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A INICIAÇÃO À DOCÊNCIA NARRADA POR UM PIBIDIANO EM COMPUTAÇÃO Cristina Carvalho de Almeida* Adair Mendes Nacarato Universidade São Francisco [email protected] Resumo: O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) foi criado visando incentivar a iniciação à docência de estudantes dos cursos de licenciatura e valorizar a formação de professores para a educação básica. Esta pesquisa é de abordagem qualitativa e teve como campo para produção dos dados os licenciandos em Computação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - campus Machado - que participam do PIBID. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as contribuições do PIBID para a formação inicial docente, analisando a entrevista narrativa e os registros reflexivos de um licenciando em Computação que participa deste programa, bem como evidenciando os fatores que contribuíram para a escolha da profissão de professor. A pesquisa mostrou que as influências familiares e a participação em programas de iniciação à docência, como o PIBID, podem contribuir para que os licenciandos desejem assumir a profissão docente. Foi possível constatar que o PIBID Computação, através da relação entre professores da educação básica e os licenciandos, é uma das ações de iniciação à docência que incentivam os futuros professores de Computação a descobrirem as potencialidades de uso de recursos computacionais nos processos de ensino e aprendizagem. Com a experiência vivenciada nos processos metodológicos de produção e análise dos dados para esta pesquisa, manifestamos nosso desejo em continuar ouvindo os licenciandos em Computação do IFSULDEMINAS para aumentar o escopo de nossas reflexões sobre este curso de licenciatura e identificar as contribuições do PIBID, enquanto política pública de formação, para que os licenciandos venham a se tornar professores. Palavras-chave: iniciação à docência, licenciatura em Computação, PIBID. Apoio financeiro: CAPES *Bolsista CAPES (bolsa-taxa).

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A INICIAÇÃO À DOCÊNCIA NARRADA POR UM PIBIDIANO EM COMPUTAÇÃO

Cristina Carvalho de Almeida*

Adair Mendes Nacarato

Universidade São Francisco

[email protected]

Resumo: O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) foi

criado visando incentivar a iniciação à docência de estudantes dos cursos de

licenciatura e valorizar a formação de professores para a educação básica. Esta

pesquisa é de abordagem qualitativa e teve como campo para produção dos dados os

licenciandos em Computação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - campus Machado - que participam do

PIBID. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as contribuições do PIBID para a

formação inicial docente, analisando a entrevista narrativa e os registros reflexivos de

um licenciando em Computação que participa deste programa, bem como

evidenciando os fatores que contribuíram para a escolha da profissão de professor. A

pesquisa mostrou que as influências familiares e a participação em programas de

iniciação à docência, como o PIBID, podem contribuir para que os licenciandos

desejem assumir a profissão docente. Foi possível constatar que o PIBID

Computação, através da relação entre professores da educação básica e os

licenciandos, é uma das ações de iniciação à docência que incentivam os futuros

professores de Computação a descobrirem as potencialidades de uso de recursos

computacionais nos processos de ensino e aprendizagem. Com a experiência

vivenciada nos processos metodológicos de produção e análise dos dados para esta

pesquisa, manifestamos nosso desejo em continuar ouvindo os licenciandos em

Computação do IFSULDEMINAS para aumentar o escopo de nossas reflexões sobre

este curso de licenciatura e identificar as contribuições do PIBID, enquanto política

pública de formação, para que os licenciandos venham a se tornar professores.

Palavras-chave: iniciação à docência, licenciatura em Computação, PIBID.

Apoio financeiro: CAPES

*Bolsista CAPES (bolsa-taxa).

Introdução

Com o objetivo de incentivar a iniciação à docência de estudantes dos cursos de

licenciatura e valorizar a formação de professores para a educação básica, o

Ministério da Educação (MEC), por intervenção da Secretaria de Educação Superior

(SESu), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), instituiu o Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) em 2007.

