a indÚstria do dano moral -...

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO Cíntia Rodrigues Nogueira A INDÚSTRIA DO DANO MORAL Governador Valadares 2011

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS

CURSO DE DIREITO

Cíntia Rodrigues Nogueira

A INDÚSTRIA DO DANO MORAL

Governador Valadares

2011

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CÍNTIA RODRIGUES NOGUEIRA

A INDÚSTRIA DO DANO MORAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Rogério Paula Miranda

Governador Valadares

2011

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CÍNTIA RODRIGUES NOGUEIRA

A INDÚSTRIA DO DANO MORAL

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Prof. Rogério Paula Miranda

Governador Valadares, ___ de ____________ de 2011.

Banca Examinadora:

__________________________________________

Prof. Rogério Paula Miranda Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________

Professor convidado 1 Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________

Professor convidado 2 Universidade Vale do Rio Doce

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Dedico à minha querida mãe, que hoje não está

presente para comemorar a minha vitória, mas que

sempre acreditou que eu poderia realizar os meus

sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida e pela oportunidade de realizar mais um sonho.

Ao meu pai Edinaudo, meu grande incentivador, que me ensinou o caminho da

dignidade e sempre fez tudo para que eu alcançasse os meus objetivos.

À minha mãe Célia, que pôde vislumbrar apenas o começo dessa trajetória, mas

sempre acreditou no meu potencial. Hoje não está mais entre nós para comemorar

esta vitória, mas deixou grandes exemplos de fé, humildade e amor, os quais

levarei eternamente em minha caminhada.

Aos meus familiares e amigos, pelo apoio recebido ao longo destes 5 anos.

À minha amiga Emanuelle, grande companheira ao longo dessa jornada.

Ao Professor Rogério Paula Miranda pela especial atenção e apoio recebidos na

realização deste trabalho.

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“Estudar o direito é, assim, uma atividade

difícil, que exige não só acuidade,

inteligência, preparo, mas também

encantamento, intuição, espontaneidade.

Para compreendê-lo é preciso, pois, saber e

amar. Só o homem que sabe pode ter-lhe o

domínio. Mas só quem o ama é capaz de

dominá-lo, rendendo-se a ele”.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior

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RESUMO

O ordenamento jurídico pátrio estabelece que quem causar dano a outrem será

obrigado a repará-lo, ou ao menos tentar restabelecer a vitima ao status quo ante, o

que, segundo a lei, se materializa através de uma indenização pecuniária.

Entretanto, o que acontece atualmente no Brasil é uma verdadeira banalização da

reparação por danos morais, uma vez que o Judiciário encontra-se abarrotado de

pedidos de indenização que nada tem a ver com o abalo moral, pois trata-se apenas

de aborrecimentos corriqueiros, que não provocam nenhum prejuízo de ordem

moral. Esta situação nos leva a fazer uma análise detalhada de quais são os motivos

que tem contribuído para esta crítica realidade e o que pode ser feito no contexto

jurídico para a valorização deste instituto tão importante e necessário.

Palavras-chaves: Dano moral. Indenização. Indústria. Banalização.

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ABSTRACT

The native legal system establishes that who to cause outrem to damage will be

obliged to repair it, or the least to try to reestablish the victim to the status quo before,

what, according to law, if materialize through a pecuniary indemnity. However, what it

happens currently in Brazil is a true banalization of the repairing for pain and

suffering, a time that the Judiciary one meets overloaded of claim that nothing has to

see with it shakes moral, a time that is only current annoyances, that do not provoke

no damage of moral order. This situation takes in them to make an analysis detailed

of which is the reasons that have contributed for this critical reality and what it can be

made in the legal context for the valuation of this so important and necessary

institute.

Keywords: Moral Injury. Compensation. Industry. Banalization.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................................ 11

3 DEFINIÇÃO DE DANO MORAL ............................................................................ 13

4 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL ......................................... 15

4.1 CÓDIGO DE HAMMURABI ................................................................................. 15

4.2 AS LEIS DE MANU ............................................................................................. 15

4.3 O ALCORÃO ....................................................................................................... 16

4.4. A BÍBLIA SAGRADA .......................................................................................... 16

4.5 GRÉCIA ANTIGA ................................................................................................ 16

4.6 DIREITO ROMANO ............................................................................................. 17

4.7 EVOLUÇÃO DO DANO MORAL NO BRASIL ..................................................... 17

5 NATUREZA JURÍDICA DO DANO MORAL .......................................................... 19

6 O DANO MORAL NOS DIVERSOS RAMOS DO DIREITO BRASILEIRO ........... 21

6.1 DIREITO CONSTITUCIONAL ............................................................................. 22

6.2 DIREITO CIVIL .................................................................................................... 23

6.3 DIREITO DO CONSUMIDOR .............................................................................. 25

7 A INDÚSTRIA DE DANOS MORAIS NO BRASIL................................................. 28

7.1 DANO MORAL X MERO ABORRECIMENTO ..................................................... 29

7.2 FUNDAMENTOS PARA REPARAÇÃO DO DANO MORAL ............................... 30

7.3 FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ...................................................... 31

7.4 REFLEXO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO .......................................................... 33

7.5 O IMPORTANTE PAPEL DO ADVOGADO NA PREVENÇÃO DA BANALIZAÇÃO

DOS DANOS MORAIS .............................................................................................. 35

7.6 COMBATENDO A INDÚSTRIA DOS DANO MORAL ......................................... 37

8 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 38

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 40

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objeto de estudo fazer uma análise de como tem

sido aplicada a indenização por danos morais no Brasil.

A questão do dano moral é um tema que merece atenção especial no

contexto jurídico contemporâneo.

Grandes quantidades de pedidos de indenização por dano moral se

avolumam e se amontoam em varas cíveis de todo o país, sendo relevante

considerar que muitos deles se fundam em pedidos inconsistentes.

O crescimento exagerado de processos por este tipo de dano fez merecer

comparação à indústria e, lamentavelmente, o desonroso título de “indústria do dano

moral”, expressão utilizada no meio jurídico para se referir a este excesso de

pedidos indenizatórios.

O fato é que a indústria do dano moral infelizmente é uma realidade no

Brasil. Este excesso de pedidos indenizatórios tem gerado um reflexo negativo em

nosso Poder Judiciário.

Os processos a cada dia vão se acumulando, o número de magistrados nem

sempre é suficiente para o julgamento das demandas e, conseqüentemente se

instala a morosidade no julgamento de outras causas consideradas mais urgentes.

