a improvisação em dança como ato político
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A IMPROVISAO EM DANA COMO ATO POLTICO
THE IMPROVISATION IN DANCE AS A POLITICAL ACT
Patrcia Chavarelli Vilela da Silva1Jarbas Siqueira Ramos2
ResumoEntendemos que a improvisao em dana um campo de atuao com especificidadese singularidades, e que somente podem ser alcanadas com a vivncia prtica e aexperincia de criao artstica que abordem seus aspectos peculiares. Compreendemos,tambm, que os trabalhos no campo da improvisao podem apresentar aspectos
polticos em seu contexto, seja no processo de formao e atuao do artista-criadorneste campo, seja como a capacidade que a improvisao atribui ao sujeito para atomada de decises e posicionamento poltico. Este artigo tem como objetivo discutir as
dimenses polticas da improvisao em dana, considerando as relaes de poder queelas produzem e as maneiras pelas quais elas alcanam uma prtica de liberdade.Palavras-chave: improvisao em dana, dimenses polticas, relaes de poder,
prticas de liberdade.
Resumen
Entendemos que la improvisacin en la danza es un campo de actuacin consingularidades y especificidades, y que slo se puede lograr con la experiencia prcticay la experiencia de la creacin artstica para abordar sus aspectos peculiares.
Entendemos, tambin, que el trabajo en el campo de la improvisacin puede presentarcuestiones de poltica en su contexto, sea en el proceso de formacin y actuacin delartista-creador en este campo, sea como la capacidad que la improvisacin concede alsujeto para la toma de decisiones y posicionamiento poltico. Este artculo tiene comoobjetivo discutir las dimensiones polticas de la improvisacin en la danza, teniendo encuenta las relaciones de poder que producen y las formas en las que llegan a una
prctica de la libertad.Palabras claves: improvisacin en la danza, dimensiones polticas, las relaciones de
poder, prctica de la libertad.
Abstract
We understand that the improvisation in dance is a acting field with specificities andsingularities, and these can only be achieved with practical living and the artistic
1 Professora Assistente do Curso de Dana da Universidade Federal de Uberlndia UFU.Bacharel e licenciada em dana pela Universidade Federal de Viosa UFV. Mestre em Artes pelaUniversidad Internacional Tres Fronteras/ PY. Membro do Grupo de Pesquisa Dramaturgia doCorpoespao.2 Professor Assistente do Curso de Dana da Universidade Federal de Uberlndia. Graduado emArtes/Teatro pela Unimontes, mestre em Desenvolvimento Social pelo PPGDS/Unimontes, mestre em
Artes Cnicas pelo PPGAC/UFBA, doutorando em Artes Cnicas pelo PPGAC/UNIRIO. DiretorFinanceiro da Associao Brasileira de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas ABRACE (binio2015-2016). Membro do Grupo de Pesquisa Dramaturgia do Corpoespao.
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creation experience which deals with its peculiar aspects. We also understand that thejobs in the improvisation field can present political aspects in its context, which can bein the artist-creator formation and acting process in that field, or as the capacity theimprovisation gives the subject to make his decisions and his political positioning. Thisarticle has as its goal the discussion of the political dimensions of the improvisation indance, considering the power relations they produce and the ways they achieve afreedom practice.Keywords: improvisation in dance, political dimensions, power relations, freedom
practice.
Introduo
Sabe-se que o ser humano se expressa por meio da dana a milnios, sempre de
maneiras especficas em cada cultura, momento histrico, regio geogrfica, gnero,
crena, etc. Em muitas manifestaes, danar uma experincia de improvisao, em
outras no. Por toda a histria seres humanos criativos recorreram improvisao, seja
para danar ou simplesmente para lidar com as situaes da vida. Huizinga (2001)
inclusive aponta que o jogo a caracterstica bsica de todos os seres vivos, propondo
pensar que no temos nossa ancestralidade ligada ao homo sapiens, mas sim ao homo
ludens3.
No senso comum, a improvisao foi entendida como uma ao que os sujeitos,
imbudos de um saber especfico, lanam mo para lidar com o inesperado, o
imprevisvel. Nestes termos, o improviso ocorre diante de situaes que no haviam
sido programadas, pensadas anteriormente, definidas de antemo. Contudo, nos
interessa abordar a improvisao de uma maneira diferente daquela utilizada pelo senso
comum, por entendermos que este campo apresenta diversas possibilidades de atuao.
