a infÂncia tecida: escolas de primeiras letras da fÁbrica cedro e cachoeira (1890 -1915)

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A INFÂNCIA TECIDA: ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA FÁBRICA CEDRO E CACHOEIRA (1890 -1915) Manoel Julio de Paula (autor) Maria Cristina Soares de Gouvêa (co-autora) Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] [email protected] Palavras-chave: escola; sujeitos; século XIX. OBJETIVO: Inserida no recorte temporal cujo período delimita-se entre 1890 a 1915, a pesquisa em andamento tem como escopo principal analisar a infância a partir da ação de duas componentes socializadoras, ou seja, a escola e a fábrica. Para isso buscar-se-á concentrar nossa análise nas escolas de primeiras letras criadas para as crianças trabalhadoras da fábrica de tecido Cedro e Cachoeira, situada na cidade de Caetanópolis, MG. Ao analisar tais escolas objetivaremos compreender o processo de escolarização da criança trabalhadora e as estratégias de viabilização da instrução elementar para esta população. Portanto, através deste estudo almeja-se investigar os espaços e instâncias de inserção e formação da criança naquele período histórico, destacadamente as tensões entre a escola e o trabalho. Tentando compreender, dessa forma, que tessitura de infância resultava do imbricamento de ações advinda do tempo fabril e escolar. Portanto, buscar-se-á compreender em que medida a experiência trazida por aquelas crianças, experiência essa forjada a partir do embates e lutas travadas no interior do processo fabril, contribuirão, ou não, na constituição de sujeitos, não somente os sujeitos da fábrica, mas os da escola, fruto da relação dialógica entre fábrica e escola. APRESENTAÇÃ/PROBLEMATIZAÇÃO

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História da educação e historiografia da educação social

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A INFÂNCIA TECIDA: ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA FÁBRICA CEDRO E CACHOEIRA (1890 -1915)

Manoel Julio de Paula (autor) Maria Cristina Soares de Gouvêa (co-autora)

Universidade Federal de Minas Gerais [email protected]

[email protected] Palavras-chave: escola; sujeitos; século XIX.

OBJETIVO:

Inserida no recorte temporal cujo período delimita-se entre 1890 a 1915, a

pesquisa em andamento tem como escopo principal analisar a infância a partir da ação

de duas componentes socializadoras, ou seja, a escola e a fábrica. Para isso buscar-se-á

concentrar nossa análise nas escolas de primeiras letras criadas para as crianças

trabalhadoras da fábrica de tecido Cedro e Cachoeira, situada na cidade de

Caetanópolis, MG. Ao analisar tais escolas objetivaremos compreender o processo de

escolarização da criança trabalhadora e as estratégias de viabilização da instrução

elementar para esta população. Portanto, através deste estudo almeja-se investigar os

espaços e instâncias de inserção e formação da criança naquele período histórico,

destacadamente as tensões entre a escola e o trabalho. Tentando compreender, dessa

forma, que tessitura de infância resultava do imbricamento de ações advinda do tempo

fabril e escolar. Portanto, buscar-se-á compreender em que medida a experiência trazida

por aquelas crianças, experiência essa forjada a partir do embates e lutas travadas no

interior do processo fabril, contribuirão, ou não, na constituição de sujeitos, não

somente os sujeitos da fábrica, mas os da escola, fruto da relação dialógica entre fábrica

e escola.

APRESENTAÇÃ/PROBLEMATIZAÇÃO

Page 2: A INFÂNCIA TECIDA: ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS DA FÁBRICA CEDRO E CACHOEIRA (1890 -1915)

“[...]Lamentável é ainda alguns paes descuidarem-se assim

dos seus filhos, permitindo-lhes tempo para apprenderem cousas

dessa natureza [ o vício do jogo], quando o verdadeiro caminho para

a felicidade dos mesmos são a escola ou a aprendizagem de um

officio, onde o exemplo do trabalho patentea ao homem a estrada do

bem e do dever”... (grifo nosso) (Jornal Folha do Cedro, 3 de

agosto de 1913)

A gênese da modernidade que se realiza no século XIX esteve nas profundas

mudanças políticas, sociais e econômicas ocorridas em diferentes partes do mundo a

partir do século XVI, em especial, no ocidente, como as viagens ultramarinas, as

reformas religiosas, o desenvolvimento científico, as revoluções, as distinções entre o

público e o privado, a redefinição dos núcleos familiares, as alterações de trabalho, entre

outras. Até início do século XVIII, a modernidade ainda não era um modo de vida, “mas

já havia se tornado uma idéia associada àquela de progresso. Entretanto, no século XIX,

as principais nações européias se auto-referem como civilizadas, como também se

reconhecem universalizadas na modernidade”, demarcando assim, uma construção

histórica do termo. (Veiga, 2004: 36).

Na “esteira” dessa “onda modernizante” é certo que no final do século XIX e

início do século XX, a infância e a sua educação irão integrar os discursos sobre a

edificação da sociedade moderna. Farão parte do modelo geral referencial das

instituições e da estrutura do Estado para uma nação avançada, que se difunde no

processo de transformação mundial ocorrido durante a Era dos impérios, assim

denominada por Eric Hobsbawm, para o período de 1870 a 1914. Os tentáculos dessa

transformação provinham do continente europeu, onde se situava o núcleo do

capitalismo mundial. Hobsbawm (apud Kuhlmann Jr & Fernandes, 2004: 26).

Além disso, deve-se ainda anotar que as instituições educacionais e outras

propostas para a infância foram fomentadas nas Exposições Internacionais, que

ocorreram em diversos países desde a Exposição de Londres, em 1851, e adentraram o

século XX. As exposições universais tiveram uma repercussão significativa em seu

tempo; na sua organização, transparecia uma intenção didática, normativa,

“civilizadora”, junto aos diferentes países e setores sociais. A educação era identificada

como um dos elementos do progresso cultuado, ao lado da eletricidade, das máquinas,

das inovações tecnológicas, dos produtos industriais. Nesse sentido o século XIX pode

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ser compreendido como o período de institucionalização da educação escolar, uma vez

que é neste momento que os diferentes países, principalmente os europeus, buscaram

organizar sistemas de ensino voltados para a educação das crianças e democratização do

acesso à escola, definindo leis de obrigatoriedade escolar (Gouvêa, 2003, p. 202).

