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A INFLUÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENSINO DA ARGUMENTAÇÃO:
UMA ANÁLISE CURRICULAR
ZUCATELLI, Claudia1
Eixo Temático: Gestão Educacional e Qualidade em Educação.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é discutir as relações estabelecidas entre as proposições feitas pelos
documentos curriculares oficiais e a qualidade na educação escolar pública. Com foco na
problemática do ensino da escrita de textos argumentativos, foram analisados documentos
federais, estaduais e municipais que servem como reguladores das práticas de ensino adotadas
por professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II. Foram considerados os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, o Currículo do Estado de São
Paulo: Linguagens e Códigos e as Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental do
Município de São Caetano do Sul. Partiu-se da premissa de que o ensino da argumentação
tem sido relegado aos anos finais da Educação Básica e de que a antecipação de um trabalho
sistematizado e validado pelas propostas curriculares pode contribuir para uma formação de
qualidade para os estudantes, no que se refere ao desenvolvimento de suas competências de
produção textual.
Palavras-Chave: Argumentação, Ensino Fundamental, Currículo.
ABSTRACT
The objective of this research is to discuss the relations between the propositions made by the
official curriculum documents and the quality of public school education. Focusing on the
problem of teaching of writing argumentative texts were analyzed federal, state and local
documents that serve as regulators of teaching practices for Portuguese Language teachers of
Middle School. The National Curriculum Parameters of Portuguese Language were
considered, the Curriculum of the State of São Paulo: Languages and Codes and the
Curriculum Guidelines for Elementary Education of São Caetano do Sul. It started from the
premise that the argumentation teaching has been relegated to the final years of Basic
1 UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL. Mestranda. [email protected]
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Education and the anticipation of a systematic work and validated by the curriculum proposals
can contribute to a quality education for students, as regard to development of their text
production skills.
Key-Words: Argumentation, Middle School, Curriculum.
1 INTRODUÇÃO
A reflexão sobre qualidade na educação é uma tarefa complexa e que envolve diversos
atores e elementos. Recentemente, ao invés de centrar-se na aprendizagem, a escola tem
sofrido um transbordamento de demandas advindas de diversos setores da sociedade
(NÓVOA, 2007). Young (2016) aponta para a importância de recuperamos, nas escolas, sua
outra função, que estaria centrada no acesso a um outro tipo de conhecimento, ao qual
denomina ‘conhecimento poderoso’. Além disso, situa a equipe escolar como a responsável
por oferecê-lo às crianças:
Nós [a equipe escolar] somos as pessoas que oferecem conhecimento poderoso e compartilhado para as crianças da nação. Esse conhecimento vem de séculos de aprendizagem e de pesquisas feitas por universidades e associações disciplinares. Ele é poderoso porque permite que as crianças interpretem e controlem o mundo; é compartilhado porque todas as nossas crianças devem ser expostas a ele. É justo e equitativo que seja assim. (YOUNG, 2016, p.35)
Se a equipe escolar, segundo Young (2016), é responsável pelo acesso dos alunos a
um conhecimento que permite, além da atuação, a interpretação e o controle do mundo, o
papel dos professores precisa ser elemento de reflexão, porém, este não pode ser analisado
isoladamente. Shulman (2014) defende que há uma base de conhecimento para o ensino que é
alimentada por diversas fontes. Ele define que há estruturas e materiais educacionais que
geram uma matriz na qual operam os professores.
Os professores necessariamente operam dentro de uma matriz criada por esses elementos, usando-os e sendo usados por eles, portanto é lógico que os princípios, as políticas e os fatos relacionados ao seu funcionamento devem compor uma parte fundamental da base de conhecimento para o ensino. (SHULMAN, 2014, p.208-209)
Dentre as várias condições que podem facilitar ou inibir os esforços para ensinar,
encontra-se o currículo. Como parte dessa matriz para o ensino, encontra lugar de destaque
nos processos norteadores da atuação dos professores, sendo fundamental a reflexão sobre o
papel desse documento no planejamento das aulas e sobre o quanto interfere nas decisões
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tomadas pelos docentes, à medida que regula os conteúdos, estratégias e a avaliação do
ensino.