Os estudantes das licenciaturas, que recebem uma bolsa de iniciação à docência,

desenvolvem suas atividades em escolas públicas sob a supervisão de professores da

educação básica que também são bolsistas. Assim, o PIBID proporciona a inserção

dos licenciandos no cotidiano escolar oferecendo-lhes possibilidades de interação com

professores que permitem a participação deles nas atividades metodológicas e

práticas docentes.

Na atual conjuntura econômica e educacional do país, é válido relatar que há uma

tendência para a redução do número de bolsas deste programa. Entretanto, não cabe

discutir neste trabalho perspectivas desta natureza pela magnitude dos aspectos

envolvidos.

Esta pesquisa é de abordagem qualitativa e teve como campo para produção dos

dados os licenciandos em Computação do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - campus Machado - que

participam do PIBID. Esta escolha deve-se ao fato da pesquisadora, doutoranda em

Educação pela Universidade São Francisco (USF), ter sido coordenadora deste

subprojeto por cerca de três anos, além de ser professora da Licenciatura em

Computação.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre as contribuições do PIBID para a formação

inicial docente, analisando a entrevista narrativa e o diário reflexivo de um licenciando

em Computação que participa deste programa bem como analisar os fatores que

contribuíram para a escolha da profissão de professor.

Ao refletirmos sobre estes temas, adotamos a perspectiva de formação, segundo

Bolívar (2006), como um processo de apropriação pessoal e reflexiva, de integração

da experiência de vida e profissional, em função das quais uma ação educativa

adquire o significado de formar-se, em lugar de formar aos professores.

Cabe destacar que em alguns trechos deste trabalho, o texto foi escrito na 1ª pessoa

do plural por se tratar das concepções da pesquisadora e sua orientadora e por

pretendermos tecer um texto com tom narrativo que, segundo Clandinin e Connelly

(2011), caracteriza-se como um processo dinâmico de viver e contar histórias.

A esta introdução, segue a abordagem metodológica. Em seguida, são apresentadas

reflexões a partir das análises, bem como as considerações finais e as referências.

Método

Esta pesquisa teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética da USF, através da

Plataforma Brasil, em abril de 2014, com o parecer nº 627605 e caracteriza-se como

um recorte de uma investigação qualitativa desenvolvida no Programa de Pós-

graduação Stricto Sensu – Doutorado em Educação – no campus de Itatiba da USF.

Para a tese, entre os instrumentos usados para a produção de dados, citam-se os

diários reflexivos e as entrevistas narrativas com seis alunos que desenvolvem

atividades de iniciação à docência sob a supervisão de uma professora de Matemática

em uma escola pública estadual de Machado, cidade da região sul de Minas Gerais.

Entretanto, neste trabalho, optamos por analisar a entrevista narrativa concedida por

um aluno que participa do PIBID Computação bem como os relatos feitos por ele em

seu diário reflexivo, elaborado a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido. Doravante este colaborador será denominado “pibidiano” pretendendo

vinculá-lo diretamente ao projeto do qual participa e ao contexto desta pesquisa.

A opção por apresentar os dados produzidos por um dos pibidianos tem como objetivo

aprofundar a análise dos processos formativos vivenciados por ele bem como

ponderar sobre os aspectos primordiais de sua formação enquanto professor, além de

refletir sobre sua trajetória pessoal e acadêmica até à graduação e sua participação no

PIBID Computação.

Por questões éticas, o nome do pibidiano não será apresentado. Entretanto, é

importante descrever algumas características que nos ajudarão a entender o contexto

dos dados produzidos: no dia 16/04/2015, data da entrevista, este pibidiano estava

com 20 anos de idade, cursava o 7º período da Licenciatura em Computação e

participava do PIBID há 13 meses. Para apresentarmos estes dados, baseamo-nos na

premissa de Clandinin e Connelly (2011, p. 222) que afirmam: “Da mesma forma que

consultamos nossas consciências sobre as responsabilidades que temos em uma

relação de amizade, precisamos consultar nossa consciência sobre nossa

responsabilidade como pesquisadores narrativos em uma relação de participação no

processo de pesquisa”.

