a implantação do Ensino Fundamental de nove anos no Distrito

Federal, em caráter de transição, dentro da organização do Bloco Inicial de Alfabetização –

BIA69, atendendo crianças das Etapas II e III (sete e oito anos). Segundo o Projeto Político

Pedagógico – PPP da escola, a implementação integral do Ensino Fundamental de nove

anos acontecerá a partir de 2009, com a inclusão progressiva do 1º, 2º e 3º anos (etapas I, II

e III do BIA), 4º e 5º ano. A escola atende estudantes na faixa etária de seis a doze anos,

moradores das quadras vizinhas, mas recebe, também, alunos das regiões administrativas e

do entorno de Brasília. Segundo a diretora, o Plano Piloto deixou de ser o principal local de

moradia dos alunos por um tempo, quando os primeiros alunos foram se transferindo para

outras escolas; mas, nos últimos anos, os moradores da quadra voltam a ser o principal

público atendido, seguido dos bairros Paranoá, Vila Planalto entre outros.

Quadro 4 - Dados da escola pesquisada em 2008. PROFESSORA SÉRIE/

TURMA/TURNO TOTAL DE ALUNOS

TOTAL DE ANEE*

P1 1ª série B Vespertino 21 1

P2 4ª série B Matutino 18 2

P3 3ª série B Matutino 29 0

P4 1ª série A Matutino 27 2

P5 2ª série B Matutino 24 3

P6 1ª série C Vespertino 13 1

P7 4ª série C Vespertino 32 0

P8 2ª série A Matutino 15 2

P9 3ª série A Matutino 24 1

P10 4ª série A Matutino 29 1

P11 2ª série C Vespertino 21 2

P12 2ª série D Vespertino 17 2

P13/P14*** 3ª série C Vespertino 24 0

P15/P16*** 3ª série D Vespertino 22 2

14 professoras 14 turmas 316** 19

* Alunos com Necessidades Educacionais Especiais – Diagnosticados. ** Há variação durante o semestre, entre 315 e 320 alunos. *** Turmas que tiveram duas professoras durante o ano letivo, em razão de transferência da

professora para outra escola, em um caso, e volta de licença maternidade no outro, respectivamente.

69

Projeto da Secretaria de Educação do Distrito Federal, denominado Bloco Inicial de Alfabetização – BIA,

desenvolvido em três anos, com alunos a partir de seis anos de idade, teve início em 2005, foi implantado em 52 escolas de Ceilândia, em 2006, além de Ceilândia, o projeto também foi realizado em escolas de Taguatinga. Disponível em: http://www.df.gov.br Acesso em 11/01/2009. As crianças de seis anos (Etapa I) estão sendo atendidas no Jardim de Infância próximo, a qual a escola pesquisada é subsequente.

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113

A equipe pedagógica é composta pela diretora, vice-diretora, supervisora

administrativa, supervisora pedagógica, duas professoras que atendem na Sala de

Recursos e uma monitora, estudante da área de enfermagem que atua principalmente no

Ensino Especial; além da orientadora, coordenadora e duas professoras readaptadas no

apoio administrativo e pedagógico. O corpo docente é formado por 14 professoras regentes,

além de uma professora do Laboratório de Inclusão Digital e duas professoras da Sala de

Leitura.

Há também quatorze servidores, sendo cinco de conservação e limpeza, duas

merendeiras, uma agente de portaria, três vigias, uma secretária e dois funcionários

readaptados, atuando como apoio à portaria e à manutenção de equipamentos de

informática. A manutenção do prédio escolar é feita com recursos provenientes da

Associação de Pais e Mestres e com verbas repassadas por fundos de suprimento da

Secretaria de Educação e do FNDE/MEC.

Os índices da escola destacam-se nas avaliações institucionais. Nas avaliações

realizadas pelo IDEB, a nota da escola no ano de 2005 foi de 5,7, meta sugerida pelo

próprio INEP (a partir de estimativas que consideram as notas dos anos anteriores) para ser

alcançada pela escola apenas em 2007. Por sua vez, em 2007, a nota da escola foi 6,6,

ultrapassando a meta nacional para a escola pública, cujo indicador é de 4,0 pontos. Em

relação à evasão e repetência, o índice foi inferior a 5% no ano de 2007, sendo uma das

principais propostas da comunidade que esse número seja reduzido a zero, incluindo nesta

meta também a redução de defasagem idade/série70.

No texto do Projeto Político Pedagógico, a comunidade relata a carência de

pessoal na equipe de gestão e de apoio à direção, como também a constante necessidade

de professores substitutos, “[...] somado às necessidades médicas dos servidores, há uma

grande rotatividade de professores, gerando uma necessidade constante de ajustes da

equipe para o pleno atendimento dos projetos estabelecidos na proposta pedagógica” (PPP,

p. 5).

3.2 A Reorganização do trabalho pedagógico produz práticas intensificadoras

A análise que se segue elegeu cinco elementos a serem considerados,

referentes aos processos de intensificação na reorganização do trabalho pedagógico, a

70

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB foi criado pelo Inep em 2007 e reúne em um só indicador dois conceitos para medir a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep: o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios. Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/Site/ Acesso em: 10/01/2009.

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114

saber, os Conselhos de Classe; o Laboratório de Aprendizagem; as Coordenações

Pedagógicas; os Relatórios de Avaliação e a utilização das novas tecnologias no trabalho

docente.

3.2.1 Atividades do Pré-conselho e Conselho de Classe Participativo

Nesta escola, a dinâmica cotidiana merece estudos e reflexões. O conselho de

classe participativo foi observado como prática coletiva que marca a gestão da escola,

sendo significativo, também, para se compreender as inovações na organização do trabalho

docente e como essas se revelam como práticas intensificadoras.

Nesses conselho,s participam os vários segmentos da escola, inclusive os

discentes, situação pouco vivenciada, principalmente quando se trata de crianças pequenas,

em idades entre seis a dez anos, aproximadamente. Esse conselho se distingue do

tradicional Conselho de Classe71 realizado pelos professores e equipe pedagógica nas

escolas de Ensino Fundamental e Médio ao final dos bimestres com o objetivo de avaliar

cada aluno em relação às notas alcançadas. O conselho de classe participativo,

diferentemente, tem a finalidade de se levantar e solucionar coletivamente os conflitos de

relacionamento e aprendizagem em cada turma da escola. Esses conselhos acontecem

duas vezes ao ano, sob a organização da Orientadora Educacional, em todas as turmas i,

no final de cada semestre, precedido do pré-conselho participativo.

Nesses primeiros encontros, os alunos são incentivados a levantar os possíveis

problemas de relacionamento e aprendizagem vivenciados pela turma. É importante

destacar que nos Pré-conselhos a professora regente não permanece na sala de aula, para

que, assim, os estudantes possam expressar sua avaliação em relação ao trabalho

desenvolvido na escola.

A reunião do pré-conselho inicia-se com a explicação da orientadora aos alunos

sobre o funcionamento do pré-conselho e seu objetivo, que consiste no momento das

votações de avaliação e alternativas para os temas: 1- relacionamento entre os alunos, 2-

relacionamento entre a professora e os alunos, 3- relacionamento entre os funcionários da

escola e os alunos, 4- condições de aprendizagem da turma e 5- comportamento da turma.

Em cada tema, as crianças têm quatro alternativas de avaliação: ótima, boa, regular e ruim,

todas minuciosamente esclarecidas pela Orientadora. Sendo assim, ela anota a quantidade

71

Segundo Dalben (1995, p. 26) a origem dos Conselhos de Classe no Brasil tem na experiência francesa, por

volta de 1945, a referência de um trabalho interdisciplinar voltado para a orientação dos alunos às diversas modalidades de ensino oferecidos na França na época. Este tipo de trabalho teve espaço para atuação no Brasil pelo ideário pedagógico da escola nova, em favor de atendimento individualizado aos alunos e contrário à centralização de poder e decisão.

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115

de votos de cada conceito de avaliação e os estimula a esclarecerem a razão de seu voto.

As crianças, em número proporcional à quantidade de votos, discorrem sobre os conflitos

cotidianos em relação às questões levantadas.

Seguem-se todas as votações de avaliação de cada tema e suas justificativas

até que todos os alunos tenham a chance de argumentar, sendo estimulados, e até mesmo

convocados, a se pronunciarem quando por algum motivo não se manifestam. A duração do

pré-conselho gira em torno de 1h a 1h30 por turma; os Conselhos tomam mais tempo, por

volta de 4 horas em cada sala e são agendados antecipadamente com as professoras.

A mesma orientadora realiza os pré-conselhos e conselhos na escola há oito

anos, o que pode explicar sua familiaridade na condução e mediação do processo, de forma

a oportunizar a expressão de todos os alunos ao longo das discussões de cada tema.

Todas as falas são sintetizadas e anotadas em ata a serem conduzidas no dia

do Conselho, quando estarão presentes, além da orientadora, uma representante da equipe

pedagógica e a professora da turma. Também são convidados um representante dos

funcionários e as famílias, no entanto, foi observado que a participação destes segmentos

foi quase nula nos conselhos e pré-conselhos realizados no final desse ano letivo.

O discurso e prática da orientadora na condução dos conselhos e pré-conselhos

são sempre no sentido de mediação dos conflitos, incentivando o diálogo, o respeito e a

tolerância como condições indispensáveis para a convivência em grupo e para encontrar as

alternativas para as dificuldades. As intervenções da orientadora foram constantes durante o

pré-conselho, antecipando algumas discussões e encontrando, às vezes, encaminhamento

das questões sem a necessidade de levá-las ao conselho. Em entrevista, a orientadora

afirma ser o trabalho que mais a desgasta física e emocionalmente e evidencia as marcas

da fadiga e cansaço.

Ao entrar na sala é:::, fisicamente, às vezes eu até perco a voz, quando eu estou fazendo o Conselho de Classe. Mais o Pré-conselho, porque põe duas turmas num dia só, então é uma coisa [...] O pré-conselho me desgasta porque eu estou sozinha, então me desgasta até mais. E fisicamente, emocionalmente, às vezes eu fico irritada. [...] Se eu peço silêncio, “silêncio gente, por favor, vamos ouvir”, eu fico, eu saio irritada. Não coloco pra eles a irritação que eu estou, mas às vezes eu fico cansada. Fisicamente e emocionalmente também. (Orientadora).

Prossegue, valorizando os Conselhos como reorganização das práticas e

conflitos na escola.

Eu acho que é um dos projetos mais importantes aqui da escola, porque você conhece, você trabalha a problemática da sala. Às vezes a gente não dá atenção pra uma questão que a criança fala. Quando você está lá no conselho de classe, eles dão as opiniões, eles falam, eles colocam como eles se sentem em relação àquilo que está sendo falado, eu acho que é muito interessante, é muito rico. (Orientadora).

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116

Em seguida, a orientadora demonstra em seus sentimentos e percepções o

volume de energia empregado na execução do projeto que realiza; revela, ainda,

insatisfação por não conseguir desempenhar o trabalho da forma como gostaria, acaba por

avaliar que ainda há muito por fazer.

São muitas turmas, então você não tem como... se a gente pudesse registrar tudo, porque é muito rico, se a gente pudesse registrar e pelo menos rever, o professor ver a fala daquela criança, de entender, eu acho que seria um feedback muito grande para o professor. A gente ainda peca por a gente não conseguir aproveitar isso depois, depois do conselho. Então assim, a fala daquela criança, às vezes a gente não tem como aproveitar melhor. Mas é muito importante, é um trabalho que é muito desgastante, não é fácil. (Orientadora).

Na percepção da orientadora, os pré-conselhos e conselhos configuram-se em

um trabalho expressivo para o desenvolvimento da cidadania das crianças, mas ao mesmo

tempo apresentam-se muito desgastantes para quem os coordena. A orientadora finaliza

sua fala com a impressão de que mesmo com tamanho trabalho, o resultado parece ser

insatisfatório. Além disso, a auto-exigência em relação ao seu envolvimento no projeto

desvenda um dado da intensificação do trabalho: a interiorização do sentimento de que é

preciso sempre trabalhar mais.

Eu participo de todos os conselhos, ano passado a gente tinha dividido, eu só com o turno vespertino, e a coordenadora [pedagógica] com o turno matutino. Mas eu vi que, assim, para mim é importante essa participação no meu trabalho de orientadora. Então eu voltei a trabalhar com todos eles e com todas as turmas. (Orientadora).

Outras percepções das professoras sobre o Conselho de Classe Participativo

foram no sentido de enxergá-los como um projeto de reflexos positivos em seu trabalho.

Eu achei, assim, uma coisa interessante aqui na escola, essa questão do pré-conselho e dos conselhos. Porque a criança pode opinar, eles cobram um do outro [...] Ajuda, essa participação deles. (P6). Eu acho ele ótimo. Pra mim, enquanto crítico, enquanto avaliação, porque as crianças são sinceras, elas falam, e para elas mesmos, porque assim como elas cobram de mim, nós nos cobramos, atitudes, eles cobram da professora, a professora pode cobrar deles, o colega cobra do colega [...] E é também o momento que eles se avaliam. E que a gente enquanto profissional também. Porque no pré-conselho a gente não está [presente], então eles é que falam [...] Eu acho o máximo. Adoro quando tem conselho. [...] a gente às vezes faz promessa e não cumpre, a gente não se dá conta mesmo. (P5). Acho que esse é um projeto que faz parte do meu trabalho, ele faz parte do trabalho de todos nós [...] Aí sempre tem um toquinho ou outro que põe você pra refletir mais, às vezes sobre um aluno, a colocação que ele faz lá, sobre ele próprio. [...] Tem menino que arranja um monte de defeito que a gente fica assim: “Ah, meu deus, será que eu estou fazendo alguma coisa que faz com que ele pense isso”? [...] Aí eu vou ver se eu estou falando

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117

demais, o que eu estou escrevendo nos trabalhos dele, o que @aconteceu@. Porque eu não tinha aquela percepção da criança, e ela se coloca assim. Outras vezes, não. Você já sabe que é uma questão pessoal, psicológica, emocional, que a gente já vem tentando trabalhar o ano inteiro, e que mesmo assim não depende só da gente. (P2).

A professora revela o desconforto em relação a uma suposta auto-avaliação dos

alunos, como se ela fosse responsável por todas as atitudes e sentimentos dos estudantes.

Em seguida, a professora retoma a reflexão e afirma que nem tudo está sob o seu controle e

responsabilidade. Esse conflito entre o que é percebido como atribuição e responsabilização

do trabalhador docente ao que está fora de seu alcance, demonstra um desgaste emocional

e fadiga em relação ao seu trabalho. A outra professora afirma o caráter de avaliação que o

Conselho possui, sobretudo do trabalho docente.

As crianças têm uma maior participação, maior atuação e maior conscientização do que eles fazem, eles assumem a responsabilidade dos atos deles. Como cobram também, é::, sobre a minha atuação, sobre a minha participação. (P3).

Em geral, a avaliação das professoras é positiva em relação ao projeto, porém

foi observada certa apreensão quanto à fala dos alunos durante o Pré-conselho, momento

em que elas não estão presentes, e que, por isso, são analisadas na forma como se

relacionam com os alunos e com seu trabalho em geral. Ao término de cada reunião do pré-

conselho, algumas professoras mostravam-se tensas em relação às discussões travadas

em sala.

O Conselho e o pré-conselho tornam-se, então, fator de avaliação fundamental

para as professoras. O aluno, participante ativo do processo ensino-aprendizagem, parte

constituinte do trabalho do professor, nessa oportunidade faz a avaliação dos resultados do

trabalho docente. As professoras parecem compreender que se trata de uma avaliação

conjunta, são colocadas, ao mesmo tempo, na posição de avaliadoras e também sujeitas à

avaliação, com marcas de ansiedade, preocupações e temores.

3.2.2 Laboratório de Aprendizagem ou Reagrupamento

Na escola em questão, as atividades denominadas “Laboratório de

Aprendizagem” ou o “Reagrupamento”, realizadas uma vez por semana, foram observadas

por serem estratégias do trabalho docente que busca atender aos alunos em suas

necessidades diferenciadas de aprendizagem.

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118

Esta atividade é percebida pelas professoras de forma contraditória no que se

refere à intensificação de seu trabalho: por um lado, admitem se tratar de uma organização

de trabalho essencial; por outro, percebem que, ao realizá-lo, aumenta-se o desgaste físico

e intelectual para o professor.

A proposta educacional do governo de 1995 a 1998 marca a origem do

Laboratório de Aprendizagem na Escola Candanga72, que, entre outros projetos,

implementou as Turmas de Reintegração. Trata-se de uma política de enturmação de

alunos por ciclos menores, dentro do Ensino Fundamental, que considera os níveis de

desenvolvimento da aprendizagem desses a partir de grupos formados pela idade dos

estudantes e não pela série.

Dentro de cada fase de formação, é importante respeitar a organização de agrupamentos (turmas referenciais) por idade e desenvolvimento global, criando no decorrer do processo educativo momentos que possibilitem a integração entre os educandos das diferentes idades (SEDF/FEDF, 1997a, p. 15).

