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A influência da fala na escrita: ferramenta pedagógica para a (re)escrita
Tereza Frizzanco Mayer1
Aline Cacilda Koteski Emilio2
Resumo:
O presente artigo é resultado do projeto Marcas da oralidade na arquitetura do texto
escrito, implementado em duas turmas de primeiro ano do Ensino Médio, do Colégio
Estadual Regente Feijó, o qual ampliou a reflexão dos alunos quanto à influência da
fala em seus textos escritos. Com o apoio de diversas edições da revista Veja,
abrangeu os três eixos da Língua Portuguesa, leitura, oralidade e escrita. As
atividades, com abordagem direta à leitura dos assuntos das Páginas Amarelas,
propiciaram análise compartilhada de diferentes entrevistas, sendo que os temas
para os textos foram votados pelos alunos, após argumentação oral dos mesmos. O
foco central do projeto foi a elaboração individual do texto de opinião dissertativo-
argumentativo, para a pesquisa e apresentação dos resultados. O reconhecimento e
a conscientização, através da análise linguística, das marcas da oralidade no texto
escrito propiciaram transformações na reescrita, em língua padrão. Houve evolução
da linguagem oral e escrita dos alunos, como um dos muitos aspectos relevantes de
seu desenvolvimento como observadores e críticos, participantes de uma sociedade
cada vez mais exigente.
Palavras-chave: Leitura, oralidade, (re)escrita.
1 Professora QPM, de Língua Portuguesa e Literatura, da Rede Estadual de Ensino, com graduação em Letras
Português/Inglês/Espanhol, Especialista em Literatura, cursando o PDE turma 2012.
E-mail [email protected] e [email protected]. 2 Professora Doutora em Teoria e Análise Linguística, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),
Coordenadora Pedagógica da Comissão Permanente de Seleção – CPS/UEPG, Orientadora do PDE.
E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Uma das principais dificuldades dos alunos de primeiro ano do Ensino Médio
tem sido a influência da fala na escrita. As palavras de Marcuschi (2005: 33), ao
registrar sobre o papel da escrita e da fala nos processos educacionais e da relação
entre padrão e não-padrão linguísticos, na perspectiva interacionista, aproxima-se
da ideia, vejamos:
[...] cabem análises de grande relevância que se dedicam a perceber as diversidades das formas textuais produzidas em co-autoria (conversações) e formas textuais em monoautoria (monólogos), que até certo ponto determinam as preferências básicas numa das perspectivas da relação fala e escrita. Além disso, tem-se aqui, a possibilidade de tratar os fenômenos de compreensão na interação face a face e na interação entre leitor e texto escrito, de maneira a detectar especificidades na própria atividade de construção dos sentidos. Como se observa, esta perspectiva orienta-se
numa linha discursiva e interpretativa.
Por esta razão, o objetivo do projeto foi uma escrita mais competente dos
alunos, com reflexões durante a análise linguística das marcas da oralidade
presentes em quatorze textos, sendo sete de cada uma das duas turmas. Esses
textos foram utilizados como ferramenta para atividades de compreensão dessas
marcas. Nesse sentido, houve a valorização da reescrita dos alunos e a importância
do expressar-se oralmente, antes da escrita, adequando-se aos contextos de sua
concretização.
A análise conjunta, em duplas e individual, dos textos selecionados, foi fato
determinante para tornar os alunos conscientes da necessidade do uso da norma
padrão, ao elaborar textos de opinião dissertativo-argumentativos. O estudo da
norma padrão passou a ser uma necessidade para os alunos que faziam uso
constante da fala em seus textos escritos; porém, muitas vezes, os mesmos
questionaram-nos sobre o porquê da necessidade de aprender a falar e escrever
uma outra variedade, conforme as situações que se lhes apresentaram, e pudemos
mostrar-lhes essa importância, com as palavras de Bortoni-Ricardo (2005: 21):
[...] a sociedade moderna é caracterizada por maior permeabilidade de papéis sociais e, consequentemente, menor heterogeneidade no repertório verbal. A mudança constante de papéis sociais permite maior fluidez entre variedades linguísticas de natureza social e estilística. Como requisito para a mobilidade social, garante-se um amplo acesso à norma supra regional, de maior prestígio.