Ao focar luz sobre “terras tupiniquins” é certo que aqui, seguindo aos

acontecimentos internacionais, pode-se dizer que também o século XIX se constituiu

como um período definidor do processo de escolarização brasileiro.

Conforme nos lembra Inácio (2003:36) a estruturação do Estado Nacional

brasileiro no século XIX esteve voltada para a criação de diversas práticas de atuação

sobre a população. Uma delas se refere a um novo modo de inserção do Estado no

campo da instrução elementar, e a segunda, à elaboração de leis como estratégia de

ordenação do social. Portanto, a autora afirma que o processo de escolarização

vinculou-se à afirmação e ao fortalecimento dos Estados Modernos. Ela acrescenta que

no Brasil do oitocentos, o processo de escolarização foi um dos elementos centrais na

afirmação do Estado Imperial. Dada as amplas funções atribuídas à instrução no

movimento de construção da nação brasileira, sua organização e regulamentação não

poderiam ficar senão a cargo do governo. Diante disso, verificou-se uma crescente

participação do Estado no campo da instrução elementar.

Entretanto, o processo de escolarização brasileiro foi marcado não pela

linearidade, não sem dificuldades, mas pelo entrecruzamento de propostas e idéias

eivadas por percalços, precariedades e tensões (Gouvêa, 2007; Veiga, 2006, Faria Filho

& Gonçalves, 2004). O que se viu no estudo da escolarização da infância brasileira ao

longo do século XIX, foi um longo e tortuoso processo de afirmação da forma escolar,

que iria conviver durante todo o período com outras estratégias e espaços sociais de

formação da população infantil. A escolarização da infância brasileira foi marcada por

embates, resistências e dificuldades características na consolidação da instituição, diante

de um Estado dotado de poucas condições de investimento, com um projeto de

educação ao mesmo tempo inclusivo e excludente.

Visando superar diversos mitos acerca da escolarização brasileira, estudos

recentes vêm mostrando que, ao contrário do que se pensava, a escola do século XIX,

no Brasil, objetivando garantir a moralização e instrução das classes pobres, tomadas

como potencial fonte de agitação social, ou incapazes de afirmarem-se como

civilizadas, foi dirigida também à população pobre, na medida em que constituiu como

espaço privilegiado de formação e controle dessas camadas da sociedade. Estes estudos

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também vêm mostrando que, contrariamente ao que se defendeu no meio acadêmico, o

Estado brasileiro investiu sim na instrução elementar. Parece que o problema não estava

no fato do Estado se recusar investir na instrução elementar, o que não verdade, mas sim

na fragilidade orçamentária do mesmo. Devido a essa fragilidade de orçamentos os

recursos destinados à instrução elementar apareciam como irrisórios. Outro mito que

também “vem caindo por terra” está ligado à proibição de crianças negras freqüentarem

a escola. A historiografia mais recente vem mostrando que, ao contrário do que se

pensa, as crianças negras freqüentaram_ e não de forma esporádica_ os bancos

escolares. Na verdade, a proibição estava em torno da criança escrava, e não da criança

negra. (Gouvêa, 2007). E curiosamente, estudos vêm também mostrando que houve

freqüência, mesmo que de forma bastante diminuta, de crianças escravas na escola

De maneira bastante perfunctória pode-se dizer que, em relação à escolarização

da infância mineira, Minas Gerais também seguiu de forma muito semelhante ao que se

viu no resto do país. Entretanto, essa região devido ao seu processo de ocupação

territorial possuía características bastante distintas das outras províncias. Neste Estado,

que se estabeleceu como capitania em 1720 e veio a se formar em torno dos chamados

“desclassificados do ouro1, a instrução escolar desempenhou papel de suma

importância.

Segundo Greive (2006:50) a rotina da extração aurífera esteve associada a uma

movimentação urbana bastante significativa de outras localidades da colônia ocorrendo

evidentemente grandes tensões devido às aglomerações, às disputas locais e à

heterogeneidade étnica e social das pessoas que chegavam às Minas em busca de

riqueza. Por todas essas peculiaridades as autoridades imperiais acreditavam que pela

via da instrução, desenraizar-se-iam a brutalidade e a barbárie da sociedade mineira.

Através da instrução objetivou-se ordenar o social mineiro, reformar os costumes,

erradicar a ignorância e a miséria do povo. “Na perspectiva iluminista abraçada por

intelectuais e políticos mineiros a questão estava diretamente relacionada à instrução”

Faria Filho (apud Inácio, 2003:34).

Minas Gerais possuía, no início do período imperial, uma rede de instrução

elementar muito pequena, composta de poucas escolas, herdadas do período colonial.

Mas, com a Lei Geral sobre instrução primária promulgada em 15 de outubro de 1827_

que determinava a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e

lugares mais populosos do Império_ a instrução elementar presente desde os tempos da

colônia deveria ter novos contornos a partir do segundo quartel do século XIX. (Inácio,

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2003: 37) Em Minas Gerais das 33 escolas já existentes criou-se mais 54, totalizando 87

escolas de primeiras letras, que poderiam ser freqüentadas por meninos e meninas2

Tempos depois, a Lei número 13 promulgada em 1835 determinou em seu artigo

1º que a instrução primária fosse dividida em dois graus_1º e 2º graus_ fazendo

distinção entre aquilo que era ensinado nas escolas para meninas daquilo que era

ensinado nas destinadas aos meninos3. A mesma lei estipulava o número de freqüência

mínima em sala de aula_ freqüência mínima de 24 alunos _, estabelecia as faixas etárias

que poderiam freqüentar aulas das escolas elementares, e também em seu artigo 7º

criava a Escola Normal em Minas.