Com o fim da Escola Candanga, em 1999, a escola continuou com a proposta de

atividades diversificadas com diferentes grupos de alunos; no entanto, com a volta da

seriação, as atividades são desenvolvidas com alunos da mesma série, considerando os

diferentes graus de desenvolvimento na divisão dos grupos de alunos. A professora P6, ao

relatar a experiência em duas turmas de primeira série, recorda:

O laboratório de aprendizagem partiu da necessidade que a gente vê na turma, com esses estudos [da psicogênese da escrita] porque as crianças têm níveis diferentes, tem ritmos diferentes. Eu comecei num dia em que a gente subiu o horário e eu estava na sala junto com a [professora] P1, e duas crianças, assim, trabalhosas, um meu e um dela, estavam no mesmo grupo, e começou um ditando a palavra pro outro, e um copiava para o outro, a gente falou: @“espere aí, esse negócio dá certo, é a solução”@. Então, com esses níveis a gente separou os grupinhos. (P6).

Outras professoras também expressam suas percepções quanto aos Conselhos:

É, a gente dá o nome de “Laboratório de Aprendizagem” porque já é um nome que vem... é um projeto que a escola já tinha, e que a gente deu sequência, não é uma coisa nova [...] a gente continuou assim esse ano porque é uma coisa que a gente vê que dá certo, ajuda. (P5). A gente chamava de laboratório. Agora com o BIA a gente muda de nome, que é o reagrupamento. Então tem o reagrupamento intra-classe, inter-classe. Então para fazer o reagrupamento eu gosto, mas dá trabalho, dá dor de cabeça, por quê? [...] “a coordenadora está muito ocupada, não dá [para ajudar-nos], a supervisora, muito ocupada, não dá”, [...] “P1, vamos fazer

72

Seus princípios se pautam em uma educação voltada para as necessidades sociais, principalmente dos

excluídos de direitos sociais, além da preservação do meio ambiente da região do DF, desenvolvimento sustentável na garantia da qualidade de vida, por meio da “formação de cidadãos conscientes, críticos e solidários” (SEDF/FEDF 1997a, p. 05).

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119

esse reagrupamento [...] a gente precisa separar grupos para fazer um atendimento mais individualizado”. (P6).

Percebe-se nessas falas que o trabalho das coordenadoras e supervisoras da

equipe pedagógica está intensificado, pois a professora revela a ausência da coordenadora

e da supervisora para o apoio ao seu trabalho dentro da sala de aula. Esta situação faz com

que as professoras regentes criem estratégias para superar os desafios de trabalhar com

alunos com diversos níveis de desenvolvimento e de aprendizagem.

As turmas de segunda série, das professoras P5 e P8, também fazem o

Laboratório de Aprendizagem, ambas compreendem essa forma de organização de

atividades como mecanismo para se trabalhar com as crianças que possuem necessidades

especiais e também como subsídio para a avaliação pessoal, necessária para a realização

dos relatórios individuais ao final de cada bimestre.

A gente separa as crianças, em quatro grupos. Eu fico com um grupo, a outra professora fica com outro grupo, vai um grupo pra sala de informática e outro grupo para sala de leitura. Então eu pego um grupo pra trabalhar algumas dificuldades, e outra professora pega outro grupo pra trabalhar outras dificuldades. Aí ficamos por um tempo “x” com cada grupo, e a gente vai trabalhando. Então, como a gente tem criança que precisa, (.), que é dependente, então rouba mais tempo. Às vezes não dá tempo, mesmo no grupinho de dez crianças, às vezes não dá tempo de atender aquela criança naquela dificuldade. (P5).

Nos trechos selecionados, a P5 e a P6 assinalam uma tarefa de intensificação

do trabalho coletivo, a organização do trabalho com a estratégia do Laboratório

complementa o trabalho tradicional de sala de aula. É mais esforço, mais ansiedade. Revela

limitações para atingir o objetivo de atender a todos os alunos em suas particularidades. A

professora expressa frustração ao relatar esse fato, e em seguida diz que esse atendimento

aos alunos com mais dificuldades ocorre no período contrário.

A professora P5 relatou que a repetição na condução das atividades as tornam

cansativas, disse que se sente mais desgastada no dia em que realizam o “Laboratório”.

Com vários grupos a gente repete [...] como o conteúdo da turma é um conteúdo, eu vou trabalhar em níveis diferentes o mesmo conteúdo, certo? Então aquela criança que tem uma dificuldade maior na leitura e na escrita, eu vou ter que trabalhar mais a leitura, dar mais enfoque à leitura, à interpretação, à escrita dele, do que necessariamente a outras coisas. Agora, um grupo, por exemplo, que está lá num A3 [nível alfabético 3], num A4, a gente vai dar mais enfoque na criatividade deles, no que ele está rendendo a mais, vai incentivar para que ele produza melhor dentro dos grupos. Então a produção de texto de uma criança que está no A1 é diferente de uma criança que está no A3, tem diferenças. Mas eu não posso, por exemplo, deixar esse A3 num nível, no mesmo nível do A1. Essa... é isso que é cansativo. Você tem que estar sempre tomando cuidado, para não subestimar a capacidade dessa criança para atender essa que está precisando. (P5).

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120

As atividades são planejadas e executadas pelas professoras regentes, outras

atividades são coordenadas pelas professoras da sala de informática e da sala de leitura, a

partir das necessidades de aprendizagens dos grupos, independente da turma. As

professoras separam quatro grupos de alunos, analisam as principais carências e/ou

potencialidades de cada grupo, preparam atividades diferentes para contemplar essas

dificuldades ou potenciais, além de considerar os objetivos e a interdisciplinaridade entre os

conteúdos. Cada professora ministra uma atividade em sua respectiva sala, num período de

cinquenta minutos, aproximadamente; passado esse tempo, as crianças fazem um rodízio

entre as salas até que cada grupo passe pelas quatro professoras.

Então, por exemplo, a criança que é pré-silábica, a gente vai trabalhar com letrinhas, formar palavrinhas ali, o outro que já está lendo e escrevendo não pode ficar com palavrinhas, eu vou pegar um texto, eu já vou pegar umas gravuras, construir um texto em cima daquilo ali. (P6).

Uma preocupação presente, e que mostra angústia e fadiga entre as professoras

na elaboração das atividades, é em relação às diferenças de desenvolvimento entre os

alunos. O planejamento precisa ser feito de forma que nenhum aluno seja excluído da

aprendizagem, sejam aqueles que têm dificuldades, sejam os que superaram os objetivos e

precisam de novos conteúdos e desafios.

Porque até pouco tempo atrás, a gente observava dentro das escolas que aquela criança que não tinha dificuldade, ela ia embora, aquelas crianças que tinham mais dificuldade, elas ficavam mais de escanteio, e a gente ia trabalhando com quem sabia. Agora não, eu não tenho essa visão, eu acho que aquela criança que precisa mais, precisa mais. Agora, eu também não posso deixar de atender aquele outro, apesar de não precisar daquilo, precisa de outras coisas. E eu estou ali para isso, para atender essas diferenças, então, isso é cansativo. (P5).

As atividades são preparadas considerando os diferentes grupos e também as

salas; por exemplo, para a sala de informática, as professoras da turma precisam preparar

quatro atividades diferentes, pois a professora do laboratório de inclusão digital ministra a

aula considerando, principalmente, as técnicas de informática necessárias para a realização

das atividades pelos alunos, mas o conteúdo a ser trabalhado é planejado pela professora

da turma de acordo com os projetos em andamento na turma.

O fato de ter de planejar e executar diferentes atividades ao mesmo tempo é

apontado pela professora P6 como elemento de fadiga e exaustão.

Eu preparo a atividade para quem é silábico, eu tenho que preparar a atividade para quem é alfabético, eu tenho que preparar a atividade para quem é A3 [Alfabético nível três], eu tenho que coordenar a pessoa para fazer aquele trabalho [...] [coordenar] a professora da sala de leitura porque

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121

o dia que não tem sala de informática73

, eu tenho que separar em três grupos, não quatro. Então era sala de leitura, um grupo estava comigo junto com as bolsistas em grupinhos menores, as meninas na sala aqui, e a gente fazia um revezamento pra dar tempo pra todo mundo participar de todos [os grupos]. (P6).

Essa diversidade de tarefas cumpridas ao mesmo tempo pelo professor pode ser

comparada à polivalência, cuja intensificação pode ser maior do que a organização do

trabalho sob a base da especialização, que cindia a concepção e a execução (DAL ROSSO,

2008). Dentro dessa estratégia, as professoras regentes ainda sentem a necessidade de

subdividir os alunos em grupos menores ainda. Após dividirem os alunos entre as salas de

informática e de leitura, aquelas crianças que ficam com as professores regentes têm

atendimento diferenciado com as estagiárias, orientadas pela professora.

Elas [estagiárias] ficavam na mesma sala que eu, e aí eu ia orientando junto, teve um momento, por exemplo, que eu precisei trabalhar só com o Marcelo, ele estava com o bracinho quebrado [...] E eu procurei fazer um atendimento principalmente pra esse primeiro grupo, que é o grupo que eu mais atendi, que a gente mais atende, mais individualizado mesmo, porque são crianças que requerem mesmo a pessoa, então ficou, por exemplo ... Quase um por um [...] “quanto mais individualizado melhor”, porque é a pessoa e a criança. (P6). É extremamente desgastante para gente, mas, (.), se a gente não tiver é::, esse tipo de estratégia a gente não consegue atingir o objetivo. (P5).

As professoras vivem a contradição imposta pelo trabalho, pois reconhecem os

resultados na aprendizagem das crianças, principalmente aquelas que necessitam de

atenção especial, como também consideram como momento oportuno e singular de

avaliação dos alunos. Ao mesmo tempo, são sujeitas a uma organização racional,

produtivista, que lhes exige um envolvimento mais consensual, mais participativo, que além

de seu tempo e energia, alcança também sua consciência, sua subjetividade (Antunes,

2007).

Tem determinados assuntos que você consegue trabalhar com todos. Então eu procuro trabalhar muito desse jeito, assuntos em que eu posso incluir todos. E nessa inclusão eu não vou estar cobrando a parte escrita. Então, é por isso que eles participam, eles são muito mais espontâneos, então não existe essa cobrança escrita. [...] Mas, em determinados momentos, eu tenho que tirar esse grupo e fazer outro atendimento, em sala, e isso é feito graças às estagiárias @.@, do professor Mário. Muito importante o trabalho que vem sendo realizado. Desde o ano passado elas estão em sala. Então se não fosse por elas seria muito difícil, porque elas já estão ali, elas já conhecem, porque elas estão sempre naquele dia, durante cinco horas, então elas já sabem como é a turma, ficam conhecendo o aluno, então nós fazemos o quê? Reagrupamento. Então esses alunos com dificuldade, elas atendem. Eu tiro eles de sala, e eles ficam a hora, o tempo que for

73

A sala de informática atende as turmas a cada 15 dias, pois há somente uma professora para o atendimento

de 16 turmas, e a sala possui 10 computadores.

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necessário com essas estagiárias. O trabalho, já é um trabalho direcionado, eu sempre separo o material para trabalhar com cada um deles, de acordo com cada uma de suas dificuldades, por isso que elas não trabalham a mesma atividade com todos, [...] e isso exige muito, exige que você pesquise, exige que você faça um material, então isso exige muito. Então quando elas chegam, elas já têm o material e eu falo para elas qual é a proposta de trabalho, e o que eu quero que elas observem com aqueles alunos. (P4).

Nas rotinas pedagógicas na escola, há a sensação de que sempre há trabalho por

fazer, ou de que o trabalho realizado não é suficiente; esse sentimento acomete os

professores da escola pública. A professora admite transferir parte de seu trabalho para as

estagiárias, utilizando-se do que Antunes (2007) chamou de trabalho em equipe na

organização do trabalho do tipo toyotista que objetiva novos padrões de gestão da força de

trabalho. Nesse caso, parece que as professoras estão transferindo tarefas para as

estagiárias no intuito de diminuir seu trabalho, porém, foi observado e verificado nas falas

das professoras o esforço em atender a cada aluno individualmente em suas

particularidades. E mais, depreende mais trabalho o exercício de ter de preparar atividades

específicas, pensá-las, elaborá-las a partir do universo do aluno; além disso, as professoras

orientam as estagiárias para o desenvolvimento das atividades com determinados

estudantes. Atendem individualmente e continuam a atender coletivamente os demais;

realizar o trabalho docente com melhores resultados na aprendizagem torna-se o principal

objetivo das professoras.

3.2.3 Atividades de Coordenação Pedagógica na escola pública

Nas reuniões de Coordenação Coletiva, são tratados os assuntos referentes à

organização dos trabalhos administrativos e pedagógicos, com participação de todos os

segmentos da escola, mesmo que seja por representação.

Em uma dessas reuniões foi tratado o dever de casa dirigido aos alunos. As

professoras foram orientadas a mandar deveres todos os dias. Elencaram-se os objetivos

“1- a necessidade de as crianças criarem o hábito de estudo, 2- desenvolverem a

autonomia, e 3- cobrança dos pais” (Notas de campo, 13/05, 14h40). O dever de casa

reverte-se em mais trabalho ao professor na medida em que a realização, ou não, dessa

atividade necessita ser controlada e registrada e, caso não tenha sido feita, precisa ser

informada à família por meio de registro na agenda do aluno; além de ser corrigida

individualmente ou coletivamente. De todo modo, a professora precisa despender tempo e

energia para essa correção; quando é feita individualmente, a professora recolhe todos os

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123

cadernos e corrige cada um no momento em que as crianças estão fazendo outras

atividades, o que implica em eventuais atendimentos aos alunos para auxiliá-los nessas

atividades; isto é, o professor trabalha em diversas tarefas ao mesmo tempo. A correção

coletiva implica em tempo suficiente para a explicação detalhada do dever de casa e

reparação de eventuais dúvidas por parte dos alunos.

A Coordenação por série acontece uma vez por semana. As professoras

recebem orientações para a execução do trabalho e fazem planejamento das aulas com as

colegas da mesma série. Além dessa coordenação, em um dia da semana, no horário

contrário ao atendimento em sala de aula, as professoras têm um momento de

planejamento individual. Segundo a supervisora, esse trabalho pode ser feito em casa, fruto

de um acordo informal entre a equipe e as professoras. No entendimento das professoras,

esse momento é considerado uma “folga”, porém, foi observada a correção da supervisora:

“não é folga, é planejamento individual, pode ser feito em casa ou na escola” (Notas de

campo, 16/05, 08h10). A diretora reafirma que não existe folga, e relata que esse benefício

não foi obtido formalmente pelo sindicato quando se propuseram a lutar por ele, na

mudança de governo entre 1999 e 2000. Ela relembra que algumas professoras acharam

que a Secretaria de Educação havia aliviado o trabalho docente, quando de fato, a

quantidade de trabalho ficou a mesma e, ainda, diminuiu-se o tempo para executá-lo.

Então o Roriz vem e entrega para o grupo uma nova matriz curricular, essa matriz diz: “olha, vocês não precisam ficar mais de segunda a sexta “morrendo”, vocês vão “morrer” só de segunda a quinta” [...] Tudo que a gente tinha que fazer de segunda a sexta, agora a gente vai ter que fazer de segunda a quinta. (Diretora).

Dessa forma, a intensificação se deu de forma objetiva, diminuiu-se o tempo

para a realização do trabalho sem redução de tarefas e, ainda, passou-se a imagem de que

estava sendo concedida uma folga semanal às professoras. Para Antunes (1999), torna-se

imprescindível que os trabalhadores lutem pela redução da jornada de trabalho articulados à

luta pelo controle e pela redução do tempo opressivo de trabalho, caso contrário:

A redução formal de horário corresponde a um aumento real do tempo de trabalho despendido durante esse período. Algo similar ocorre se, após a redução pela metade da jornada de trabalho, houver uma duplicação da intensidade das operações anteriormente realizadas pelo mesmo trabalho (ANTUNES, 1999, p. 175, grifos nossos.).

Em alguns momentos, as professoras relatam que a quantidade de trabalho

sempre aumenta, as atividades vão sendo acrescentadas sem que haja uma diminuição das

antigas tarefas para a compensação desse acréscimo de trabalho (vide Quadros 02 e 03, p.

94 e 97 respectivamente).

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124

No início do ano nós tínhamos dois dias na semana que era assim mesmo, com reunião com a equipe da direção, com a diretora, e a outra com a orientadora e a psicóloga. [...] Então dois dias na semana eram mais essas reuniões. Mas aos poucos a gente foi se sentindo muito apertadas com outras atividades e aí acabou que depois, tirou a reunião com a direção. [...] Porque a gente estava precisando coordenar, precisando... você tem que corrigir tarefas, você tem que planejar a aula, [...] tem o atendimento individualizado, a gente chama os alunos com dificuldades [...] então eu tinha que planejar na sexta-feira, mas sexta-feira já não dava, porque sexta-feira é reunião da série. [...] Então assim, tirou essa reunião, mas não é que deixou de existir, pelo menos uma vez por mês a equipe é organizada para ter as reuniões. (P7). Então assim, era só coisa chegando, os projetos já estavam demais, aí veio a Escola Integral, aí veio o Ciência em Foco. [...] Então exigia que a gente andasse... (P7).

Nos trechos selecionados, transparecem muitos movimentos, quase uma corrida

para fazer tudo dentro de um tempo determinado; ao mesmo tempo, percebe-se que as

trabalhadoras fazem acordos, mudam as regras, criam outras para conseguir ajustar tantos

afazeres, e até mesmo aliviá-los, como foi a estratégia da folga semanal organizada

informalmente pelas professoras.

P: Essa folga é a coordenação em casa? A supervisora falou, “não é folga”. E: É. Porque ela fala que não é folga. Não é folga assim, mas [...] Aqui eles falam assim, que não é um direito, mas assim, em todas as escolas que eu já trabalhei, (.), é a folga mesmo. [...] Mas ainda tem, lá em Céu Azul

74 tem.