Pensamos na improvisao como campo de estudos em que tem sido utilizado de
modo mais ou menos complexo por reas como a Psicologia, a Lingustica, a Educao
e as Artes. Compreendemos que a Arte um campo de atuao que tem desenvolvido
uma grande quantidade de estudos sobre a improvisao, tanto em termos conceituais
quanto prticos. No caso da Dana, campo onde essa temtica tem sido muito
trabalhada nos ltimos anos, Zil Muniz (2004) aponta que a improvisao pode ser
vista como um sistema complexo de atuao que sempre ser dinmico, no linear e
3 Para maiores informaes ver: HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento dacultura. 5 ed. Trad. Joo Paulo Monteiro. So Paulo: Perspectiva, 2001.
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repleto de alteraes. Entendemos que na improvisao em dana, estar em
experincia de improvisao se colocar em pesquisa, mantendo a ateno e a
percepo ampliadas para agir de maneira a estabelecer relao com o outro e com o
ambiente, relacionando com seu entorno e transformando essa experincia em material
cnico.
Temos percebido que os estudos sobre improvisao em dana tm sido
direcionados, de modo geral, por trs maneiras especficas de trabalho: aquelas que
utilizam a improvisao como proposta de formao de bailarinos; as que a utilizam
como tcnica de atuao individual ou coletiva; e as que pensam a improvisao como
potica de criao da cena. Temos pensado e estudado essas trs formas de trabalho
com improvisao (formao, tcnica e potica) de maneira interdependente, sem,
contudo, criar uma hierarquia entre elas.
Focamos a discusso deste texto a partir da nossa experincia junto ao Grupo de
Pesquisa Dramaturgia do Corpoespao4, da Universidade Federal de UberlndiaUFU.
Em nossas experimentaes com o grupo, bem como na nossa formao em dana,
temos observado alguns aspectos potencializados pela experincia com a improvisao:
a ampliao do vocabulrio corporal e de estudos de movimento; o desenvolvimento da
flexibilidade em relao aos processos de criao; a ampliao da percepo sensveldo nosso entorno (espao, tempo, direo, fluxo, etc.); a escuta das possibilidades de
relao com o outro; a autonomia para assumir certas posies polticas e posturas
frente a diferentes tipos de situaes. Nesse sentido, percebemos que a improvisao
tem nos auxiliado tanto na formao como bailarinos como na nossa condio enquanto
sujeitos sociais.
Assim, abordaremos nesse artigo a nossa compreenso sobre a improvisao em
dana, a partir das experincias vividas junto ao Grupo de Pesquisa Dramaturgia doCorpoespao, e as dimenses polticas que a improvisao possibilita ao seu praticante.
Propomos uma reflexo sobre a postura polticado interprete-criador nos processos de
composio em tempo real, considerando as possibilidades de atuao presentes nesse
4 O Grupo de estudos foi criado em 2010 pela prof Dr Ana Carolina da Rocha Mundim com onomeDramaturgia do corpo-espao e territorialidade. No incio do ano de 2015, aps discusses acercado entendimento do grupo sobre as questes conceituais em torno da ideia de corpo e espao, levando emconsiderao o pensamento fenomenolgico da obra Fenomenologia da Percepo de Maurice Merleau
Ponty (1999) e os estudos de improvisadores como Lisa Nelson e Julien Hamilton, o grupo optou pormudar o nome do paraDramaturgia do corpoespao. Para maiores informaes sobre o grupo consultar:https://conectivonozes.blogspot.com
https://conectivonozes.blogspot.com/https://conectivonozes.blogspot.com/https://conectivonozes.blogspot.com/ -
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universo da dana. Nesse sentido desejamos estabelecer uma relao entre a
improvisao e o posicionamento poltico do sujeito; considerando que no jogo da
improvisao as maneiras de lidar com as questes scio-poltico-culturais fazem parte
das particularidades e singularidades do sujeito.