Em termos gerais o duro processo de escolarização no Estado mineiro e no

Brasil sofreu inúmeras resistência seja por motivos culturais, políticos, geográficos ou

sócio-econômicos. A resistência ao envio dos filhos à escola ancorava-se em vários

fatores, tais como a ainda a não legitimidade da forma escolar como espaço de formação

de aprendizagem para a vida adulta, o ainda não reconhecimento da aprendizagem como

necessária à adultez, a recusa por parte das famílias da interferência do poder público

em seus assuntos domésticos _se constituindo uma luta do “governo do estado contra o

governo da casa”_, também a deficiência de materiais nas escolas e a falta de

capacitação moral dos mestres.(Gouvêa, 2007; .Faria Filho& Gonçalves, 2004; Faria

Filho, 2000)

Não se pode, porém generalizar tal aspecto, pois, se por um lado parte das

famílias resistia ao envio dos filhos às escolas elementares, outro contingente

demandava a abertura de escolas pelo Estado, como também o pagamento de

professores das escolas privadas, através de petições e abaixo-assinados. Gondra e

Lemos (apud Gouvêa, 2007).

No Brasil, também a lei de obrigatoriedade escolar competiu com o trabalho de

crianças e jovens, seja o doméstico, seja o como empregado. Na vasta documentação

relativa à instrução elementar, a discussão é recorrente; os governantes reclamavam da

infrequência escolar e da falta de cumprimento da lei, enquanto os pais alegavam a

necessidade do trabalho dos filhos. Moura (apud Veiga, 2004: 70) afirma ser possível

encontrar em São Paulo crianças no trabalho industrial a partir dos anos 70 do século

XIX, o que também ocorreu em outras localidades como Minas Gerais.

Apesar do trabalho infantil, no final do século XIX, ter sido concebido como

atividade que afastava dos vícios e que exercia um controle sobre a marginalidade

social, como alerta (Veiga, 2004), não deixou, porém de receber críticas por afastar as

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crianças da escola. Talvez seja para se defenderem dessas críticas que vários

empregadores do século XIX e do início do século XX, no Brasil, com tons

“paternalistas ou benfeitores”, vão criar escolas para seus empregados. Um dos mais

famosos industriais foi Jorge Street, que junto à sua fabrica de tecidos no Belenzinho,

construiu, nos primeiros anos do século XX, uma grande vila operária com escola,

creche, igreja, clube recreativo (De Decca, 1991:10).

Parece que em outras partes do país outras fábricas vão seguir o exemplo

mostrado anteriormente, criando em seu interior escolas para as crianças operárias e

filhos de operários. Como parece ter sido o caso da fábrica Cedro e Cachoeira, situada

na cidade de Caetanópolis, Minas Gerais.

A FÁBRICA CEDRO E CACHOEIRA

Na metade do século XIX se direcionou esforços no sentido de desenvolver uma

indústria significante no Brasil. As décadas de 1860/70 presenciaram a construção da

primeira estrada de ferro brasileira, o início da navegação a vapor, a construção de

novos portos, a expansão das indústrias têxteis e de alimentação. No entanto o maior

crescimento houve na indústria têxtil. (Baer, 1983:10). O Brasil Imperial sofreu então o

seu “boom têxtil” surgindo alhures fábricas direcionadas para produção têxtil. Num

curto interstício de tempo já tínhamos um significativo número de indústria desse ramo

em funcionamento, tanto é que, se “havia duas fábricas têxteis em 1850, esse número

crescera para 44 em 1881” (Ibidem, p.10)

Douglas Cole Libby4 analisando o processo de crescimento das indústrias

têxteis, em Minas Gerais, afirma que alguns fatores foram fundamentais para que tal

impulso industrializante lograsse êxito. O primeiro se reside no fato de que com o fim

da guerra civil dos Estados Unidos e a subseqüente reorganização da produção

algodoeira daquele país praticamente fecharam as portas para a matéria prima brasileira

no mercado europeu no início da década de 1870. A redução drástica das exportações

redundou na queda vertiginosa dos preços internos do algodão que, por sua vez,

passaram atrair investimentos que pudessem tirar proveito da situação. Outro fator que

se configurou de fundamental importância para o “sucesso do setor têxtil” foi a guerra

contra o Paraguai na medida em que esta juntamente com outros fatores conjunturais

parecem ter mudado a atitude de determinadas camadas da elite brasileira quanto à

legitimidade do papel do Brasil como fornecedor exclusivo de matérias-primas

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agrícolas, dentro do esquema liberal clássico da divisão internacional do trabalho. A

idéia de que o destino do país poderia perfeitamente incluir certo desenvolvimento

industrial ganhava adeptos. E um terceiro fator apontado por esse autor está ligado ao

fato de que em Minas existia uma grande oferta de mão-de-obra livre disponível. Dessa

forma, é digno de registro que já por volta do ano de 1882, das 45 fábricas existentes no

Brasil, 12 localizavam-se na Bahia, 11 no Rio de Janeiro, 9 em São Paulo e 8 em Minas

Gerais. Nessa província, o Inquérito de 1882 mencionava oito fábricas de tecidos

localizadas em Juiz de Fora, Curvelo, Machado, Cipó, Itabira, Sabará e Montes Claros.

(Foot & Leonardi, 1882:34)

É dentro desse contexto que o ano de 1872 efetivamente marca o ingresso da

província de Minas na era da produção fabril de tecidos. (Libby, 1988:227). E é ainda

nesse ano, mais especificamente, no dia 12 de agosto, que se implantou a Fábrica Têxtil

Cedro, localizada no município de Sete Lagoas, fruto de um empreendimento realizado

pela família Mascarenhas. Esta fábrica iniciou seu funcionamento com apenas 18 teares

e implantara um novo estilo de trabalho realizado somente por homens livres. (CIA

CEDRO E CACHOEIRA:CENTENÁRIO DA FÁBRICA DE CEDRO HISTÓRICO:

1872-1972:74).