Porque a minha irmã trabalha lá, e ela tem. E esse mês de dezembro ela ganhou a folga o mês de dezembro, todos os dias do mês de dezembro eles ganharam a folga. Então assim, cada escola é diferente, sabe? Então assim, eu não sei como é que funciona isso, não sei porquê, sabe, mas assim, tem algumas escolas que tem, algumas que dão esse descanso. E: Era muito bom porque você descansava um pouco, relaxava. Você pensava mais assim, você tinha aquele momento que era só você, [...] e tinha um momento também que você pensava assim, “ah, que tal levar tal coisa? [para o trabalho com os alunos]” [...] P: E você não tem mais esse tempo? E: Aqui não [...] como aqui é uma escola muito visada, porque as escolas do Plano [Piloto] são, porque é uma escola que estão muito em cima, o governo... , aquela [escola] que está muito de olho, [...] tem que mostrar resultado, para ser espelho, para as outras se espelharem. (P7).

A professora P7 sente a cobrança maior nessa escola, mas também por parte da

sociedade e da Secretaria de Educação, o que, para ela, acarreta em intensificação de seu

trabalho. Esse artifício para abrandar a quantidade de tarefas passa a ser utilizado para a

realização de mais trabalho.

74

Nome fictício referente a uma cidade satélite onde, segundo a P7, as escolas concedem informalmente folgas

semanais (nos horários de coordenação) para as professoras.

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125

Na verdade essa folga é você estar em casa fazendo as coisas [do trabalho]. Porque, que dia que eu tive para preparar o material? Que horas que eu corrigi alguma coisa? É de noite, na minha casa. Que horas eu preparo meus relatórios? Na minha casa. (P2).

O tempo destinado aos momentos de coordenação pedagógica, idealizado para

a realização de todo o trabalho fora da sala de aula de planejamento de atividades,

avaliação de tarefas dos alunos, entre outras atribuições docentes, é insuficiente para a

realização de todos os afazeres, o que resulta em intensificação do trabalho docente.

3.2.4 Relatório de Avaliação e novas tecnologias

O uso de novas tecnologias aparece enevoado na fala das professoras, a

percepção quanto aos mecanismos de intensificação do trabalho docente apresenta-se

contraditória. Na escola há um aparelho de DVD e um de TV com vídeo, todos ficam na

biblioteca. Na sala dos professores há três computadores75 para uso dos funcionários,

utilizados também para uso geral da internet por todas as pessoas envolvidas com a escola,

mas com prioridade das professoras para pesquisa e confecção de materiais para os

alunos, na redação dos relatórios, e também para o uso da secretaria, da coordenação,

orientação e supervisão. Neste caso, a subutilização dos equipamentos pelo professor nas

primeiras séries do ensino fundamental resulta em veículo para viabilizar algumas tarefas

burocráticas-administrativas. Entre essas, o computador é utilizado pelas professoras,

principalmente, para a confecção do relatório individual dos alunos a cada bimestre e da

turma no início do ano, como processo avaliativo.

A avaliação tradicional consistia na validação da aprendizagem, ou não, do aluno

por meio de um teste escrito realizado no final de um prazo. As novas práticas de avaliação

estão cada vez mais presentes no universo escolar, ainda que se conviva com a forma

habitual. Trabalhos em grupo, projetos interdisciplinares entre outras formas alternativas são

praticados pelas escolas como mecanismos de resistência a despeito das políticas de

avaliação nacional que primam por resultados quantitativos e classificatórios dos alunos e

das instituições escolares. Assim mesmo, no trabalho docente, a avaliação se sobressai

como um momento de tensão e ansiedade tanto para os docentes quanto para os discentes.

Apresenta duas facetas para as professoras, como carga de trabalho, quando elaborada

pelos órgãos do governo e, por outro lado, como trabalho que qualifica e valoriza o fazer

pedagógico.

75

Um desses computadores não funcionou durante os meses de observação.

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126

É muito conteúdo, é muita coisa que tem que ser dada. Tem as provas aplicadas. Esse ano os alunos participaram daquela prova, a primeira prova que teve do SIAD, que é aquela prova da Secretaria de Educação, então os alunos já tiveram o @prazer@ de fazê-la.(P7).

A avaliação, feita pelas professoras a cada bimestre, é registrada em um texto

contendo a trajetória do aluno em todo o seu desenvolvimento. Requer empenho maior do

professor em conhecer esse estudante para captar todas as suas particularidades, em todos

os aspectos: emocional, relacional, cognitivo. O relatório, como mecanismo de avaliação,

tem sua origem nos princípios da Escola Candanga.

A Escola Candanga representa o fim da ditadura das notas. A avaliação de cada aluno tem como objetivo valorizar suas descobertas, estimulando em cada um o sentimento da auto-estima. O aluno é acompanhado, cuidadosamente, pelo professor em todas as atividades escolares e orientado a fazer, permanentemente, sua auto-avaliação. (SEDF/FEDF, 1997b, p. 09)

Na escola, a cada bimestre, os professores redigem um texto de

aproximadamente uma lauda para cada um de seus alunos, em que discorrem sobre seu

processo integral de desenvolvimento. Esses textos são entregues às famílias no dia da

reunião entre pais e professores e uma cópia de cada relatório é enviada à Diretoria

Regional de Ensino. Além desse relatório individual, os professores fazem no início do ano

um relatório avaliativo de sua turma, caracterizando os aspectos gerais do grupo em relação

à aprendizagem e o relacionamento entre os alunos.

Segundo a supervisora, a alteração da forma como o relatório é feito se

configura em mais uma reivindicação da escola a ser levada à Diretoria Regional de Ensino.

As professoras querem modificar a quantidade de relatórios por ano e também os prazos de

entrega.

O primeiro dá mais trabalho [...] a escola está entendendo que não é necessário fazer quatro relatórios anuais e sim três, por conta do primeiro ser mais abrangente e dar mais trabalho. A Secretaria exige quatro, um por bimestre. (Supervisora Pedagógica). O relatório eu ainda vejo como necessário, porque é uma forma de acompanhamento do rendimento do aluno, (3), e é um relatório que você faz para a família a para a Secretaria, que é um, (4), um resumo do seu trabalho, para você prestar, inclusive, contas do seu trabalho. [...] Quando eu tenho a oportunidade de fazer o meu relatório eu vou falando, das características, da afetividade, da capacidade que ele [aluno] tem de se relacionar com os colegas, como é que ele vê a escrita [...] A partir do momento que eu passo a escrever esse relatório eu fico tranquila, porque é uma forma de avaliação. Enquanto a Secretaria estiver aceitando esse tipo de relatório está perfeito. (P3).

A tarefa de redigir os relatórios é apontada pelas professoras como a melhor

forma de se avaliar o aluno, apesar de reconhecerem que é, também, o formato mais

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127

trabalhoso. Quando perguntadas sobre os elementos do trabalho docente que mais lhes

exigem, duas professoras citaram esse tipo de avaliação como atribulada, e acrescentaram

que o fato de avaliar e identificar as dificuldades as “obrigam” a equacionar os problemas

com cada criança individualmente. Então, após a avaliação, é preciso voltar com cada aluno

em seu problema particular, planejando estratégias e atividades para que eles superem

essas dificuldades.

A avaliação consome mais, desde o momento do planejamento até:: a hora de fazer o relatório. Eu chego a demorar uma tarde inteira pra fazer o relatório de uma criança, (1), dependendo da criança. [...] Porque esse relatório, ele é bimestral, só que na verdade não dá pra você sentar uma vez a cada dois meses para você fazer um relatório, então, a gente tem que ir fazendo esse acompanhamento. [...] Então, esse retorno para a criança, eu acho mais desgastante. Porque a criança, você está vendo que a criança está com “x” dificuldade, você tem que voltar ali para trabalhar, porque é uma dificuldade, o outro tem outra dificuldade, então fazer essa seleção, e retomar com eles, essa é a parte mais cansativa, mais desgastante. Depois sentar e escrever, e anotar e... quer dizer, a parte de avaliação mesmo fica mais complicada. (P5). Então é isso o cansaço. Porque nós fazemos, a quarta série é um relatório por bimestre, então você imagina [...] é muito próximo para ter um avanço assim, considerável, sabe? [...] principalmente do terceiro [bimestre] para o quarto, terminamos, fazemos a reunião com os pais e aí logo em seguida, praticamente, o quarto bimestre já. [...] o primeiro, porque tem o diagnóstico inicial da turma também, que é geral. (P7).

As professoras comparam os relatórios que são feitos nessa escola e as

avaliações exigidas pela Secretaria.

E a gente aqui não, a gente sempre manteve aquele mesmo relatório que a gente começou a fazer, aprendeu a fazer lá no governo Cristovam, que era um relatório global, que falava do aluno, das questões sociais, da questão da convivência, que fala do que ele aprendeu, no que ele está bem, no que ele precisa melhorar, em que a gente tem que investir, tudo. Fala dele como um todo. Isso já toma da gente muito tempo. Porque você escrever um quarto de folha que não diz nada, é bem menos comprometedor e mais rápido. Mas, ao mesmo tempo, é um prazer você poder fazer uma coisa na qual você acredita. (P2). Acho correto, a parte do relatório, quando um relatório é aberto. Têm uns relatórios fechados, que inclusive nós tivemos a oportunidade de preencher este ano, um que dizia “aluno bom, mal, ou excelente”, eu não posso qualificar meu aluno como bom, mal, ou excelente, porque é tão... é tão subjetiva a avaliação do aluno – eu tenho um caso assim – olha ele tem uma capacidade para elaborar textos maravilhosos mas ele não consegue escrever, ele vai escrever no computador, pode ser?” (P3).

Com o fim da Escola Candanga, a exigência em relação aos relatórios de

avaliação mudaram. A professora comenta, em outra fala que recebeu um aluno de outra

escola da rede pública do Distrito Federal, e que, no entanto, não conseguiu compreender o

desenvolvimento do educando apenas com o relatório enviado no processo de sua

transferência. Segundo a professora, o relatório era extremamente curto e incompleto.

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128

As professoras nessa escola continuaram com a compreensão de educação

integral formada com a política da Escola Candanga, no entanto, estão submetidas às

condições de trabalho de políticas que partem de uma perspectiva produtivista, que exigem

avaliações de resultados quantitativos e objetivos.

Outro episódio contribui para a reflexão sobre a racionalização do trabalho

docente em relação às formas de avaliação dos estudantes. As professoras da primeira

série recebem prontos textos e tabelas de classificação, feitos por “experts”, para serem

apenas aplicados por elas. A professora P6 demonstra toda a sua contrariedade ao formato

dessas avaliações, ainda que não tenha um ponto de vista crítico à avaliação em geral.

Nós temos uma avaliação, que é o teste da psicogênese, que a gente tem que estar mandando todo bimestre. Assim, o que eu tenho em relação a isso, é porque vêm as palavras prontas. Por exemplo, esse último tinha, „insignificância‟, umas palavras bem fora do contexto, „pneumonia‟. Como eu estou fazendo um trabalho, e eu trabalho com muito projeto na minha sala, eu poderia, por exemplo, com a minha mascote Lilica, produzir um texto e tirar palavras daquele texto para o teste da psicogênese, eu acho que poderia ser assim, não vir as palavras prontas. (P6).

Diante do fato, as professoras e a coordenadora pedagógica criam estratégias

alternativas para superar o estranhamento das crianças ao conteúdo da avaliação imposta

pela Secretaria de Educação a cada bimestre.

Então a gente procura o quê? Ler a historinha que a coordenadora criou num dia, na segunda-feira, aí lá na quarta-feira eu leio de novo, para eles irem se familiarizando, tendo contato com o texto, para depois aplicar o teste. (P6).

Percebe-se que a divisão do trabalho nessa avaliação acontece de forma

parcelar: os técnicos burocratas elaboram, os coordenadores leem e conduzem a aplicação

juntamente com as professoras. Essas avaliam a produção de texto de cada criança, de

acordo com critérios pré-estabelecidos por especialistas incógnitos, fora do contexto da

realidade escolar. À coordenadora pedagógica cabe também a tarefa de preencher o

formulário de classificação dos estudantes, de acordo com níveis instituídos técnicos.

P: Quem faz essa avaliação da história que ele [aluno] produz depois, é você? E: Sou eu, e aí eu repasso, a coordenadora passa para a tabelinha, quando a gente tem alguma dúvida a gente corre atrás da coordenadora, e aí a tabela é passada para a Secretaria. P: A tabela também já vem pronta? E: Vem pronta. P: Com os critérios da Secretaria?

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E: Isso, com os níveis da psicogênese. Pré-silábico, silábico, alfabético 1, alfabetizado e agora é alfabetizado 1, 2, 3 e 4. Teve uma mudança [...] então tem que estar sempre estudando. É um negócio bacana porque você vê a evolução da criança. Mas essa questão que eu trouxe, que eu estou questionando, é a questão dessas palavras, eu poderia trabalhar no contexto que já está na sala [...] mas aí não, vem essas palavras. (P6).

A professora sente-se incomodada com a imposição dos instrumentos externos,

ainda que não identifique a origem e a dimensão da perda de sua autonomia na avaliação

de seus alunos. Outro aspecto, apontado pela professora e assinalado por Antunes (1999),

refere-se ao tempo livre do trabalhador ser utilizado para sua constante qualificação, para a

garantia de sua empregabilidade, entendida como a manutenção, pelo trabalhador, de suas

condições para se conseguir uma colocação em um contexto social de crescente

desemprego. O estranhamento advém justamente da cisão entre as unidades que o trabalho

ontologicamente possui: “trabalho e lazer, meios e fins, vida pública e vida privada” (p. 133).

3.3 A política de inclusão intensifica o trabalho docente

A política de inclusão, nesse estudo, foi percebida como elemento de possível

intensificação do trabalho docente, a depender de como é implementada e de como os

recursos para sua realização são manejados e desdobrados no Distrito Federal.

Neste subitem, registra-se o significado da política de inclusão, contudo o

aspecto que se quer abordar são aqueles que constituem aumento de tarefas para os

professores. A análise que se segue, longe de questionar direitos, tem a finalidade de

iluminar outro aspecto dessa questão. Ou seja, trata-se de mergulhar na essência do

trabalho docente para identificar como ocorrem os processos de intensificação decorrentes

dos afazeres profissionais, neste momento, de diversificação das formas de exploração dos

trabalhadores.

Do ponto de vista dos aspectos legais, a Constituição Federal, em seu Artigo

208º, no item III, garante “o atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”, com o objetivo de integrar esses

cidadãos na sociedade, garantindo um direito universalmente reconhecido como o direito à

Educação. No ano seguinte, 1989, foi votada a Lei nº 7.853, que dispõe sobre a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, cujo Decreto nº 3.298, de

20 de dezembro de 1999, a regulamenta. Na Seção II, o Decreto trata do Acesso à

Educação.

O Plano Nacional de Educação, em suas diretrizes sobre o Ensino Especial, faz

um diagnóstico do cumprimento dessa obrigação do Estado, porém reconhece o quanto se

desconhecia sobre essa realidade. Em 1998, havia 293.403 alunos, dentre esses 58% com

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130

problemas mentais; 13,8%, com deficiências múltiplas; 12%, com problemas de audição;

3,1% de visão; 4,5%, com problemas físicos; 2,4%, de conduta. Apenas 0,3% com altas

habilidades ou superdotados e 5,9% recebiam "outro tipo de atendimento" (PNE apud

Sinopse Estatística da Educação Básica/Censo Escolar 1998, do MEC/INEP)76. Diante

desses dados, o PNE defende uma “política explícita e vigorosa” de acesso à educação de

responsabilidade do Estado, em todas as suas instâncias.

Tal política abrange: o âmbito social, do reconhecimento das crianças, jovens e adultos especiais como cidadãos e de seu direito de estarem integrados na sociedade o mais plenamente possível; e o âmbito educacional, tanto nos aspectos administrativos (adequação do espaço escolar, de seus equipamentos e materiais pedagógicos), quanto na qualificação dos professores e demais profissionais envolvidos (PNE, p. 55).

O PNE coloca como atribuição dos professores a tarefa de diagnosticar

precocemente e preventivamente os casos de necessidades especiais entre os alunos.

Existem testes simples, que podem ser aplicados pelos professores, para a identificação desses problemas e seu adequado tratamento. Em relação às crianças com altas habilidades (superdotadas ou talentosas), a identificação levará em conta o contexto sócio-econômico e cultural e será feita por meio de observação sistemática do comportamento e do desempenho do aluno, com vistas a verificar a intensidade, a frequência e a consistência dos traços, ao longo de seu desenvolvimento (p. 55-56).

Mas alerta que, mesmo com a cooperação dos setores educacionais, o

atendimento cabe, principalmente, às áreas de saúde e da psicologia, assim como

assistência e promoção social e programas de renda mínima.

A Tabela 04 e o Gráfico correspondente, na página a seguir, mostram a

tendência nacional de crescimento do atendimento de alunos com necessidades especiais

no período entre 1996 e 2003.

No Distrito Federal, na escola em estudo, foi observado que os professores

fazem o primeiro diagnóstico preventivo em relação às possíveis deficiências detectadas em

seus alunos, de acordo com a recomendação do PNE.

No entanto, as dificuldades surgem quando as professoras suspeitam que um

aluno tenha alguma necessidade específica. A realização do diagnóstico protocolar e

reconhecimento da Secretaria de Educação aparecem como principais desafios a serem

enfrentados pela comunidade escolar. Sem esse laudo oficial, a Secretaria não autoriza a

redução de turma, o que demonstrou ser essencial para que as professoras possam atender

os alunos em suas necessidades específicas, sejam eles portadores de necessidades

especiais ou não.