Para caracterizar o uso dos diários reflexivos, cabe mencionar que foram distribuídos

aos pibidianos pequenos cadernos e pedimos para que neles fossem registradas as

reflexões sobre as atividades desenvolvidas nas escolas estaduais bem como as

críticas e sugestões sobre o PIBID com o objetivo de contribuir para a formação inicial

dos licenciandos em Computação que trabalham para o enriquecimento dos processos

de ensino e aprendizagem de Matemática subsidiados pelas tecnologias e recursos

computacionais. O vínculo da Computação com a Matemática do ensino fundamental

se fez necessário porque as escolas públicas onde o projeto é desenvolvido não

possuem a Informática como conteúdo curricular.

Para caracterizar metodologicamente o segundo instrumento para a produção de

dados, destacamos que as entrevistas narrativas tiveram o áudio gravado e

posteriormente transcrito na íntegra para análise. As entrevistas narrativas foram

realizadas nas dependências do campus Machado em horários diferentes das

atividades do PIBID e do curso de Licenciatura em Computação, após a permissão

concedida pela coordenação institucional do projeto, com o consentimento da direção

geral do campus e coordenação de ensino, após a aprovação do projeto pelo Comitê

de Ética.

Como procedimento metodológico para análise e apresentação dos resultados,

optamos por referenciar o pibidiano como colaborador desta pesquisa, baseando-nos

em Bolívar (2006) ao caracterizar o “eu” como um sujeito descentrado que encontra

sua identidade nos fragmentos da linguagem ou do discurso. Todos os trechos que

foram transcritos da entrevista apresentam a sintaxe: (Pibidiano / Entrevista Narrativa /

16-04-2015). Já os relatos transcritos do diário reflexivo são apresentados como

(Pibidiano / Diário reflexivo / Data do relato). Nos dois casos, utilizamos a letra com a

formatação do tipo itálico para destacar as falas do pibidiano no texto.

Conhecidos os procedimentos metodológicos utilizados, passamos a tecer algumas

reflexões com aproximações dos referenciais teóricos que nortearam nossa pesquisa.

Resultados/Discussão

O processo de análise dos dados iniciou-se desde o momento em que a entrevista

narrativa foi concedida pelo pibidiano em Computação, bem como a partir de todos os

registros feitos por ele e pela pesquisadora em seus respectivos diários. A

necessidade de análise contínua fica evidente para Bertaux (2010, p. 68) ao afirmar

que “escutar de novo, transcrever, ler, reler e analisar essas entrevistas, reler as notas

do diário de campo: tudo isso constitui um bom método para fazer avançar

rapidamente a ‘formação’ do pesquisador” (grifo do autor).

A princípio, ficamos temerosas quanto ao contexto no qual as entrevistas foram

realizadas já que a pesquisadora encontrava-se, no referido momento, como

professora de conteúdo técnico (Banco de Dados) para os alunos e havia deixado há

pouco tempo a coordenação do PIBID Computação. Além destas peculiaridades, esta

era sua primeira experiência com entrevistas narrativas. Entretanto este foi um temor

apenas inicial porque percebemos a desenvoltura dos alunos de iniciação à docência

ao narrarem suas trajetórias, apesar de algumas pausas para reflexão e inúmeros

“né?”, “assim” e “então”, típicos dos jovens licenciandos.

Com as leituras e discussões no grupo de pesquisa denominado “História de formação

de professores que ensinam Matemática” (HIFOPEM), coordenado pela professora

Adair Mendes Nacarato na USF, e com todo o referencial teórico utilizado como base

para produção desta pesquisa, tivemos o discernimento necessário para compreender

que “coletar uma narrativa de vida mais desenvolvida não demanda esforços sobre-

humanos. Se você tem diante de si alguém com vontade de falar, se você deseja

escutá-lo e sabe manifestar esse interesse, o essencial já está feito” (BERTAUX,

2010, p. 73).