A indenização por dano moral deve sim existir, mas para que ela seja

concedida, deve-se levar em consideração que o dever de indenizar pressupõe a

existência de três requisitos cumulativos, quais sejam: a existência do dano, a

ocorrência da conduta culposa e o nexo de causalidade entre o referido dano e a

conduta.

Imprescindível também é estabelecer a diferença entre dano moral e mero

aborrecimento, uma vez que dano moral é uma dolorosa e imensurável sensação

experimentada pelo indivíduo, diferentemente de meros aborrecimentos do dia-a-dia

que nada mais são do que contrariedades do cotidiano e não revelam nenhum abalo

moral ou sofrimento íntimo.

Diante dessa realidade, necessário se faz o aprofundamento do debate

sobre as causas que têm contribuído para o crescimento dessa situação, e as

providências a serem tomadas a fim de evitá-las.

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A metodologia utilizada será a jurídico-teórica, através de pesquisa

bibliográfica, onde buscaremos os aspectos históricos, conceituais e doutrinários

pertinentes ao tema em tela.

Neste estudo, começaremos definindo o dano moral, para uma melhor

interpretação do tema proposto.

Logo em seguida, será feita uma breve evolução histórica do dano moral em

outras civilizações, até sua aceitação no Direito Brasileiro.

Na parte final, apresentaremos uma breve explanação de como o dano

moral tem sido um instituto importante dentro do ordenamento jurídico pátrio, e

então, entraremos no cerne da questão, abordando sobre a existência de uma

“indústria” de danos morais no Brasil.

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2 RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra “responsabilidade” origina-se do vocábulo responsável, do latim

respondere, que significa responsabilizar, assegurar, assumir o ato ao qual se

obrigou ou que praticou.

O termo “civil” refere-se ao cidadão, contextualizado nas suas relações com

os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir e obrigações

a cumprir.

Segundo a professora Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil é a

aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou

patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ele mesmo praticado, por

pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples

imposição legal.

O instituto da responsabilidade civil é formado pelo conjunto de normas e

princípios que disciplinam o nascimento, conteúdo e cumprimento de tal obrigação.

O objetivo deste instituto é preservar o equilíbrio do ordenamento jurídico,

pois impõe ao causador do dano decorrente de ato ilícito o dever de compensar a

vítima o dano material ou moral sofrido pela mesma.

Nesta oportunidade, convém esclarecer ato ilícito de acordo com o

entendimento de Beviláqua (1977, p. 14):

“Ato ilícito é aquele que praticado sem direito, causa dano a outrem, seja uma

omissão ou uma comissão”.

Assim, aglomerando-se os dois termos, se tem a locução jurídica ora

analisada, que quer significar a garantia de que alguém que praticou um ato ou

omissão danosa em seus relacionamentos sociais, será obrigado a responder pelos

resultados do que causou, tendo que cumprir com todos os deveres legais a fim de

reparar os estragos que praticou.

A responsabilidade civil é uma espécie do gênero responsabilidade jurídica,

que deriva da transgressão, por um ato concreto, de uma norma jurídica pré-

existente e abstrata, de modo a impor ao causador do dano a obrigação de indenizar

a vítima a fim de transportá-la ao estado emocional em que se encontrava

anteriormente ao causamento do dano.

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A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual, que também

é chamada de responsabilidade aquiliana1; sendo que, na primeira hipótese, basta o

descumprimento do que prevê o pacto firmado entre as partes para que ela se

configure, enquanto que na segunda, imprescindível a existência dos três elementos

citados acima, sem os quais não se pode responsabilizar alguém por ato algum.

Uma vez esclarecido o conceito de responsabilidade civil, passaremos então

à definição de dano moral.

1 Trata-se de responsabilidade objetiva extracontratual. É a responsabilidade que decorre da

inobservância de norma jurídica, por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

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3 DEFINIÇÃO DE DANO MORAL

Entende-se por dano moral o sofrimento causado à alguém por ato ilícito de

outrem, em outras palavras, são as lesões não patrimoniais sofridas pelo indivíduo.

Assim ensina Stocco (1997, p. 523):

O dano moral é direto, quando lesiona um interesse tendente à satisfação do gozo de um bem jurídico não patrimonial. Os danos morais são diretos quando a lesão de um bem jurídico contidos no direito da personalidade, como a vida, a integridade corporal, a honra, a própria imagem ou então quando atinge os chamados atributos da pessoa, como o nome, a capacidade, o estado de família.

Conforme brilhantemente nos ensina Cahali (1998, p. 22): “Dano moral,

portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem

repercussão patrimonial”.

Para Venosa (2010, p. 853), “Dano moral, ou melhor dizendo, não

patrimonial, é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima.

Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade.”

Ainda sobre o dano moral, Gonçalves (2010, p. 375), com muita propriedade

esclarece que: “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando

seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a

honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome, etc.”

O ilustre professor Stolze (2011, p. 97), sobre dano moral conceitua:

O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.

Ainda na concepção do renomado professor Cahali (1998, p. 20), dano

moral é:

A privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.), e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).

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Há uma percepção errônea de que o dano moral esteja relacionado a algum

incômodo, chateação ou qualquer outro constrangimento que alguém venha passar

em função da atitude de outrem.

Entretanto, não se pode confundir dano moral com transtornos diários

inerentes ao cotidiano de uma sociedade complexa como esta da qual fazemos

parte, ou seja, não podemos confundir dano moral com aborrecimentos corriqueiros

aos quais estamos sujeitos diariamente na convivência social.

Neste mesmo sentido é o entendimento do professor Venosa (2010, p. 853):

Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater famílias

2: não se levará em conta o psiquismo do

homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino.

Desse modo, resumidamente, pode-se dizer que dano moral é o detrimento

da personalidade de alguém causado por ato ilícito de outrem. Este prejuízo pode

derivar-se de violação de norma jurídica ou contratual.

2 Bom pai de família

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4 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DANO MORAL

Embora a reparação por danos morais seja assunto que só há pouco tempo

tornou-se expressamente aceita nas legislações contemporâneas, a história nos

demonstra que tal instituto encontra-se amparado em preceitos normativos desde a

antiguidade.

4.1 CÓDIGO DE HAMMURABI

O Código de Hammurabi surgiu na Mesopotâmia, através do rei da

Babilônia, Hammurabi. Era um sistema codificado de leis, composto por 282

dispositivos legais, que tinha como princípio fundamental que “o forte não

prejudicará o fraco” e determinava claramente a vontade de se cumprir ao lesado

uma reparação equivalente ao dano sofrido, com previsão inclusive de violência

física, e em outros casos, ressarcimento pecuniário, sem prejuízo de outras sanções.