76

O Brasil é signatário da Convenção sobre Direitos das pessoas com deficiências. Decreto 3.956 de outubro de

2001.

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131

Tabela 04 - Evolução da matrícula de alunos com necessidades especiais por tipo de deficiência.

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Tipo de Necessidade

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Quantidade de alunos

Total Brasil 201.142 334.507 337.326 374.129 300.520 323.399 337.897 500.375 Deficiência Visual

8.081 13.875 15.473 18.629 8.019 8.570 9.622 20.521

Deficiência Auditiva

30.578 43.241 42.584 47.810 35.545 36.055 35.582 56.024

Deficiência Física

7.921 13.135 16.463 17.333 10.764 12.182 11.817 24.658

Deficiência Mental

121.021 189.370 181.377 197.996 178.005 189.499 199.502 251.506

Deficiência Múltipla

23.522 47.481 42.582 46.745 41.726 47.086 50.484 62.283

Condutas Típicas

9.529 25.681 8.994 9.223 7.739 9.190 9.744 16.858

Superdota-ção

490 1.724 1.187 1.228 454 692 625 1.675

Outras - - 28.666 35.165 18.268 20.125 20.521 66.850

FONTE: MEC/INEP/SEEC – 2004

Gráfico 01 – Evolução da Matrícula de alunos com necessidades especiais.

FONTE: MEC/INEP/SEEC – 2004

A Lei n° 2698 de 21 de março de 2001, votada na Câmara Legislativa do Distrito

Federal, que dispõe sobre o atendimento especializado aos alunos portadores de

deficiência, em seu artigo 4° diz que a “Fundação Educacional do Distrito Federal atenderá

aos pleitos solicitados no prazo de trinta dias do recebimento dos mesmos”; no entanto, não

define o tipo de providências a serem tomadas. Em relação aos pedidos feitos pela escola, a

professora de Apoio explica como são encaminhados os casos de crianças com

necessidades especiais:

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Inicia-se o ano letivo e nós entramos em sala [a equipe pedagógica] [...] Faz-se esse diagnóstico inicial, o que a gente vê na turma, se achou alguma criança, algum problema, passa-se esse diagnóstico para a professora e a professora passa pra gente [...] tem um fulano que tem dificuldade de aprendizagem. [...] Primeiro conversa-se com essa criança, tenta-se resolver o problema na escola, se a gente observa que não dá para resolver na escola, com a equipe da escola, encaminha-se para a Equipe de Apoio à Aprendizagem da Secretaria. As equipes eram divididas [...] atendiam o Ensino Especial e outra o Ensino Regular, tínhamos a resposta mais rápida, a resposta da equipe, do ano passado pra cá não acontece mais isso, elas não atendem mais, não fazem atendimento só diagnóstico, a família tem que apresentar um laudo assinado por um médico. (Professora de Apoio, 28/10).

O documento denominado Estratégia de Matrícula da Secretaria de Educação

estabelece alguns critérios para a Constituição de Turmas77, levando em consideração o

atendimento de alunos com diferentes necessidades especiais, seguindo orientação da

SEDF (p. 45). A adequação (redução) nas turmas para atendimento aos ANEE com

deficiência mental e/ou física, só pode ser feita mediante laudo médico, somado ao relatório

pedagógico fundamentado nas diretrizes da Subsecretaria da Educação Básica – Subeb.

A professora P4, quando perguntada sobre a redução em sua turma para

atendimento de alunos com necessidades especiais, respondeu:

Na minha sala, ela veio com redução de alunos, porque eu tinha no início do ano três DAs [Deficiente Auditivo] [...] Olha, eu tinha esses três DAs sem laudo, dois e um também que não tem diagnóstico, a gente está vendo o que pode estar acontecendo com ele, porque a questão dele não é aprendizado (2) é uma questão é a de avaliação de saúde, a mãe está na fila [do serviço público de saúde] esperando para ele ser atendido; tem uma que tem um laudo de Déficit de Atenção, mas ela não tem direito à redução de turma, porque ela:, segundo a Secretaria: [de Educação] eles não reduzem turma para crianças que tem esse:: Déficit de Atenção. E tem outros casos também lá dentro, @têm vários@, mas tudo ligado à questão comportamental e emocional, à questão familiar [...] (P4).

O laudo de cada criança passa por um longo processo que depende,

primeiramente, da motivação da família em querer procurar atendimento médico

especializado, para que a equipe da Secretaria de Educação faça o diagnóstico. Muitas

professoras relataram dificuldades para convencer as famílias a procurar ajuda profissional;

diferentes motivos foram apontados por elas para a resistência das famílias. Algumas

causas são percebidas sendo de ordem emocional: a família não procura ajuda por não

querer admitir que a criança possa apresentar algum distúrbio, dificuldade ou deficiência.

E você chama a família no início, você fala com a família que tem aquilo e que precise que a família providencie aquilo. E o que eu vejo é a questão da

77

SEDF. Estratégia de Matrícula. 2007, p. 34, Item 4.2. Documento elaborado, anualmente, pela

Subsecretaria de Planejamento de Inspeção de Ensino (SUBIP), para normatizar o processo de matrícula na Rede Pública de Ensino do Distrito Federal, para o ano subsequente. Disponível em: http://www.se.df.gov.br/

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133

família ficar, como se fosse enrolando. Não seria nem esse o termo adequado mas, é::, eu acho que é esse termo que eu gostaria de usar. Porque eu acho que pelo seu filho você tem que correr, e correr logo. Principalmente quando ele está na escola, em processo de aprendizagem, não deixar as coisas irem passando. E quando você vê que a escola se importa, que isso é raro, essa escola se importa, se preocupa com a criança, e a família vai deixando de lado, e isso é muito complicado. (P4).

Em outros casos, as professoras entendem que são práticas entre algumas

famílias não atender às necessidades dos estudantes, sejam elas de saúde, afetivas, ou

mesmo em orientações básicas em relação à higiene e hábitos saudáveis, quando, de fato,

é nesta fase que se criam atitudes que se desenvolvem ao longo da vida.

Essa carência das crianças, assim, é tanto buraco pra todo lado! Então aqui a gente está fazendo bazar para juntar dinheiro para ajudar aluno a pagar exame, entendeu? Pagar exame. Para ter laudo. [...] Tem famílias que nós estamos desde a primeira série, tentando, pedindo para criança uma série de exames. “Procure um profissional, faça um tratamento”. Indica na primeira [série], indica na segunda, indica na terceira e o pai e a mãe não faz. Chega na quarta, aí às vezes algumas famílias se movem. Vêm pedir exame... Por que a gente diz: acabou tudo o que a gente tentou fazer aqui. (P2).

A professora P4 perguntada sobre o que mais lhe exigia em seu trabalho

respondeu que não consegue desvencilhar-se do envolvimento emocional que a acomete

quando se trata das necessidades das crianças em cuidados de saúde, afetivos e materiais.

É por causa do envolvimento mesmo. Essa questão do envolvimento, porque muitas pessoas não entendem, porque quando você está com eles, principalmente primeira série, você vê que muitos pais, você solicita algumas coisas, que foram solicitadas desde o início do ano, e aquilo não é providenciado. Então você vê, desde o início do ano e nós já estamos no final do ano. Então eu não consigo entender, eu não consigo aceitar isso. [...] “ah, eu vou providenciar”, essa providência não chega. Então é muito difícil, muito difícil. [...] Isso faz com que você tenha um desgaste muito maior, muito maior. Exige de você, que você chame várias vezes o pai, deixe de fazer algumas coisas para ficar esperando e o pai não vem, entendeu? E o tempo já é muito pequeno. Nosso horário, já é muito, reduzido. Então é muito difícil essa situação. (P4).

Os trechos selecionados assinalam os limites e dificuldades para a realização de

seu trabalho; mesmo que as professoras façam o diagnóstico preliminar e preventivo da

criança com necessidades especiais de aprendizagem, não há como garantir a redução de

alunos nas turmas sem a comprovação médica levada pela família e convalidada pela

equipe da Secretaria de Educação. Este processo de incerteza na regularização e a maior

quantia de alunos na turma tornam-se elementos de intensificação do trabalho das

professoras evidenciado nas condições institucionais e na fadiga pelos impedimentos de

ordem familiar e circunstanciais que não dependem exclusivamente delas.

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134

A SEDF admite 35 alunos como quantidade máxima de estudantes em classes

que não atendem ANEE. Havendo alunos com necessidades educacionais especiais, a

turma é reduzida de acordo com critérios que levam em consideração o tipo, o grau e a

especificidade da necessidade da criança, pois cada aluno especial demanda determinado

tipo de atenção, cuidado e planejamento pedagógico por parte da professora. A série da

turma também é um critério considerado, pois quanto menor a série, menor o número de

alunos por sala.

Eu quero falar também que a importância do trabalho, com crianças com necessidades especiais, a redução é muito importante, porque sem a redução não tem como você desenvolver um bom trabalho. Eu posso falar que eu desenvolvo um bom trabalho? Posso. Mas porque minha turma é reduzida, porque eu tenho toda uma estrutura, aí sim o profissional é capaz de desenvolver um bom trabalho. Mas se ele não tem uma turma reduzida, se ele não tem uma estrutura, é muito complicado. (P6).

Há casos, porém, em que a direção da escola, a equipe de apoio e as

professoras criam estratégias para atender aos alunos que apresentam dificuldades, e

ainda, não tem laudos ou os diagnósticos: não resultam em redução suficiente do número

por sala. A professora P2, ao ser indagada sobre a redução em sua turma respondeu:

Tenho redução de turma. Só minha aluna tem:, síndrome, (.) síndrome de kavasaki

78, só ela já dá redução da minha turma. Minha turma tem 18

alunos. Seria só por ela, porque outro que tem um laudo de DM [deficiência mental], nós nunca acreditamos que ele fosse DM, esse não tinha direito a nenhuma redução. E aí ele foi colocado nesta turma para ele aproveitar dessa redução. Uma redução que seria para ela, tem que ser dividida para os dois, porque ele precisa de uma atenção especial. E nas outras turmas cheias que ele não ia ter direito a redução, como ele ia ser atendido? E aí ele tinha esse laudo de DM, que nós não concordamos nunca, mas deixamos porque isso poderia dar algum respaldo pra ele, até seguir nos estudos dele, ter direito a algumas adaptações curriculares e tirar uma matéria ou outra, não sei. Então a gente procurou sempre... “Vamos aproveitar isso para ajudar ele o máximo possível”. (P2).

O quadro seguinte (Quadro 5) demonstra um exemplo de como a Secretaria de

Educação estabelece os critérios de autorização de redução de turma após o diagnóstico e

laudo apresentado formalmente. Verifica-se, nesse exemplo, a autorização de inclusão de

três alunos com Deficiência Mental, para um total de até 28 estudantes para uma classe

comum de 1ª série (2º ano).

78

Os sintomas apresentados pela aluna são denominados em seu conjunto como Síndrome de Kabuki, descritos pela primeira vez por dois médicos japoneses, Dr. Niikawa e Dr. Kuroki, em 1981. O nome foi escolhido devido à aparência facial lembrar a maquiagem dos atores do teatro Kabuki. Os principais sintomas apresentados pela síndrome são: problemas neurológicos, hipermobilidade articular (frouxidão ligamentar), retardo do crescimento, retardamento mental (de grau leve a moderado), perda auditiva, anomalias esqueléticas, anomalias cardiovasculares, entre outros. Porém, nem todas as crianças apresentam todas as características clínicas. Disponível em <http://www.kabukisyndrome.com/portuguese/port_kabuki.html>. Acesso em 27/11/2008.

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135

O trabalho de alfabetização realizado com essa quantidade de alunos, sendo

três com necessidades especiais, produz intensificação, pois requer tratamento mais

individualizado, atividades específicas, tempos diferenciados.

A comunidade da escola em estudo sugere, em registro no Projeto Político

Pedagógico – PPP, que cada turma tenha no máximo 24 crianças, levando-se em conta as

dimensões físicas das salas de aulas; no entanto, observou-se turmas com 28, 30 e com até

32 alunos no período de maio a dezembro de 2008.

Quadro 5 - Critérios para Redução de alunos em salas com alunos com necessidades especiais. 4.13 – Ensino Especial

4.13.1 – Deficiência Mental (DM) – Alunos com limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, sendo expressas nas habilidades sociais, conceituais e práticas, originadas antes dos 18 (dezoito) anos de idade. Etapas

e Modali-dades

Períodos, séries e segmentos

Classe comum Classes especiais Integração inversa Sala de Recursos

Nº de alunos

DM por turma

Total de alunos matriculados na

turma

Nº de alunos

por turma

Professor

especializado

Nº de alunos

por turma

Nº máximo de alunos sem DM

por turma

alunos

Nº de Professores

Ensino Funda-mental

1º ano 3

28

Não há classe

1 a 3 alunos

por turma

12

15

1 professor especializado com 40 horas

1ª série/ 2º ano

3

28

Não há classe

1 a 3 alunos

por turma

15

15

1 professor especializado com 40 horas

2ª série/ 3º ano

3

28

10 a 15 alunos

por turma

1 professor por turma

1 a 3 alunos

por turma

15

15

1 professor especializado com 40 horas

3ª e 4ª série/ 4º ano

3

28

10 a 15 alunos

por turma

1 professor por turma

Não há classe

15

1 professor especializado com 40 horas

Fonte: SEDF. Estratégia de Matrícula. 2007, p. 46.

A prática de inclusão de crianças com necessidades especiais era um princípio

dos sujeitos da escola mesmo antes de a legislação versar sobre o tema, por esse motivo a

escola foi “convidada” pela DRE a participar formalmente do projeto piloto de inclusão de

alunos com necessidades especiais.

Escola inclusiva foi assim: nós já atendíamos alunos [com necessidades educacionais especiais]. Porque a gente não pode negar a vaga. [...] Tinha escola que fazia isso. Essa escola nunca fez. Então está na parede, está nos tijolos, está na essência, na subjetividade desse prédio, das pessoas que aqui frequentaram, essa vontade de estar com o outro, e não segregar, não excluir. Então a gente sempre recebeu. Porque a gente fazia um trabalho, muitas vezes sozinha, só a escola. Só a gente, entre professores, direção tentando ajudar, muito ainda de uma forma infantil, e às vezes até imatura, a gente conseguia. Nosso histórico é que a gente conseguia atender bem. E por esse histórico eles [a DRE] falavam: “Bom, já que vocês atendem bem, então vocês estão sendo convidados a fazer parte do projeto piloto”. Então, na época, nós ficamos assustados. “Não, não queremos fazer

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136

parte não, a gente vai fazer parte depois”. “Não, vocês não estão entendendo, vocês já fazem [a escola inclusiva]. (Diretora).

A diretora se espantou ao ser proposta a participação do projeto da Secretaria

de Educação, pois a inclusão vinda da DRE não coadunava com a inclusão que a escola já

realizava, ainda que com todas as suas limitações. A escola pratica a inclusão radical, no

sentido de abarcar todas as pessoas envolvidas na escola. A escola recebe, além dos

alunos especiais, funcionários que são “excluídos” de outras escolas, trabalhadores que

tiveram problemas de relacionamento, ou de saúde, entre outros, e estão com dificuldades

para serem aceitos em outras instituições. Assim, a DRE aloca esses servidores nessa

escola por seu histórico de aceitação dessas pessoas que são denominadas formalmente

pelo Departamento de Recursos Humanos como “readaptadas”.

Aqui, novamente se constata as tomadas de decisões pelo alto, sem os sujeitos

reais. Essas medidas externas modificam o que a escola vinha fazendo e introduzem mais

tarefas burocráticas, técnicas e pedagógicas que se somam aquelas próprias do trabalho

docente.

O benefício de redução de turma, ao qual a criança tem direito, é estabelecido

após o diagnóstico inicial e encaminhado até o mês de junho à SEDF para que possa

vigorar no ano seguinte.

Nossa escola está dividida em três equipes, só que @tem uma equipe é só de uma@ só a psicóloga, porque a outra tirou licença, aí demorou assim a se estruturar, esse ano então foi mais difícil. E o que nós temos que fazer? Nós temos que saber com quem estão essas crianças para correr atrás. E aí geralmente o aluno de Ensino Especial é beneficiado no ano seguinte [ao laudo], muitos alunos são encaminhados por conta, quando se vê que os pais não tem recursos financeiros, ou a própria escola, depois que chega o diagnóstico que vem dizendo lá: “precisa de uma terapia, de um acompanhamento”, a gente procura buscar lugares mais em conta, ou às vezes até parceria, nós fazemos muita parceria aqui, para fazer mais barato para gente, para fazer um diagnóstico mais rápido. (Professora de Apoio).

Cabe às professoras da sala de recursos a atribuição de atender e auxiliar as

famílias para que o direito à educação inclusiva aconteça de forma a contemplar, de fato, as

necessidades especiais dos alunos. A atribuição do típica do trabalho de assistência social

foi incorporada informalmente no trabalho das professoras, coincidindo com o movimento de

redução por parte do Estado em suas funções e responsabilidades nas políticas sociais

(TORRES SANTOMÉ, 2003; BIANCHETTI, 2005).

