a inconfidência mineira inserida na evolução do direito penal

9

Click here to load reader

Upload: duongquynh

Post on 07-Jan-2017

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 249

Não é tarefa difícil buscar desde logo umconceito para o direito penal, certo que oscompêndios especializados inauguram suaslições pela definição da ciência objeto de estudo.Aníbal Bruno, para quem o direito penal seapresenta como o conjunto de normas jurídicaspelas quais se exerce a função do Estado deprevenir e reprimir os crimes, por meio de sançõescominadas aos seus autores, esclarece, ainda,que a finalidade do direito penal é a defesa dasociedade, pela proteção de bens fundamentais,como a vida humana, a integridade corporal dohomem, a honra, o patrimônio, a segurança dafamília, a paz pública, etc. Ao seu turno, compreciosa concisão, ensina Hans Welzel que odireito penal é aquela parte do ordenamentojurídico que fixa as características da açãocriminosa, vinculando-lhe penas ou medidas desegurança; no mesmo sentido Mezger, paraquem o direito penal é o conjunto de normasjurídicas que regulam o exercício do poderpunitivo do Estado, associando ao delito, comopressuposto, a pena como conseqüência. Ou,ainda, conforme Sebastían Soler, para quem odireito penal é a parte do direito composta peloconjunto de normas dotadas de sanção retri-butiva. São portanto componentes essenciaisao direito penal os tipos penais e as sanções.

Vale todavia perguntar: por que moderna-mente o uso da expressão direito penal temsobressaído ao direito criminal, sendo esta poróbvio mais compreensiva, alongando-se paraabranger o crime e seus efeitos, um dos quais éa pena? Ora, parece óbvio que a nota sanciona-dora contida na pena criminal é o meio de açãoespecífico do direito penal, importando em umamodificação substancial no estado da pessoasubmetida ao seu gravame; assim, emboracarecendo de melhor substrato terminológico, a

A Inconfidência Mineira inserida naevolução do direito penal

LUIZ HENRIQUE MANOEL DA COSTA

Luiz Henrique Manoel da Costa é Promotor deJustiça e Professor da Univerdade Federal de OuroPreto.

Page 2: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Revista de Informação Legislativa250

expressão direito penal, menos abrangente quedireito criminal, ganha em aproximação aoentendimento popular que vincula intuiti-vamento ao mal cometido a retribuição contidana pena.

Nesse ponto, vale ressaltar não ser obastante definir, conceituar e delimitar o âmbitode abrangência do direito penal, senão que paraalém da dogmática jurídica se abre enorme campopara a especulação filosófica, conquanto nãobasta ter certo a existência de um direitofundamentalmente repressivo e sancionador,senão que para legitimá-lo há que se perquirirquanto à sua justificativa e real finalidade.Assevera Aníbal Bruno que o direito penal éum sistema jurídico de dupla face, que protege asociedade contra a agressão do indivíduo eprotege o indivíduo contra os possíveisexcessos de poder da sociedade na prevençãoe repressão dos fatos puníveis, sob o critérioregulador da justiça. Todavia, a proteção dasociedade em face do indivíduo, e deste em facedo Estado, não é exclusividade do direito penal,mas de todo o direito, posto que a norma jurídica,em geral, nada mais é que a positivação de regrasdestinadas a adequada convivência social. Talquestionamento, antes de ser abandonadodurante séculos de absolutismo, preocupou osfilósofos gregos; assim, quanto à razão efundamento do direito de punir e da finalidadeda pena, Platão defendia a idéia de expiação eretribuição para a pena, alçando-a, ainda, àcondição de instrumento de defesa social, deprevenção do crime, antecipando, com espan-tosa proficiência, as conclusões dos modernospenalistas, que buscam justificar a pena por meiode fundamentos de todo semelhantes, poisbaseados na retribuição e prevenção.

A propósito, Assis Toledo leciona que aprevenção geral e especial são conceitos quese completam e que não excluem o necessáriocaráter retributivo da pena criminal no momentode sua aplicação, verdadeira expiação, meio deneutralização da atividade criminosa potencialou, ainda, ensejo para recuperação, se possível,do delinqüente, possibilitando o seu retorno àconvivência pacífica na comunidade doshomens livres. Contra a teoria da retribuiçãolevantou-se a autorizada opinião de Claus Roxin.Para o penalista alemão, na verdade, a teoria daretribuição pressupõe já a necessidade da pena,que deveria fundamentar, pois, se o seusignificado assenta na compensação da culpahumana, não se pode com isso pretender que oEstado tenha de retribuir com a pena a toda

culpa; não se compreende como se pode pagarum mal cometido acrescentando-lhe um segun-do mal, sofrer a pena. Ainda Roxin, buscandosolucionar o dilema, invoca a natureza subsi-diária do direito penal, afirmando que somentese podem punir as lesões de bens jurídicos setal for indispensável para uma vida em comumordenada. Onde bastem os meios do direito civilou do direito público, o direito penal deve retirar-se. Afastada a teoria da retribuição, restaria comonota justificadora da pena sua característicaeminentemente preventiva, tanto que a aplicaçãoda pena serve para a proteção subsidiária epreventiva tanto geral e individual, de bensjurídicos e de prestações estatais, mediante umprocesso que salvaguarde a autonomia dapersonalidade e que, ao impor a pena, estejalimitado pela medida da culpa.