Provavelmente tenham sido estes os motivos que permitiram que esta investigação

pudesse se concretizar. Desta forma, iniciamos esta análise caracterizando o pibidiano

como um aluno que estudou apenas o primeiro ano de sua educação infantil numa

escola particular e que passou todos os outros anos de sua trajetória acadêmica em

instituições públicas, destacando o fato de que a escola onde estudou desde a 5ª

série, na antiga nomenclatura do ensino básico, até o 3º colegial, é a mesma onde

desenvolve as atividades do PIBID Computação.

O pibidiano faz uma autoavaliação do seu período de escola básica comentando sobre

suas notas e perfil enquanto aluno:

No Ensino Fundamental foi super normal. A escola era pública, então sempre

tinha os bagunceiros da sala. Eu era considerado o quietinho, ‘nerdezinho’ que

fazia as coisas, mas nunca fui daqueles que gostam de ficar na frente. Ainda

mais por pressão dos amigos que sempre querem levar a gente pra bagunça.

Eu acabava cedendo um pouquinho, às vezes, mas as minhas notas nunca

foram das piores (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Percebe-se que o pibidiano usa o diminutivo de ‘nerd’ para caracterizar, de forma

estereotipada, as pessoas com intensas atividades intelectuais, em sua narrativa,

“aquele que fazia as coisas”. Mas este rótulo parece incomodá-lo ao ponto de tentar

destacar que, apesar disso, não era o primeiro da fila na sala de aula. Ele parece

pretender, com isso, definir sua identidade enquanto aluno e amigo da classe. Este

desejo individual pode ser reforçado pelo fato de que:

Todas as identidades são denominações relativas a uma época histórica e a

um tipo de contexto social. Assim, todas as identidades são construções

sociais e de linguagem que são acompanhadas, em maior ou menor grau, por

racionalizações e reinterpretações que às vezes as fazem passar por

“essências intemporais” (DUBAR, 2005, p. XXI) (grifos do autor).

Apesar de trazer à tona muitas lembranças boas da escola, na época de sua formação

básica, como, por exemplo, o convívio com alguns bons amigos e professores, o

pibidiano deixa transparecer algumas frustrações e angústias dessa época:

No 2º colegial, eu já comecei a gostar menos da minha turma porque começou

a vir gente que era da turma da tarde e acabava que eu não gostava. Eles

eram muito bagunceiros, muito encrenqueiros e não dava aquele clima

amistoso pra você estudar. Ficava gente querendo ir lá peitar o professor. Era

muito ruim. Teve até briga com professor (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-

04-2015).

Talvez esta frustração narrada pelo pibidiano pudesse ter seus impactos minimizados

se observássemos, enquanto professores, o que sugere Nóvoa:

O desafio que temos pela frente é romper com uma excessiva uniformização

escolar, que não consegue dar respostas úteis aos alunos e às distintas

necessidades e projetos de vida de que eles são portadores. Hoje, talvez mais

do que nunca, impõe-se reabilitar os modelos da “diversificação pedagógica”

como referência para uma escola centrada na aprendizagem (NÓVOA, 2009, p.

65) (grifos do autor).

Sobre o processo avaliativo na educação básica, o pibidiano faz uma crítica a respeito

de uma prova aplicada por um de seus professores e que por nenhum aluno

conseguiu ser resolvida. A observação feita por ele foi assim narrada:

A única vez que eu peguei recuperação foi numa matéria que o professor deu

uma prova que ninguém sabia fazer, nem eu. Eu deixei a prova na carteira e

não entreguei ao professor. O povo assinou a prova e entregou pra ele em

branco. Ele deu nota média pra todo mundo que entregou a prova e quem não

entregou não recebeu nota (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Esta crítica nos faz pensar que “observar o trabalho de rememoração de um sujeito

que se esforça para reconstituir o fio de seu percurso biográfico informa sobre o que

faz sentido para ele” (BERTAUX, 2010, p. 98). Talvez este fato o tenha marcado

profundamente e poderá refletir em sua postura como futuro docente levando-o a

tentar não cometer o mesmo ato que considerou equivocado.