Improvisar... Compor no instante imediato da ao
Ao longo do tempo artistas de diversas linguagens se dedicaram ao estudo da
improvisao como campo de experimentao, criao e atuao. Na dana, esses
estudos se tornaram mais significativos a partir do sculo XX. Conforme nos aponta
Zil Muniz:
De acordo com Andrea Amort, num artigo para a revista Ballet Internacionalsobre Improvisao (1999, p.28), durante o sculo XX acontecem doismomentos em que a improvisao aparece como um divisor de guas entredois sistemas fixados e estilizados na dana. Primeiro, na dcada de 20,quando expressionistas europeus e americanos se dividiram um tempo emque o individualismo estava em foco, e de novo, na dcada de 60, quando oJudson Dance Theater radicalmente rompeu com a estrutura da danamoderna (MUNIZ, 2004, p.30).
Desde a dcada de 1960, artistas como Lisa Nelson, Mary Overly, Meredith
Monk, Simone Forti, Steve Paxton, Trisha Brown e muitos outros, incorporaram esistematizaram a improvisao em seus trabalhos, gerando diferentes maneiras de
organizao e criao em dana. Segundo Zil Muniz (2014), essa diversidade de
modos de atuao com a improvisao em dana se deu tanto pela forma muito
particular como cada criador/pensador desenvolveu suas prticas em dana, quanto
pelas diferentes maneiras de utilizao da improvisao. De acordo com Helena Katz
(2000), pensadores como Lisa Nelson e Steve Paxton ainda buscam problematizar a
utilizao de modo genrico do termo improvisao por entenderem que ele podeconfundir mais que esclarecer, dada as especificidades de atuao em dana por meio da
improvisao.
Em seu estudo, Zil Muniz (2014, p. 90) ressalta que, nos ltimos cinquenta
anos, o termo improvisao pde ser aplicado a diferentes modos de trabalho de
criao. A autora fala do uso da improvisao como:
[...] tcnica de construo de um corpo com ateno no presente e inteligente;
como uma tcnica de criao; como processo de composio em
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performance; e em composio instantnea, composio no momento ou,ainda, composio em tempo real (MUNIZ, 2014, p.90-91).
Com a mesma inteno de compreender os modos de organizao do trabalho
com a improvisao, Mara Guerrero (2008) aponta que:
A partir das pesquisas e textos encontrados foi possvel delinear trs modosde uso da improvisao, com base nas prprias questes e delimitaes dosautores e artistas. Em cada um dos modos foram apontados alguns aspectosespecficos envolvidos auxiliando em suas definies. 1. Improvisao semacordos prvios; 2. Improvisao com acordos prvios, que se subdivide emduas classes: 2.1 Improvisao em processos de criao (como pesquisas para
posteriores organizaes coreogrficas); 2.2 Improvisao com roteiros(incluindo roteiros, acordo, regras, ou seja, algumas orientaes anteriores cena) (GUERRERO, 2008, p.09-10).
No Grupo de pesquisa Dramaturgia do Corpoespao optamos por desenvolver
estudos de composio/improvisao em tempo real, fazendo uso tanto de jogos abertos,
sem direcionadores especficos, como com a estipulao de regras/acordos; dependendo
de quais so os nossos interesses de pesquisa no momento especfico do trabalho5.
Buscamos em nossa prtica no grupo de pesquisa a compreenso de que a
improvisao em dana6no sinnimo de: no sei o que estou fazendo. Para ns, ela
demanda estudo, treinamento e comprometimento; demanda uma abertura dasensibilidade para o estabelecimento de relao com o outro e com o entorno que
circunda a experincia; demanda a ampliao da percepo para a tomada de deciso
com propriedade sobre o que se faz e como se faz. Assim, entendemos a improvisao
como um espao de tomada de posio poltica, como um modo de descentralizar o
poder na dana, de destituir-se de poder, de compartilhar as tomadas de deciso, de
organizar a criatividade, de responder prontamente a partir da percepo e relao com
o meio, com o presente, com as pessoas presentes.