Justifica-se, assim, nosso trabalho que, além de ter, como foco central, as
marcas da oralidade, contemplou os três eixos da Língua Portuguesa: leitura,
oralidade e escrita, relacionando-os à produção textual e culminando com a reescrita
do texto de opinião dissertativo-argumentativo. Para as leituras dos alunos, usamos
a entrevista, que é um gênero amplamente divulgado no cotidiano social, de acordo
com o Projeto Político Pedagógico, com a Proposta Pedagógica Curricular, com o
Plano de Trabalho Docente, ou seja, em conformidade com as características da
escola pública do Paraná.
O nível de complexidade foi adequado à série proposta, para que os alunos
conseguissem compreender o seu discurso oral e escrito, como prática social. As
Diretrizes Curriculares Nacionais ofereceram suporte fundamental para esta ação:
[...] é tarefa de toda escola possibilitar que os alunos participem de diferentes práticas sociais nas quais utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação social. Se a escola desconsiderar esse papel, o sujeito ficará à margem dos novos letramentos, não conseguindo se constituir no âmbito de uma sociedade letrada. (BRASIL, 1998a, p. 48)
Para que obtivéssemos resultados positivos na implementação, tivemos
respaldo teórico em diversos autores, como se pode verificar no item seguinte.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O estudo da língua fica mais significativo quando está inserido no cotidiano
dos alunos e em suas expectativas de ampliação do conhecimento para pretensões
futuras. Assim, nosso projeto valorizou a leitura dos alunos, para a ampliação de sua
competência de compreensão e interpretação para dela emitirem juízo de valor na
expressão oral, que é uma necessidade humana básica.
A leitura, com senso crítico adequado, fez com que os alunos percebessem
que a organização das ideias, em sua fala, tem papel importante na escrita.
E, sobre a oralidade, escrita e fala, na concepção interacionista, funcional e
discursiva da língua, Emilio (2009:77) mostra-nos que:
[...] na dimensão interacional de linguagem, deve-se chamar a atenção para o fato de como se concebe a oralidade
3. A oralidade, assim como a
escrita, serve à interação verbal, sob a forma de diferentes gêneros textuais, na diversidade dialetal e de registro que qualquer uso da linguagem implica. Não tem sentido a ideia da fala como lugar de espontaneidade, do relaxamento, da falta de planejamento e do descuido em relação às normas de planejamento e até o descuido em relação às normas da língua padrão. A fala pode variar, pode estar mais planejada ou menos planejada, pode estar mais ou menos cuidada em relação à norma padrão, pode ser mais ou menos formal, conforme for o contexto de uso.
O gênero entrevista, como ato de comunicação, foi escolhido para as leituras
e temas por mostrar características diferentes de texto; seja entre o entrevistador e o
entrevistado, seja para obter informações ou opiniões e, contrariamente a uma
conversa, pode ser formal e planejada. São textos veiculados pela mídia, como a
revista usada neste trabalho, pressupondo o interesse dos alunos pelo entrevistador,
o qual foi o mediador do tema entre entrevistado e leitores.
Esta direção foi associada à deficiência apresentada pelo iniciante do Ensino
Médio, quanto às leituras de fatos atuais e das problemáticas que enfrenta, sem o
uso de livros didáticos. Assim, leu e conheceu uma diversidade de temas, para que
seu texto argumentativo tivesse opiniões conscientes, complementando os saberes
anteriores, como verificamos nas palavras de Liberato e Fulgêncio (2010: 51):
[...] a avaliação adequada do conhecimento prévio do leitor é, acreditamos, a maior garantia da legibilidade de um texto. Sua importância não se deve apenas à função desse conhecimento prévio no estabelecimento de pontes de sentido, mas no processo de leitura como um todo. Mesmo diante de um texto mal estruturado, o leitor pode superar todas as dificuldades se tem adequado conhecimento prévio, principalmente quanto ao assunto do texto. Acreditamos ser indiscutível que a atuação do conhecimento prévio na leitura é o fator mais importante para a legibilidade de um texto.