Em geral, as propostas curriculares indicam para os docentes, por exemplo, que a
argumentação, dentre outros tipos textuais, deve fazer parte da grade de conteúdos com os
quais os alunos precisam entrar em contato ao longo da escolarização. Geralmente, essa
responsabilidade recai, quase exclusivamente, sobre os professores de Língua Portuguesa. É
relevante, portanto, identificar nele em que momentos, ao longo da escolarização, e como são
propostas atividades relacionadas ao ensino da argumentação.
Nas palavras de ABREU (2009), o senso comum liga o conceito de argumentar à ideia
de vencer alguém, forçá-lo a submeter-se à nossa vontade. Porém, argumentar, para o autor,
seria saber integrar-se ao universo do outro para, além de obtermos o que queremos, obtê-lo
de modo cooperativo e construtivo. Se a argumentação detém um lugar tão importante nas
relações interpessoais, que lugar ela deveria ocupar nas escolas? Algumas pesquisas indicam
que tem ocorrido um adiamento do trabalho com o texto argumentativo, o que acaba, muitas
vezes, tornando esse gênero apenas uma ferramenta para acesso às universidades.
[...] o ensino sobre a argumentação é, normalmente, adiado para os anos do Ensino Médio, o que, além de sugerir que ele seja dispensável em fases anteriores, reduz esse tipo textual ao estado de utilidade, como se os conhecimentos sobre o argumentar só fossem necessários no período que antecede o vestibular. (LEMES, 2013, p.55)
No entanto, a argumentação extrapola esse caráter utilitário sinalizado por Lemes
(2013). Quando se pensa o seu ensino, ele não pode estar desvinculado da ideia de que a
educação é uma forma de intervenção no mundo, que vai além do conhecimento dos
conteúdos e implica em um esforço de reprodução ou desmascaramento da ideologia
dominante (FREIRE, 1996). Ou seja, o ensino, inclusive da argumentação, pode se prestar à
continuidade ou ao questionamento dos interesses dominantes.
A reflexão aqui proposta terá como objetivos identificar em que momentos, ao longo
do Ensino Fundamental, tem sido proposto o ensino da argumentação através da análise de
documentos curriculares oficiais das esferas federal2, estadual e municipal, considerando-se,
nestes últimos casos, o Estado de São Paulo e o Município de São Caetano do Sul e analisar
concepções presentes nesses documentos, suas relações com a qualidade do ensino e
metodologias de trabalho com esse tipo de texto.
2 Por se tratar de um documento ainda em construção, a Base Nacional Comum Curricular não foi tomada como documento de referência neste estudo.
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2 DESENVOLVIMENTO
Publicados em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais objetivavam constituir um
referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental em âmbito nacional. No
entanto, não configuraram um modelo homogêneo e impositivo, submetendo-se à política dos
Estados e Municípios, considerando a diversidade sociocultural brasileira e permitindo
também a autonomia de professores e gestores. (BRASIL, 1997).
O conjunto de proposições presentes nesse documento também estava pautado na
consideração da educação como ferramenta decisiva no processo de construção da cidadania,
por meio da igualdade de acesso à totalidade dos bens públicos, dentre eles, o conjunto dos
conhecimentos socialmente relevantes (BRASIL, 1997).
Os objetivos gerais presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental 1, no volume de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997), dão pistas aos professores
de que seriam esperados tanto a interpretação quanto a expressão, por meio da linguagem
oral, da argumentatividade. [...] compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de quem os produz; [...] valer-se da linguagem para melhorar a qualidade de suas relações pessoais, sendo capazes de expressar seus sentimentos, experiências, idéias e opiniões, bem como de acolher, interpretar e considerar os dos outros, contrapondo-os quando necessário [...] (BRASIL, 1997, p.33)
Quanto às metodologias, o trabalho com a escrita, de forma geral, podendo-se aí,
incluir a escrita argumentativa, é atrelado ao desenvolvimento de boas práticas de leitura,
nesse mesmo volume dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Apesar de tratadas de formas
distintas, entende-se que a leitura e a escrita são práticas complementares, a escrita transforma
a fala e a fala influencia a escrita. A leitura também é vista como matéria-prima para a escrita
e como uma fonte de modelos – o quê e como escrever, respectivamente (BRASIL, 1997).