Naquele tempo, há dez anos, a gente tinha mais coordenadores dentro da escola, mais pessoas disponíveis ao pedagógico do que é hoje [...] agora é um coordenador só para esse tanto de turma que tem aqui, não dá conta. É muita turma. (P5). Agora temos além da coordenadora, temos a supervisora. Porque uma coordenadora só aqui? Era impossível! Como é que você consegue

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137

acompanhar uma sala de aula, você consegue atender menino, atender o professor? Não consegue. (2). Então, sinceramente, eu não sei como resolver isso, não sei como resolver isso. Nós já pensamos muito. (P2).

Desde os anos de 1990, os processos de reestruturação capitalista têm exigido a

eliminação de funções, de cargos e de postos de trabalho no setor público e privado. Esse

fato indica, na prática, desqualificação intelectual daqueles profissionais que ficam na

escola, pois se afastam de suas próprias áreas e, ao mesmo tempo, passam a depender

das apreciações e de procedimentos criados por especialistas (APPLE, 1995).

A busca por alternativas para se conseguir os devidos diagnósticos e

tratamentos para os ANEE passa a ser imperativa no cotidiano das professoras.

Quando é para fazer parceria a iniciativa é da gente. Agora a gente está tendo muito contato com o COMPP

79, três alunos estão sendo atendidos lá,

a gente correu atrás, na escola tem muito essa busca [...] outros ficam prejudicados e não tem jeito de atendimento mesmo. A SEDF na realidade não está atendendo, o que acontece é isso, não temos mais atendimento, o COMPP é difícil [...] Nós temos um aluno esse ano que não vai ser contemplado como deveria por falta de um laudo [...] Conseguimos para um e para outros não conseguimos, assim mesmo porque nós corremos atrás. Algumas famílias são bem humildes, mas vão atrás, dormem na fila do COMPP para trazer o resultado para gente, busca tudo, tudo que é possível para aquele filho. (Professora de Apoio, 28/10)

Apesar do esforço da comunidade escolar e das famílias em atender aos alunos

com necessidades especiais, a política de inclusão acontece de forma excludente; não há

atendimento para todos nas políticas educacionais e de saúde pública. Muitos são invisíveis

aos olhos do poder público e pouco rentáveis para o capital.

Os trechos seguintes são significativos das práticas intensificadoras no trabalho

docente. A organização do trabalho pedagógico resulta em ter de desenvolver ações

coordenadas coletivamente. Não se trata de uma escola tradicional; ao contrário, o que se

observa são outras atividades pedagógicas, outras metodologias e outras formas de

avaliação na busca para superar o modelo tradicional.

Vive-se a tentativa de diálogo com parcerias com o COMPP, Ministério Público;

mesmo assim determinadas situações extrapolam os limites do trabalho do professor. Em

alguns casos, chega-se a exaustão, ao adoecimento80, ao sofrimento físico.

79

Centro de Orientação Médico-Psico-Pedagógica – COMPP, órgão da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal, localizado desde sua inauguração, em 1969, em área central da cidade, de fácil acesso, perto da rodoviária; foi transferido em 2005 para outro local, no final da asa sul, sob muitos protestos das famílias dos pacientes. Em 2007 volta a funcionar em seu local de origem. Disponível em: <http://jbonline.terra.com.br> e http://www.saude.df.gov.br. Acesso em: 29/12/2008. 80

Em 2004, o Sindicado dos Professores (da rede pública) do Distrito Federal – Sinpro cria a Secretaria de saúde para o atendimento dos professores com problemas dessa natureza e em conflito com a Secretaria de Educação.

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Ao estarem comprometidas com a educação para a emancipação dos

estudantes, sobressai o caráter de trabalho coletivo, mas também iniciativas individuais de

algumas professoras que ultrapassam os obstáculos e estes são capazes de demonstrar

que a política é feita de embates, conflitos e conquistas. A professora de apoio afirma que

um direito que deveria ser garantido às crianças, portadoras de necessidades especiais ou

não, tem de ser conquistado a cada ano por meio de muito trabalho da comunidade escolar.

A redução está cada vez menor. Nós temos agora redução para TDH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade] com uma aluna na turma com 28 alunos [...] a estratégia de matrícula está cada vez apertando mais o cerco [...] Essa escola aqui em janeiro é toda trabalhando, com o Conselho Escolar, com tudo para conseguir as reduções. Porque você faz a estratégia, se organiza tudo direitinho e sai de férias, justamente nas férias é que vem a “bomba”, tem professores que não viajam e são chamados, o conselho se reúne, extraordinariamente, para fazer alguma coisa. [...] A pressão é sempre muito grande, todo ano a pressão é muito grande, não tem um ano que não tenha luta, para se conseguir os direitos das crianças. (Professora de Apoio1).

Além disso, a intervenção do Ministério Público81 atua no sentido de se garantir a

vaga como um direito da criança; no entanto, em alguns casos, desconsidera a política de

redução, prejudicando o atendimento daqueles que possuem necessidades especiais.

A turma é reduzida por causa de um aluno x; aí um aluno y, o pai queria a vaga aqui, entrou na justiça, e o juiz: “é obrigado a botar lá”. Então na verdade minha turma era reduzida, mas eu tenho cinco crianças especiais [...] com laudo eu tinha três, fora mais dois sem laudo. E aí foi uma turma complicada, foi um trabalho bem árduo mesmo [...] desmaiei na sala no ano passado, devido ao estresse, porque teve momentos que foi estressante mesmo. (P6).

A escola empenha-se em atender a todos os alunos que recebe em suas

diversas necessidades de aprendizagem; no entanto, com limitações, criatividade,

executado com múltiplas tarefas, atribuições e situações, o trabalho docente apresenta forte

tendência à intensificação. Os trechos adiante revelam situações de angústia em relação ao

pleno acolhimento dos alunos em suas dificuldades, ressaltando o quanto a comunidade

escolar luta por garantir que esse atendimento aconteça de maneira satisfatória.

81

Em estudo sobre a atuação do Ministério Público e das Promotorias especializadas em Educação do Distrito Federal, Damasco (2008) conclui que as PROEDUC podem por um lado fortalecer as instâncias de participação coletiva da comunidade escolar – conselho escolar, associações, grêmios, garantindo o acesso à escola. Mas por outro lado, como foi o caso citado pela professora, a ação da PROEDUC pode não solucionar os problemas educacionais no DF, mesmo que pretenda fazê-lo, e ainda impedir a plena participação do cidadão nas decisões das políticas públicas para a educação, “entrar na gestão escolar, pode fragilizar não somente a própria gestão escolar, mas também as instâncias coletivas escolares” (p. 201). DAMASCO, Denise G. B. O direito à educação: a atuação das promotorias de justiça e de defesa da educação do Ministério Público do Distrito

Federal e territórios, entre 2001 e 2007. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

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Tem uma aluna com necessidades especiais, que é surda [...] E a escola está agindo num empenho, num esforço, para manter esse número menor, para não colocar mais alunos. Na verdade dentro da turma eu tenho mais algumas crianças que eu não posso dizer que são crianças que tem necessidades especiais porque não tem diagnóstico, mas são. (P5).

E aqui a escola, eu senti a diferença, porque eu senti um apoio, tem as meninas da sala de apoio, tem a direção também, que conta, então eu me senti mais apoiada nesse sentido [...] então assim, eu senti mais apoio, foi um trabalho que no final do ano eu me emocionei porque eu vi que as crianças tiveram crescimento, porque não era uma turma fácil. (P6).

A professora P6 relata a trajetória de um aluno seu que possui deficiências

múltiplas e todo o desenvolvimento de sua relação com a criança e o restante da turma.

Esse ano eu estou com uma experiência nova que é o Matheus, a turma muito bacana, porque os meninos, eles são bem acolhedores, eles são amigos, eu sinto assim, que realmente ele é uma criança que está, na questão da inclusão mesmo, são inclusos, os colegas participam com ele, ele participa, você vê uma evolução, toda uma evolução. (P6).

A professora P6 diz que foi chamada à Rede SARAH de Hospitais de

Reabilitação82, por intermediação da mãe de Matheus, e imaginou que lá fosse aprender

novas habilidades para trabalhar com o aluno. No entanto, foi surpreendida quando soube

que o chamado era para compartilhar com outros profissionais o que desenvolvia com o

Matheus, em que pese a alta qualificação das especialistas; a sua construção de códigos e

linguagens próprias estabelecidas com seu aluno tornaram-se referência para outros

processos de reabilitação. Por fim, a professora ensinou alguns desses códigos de

comunicação para as profissionais do SARAH.

Eu vejo assim, que ele percebe que eu acredito nele e ele está evoluindo, então eu acho muito bacana. Porque é uma criança que dá uma lição de vida mesmo, tanto para os colegas quanto para mim. Porque é uma criança que está sempre feliz, ele está sempre querendo participar, e o fato de ele está ali na cadeira... [não interfere na aprendizagem]. (P6).

A gente começou a experimentar, botava o lápis na mão dele, ele queria muito escrever então ele fazia uma força extrema, e eu acho que era frustrante para ele, porque ele não tinha esse movimento. [...] A professora de Apoio 2 falou, “ah, podia experimentar o pincel” [...] meu marido serrou [o pincel], passei aquela fita micropore, aí falei, “Matheus, vamos tentar então, a tia vai botar na boca e você vai tentar fazer esse movimento”. [...] Ele ficou tão feliz porque ele percebeu que era ele que estava conseguindo. [...] ele se sente mais motivado porque ele sabe que é ele quem está fazendo. Falei para ele: “você está aprendendo a escrever com a boca” [...] Todo mundo da sala botou o lápis na boca e foi tentar fazer também. [...] E foi uma festa, todo mundo queria. Eu fiz a letra A do meu nome com a boca, cada um foi fazendo a sua letra com a boca, então foi aquela festa. (P6).

82

Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação. Disponível em: http://www.sarah.br/

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Essa situação demonstra a singularidade do trabalho docente, a construção da

relação de ensino-aprendizagem e constituição humana. A política de inclusão, tão

necessária, demanda formação continuada de toda a equipe escolar, exige outro

ordenamento nas práticas pedagógicas individual e coletivamente, além de demandar a

busca constante de conhecimento e alternativas para atender singularmente aos

educandos. A intensificação do trabalho ocorre na medida em que a professora precisa dar

mais tempo e dedicação ao aluno, exige outros conhecimentos, metodologias e

instrumentos de avaliação e ao mesmo tempo tem de dar conta do atendimento às outras

crianças da turma.

É uma criança que requer um certo cuidado? É. Que você tem que se dedicar, tem que estar ali ao lado. Mas é uma criança que te dá um retorno, que busca também, que quer aprender, que tem esse desejo. E os colegas também, de ajudar. [...] Eu não sabia lidar com o menino, chamamos a família, porque tinha que colocar comida na boca, e eu morria de medo, porque vai que a criança engasga, e eu dava água, fazia um barulhinho, eu achava que estava engasgando. Então, tudo isso. (P6).

Neste episódio, por ter sua turma reduzida, foram ainda acrescentados mais

quatro alunos para essa professora; por ter um aluno com deficiências múltiplas, a turma

teria no máximo onze alunos, no entanto, contava com quinze alunos.

E para visualizar como se tornam sinuosos os interesses institucionais, em

detrimento dos aspectos educacionais, após todo seu trabalho com o Matheus, que está

matriculado em escola regular desde a Educação Infantil, a Secretaria de Educação propôs

matriculá-lo em uma escola de Ensino Especial83. A professora expressa seu sofrimento,

revolta e resistência em relação à estratégia de matrícula realizada pela Diretoria Regional

de Ensino.

Para o ano que vem, eles queriam tirar o Matheus, botar no Centro de Ensino Especial, porque o Matheus saindo, cabe 15 na minha sala. Eu fiquei muito chateada [...] não olham a qualidade, não conhecem [o trabalho], vai olhar o número [...] Então era mais fácil tirar ele daqui e jogar para qualquer outro lugar que tenha vaga, e vim 15 para cá. Então a gente acha que isso é revoltante, isso, a gente se chateia mesmo. Então é preciso brigar, é preciso a família correr atrás. (P6).

Foi possível observar que as professoras que trabalham com alunos com

necessidades especiais precisam de mais tempo para preparar atividades e materiais

diferenciados para atender seus alunos em suas particularidades. O docente deve ter,

também, formação e informação sobre o transtorno, a síndrome ou a doença de seus alunos

especiais. No atendimento em sala, alguns alunos demandam atendimento individualizado,

o que faz com que a professora tenha de se “desdobrar” para atender a todos os alunos nas

83

Em fevereiro de 2009, a pesquisadora foi informada que a comunidade escolar conseguiu manter Matheus na

escola apesar das pressões da DRE, e ainda, para benefício pleno do aluno e de seu desenvolvimento e aprendizagem, a equipe pedagógica decidiu manter a turma sob regência da P6, com a concordância desta.

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141

diversas atividades realizadas. Não há funcionários suficientes na escola para o

atendimento de cuidados como alimentação, higiene e necessidades fisiológicas de crianças

cadeirantes. Para isso, as professoras contam com eventuais apoios de monitoras, ou

mesmo, em um dos casos, de uma funcionária contratada pela família da criança. Em

nenhum momento pretendeu-se ver os alunos como responsáveis pela intensificação do

trabalho docente. Reafirmamos que as políticas e suas formas de implementação, ou a falta

delas, desencadeiam mais trabalho e trabalho precarizado ao professor da rede pública. A

política de inclusão foi percebida como fundamental para que a educação assuma sua

faceta radicalmente humanizadora. Observa-se que a inclusão proporciona a inserção das

crianças portadoras de necessidades especiais, e tão importante quanto a integração, foi a

constatação de que a inclusão opera como ação transformadora em toda a sociedade, não

só para as famílias das crianças especiais. Porém, a realização do diagnóstico protocolar e

reconhecimento pela Secretaria de Educação aparecem como principais dificuldades

enfrentadas pela comunidade escolar.

3.4 Trabalho docente intensificado na escola pública

Na entrevista, a partir do tema intensificação do trabalho docente, as professoras

revelaram algumas categorias que identificam os elementos de aumento e sobrecarga de

trabalho. A jornada de trabalho aparece na fala das professoras como insuficiente para a

realização de seu trabalho e uma das principais razões de mal estar entre elas. Ao mesmo

tempo em que conseguem identificar o problema, as professoras não avistam uma

alternativa para resolver esse impasse. Os quadros a seguir auxiliam a elucidação das

respostas das professoras, pois proporcionam um panorama geral de suas reflexões, de

forma sintética. Em seguida, torna-se profusa a análise das respostas agrupadas por temas,

assim, obtém-se um resultado geral das percepções apresentadas pelas professoras em

cada uma das categorias relacionadas à intensificação de seu trabalho.

Quando questionadas sobre a compatibilidade entre a jornada e as exigências

quanto ao seu trabalho, seis das sete entrevistadas responderam categoricamente que a

jornada é insuficiente; apenas uma professora, de contrato temporário, diz que é suficiente,

porém, em outro momento da entrevista admite algumas vezes levar trabalho da escola para

ser realizado em seu tempo livre, e que, quando não leva, pensa constantemente em seus

alunos e na escola. Durante as observações de campo e as entrevistas, ficou evidente o

ritmo acelerado a que as professoras são submetidas. As tarefas não têm fim. Sempre

surgem outros serviços, pensados por outrem, ou emanados das circunstâncias

pedagógicas. Observe-se que todas afirmaram que o tempo é insuficiente (a P7 afirma ser

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142

suficiente, mas, em seguida, se contradiz). Poder-se-ia dizer que a forma de condução

privilegiada pelos gestores e o poder público instituem um valor ao tempo, o valor do capital

(THOMPSON, 1991). Na escola pública estão presentes ritmos, ciclos, fases e tempos

incompatíveis com a jornada e, desse modo, esse trabalho tornou-se avultado, doloroso,

produz desgaste físico e mental. Não que o tempo seja curto: os afazeres que abundam.

Todas as professoras entrevistadas demonstram dificuldades em relação ao tempo. Suas

tarefas, compromissos, valores e princípios não cabem na concepção de tempo do capital.

Eis as novas faces da disciplina do tempo e do trabalho. Em seguida as reflexões das

professoras em relação à jornada de trabalho:

Quadro 06 – Sínteses das respostas das professoras, quanto à pergunta: A jornada diária e as demandas feitas aos professores são compatíveis. Por quê?

P1 A jornada é insuficiente. Eu não dou conta de tudo, penso que é por ter chegado depois do início do ano letivo, mas acho que eu deveria dar conta.

P2 A jornada é insuficiente. É preciso preparar muitos materiais e atividades diferenciadas. Participar dos projetos da escola, dar apoio à direção etc.

P3 A jornada é insuficiente. O tempo que temos, estamos em sala de aula ou coordenando.

P4 A jornada é insuficiente. Nesse segmento de 1ª a 4ª série temos mais trabalho; tenho curso, reuniões de coordenação.

P5 A jornada é insuficiente. Aumentou o tempo com as crianças para 5 horas. Mudamos a forma de trabalhar, agora é mais individualizado, atendemos a cada aluno em suas dificuldades e potencialidades. Cursos, reuniões de coordenação, projeto de Matemática.

P6 A jornada é insuficiente. Temos muitos projetos nessa escola.

P7 A jornada é suficiente, porém eu não paro de pensar no meu trabalho fora da escola. Às vezes eu levo para casa.

Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no Plano

Piloto – Brasília/DF

Quadro 06a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias. MOTIVOS EXPLICITADOS

RELACIONADOS À QUANTIDADE DE ATRIBUIÇÕES

Participar dos projetos da escola, dar apoio à direção, etc.