A conversa prévia sobre o tema das entrevistas escolhidas foi importante
para a escrita e, nesse momento, foi necessário, por parte da professora, a
fundamentação sobre os temas escolhidos pelos alunos. Os textos para análise
fizeram parte de um elenco previamente selecionado e, para que a reflexão dos
alunos ficasse menos complexa, nos momentos de reescrita foram conduzidos à
compreensão de suas inadequações. Houve a reflexão de que, em textos escritos,
as marcas da fala podem não contribuir positivamente, dependendo de sua função
3 As palavras oralidade, escrita e fala estão em negrito, por opção nossa, para mostrar que nosso trabalho tem,
como uma de suas especificidades, mostrar características das marcas da fala nos textos dos alunos e, para isso,
tivemos respaldo teórico em diversos autores e, nesse momento, em Emílio (2009).
e, sobre as características da oralidade e da fala, buscamos respaldo, também, nas
palavras de Marcuschi (2005: 26):
[...] A oralidade4 seria uma prática social interativa para fins comunicativos
que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora: ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso. [...] A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral (situa-se no plano da oralidade portanto), sem a necessidade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano.
Para que o processo ensino/aprendizagem tivesse resultados satisfatórios,
durante a reescrita foi necessário obter um clima de cooperação e interação entre
professora/alunos, abrindo um leque de informações para que os alunos
desenvolvessem autonomia, superando suas dificuldades.
Puderam, então, colocar sua visão de mundo com pontos de vista
adequados às situações apresentadas, a partir de seus conhecimentos prévios.
Assim, a análise linguística das marcas da oralidade, nesse projeto, não foi efetivada
como um estudo gramatical simples, mas como um elemento a mais para auxiliar os
alunos, como nos mostra Bortoni-Ricardo (2004: 71), no fragmento:
[...] a competência consiste no conhecimento que o falante tem de um conjunto de regras que lhe permite produzir e compreender um número infinito de sentenças, reconhecendo aquelas que são bem formadas, de acordo com o sistema de regras da língua. Cabe aqui uma observação quanto à expressão “bem formadas”. Todas as sentenças produzidas pelos falantes de uma língua são bem formadas, independentemente de serem próprias da chamada língua-padrão ou de outras variedades.
Os alunos aproveitaram, com competência, os momentos das leituras, do
exercício de oralidade, bem como a de seus colegas, reconsiderando seus pontos
de vista, caso não estivessem de acordo com as situações apresentadas, para o
desenvolvimento de seu pensamento crítico.
Para dar maior veracidade às ideias apresentadas, Emilio (2009: 76),
mostra-nos, com eloquência, a importância do respeito da variedade linguística:
[...] Acreditamos que uma concepção interacionista de linguagem, funcional e contextualizada, pode fundamentar um ensino da língua que seja, individual e socialmente, produtivo. Além disso, relevante no que diz
4Negrito nosso.
respeito ao trato da oralidade, pois valorizar a individualidade é respeitar a variedade linguística mesmo quando afastada dos ditames da gramática e do dicionário.
Porém, foram muitas as marcas da coloquialidade nos textos escritos dos
alunos e precisamos repensar esses “erros”5 que podem indicar mecanismos
gramaticais diferentes dos da norma culta, mas refletem as características de cada
aluno e de sua interação no meio em que vivem. Os alunos, durante a reescrita dos
textos, estiveram conscientes de que a língua possui diversidades linguísticas, mas
que o uso da língua padrão é pré-requisito para o alcance da cidadania plena e,
nesse sentido, retomamos as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008:
54), que afirmam:
[...] O estudo dos conhecimentos linguísticos, sob esse enfoque, deve propiciar ao aluno a reflexão sobre as normas de uso das unidades da língua, de como elas são combinadas para produzirem determinados efeitos de sentido, profundamente vinculados a contextos e adequados às finalidades pretendidas no ato da linguagem.
Sabemos que é tarefa do professor a função de ensinar aos alunos como
analisar sua produção oral e escrita e, a partir dessa mediação, sanar suas
dificuldades em relação às marcas da oralidade,para que adaptem seu texto à forma
adequada a sua função, como aponta Marcuschi (2001: 16):
[...] Uma vez adotada a posição de que lidamos com práticas de letramento e oralidade, será fundamental considerar que as línguas se fundam em usos e não o contrário. Assim não serão primeiramente as regras da língua nem a morfologia os merecedores da nossa atenção, mas os usos da língua, pois o que determina toda a variação lingüística em todas as suas manifestações são os usos que fazemos dela.