Apesar de a argumentação aparecer nos objetivos gerais dos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Fundamental 1 (BRASIL, 1997) – quando se pretende, por exemplo, que
o aluno infira as intenções de quem produz os textos que circulam socialmente ou que
expresse, dentre outras coisas, suas ideias e opiniões –, ao tratar dos critérios de avaliação das
produções escritas, deve-se observar a capacidade do aluno, segundo BRASIL (1997, p.76) de
“[...] narrar histórias conhecidas e relatos de acontecimentos, mantendo o encadeamento dos
fatos e sua sequência lógica, de maneira autônoma”. Quanto aos gêneros textuais sugeridos,
no Ensino Fundamental 1, também se verifica o predomínio da narração.
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No volume que trata dos parâmetros para o ensino da Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental 2 (BRASIL, 1998), a argumentação pode ser identificada em mais de um dos
objetivos gerais. No entanto, ela ainda aparece vinculada às habilidades de compreensão
leitora, não sendo evidenciados propósitos para sua escrita. [...] analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos: contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes opiniões; inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto; identificando referências intertextuais presentes no texto; percebendo os processos de convencimento utilizados para atuar sobre o interlocutor/leitor; identificando e repensando juízos de valor tanto socioideológicos (preconceituosos ou não) quanto historicoculturais (inclusive estéticos) associados à linguagem e à língua; reafirmando sua identidade pessoal e social [...] (BRASIL, 1998, p.33)
Em relação ao volume anterior, referente ao Ensino Fundamental 1, os gêneros
textuais propostos para o próximo segmento da escolarização indicam um caminho em
direção à argumentação escrita, por meio de debates (produção oral), artigos e carta do leitor
(produção escrita). É possível identificar, ainda, a forte presença da narração, especialmente
nos quadros relacionados às práticas de escrita: textos dramáticos, notícia, crônica, conto,
relatórios de experiência. Editoriais e propagandas publicitárias também aparecem no
documento, porém, relacionados às práticas de leitura (BRASIL, 1998).
Quanto às metodologias de ensino da argumentação, não há nada específico no
documento. Em sua grande parte, se referem aos processos de construção de quaisquer
gêneros textuais, pois indicam aos professores a necessidade de considerar o leitor e as
características de cada gênero, bem como o desenvolvimento de atividades de revisão textual
(BRASIL, 1998).
Nos critérios de avaliação, no entanto, ficam mais evidentes os propósitos ligados à
interpretação de textos argumentativos, pois se espera um posicionamento crítico, por parte
dos alunos, diante dos textos lidos e a identificação e confronto de pontos de vista. Na escrita,
não há critérios específicos ligados à argumentação, mas a expectativa genérica de que o
aluno redija textos nas modalidades previstas para o ciclo (BRASIL, 1998).
O Currículo do Estado de São Paulo, em seu volume de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias, propõe princípios orientadores para a prática educativa que consideram as
‘pressões’ que o mundo contemporâneo exercem sobre os jovens cidadãos, visando à
promoção de competências indispensáveis ao seu enfrentamento (SÃO PAULO, 2012).
Ainda em suas páginas iniciais, o documento evidencia novamente a promoção de
competências e o compromisso com a formação de crianças e jovens que se tornem adultos
preparados para exercerem suas responsabilidades, atuando em uma sociedade que dependerá
deles (SÃO PAULO, 2012).