5 O Grupo de Pesquisa Dramaturgia do CorpoEspao organizou procedimentos de trabalho para
experimentaes prticas, denominados Movveis. Os Movveis se organizam a partir de trs eixos: 1)estruturas de movimento (pontos, retas, crculos, espirais, alavancas); 2) recursos de jogo (coincidncia,equivalncia, bloqueio, pergunta no ouvido, nfase); 3) comandos (para, repete, continua, rebobina,deleta). Os desdobramentos possveis a partir de cada componente desses eixos provocam uma amplagama de possibilidades tcnico-criativas que, se minuciosamente estudados, estabelecem instrumentaisque podem ser acionados em processos de improvisao ou em composies coreogrficas pr-estabelecidas.6 Refiro-me dana por ser minha rea de formao, porm entendo que, considerando as
particularidades de cada linguagem artstica, o teatro, a msica e as artes visuais tambm trabalham com aimprovisao a partir de estudos muito bem fundamentados e comprometidos com a construo deconhecimentos importantes a cada profissional.
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As reflexes apresentadas aqui surgem dos processos de investigao que temos
desenvolvido no Grupo de Pesquisa Dramaturgia do Corpoespao, especialmente da
experincia que temos tido no trabalho de estudo da improvisao como meio de
preparao para a cena e nas prprias improvisaes geradas nos processos
compositivos instantneos, ou seja, na composio em tempo real.
Ao trabalhar as tcnicas de preparao para improvisao entendemos que os
procedimentos de improvisao permitem ao praticante ampliar a capacidade de ateno
e de tomada de decises, levando-o a escolhas de movimentos a partir das relaes que
estabelece com o instante imediato vivenciado. O sujeito passa a tomar decises sobre
uma obra artstica e, ao mesmo tempo, observar a si e a todo o entorno que faz parte
daquele instante criativo. As aes individuais colaboram com as aes coletivas, o
sujeito e o grupo se mesclam, se sintonizam, em experincias artsticas conjuntas sem,
contudo, anular e/ou desconsiderar as singularidades. As experincias particulares
dialogam gerando um material onde a engenhosidade da obra surge proporcionalmente
a expanso da generosidade dos criadores, que se destituem da autoria individual e
acolhem a coletiva. Nesse sentido, improvisar construir conhecimento, desenvolver
sabedoria, estabelecer uma conexo perceptiva e sensvel com o espao ao seu redor,
explorando as potencialidades do espao e dos seres numa conexo entre corpo eambiente.
Mara Guerrero (2008) faz a seguinte observao em relao ao trabalho de
treinamento com e a partir da improvisao:
Igualmente preocupados com a composio da improvisao e sua prtica,Lisa Nelson, David Zambrano e Robert Ellis Dunn afirmam que necessriotreino. Somente com treino possvel ter condio de tomar decises emtempo real, com a devida ateno e percepo para a composio,
contribuindo conscientemente e premeditadamente para tal exerccio. ParaNelson (2000), a improvisao baseada em frmulas no linearescompostas entre escolhas e edies durante sua ocorrncia, que exigem treino
para sua composio. O ato de improvisar implica uma cadeia de escolhas,cujas selees reduzem as propostas de performance durante seuacontecimento. Nelson afirma que no possvel fazer tudo o que se sabe,sempre h um recorte sobre relaes possveis a serem exploradas, de acordocom condies e encadeamentos para a cena. Afirma ainda que, sem treinoanterior, o improvisador tende a compor com maior restrio, pois no hcondies para perceber as possibilidades compositivas e agir a tempo,estando sempre atrasado na relao percepo e ao nas ocorrncias(GUERRERO, 2008, p.24).
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No grupo de pesquisa temos como um dos pontos importantes de discusso a
ideia de associao/integrao entre corpo e espao. Entendemos que o sujeito, nessa
perspectiva, aqui tambm nominado como corpo, faz parte daquilo que comumente
identificamos como espao e vice-versa. Da a opo de utilizarmos o termo
corpoespao em detrimento do termo corpo-espao separados por hfen. Logo, pensar
sobre a experincia corpoespao considerar inter-relaes amplas e sensveis entre
potncias, com extensa e criativa possibilidade de movimentos. A experincia artstica,
nesse caso, no se relaciona somente com o conjunto dos sentidos considerado pela
maior parte da cultura ocidental (tato, audio, paladar, viso, olfato), mas com uma
ampliao desses em direo a uma totalidade dos sentidos, como proposto na filosofia
oriental.