A observação da língua em uso e suas variedades nos processos
linguísticos ampliaram o repertório lexical dos alunos, de modo a permitir o emprego
adequado da linguagem na finalidade e intenção do texto a ser escrito, no
reconhecimento das relações intertextuais estabelecidas por determinados temas.
Observamos a natureza das inadequações em diferentes níveis de registros da
linguagem, processos de interação e propostas de análises que surgiram, em face
5 A palavra erros encontra-se entre aspas, porque preferimos tratá-los como inadequações, considerando as
leituras realizadas para este trabalho.
às exigências de novas realidades e frente a problemas sociais, os quais impõem
processos contínuos de reflexão quanto ao que é necessário ser ensinado.
Para tanto, Geraldi (1997: 165), aponta-nos algumas estratégias para a
aproximação do texto o mais possível do gênero solicitado, no fragmento abaixo:
[...] Centrar o ensino na produção de textos é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos dos quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala.
Quanto à oralidade e à escrita do aluno, são tarefas que o professor tem
grande preocupação porque ler e escrever podem ser considerados dois atos
inseparáveis, já que a prática da leitura oferece condições ao aluno de refletir sobre
as ideias e formular opiniões acerca do assunto a ser desenvolvido, tanto na
oralidade quanto na escrita. As reflexões sobre as intencionalidades para as quais o
texto será escrito, a estrutura e a linguagem apropriada a esse tipo de texto também
são fundamentais para que o processo da escrita seja bem sucedido, sendo que,
neste projeto, assumem papel fundamental.
A importância de saber entender o que o aluno tem a dizer é foco de muitos
autores, como Bezerra, Queiroz e Tabosa (2004: 312), quando falam que “Interessa,
portanto, ao professor, observar a correspondência do aluno com a proposta
solicitada, o que o aluno tem a dizer e ainda de que estratégias ele se utiliza para
dizer, atentando-se, sobretudo, para a inter-relação forma, conteúdo e contexto.”
Nesse sentido, foi adequado à finalidade, conscientizar os alunos para mais
reflexões com senso crítico apurado e com maior competência no uso da língua oral
e escrita.
Sobre a avaliação do trabalho dos alunos e de sua oralidade, foi necessário
estabelecer critérios preestabelecidos que nortearam os ajustes normativos com as
turmas, antes do início das atividades de reescrita, com o objetivo de reduzir a
subjetividade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais nos ofereceram pontuais esclarecimentos
sobre avaliação:
Nestas Diretrizes Curriculares para a Educação Básica, propõe-se formar sujeitos que construam sentidos para o mundo, que compreendam
criticamente o contexto social e histórico de que são frutos e que, pelo acesso ao conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã e transformadora na sociedade. A avaliação, nesta perspectiva, visa contribuir para a compreensão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com vistas às mudanças necessárias para que essa aprendizagem se concretize e a escola se faça mais próxima da comunidade, da sociedade como um todo, no atual contexto histórico e no espaço onde os alunos estão inseridos. (BRASIL, 1998a, p. 31)
Esse trabalho, portanto, pode fornecer aos alunos um instrumento sobre sua
reflexão, enriquecendo seu repertório de informações e fazendo-os perceber
questões fundamentais sobre a língua. Quanto ao professor, concede-lhe
parâmetros para que perceba o desenvolvimento da escrita dos alunos, através da
reescrita, diminuindo o uso das marcas da oralidade, adequando seu texto à norma
padrão e ampliando seu conhecimento crítico da realidade.
Passemos, então, a uma descrição da metodologia utilizada, no item
seguinte.
2. METODOLOGIA DE APLICAÇÃO
Com a intenção de atingir o objetivo de conscientização sobre a influência da
fala na escrita, os alunos iniciaram com a leitura de entrevistas, compreensiva,
global e crítica, localizando informações explícitas e implícitas nos textos
apresentados. Puderam perceber o ambiente no qual circula o gênero entrevista,
identificaram as ideias principais do entrevistado e analisaram as intenções do
entrevistador.
Durante as atividades, foram observando os diferentes estilos
entrevistado/entrevistador, sentidos de expressões e determinando causas e
consequências sobre o tema, dentro de seu contexto histórico. Notaram as
referências de intertextualidade, elementos composicionais do gênero e vozes
sociais presentes no texto lido.