Nesse segmento de 1ª a 4ª série temos mais trabalho; temos curso, reuniões de coordenação, projeto de Matemática.

Temos muitos projetos nessa escola.

RELACIONADOS À INDIVIDUALIZAÇÃO

Eu não dou conta de tudo, penso que é por ter chegado depois do início do ano letivo, mas acho que eu deveria dar conta.

RELACIONADOS AO TEMPO INSUFICIENTE

O tempo que temos, estamos em sala ou coordenando.

Aumentou o tempo com as crianças para 5 horas (diminuiu o tempo para planejar).

RELACIONADOS A NOVAS FORMAS DE TRABALHO

A forma de trabalhar é mais individualizado, atendemos a cada aluno em suas dificuldades e potencialidades, é preciso preparar muitos materiais e atividades diferenciadas.

Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no Plano

Piloto – Brasília/DF

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143

[...] trabalho docente envolve o planejamento, a atuação da gente em sala de aula, direto com o aluno, e ainda exige a avaliação, porque aí todo trabalho que tu faz tu tem que revisar, tu tem que voltar com o aluno, fazer a correção, mostrar para ele que ele errou, então, saindo da escola eu ainda tenho serviço em casa. Porque só o tempo de escola também não dá para, para fazer as correções e as avaliações. [...] A gente se esforça para dar conta, por quê? Eu cheguei na escola depois do início do ano letivo, eu cheguei bem depois. Então eu que me adaptei ao ritmo da escola e ao que as colegas tinham determinado. [...] mesmo que às vezes eu ache que tenha projetos demais, eu não estive presente na hora de, de determinar, de escolher isso. Então eu acredito assim, pela experiência das colegas, se elas escolheram todos esses projetos é porque a gente deveria dar conta. Mas às vezes eu não dou conta de tudo isso. (P1). Eu fico pensando, já pensei muito. Será que sou eu que sou desorganizada? Será que sou eu que não consigo? Já tentei muito, sabe? Até melhorei em vários aspectos, mas, assim, a jornada de trabalho, ela não dá conta do trabalho que nós temos realmente que fazer. Fixo, não dá. Por ser um professor que pesquisa, que elabora materiais alternativos, eu tenho que estar pensando em um planejamento para minha turma em geral, eu tenho que estar pensando em material diferenciado para um aluno, material diferenciado para outro aluno, no atendimento que ele vai ter naquela sala, naquele momento, trabalho mais independente para uns para eu poder dar mais atenção para os outros, um trabalho individualizado que atenda a todos também. [...] Para você cuidar, ler, preparar, buscar alternativas, estudar um caso de um aluno, como eu posso atender especificamente esse, para você atender seu aluno no horário inverso, para você analisar os projetos, organizar o planejamento, pesquisar material, gente, não tem, não tem espaço, dentro desse horário. [...] Não, a jornada não dá conta. Esses horários que a gente têm, não dá. (P2).

Não, eu precisaria ainda de mais tempo para coordenar atividade, para preparar, com certeza. Eu precisaria de mais tempo. Agora, como, se o dia só tem 24 horas? É complicado. A nossa jornada é de 40 horas e o tempo que a gente não está em sala de aula, a gente está tentando coordenar ou estamos nas oficinas [...]. É:::, então eu ainda precisaria de mais tempo. (P3). É difícil você dar conta. Pelo menos eu não estou conseguindo dar conta, (1), de terminar esse trabalho aqui. Porque, são várias, são várias coisas que você faz. Pela parte da manhã você está com os alunos, cinco horas [...]. Eu agora estou fazendo um curso [...] nós temos um cronograma, então temos ou reunião durante a semana, já tem dias marcados, reuniões em outros dias, agora com a escola integral, são dois dias com a escola integral, que nós estamos envolvidos e na verdade fica muito complicado, porque demanda muito mais. (P4). Não. Se você deixar única e exclusivamente para o horário que você tem aqui dentro da escola, não dá conta. [...] A gente tinha aquele pensamento, os alunos iam acompanhando e a coisa ia conforme dava. Nós fomos ganhando tempo para coordenar e ficamos com uma turma apenas, ganhamos mais uma hora com os meninos, então de fato passou a ser cinco [horas] com as crianças, as exigências, elas não dobraram, elas triplicaram. (P5). A jornada, ela é insuficiente, porque realmente assim, é uma correria, a gente tem sempre muito trabalho. E assim, a gente trabalha com vários projetos, a gente tem que desenvolver esses projetos, e aqui a dinâmica é muito grande, e assim, o tempo é curto mesmo e acaba que a gente tem que levar [trabalho] para casa. (P6).

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Você chega em casa... eu consigo me organizar, com tanta turbulência, mas eu consigo me organizar e não levo nada para casa, porque eu não tenho condições, eu chego em casa e não tenho condições de fazer mesmo. Outras atividades, outras coisas que eu faço, não tem como levar, é só levar e eu esqueço, não adianta que não dá. (P7).

Ao serem perguntadas sobre as razões pelas quais sua jornada é insuficiente e

como procedem diante disso, as professoras de contrato de trabalho permanente

responderam que levam trabalho para casa.

A gente passa assim, final de semana, de noite até de madrugada, ela [a supervisora] tenta ajudar, a gente também tenta fazer o melhor, mas não cabe. O espaço não cabe. Eu não sei como fazer isso, porque nem que quisessem me pagar horas a mais para eu trabalhar horas a mais eu não queria. Não tenho condição, física. Eu preciso dormir. No mínimo dormir eu preciso. (P2).

Com certeza [eu levo trabalho para casa]. Todo dia, todo final de semana. No momento que eu estou lendo, estudando, trabalhando, os relatórios ou fazendo..., eu faço em casa. Ou seja, pensar só aqui não é suficiente. [...] Eu dou conta, eu acabo dando conta, tem que dar conta, você dá conta. Eu estou dizendo que eu precisaria de mais para poder implementar mais atividades com os meus alunos. Nesse sentido, entendeu? Agora, eu acabo dando conta. A gente tem outras atividades que vão ser desenvolvidas, tem que estar planejando, mas para mim, eu ainda sinto falta, eu gostaria de ter mais tempo para planejar, ou mesmo para conversar sobre cada aluno, porque a gente também não tem esse tempo. (P3).

A fala da P3 revela sua contrariedade ao pensar sobre a jornada, reflexão

proporcionada no momento da entrevista. A afirmação de que ela consegue fazer seu

trabalho aparece por cinco vezes na sequência de sua resposta. Ao admitir que a jornada

não seja suficiente para a realização de todo seu trabalho, a professora poderia pensar que

estaria aceitando seu fracasso profissional. Nesse sentido, ela afirma e reafirma várias

vezes que é capaz de fazer seu trabalho, e explica que precisaria de mais tempo apenas

para elaborar e executar outras atividades com seus alunos. No entanto, em seguida ela

reconhece que o tempo de trabalho é insuficiente para pensar, planejar seu trabalho, assim

como para conhecer melhor os alunos em suas individualidades.

A professora P4 faz uma comparação entre o trabalho realizado pelas

professoras nas séries iniciais do ensino fundamental e os outros segmentos da educação

básica.

Quando não é [suficiente] tem que levar para casa. @1@. Aí é que está o problema. Não é porque, é::, antes, eu não levava trabalho para casa. Então o trabalho era feito na escola, no horário de coordenação. Porque é diferente. O ritmo é diferente, é::, é totalmente diferente. Eu acho até que todos deveriam passar um pouquinho essa fase [de 1ª a 4ª série], até para entender. [...] Por exemplo, o ano passado, eu conseguia fazer aqui, o trabalho, esse ano eu já não consigo fazer aqui. E esse é um dos motivos,

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145

por exemplo, que eu estou pensando agora em sair [da escola, da profissão]. Por quê? Porque no momento em que esse trabalho interfere dentro de casa, é::, ele já não, ele já não tem como continuar, porque eu tenho como fazer uma opção, e a minha opção sempre vai ser pela família [...] eu já abri mão, e toda vez que for necessário, independente do local onde eu estiver, eu vou abrir mão, mesmo sabendo que tem muita coisa legal que eu estou deixando. É que minha prioridade realmente é a minha

família. (P4). 84

Esta professora possui experiência na regência em séries finais (5ª à 8ª séries

ou 6º ao 9º ano) do Ensino Fundamental e conclui que o trabalho docente nas primeiras

séries constitui-se em trabalho que demanda maior intensidade de energia, tempo,

dedicação e envolvimento do professor. Esse sentimento foi evidenciado quando indagada

quanto às atribuições que mais lhe exigem no trabalho docente.

Problemas emocionais que as crianças trazem. O ano passado eu senti isso, esse ano também. Um desgaste muito grande, porque é uma coisa que eu não tinha esse desgaste. Talvez porque não tinha esse envolvimento [com alunos de 5ª a 8ª série] porque, com muitos alunos, e você::, não tem essa situação, é totalmente diferente. [...] Esses dois últimos anos é que eu estou só com as crianças de primeira série, e isso por uma questão de:: remanejamento, de uma nova organização que está ocorrendo dentro da Secretaria. Então eu trabalhei muitos anos, mais de dez anos, de quinta a oitava [séries]. Então é totalmente diferente porque você não tem envolvimento direto com a criança e nem com a família. Então é totalmente diferente. De primeira a quarta [série] não, você tem esse envolvimento, são cinco horas que você fica com aquela criança, então essa questão emocional, comportamental, ela exige muito, muito, ela exige que você esteja bem. Eu acho tanto física, mentalmente, você tem que estar bem, se não, você não consegue dar conta. (P4).

Ainda sobre o tema da jornada de trabalho, seguem-se as falas de outras

professoras quando questionadas sobre os procedimentos para a realização do trabalho,

quando o tempo se torna insuficiente:

Faço em casa. Ela [jornada] se estende para casa. Ela se estende para o sábado, para o domingo, para o feriado. Não tem como. Se você deixar única e exclusivamente para o horário que você tem aqui dentro da escola, não dá conta. [...] E aqui, aqui nessa escola, a gente tem um dia de curso de discussão no grupo, de estudo no grupo, que a gente senta com o [professor] Mário, então nós temos um dia na coordenação, para estudo, que é importantíssimo, que a gente precisa, que é bom, um outro dia para a coordenação da série, um outro dia que é do grupo todo, que é com a direção, um outro dia que é para atendimento do aluno, que é o do atendimento em horário inverso dos meus alunos. Então, que dia que eu coordeno? Que eu planejo, que eu sento? Na minha casa. (P5). E chega em casa e você tem que se adaptar se não você começa a mexer muito com trabalho. Então a gente tem que saber conciliar, tem toda uma vida fora da escola, e a gente tem que saber conciliar, se não começa a dar problema. (P6).

84

Em fevereiro de 2009, a orientadora informou que a P4 saiu da escola por rejeitar este ritmo de trabalho.

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146

Mas tem probleminhas que você leva para casa [...] a responsabilidade é muito grande, é uma coisa que você leva para casa também, que você fica pensando [...] então a sua vida está movida a isso. Porque tem pessoas que tem outros empregos e chegam em casa, pronto, esquecem, não tem preocupação nenhuma, mas aqui são vidinhas que estão nas suas mãos. (P7).

As tarefas pedagógicas foram estendidas para outros lugares, de maneira que

não estão mais circunscritas a um local e ao tempo fixo. Essa é a mudança! As tarefas

regulam o trabalho e não mais horário do relógio.

Percebe-se, então, não apenas a volta da organização do trabalho voltada pelas

tarefas a serem feitas, mas a agregação de dois modos de organização do tempo de

trabalho. Por um lado, os trabalhadores devem cumprir horários rígidos, assinar “o ponto” de

frequência, pois esse procedimento formal de controle de sua presença ainda é cobrado

como nos modelos fordistas/taylorista de organização do tempo de trabalho, e sujeito a

cortes no salário caso haja faltas ou atrasos não justificados. Entretanto, as tarefas docentes

são impostas e os prazos para realizá-las são conferidos pela Diretoria Regional de Ensino.

Desse modo, coexistem dois tipos de exigências do ritmo de trabalho dos professores.

Thompson (1991) analisa a origem do controle do tempo e da disciplina no

trabalho nos primórdios do capitalismo industrial, considerando a percepção subjetiva que

os trabalhadores formavam em relação à passagem do tempo. Para esse autor, as medidas

de tempo e sua variação são construídas historicamente a depender da cultura que se

estabelece socialmente em sua relação com o trabalho. Na Inglaterra, na transição do

capitalismo mercantil para o industrial, entre os séculos XIV e o XIX, e a criação do relógio e

seu crescente uso, marcaram a tentativa de disciplinar o ritmo de trabalho.

O tempo era medido por eventos e expressões da natureza e também da

cultura85. Outro tipo de medida do tempo citado pelo autor faz referência ao atendimento de

necessidades concretas da profissão, principalmente em sociedades rurais e na pequena

indústria doméstica, onde há “pouca demarcação entre o „trabalho‟ e a „vida‟. As relações

sociais e de trabalho estão interligadas – o dia de trabalho estica ou encolhe de acordo com

a tarefa [...]” (THOMPSON, 1991, p. 48). A orientação do tempo passa das tarefas ao relógio

quando se trata de venda e compra de força de trabalho.

Os que estão empregados experimentam a distinção entre o tempo do patrão e o seu “próprio” tempo. E o empresário tem de utilizar o tempo dos seus empregados, tem de fazer com que ele não seja desperdiçado. Já não se trata de uma tarefa, o que pontifica é o valor do tempo reduzido a dinheiro. O tempo torna-se dinheiro – não passa, gasta-se. (THOMPSON, 1991, p. 49).

85

O autor exemplifica com a medição do tempo no Chile, no século XVII, feito pela duração de “credos”.

“Descrevia-se um abalo de terra de 1647 dizendo que ele durara dois credos; do mesmo modo, o tempo de cozedura de um ovo podia comparar-se ao tempo que se levava a rezar, em voz alta, uma ave-maria” (THOMPSON, 1991, p. 46).

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147

Nas atividades laborais recentes, percebe-se, em certa medida, a volta da

regulação do trabalho tendo como referência as tarefas a serem executadas. Diante disso,

os afazeres se estendem para além dos limites estabelecidos pelo horário formal de

trabalho. O trabalhador assume uma quantidade de tarefas dentro de um prazo

estabelecido, independentemente do horário a ser feito. As professoras apontam, em suas

falas, elementos que fazem referência a essa percepção de que o sentido do tempo de

trabalho extrapola o horário estabelecido pelas jornadas constituídas na legislação

trabalhista e na carreira do magistério público.

Quadro 07 – Sínteses das respostas das professoras, quando perguntadas: Quando a jornada diária é insuficiente, como você procede?

P1 Faço em outra oportunidade.

P2 Levo trabalho para casa. Tenho materiais de outros anos, o computador facilitou muito a confecção de materiais.

P3 Levo trabalho para casa. Eu dou conta, eu acabo dando conta, mas gostaria de ter mais tempo para refletir, para planejar.

P4 Levo trabalho para casa. Pretendo mudar de segmento ou mudar de profissão, pois o trabalho já está afetando a minha vida familiar.

P5 Levo trabalho para casa. Faço nos finais de semana, à noite e feriados.

P6 Levo trabalho para casa. É preciso cuidar para não afetar a vida familiar.

P7 Eu consigo não levar para casa. Mas tem uma coisinha ou outra que eu acabo levando, por isso pretendo fazer concurso para outra área.

Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no Plano

Piloto – Brasília/DF

Quadro 07a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias.

PROCEDIMENTOS EXPLICITADOS Nº de vezes

RELACIONADOS AO TRABALHO REALIZADO NO TEMPO LIVRE

Levo trabalho para casa.

Faço em outra oportunidade.

07

RELACIONADOS AO ABANDONO DO TRABALHO

Pretendo mudar de área.

02

RELACIONADOS ÀS NOVAS TECNOLOGIAS

Tenho materiais de outros anos, o computador facilitou muito a confecção de materiais.

01

Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no Plano

Piloto – Brasília/DF

As professoras apresentaram em conversas informais, na observação de suas

falas nos intervalos de aulas, entre outros momentos, que procuram alternativas para

superar o desgaste advindo do trabalho. Os mecanismos citados foram, desde submeterem-

se a massagens “relaxantes”, passeios com as colegas ao final do dia, ginásticas em

academias, até mesmo a saída da função de regente de sala por algum tempo, alternando

entre elas as funções do trabalho docente e trabalho pedagógico86.

86

A professora P2, em 2009, assumiu a coordenação pedagógica, a coordenadora por sua vez, voltou à sala de aula como regente de turma.

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148

3.5 Tendências da intensificação para os trabalhadores da educação

Neste tópico, evidenciam-se outras formas de aumento de trabalho para os

professores que dizem respeito à intensificação coletiva ou institucional.

As professoras afirmam, e também foi observado, que as atribuições da escola

mudaram, assim como a forma de compreender a educação. A transmissão de conteúdos

foi substituída pelo paradigma que compreende a educação como construção coletiva do

conhecimento, com a fundamental participação do professor na mediação dessa relação

entre o aluno e o conhecimento.

A escola está em processo de absorção das demandas que outrora eram

facultadas à família, como a formação de hábitos de higiene, alimentação e convivência

social, pois as famílias, por sua vez, estão atribuladas com as demandas que a sociedade

moderna lhes impõe. Os alunos chegam à escola com outras vivências, outra cultura,

relacionam-se com equipamentos tecnológicos, levam informações, saberes a serem

compartilhados. Dessa forma, a construção de sentidos, valores éticos e morais, mobiliza

mais energias do professor. Conteúdos, equipamentos, culturas, características individuais

integram a formação escolar.