4.2 AS LEIS DE MANU

Tal denominação surgiu por causa de Manu Vaivasvata, que, na mitologia

hindu, foi um homem extremamente respeitado pelos brâmanes3. Ele sistematizou

as leis sociais e religiosas do Hinduísmo.

A existência histórica de Manu, ainda é discutível, mas ainda hoje, o

conjunto normativo conhecido por “Código de Manu”, interfere na vida social e

religiosa da Índia, onde o Hinduísmo ainda é a principal religião.

Fazendo uma comparação do Código de Hammurabi com o Código de

Manu, notamos uma certa evolução, tendo em vista que no Código de Manu não

3 Membros da mais alta casta daquela sociedade.

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mais existia a previsão de revidar a ofensa com violência física, prevalecendo

somente o pagamento de certo valor pecuniário, proporcional à ofensa.

4.3 O ALCORÃO

O Alcorão traz expressamente em seus termos:

“V. O adúltero não poderá casar-se senão com uma adúltera ou uma

idólatra. Tais uniões estão vedadas aos crentes”.

Trata-se de uma repressão histórica às lesões na esfera extrapatrimonial.

Tal proibição demonstra que o adultério se caracteriza, para os muçulmanos,

como uma autêntica lesão ao patrimônio moral dos indivíduos, correspondendo a

restrição supra uma clara forma de condenação.

4.4 A BÍBLIA SAGRADA

No Antigo Testamento, encontramos algumas passagens que tratam da

reparação de danos morais.

Em Deuteronômio 22:28-29, é um exemplo de reparação pecuniária de dano

moral, conforme transcrito abaixo:

Se um homem encontrar uma moça virgem não desposada e, pegando nela, deitar-se com ela, e forem apanhados, o homem que dela abusou dará ao pai da jovem cinqüenta ciclos de prata, e, porquanto a humilhou, ela ficará sendo sua mulher; não a poderá repudiar por todos os seus dias.

Verificamos neste texto, que a indenização aparece como forma de

reparação do dano moral, aliada à condenação de proibição de divórcio.

4.5 GRECIA ANTIGA

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Conhecida como berço da democracia, a civilização grega adotou como

método reparador do dano moral a indenização exclusivamente pecuniária.

Segundo a mitologia grega, um Deus chamado Hefesto, surpreendera, em

flagrante adultério, a infiel Afrodite. Ante esta situação, os deuses se reuniram e

decidiram que o amante Ares pagaria uma pesada multa em favor de Hefesto, a fim

de reparar-lhe o dano sofrido.

Tal conto evidencia o objetivo dos gregos em compensar o dano moral

através de uma prestação pecuniária.

4.6 DIREITO ROMANO

O Direito Romano seguia a mesma linha da civilização grega em relação à

reparação do dano moral, possuindo uma disposição ainda maior para a reparação

pecuniária. Um clássico exemplo é a Lei das XII Tábuas, que dispunha o seguinte:

“se alguém causar um dano premeditadamente a outro, ficará responsável a repará-

lo.”

No Direito Romano, o dano moral abrangia não só o patrimônio material das

pessoas, mas também o seu patrimônio imaterial, como sua moral, seu nome, sua

posição social.

Faria jus à reparação ainda, aquele que sofresse turbações nos seus

sentimentos religiosos, de família, ou em qualquer outro, da mesma natureza.

4.7 EVOLUÇÃO DO DANO MORAL NO BRASIL

A reparação do dano moral no Brasil começa a surgir por volta de 1850,

através do Código Penal.

Quarenta anos após o Código Penal de 1850, surge o Código Penal de

1890, trazendo nova previsão de reparação do dano moral. Este segundo

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estabelece como punição ao autor do crime de defloramento, o pagamento de um

dote em favor da ofendida.

Em 1916, o Código Civil determinava em seu artigo 159 que “aquele que por

ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar

prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Ressalta-se que este dispositivo

não fez nenhuma menção ao tipo de dano - material ou moral – que seria passível

de reparação.

Após o Código Civil de 1916, novas normas surgiram para regularizar o

assunto, à medida que surgiam necessidades de punir novas lesões ao patrimônio

alheio.

Consagrando definitivamente o instituto, a Constituição Federal de 1988

adotou expressamente a previsão do dano moral e sua reparação.

O artigo 5º, inciso X, trouxe a seguinte redação: “são invioláveis a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Amparado pela Constituição Federal, o Código Civil de 2002 trouxe em seu

artigo 186 a previsão literal do dano moral: “Aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

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5 NATUREZA JURÍDICA DO DANO MORAL

Há controvérsias quanto à natureza jurídica da reparação do dano moral.

Alguns estudiosos vislumbram apenas o caráter punitivo, enquanto outros,

afirmam que tal colocação não é suficiente para caracterizar a reparação do dano

moral.

Tem prevalecido o entendimento de que a reparação pecuniária do dano

moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor.

Enquanto serve de consolo, compensação ou atenuação do sofrimento

experimentado pela vítima, atua como uma sanção ao ofensor, a fim de que o

mesmo não volte a praticar atos lesivos à outrem.

Nas palavras do sábio professor Gonçalves (2010, p.396):

Não se trata de uma indenização de sua dor, da perda de sua tranqüilidade ou prazer de viver, mas de uma compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar uma vantagem ao ofendido, pois ele poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando assim, em parte, seu sofrimento.

Segundo o conceituado civilista Cahali (1998, p.42) :

A sanção do dano moral não se resolve numa indenização propriamente dita, já que a indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quanto se trata de dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de um ressarcimento; impondo ao ofensor a obrigação de pagamento de certa quantia em dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimônio daquele, proporciona a este um reparação satisfativa.

Inegável, assim, a natureza satisfatória ou compensatória da ora analisada

reparação, constituindo-se assim esta, em uma compensação ao dano e injustiça

sofridos pela vítima, suscetível de atenuar, em parte, seu sofrimento.

Importante destacar que na reparação do dano moral, o dinheiro não tem a

função de equivalência desempenhada no dano material, mas sim, uma função

satisfatória.

Em seu capítulo sobre dano moral, Stolze (2011, p.119), tratando do assunto

da reparação nos ensina:

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Quando a vítima reclama a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, em sua honra, nome profissional e família, não esta definitivamente pedindo do chamado pretio doloris

4,mas apenas que se lhe

propicie uma forma de atenuar, de modo razoável, as conseqüências do prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante.