Tais considerações e questionamentos sãofruto de dilatado processo histórico-evolutivo,marcado por marchas e contra-marchas. Atéchegar-se à compreensão que se tem hoje, aindaque imperfeita, da justificativa e finalidade dodireito penal, o direito de punir, avocado pelaautoridade do monarca ou soberano, confundia-se com preceitos morais e religiosos, encon-trando sua justificativa na delegação divina,conquanto durante séculos jamais se questio-nou que o monarca recebia sua autoridadediretamente de Deus.

Mezger, citado por Aníbal Bruno, registraser impossível compreender ramo algum dodireito em sua situação atual sem conhecer seudesenvolvimento histórico. Conforme lembra ocatedrático da Universidade do Recife, o direitopenal, como qualquer direito, não é umaconstrução isolada no tempo. É produtohistórico, derivado de longa evolução deinstituições penais, e contém em si mesmo, empotencial, elementos de transformações futuras.Jean Cruet, no seu “A vida do direito e ainutilidade das leis”, no mesmo sentido afirmavahaver somente um meio para reconhecer a lei ecompreender a legalidade, qual seja, estudandoas leis como fenômenos históricos e sociais, nosseus caracteres observáveis. Inegável portanto,para além de concepções metafísicas, que odireito, embora tendo por fonte primária deprodução o Estado, é a conseqüência inexorávelde transformações sociais no curso da históriado homem; daí a advertência também de Cruet:

“Se o legislador toma o seu ponto departida fora dos fatos, é um acidente felizencontrar-se com eles, se entende seguira lógica pura da sua razão, é milagre poder

Page 3: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 251

compreender a lógica oculta de certasincoerências sociais; e, se quer estarrigorosamente de acordo consigo mesmo,como não cessará de o estar com arealidade?”

É verdade, portanto, que a sociedade todos osdias influi de forma decisiva para a transfor-mação das leis; todavia, o contrário não seconfirma, qual seja: a lei, divorciada da realidade,jamais conseguirá reformar a sociedade. O direitopositivo, inicialmente ditado por inspiraçãodivina, fruto do poder absoluto, foi obrigado ase transformar para se adequar aos anseios dasociedade em mutação, por meio de movimentosde reforma social que culminaram nas variadasformas modernas de produção legislativa,diversas na forma, mas dominadas por umelemento comum: a vontade popular. A pro-pósito da proteção emprestada pelo direito aointeresse comum, vale lembrar a lição de VonLiszt: não é a lei que determina o que seja umbem, mas apreciações humanas, éticas, estéticase sociais. Apenas o direito reconhece os objetosdesses julgamentos e, concedendo-lhes a suaproteção específica, forma com eles a suahierarquia dos bens jurídicos. O direito positivose transforma por exigência da própria sociedadeque pretende regular, e, embora tais transfor-mações não se façam somente medianteconvulsões sociais, sendo muitas vezes produtode lenta e sedimentada evolução, inegáveltodavia que as revoluções têm o condão demodificar per salto toda a ordem jurídicaprecedente; é a lição mais uma vez do vetustoadvogado de França:

“Se a agitação contra uma lei seproduz sob a forma de manifestaçãocoletiva, é ainda mais escorregadia apassagem do protesto verbal à deso-bediência efetiva. Violar a lei a sós é umdelito; com mil, um motim; com cem mil,uma revolução, e a multidão, se é bastantenumerosa, vai haurir na sua própria forçaum direito superior a toda a legalidade,porque julga trazer em si uma legalidadenova.”

É nesse ponto que se insere a inconfidênciamineira, bem como os congêneres movimentossociais que buscaram, ao seu tempo, modificara ordem política e jurídica. Então, para situá-lana história do direito penal, convém cami-nhemos nesta direção.

Conforme lembrado por Magalhães Noronha,“a história do Direito Penal é a história dahumanidade. Ele surge com o homem e o

acompanha através dos tempos, issoporque o crime, qual sobra sinistra nuncadele se afastou.”

Para nós, é com as leis e costumes de Portugalque se inicia a história jurídica brasileira. Naépoca do descobrimento, vigoravam as Orde-nações Afonsinas, logo substituídas pelasManuelinas, em 1512, revogadas em 1569 peloCódigo de D. Sebastião; mas são as OrdenaçõesAfonsinas, de fato, o nosso primeiro e maisduradouro código de leis, certo que, antes desua edição, a terra brasilis ainda não reuniacondições adequadas ao jugo draconiano dasleis portuguesas de então. Conforme anotadopor Aníbal Bruno,

“Felipe II, de Espanha, que passara areinar sobre Portugal com o nome deFelipe I, ordenou, ‘para emendar aconfusão das leis e obter a estima dosportugueses’, nova estruturação dosvelhos Códigos, incumbindo de organizá-la os desembargadores do Paço PauloAfonso e Pedro Barbosa, com a cola-boração de Damião de Aguiar e JorgeCabedo”.