Dois anos depois, outros quatro membros da família Mascarenhas: Bernardo,

Francisco, Dr. Pacífico e Vitor Mascarenhas juntamente com Luiz Augusto V. Barbosa,

um quinto sócio, resolveram matricular no tribunal do comércio da capital do Império a

20 de agosto de 1874, sob o nº 14.254 a fábrica denominada Santo Antônio do Curvelo,

no entanto, tal denominação não prevaleceu e foi substituída pelo nome Fábrica

Cachoeira que localizara a 8 quilômetros da cidade de Curvelo. Esta fábrica iniciara

com 52 teares quase o triplo da quantidade inicial instalada na Cedro.

Mais tarde, objetivando somar forças para responder melhor às ameaças de

concorrência e obter maior desenvolvimento em menos tempo, se direcionou esforços

em busca de uma junção entre as fábricas Cedro e Cachoeira. E, por conseguinte, no ano

de 1883 concluiu-se a fusão das mesmas passando doravante essas duas fábricas a

pertencer à Companhia de Sociedade Anônima Cedro e Cachoeira com sede na cidade

de Caetanópolis, a 5 Km de Paraopeba, a qual existe até nos dias atuais.(Ibidem: 112)

Sampaio (apud Versiani, 2000:216) verificando a composição da mão-de-obra

no interior das fábricas têxteis brasileiras no final do século XIX verificou que havia o

predomínio de relações de trabalho capitalistas-salários e /ou pagamento por peças.

Além disso, afirma que a origem desse operariado está mencionada com clareza nos

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documentos por ele utilizados: “eram recrutados entre as camadas mais pobres da

população e, especialmente nos orfanatos da cidade”. A menção a orfanatos aponta

para o um grande emprego de menores, o que é confirmado na “fala” de abertura da

Assembléia provincial de 1889, onde consta que as fábricas de tecidos baianas

empregavam “inclusive menores que de tenra idade vão se habituando ao trabalho e

nobilitando-se na luta pela vida”. (Ibidem, p.217)

Seguindo a tendência da época, também o emprego de menores foi amplamente

utilizado pela fábrica Cedro e Cachoeira, conforme se verifica em 1882 na resposta aos

quesitos da comissão de inquérito da Cedro ao declarar no artigo 8º que emprega-se nos

diversos trabalhos da fábrica 130 pessoas, homens e mulheres, sendo 60 menores. Ou

seja, quase 50% da força de trabalho se constituía em menores- (Cia Cedro E

Cachoeira:Centenário Da Fábrica De Cedro Histórico: 1872-1972:130). E se levarmos

em consideração a observação de que a definição do termo “menor” “ parece ter-se

estendido às crianças com 14 anos de idade ou menos, significa que boa parcela da

mão de obra poderia ainda ser adolescente” (Libby, 2002:235)

Dados colhidos até o momento dão conta que os menores que trabalhavam na

fábrica poderiam tanto ser filhos de operários da mesma como ser oriundos de orfanatos

existentes naquela época. Os documentos também vêm mostrando que muitos destes

menores vieram de localidades tais como as regiões de Cordisburgo, Conceição do

Serro, Gouvêa, São Gonçalo e Datas. E é certo que para aqueles oriundos de orfanatos a

fábrica disponibilizava de dormitórios para abrigá-los. Conforme o trecho da carta

escrita a 18 de março de 1890 pelo gerente da cachoeira a seu companheiro da cedro:

“Tenho muita necessidade de tecelonas e se puder vir cinco tanto melhor, uns dois ou

três meninos, para quem tenho casa e emprego para todos.”[grifo nosso] (Cx. De

correspondência Rec. 1890).

No ano de 1883 dos 264 trabalhadores da fábrica 101 eram menores e 163

adultos, ou seja, cerca de 40% da mão de obra era composta por menores. Já para o ano

subseqüente a quantidade de menores caiu um pouco, perfazendo naquele momento

35% da mão-de-obra.

No que tange às faixas etárias de trabalhadores menores que ingressavam na

fábrica é correto que também variaram muito. Para o período de 1890-1915 verifica-se

que a maioria das crianças que ingressaram na fábrica estava entre as faixas etárias

compreendidas entre 12 e 13 anos. Esta faixa, no período analisado, perfazia um total de

17% daquela mão-de-obra. Porém, era também bastante expressivo o número de

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crianças que começaram a trabalhar aos 11 anos de idade. Essa faixa etária representou

uma média de 13% do total dos menores analisados. Não menos importantes também

foram as faixas etárias de 15, 14 e 10 anos que representaram 12% cada uma. Todavia,

não são raras as vezes em que os documentos revelam o uso da força de trabalho de

meninos a partir dos 8 e 7 anos no processo produtivo, perfazendo um total de 5% e 2%

respectivamente

Ao analisar o regulamento da fábrica é possível apreender que às 06:00hs5 em

ponto, quando então eram soados os sinos, as crianças deveriam se apresentar

imediatamente aos porteiros das fábricas os quais realizavam a chamada e anotavam os

possíveis faltosos no livro de ponto. ( Art. 2º das atribuições dos porteiros). Após a

tiragem de faltas elas se dirigiam cada uma para seus setores. Umas para as áreas

externas das fábricas e outras para o interior das mesmas. Lá poderiam exercer diversas

funções tais como ajudantes, tecelãs, gordoeiros, carpinteiros, turma da conservação de

estrada, engomadores etc...

As crianças que trabalhavam no interior da fábrica eram distribuídas em boxes

onde ficavam expostas à vigilância atenta dos mestres de seção. Qualquer ato que fosse

considerado como rebeldia, falta de atenção no trabalho ou desleixo, poderia redundar

em admoestação ou multa por parte de seus superiores. Além dos olhares dos mestres de

seção elas ainda eram observadas pelos feitores de meninos e pelos mestres gerais que

tinham como atribuição fazer que todos estivessem em seus lugares conforme o horário

do corpo da fábrica (Art. 4º das atribuições do Mestre Geral).