Dessa forma, vimos que a reparação por danos morais não trata-se de uma

“pena civil”, mas de uma forma de compensação material ao lesado, pelo prejuízo

moral que sofrera.

4 Preço da dor

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6 O DANO MORAL NOS DIVERSOS RAMOS DO DIREITO BRASILEIRO

O dano moral passou a existir como instituto jurídico autônomo no Código

Civil de 1916, embora não estivesse definido expressamente, era aplicado

analogicamente através de uma adaptação interpretativa.

Mas esta aplicação não foi suficiente, tendo em vista as constantes

transformações da realidade social brasileira e dos novos conflitos que surgiram

frente às transformações e desenvolvimento dessa sociedade.

Em meados do século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial,

quando o sistema Capitalista tinha como necessidade desenvolver meios político-

econômicos para impor sua hegemonia frente ao Socialismo, as relações jurídicas

foram se tornando mais diversificadas e o Brasil passou por significativas

transformações políticas e econômicas, que trouxeram a necessidade de criar

normas que a legitimassem.

Foi nesse contexto que surgiu uma concepção mais aprimorada de

patrimonialidade, quando a definição limitada de bens materiais ampliou-se para

uma concepção mais abrangente que incluiria as idéias, os direitos, a honra e a

reputação como bens suscetíveis de proteção jurídica.

Daí em diante, a legislação brasileira foi se adequando às novas situações

que surgiram.

Em 1945, foi criada a Lei de Falências, que previa a reparação por danos

morais.

No ano de 1962, o Código Brasileiro de Telecomunicações também trazia

essa previsão.

Em 1965, o Código Eleitoral faz menção ao dano moral.

Em 1967, foi criada a Lei 5.250 a qual previa a proteção à honra e à

reputação contra informações inverídicas, inclusive criando uma espécie de tarifação

do dano moral.

Em 1980, surge a necessidade de se aplicar a indenização por danos morais

também na esfera das relações de consumo, sendo efetivada essa proteção com o

surgimento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à

indenização surge de forma expressa e inquestionável.

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Atualmente, a reparação por danos morais está presente nos mais diversos

ramos do Direito Brasileiro, mas para exemplificarmos, utilizaremos do Direito

Constitucional, Civil, e do Consumidor.

6.1 DIREITO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal5 prevê o direito de indenização por dano material,

moral e à imagem, consagrando, no inciso V, do art. 5º, ao ofendido a total

reparabilidade em virtude dos prejuízos sofridos.

A norma pretende a reparação da ordem jurídica lesada, seja por meio de

ressarcimento econômico, seja por outros meios, como por exemplo, o direito de

resposta.

O artigo 5º, inciso V, não admite qualquer dúvida sobre a obrigatoriedade da

indenização por dano moral, inclusive a cumulatividade dessa com a indenização

por danos materiais.6

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “sobrevindo, em razão de ato

ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos

afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização...” 7.

Cuidou a Constituição através desse dispositivo, proteger o cidadão contra

atos que violem direitos inerentes à pessoa humana, como a dignidade, sendo esta

inserida como princípio fundamental da Lei Maior.

Quanto à pessoa atingida, admite-se duas classificações quanto ao dano

moral, a primeira é o dano moral direto, que é aquele que atinge a própria pessoa,

sua honra subjetiva (auto-estima) ou objetiva (repercussão social da honra), e a

5 BRASIL, Constituição Federal, art. 5º, V – “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao

agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

6 Súmula STJ nº 37 – “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do

mesmo fato”.

7 STJ – 4ª T. – REsp nº 8.768-0/SP. Reg. nº 910003774-5 – Rel. Min. Barros Monteiro – Ementário

STJ, 05/122. No mesmo sentido: REsp nº 20.369-0/RJ – Rel. Min. Nilson Novaes. 3ª T. Unanime –

Ementário STJ 07/166.

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segunda refere-se ao dano moral indireto, sendo aquele que atinge a pessoa de

forma reflexa, onde podemos citar o exemplo da morte de alguém da família e o

parente sente-se lesado indiretamente pelo dano causado, quando, neste caso,terá

legitimidade para promover a ação indenizatória.

A indenização por dano moral tem respaldo constitucional e é aplicável,

tanto em relação à pessoa física, quanto em relação à pessoa jurídica8, uma vez que

todos são titulares dos direitos e garantias fundamentais amparados pela

Constituição.

6.2 DIREITO CIVIL

A matéria sobre indenização por danos morais no Código Civil é tão ampla

que mereceria estudo monográfico em separado, tamanha sua importância e

relevância no direito pátrio.

A nova codificação civil brasileira trouxe, em seu artigo 1869, como um

aspecto positivo, o reconhecimento formal e expresso da reparabilidade dos danos

morais.

No entendimento de Pablo Stolze, o dano moral consiste na lesão de direito

cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro.

Isso significa que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima

do indivíduo, violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem.

O dano moral tem sua base no citado artigo 186 do Código Civil, que trata

da responsabilidade civil, mas para que exista a responsabilidade civil, faz-se

necessária a presença de três requisitos. São eles: a conduta humana, o nexo de

causalidade e o dano ou prejuízo.

8 À pessoa jurídica aplica-se o dano moral objetivo

9 Novo Código Civil. Lei nº 10.406/2002

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”

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A conduta humana é o comportamento da pessoa que ocasiona um prejuízo

a outrem.

O nexo de causalidade é o vínculo entre essa conduta e o prejuízo

experimentado pela vítima.

O dano, e neste caso, estamos falando exclusivamente do dano moral, é a

lesão ocasionada pelo agente, é a lesão ao um direito não calculado materialmente,

pois ultrapassa os limites materiais.

O ponto central da responsabilização civil é a existência inequívoca de um

dano, eis que sem a configuração de um dano efetivo não há que se falar em

responsabilização civil.

Solange Teles da Silva explica que O Novo Código Civil Brasileiro de 2002

redimensionou os conceitos referentes à responsabilidade civil. O direito à reparação

é fundamentado na prática de atos ilícitos, exceto casos especiais que admitem a

teoria do risco. A obrigação de reparar pelos danos morais, consagrada pelo texto

constitucional, foi incluída na redação do Novo Código Civil.

Nestes termos, o dano moral é tratado atualmente como o efeito de um ato

ilícito praticado por ação ou omissão voluntária por alguém que será chamado à

responsabilização civil pela vítima que o faz através do poder jurisdicional do estado.

Com base no artigo 186 do Código Civil, o dano moral é efetiva e

absolutamente indenizável no país, cabendo à vítima acionar judicialmente o agente

para que responda patrimonialmente pelos danos que causou.