Foi possível visualizar como as professoras percebiam as mudanças na

organização da escola, do trabalho pedagógico e de seu trabalho em sala de aula, e

conhecer como essas relações e essas mudanças puderam afetar a intensidade do trabalho

docente. Segue os seguintes trechos selecionados:

Além de alfabetizar, de disciplinar, disciplinar as crianças, até um sentido assim, de::, os hábitos e atitudes básicas de uma criança, que muitas vezes falta em casa, até por falta de tempo dos pais; limites, respeito, essa é uma tarefa que está ficando bem comum agora no nosso meio. [...] A disciplina das crianças, o que a gente chamava antigamente de educação, aquela educação básica, que a gente falava que vinha de casa, hoje em dia os pais não tem mais tempo para isso, e a gente, ahn::, a gente usa muito o recurso do sermão, que a gente fala, pára tudo e conversa a respeito de certas atitudes e certos comportamentos, porque a gente está abraçando também essa tarefa aí. E não adianta reclamar porque é uma exigência da atualidade. (P1).

Os pais têm que trabalhar. Não existe mais o pai se dar ao luxo de, ou a mãe se dar o luxo de não trabalhar para criar filho, nosso mundo atual já não permite mais esse tipo de atitude da mãe. Essa é a grande diferença que eu vejo desde que eu iniciei o magistério, vinte e poucos anos já [...] a gente está desenvolvendo as responsabilidades, que antes a gente deixava exclusivamente para família. (P1).

Se antigamente a escola era a fonte de informação para quem vinha para a escola, para os alunos, para os educandos, a escola era a fonte do saber, da informação, de tudo, hoje em dia, há muitos anos as coisas vêm mudando. E a escola não é mais isso. Então a escola não é mais a fonte da

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149

informação, é lugar onde você tem que aprender a lidar com a informação. Tem que aprender a refletir, a pensar, a conviver. (P2).

Porque essas mudanças todas, a sociedade também, as famílias tem cada dia menos tempo para os seus filhos. Então a formação do ser humano, eu vejo que está cada dia mais meio a meio da escola e da família. E não tem como a gente sair desse papel. Eu acho que esse papel passou a ser nosso papel, também, entendeu? Então eu vejo que muitas pessoas ainda relutam muito com isso. Mas o que é educar? Educar é só transmitir conteúdo? Não, educar é formar, formar a pessoa, formar o cidadão. Eu acho que é nosso papel também. (P2). Então eu acho que às vezes a gente tem esse papel, que não era para estar fazendo, mas... de assistente social, de psicóloga, de estar orientando mesmo. Essa família mesmo eu tive que chamar, a orientadora conversou, orientou, inclusive a mãe até trocou de babá, aí eu falei: “olha, vai ter recesso, pega a menina, sai, dá um passeio, fica com ela, só de brincar com a criança...” [...] Orientações que a gente pensa assim, “ah, isso aí é obvio”, mas não é. [...] Aí tem a questão de comportamento, de falta de limite mesmo, porque hoje em dia as crianças estão vindo sem limite. (P6).

As professoras relataram diversas mudanças ocorridas na escola; entre essas,

transformações advindas da sociedade que afetam a organização docente, por alterar as

finalidades e o papel que a educação institucional passa a ter.

Dentre as funções da escola, perfilava a educação dos corpos, a padronização

do comportamento e a homogeneização dos conteúdos, métodos e aprendizagens, os

alunos eram tratados pela escola a partir dessa expectativa (ENGUITA, 1989). O processo

que estamos presenciando apresenta a coexistência dessas características, mas se depara

também com alterações nas práticas pedagógicas a fim de responder a demandas

individuais dentro de um contexto de turma de alunos heterogêneos.

Os procedimentos administrativos afetam o trabalho das professoras; no entanto,

para se apreender de que forma, e quais as diferenças entre as percepções das professoras

em relação ao comprometimento dessas exigências institucionais, foi preciso analisar suas

falas e seus significados a partir do agrupamento de suas respostas em categorias.

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Quadro 8 – Sínteses das respostas das professoras para a pergunta: Quais os elementos do trabalho docente que mais lhe exige?

P1 1- Dedicação para planejar 2- Atuar diretamente com o aluno 3- Avaliação formativa que exige que se volte ao aluno, mostre onde e por que ele errou. 4- Falta tempo, estou sempre “correndo atrás”, parece que em algum momento eu perdi alguma coisa.

P2 Não ter tempo de refletir (e curtir) o meu trabalho, para preparar as atividades. 2- Dois alunos com necessidades especiais. 3- Problemas familiares, emocionais e sociais dos alunos; temos que orientar as famílias.

P3 2 Os alunos têm muita informação, exige que se improvise e saia do planejamento. 2- A sensação de que o conteúdo não foi assimilado ou que não foi transmitido em sua totalidade. 3- Emocionalmente se desgasta mais, fisicamente não, por conta da diversidade de realidades dos alunos.

P4 Problemas emocionais das crianças.

P5 Fazer o relatório de avaliação de cada aluno individualmente.

P6 Indisciplina.

P7 1- O trabalho docente requer muita responsabilidade, são vidas que dependem de mim, são futuros que estão em nossas mãos. 2- Os Projetos exigem muito, são muitos projetos, já diminuíram, mas ainda são muitos. 3- O Conselho toma um dia todo 4- E os Relatórios.

Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no Plano

Piloto – Brasília/DF

Quadro 8a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias.

ELEMENTOS EXPLICITADOS

RELACIONADOS A PROBLEMAS FAMILIARES E SOCIAIS DOS ALUNOS

Indisciplina e disciplina.

Ausência da família.

Ausência de limites e valores nos alunos.

Orientação familiar

Problemas emocionais das crianças.

RELACIONADOS À PARTICULARIDADE DO TRABALHO DOCENTE

Dedicação para planejar; atuar diretamente com o aluno.

Os alunos têm muita informação, a situação exige que se improvise e saia do planejamento.

A sensação de que o conteúdo não foi assimilado ou que foi transmitido parcialmente.

Diversidade de características dos alunos.

O trabalho docente requer muita responsabilidade.

RELACIONADOS À AVALIAÇÃO

Avaliação formativa que exige que se volte ao aluno.

Os relatórios escritos dos alunos.

Os pré-conselhos e Conselhos Participativos.

RELACIONADOS À FALTA DE CONDIÇÕES PARA O TRABALHO COM ANEE

Presença de alunos com necessidades especiais na sala.

RELACIONADOS À INCOMPATIBILIDADE ENTRE QUANTIDADE DE TRABALHO E TEMPO PARA REALIZÁ-LO

Os projetos exigem muito, são muitos projetos.

Ritmo e quantidade de tarefas. Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no

Plano Piloto – Brasília/DF

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É, um desgaste maior, são bastantes exigências, a gente tem um desgaste bem grande , por conta disso. [...] Por exemplo, os nossos diários, nossos diários de classe que estão enrolados. Nós estamos assim, com, os diários dos alunos... tudo parado, em função de uma espera da Secretaria porque eles não decidiram como é que vai ser feito [...]. Então quando a gente pega esse diário é um desgaste, e é um estresse, é uma preocupação, porque está acumulando. A gente faz o registro, mas é tudo assim, tudo rascunho. Vai chegar uma hora que nós vamos ter que passar tudo a limpo. E vai ser bem no momento, assim, que a gente vai encerrar atividades, encerrando projetos, a gente já vai estar assim, ahn, cansado, então é uma preocupação grande. (P1). Eu ainda estou com sorte, porque eu estou na quarta série, então eu não estou com um diário aí que as meninas disseram que é super complicado, do pessoal da primeira e da segunda [série] que está arrepiando até os últimos fios do cabelo. [...] O que é a burocracia deles? A gente está um pouco cansada, porque há muitos e muitos anos a gente vêm lutando contra uma série de coisas [...] no governo passado tinha história de fazer gráfico do aluno. Tinha o gráfico dele, e tinha gráfico dele comparado com a turma. Nós escrevemos cartas, nós escrevemos atas, mandamos tudo, dizendo o quanto aquilo era absurdo! Que é revoltante, você ler, você estudar, você fazer um trabalho que tem todo um objetivo e depois você fazer aquilo. A gente atende as individualidades, a gente olha o ser humano global. Nós aqui fazemos um relatório que não é feito praticamente em nenhuma escola. [...] Agora, em relação aos gráficos [...] então eu faço um relatório para falar tudo do meu aluno, e agora a Secretaria quer que eu preencha lá quadradinhos [...] Como é que eu vou classificar meu aluno naquilo ali? Aquilo ali foi pouco para dizer como meu aluno é. Absurdo. [...] Posso morrer na praia, mas que antes a gente dá bastante trabalho, a gente dá. E isso é um prazer, porque até faço, porque sou obrigada, mas deixo claro que estou fazendo obrigada, que não está certo. Pior era fazer calada. @2@. (P2).

Durante esse ano eu tive a sorte de não preencher muitos relatórios, uma grande sorte. [...] Um relatório fechado, é complicadíssimo você fazer um relatório com determinado aluno. Você pegar todas as características do seu aluno e botar num relatório fechado... [...] Porque esse tipo de relatório que você faz de „bom ou mal, ruim‟, não tem como avaliar, é muito objetivo e a relação da aprendizagem não é objetiva, não é assim, clara desse jeito. Então, às vezes eu acho complicado a forma, (.), desses formulários mesmo. Eu tenho sempre me colocado contra esse tipo de formulário. (P3).

As professoras demonstram resistência e contrariedade às regras de avaliação e

classificação dos alunos elaboradas pela Secretaria de Educação. São exigências que as

afligem, as preocupam e as desgastam. Abaixo, a fala das professoras quanto ao

preenchimento dos diários de classe e de formulários com a avaliação dos alunos:

Mudou..., acho que são essas novas metodologias. [...] é quase uma psicogênese da escrita, você tem um teste da psicogênese, fazem avaliação das crianças. Eu não tinha conhecimento disso, até para que a criança não trabalhe só com prova, mas trabalhe com uma avaliação diária, uma avaliação formativa. Então, é::, é diferente nesse sentido, por quê? Porque você tem que, estar muito atento à criança, ao que está acontecendo à criança, (.), diariamente. Você vai fazer aquele relatório, que depois a gente vai entregar aos pais, vai explicar, como é que estava aquela criança durante aquele primeiro bimestre. (P4).

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Agora teve mudança no diário, mas nós já nos reunimos e já combinamos, em outro momento, sentar todos e fazer juntos o diário. Então:::, não teve problemas, a supervisora vai chegar e vai fazer junto. Eu não posso dizer para você que nunca teve apoio, porque sempre, em todos os momentos em que foi solicitado o apoio elas [equipe pedagógica] sempre estiveram presentes. Pode não ser que seja exatamente naquele momento que você está querendo, mas esse apoio, ele vai chegar. (P4). São extremamente desgastantes, porque às vezes a gente precisa deixar de fazer, de sentar para fazer um planejamento de uma atividade que é de extrema importância para aprendizagem da criança, porque tem que sentar e preencher um relatório, porque tem que sentar e fazer um::, preencher, uma ficha por exemplo, dizendo o que o aluno precisa, podia estar lá fazendo o que o aluno precisa, mas não, eu estou lá escrevendo o que ele precisa. (P5). A parte burocrática que vem para nós, para o professor, ela é enorme. O diário, para preencher, ele é chato, ele é minucioso, tem muitas coisas a serem feitas, os relatórios são chatos mas o problema é esse aqui, como fazer o trabalho sem ter essa parte? É impossível, (1), você se organizar dentro do seu trabalho pedagógico se não tiver essa parte também, de registro, de direcionamento. Porque é um direcionamento para o trabalho, o diário ajuda. [...] Então é um norteador do trabalho da gente. (P5).

Da secretaria, a gente sente, a gente escuta em muitas reuniões essa cobrança: a carga horária do aluno aumentou, mas o rendimento não se teve notícia de melhora ainda. É uma cobrança, e é grave. Porque aumentou a carga horária do aluno, deu tempo para o professor coordenar, quer dizer, qual o resultado disso? E está certo, ele não está errado, o sistema não está errado de cobrar. Por isso que eu falei, a burocracia ela é chata, mas ela é necessária. A cobrança, essa cobrança existe? Existe. A gente sente? Sente. (P5).

Quadro 09 – Sínteses das respostas das professoras à pergunta: Como os procedimentos administrativos afetam seu trabalho?

P1 A indefinição da Secretaria em relação aos diários é extremamente desgastante, pois vai acumular trabalho no final do ano, quando já estaremos cansadas.

P2 Fazer um trabalho integral e ser obrigada a preencher um formulário de avaliação em que classifica o aluno em bom, regular, ruim.

P3 São necessários, os relatórios “abertos” (como fazemos). Sempre fui contra os formulários de avaliação em que classifica o aluno em bom, regular, ruim.

P4 Essa escola protege os professores das cobranças. Fico tranquila com a mudança no diário, pois sei que teremos apoio da equipe pedagógica.

P5 São necessárias, mas são extremamente desgastantes. A burocracia e o controle têm que ser feitos, porém perdemos muito tempo com isso ao invés de atendermos aos alunos.

P6 Incomoda o preenchimento de formulários de avaliação com critérios pré-estabelecidos; e os critérios de preenchimento dos diários ficaram o ano todo em aberto.

P7 Os relatórios dão muito trabalho e tomam tempo, são feitos em casa, pois é preciso concentração e na escola tem muita gente circulando e poucos computadores disponíveis.

Fonte: Entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no

Plano Piloto – Brasília/DF

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153

Quadro 09a – Distribuição das respostas das professoras agrupadas por categorias.

SITUAÇÕES EXPLICITADAS

RELACIONADAS AOS ASPECTOS PEDAGÓGICOS

Os professores têm o apoio da equipe pedagógica.

RELACIONADAS À BUROCRACIA

A indefinição da Secretaria em relação aos diários de classe.

Os critérios de preenchimento dos Diários ficaram o ano todo em aberto.

Cobranças são necessárias, mas são extremamente desgastantes. A burocracia e o controle têm que ser feitos, porém perdemos muito tempo com isso ao invés de atendermos aos alunos.

RELACIONADOS À AVALIAÇÃO

Fazer um trabalho integral e ser obrigada a preencher um formulário de avaliação em que classifica o aluno.

Incomoda o preenchimento de formulários de avaliação com critérios pré-estabelecidos.

Sempre fui contra os formulários de avaliação em que classifica o aluno.

Os relatórios dão muito trabalho e tomam tempo, são feitos em casa, pois é preciso concentração e na escola tem muita gente e pouco computador.

As cobranças institucionais são vistas como elemento de intensificação e

estranhamento do docente pelas professoras e adentram a escola pela via do controle do

trabalho das professoras e da racionalização, pela Secretaria da Educação, dos recursos

financeiros destinados às escolas.

Para Bresser-Pereira (1998), o controle e a gestão do Estado fazem parte do

processo de sua reconstrução necessária para se enfrentar a “Grande Crise da América

Latina” nos anos 80, caracterizada por “uma crise do Estado, e não uma crise do mercado”

(p. 91). Segundo o autor, essa crise obrigou os governos da década de 1990 a tomarem

providências no gerenciamento dos recursos públicos, demandando racionalização destes,

em um contexto de novo papel do Estado. Para isso:

[...] adotou as propostas do centro pragmático de obediência aos fundamentos macroeconômicos e as reformas orientadas para o mercado [...] [para a] Reconstrução do Estado que significa: superação da crise fiscal, redefinição das formas de intervenção no econômico e no social, e reforma da administração pública (BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 92).

A escola pública, assim como todos os órgãos públicos estatais, passa a ser

administrada sob a lógica de racionalização de recursos e maior controle dos resultados. Ou

seja, afere-se que a perda da autonomia financeira e pedagógica da escola pública,

concomitantemente e, por conseguinte, à perda de autonomia dos Estados nacionais em

geral, foram consideradas inevitáveis ante a globalização e as exigências de novas funções

a serem desempenhadas pelo Estado. (BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 93).

Antes de finalizar este capítulo, considerou-se significativas algumas falas das

professoras que expressam o sentido e o significado do trabalho docente em suas vidas.

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154

Na verdade, a escola, o trabalho docente, ele faz parte da nossa vida, então ele te transforma. Você transforma o trabalho, o trabalho te transforma. Porque eu não sou uma pessoa na hora que eu entro aqui e outra na hora que eu saio daqui. Então em meu trabalho como professora, eu aprendi muito a ser como pessoa. E nas minhas relações dentro do meu trabalho também, porque eu aprendi a ser quem eu sou. Porque a gente passa oito horas do dia dentro da nossa escola. Aí você passa oito horas dormindo, e as outras oito horas você passa um bocado se locomovendo, pagando conta, dando comida para o filho, mandando tomar banho, é assim. O meu trabalho é minha vida. [...] Para uma pessoa que acaba de se formar é muito complexo ser professor. É muito complexo, porque pra você ser professor você tem que ter uma noção do todo. Do todo que você tem para ensinar, para trabalhar com seus alunos, para você saber medir, para você saber dosar, por você incluir o que eles querem, o que eles precisam, o que é do interesse. E aí o professor, enquanto ele não tem noção do todo, da totalidade do trabalho, ele fica correndo atrás porque ele acha que ele tem que fazer aquilo tudo. À medida que a gente vai lendo, que a gente vai estudando, com experiência, que você vai entendendo qual é o todo, o que realmente é importante, que o currículo está cheio de coisas que não são importantes, que não tem muito significado. (P2).