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Esses trechos evidenciam a ideia de que aprender significa “aprender conhecimentos
úteis”, centrando a aprendizagem num conjunto de habilidades que, muitas vezes, são postas a
partir das necessidades externas, muitas vezes, do mercado. Para Libâneo (2016), existe, nesse
tipo de discurso, uma intencionalidade moral e econômica, voltada ao aumento da capacidade
produtiva dos indivíduos, que subordina a educação ao mercado de trabalho. Esse tipo de
concepção, em que os conteúdos se traduzem em ferramentas, por exemplo, para aprovação
no vestibular (LEMES, 2013), reconfigura o papel da escola, que deixa de ser um local de
acesso aos conteúdos científicos e ao desenvolvimento da capacidade de pensar.
Porém, mais do que oferecer somente o necessário, que se traduziria em uma gama de
conhecimentos úteis para sobreviver, adentrar o mercado de trabalho, a qualidade educacional
deve estar ligada ao acesso a um outro tipo de conhecimento, que extrapola o
desenvolvimento de habilidades e também possibilita a atuação para modificação da realidade
dos alunos (LIBÂNEO, 2016). [...] o conhecimento teórico-científico e os procedimentos mentais (conceitos) abrem a possibilidade real de que os alunos, ao retornarem à prática social cotidiana e local, os utilizem para atuar na modificação das suas condições de vida e das suas relações. Em resumo, escola de qualidade é a que, antes de tudo, por meio dos conteúdos, propicia as condições do desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos, considerando suas características individuais, sociais e culturais e as práticas socioculturais de que vivenciam e participam. (LIBÂNEO, 2016, p.60)
Quanto à organização curricular de Língua Portuguesa, o documento trabalha com os
conceitos de tipos e de gêneros textuais. Os primeiros seriam narrar, relatar, prescrever, expor
e argumentar e os gêneros, em cada ano do Ensino Fundamental 2, relacionam-se a cada um
desses tipos textuais, respectivamente. As tipologias também estão distribuídas nessa mesma
ordem, ou seja, a 5ª série/6º ano estuda textos narrativos, a 6ª série/7º ano, relatos, a 7ª série/8º
ano, textos prescritivos e à 8ª série/9º ano compete o estudo da exposição e da argumentação
(SÃO PAULO, 2012).
Propõe-se também a divisão desse estudo por meio de situações de aprendizagem: Desse modo, para o estudo da tipologia argumentativa, no 1o bimestre da 8a série/9o ano, são apresentadas cinco Situações de Aprendizagem; para o 2o bimestre, com o objetivo de estudar gêneros como o texto de opinião, são apresentadas mais cinco; e assim sucessivamente. Cada uma das Situações pode ser compreendida como uma proposta de sequência didática, com outras sugestões de encaminhamento no Caderno do Professor. (SÃO PAULO, 2012, p.39)
Portanto, tal qual se observou nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998), porém de forma mais específica, o ensino da argumentação se encontra no final do
Ensino Fundamental. Os gêneros indicados para esse trabalho são artigos de opinião e cartas
do leitor (SÃO PAULO, 2012).
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A avaliação é proposta por meio da verificação das habilidades pretendidas para
alunos da 8ª série/9º ano, que seriam: ler, interpretar e inferir os traços característicos dos
textos argumentativos; construir quadros-síntese a partir da análise desses textos; debater
oralmente sobre temas variados, com seleção de argumentos coerentes para a defesa de um
ponto de vista; identificar tipos de argumentos em textos de opinião; produzir resenhas;
analisar temas diversos, selecionando argumentos que justifiquem pontos de vista
divergentes; construir parágrafos argumentativos; resumir textos opinativos (SÃO PAULO,
2012).
Deste modo, é possível observar que, se por um lado, houve um deslocamento do
trabalho com a argumentação para o fim da escolarização fundamental, por outro, ao
professor são dados pelo Currículo do Estado de São Paulo maiores direcionamentos para a
execução do trabalho com o texto argumentativo, inclusive através de um outro documento, o
Caderno do Professor (SÃO PAULO, 2012).