Revistas, enfim, por outros juristas, são asOrdenações Filipinas decretadas em 1603, já sobo reinado de Felipe II, e, restaurada a monarquiaportuguesa, revalidadas pela lei de 29 de janeirode 1643, continuando em vigor por mais de doisséculos ainda.

Refletiam as Ordenações Filipinas o direitopenal daqueles tempos. O fim era incutir temorpelo castigo. O ‘morra por ello’ se encontravaem cada passo. Aliás, a pena de morte compor-tava várias modalidades. Havia a morte simples-mente na forca (morte natural); a precedida detorturas (morte natural cruelmente); a morte parasempre, em que o corpo do condenado ficavasuspenso e, putrefazendo-se, viesse ao solo,assim ficando até que a ossamenta fosserecolhida pela Confraria da Misericórdia, o quese dava uma vez por ano; a morte pelo fogo, atéo corpo ser feito em pó. Cominados também eramos açoites, com ou sem baraço, e das mãos, dalíngua, etc., queimadura com tenazes ardentes,capela de chifres na cabeça para os maridostolerantes, polaina ou enxaravia vermelha nacabeça para os alcoviteiros, o confisco, ainfância, a multa, etc..., assim conforme sintetizaMagalhães Noronha. Vale registrar que, para osPortugueses, o degredo se dava também para oBrasil. A pena não estava circunscrita à pessoado condenado, não raro se estendendo a toda

Page 4: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Revista de Informação Legislativa252

sua descendência; não haviam limitações exatasao direito de punir, ficando muitas vezes ocastigo ao alvedrio de seus executores. Havia,outrossim, a delação premiada, a desigualdadede classes perante o crime, devendo o juiz aplicara pena segundo a graveza do caso e a qualidadeda pessoa; a propósito, vale lembrar que sob otítulo “do que matou sua mulher pola achar emadultério”, a ordenação autorizava ao maridotraído matar a esposa e seu comparsa, “salvo seo marido for peão, e o adultero Fidalgo, ou nossoDesembargador, ou pessoa de maior qualidade”.O procedimento inquisitório, que, diga-se, nemsempre era exigido para aplicação dos castigos,desenvolve-se sem a presença do acusado, semque pudesse conhecer a acusação, as impu-tações, os depoimentos, as provas, a rigortambém sem agravo ou qualquer recurso. Oscrimes eram comumente confundidos com opecado e com a mera ofensa moral. Assim,começa o Livro V com a incriminação doshereges e apóstatas, prosseguindo contra osblasfemadores, feiticeiros e benzedores de cães;o crime de lesa-majestade é equiparado à lepra:

“porque assi como esta enfermidadeenche todo o corpo, sem nunca mais sepoder curar, e empece ainda aos des-cendentes de quem a tem, e aos que comelle conversam, polo que he apartado dacommunicação da gente; assi o erro datraição condena o que a commette, eempece a infama os que de sua linhadescendem, postoque não tenha culpa.”

Por tal crime teve que pagar o inconfidente. Valelembrar que ao Livro V das ordenações veiosomar-se outro estatuto de não menor bestia-lidade, este aplicável com exclusividade dentroda demarcação das terras Diamantinas, antigaComarca do Serro do Frio, donde provinhampedras preciosas para a real bolsinha de suamajestade portuguesa. O regimento Diamantinoviria a ser alcunhado de livro da capa verde, tendosido dado à execução por D. João VI, em 1771.

Não obstante a crueldade do estatutoFilipino, tal qualidade não lhe era exclusiva oupeculiar, sendo de resto o que de comum seencontrava nos Códigos do velho continente.Sob a égide sombria de tais estatutos, asexecuções sempre se davam de forma pública,verdadeira ostentação dos suplícios, compre-endida por Foucault também como um ritualpolítico, fazendo parte mesmo das cerimôniaspelas quais se manifesta o poder. Conforme opensador Francês, a execução dos castigoscorporais à luz do dia tinha por fim fazer, emprimeiro lugar, do culpado o arauto de sua

própria condenação, encarregado, de algummodo, de proclamá-la e, dessa maneira, deatestar a verdade do que lhe foi reprovado:

“passeio pelas ruas, cartaz que lhe épendurado nas costas, no peito ou nacabeça para lembrar a sentença; paradasem vários cruzamentos, leitura do do-cumento de condenação, confissãopública à porta das igrejas...”

Ainda, continua o filósofo, com a ostentaçãodos suplícios, “buscava-se dublar a procla-mação forçada da confissão pública com umreconhecimento espontâneo e público. Esta-belecer o suplício como momento da verdade.”E também, “prender o suplício no próprio crime;estabelecer de um para o outro relaçõesdecifráveis.”, normalmente por meio da expo-sição do cadáver do condenado ou de suaspartes arrancadas em locais públicos.