Quanto ao exercício oral, houve o planejamento da delimitação do tema,
intenções, estímulo ao uso adequado do vocabulário e conectivos entre as
sequências da fala e, para essas atividades, buscamos respaldo nas palavras de
Cagliari (1994: 48), quando diz que “[...] a escola tem que fazer do ensino de
português uma forma de o aluno compreender melhor a sociedade em que vivemos,
o que se espera de cada um linguisticamente e o que podemos fazer usando essa
ou aquela variedade do português.”
A análise dos textos escritos pelos alunos levou-nos à preocupação de
verificarmos se a produção estava coesa e coerente, se houve leitura adequada e
fidelidade à proposta solicitada.
Para a reescrita dos textos, os alunos precisaram refletir sobre os elementos
discursivos, textuais, estruturais e normativos e, para atingir esses objetivos, foi
importante observar as orientações contidas nas Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Estado do Paraná (2009: 99), sobre como trabalhar a produção
textual e sua reescrita:
[...] Encaminhe a reescrita textual: revisão dos argumentos, das ideias, dos elementos que compõem o gênero (por exemplo: se for um artigo de opinião, observar se há uma questão problema, se apresenta defesa de argumentos, se a linguagem está apropriada, se há continuidade temática, etc.); [...] Conduza, na reescrita, a uma reflexão dos elementos discursivos,
textuais, estruturais e normativos.
As atividades foram desenvolvidas em duas turmas de 1º ano, do período
noturno, do Colégio Estadual Regente Feijó, em Ponta Grossa, PR. Nossa
abordagem partiu da necessidade de que os alunos iniciantes do Ensino Médio
analisassem sete textos, sem nominá-los, em cada turma Os alunos, nesses
momentos, foram entendendo algumas regras básicas da língua portuguesa. Em
cada turma, três textos foram reescritos coletivamente e com o apoio da professora,
no quadro-negro, com adequação ao uso da norma padrão. Os alunos trabalharam
mais dois textos em duplas e, dois, individualmente, para que compreendessem
melhor os processos discursivos e características de influência da fala.
Para uma melhor compreensão da metodologia aplicada, descreveremos,de
modo sintético e didático, as atividadesque se desenvolveram, em cinco momentos:
1º momento: Ampliamos os conhecimentos teóricos sobre leitura, gênero e
escrita e entregamos, a cada aluno, uma edição diferente da revista Veja.
2º momento: Escolhemos, para as leituras iniciais e motivadoras, o gênero
entrevista e procuramos esclarecer os alunos sobre as características desse gênero,
destacamos a importância de manusear uma revista como a Veja, de grande tiragem
nacional, com textos de diversos gêneros. Inicialmente, houve, por parte dos alunos,
leitura silenciosa e compreensiva da entrevista. Os alunos puderam anotar dados
importantes e procurar no dicionário o significado de palavras desconhecidas.
3º momento: Foram realizadas as exposições e argumentações orais, pelos
alunos, sobre as reflexões a respeito da entrevista lida e, também, ouviram a
compreensão e posição dos colegas, orientados a interferir no momento adequado.
Anotaram os temas e outras observações, que acreditaram importantes, sobre as
exposições.
4º momento: Em cada turma, foram escolhidos, por meio de votos, os temas
para a concretização do projeto. Houve conversas informais,discussões e debates
sobre os mesmos e sobre a elaboração de um texto de opinião dissertativo-
argumentativo, entre 14 a 20 linhas, com título, sobre o tema.
A escrita do texto solicitado partiu dos temas mais votados pelos alunos: em
uma das turmas, o tema com mais votos foi o da entrevista "A mãe perfeita é um
mito" (Veja, 20 de julho, 2011), na qual a filósofa francesa Elisabeth Badinter foi
entrevistada pela jornalista Monica Weinberg. Essa filósofa é uma das mais
respeitadas estudiosas sobre maternidade e diz que a pressão das feministas tem
levado as mulheres a deixar a sua vida em segundo plano.
Na outra turma, a entrevista mais votada foi "Maus PMs são uma praga",
(Veja, 15 de setembro, 2010), na qual o comandante da Polícia Militar do Rio,
Coronel Mário Sérgio Duarte, defende linha dura contra desvios de conduta na tropa
- passo decisivo para combater os traficantes armados com fuzis de guerra, e diz,
no texto que inicia a reportagem "... é preciso atrair os bons policiais e banir de vez
aqueles que praticam os mais variados crimes de posse da farda".