O meu trabalho é o meu lazer também. [...] Eu não tenho uma coisa que eu goste de fazer [...] o meu trabalho, é tão gostoso, é tão prazeroso, que o meu hobby é ler um livro sobre educação. Meu hobby é elaborar umas atividades diferentes. É um prazer para mim. O que não é um prazer para a gente é estar no sufoco, é você não dar conta de estar com o planejamento pronto, sabe? Você não ter condições de elaborar aquele material que você tinha pensado, você não conseguir concluir os relatórios. Isso é o que dói, é o que maltrata a gente. Quando você consegue estar com as coisas andando, é um prazer, (1) é um prazer. Então, eu com esse curso [de pós-graduação] estou chateada demais, assim, não dá não, não dou conta de estudar não. Porque aí eu não dou conta de fazer em casa o que eu preciso fazer. (P2).

Na fala da professora, percebe-se a proximidade e possibilidade daquilo que

Antunes (1999) defende como outra forma de sociabilidade, que implica em novo sentido ao

trabalho e ao tempo de não trabalho. O trabalho docente, por sua relativa autonomia, por

suas relações pessoais possibilitarem a (re)construção e transformação do conhecimento e

da criação e recriação dos sujeitos envolvidos pode alcançar o sentido do trabalho como

elemento humanizador. No entanto, no mesmo trecho da entrevista, a professora apresenta

o fator impeditivo para que esse processo de criação e humanização se estabeleça por meio

do trabalho docente: a intensificação. Ela afirma que seu trabalho é fonte de prazer, e ao

mesmo tempo pode se transformar no seu contrário, o que traz dor e sofrimento é

precisamente não conseguir realizar o próprio trabalho em razão das inúmeras tarefas que a

ele se impõem.

Outro aspecto percebido na fala de algumas professoras foi a relação que o

trabalho docente e o gênero transparece para elas.

Esse nosso trabalho de, de professor, é muito parecido com o nosso trabalho lá de mãe, de dona de casa que não existe assim, um limite, e sempre vai ter mais coisas para desenvolver. Chega uma hora que você diz:

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“tá, chegou o horário e acabou”. Como em casa, chega uma hora que você diz: “não, por hoje basta, agora eu vou descansar, agora eu vou tomar banho, agora eu vou dormir”. E em sala de aula também, a gente faz um planejamento, mas nem sempre a gente desenvolve, em função de... chegou o horário limite a gente pára tudo. (P1).

Antunes (1999), na análise do trabalho produtivo considera que a forma como a

divisão sexual está constituída no atual desenvolvimento do capitalismo possibilita maior

exploração, precarização e intensificação do trabalho feminino pelo capital. Esse fenômeno

acontece por duas vias, a produtiva e a reprodutiva. Na produção, às mulheres são

relegadas as atividades de trabalho intensivo, rotinizadas, enquanto aos homens são

destinadas as tarefas que demandam concepção e maior qualificação. Além de as

mulheres aumentarem o contingente da força de trabalho no setor produtivo, e também no

setor de serviços, no espaço privado ainda são submetidas ao trabalho reprodutivo, isto é,

ao trabalho doméstico que proporciona as condições indispensáveis de reprodução da força

de trabalho do marido, dos filhos e delas próprias.

Page 156: A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA …repositorio.unb.br/bitstream/10482/4208/1/2009_SandraJacquelineBar... · 6 RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo compreender

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve a aspiração de incitar estudos e reflexões que identificassem

o processo de intensificação do trabalho docente nas séries iniciais do ensino fundamental

da rede pública do Distrito Federal, entre 1999 e 2003, especialmente sob a ótica das

mudanças das orientações das políticas educacionais. A intensificação mostra-se como um

fenômeno sentido pelos trabalhadores, mas nem sempre identificado e percebido.

Alguns estudos tiveram como objetivo compreender uma faceta de suas

consequências: a saúde do trabalhador em educação (CODO, 1999; ESTEVE, 1999). As

entidades representativas dos Trabalhadores em Educação buscam conhecer esse

fenômeno para assim encontrar os meios para amenizar o sofrimento dos professores,

como é o caso da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, ao

financiar uma pesquisa sobre a saúde mental dos trabalhadores em educação, coordenada

por Codo (1999), além da série de investigações que levam o nome “Retrato da Escola no

Brasil”87, as quais incluem a temática do trabalho dos educadores. No Distrito Federal, o

Sinpro-DF, em 2004, criou a Secretaria de Saúde em razão da alta demanda da categoria

por atendimento do sindicato nessa área e o alto índice de licenças e afastamentos por

doenças.

Um dos objetivos deste estudo, então, foi compreender como as diversas e

diversificadas exigências que permeiam as atribuições docentes indicam práticas

intensificadoras de seu trabalho. A intenção foi problematizar as questões levantadas

inicialmente, estimular a reflexão sobre o que se percebe e o que não é percebido, analisar

aquilo que vem sendo naturalizado no cotidiano escolar. Por isso, algumas afirmações

podem ser feitas.

O primeiro capítulo problematizou a questão da categoria trabalho em geral e

como a compreensão de sua centralidade na análise pode ser utilizada no estudo do

trabalho específico do professor da rede pública. Para isso, optou-se pela linha que

compreende o trabalho docente como trabalho situado no setor dos serviços públicos. O

desafio foi desvelar como esse trabalho peculiar era alcançado pela intensificação, e

principalmente qual o papel que as políticas públicas desempenham para a efetivação de

mais trabalho e mais envolvimento pelo professor da rede pública.

Ainda nesse capítulo, a análise priorizou o entendimento da realização do

trabalho docente a partir do estudo da trajetória profissional docente construída pela

sociedade e também pelos professores. Neste sentido, a análise buscou ver como alguns

87

Alguns desses estudos podem ser encontrados em: SILVA, Aída Maria Monteiro e AGUIAR, Márcia Ângela da Silva (orgs.). Retrato da Escola no Brasil. Brasília: CNTE, 2004.

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157

autores compreendiam os diferentes contornos do processo de construção da identidade

docente. Esta busca nas bibliografias que tratam dessa temática levou-nos a duas linhas

principais de estudos sobre o trabalho docente: 1- aqueles que veem o trabalho do professor

como imaterial e, por isso, afastado das concepções e categorias analíticas do trabalho

produtivo; e 2- aqueles que compreendem o trabalho docente dentro da lógica do sistema

capitalista de produção e, por isso, relacionado às mesmas categorias e mesma lógica da

organização do mundo do trabalho produtivo.

Assim, a reflexão passou pela abrangência do fenômeno da reestruturação

produtiva e buscou-se compreender como essa reestruturação influencia a intensificação do

trabalho dos professores da rede pública. A partir daí, pensou-se também em investigar em

que medida a utilização de novas tecnologias e novas formas de organização do trabalho

pedagógico traduziam-se em aumento de trabalho para o professor, assim como verificar na

trajetória do trabalho docente como essas mudanças ocorreram.

Pode-se afirmar que a opção pela abordagem filosófica na centralidade da

categoria trabalho foi assertiva, na medida em que se buscou observar o fenômeno, trabalho

docente, a partir da compreensão de sua essência. Mesmo se tratando de um trabalho

diferenciado, particularizado, em seu cerne encontra-se a transformação da realidade para a

satisfação de necessidades humanas, ainda que sejam necessidades imateriais.

Por essa aproximação do sentido ontológico do trabalho, foi possível e

imprescindível a compreensão das transformações na estrutura produtiva, em sua realidade

objetiva, que desencadeiam mudanças no campo econômico, político e tecnológico, e

intrinsecamente na superestrutura social, isto é, na representação que essa estrutura

adquire na cultura, na educação, na escola.

As mudanças na organização do trabalho produtivo influenciam as doutrinas

gerenciais, e estas chegam às escolas por meio do ideário neoliberal que propaga a

eficiência, a qualidade total, entre outras categorias de conteúdos ressignificados, que são

originalmente bem vistas pelo senso comum das comunidades escolares. Essas categorias

chegam à escola recheadas de uma lógica perversa de exclusão e degradação da dimensão

humana no trabalho docente. Foi possível perceber a estrutura e o núcleo interno essencial

desse fenômeno, pois esses novos preceitos de gestão são representações que adentram a

escola omitindo-se o processo real de expropriação do produto do trabalho pelo capital na

sociedade capitalista (CURY, 1995).

No segundo capítulo, foi necessária a contextualização do sistema de ensino

local, reconhecendo as especificidades de uma cidade construída para ser a nova capital do

país e toda a mistificação nela impingida nessa edificação, com um olhar mais atento para a

trajetória dos professores no início da implementação do sistema de ensino no Distrito

Federal. O movimento profissional dos professores do Distrito Federal em particular foi

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comparado com a história percorrida pelos professores em geral, o que confirmou a luta dos

professores em defesa de melhores condições de trabalho e ampliação da educação como

um direito social.

As medidas e atos institucionais impetrados no período analisado, assim como

em períodos próximos ao recortado, foram vistos na intenção de se encontrar indícios de

intensificação nas atribuições formalizadas para o trabalhador docente. Buscou-se desvelar

a forma como foram sistematizadas as políticas públicas, de âmbito nacional e local, no

sentido de intensificar o trabalho docente, seja por meio das inovações tecnológicas, seja

por meio de uma nova organização do trabalho que segue orientação de modelos gerenciais

para as escolas que implique em polivalência do professor, exigidas pelo arcabouço legal ou

por necessidades de rearranjos criados pelos professores.

No último capítulo, desejou-se aprofundar na análise das/nas relações

pedagógicas e nas relações do trabalho docente, para isso foi preciso inserir-se onde essas

se realizam de fato: na escola pública. Foi necessário conhecer a história da instituição

escolhida, como meio de compreender como as relações foram construídas ao longo de sua

existência e como se chegou à intensificação do trabalho docente no período recortado.

Observou-se como os professores organizam seu trabalho, a despeito de como

as políticas orientaram essa gestão. Procurou-se captar de que forma os novos formatos de

gestão exigiam dos docentes maior envolvimento, maior tempo e dedicação em seu

trabalho. E os sujeitos dessas relações? Foi preciso apreender as percepções dos

professores em relação a essas novas exigências, assim como as implicações dessas

mudanças ao longo de sua experiência profissional.

A expressão da forma como ocorre a intensificação do trabalho docente na

Escola Classe da rede pública no Distrito Federal foi considerada, assim como foram

observados os mecanismos de resistência dos professores em meio a esse processo.

A entrevista foi um instrumento valioso, pois muitas informações, sentimentos e

percepções das professoras foram captados após suas reflexões, acionadas pelas

perguntas acerca de seu trabalho. Percebeu-se que muitas vezes as professoras não

haviam sequer pensado em suas condições de trabalho, o que fez com que elas

conjeturassem sobre as origens, efeitos, sutilezas em sua realidade escolar.

Permeadas por contradição, as professoras, ao responderem sobre as questões

que as afligem no trabalho, percebiam-se muitas vezes em um impasse. Ao mesmo tempo

em que interiorizavam suas novas atribuições e novas formas de se relacionar com elas,

compreendiam que a intensificação de seu trabalho consiste em um elemento de

estranhamento do mesmo. Em seguida a essa percepção, reconheciam que algo está

“errado” mesmo não identificando ao certo o objeto gerador de seu sofrimento. Nesse

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159

sentido, a entrevista foi um elemento mediador entre os fenômenos, caracterizando-se como

prática reflexiva (SZYMANSKI, 2008).

Às tradicionais tarefas dos professores são somadas a outras, demandadas

pelas transformações sociais, na cultura e na família. A jornada de trabalho mantém-se em

40 horas semanais, mas as cobranças são sempre crescentes, em razão de novos

conhecimentos sobre a aprendizagem, novas metodologias e novas tecnologias para se

realizar esse trabalho. Do professor não foi retirada a clássica atribuição de estar atento aos

seus alunos e dedicar cuidados essenciais de segurança e afetividade, ao passo que foram

acrescentadas as atribuições de atendimento individualizado nas diversas necessidades dos

alunos, participação na gestão da escola, entre outras.

Concomitante a isso, aumentou-se também o envolvimento do professor em seu

trabalho, dentro de sua jornada habitual. Para atender aos alunos e à equipe pedagógica, o

professor precisa se desdobrar dentro de seu horário de trabalho, planejar as aulas,

ministrá-las; e avaliar cada aluno torna-se tarefa desgastante, principalmente quando lhes

reduzem a autonomia na escolha das finalidades educacionais.

A partir da historicidade das relações da educação local, e também da

observação empírica de uma escola pública da cidade, é possível dizer que as exigências e

mudanças institucionais foram processadas ao longo dos anos pelas comunidades

escolares sem que essas fossem percebidas como causadoras de intensificação do

trabalho. A hegemonia das novas formas de organização do trabalho pedagógico fica

evidente quando as próprias professoras alardeiam a qualidade, inclusão, a solidariedade, o

desenvolvimento integral do aluno como resultados possíveis a depender de seu

envolvimento e de sua vontade ao realizar o trabalho docente.

A habilidade para o uso de novas tecnologias também cobrada dos professores,

assim como a aquisição de seu instrumento pessoal, são exigências naturalizadas nas

práticas cotidianas e se juntam àquelas essenciais do ato pedagógico.

Pode-se dizer que a intensificação ocorre institucionalmente:

Nos arranjos pedagógicos que a escola pública cria;

Nos desdobramentos da escola para a viabilização efetiva da política de

inclusão;

Nas situações em que o tempo na escola é insuficiente para se realizar todo o

trabalho;

Nas exigências burocráticas e cobranças institucionais da Secretaria de

Educação;

Em decorrência das expectativas das famílias e da necessidade de

interlocução e acompanhamento constante;

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Das escolhas da própria escola em oferecer um atendimento diferenciado,

alicerçado em projetos, valores e inclusão real;

Por pressões externas que modificam o ritmo, as concepções e o modo

particular da escola enxergar seus problemas.

Pode-se destacar, ainda, situações de intensificação que acometem os

professores de forma individual:

A busca por novos conhecimentos e outras metodologias;

Quantidade de alunos portadores de necessidades especiais dentro de sala

de aula;

Expressão e verbalização de estresse, cansaço, angústia, tensões, conflitos e

resistências;

Aumento de trabalho dentro da mesma jornada na escola e também fora dela;

A necessidade de saber trabalhar com novos processos de avaliação.

As novas atribuições que acarretam em ampliação do volume de tarefas aos

professores, a partir das transformações sociais, da família, são também aceitas quase

espontaneamente pelas professoras. Ao mesmo tempo, são as mesmas professoras que

procuram alternativas para que seu trabalho não prejudique suas relações afetivas; que

poupem a sua saúde física e mental; por fim, elas procuram mecanismos que impeçam a

sua desumanização por meio do trabalho estranhado.

No entanto, registra-se que, nas políticas para a educação básica, coexistem

duas tendências, uma a escola tradicional e a outra a escola democrático-popular resultante

das lutas pelos direitos sociais advindos da Constituição Federal de 1988 e da gestão

democrática garantida na Lei 9394/96. Estas tendências entrecruzam-se no interior da

escola pública e, somadas às condições de trabalho inadequadas e às exigências

burocráticas, geram a intensificação e mais trabalho para o profissional docente.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE 01 - Roteiro de entrevista realizada com professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública no Plano Piloto – Brasília/DF.

ROTEIRO DE ENTREVISTA

EIXO A - Formação, organização e trabalho docente 1 – Conte-me sobre sua formação e experiência profissional. (Qual a sua formação? Quantos anos de experiência têm? Percurso profissional. A razão da escolha da profissão. Qual é o papel do trabalho docente em sua vida?) 2 – Como você organiza o seu trabalho docente na escola? (Em que consiste o seu trabalho? Como você o organiza?) EIXO B – Exigências e Mudanças institucionais 3 – Quais os elementos do trabalho docente que mais lhe exige? Como seu trabalho o absorve? (Que elementos do seu trabalho tomam mais o seu tempo e energia?) 4 – Como você percebe as mudanças na organização da escola? E de seu trabalho? (Como é a organização/divisão do trabalho pedagógico em sua escola? Houve mudanças em seu trabalho? O que mudou? Como você acha que se chegou a essas mudanças?) EIXO C - Formas de intensificação do trabalho docente 5 – Como os procedimentos administrativos afetam seu trabalho? (Como você percebe as exigências da SEDF?) 6 – A jornada diária e as demandas feitas aos professores são compatíveis. Por quê? (Suas tarefas são todas feitas no horário de trabalho?) As horas trabalhadas em sala de aula são suficientes para dar conta de todo seu trabalho? Por quê? (Suas tarefas são todas feitas no horário de trabalho?) Pergunta anulada. 7- Quando a jornada diária é insuficiente, como você procede? (O que você faz para resolver isso?)

Perguntas Complementares:

1- Como você se sente em relação às cobranças? (da sociedade, da secretaria, da equipe

pedagógica, dos pais, dos alunos? Como essa cobrança ocorre?).

2- Sua sala tem redução de alunos? Como você trabalha com eles? (Você tem alunos com

necessidades especiais?)

3 - Você realiza a “Laboratório de Aprendizagem”? Como você percebe esse tipo de

trabalho?

4 - O que você acha dos “pré-conselhos” e “conselhos escolares”? Como é esse projeto para

o resultado de seu trabalho?

5- Como você se prepara para trabalhar com temas atuais que demandam metodologias e

conhecimentos novos: violência, meio ambiente, drogas, pedofilia etc.