É sob o signo de tal ordenamento jurídicopenal que se desenvolveria a conjuraçãomineira. Já antes, em 1719, quando a Intendênciadas Minas criou as Casas de Fundição, bus-cando evitar as burlas contra a arrecadação doquinto sobre o ouro extraído, iniciaram-sepequenos levantes de mineradores. Em 1720, oGovernador da Capitania, Conde de Assumar,recebeu um documento dos donos das minas –liderados por Felipe dos Santos e PascoalGuimarães – reivindicando o abandono doprojeto de criação das Casas de Fundição.Prometendo estudar a situação para dissimularsua verdadeira intenção, o Governador mandouprender os chefes da revolta; preso, PascoalGuimarães foi remetido de Vila Rica para Lisboa,tendo o Conde mandado queimar o seu arraial,desde esse dia chamado o Morro da Queimada.Quanto a Felipe dos Santos Freire, tido comochefe do movimento, sem forma de processo,por simples ordem verbal do Conde, foi atadoàs caudas de quatro cavalos bravios e arrastadoe esquartejado vivo pelas ruas de Vila Rica, e ospedaços de seu corpo atados a postes na praçapública, para escarmento dos rebeldes, até quetempo os consumisse. Ao seu tempo também aconjuração mineira, como se sabe, é delatada, omovimento abortado, seus líderes presos eenviados para o Rio de Janeiro, e condenadosao final do processo. A Carta Régia de 15 deoutrubro de 1790 recomendava clemência aosInconfidentes à exceção de Tiradentes, querecebeu castigo semelhante àquele imposto aFelipe dos Santos, conforme determinado naSentença da Alçada, proferida no Rio de Janeiroa 18 de abril de 1792, donde se extrai o fatídicodecreto:

Page 5: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 253

“Portanto condemnam o réo JoaquimJosé da Silva Xavier, por alcunha Tira-dentes, alferes que foi da tropa paga dacapitania de Minas, a que com baraço epregão seja conduzido pela ruas públicasao lugar da forca, e n’ella morra mortenatural para sempre, e que depois demorto lhe seja cortada a cabeça e levadaà Vila Rica, aonde em o lugar mais públicod’ella será pregada em um poste alto atéque o tempo a consuma; o seu corpo serádividido em quatro quartos e pregadosem postes pelo caminho de Minas, nositio da Varginha e de Sebolas, aonde oréo teve suas infames praticas, e o maisnos sitios de maiores povoações, até queo tempo tambem os consuma. Declaramao réo infame, e infames seus filhos enetos, tendo-os, e seus bens applicampara o fisco e camara real, e a casa emvivia em Vila Rica será arrasada e salgada,e que nunca mais no chão se edifique, esendo proprias, serão avaliadas e pagasao seu dono pelos bens confiscados, eno mesmo chão se levantará um padrãopelo qual se conserve em memoria ainfamia d’este abominável réo.”

A sedição de Vila Rica e a conjuração mineiratodavia não foram movimentos isolados; desdemeados do século XVII ao início do século XIX,notadamente no transcurso do século XVIII,chamado por Marcello Cerqueira de a era dasrevoluções, o mundo viria assistir a movimentossociais fadados a modificar para sempre a facevisível do poder. Conforme leciona MarcelloCerqueira citando Marx:

“As revoluções de 1648 e 1789 nãoeram revoluções inglesas e francesas,eram revoluções de estilo europeu. Nãorepresentavam a vitória de uma determi-nada classe da sociedade sobre o antigosistema político, mas a proclamação deum sistema político para a nova sociedadeeuropéia. Era o triunfo da burguesia, maso triunfo da burguesia correpondia entãoao triunfo de um novo sistema social, àvitória da propriedade burguesa sobre apropriedade feudal, do sentimento nacio-nal sobre o provincialismo, da concor-rência sobre o corporativismo, da partilhasobre o direito de primogenitura, dodomínio do proprietário de terra sobre odomínio de quem era proprietário por obrae graça da herança feudal, das luzes sobrea superstição, da família sobre os brasões,da indústria sobre o ócio épico, do direito

burguês sobre os privilégios medievais.A revolução de 1648 era o triunfo doséculo XVII sobre o XVI, a revolução de1789 a vitória do século XVIII sobre oséculo XVII. Estas revoluções exprimiamcom mais evidência as necessidades domundo da época do que as necessidadesdos países onde ocorriam a França eInglaterra.”

Além desses movimentos, e especialmente,também a revolução americana viria a termarcante influência sobre o ideário dos incon-findentes mineiros, sendo conhecido o pedidoformulado por José Joaquim da Maia a ThomasJefferson, então embaixador em França, decolaboração norte-americana para o movimentoinsurrecional no Brasil. Entretanto, conformelembrado por Marcello Cerqueira, o julgamentoteatral e a celebração ritual da morte deTiradentes de nenhum modo afastou os motivosque provocaram a revolta. As idéias liberaispermaneceriam vivas no sentimento do povobrasileiro, dando ensejo a outros movimentosde não menor importância, a exemplo daInconfidência Bahiana ou Conjuração dosAlfaiates de 1798, também denunciada eesmagada antes mesmo de começar, quando,afastada a elite branca que dela pretendiaparticipar, foram condenados os pardos, mulatose alguns brancos de origem modesta, unsenforcados e esquartejados e os demais presosou degredados. De inspiração diversa, postoque urdida pela aristocracia rural, também arevolução pernambucana de 1817 viria a serdesmantelada, quando os revolucionários foramenforcados, tendo depois de mortos as mãoscortadas e decepadas as cabeças.