Diante do que estabelece o dispositivo legal supracitado verifica-se que, pela

lei brasileira o dano moral possui tônus de ilicitude pelo ordenamento brasileiro e é

tratado como tal. Como toda prática de ato desta natureza é combatida através de

uma sanção.

Está expressamente previsto no artigo 927 do mencionado pergaminho legal

que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.

Segundo Maria Helena Diniz o ato ilícito é praticado em desacordo com a

ordem jurídica, violando direito subjetivo individual.

Quem causa dano patrimonial ou moral a outrem, tem o dever de repará-lo.

O dano moral é considerado aquela mancha que não se apaga, se trata de

uma lesão profunda e destrutora causada ao interior de um indivíduo, machucando e

ferindo os direitos da personalidade e atingindo o aspecto psicológico do ser de um

modo generalizado.

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Mais uma vez cumpre destacar que tal dano não se confunde com um

simples dissabor ou aborrecimento sofrido em decorrência de relacionamentos

corriqueiros do dia-a-dia, pois precisa ser capaz de espancar a imagem, a honra ou

a vida privada da vítima, trazendo-lhe prejuízos estrondosos no âmago de seu ser.

6.3 DIREITO DO CONSUMIDOR

A partir da década de 80, com o desenvolvimento mercadológico e o avanço

das relações de consumo, há várias situações que atribuem ao consumidor

sentimentos de pesar, impotência e desigualdades perante a sociedade.

Tais sentimentos são provocados por atos ilícitos de outrem, que visam lesar

o direito alheio, em especial o consumidor.

Logo em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a proteção da

moral surge como garantia fundamental do homem, trazendo consigo a obrigação de

velar pelo consumidor.

Como se não bastasse, surge em 1990 o Código de Defesa do Consumidor,

que tem como função primordial proteger o consumidor nessa relação de

hipossuficiência diante do novo quadro social e econômico presente em nossa

sociedade.

Atualmente, com proteção constitucional, a defesa do consumidor é um dos

ditames básicos da ordem econômica.

Assim nos ensina o sábio professor Venosa (2010, p. 256):

Os direitos do consumidor surgem como forma de proteção do indivíduo perante o desenvolvimento que as sociedades de consumo atingiram. A vulnerabilidade do consumidor é sua própria essência. A vulnerabilidade do consumidor prende-se indelevelmente ao contexto das relações de consumo, tal como figura a lei, e independe de grau econômico ou cultural da pessoa envolvida.

Sendo assim, uma vez transgredidos os direitos do consumidor, haverá, sem

dúvidas, a reparação dos danos sofridos.

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O Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente em seu artigo

1210 o enquadramento da responsabilização civil em casos de danos ou prejuízos

causados ao consumidor.

Neste contexto, será atingido pela proteção de consumo não apenas o

consumidor final, mas também aquele que utiliza o produto ou serviço, como

destinatário final, ou seja, aquele que toma emprestado ou cedido determinado

produto adquirido por alguém, também receberá a proteção da lei do consumidor.

Nas relações de consumo da sociedade atual, há muitas formas de abusos

praticados por fornecedores de produtos e serviços e que geram danos morais, tais

práticas advindas de propagandas enganosas, uso indevido e inadequado da via de

protesto cambiários e lançamentos de dados dos consumidores em banco de dados

que constam créditos negativados, produtos inadequados para a segurança e uso,

produtos e serviços de má qualidade, não cumprimento de cláusulas contratuais,

demora na efetiva prestação dos serviços e entrega de coisas, o não atendimento

adequado na pós-venda, entre outros.

Em se tratando de protesto indevido, após a Constituição de 1988, ainda se

continua identificando no abalo de crédito que resulta do protesto indevido de título a

existência de dano patrimonial que deve ser indenizado. Mas, afirmada

constitucionalmente a reparabilidade do dano moral, a jurisprudência está se

consolidando no sentido de que o “abalo de crédito” na sua versão atual,

independentemente de eventuais prejuízos econômicos que resultariam do protesto

indevido de título, comporta igualmente ser reparado como ofensa aos valores

extrapatrimoniais que integram a personalidade das pessoas ao seu patrimônio

moral.

Muito comuns são as ações propostas por consumidores que tem seus

nomes indevidamente negativados em empresas que prestam serviços de proteção

ao crédito. Nestes casos, dispensa-se qualquer demonstração de sofrimento, pois

10 Art. 12. CDC:

O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores

por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,

apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou

inadequadas sobre sua utilização e riscos.

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presume-se que a simples exposição da pessoa em rol de maus pagadores, já é

suficiente para causar uma lesão à sua personalidade, que poderá refletir no seu

convívio social, trazendo-lhe então constrangimentos que, sem a conduta lesiva do

agente, não seriam realidade. Esse é o chamado dano in re ipsa11, ou seja, aquele

em que a presunção de sua ocorrência já é suficiente, se a situação apresentada

oferecer indícios de que ele tenha efetivamente ocorrido, já poderá se falar em dano

moral.

O dano moral exige que se apresente apenas a ocorrência de uma conduta

ensejadora de transtorno a algum direito da personalidade para que seja

considerado como ocorrido.

Inclusive, essa corrente vem encontrando amparo no Superior Tribunal de

Justiça que já decidiu da seguinte forma:

A concepção atual da doutrina opera-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (dano in re ipsa), não havendo que se cogitar da prova do prejuízo”. (REsp nº 23.575 – DF, Relator Ministro César Asfor Rocha, DJU 01/09/97).

Diante dessas situações, o direito à indenização por danos extrapatrimoniais

na esfera dos direitos do consumidor deve merecer especial atenção e tratamento

adequado de forma que resguarde a dignidade da pessoa humana e a segurança

jurídica nas relações de consumo.

11 Dolo Presumido

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7 A “INDÚSTRIA” DE DANOS MORAIS NO BRASIL

Este é exatamente o questionamento objeto do nosso estudo: Será que

existe uma “indústria” de danos morais no Brasil?

Até que ponto as pessoas tem usado de má-fé, alegando terem sido

abaladas em sua moral com o intuito de obter para si uma indenização pecuniária?

Qual o papel dos operadores do direito a fim de evitar que pedidos

incoerentes se acumulem em varas cíveis de todo o país?

Será que os advogados têm agido com ética no desempenho da nobre

função da advocacia ou têm sutilmente incentivado que as pessoas procurem um

motivo para serem indenizadas “moralmente”?