Sobre a escolha dos temas, entendemos que foram de acordo com a
vivência de mundo dos alunos; os quais, naquele momento de suas vidas, por
alguma razão, pudessem ter problemas particulares com sua família, ou porque
gostaram da entrevista, por identificarem-se com os pensamentos da entrevistada.
Na outra turma, percebemos que os alunos já conheciam notícias sobre ações,
dificuldades e limitações que envolvem o trabalho dos policiais militares.
Portanto, para a produção do texto de opinião dissertativo-argumentativo, as
propostas foram as seguintes:
Turma A:
Elabore um texto de opinião dissertativo-argumentativo sobre a importância da mãe, explorando apenas um dos seguintes aspectos: optar pela criação dos filhos, optar por não ser mãe ou dividir-se entre o lar e a profissão.
Turma B:
Elabore um texto de opinião dissertativo-argumentativo sobre o papel da PM na sociedade, enfocando aspectos como: perfil, competência, seriedade, humanismo.
5º momento: Foi realizada a análise linguística e a reescrita dos textos. Após
a produção dos textos, estes foram recolhidos, para servirem de material de análise,
para esse artigo final, que é o fechamento do projeto “Marcas da oralidade na
arquitetura do texto escrito”, produção do PDE 2012. Selecionamos sete textos de
cada turma, os quais serviram de suporte para as aulas de reflexão, análise e estudo
das regras mais comuns da língua para o trabalho de reescrita dos mesmos, com o
objetivo de amenizar a influência da fala na escrita.
Após essas atividades, selecionamos um texto de cada um dos temas para
exposição nesse artigo, com uma perspectiva metodológica comprometida com o
desenvolvimento da escrita e da reescrita dos alunos, apresentando as
inadequações mais recorrentes em redações de 1º ano do E.M.
3. MARCAS DA FALA NOS TEXTOS DE 1º ANO DO ENSINO MÉDIO
A análise realizada foi o ponto de partida para entender que as limitações
dos alunos, quanto à escrita de textos de opinião dissertativo-argumentativos, dentro
da norma padrão, pode ser trabalhada de forma simples e com sucesso. Bortoni-
Ricardo (2005:53) afirma que “a identificação dos erros nos textos dos alunos é
fundamental para racionalizar e explicar as avaliações, atendendo áreas cruciais de
incidência”.
Sem desvalorizar a escrita do aluno, os textos selecionados foram reescritos
em sala de aula e, assim, pudemos refletir sobre as ocorrências mais frequentes,
amenizando-as com a colaboração dos alunos e aproveitando ao máximo seus
conhecimentos anteriores. As inadequações não foram destacadas como “erros”,
mas como passíveis de ajustes linguísticos, para que os alunos entendessem o que
é um texto coeso, coerente, adequado à norma e com autoria em língua materna.
Esse método de trabalhar a reescrita foi de fácil assimilação para a maioria
dos alunos iniciantes do Ensino Médio, pois trazem muitas dificuldades em sua
escrita, devido a diversos fatores e à forte influência da fala. Essas influências, nem
sempre discutidas em séries anteriores, fez com que pudéssemos trabalhar, de
forma dinâmica e participativa, na reescrita dos textos.
Assim, apresentamos, a seguir, a análise de dois textos, procurando
demonstrar, de forma linguística, a justificativa para as inadequações e deixando
transparecer que a adequação à norma padrão é necessária à escrita de textos.
3.1 Análise dos textos
Considerando que a frequência da influência da fala, nos textos dos alunos,
foi de ocorrência de umas mais, outras menos, optamos por mostrar dois textos
originais, mas com as linhas numeradas por nós, para tornar prática a análise.
3.1.1 Análise do texto 1: “Criar e proteger”
Como se pode notar, o aluno leu adequadamente a proposta, pois optou por
escrever sobre a mulher que pretende ter filho, da obrigação e dificuldades que
muitas mulheres passam ao tê-los. Houve certa progressão temática, porém mostrou
fragilidade nos argumentos, expressividade mínima, além de apresentar influência
da fala, como se pode observar, a seguir:
Na linha 2, podemos ver, pelo uso de “aí”, a influência da fala, pois essa palavra é um marcador conversacional que realiza a coesão na fala informal. Há, também, inadequação no uso do verbo acontecer, e na pluralização de “todas as mães”, que deveria seguir a primeira referência “Toda mãe”, porém não segue, o que é próprio do não monitoramento da fala.