Por sua vez, as Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental do município de
São Caetano do Sul, em suas palavras iniciais apontam para o desejo de equidade de
aprendizagem: Refletir sobre essas questões de permanência, inclusão e sucesso, pressupõe, entre outras coisas, a elaboração de um currículo único, um percurso a ser seguido por nossas crianças e jovens, como um dispositivo para: garantir a equidade de aprendizagem, não importando a raça, o credo, a cor ou a opção política [...] (SÃO CAETANO DO SUL, 2013, p.9)
Assim como se observou nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997),
novamente se tem falado a respeito de ‘equidade’. Essa palavra figura em diversos textos e
contextos ligados às discussões educacionais. Porém, Libâneo (2016) sinaliza que, apesar
dessa e de outras palavras de cunho ‘edificante’, muitas vezes, os papéis da escola e do ensino
referentes aos conteúdos científicos e ao desenvolvimento da capacidade de pensar estão
ausentes. Em seu lugar, encontram-se expectativas de aprendizagem de conteúdos mínimos,
apenas o necessário para uma empregabilidade, muitas vezes, precária ou somente o ‘aprender
para fazer’.
A proposta curricular do município de São Caetano do Sul sinaliza que a linguagem
visa à expressão de sentimentos, manifestação de desejos e opiniões, além da troca de
informações entre diferentes culturas (SÃO CAETANO DO SUL, 2013) e coloca o ensino da
argumentação, em destaque, nos anos finais do Ensino Fundamental II, nos 8os e 9os anos,
por meio da expressão “Gêneros discursivos, oralidade e escrita com ênfase na tipologia
argumentativa” (SÃO CAETANO DO SUL, 2013, p.192). Ou seja, nas tabelas que definem
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os conteúdos a serem trabalhados nos 8os e 9os anos, encontram-se, privilegiados, gêneros
textuais voltados ao ensino da argumentação. Por sua vez, nos anos iniciais, é privilegiada a
tipologia narrativa.
Além da diversidade de gêneros – propaganda institucional, carta do leitor, carta de
reclamação, abaixo-assinado, debate, resenha, artigo de opinião, editorial –, alguns elementos
linguísticos indispensáveis a um trabalho reflexivo com esses textos, são postos em evidência,
tais como a análise de elementos de persuasão (SÃO CAETANO DO SUL, 2013).
Quando se trata, porém, da reflexão metodológica, o documento se ausenta, uma vez
que, ao organizar as grades curriculares, somente oferece os tópicos ‘Conteúdos
estruturantes’, ‘Conteúdos básicos’ e ‘Habilidades’ (SÃO CAETANO DO SUL, 2013),
cabendo, então, ao professor, planejar estratégias que promovam o pleno desenvolvimento da
argumentatividade.
Os critérios de avaliação, no caso desse documento, são revelados pelas habilidades
esperadas ao fim do 8º e 9º anos, sendo algumas delas semelhantes às presentes no documento
estadual: identificar e analisar níveis de persuasão em textos publicitários; reconhecer o
conceito de intencionalidade; ler e interpretar textos argumentativos, inferindo seus traços
característicos; reconhecer e usar elementos persuasivos; distinguir fato de opinião relativa ao
fato; expor objetivamente argumentos; analisar as intenções do autor; posicionar-se
argumentativamente; dentre outros (SÃO CAETANO DO SUL, 2013).
A elaboração de um documento de orientações curriculares, próprias de um município,
evidencia a necessidade, anteriormente indicada por Young (2016), de que todas as crianças
devem ser ‘expostas’ ao mesmo conhecimento. A rede municipal de São Caetano do Sul, a
partir da elaboração desse documento, em 2013, inicia um movimento em busca de uma grade
curricular comum para todas as unidades escolares. Nóvoa (2007) também indica, dentre
outros, o ‘patamar comum de conhecimentos’ como um elemento constituinte de uma escola
centrada na aprendizagem.