Quanto à escolha da profissão, o pibidiano demonstra gostar da parte técnica de

computação desde a infância e ter tido a influência de seus tios que cursaram

bacharelado em Ciência da Computação:

Eu não queria fazer licenciatura. Eu queria fazer bacharelado porque eu

sempre gostei mais da parte da computação. Quando eu tinha 11 anos, fiz meu

primeiro curso de informática básica. E eu tenho exemplos dos meus tios: um

que trabalha hoje aqui no instituto e outro que também é formado em Ciência

da Computação. Eu sempre tive o exemplo deles. No começo eu era bem

tímido, não sabia o que cada coisa fazia... tinha medo de dar algum problema,

mas sempre gostava de mexer, de jogos e de tecnologia em si (Pibidiano /

Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Entretanto, por incentivo de seus pais, sendo a mãe professora do ensino fundamental

e o pai do ensino superior, o pibidiano foi influenciado a cursar licenciatura numa

instituição pública, já que não poderiam custear seus estudos em uma universidade

particular onde havia passado no vestibular para Ciência da Computação. O pibidiano

destaca também, como fator que o levou a cursar Licenciatura em Computação, o fato

de seu pai ter assistido uma palestra no campus Machado onde o palestrante, um

professor de Computação da rede privada, incentivou os licenciandos. O pibidiano

narra este fato da seguinte forma:

Meu pai me contou que o palestrante fez bacharelado, mas se ele pudesse

escolher licenciatura na época, ele faria porque além de você poder atuar na

área, você pode também ser professor. Você ganha pontos num concurso e

tudo mais. Aí, meu pai foi me convencendo de pouquinho em pouquinho e

falando: “Vai, dá uma chance pra licenciatura”. Aí, eu vim mesmo contrariado.

Preferia fazer bacharelado, mas eu vim estudar perto de casa, não ia dar

gastos para meu pai (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Estando na Licenciatura em Computação, as disciplinas pedagógicas, aquelas que

são assim denominadas pelos licenciandos por não apresentar conteúdo técnico,

contribuíram para que o jovem pibidiano passasse a compreender o contexto de sua

formação. Isto fica evidente no trecho:

Fui transformando a minha mente. Fui fazendo as matérias pedagógicas e

acabei gostando da área e com isto eu lembro que no começo tinha que

apresentar trabalho na frente, eu era o mais... eu era bem mais duro... não

sabia me expressar muito bem. Ficava gaguejando, era mais tímido. Ficava

nervoso demais, ficava suando... estas coisas. A matéria de Práticas de Ensino

me ajudou bastante e as matérias de Psicologia e Sociologia da Educação

permitem você aprender maneiras, técnicas pra você fazer isto, pra dar aula...

me ajudaram bastante também (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Mesmo com os elogios às disciplinas citadas pelo pibidiano, é preciso destacar que a

“questão da formação docente não é puramente pedagógica ou metodológica [...] A

questão é muito mais vasta e remete para um novo equilíbrio entre as funções

tradicionais da Universidade: o ensino e a investigação. (NÓVOA, 2000, p. 133)”. É

neste cenário que pretendemos que esta pesquisa contribua para a formação integral

dos licenciandos em Computação do IFSULDEMINAS.

O pibidiano rememorou seu ingresso no PIBID ao narrar a experiência vivenciada nos

primeiros dias que frequentou a escola:

No começo, era um pouco difícil me adaptar a rotina de “professor”, ter que

preparar aulas era meio que novidade pra mim. E do primeiro contato com

alunos, eu não sabia o que esperar. Ficava imaginando o que eu iria fazer para

conquistar a atenção deles. Mas, por incrível que pareça, foi muito bom. Me

portei como o “professor camarada” e eles acabaram gostando de mim

(Pibidiano / Diário reflexivo / 26-11-2014) (grifos do pibidiano).