Na linha 3, em “criar eles”, o aluno utiliza o pronome reto “eles” em lugar do pronome oblíquo os, que se transforma em los, em função do verbo, construção frequente no uso da fala.
Na linha 4, há falta de concordância nominal, comum na linguagem informal, até mesmo dos mais letrados, como apresenta o aluno ao escrever “a mães.”
Na linha 5, o uso da palavra “coisas” é coringa da oralidade, demonstrando a falta de vocabulário.
Nas linhas 5, 6 e 8, aparece o verbo ir na forma “vai”, com função de marcador conversacional.
Na linha 7, vemos em “no mundo lá fora”, um pleonasmo ou redundância, característica da informalidade, como reforço da ideia.
Nas linhas 9 e 10, aparecem números aleatórios em “... hoje de 30 mães, só 15 se preocupam ...”, como se faz durante um evento de fala informal, em que as informações, às vezes, não são precisas.
Nas linhas 11 e 12, a expressão “a mais do que tudo” inclui um a desnecessário, troca o verbo fazer, pelo verbo ser; na 3ª pessoa, em “pois é parte da vida dela”. Observa-se, também, nessa expressão, que o pronome “ dela” está sem o referente, que pode ser retomado do início da linha 11, através de inferência, apesar de estar no plural.
Na linha 13, a presença de “bom” mostra uma marca comum de reforço da fala, ao utilizar o vocábulo em lugar do advérbio então, para dar ideia de conclusão.
Na linha 14, “opta” deveria estar no plural, optam, para concordar com mulheres e o pronome possessivo “sua” ser substituído pela preposição pela, porém, os usos são influência do falar do aluno.
Após serem orientadas e discutidas essas influências da fala e reforçar algumas
convenções da língua, no texto do aluno, chegamos ao final da atividade com o texto
reescrito, como podemos observar a seguir:
Criar e proteger
Toda mulher, quando está grávida, precisa saber que tem a obrigação de
criar o filho e educá-lo.
Com o passar do tempo as preocupações vão aparecendo, causadas pelos
perigos que existem e toda mãe deve ensinar ao filho o caminho certo, para não
ficar ferida. Hoje, há mães que não se preocupam com os filhos.
Assim, a maioria das mães ajuda, protege e educa seus filhos, deixando
seus desejos por eles, pois fazem parte de suas vidas.
3.1.2 Análise do texto 2: A PM na sociedade
O texto mostra que o aluno leu e compreendeu a proposta, porém enfocou
apenas aspectos negativos dos policiais. Demonstrou pouca expressividade e, como
se observa, a progressão temática foi prejudicada. Como um texto de opinião
dissertativo-argumentativo requer argumentos consistentes, percebemos que houve
fragilidade nesse aspecto, demonstrando falta de leitura. Assim, vejamos as
considerações sobre o texto:
Na linha 2, utilizou o advérbio de intensidade “mais”, próprio da oralidade, por não diferenciar da conjunção adversativa mas. Essa ocorrência se repete na linha 18.
Na linha 4, notamos a supressão da letra m em “segue”, por não dominar a concordância verbal, pois deveria estar na 3ª pessoa do plural, concordando com o substantivo policiais.
Nas linhas 5, 6, 7, 10 e 15, registra repetidamente a expressão “tem que”, redundância viciosa, própria do uso oral.
Nas linhas 8 e 9, em “não pode chegar batendo nos outros”, percebemos que a expressão “chegar batendo” traduz com intensidade a ação de bater, podendo ser tratada como influência expressiva da informalidade.
Na linha 13, escreveu a palavra “daí”, forte marcador conversacional, ao invés da conjunção aditiva e. Nesta linha, também percebemos que o verbo “desconta” deveria estar no plural, mas mostra visivelmente o não monitoramento na escrita, transferência da fala.
Na linha 14, eliminou a primeira sílaba da forma verbal “estão”, fenômeno conhecido como aférese, redução própria da coloquialidade.