A jornada de trabalho era longa e rígida. Fora o horário de almoço, cerca de 1h

diária conforme o regulamento da fábrica, não havia tempo para descanso e distração.

As crianças eram obrigadas a trabalharem confinadas nos pequenos boxes e submetidas

a um ambiente dotado de pouca ventilação e bastante barulho. Nas épocas das chuvas a

fábrica tornava-se escura a ponto de ter que, em algumas vezes, parar os teares do

centro6. Em alguns casos essas goteiras no telhado estragavam as traves de sustentação

do teto, colocando em risco a integridade física dos operários7.

O ambiente no qual estavam submetidas essas crianças era grandemente

insalubre, pois, os gerentes diversas vezes faziam referências a inúmeras moléstias tais

como, intermitentes, epidemias de bronquites, sarampo, gripe espanhola, tuberculose,

dentre outras. Não eram raras as vezes que estas epidemias causavam óbitos. Como foi

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o caso relatado no aprestamento para o Relatório Anual da cachoeira no ano de 1891

onde o gerente revelava que

“Conserva-se regular, a não ser um outro caso destacado de

intermttente, e epidemia de sarampos que no mês de novembro e

desembro agravou com intensidade. Morrerão repentinamente três

mulheres durante o anno, e algumas crianças em conseqüência de

bronchite” ..

Os acidentes de operários nas máquinas também eram freqüentes. Documentos

dão conta que em alguns casos os acidentes com os maquinários redundavam na perda

de braços do trabalhador. No aprestamento para o relatório Anual da Cachoeira de 1890

o gerente relatou da seguinte forma:

“Tenho a lamentar um único incidente sério [grifo nosso], de

que foi victima um operário que foi ñ desculpável imprudência

perdeu um braço no descaroçador de algodão. A amputação foi

executada pelo distinto medico Dr. Augusto Clementino, auxiliado

pelos pharmaceutico jota e Ermelindo, tendo agido muito bem, a

victima do desastre acha-se restabelecida.”

Dos boxes as crianças_ tal proibição também valia para os adultos_ somente

poderiam sair mediante ordens. Caso fossem flagradas juntas a outras máquinas, que

não a de sua responsabilidade, ou em outras repartições conversando ou ainda em

distração poderiam receber multas de 200 réis e caso fosse reincidência o valor subia

para 400 réis. (Art. 4º e 10º regulamento interno).

Durante o tempo em que estivessem nos boxes deveriam permanecer de pé por

longo tempo, pois lhe era tolhido o direito de trabalhar assentada. (Art. 12). Em apuros

pior ainda ficariam aquelas que, por ventura, fossem flagradas lendo revistas, livros ou

jornais durante a labuta. Tal transgressão também era inadmissível na visão dos

patrões.8. (Art. 11). Não bastassem todas as proibições eram ainda obrigadas a estarem

vestidas descentemente, “suas roupas não poderiam estar rotas, maltrapilhas ou

excessivamente imundas”.

Caso quisessem visitar as latrinas deveriam, após autorização dos mestres, se

dirigirem para aquelas exclusivamente reservadas às crianças, e lá deveriam ter o

cuidado de não sujá-las com restos de algodão, carretéis e massarocas, caso contrário,

poderiam também ser multadas.

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Quando o relógio da fábrica registrava 18:00 hs9 então os sinos novamente

soavam marcando o fim de mais uma jornada de trabalho e os trabalhadores se dirigiam

ao portão de saída sob os atentos olhares do pessoal da portaria de modo a impedir que

qualquer objeto fosse subtraído da fábrica. Dali as crianças operárias seguiam para suas

residências ou para os conventos e acomodações masculinas destinados a elas. Havia

aquelas que, depois de uma cansativa jornada de trabalho, ainda tinham que enfrentar os

bancos da escola noturna que funcionavam nas dependências da fábrica. Escola essas

que foram implantadas tanto na unidade da Cedro quanto na da Cachoeira. No Livro

Centenário da Fábrica Cedro Histórico: 1872-1972 consta que as fábricas “sustentaram

duas escolas noturna (SIC) de primeiras letras para os dois sexos que são freqüentadas

por 70 alunos.” (p. 89). Consta também no mesmo histórico que por volta do ano de

1881, dos 130 empregados na fábrica, 63 sabiam ler e escrever.

No que tange à inauguração das escolas da fábrica as fontes até agora

selecionadas já permitem que façamos algumas reflexões acerca desta questão

Analisando o importante trabalho de Domingos Giroletti Fábrica Convento

Disciplina , 2002, percebe-se que esse autor afirma que a escola instalada na unidade da

Cedro teve sua inauguração a partir do ano de 1884. Entretanto, ao realizarmos o

cotejamento com os documentos encontrados no Museu Décio Mascarenhas, localizado

nas dependências da fábrica, estas fontes trazem fortes indícios que a inauguração da

escola da Cedro tenha sido anterior à data fornecida pelo autor. Ao verificarmos o

Relatório Anual do ano de 1884 redigido a 17 de março do referido ano _os relatórios

da Cedro e Cachoeira sempre fazem referência ao ano imediatamente antecedente_

pôde-se verificar que já em 1883 funcionava escolas nas dependências da Cedro “para

os operários de ambos os sexos que são freqüentadas por 60 meninos e 27 meninas”

Já em relação à escola da unidade da Cachoeira as fontes ainda não estão muito

claras quanto ao início do seu funcionamento. No entanto, no Relatório Anual de 1885 o

gerente da Cachoeira relatava que “funciona(va) regularmente a aula nocturna de

primeiras letras freqüentada por 25 alunnos do sexo masculino”. O que leva-nos a

pensar que o ano de 1884 tenha se configurado o marco inicial de inauguração da

referida escola, haja vista, o Relatório Anual de 1884 não fazer nenhuma referência à

escola. Além disso, diferentemente da unidade da Cedro, a escola da unidade Cachoeira

teve seu público interno composto somente pelo gênero masculino, o que nos permite

então já perceber os aspectos diferenciadores entre as duas escolas. Curiosamente, os

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documentos até agora selecionados dão a ver que desde o início da instalação das

fábricas as meninas já faziam parte do corpo de trabalhadores das mesmas. Isso nos

remete a questionamentos sobre o porquê da exclusão do seguimento feminino no

primeiro ano de funcionamento da escola? Mas, as fontes mostram que a partir do ano

de 1885 o ensino estendeu-se também para o sexo feminino com “105 alunnos de

ambos os sexos” 10.