Apesar de toda a ansiedade da iniciação à docência, percebemos que o PIBID tem

colaborado para mostrar aos licenciandos que a profissão docente é digna de respeito

e que deve ser valorizada. Além disso, o programa tem permitido que os licenciandos

se vejam como professores. Isto fica evidente quando o pibidiano conta sobre o seu

percurso no PIBID Computação:

No PIBID você aprende o dia a dia dentro de uma escola, você tem que ter

responsabilidade para entregar relatórios dentro do prazo, você tem que

montar uma aula atraente para os alunos, fazer os alunos gostarem da sua

aula, você tem que saber convencer os alunos que você é amigo deles, o que é

uma coisa muito difícil. Eu até desenvolvi umas técnicas para conseguir fazer

isto. Eu geralmente converso com a linguagem própria dos alunos. Então se

eles falam muita gíria, eu tento conversar no mesmo nível. E tem a técnica de

identificar o líder. Você tem que convencer o líder que você é amigo dele

(Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

O aspecto prático proporcionado pelo PIBID a fim de que os alunos de iniciação à

docência possam experimentar o cotidiano escolar, fica evidente quando diz:

Às vezes fica só no campo teórico de “o ideal é fazer isto”, acaba sendo

utópico. Tem muitos autores que falam coisas ideais que, de fato, deviam ser

mas que, na prática, é muito difícil de acontecer. E o PIBID me proporcionou

muito desta parte: aprender a lidar com aluno, ter cronograma pronto para

montar uma aula, montar uma aula de qualidade. E com isso, eu entrei no

PIBID e comecei a melhorar meu desempenho em trabalhos que tenho que

apresentar... Nossa, o melhor professor que eu tive até agora foi o próprio

PIBID que me ajudou bastante nesta parte de dar aulas (Pibidiano / Entrevista

Narrativa / 16-04-2015).

Este trecho nos remete à Antônio Nóvoa:

O campo da formação de professores está particularmente exposto a este

efeito discursivo, que é também um efeito de moda. E a moda é, como todos

sabemos, a pior maneira de enfrentar os debates educativos. Os textos, as

recomendações, os artigos e as teses sucedem-se a um ritmo alucinante

repetindo os mesmos conceitos, as mesmas ideias, as mesmas propostas

(NÓVOA, 2009, p. 27).

Além do caráter de formação, o PIBID Computação faz com que o pibidiano se sinta

reconhecido como professor e isto parece deixá-lo contente com o fato de poder

ajudar os alunos da educação básica:

Acho que estou fazendo um bem... Pode ser que esta turma que a gente está

trabalhando hoje ou que a gente já trabalhou, pode ser que eles tenham uma

nova mentalidade, um novo jeito de pensar na escola; que a escola não é

somente um ambiente chato, tradicional, que é quadro com giz, o professor

falando e uma aulinha chata. É muito gratificante você sair da sala de aula e ir

para sua casa e no meio do caminho você encontrar um aluno teu, aluno entre

aspas, né? Mas, você acha uma pessoa que você ajudou, deu uma aula, te

falando... despedindo de você, falando “Tchau. Vai com Deus”. E ver que ele

lembrou de você, lembrou da sua aula (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-

2015).

O PIBID também tem contribuído para que os pibidianos melhorem seu desempenho

como alunos da licenciatura. O pibidiano registrou desta forma em seu diário reflexivo:

Tem sido uma experiência incrível poder participar do PIBID. Com certeza, já

estou colhendo os frutos que esse projeto me deu. Posso notar isso na sala de

aula, onde me tornei mais comunicativo e nas apresentações de trabalho, onde

me tornei mais didático (Pibidiano / Diário reflexivo / 26-11-2014).

Quanto à relação estabelecida com a professora de Matemática que supervisiona o

projeto na escola estadual, o pibidiano a define como alguém que os alunos da

educação básica respeitam e que perante os pibidianos demonstra total confiança

para que executem as atividades:

Ela viu que nós dávamos conta de dar aula sem precisar ela ficar corrigindo.

Ela é muito boa para elogiar. Ela sempre fala: “Vocês foram muito bem.

Parabéns!”. Quando a gente faz uma coisa que ela não gosta, principalmente

aqui na reunião, ela fala: “Não gostei de tal coisa. Tem que melhorar”

(Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Ele ressalta que, apesar dos elogios, a professora supervisora os repreende, quando

necessário, para que identifiquem pontos a serem melhorados. Podemos compreender

esta prática ao interpretarmos Nóvoa (2009, p. 28) que afirma: “O meu ensaio constrói-

se em torno de um argumento muito simples: a necessidade de uma formação de

professores construída dentro da profissão.”