Quando se trata de métodos, os três documentos analisados, especialmente os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), deixam evidente que não se pode
trabalhar a escrita argumentativa desvinculada da leitura e da análise de textos em que essa
tipologia circula socialmente. O documento federal discorre em diversos trechos sobre as
relações entre a leitura e o desenvolvimento de boas práticas de escrita. Pensar o trabalho voltado para o desenvolvimento da argumentação na escola implica necessariamente levar em conta o modo como a leitura vem sendo trabalhada em sala de aula, pois para que o aluno escreva de maneira argumentativa, é preciso que, antes, ele seja exposto a uma diversidade de textos acordes e
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discordes sobre os temas e que possa realizar uma leitura crítica desses textos, de modo a construir seus pontos de vista. (LEMES, 2013, p. 106)
Assim como Lemes (2013) destaca o trabalho com leitura como fundamental para o
desenvolvimento da argumentatividade, Koch (2002) também aponta para o fato de que a
competência de leitura é parte da competência textual do ser humano. A autora sinaliza a
importância de alertar o aluno para a existência de significações explícitas e implícitas, estas
geralmente bastante sutis, nos textos.
É preciso sempre considerar, nas atividades de interpretação de texto, que o autor tem
determinadas intenções. Compreender um texto adequadamente exige captar essas intenções,
não havendo, no entanto, apenas uma interpretação única e verdadeira (KOCH, 2002).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisarmos os documentos curriculares em questão, é possível notar a presença de
concepções voltadas à promoção da aprendizagem por meio da elaboração de um patamar
comum de conhecimentos (NÓVOA, 2014). Acreditar que, em âmbito nacional, estadual ou
municipal, as diversas escolas precisam estar centradas em propósitos comuns, também
dialoga com a ideia de equidade de aprendizagem.
O ensino da argumentação, presente nas grades de Língua Portuguesa ao final do
Ensino Fundamental II, poderia figurar em anos anteriores, mas já parece uma interessante
iniciativa promovê-lo, quando se poderia optar pelo seu adiamento para o Ensino Médio,
tornando-o apenas uma ferramenta para acesso ao Ensino Superior (LEMES, 2013).
Considerar o ensino da argumentação em etapas anteriores ao pré-vestibular é oferecer ao
aluno a possibilidade de se apropriar do conhecimento, desvinculando-o de seu caráter
utilitário e aproximando-o de sua real função de interpretação e modificação da realidade.
Quanto aos métodos, é possível olhar para as propostas a partir de duas perspectivas.
Se, por um lado, a diversidade de gêneros propostos fornece subsídios para o planejamento de
boas aulas voltadas ao ensino da argumentação, considerando que essa competência está
ligada, intimamente, à formação leitora, por outro, há lacunas, especialmente no documento
municipal, quanto às estratégias para execução desse trabalho, ou seja, às unidades de ensino
é fornecida autonomia para organizar estratégias para esse ensino. Desse modo, cabe ao
professor o cuidado permanente quanto à diversidade de visões oferecidas aos alunos, através
dos textos e das aulas, procurando, por exemplo, não restringir o trabalho com a
argumentação a uma única fonte de informações.
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Embora, as pesquisas sobre o ensino da argumentação nas escolas extrapolem a
análise das propostas curriculares, verificar que alguns desses documentos reguladores e
norteadores das práticas docentes apresentam esse conteúdo em etapas anteriores ao Ensino
Médio pode ser considerado interessante argumento para que as unidades escolares se
empenhem na promoção desse trabalho.
4 REFERÊNCIAS
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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2002.
LEMES, N. Argumentação, livro didático e discurso jornalístico: vozes que se cruzam na disputa pelo dizer e silenciar. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2013.
LIBÂNEO, J. C. Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da escola e do conhecimento escolar. Cadernos de Pesquisa, v. 46, n. 159, p. 38-62, 2016.
NÓVOA, A. Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo. São Paulo: Sindicato dos professores de São Paulo, 2007.
SÃO CAETANO DO SUL. Secretaria de Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental. São Caetano do Sul: Editora CECAPE, 2013.
SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria da Educação. São Paulo: SE, 2012.
SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Cadernos Cenpec, v. 4, n. 2, p. 196-229. São Paulo, 2014.
YOUNG, M. F. D. Por que o conhecimento é importante para as escolas do século XXI? Cadernos de Pesquisa, v. 46, n. 159, p. 18-37, 2016.