Atualmente, é uma preocupação iminente o excesso de demandas que

sobrecarregam juízes e Tribunais devidos principalmente à falta de recursos para

estabelecer a criação e modernização das instalações forenses, bem como para

promover concursos para o funcionalismo judiciário e da magistratura.

Certamente, este é um tema que merece toda a atenção, pois inúmeras são

as ações que movem a "máquina" do judiciário desnecessariamente, causando um

excesso de demandas daqueles que pleiteiam uma indenização por danos morais

descabida, em virtude de algum aborrecimento do cotidiano ou requerendo algum

enriquecimento fácil. É o que se intitula "indústria do dano moral".

A ação por danos morais, como direito constitucional, deve ser resguardada

daqueles que a utilizam de modo desconexo, com o intuito de enriquecer-se ou ao

menos, ganhar um dinheiro fácil em detrimento de alguma instituição ou pessoa,

pois o Judiciário não pode ser utilizado como instrumento de vingança ou

investimento.

É imprescindível que haja determinada prudência àqueles que movem a

"máquina" judiciária pleiteando indenizações por danos morais. Esta espécie de

ação não compreende exagerados esforços para motivar um possível sucesso ao

final, contudo é indiscutível que, para se obter uma decisão favorável, é exigível do

profissional certa cautela e, principalmente, bom senso ao operar a Justiça.

Resta-nos investigar o que pode ser feito para coibir a banalização do dano

moral em nossa realidade jurídica.

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Dentro deste objetivo, estabeleceremos alguns pontos importantes que

devem ser observados.

7.1 DANO MORAL X MERO ABORRECIMENTO

A inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das

pessoas, além da indenização pelo dano moral decorrente da violação destes

direitos estão previstas na Constituição Federal de 1988.

Diante dessa normatização expressa, torna-se preocupante a grande

quantidade de pedidos de indenização por danos morais pleiteadas perante o

Judiciário, quando na verdade, não há qualquer dano moral passível de indenização,

senão um aborrecimento freqüente do cotidiano.

Vivemos em uma sociedade complexa, onde estamos sujeitos a diversos

acontecimentos que podem desagradar-nos, contudo, essas situações, em regra,

não geram qualquer direito à indenização, ou seja, não encontram-se presentes os

requisitos que configuram o dano moral.

Como já definimos em capítulo específico, considera-se dano moral a dor

subjetiva, aquela dor interior que provoca um abalo psicológico tão grande, que

interfere na vida social e no bem estar do indivíduo, trazendo-lhe prejuízos muitas

vezes irreparáveis.

São inúmeras petições iniciais produzidas por aqueles que, valendo-se de

sua má-fé, fazem desta, uma tentativa de angariar recursos de uma maneira fácil.

Um exemplo clássico seria aquele que, fazendo valer o seu direito

constitucional de acionar o Poder Judiciário, sofre uma fechada brusca no trânsito e

se vê no direito de pleitear uma indenização por danos morais no valor de R$

1.000.000,00 (Um milhão de reais). Percebe-se que perdeu-se o parâmetro, o bom

senso, a seriedade.

Neste sentido esclarece Santos (1999, p. 118):

O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância (...) e que o homem médio tem de suportar em razão de viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.

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Conforme se observa nos julgados transcritos abaixo, a sociedade ainda não

tem o devido esclarecimento sobre a questão do dano moral, não sabendo

estabelecer a diferença entre dano moral e mero aborrecimento.

DANO MORAL – Responsabilidade Civil – Compra e venda – Entrega de de faqueiro acondicionado em caixa de papelão em vez de estojo de madeira, em desacordo com o que fora adquirido - Posterior entrega desse produto como presente de casamento - Inocorrência de dano moral - Caracterização como aborrecimento do dia-a-dia que não dá ensejo à referida indenização, pois se insere nos transtornos que normalmente ocorrem na vida de qualquer pessoa, insuficientes para acarretar ofensa a bens personalíssimos - Indenizatória improcedente - Recurso improviso". (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, PROCESSO: 1114302-1, RECURSO: Apelação, ORIGEM: São José dos Campos, JULGADOR: 5ª Câmara, JULGAMENTO: 02/10/2002, RELATOR: Álvaro Torres Júnior, DECISÃO: Negaram Provimento).

CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. INDENIZAÇÃO: DANO MORAL. I – O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem de mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável. II – Agravo não provido" (Supremo Tribunal Federal, RE 387014, AgR/SP – São Paulo, AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. Carlos Velloso, Julgamento: 08/06/2004, Segunda Turma, Publicação: DJ, DATA 25/06/2004, p. 57).

O que defendemos é que o pedido indenizatório seja pautado por uma

pretensão justificada, que venha realmente compensar o indivíduo por uma dor

imensurável que ele efetivamente sofrera, e não apenas mais uma tentativa de

conseguir dinheiro fácil às custas de situações comuns, as quais todos nós estamos

sujeitos.

7.2 FUNDAMENTOS PARA REPARAÇÃO DO DANO MORAL

Conforme foi citado no capítulo sobre o dano moral no Direito Civil Brasileiro,

para que haja uma indenização por danos morais faz-se necessária a presença de

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três requisitos cumulativos, sem os quais não há que se falar em indenização por

danos morais. São eles:

1) O fato lesivo ou a conduta humana gerado por alguém em prejuízo de

outrem;

2) O nexo de causalidade que é o vínculo existente entre a conduta do

agente e o prejuízo efetivamente sofrido pela vítima;

3) O dano, que é a lesão causada pelo agente a um interesse protegido

pelo direito e que causa, no caso do dano moral, profundo sentimento à vítima.

No entendimento de Diniz (2011, p. 127), a responsabilidade civil não pode

existir sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou:

O vínculo entre o prejuízo e ação designa-se “nexo causal”. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa.

Diante dos requisitos apresentados, a primeira análise a ser feita para ver se

estamos diante de uma situação de danos morais é verificar o vínculo existente

entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido.

Examinar o nexo de causalidade é descobrir quais condutas, positivas ou

negativas, deram causa ao resultado. Assim, para dizer que alguém causou um

determinado fato, é necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o

resultado gerado, ou seja, verificar se de sua ação ou omissão, incidiu o resultado

prejudicial.

Um vez presentes os requisitos necessários à configuração do dano moral

haverá, certamente, a possibilidade da indenização pecuniária no intuito de

compensar a dor sofrida pelo indivíduo em virtude de ato ilícito praticado por outrem.

7.3 A FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

A fixação do valor da indenização é matéria bastante discutida, e merece

especial atenção dentro do nosso tema, uma vez que, pelo valor da indenização

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arbitrada, muitas pessoas se sentem “impulsionadas” a buscar algum tipo de

reparação por danos morais também, pois vêem nesta situação, a possibilidade de

alcançar algum recurso financeiro de forma fácil.