No século XVIII, deu-se significativoavanço no pensamento e doutrina jurídico-penais, quando surgiu o movimento queatualmente se conhece por escola clássica, tendopor destacados representantes figuras doiluminismo: César Beccaria, com seu Dei delittie delle pene (1764), Filangieri, Carmignani,Romagnosi e Paulo Anselmo Feuerbach, tidocomo fundador da moderna ciência do direitopenal na Alemanha, que admitiu o princípio daabsoluta legalidade dos crimes e das penas,dando-lhes a expressão da fórmula latina quedepois se popularizou – nullum crimen sinelege, nulla poena sine lege.

Daí que, sob o influxo renovador dasrevoluções e o amparo salutar das novascorrentes de idéias sobre as questões penais,informadas por princípios liberais e huma-nitários, o século XVIII assistiu ao início de uma

Page 6: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Revista de Informação Legislativa254

nova era para a justiça penal, especialmente como desaparecimento, nos textos legais, daimposição de suplícios e penas infamantes, aexemplo das instruções de Catarina II, da Rússia(1767); a extinção da tortura por Frederico oGrande, da Prússia; a reforma de José II, daÁustria, que aboliu a pena de morte (1787); aOrdenação de Luis XVI, na França (1780), e aLei de Pedro Leopoldo da Toscana, de 1786, queestabeleceu a iqualdade de todos perante a leipenal, a graduação das penas segundo agravidade dos crimes, o fim do arbítrio judicial,da tortura e da pena de morte; ainda, conformeanotado por Aníbal Bruno, caberia à RevoluçãoFrancesa o passo decisivo para a instauraçãode uma nova ordem jurídico-penal, com aDeclaração dos Direitos do Homem e doCidadão, de 26 de agosto de 1789, que viriainspirar o Código Penal Napoleônico de 1810.No Brasil, a legislação penal, com algumadefasagem, também sofre profundas modi-ficações. O Livro V das Ordenações permaneceuem vigor até a Constituição Imperial de 1824;antes todavia, por aviso de 11 de agosto de 1822,o princípe D. Pedro recomendava se obser-vassem as Bases da Constituição Política daMonarquia, baixadas com o Decreto de 10 demarço de 1821, o que importava em abolir atortura e certas penas graves, como o açoite, oconfisco e demais penas cruéis e infamantes, damesma forma que impedia que a pena passasseda pessoa do delinqüente. A Carta imperial de1824, outorgada por D. Pedro após dissoluçãoda Assembléia Constituinte por ele mesmoconvocada, viria exigir a elaboração de umCódigo Criminal, “fundado nas sólidas basesda justiça e equidade”, conforme constaliteralmente do art. 179, inciso 18; o mesmo art.179 estabeleceu a proibição de prisão sem culpaformada, a exigência de se dar ao preso, dentrode 24h após a prisão, nota de culpa assinadapelo juiz, devendo constar o motivo da prisão,os nomes do acusador e das testemunhas;determinou que, à exceção da prisão em flagrantee com ressalva das ordenações militares, a prisãonão poderia ser executada senão por ordemescrita da autoridade; garantias processuais àsquais vieram a se juntar regras de direito penal,como os princípios da anterioridade e irretro-atividade da lei penal, a igualdade perante a lei,a abolição dos açoites, tortura, marca de ferroquente e todas as mais penas cruéis; esta-beleceu, ainda, que nenhuma pena deveriapassar da pessoa do delinqüente, vedandoassim a confiscação de bens. A pena de morte,

todavia, somente foi abolida pelo ConstituiçãoRepublicana de 1891.

Em atenção à determinação da Carta Imperialpara elaboração do Código Criminal, a Câmarados Deputados passou a desincumbir-se damissão, com a discussão, a partir de 4 de maiode 1827, do projeto apresentado por BernardoPereira de Vasconcelos, seguindo-se a este oprojeto de José Clemente Pereira. Todavia, oprojeto de Vasconcelos saiu vencedor e, apósdiscutido e emendado, veio a aprovar-se a 23 deoutubro de 1830 e a ser sancionado com CódigoCriminal do Império a 16 de dezembro do mesmoano. Posteriormente, é votado e sancionado oCódigo de Processo Criminal, em 1832. Conformeassinala Magalhães de Noronha a propósito doCódigo Criminal do Império:

“O Código honrava a cultura jurídicanacional. De índole liberal, a que, aliás,não podia fugir, em face do liberalismo daConstituição de 1824, inspirava-se nadoutrina utilitária de Benntham. Influen-ciavam-no igualmente o Código Francêsde 1810 e o Napolitano de 1819.”

Não estava contudo isento de críticas; assimporque não definia a culpa, conferia tratamentodesigual e íniquo ao escravo, cominava as penasde galés e de morte, não separava a Igreja doEstado, contendo figuras delituosas a propósitode ofensas à religião estatal. Não obstante,tratava-se de considerável avanço para a época,sendo o primeiro Código independente naAmérica Latina, exercendo influências nalegislação de outros povos.