Quando mencionado se o pibidiano se via como professor, ele narrou que antes de

assumir a profissão docente pretende trabalhar com a parte prática para, na sua visão,

conhecer melhor o assunto:

Eu desenvolvi um plano pra minha vida. Eu pretendo, se eu puder, começar na

parte prática mesmo, sabe? Trabalhar em uma empresa porque eu vejo que a

melhor maneira de dar uma aula é você conhecer o assunto. Então eu não

quero chegar, dar uma aula sendo um professor medíocre. Eu quero ter uma

formação antes. Olha: dois dos meus melhores professores trabalharam na

parte prática de desenvolvimento de sistemas informatizados para depois

começar a dar aulas (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-04-2015).

Embora o pibidiano diga que ainda não se sente totalmente preparado para assumir a

docência, apesar das contribuições dadas pelo PIBID, ele se imagina como professor

no futuro e até faz planos de aposentar-se nesta carreira:

Eu quero ser professor um dia, certo? É uma meta na minha vida: ser

professor. Porém, eu não me vejo preparado para sair da faculdade e começar

a dar aulas. Pode ser que se eu tivesse me empenhado mais durante a

faculdade, pra me esforçar para ter uma prática maior, eu poderia sair. Mas, eu

me vejo aposentando como um professor (Pibidiano / Entrevista Narrativa / 16-

04-2015).

Neste sentido, preocupamo-nos com o cenário dos cursos de licenciatura observando

o que diz Nóvoa (2009, p. 44): “Se os programas de formação não compreenderem

esta nova realidade da profissão docente passarão ao lado de um dos principais

desafios deste princípio do século XXI”.

Feitas as principais análises sobre os dados produzidos pelo pibidiano, apresentamos

na próxima seção nossas considerações finais.

Conclusão/Considerações finais

Esta pesquisa evidenciou que as influências familiares e a participação em programas

de iniciação à docência podem contribuir para que os licenciandos queiram assumir a

profissão docente. O uso do diário reflexivo e a realização da entrevista narrativa

permitiram a reflexão sobre estes aspectos na formação inicial de um licenciando em

Computação.

Foi possível constatar que o PIBID Computação, através da relação entre professores

da educação básica e os licenciandos, é uma das ações de iniciação à docência que

incentivam os futuros professores de Computação a descobrirem as potencialidades

de uso de recursos computacionais nos processos de ensino e aprendizagem.

Com a experiência vivenciada nos processos metodológicos de produção e análise

dos dados para esta pesquisa, manifestamos nosso desejo em continuar ouvindo os

licenciandos em Computação do IFSULDEMINAS para aumentar o escopo de nossas

reflexões sobre este curso de licenciatura e identificar as contribuições do PIBID,

enquanto política pública de formação, para que os licenciandos venham a se tornar

professores.

Referências

BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Tradução Zuleide

Alves Cardoso Cavalcante, Denise Maria Gurgel Lavallée; revisão científica Maria da

Conceição Passegi, Márcio Venício Barbosa. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus,

2010.

BOLÍVAR, Antonio. La identidad profesional Del profesorado de secundaria: crisis

y reconstrucción. Málaga: Ediciones Aljibe, 2006.

CLANDININ, D. Jean, CONNELLY, F. Michael. Pesquisa narrativa: experiências e

história na pesquisa qualitativa. Tradução do Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação

de Professores ILEEL/UFU. Uberlândia: EDUFU, 2011.

DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais.

Tradução Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

NÓVOA, António. Universidade e formação docente. Interface (Botucatu),

Botucatu, v.4, n.7, p.129-138, Ago. 2000. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.

php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832000000200013>. Acesso em 04 Jan 2016.

NÓVOA, António. Professores: Imagens do futuro presente. Lisboa: EDUCA, 2009.