Quando se trata de dano material, o problema vê-se rapidamente resolvido,

pois calcula-se o prejuízo efetivamente sofrido pela vítima e aplica-se a indenização

no valor correspondente a esse prejuízo.

Ao tratar do dano moral, amplia-se a dificuldade de fixar o valor da

indenização, pois o bem lesado não se pode medir monetariamente, variando de

caso para caso.

Vejamos a importante opinião de Santini (2002, p. 64) a respeito da fixação

do quantum indenizatório:

O critério de fixação do dano moral não se faz mediante um simples cálculo aritmético (...). Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu.

Neste mesmo sentido, é a opinião do ilustre Theodoro Júnior (2007, p. 212):

Se de um lado se aplica uma punição àquele que causa dano moral a outrem, e é por isso que se tem de levar em conta a sua capacidade patrimonial para medir a extensão da pena civil imposta; de outro lado, tem-se de levar em conta a situação e o estado do ofendido, para medir a reparação em face de suas condições pessoais e sociais.

Como pudemos observar, apesar de não haver previsão de um valor exato

para cada caso concreto, existem inúmeros critérios que necessitam ser observados

para que se obtenha uma justa indenização por danos morais, atendendo assim, a

finalidade do instituto que segundo Caio Mário da Silva Pereira, é punir o agente e

assumir um sentido compensatório para a vítima.

Apesar da flexibilidade que o julgador tem de aplicar um valor segundo o seu

consentimento, importante salientar que tal decisão não pode ser apresentada sem

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critérios, pois como preconiza o artigo 458, I12 do Código de Processo Civil, toda

decisão do juiz deve ser devidamente fundamentada.

Conforme dito anteriormente no capítulo sobre o Código de Defesa do

Consumidor, para que seja reconhecida a presença do dano moral, faz-se

necessária apenas a presunção de que algum direito da personalidade tenha sido

violado não precisando ser efetivamente demonstrado.

Entretanto, a demonstração de circunstâncias fáticas, como o abalo

psicológico, ou quaisquer outros efeitos do dano, tem importância prática no

momento em que for aplicar o valor da indenização com base na extensão do dano,

que certamente trará reflexos na quantificação da indenização correspondente.

Podemos dizer que a repercussão e perduração dos danos sofridos pela

vítima são diretamente proporcionais ao quantum13 indenizatório.

Assim manifesta-se a jurisprudência:

O direito a indenização pecuniária, está voltada não apenas a trazer atenuação à ofensa causada, mas também constituindo uma sanção imposta ao ofensor, que estimule a melhor zelo pela integridade da reserva moral dos outros." (TJSP, ap. cível 40.061-4, São Carlos, 5ª Câmara de Direito Privado, rel. Marco César, j. 21.05.98)

Conclui-se que para que a responsabilidade civil não consista em fonte de

enriquecimento para o ofendido, deverão ser observados os critérios da

razoabilidade e proporcionalidade, para sem excessos, atingir-se a indenização justa

e adequada.

7.4 REFLEXO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

12 Art. 458 CPC:

São requisitos essenciais da sentença:

I (...)

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito.

13 Quantidade

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O excesso de pedidos de indenização por dano moral tem gerado um reflexo

negativo no sistema judiciário brasileiro.

Isso, em relação a pedidos indevidos e inconsistentes como um caso 14 do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde uma consumidora afirma ter sido

enganada por determinado produto, pois seu rótulo indicava que tal produto era light,

sendo a mesma então iludida em razão da quantidade de calorias consumidas, e ao

utilizar do produto por um período de oito meses, ganhou peso. Por isso, buscou a

tutela jurisdicional a fim de se ver indenizada moralmente.

É claro que o pedido foi julgado improcedente, pois no caso em tela, não

restou demonstrado nenhum prejuízo em razão do fato ocorrido.

Situações como essas são comuns, e somam diariamente, processos e mais

processos em varas cíveis e juizados especiais cíveis de todo o país.

Chegamos ao ponto de ver ações em que o requerente alega ter sofrido

danos morais ao receber mensagens de e-mail não solicitadas. Este é o caso que foi

julgado pelo TJDF:

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MENSAGENS ELETRÔNICAS INDESEJADAS OU NÃO-SOLICITADAS. SPAM, ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DO CDC AOS NEGÓCIOS ELETRÔNICOS (E-COMMERCE). APRECIAÇÃO. PROPAGANDA ABUSIVA OU ENGANOSA. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INAPLICABILIDADE. DEMONSTRAÇÃO DE CULPA OU DOLO. EXIGÊNCIA. INTANGIBILIDADE DA VIDA PRIVADA, DA INTIMIDADE, DA HONRA E DA IMAGEM. VIOLAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. 1. O simples envio de e-mails não-solicitados, ainda que dotados de conotação comercial, não configura propaganda enganosa ou abusiva, a fazer incidir as regras próprias do CDC. 2. A eventual responsabilidade pelo envio das mensagens indesejadas rege-se pela teoria da responsabilidade subjetiva. 3. Não há falar em dano moral quando não demonstrada a violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. 4. Apelo provido. Sentença reformada. (TJDF. 20040111151542APC, Relator CRUZ MACEDO, 4a Turma Cível, julgado em 22/08/2005, DJ 11/10/2005 p. 138)

São situações como estas que nos motivou a pesquisar sobre a “indústria do

dano moral”.

14 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; 051/1.03.0002561-1, Publicada no Diário da Justiça em

04/08/2004

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Causas urgentes, pedidos importantes e necessários podem ficar

prejudicados, devido à morosidade da justiça, muitas vezes causada por situações

absurdas como estas.

Merece estudo, investigação. Onde está o profissional do Direito que

orientou a consumidora que seu pedido não fazia sentido pois neste caso não

estavam presentes os requisitos necessários à caracterização o dano moral?

Será que foi esta, mais uma tentativa de conseguir alcançar uma

indenização, sendo esta uma forma de ganhar dinheiro fácil?

O que defendemos neste estudo é a valorização do instituto do dano moral,

e o que não podemos admitir é que ele seja tratado como uma “loteria”, onde se tiver

“sorte”, vai ganhar.

7.5 O IMPORTANTE PAPEL DO ADVOGADO NA PREVENÇÃO DA BANALIZAÇÃO DOS DANOS MORAIS

Conforme citamos anteriormente, podemos considerar que a conduta

desonrosa de alguns advogados, pode contribuir para a banalização do dano moral.