Todavia, conforme lembrado por MarcelloCerqueira,

“o período é turbulento e a classedominante teme por sua sobrevivência,Cabanos no Pará, balaios no maranhão,sabinada na Bahia, farrapos no Sul, todossão denunciados como separatistas efortemente reprimidos...”

Os donos do poder temem a relativa autonomiaemprestada às Províncias pelo Ato adicional de1834, que a elas conferia competência paralegislar sobre a organização judiciária e policial;outrossim, o Código de Processo Criminal faziacompetir às Câmaras Municipais a escolha dosjuízes. As autoridades policiais eram eleitas ehavia a garantia do habeas corpus. AindaMarcello Cerqueira lembra que

“com a morte de D. Pedro, elimina-se otemor da restauração e seus partidários

Page 7: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 255

vão aliar-se à direita liberal. O processose inverte e o segundo período será doregresso conservador, com a inter-pretação do Ato Adicional, em 1840, e areforma do Código de Processo, em 184l.”

A lei de 3 de dezembro de 1841, que atribuía àsautoridades policiais a formação da culpa, seriarevogada somente em 20 de dezembro de 1871,pela lei nº 2.033, que, além de definir crimesculposos e o estelionato, devolveu a instruçãoprocessual criminal às autoridades judiciárias.A abolição da escravatura em 13 de maio de1888, seguida da proclamação da república,exigiram a elaboração de um novo códigocriminal; Campos Salles, Ministro da Justiça,incumbiu tal missão a João Batista Pereira.Apresentado o projeto, em pouco tempo foi eleconvertido em Lei pelo Decreto nº 847, de 11 deoutrubro de 1890. Ao primeiro Código Criminalda República não se pouparam críticas, que otinham por inferior ao seu antecessor. Malo-gradas as tentativas de reforma e considerandoos acréscimos que se lhe foram feitos poralterações e aditamentos, o desembargadorVicente Piragibe compilou e sistematizou em umsó corpo de dispositivos as leis esparsas, assimdenominando o texto final de Consolidação dasLeis Penais, tornada oficial por decreto de 14 dedezembro de 1932. Após, sob a ordem políticado “Estado Novo”, o Ministro Francisco Camposincumbiu ao Professor Alcântara Machado, daFaculdade de São Paulo, a apresentação de umnovo projeto; a redação apresentada, submetidaa comissão revisora constituída por NelsonHungria, Roberto Lyra, Narcélio Queiróz e VieiraBraga, culminou em projeto definitivo, ao finalsancionado como Código Penal por decreto de7 de dezembro de 1940, entrando em vigor a 1ºde janeiro de 1942, cuja parte especial, emboraseguidamente alterada em diversos pontos,continua em vigor até hoje. São da mesma épocao Código de Processo Penal, a Lei de Introduçãodo Código Penal e a Lei das ContravençõesPenais, ainda em vigor, com alterações. Apropósito do Código Penal de 1940, Franciscode Assis Toledo assevera tratar-se de um

“estatuto de caráter nitidamente repres-sivo, construído sobre a crença danecessidade e suficiência da pena priva-tiva de liberdade para o controle do fenô-meno do crime”,

criticando ainda severamente a medida desegurança para o imputável, transformada naprática brasileira em verdadeira prisão perpétua.Em 1963, Nelson Hungria, por incumbência do

Governo Federal, viria a apresentar anteprojeto,objetivando nova reforma penal; submetido adebates no Instituto Latino-Americano deCriminologia e a estudos promovidos pela OABe Faculdades de Direito, recebeu numerosaspropostas de alteração, sendo então designadacomissão revisora pelo Ministro Mílton Campos,integrada pelo próprio Nelson Hungria, AníbalBruno e Heleno Cláudio Fragoso. A comissãoincorporou ao texto numerosas sugestões,reelaborando-o quase integralmente; todavia, asconclusões não chegaram a ser divulgadas.Retomada a reforma pelo Ministro Luiz Antônioda Gama e Silva, submeteu o anteprojeto arevisão final por comissão integrada pelosprofessores Benjamim Moraes Filho, HelenoCláudio Fragoso e Ivo d’Aquino. O texto doProjeto de Código Penal, convertido em lei peloDecreto-lei nº 1.004, de 21.10.69, deveria entrarem vigor no dia 1º de janeiro de 1970. Todavia,adiada por diversas vezes a vigência do novoestatuto, acabou o mesmo por ser revogado pelaLei nº 6.578, de 11 de outubro de 1978, sob oargumento de que o Código Penal de 1940,reformado ao longo da vacância do Código de1969, tornara-se mais atual que aquele. Aos 9 demaio de 1983, o então Ministro da Justiça IbrahimAbi-Ackel, por exposição de motivos, encaminhaao Presidente da República anteprojeto dereforma da parte geral do Código Penal, que viriaa se converter na Lei nº 7.209, de 11 de julho de1984; da preparação da reforma participaram osprofessores Francisco de Assis Toledo, RicardoAntunes Andreucci, Miguel Reale Júnior, HélioFonseca, Rogério Lauria Tucci, René Ariel Dotti,Dínio Santis Garcia e Jair Leonardo Lopes. Amesma comissão se encarregou de elaboraranteprojeto para uma lei específica a propósitoda execução penal e que viria a ser sancionadasob o nº 7.210, na mesma data.