No que tange às condições materiais em que eram realizadas as aulas, vale dizer,

que as fontes são ainda pouco reveladoras, necessitando o entrecruzamento com outros

documentos. Mas, já é possível perceber, a partir das mesmas, que os alunos após um

dia de intenso trabalho aprendiam nas aulas noções básicas de “leitura elementar,

doutrina, escriptas e arithimetica”. Tais aulas, pelo menos até ano de 1905, data em

que se inaugura a luz elétrica nas fábricas em análise, se davam sob precárias condições

de iluminação. Às 21hs se apagavam as luzes da vila operária marcando o término de

mais um intenso dia. Isto sugere que as aulas se davam entre as 18:00h e 21:00h. Dessa

forma, os corpos desses menores se submetiam a um alongamento do tempo de

disciplina. Primeiro o tempo da fábrica e depois o tempo da escola. Que resultados se

obtinham da dupla ação escola e fábrica sobre os corpos dessas crianças? A experiência

que essas crianças construíram a partir das lutas e embates no interior do processo de

produção poderia ter servido como aspecto diferenciador e original na constituição do

sujeito aluno? E como se dava essa relação? Quais estratégias adotadas pelos

professores daquelas escolas que poderiam dar conta de prender a atenção de um

público escolar que vinha de uma longa e rígida jornada de 12 horas de trabalho? O que

se aprendia de fato no interior da sala de aula? A escola, aos moldes da fábrica,

imprimia uma disciplina rígida ao público que a freqüentava? Havia mecanismos de

recompensas e práticas de emulação por parte da escola? E caso existissem, eram

eficientes? Ao pensarmos os sujeitos dessa escola, que identidade pode-se esperar desse

imbricamento fábrica e escola? A do operário do qual se requer atitude,

responsabilidade e comportamento próximo a do adulto? Ou do aluno cuja relação entre

docente e aluno “naturalmente” produz uma representação que se aproxima daquela

entre a mãe que ensina e conduz e do filho que aprende e é conduzido? Ou uma síntese

dessas duas instâncias? Estas e outras são perguntas que estarão norteando nossa

pesquisa.

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Quanto ao funcionamento das escolas os documentos também vêm mostrando

que o mesmo se deu de forma irregular. Vários são os relatos de gerentes denunciando a

paralisação das aulas devido à falta de professor qualificado. No relatório Anual de

1889 o gerente da Unidade da Cachoeira dizia que,

“A muito resente-se (SIC) este estabelecimento de um bom professor

para a aula nocturna de operários, essa lacuna foi preenchida com o

contrato feito com Nereu Cecylio dos Santos, nas mesmas condições

do professor do Cedro. Até o meio do anno funcciona muito

irregularmente a aula de operários, e d’ahi em diante, por falta de

professor que inspira confiança, foi a aula suprimida, inaugurando-se

de novo agora.” (In: Copiador de cartas de 1890 do Museu- p. 12 a 14)

Outros documentos também dão conta que durante o ano de 1889 a aula noturna

para o seguimento feminino, por falta de uma professora, esteve suspensa por quatro

meses. Entretanto, voltou a funcionar “d’desde julho com freqüência de 76 alunnas, a

cargo de uma boa normalista”. No que se refere à escola para o sexo masculino, o

aspecto moral do professor também foi fundamental para o seu funcionamento. Os

documentos mostram que a escola esteve paralisada por algum tempo “por falta de um

professor idôneo, mas d’esde 15 de setembro [do ano de 1889] funciona regularmente”.

Os dados colhidos até agora também dão conta que a partir de 15 de novembro

de 1889, data da proclamação da república, o Estado passou a assumir o controle da

escola inaugurando o sistema de aula mista “sustentada pelo Estado e tem freqüência

de 30 alunnos. (In: Copiador de cartas de 1890 do Museu- p. 12 a 14)

A expressão “sustentada pelo estado” pode nos sugerir que a partir daquela data

os recursos destinados para a manutenção da escola e pagamento do corpo docente

saíram da esfera privada para as mãos do Estado. Entretanto, parece que a questão não

foi tão simples assim. As fontes mostram que mesmo sendo público o cargo de

professora da escola noturna da fábrica, os salários da mesma eram providos a cargo da

fábrica.

A documentação também vem mostrando que a passagem de “escola separada

por sexo” para “escola mista” não foi um mecanismo linear. Estamos querendo dizer,

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que as fontes sugerem que nas fábricas em análise os dois sistemas, ou seja, o

“separado por sexo” e “misto” parece terem coexistido. Essa constatação nos permite

fugir de esquemas que percebem as transformações ocorridas na escola numa

perspectiva evolucionista e linear. Como podemos verificar no relato do gerente da

unidade da Cedro, quando este diz que

“Com a remoção da professora publica da eschola mixta ficou a

cadeira de S. Gonçalo do Serro, está essa escholla paralisada. A

eschola nocturna do sexo femino [feminino?] era regida pela

professora publica à expença (sic) d’esta fabrica, é agora regida pela

professora particular D. Maria de Jesus Brandão dos santos.