O profissional do Direito detém, ou deveria deter o conhecimento técnico-

jurídico necessário para analisar determinado fato e concluir se está diante de uma

possível reparação por danos morais, ou se a situação não traz em si os requisitos

necessários à configuração do mesmo.

O cliente, ao adentrar à sala de um advogado, busca neste, a orientação que

em si mesmo não possui. Em contrapartida, o advogado, dotado destes

conhecimentos irá orientá-lo, informar-lhe seus direitos, se houverem.

No entanto, observa-se que muitos advogados, são signatários de pedidos

vexatórios, descabidos, desnecessários, que nada tem a ver com abalo moral.

Assim, a propositura de uma ação requer do advogado estudo prévio das

possibilidades de êxito e eleição da via adequada.

Ora, diante do preparo recebido na academia, inadmissível que, sabendo da

situação em que se encontra o sistema judiciário brasileiro, o advogado abra mão da

ética, e faça dessas petições, mais uma “tentativa”, de se conseguir algo.

Há que se falar também, que muitas vezes, essa conduta errônea, é fruto de

uma coligação do advogado com seu cliente, quando tentam lesar a parte contrária.

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Neste contexto, podemos classificá-lo como litigante de má-fé, pois litigante

de má-fé, é aquele que tem o intuito de prejudicar a parte adversa, e em última

análise, o próprio Estado-Juiz, visto que é a este que se destina a pretensão

jurisdicional.

O artigo 1415 do Código de Processo Civil, especialmente em seus incisos I,

III, tratam exatamente do assunto que estamos abordando, ou seja, constitui um

dever, previsto em lei, não formular pretensões sabendo que estão destituídas de

fundamento.

Inclusive, nos termos do § 2º do artigo 1816 do Código de Processo Civil, o

juiz, poderá, desde logo, conhecer de ofício a litigância de má-fé e aplicar, de

imediato, nos próprios autos, o valor da indenização.

Resssalte-se que a pena de litigância de má-fé é atribuída à parte, e não ao

seu advogado. Não seria o advogado solidariamente responsável pelo ônus da

litigância de má fé?

Diante das considerações feitas, esperamos que os estudantes de Direito

despertem para a questão e observem quão nobre e importante é o exercício da

15 Art. 14. CPC:

São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

I - proceder com lealdade e boa-fé;

III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;

IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final

16 Art. 18. CPC:

O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não

excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que

esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou

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advocacia, bem como a influência que ela pode desempenhar em determinados

assuntos como este que estamos tratando.

Ademais, a advocacia requer constante estudo, prudência, eficiência e

vigilância, pois, se assim não for, poderão incorrer em danos ao seu cliente, à

sociedade e à estrutura do Judiciário como um todo.

7.6 COMBATENDO A INDÚSTRIA DO DANO MORAL

Como vimos neste estudo, este excesso de pedidos indenizatórios

desprovidos de fundamentação agiganta o número das demandas e

conseqüentemente congestiona a Justiça.

A questão foco é a seriedade da Justiça, que socorre aqueles que

efetivamente precisam dela, mas ultimamente, o Poder Judiciário tem sido visto

como moroso, dispendioso e atravancado, o que gera um descrédito na prestação

jurisdicional.

Devemos pensar que existem milhares e milhares de pessoas que

efetivamente precisam de uma resposta urgente do Estado-Juiz, que tiveram suas

vidas abaladas, obstruídas, tantos outros perderam até o sentido de viver em razão

de abalos morais.

Entretanto, muitas vezes, sentem-se impedidas, ou até mesmo

desmotivadas em buscar a tutela jurisdicional, pois sabem que o processo é lento,

desgastante o que poderá até evidenciar ainda mais o abalo sofrido.

Precisamos contribuir para que aqueles que realmente necessitam de uma

providência da Justiça consigam alcançá-la de forma célere e eficaz.

Para tanto, precisamos combater a “indústria do dano moral”, tirando essa

nuvem que atualmente paira sobre o Poder Judiciário, como sendo algo que impede

o bom andamento da Justiça.

Por uma justa indenização por danos morais, este é o nosso objetivo.

Que toda conduta que foge à boa-fé e à ética seja combatidos e que, como

profissionais do Direito e cidadãos, sejamos íntegros honestos e competentes.

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8 CONCLUSÃO

A presente pesquisa demonstrou que o instituto da responsabilidade civil,

em especial a indenização por danos morais, é um tema especialmente relevante no

contexto jurídico brasileiro.

Não somente na realidade brasileira, mas no mundo jurídico como um todo,

como vimos na evolução histórica dos danos morais.

A convivência em sociedade gera conflitos, e destes conflitos surgem

situações que ultrapassam os limites aceitáveis, gerando conseqüências que

efetivamente precisam ser reparadas.

É claro que muitas dessas conseqüências dependendo do fato ocorrido não

podem ser restituídas, pois tratam de bens não disponíveis, nem redutíveis a valor

econômico, como a vida, integridade física, moral, etc.

Mas o ofensor precisa ser punido de alguma forma, pois que seja

financeiramente, para que de alguma forma se sinta impedido de realizar uma

conduta ilícita que prejudique o bem estar de outrem. Eis aí a reparação por danos

morais e sua finalidade: compensar a dor da vítima ao mesmo tempo em que gera

uma punição ao agente.

Então surge a figura do Estado-Juiz, investido da função de promover a

Justiça, mas muitas vezes sufocado, congestionado, moroso, pelo excesso de

pedidos indenizatórios que se avolumam, mas que nem deveriam estar ali, por se

tratarem de pedidos inconsistentes, indevidos, descabidos e desprovidos de base

legal.

A situação transformou-se num caos tão grande que é possível imaginar o

Judiciário sendo comparado a um verdadeiro cassino, onde pessoas mal-

intencionadas buscam indenizações milionárias.

Como vimos, a reparação por danos morais teve uma longa história até ser

expressamente aceita em nosso ordenamento jurídico. No entanto, em poucos anos,

ela se tornou uma fonte renda fácil.

Precisamos apreciar este instituto, impedindo que ele seja banalizado,

tratado como algo sem valor, pois sua função é essencial e indispensável na

sociedade em que vivemos.

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A utilização sem critérios do instituto do dano moral cria o descrédito e

banaliza este tão importante instrumento, por isso é necessário que o Judiciário

adote critérios sólidos na aferição e na quantificação da indenização por ilícitos

desta natureza e, aos operadores do direito, que utilizem de ética, cautela e

prudência na propositura de demandas relacionadas a este assunto.

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