A reforma penal de 1984, conforme informao Professor Francisco de Assis Toledo, decorreude uma exigência histórica: “Transformando-sea sociedade, mudam-se certas regras decomportamento”.Baseado na concepção de que a pena justa erasomente a pena necessária, “e, não mais, dentrode um retribucionismo kantiano superado, apena-compensação do mal pelo mal, segundo ovelho princípio do talião”, a nova parte geralintroduziu um sistema de cumprimento progres-sivo da pena; diversificou-se outrossim o rol depenas, indo desde a multa e a simples restriçãode direitos até a privação da liberdade em regimefechado, esta reservada apenas para os delitos

Page 8: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Revista de Informação Legislativa256

considerados mais graves. Entre as penas não-privativas de liberdade, acolheram-se asseguintes: multa, prestação de serviços àcomunidade, interdição temporária de direitos,limitação de fim de semana. Adotou-se, semrestrições, o princípio da culpabilidade, somentese admitindo a aplicação de pena com averificação da culpabilidade do agente por fatodoloso ou pelo menos por fato culposo, com oque aboliu-se a medida de segurança para oimputável, diversificou-se o tratamento dospartícipes no concurso de pessoas e admitiu-sea escusabilidade da falta de consciência dailicitude. Com isso, conforme ainda informa oilustre penalista,

“adotou-se um direito penal do fato-do-agente que não descura o agente-do-fato,num esforço de compatibilização, noslimites do possível, entre as teorias daculpabilidade pela condução de vida e daculpabilidade pelo fato singular, dando-se, não obstante, nítida prevalência àsegunda corrente, ou seja, àquela quetraduz em um direito penal do fato”.

Não obstante, o recrudescimento do índicesde criminalidades, especialmente do crime atroze violento ao lado do aparecimento de novasformas de delinqüência, tem importado emavanços e recuos na recente legislação penalbrasileira. São exemplos dessa aparente contra-dição a edição da Lei nº 8.072/90, posteriormentealterada para acrescer ao rol dos inquinadoscrimes hediondos o crime de homicídio quali-ficado. A referida lei viria a receber redobradascríticas. A propósito do art. 5º, XLIII, daConstituição Federal, que ensejou a elaboraçãoda aludida lei, profligou com veemência o ilustreProfessor Alberto Silva Franco:

“Assim, em nome do movimento da‘Lei e da Ordem’, além de criar umacategoria nova de delitos (os crimeshediondos), equiparou-a a outras espé-cies criminosas (tortura, tráfico ilícito deentorpecentes e drogas afins e terro-rismo), eliminou a garantia processual dealta valia (fiança), vedou causas extintivasde punibilidade expressivas (anistia egraça) e, afinal, atribuiu ao legisladorordinário a incumbência de formular tipose cominar penas, numa luta contra ocrime, sem descanso, mas fadada aoinsucesso, por seu irracionalismo,passionalidade e unilateralidade”.

No mesmo passo da lei hedionda, seguiu olegislador ao editar a Lei n. 9.034, que dispõe

sobre a utilização de meios operacionais para aprevenção e repressão de ações praticadas pororganizações criminosas, duramente atacada poralçar o juiz à condição de investigador comevidente quebra dos princípios norteadores domodelo acusatório. Paralelamente, contudo, veioa lume a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995,também por inspiração constitucional e quecuidou de instituir novo procedimento para apersecução dos chamados delitos de pequenopotencial ofensivo, assim considerados todasas contravenções e todos os crimes cuja penamáxima não exceda a um ano. Como principaisinovações, a aludida lei disciplinou quatromedidas despenalizadoras, a saber: 1º nasinfrações de menor potencial ofensivo deiniciativa privada ou pública condicionada,havendo composição civil, resulta extinta apunibilidade; 2º não havendo composição civilou tratando-se de ação pública incondicionada,a lei prevê a aplicação imediata de penaalternativa (restritiva ou multa); 3º as lesõescorporais culposas ou leves passam a requererrepresentação; e 4º os crimes cuja pena mínimanão seja superior a um ano permitem a suspensãocondicional do processo. A propósito daaparente contradição entre os modelos insti-tuidos, é o comentário de Ada PellegriniGrinover et alli:

“O modelo político-criminal brasileiro,particularmente de 1990 para cá (é dizer,desde que foi editada a Lei dos CrimesHediondos), caracteriza-se inequivo-camente pela tendência ‘paleorepressiva’.Suas notas marcantes são: endurecimentodas penas, corte de direitos e garantiasfundamentais, tipificações novas eagravamento da execução penal. Ocolossal incremento da criminalidade,derivado sobretudo do modelo sócio-econômico injusto, vem gerando umaforte demanda de ‘políticas criminaisduras’. E o Poder Público brasileiro vinhacorrespondendo a essa demanda: pri-meiro foi a lei dos crimes hediondos,depois a lei de combate ao crime orga-nizado. Agora já se fala numa lei doscrimes de especial gravidade. Foi comextraordinária surpresa, dentro dessecontexto de hard control, cuja eficácia,de resto, vem sendo largamente contes-tada, que recebemos a Lei 9.099/95, quedispõe sobre a criação dos JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais. Cuida-se delei sumamente relevante, porque visa

Page 9: A Inconfidência Mineira inserida na evolução do direito penal

Brasília a. 35 n. 138 abr./jun. 1998 257

testar um novo modelo (paradigma) deJustiça Criminal, fundado no consenso”.