Freqüência:

Escolla nocturna do sexo masculino 35 alunos

Escolla nocturna do sexo feminino 46 alunas” (In: Copiador de

cartas de 1890 do Museu- p. 12 a 14)

Analisando o Livro de Matrículas de Alunos da Cedro de 1909 (constante no

Museu Décio Mascarenhas) é possível já perceber que as turmas iam de 1ª a 3ª série

com o ano escolar dividido em quatro trimestre. As aulas nesse período passaram a ser

ministradas pela professora Maria Emília Martins Pereira auxiliada pelo inspetor escolar

distrital Manoel Antonio da silva. Na classe coexistiam juntos, meninos e meninas

perfazendo um total de 65 alunos. Já para o ano de 1910, as fontes mostram que as três

séries iniciais foram acrescidas da 4ª série e o número de alunos subira para 108

indivíduos, quase o dobro de 1909. Parece que o problema com professores por fim

terminara, pois, verificando os documentos percebemos que a equipe docente

permanecera inalterada até pelo menos o final de 1919, sendo substituída, em 1920, pela

professora Anésia França Ribeiro e pelo inspetor de alunos Augusto Horta

Já para o ano de 1911 o número de alunos caíra para 86 integrantes, o que pode

ser fruto de uma evasão escolar ou possivelmente porque os alunos da 4ª série já

tivessem neste ano concluídos o curso, não havendo, porém, um recompletamento da 1ª

série. Já os anos de 1912, 1913, 1914 e 1915 constam que o número de alunos era de 98,

99, 81 e 108 integrantes respectivamente.

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METODOLOGIA

Em relação aos aspectos metodológicos é digno de nota que a referida pesquisa

encontra aporte na análise de fontes primárias a ser encontradas no Museu Décio

Mascarenhas situado na cidade de Caetanópolis e periódicos localizados em Paraopeba.

Através do exaustivo trabalho de pesquisa no museu supracitado, foi possível

entrarmos em contato como uma vasta quantidade de documentos que no seu conjunto

vêm nos ajudando a construir e tecer o objeto de pesquisa em tela Documentos tais

como os jornais a Gazeta de Paraopeba (1917) e Folha do Cedro (1913), dentre outros,

vem revelando questões como representação social do trabalho e escola, assim como

também tem permitido apreender a situação sanitária da fábrica e da vila operária

próxima a mesma. Dessa forma, tais periódicos nos informam acerca das inúmeras

doenças acarretadas pela população operária e as várias estratégias destinadas à

erradicação dessas enfermidades.

Já documentos tais como o Livro de Ponto tem nos permitido analisar valores de

salário pagos aos operários da fábrica Cedro e Cachoeira. Nele estão anotados de forma

clara os salários pagos aos funcionários da Cedro e Cachoeira o que ajudará a responder

um dos objetivos propostos. Também estamos de posse de tabela montada por nós

através da análise do livro de registro de operários, a qual tem nos permitido saber a

origem, a idade e a residência das crianças operárias. O documento intitulado Relação

das Machinas e do Pessoal da Fábrica, por sua vez, que se encontra cuidadosamente

conservado, descreve tanto as funções exercidas em cada seção do setor produtivo

quanto a relação de operários a elas relacionados.

Existe também na fábrica um interessante manuscrito datado de 10 de fevereiro

de 1901, onde estão registrados duas colunas onde estão lançados os chamados

“ajudantes grandes” e os “ajudantes menores da fábrica. Este documento tem nos

ajudado a pensar, obviamente cotejado com outros documentos, a presença da criança

na fábrica. Outros documentos, como os relatórios anuais da Cia. Cedro e Cachoeira,

que vão do ano de 1883 a 1922 e se encontram na sede da fábrica, em Belo Horizonte,

têm revelado tanto questões acerca de efetivo e necessidade de pessoal/ equipamento

quanto registros acerca de acidentes, doenças e mortes de operários _sejam eles adultos

ou crianças.

Há também o Livro de Matrícula cuja informação contida no mesmo tem nos

ajudado a pensar a escola de primeiras letras da fábrica Cedro e Cachoeira. Este

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documento está nos permitindo quantificar a proporção de meninos em relação às

meninas; analisar questões tais como idade, freqüência e origem social do aluno;

perceber como se dava a distribuição do corpo discente na sala de aula, entre outras

coisas.

Os relatórios anuais, copiadores e cartas dos gerentes da fábrica, vêm também

revelando, mesmo que de forma perfunctória, relatos acerca dos professores, efetivo do

corpo discente, necessidade e pré-requisito de docente, outras coisas.

Há também os copiadores e caixa de correspondência que revelam o cotidiano

da fábrica e as necessidades de recomposição de mão-de-obra. Nunca é demais também

dizer que estamos de posse da localização das várias caixas de dossiês, já registrados e

numerados por nós, os quais permitem entender a trajetória profissional dos operários

desde seu ingresso até sua saída da fábrica.

È verdade que estamos cônscios de que os registros de nascimentos do período

analisado por nós eram em sua maior parte deficientes. Como corolário de tal

deficiência, tínhamos indivíduos com idade biológica bastante distinta ao constado no

registro de documento. Destarte, poderíamos cair no ingênuo risco de estarmos

analisando crianças que na verdade já se encontravam em suas fases adultas. Não

obstante, salientamos que a análise das fontes mostra que há fortes indícios de crianças

no setor de produção, uma vez que, amiúde os gerentes abordam em documentos mortes

de crianças, necessidade de corretivo em crianças operárias refratárias a “mentalidade”

da fábrica. Além disso, as fontes apontam para as necessidades de alojamento e escola

para as crianças e por fim mostram as funções que as mesmas exerciam na fábrica. E

ainda ressaltamos que há uma gama de documentos iconográficos que registram de

maneira bastante nítida, diversas crianças em suas telas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos reiterar que tais análises são ainda frutos de pesquisa em andamento e

estamos cônscios que é mister a análise de outras fontes. Pois, acreditamos que é a partir

do cotejamento com outros documentos que será possível, talvez, preencher as várias

lacunas ainda existentes. Também estamos conscientes que muitas das afirmações

colocadas por nós nesta comunicação serão ratificadas ou escusadas a partir do

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entrecruzamento com os novos dados os quais certamente ajudarão fornecer luz sobre os

vários indícios que por ora se apresentam.