Na linha 16, a palavra humilde foi grafada como “umuíde” e podemos observar, além da omissão da letra h, a falta de atenção ao trocar a letra l (éle) pela letra u e inverter a posição das letras.
Na linha 17, a forma verbal estarão foi escrita “estaram”, a troca da letra o pela letra m, o que
é próprio dos mal alfabetizados, pois não diferem som de letra.
Após as análises, nas quais foram orientadas e discutidas as questões da
fala e da falta de domínio das regras que regem a língua, o texto na versão reescrita,
apresentou-se da seguinte maneira:
A Polícia Militar na sociedade
O papel da Polícia Militar é proteger as pessoas e o perfil do policial deve
ser sério e humano.
Sabemos que alguns não seguem as normas, mas o policial precisa
gostar da profissão, ser humilde e, se tem problemas pessoais, não deve
descontar nos criminosos.
Assim, estará seguindo as normas.
RESULTADOS
Como se pode perceber, há muitas marcas da língua oral nas análises;
porém, à medida que fomos conscientizando os alunos sobre o uso das palavras
adequadas, os textos foram aperfeiçoados e, mesmo com caráter simples, seguiram
a norma padrão. Utilizamos, para esse resultado, regras de colocação de pronomes
e concordâncias e os alunos atentaram para a estrutura textual, paragrafação,
ortografia, acentuação e pontuação, familiarizando-se com as normas da língua.
Os alunos perceberam que um vocabulário bem selecionado pode sintetizar
as ideias do autor, valorizando sua argumentação e fechando o pensamento inicial.
Apesar da singeleza dos textos reescritos, nas versões finais, observamos uma
consciência melhor sobre o que é um texto coeso e coerente.
Com esse trabalho, pudemos identificar e refletir sobre algumas ocorrências
comuns à maioria dos textos e, com a reescrita, amenizá-las, de uma forma simples
e de fácil execução, sem que, para isso, houvesse desvalorização dos
conhecimentos anteriores dos alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as atividades de leitura, escrita e reescrita, permeadas pela questão da
influência da fala na escrita, que foram efetivadas no decorrer dos 1º e 2º bimestres
do ano letivo de 2013, os alunos de duas turmas de 1º ano do Ensino Médio, turno
noturno, perceberam que as práticas de linguagem implicam nas diversas
dimensões sociais.
Após essas atividades, foi possível perceber que os alunos utilizam melhor
seu discurso, aperfeiçoando sua fluência oral, adequando-se aos objetivos
propostos, estão mais atentos aos seus argumentos e refletindo sobre os
argumentos de outrem.
A metodologia apresentada nessas aulas teve, como objetivo principal,
amenizar a influência da fala, o que foi positivo na apresentação da reescrita dos
textos e uso da norma padrão, “sem sofrimento”.
Salientamos que a análise linguística sobre as marcas da oralidade e a
reescrita dos textos influenciou na evolução dos alunos como falantes e escritores.
Ao perceberem as marcas de suas falas transpostas para uma nova versão escrita,
refletiram sobre sua realidade social e a necessidade de serem mais competentes
na língua, visando eventos futuros, que podem mudar suas vidas, em uma
sociedade cada vez mais exigente.
Sabemos que nosso papel de docente no ensino da Língua Portuguesa é
fazer com que os alunos reconheçam a norma padrão como oficial e, para que isso
aconteça, devemos tratar a escrita, não como algo inacessível e, sim, trabalharmos
juntos, lançando mão de alternativas diferenciadas e auxiliá-los na compreensão das
normas gramaticais da língua.
Neste estudo, que consideramos amplo em reflexões e pesquisas
complementares, estão conclusões que podem motivar outros trabalhos, com
ferramentas pedagógicas igualmente importantes, para direcionar ações que vão
orientar a (re)escrita de textos em sala de aula, proporcionando aos alunos,
desenvolver maior conhecimento das convenções da língua materna.
Reafirmamos aqui, nosso interesse em continuar a beneficiar o aluno em seu
processo de aprendizagem, baseado em estudos sobre a influência da fala na
escrita, com práticas que envolvam constante leitura e que mostrem a importância
da oralidade e da escrita. Portanto, nossa pesquisa é parte da evolução docente,
capaz de revelar novos caminhos educacionais.
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