Fato é que a ciência penal vem modernamenteperdendo seu caráter dogmático-jurídico, parareceber a contribuição de outras ciências comoa filosofia, a sociologia e a criminologia,debruçando-se cada vez mais os penalistas epensadores modernos sobre problemas funda-mentais ao desenvolvimento das instituiçõespenais, a exemplo da perda de sua legitimidadee da crucial questão da finalidade da pena e dodireito de punir, levantando-se autorizadas vozesquanto à ingente necessidade de modificação eadequação do direito penal às constantesmutações sociais. Entre os precursores dessemovimento de reformas podemos citar EugênioRaul Zaffaroni, Louk Hulsman, MaurícioMartinez Sanchez, Lolita Aniyar de Castro,Alessandro Barata, Antonio García-Pablos deMolina, Hassemer e entre nós Ricardo AntunesAndreucci, Luiz Flávio Gomes, Alberto SilvaFranco, Miguel Reale Júnior, Ada PellegriniGrinover, Antonio Magalhães Gomes Filho,entre outros.

Convém retomemos o objeto de nossa inicialatenção, a inconfidência mineira inserida naevolução do direito penal. Na verdade, umestudo que tivesse por objeto apurar aseventuais repercussões da inconfidênciamineira de forma a influir diretamente sobremodificações legislativas posteriores, especial-mente em matéria penal, deveria descer deti-damente sobre a investigação de tal fatohistórico, não sendo possível limitar-se à umaleitura superficial como a presente. Todavia, nãoé absolutamente incorreto concluir que aconjuração mineira, assim como os demaismovimentos sociais a ela contemporâneos,tiveram fundamental importância em definir umnovo modelo de sociedade e, por conseguinte,um novo modelo político e jurídico. Não estamosmuito distantes do século XVIII, e os problemashoje vividos, feitas as devidas adaptações, emmuito ainda se assemelham àqueles dos colonosbrasileiros; ontem o Brasil colônia de Portugal,hoje nação submetida ao colonialismo econô-mico imposto pela hegemonia do PrimeiroMundo; ontem a exploração e apropriação denossas riquezas minerais, hoje a remessa denossas divisas para o pagamento de uma dívidaexterna e eterna; ontem o regime de escravatura,hoje a escravidão do salário mínimo, a exploraçãodo trabalho infantil, a miséira do homem docampo e das periferias das grandes cidades;ontem a crueldade do direito criminal absolutista,

hoje a crueldade de um sistema policialtruculento e sem controle, a hipocrisia de se viversob um regime constitucional pleno de garantias,mas que na prática se converte em placebo, anteas constantes violações às liberdades públicas.Nesse universo, a imagem do Alferes adquireespantosa transcendência e, como um anjovingador, vem anunciar que o tempo dainconfidência não terminou, que somos todoshoje chamados a construir um mundo justo e que,para tanto, cada um use a melhor arma que tiver.

Bibliografia

ALENCAR, Francisco et al. História da sociedadebrasileira. [Rio de Janeiro] : Ao livro técnico, 1979.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal : parte geral. 2. ed.Rio de Janeiro : Forense, 1959. v. 1.

CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história :origem & reforma. Rio de Janeiro : Revan, 1993.

CRUET, Jean. A Vida do Direito e a inulidade dasleis. Salvador : Liv. Progresso, 1956.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir : história daviolência nas prisões. 8. ed. [Petrópolis] : Vozes,1991.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. ed.São Paulo : Revista dos Tribunais, 1994.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiaiscriminais. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995.

MACHADO FILHO, Aires da Mata. Arraial doTijuco [São Paulo] : Cidade Diamantina. Editorada Universidade de São Paulo, 1980.

NORONHA, Magalhães. Direito Penal. 5. ed. SãoPaulo : Saraiva, 1968.

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de DireitoPenal. 2. ed. [Lisboa] : Vega, 1993.

SOLER, Sebastían. Derecho Penal argentino : 10.ed. [Buenos Aires] : Tip. Ed. Argentina, 1992.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos deDireiro Penal. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 1991.

TORRES, Antônio. As razões da inconfidência. 4.ed. Belo Horizonte : Itatiaia, 1957.

WELZEL, Hans. Derecho Penal aleman. 11. ed.[Santiago de Chile] : Ed. Jurídica de Chile, 1993.

Obras de referência:BRASIL. Constituição. Constituições do Brasil : de

1824, 1891, 1934, 1937,1946 e 1967 e suasalterações. Brasília : Senado Federal, Subsecretariade Edições Técnicas, 1986. 2 v.

PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Ordenações eleis do Reino de Portugal. 20. ed. Coimbra :Imprensa da Universidade, 1851. v. 3.