FONTES PRIMÁRIAS

–Aprestamento para o Relatório Anual de 1890- In: Copiador de Cartas da Cachoeira –1891-1892. –Aprestamento para o Relatório Anual de 1889- In: Copiador de Cartas da Cachoeira –1890. –Livro de Matrícula de Alunos da Cedro 1910 -1922 –Relação das Machinas e do Pessoal da Fábrica do Cedro 1915 –Relatório Anual da Cia Cedro e Cachoeira de 1883 –Relatório Anual da Cia Cedro e Cachoeira de 1884 –Relatório Anual da Cia Cedro e Cachoeira de 1885 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAER, Werner: A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Ed. Da Fundação Getúlio Vargas, 1983. 562 p. Companhia de Fiação e tecidos Cedro e cachoeira: centenário da Fábrica de Cedro histórico: 1872-1972 DE DECCA, Maria auxiliadora Guzzo.Indústria, trabalho e Cotidiano: Brasil 1889 a 1930. São Paulo: Atual, 1991.(História em documentos) .95p ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Lisboa: Editorial Presença, 1975. FARIA FILHO, Luciano Mendes; GONÇALVES, Irlen Antônio. Processo de escolarização escolar: o caso de Minas Gerais (1835-1911). In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Org.). A infância e sua educação: materiais, práticas e representações [Português e Brasil]. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 159-188. ________ Instrução elementar no século XIX. In:500 anos de educação no Brasil. LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (Org.).Belo Horizonte: Autêntica, 2000b, p.135-150. FREITAS, Marcos Cezar de. História da infância no pensamento social brasileiro . Ou, fugindo de Gilberto Freyre pelas mãos de Mário de Andrade. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org). História Social da Infância no Brasil. 3 ed.São Paulo: Cortez Editora, 2001. GIROLETTI, Domingos. Fábrica Convento Disciplina.Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991.

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GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. A escolarização da “meninice” nas Minas oitocentista: a individualização do aluno. In: FONSECA, Thais Nivia de Lima e; VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). História e Historiografia da Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 189-226. .______ A literatura como fonte para a história da infância: possibilidades e limites. In: FERNANDES, Rogério; LOPES, Alberto; FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Orgs.). Para a compreensão histórica da infância. Porto, Portugal: Campo das Letras, 2006. p. 21-42 ______ A Escolarização da criança brasileira no século XIX: apontamentos para uma reescrita. In: Educação em Questão, v. 28, 2007

.KUHLMANN JR., Moysés. Educando a infância. In:500 anos de educação no Brasil. LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (Org.).Belo Horizonte: Autêntica, 2000

______ FERNANDES, Rogério. Sobre a história da infância. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes de (Org.). A infância e sua educação: materiais, práticas e representações [Português e Brasil]. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 15-34. .LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988 (coleção 100 anos Da abolição 1888-1988) SOUZA , Laura de Melo e. . Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1983. 323 p

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SZMRECSANYI, Tamás.(Org.) 2 ed. São Paulo: HUCITEC/ Associação Brasileira de

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Pesquisadores em História Econômica/ Editora da Universidade de São Paulo/ imprensa

Oficial, 2002).

1 Uma discussão interessante sobre a tensa e conflitante ocupação e o caráter social das Minas colonial pode ser verificada na obra de Laura Vergueiro. Opulência e miséria das Minas Gerais. 2ed. São Paulo: Brasiliense, 1983 e também na obra de Laura de Melo e Souza. . Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. 1. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1983. 323 p 2 No que tange à escolarização feminina estudos mostram que, por uma série de motivos, vilipendiou-se tal mecanismo. Embora houvesse por parte do Estado incentivo em escolarizar as meninas e houvesse, por outro lado, demanda por parte das famílias em matricular esse seguimento, a lei de obrigatoriedade escolar para elas somente foi promulgada em 1883 mesmo que, de forma facultativa, parcela dessas meninas já viesse ocupando os bancos de algumas escolas elementares. Ver (Veiga, 2006:55; Gouvêa 2004) 3 Essa lei rezava a não obrigatoriedade da instrução feminina. Além disso, estabelecia que o conteúdo ensinado nas escolas de meninas também deveria ser diferente ao ensinado para os meninos onde de acordo com o artigo 3º “nestas Escollas as ensinarão, além das materias do 1º grào, ortografia, prosodia, noçòes gerais dos deveres moraes, religiosos, e domésticos”. Ver In: M.S. Inácio. O processo de escolarização e o ensino de primeiras letras em Minas Gerais (1825-1852). 2003, p.42. 4 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. 1988. 5 Segundo Vaz , 1990(194) o horário de corpo das fábricas era de 06:00 às 18:00hs, o que perfazia 12 horas de trabalho diários. No entanto, em artigo do jornal Folha do Cedro de 12 de maio de 1912 anuncia-se que “ A directoria da cedro num belo e inspirado gesto altruísmo dando arrhas das suas alevantadas idéias de progresso acaba de adoptar o dia de dez horas de trabalho, nas três fábricas de sua propriedade, Cedro, Cachoeira e São Vicente. Estando determinado o começo do serviço às 06:00 hs da manhã e o descanso às 05:00 hs da tarde, desde do dia 08 do corrente”. 6 No relatório Anual de 1905 o gerente da Cedro relata que com a instalação da luz elétrica no referido ano o problema de iluminação foi resolvido. IN: Relatório Anual de 1905. 7 IN: Relatório Anual de 1905. 8 Vale dizer que o cotidiano dos adultos era bastante parecido com o das crianças, havendo diferença, no entanto para as punições cometidas nos artigos 1º a 3º do regulamento interno. No entanto, queremos aqui fazer uma discussão centrando no caso específico da criança na fábrica. 9 Em 1905 com a chegada da luz elétrica a fábrica passou a adotar o trabalho noturno, os registros não mostram, porém se havia crianças trabalhando ou não, à noite. 10 Documentos encontrados no Livro de Relatórios e Balanços da Cia Cedro e Cachoeira 1883-1892 (Sede da fábrica