Quando trabalhamos com processos de composio em tempo real, percebemos
que h, entre os participantes do grupo de pesquisa, um desejo de se colocar em
experincia com o prprio ato de criao, principalmente quando considerado que
aquele momento criativo tem por direcionador a composio de cena(s). No se trata,
portanto, apenas de uma improvisao investigativa7, mas tambm criativa8. Naquele
instante h o desejo de elaborar instantaneamente uma obra artstica. Partindo desse
pressuposto, temos proposto nos colocar em cena de duas maneiras: a) improvisandoativamente, ou seja, se colocando em movimento ou em pausa conforme a inteno da
cena, na inteno de compor com a cena, com a experincia de improvisao que est
acontecendo; b) permanecendo margem da cena, ou seja, escolhendo se retirar da
cena, se colocar em segundo plano, a fim de enfatizar alguma ao mais importante que
esteja acontecendo no momento (o sujeito, nesse caso, normalmente no desaparece,
apenas se coloca em um estado de organizao corporal que informa o observador que
ele no est em jogo de composio; ou seja, que est em cena, em experincia criativa,porm participando de outra maneira).
Nesses dois tipos de posturas entendemos que o improvisador participante
daquele trabalho, daquela cena. Na primeira situao ele assume um papel de criador, na
segunda, mesmo se colocando como observador, no abandona aqueles que se
7 Como esclarecimento, desejamos ressaltar que nominamos como improvisao investigativa asexperincias de improvisao que no tem por foco a criao de uma cena. Esses momentos de estudo so
permeados por criatividade, pesquisa, refinamento da percepo como qualquer outro; o que diferencia
cada tipo de pesquisa em improvisao o foco de investigao.8 A palavra criativa, nesse contexto, no se refere s criatividade presente na pesquisa, mas aodesejo de criar, compor uma cena artstica.
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mantm como criadores, apenas lhes envia uma mensagem: estou observando o que
fazem para, a qualquer momento, poder voltar a colaborar nessa obra coletiva.
No grupo de estudos Dramaturgia do Corpoespao, so estabelecidos espaos de
discusso sobre como, individualmente, devemos perceber nossas caractersticas de
movimento e jogo a fim de conseguirmos uma relao mais refinada e afinada com o
coletivo. Como somos um grupo, precisamos apurar nossa percepo individualmente a
fim de estabelecer uma relao dialgica coletivamente, independente se estamos
compondo em jogo de cena ou se estamos participando como observadores da
composio em tempo real.
A esse respeito, Zil Muniz (2004) faz a seguinte assertiva:
Um corpo que cria e executa ao mesmo tempo, no limiar entre produto e obrade arte, entre intrprete e criador, entre ambiente e movimento, o corpo nacomposio instantnea, um corpo em processo, que percebe o ambiente porintermdio dos sentidos e negocia num ato consciente que materialdesenvolver ou rejeitar, e que caminho percorrer na criao da obra.(MUNIZ, 2004, p.66)
Assim, entendemos que na improvisao necessrio um treinamento para
desenvolvimento da habilidade de fazer escolhas, de se relacionar com os demais
improvisadores e com o meio em que acontece aquela experincia artstica a fim deapurarmos nosso tempo de ao. Em um trabalho de composio em tempo real o
artista-criador deve estar presente no jogo durante todo o tempo de durao do trabalho.
Isso no ocorre de maneira automtica, uma competncia que deve ser desenvolvida
por meio de treinamentos, de estudos que viabilizem esse aprendizado de ateno,
envolvimento, comprometimento, percepo de si e do outro.
Alm do sentido de presena importante tambm um refinamento da percepo
de si e do entorno, esse processo bastante conhecido por profissionais da dana pormeio da expresso: saber ouvir. A esse respeito Mundim (2013) diz que expandir os
processos de escuta, nos mais diferentes nveis, ampliam as possibilidades tcnico-
criativas dos interpretes-criadores e que, refinar as habilidades de ouvir o prprio corpo,
o outro, as sonoridades, o espao reflete no desenvolvimento desses seja como seres
sociais e/ou artistas.
Nesse sentido, algumas sabedorias imprescindveis de serem trabalhadas pelo
improvisador colaboram na estruturao de um ser social: o saber ouvir; o
desenvolvimento do sentido de presena no instante presente; a capacidade de
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observarmos nossas caractersticas a fim de nos relacionarmos de maneira mais
dialgica com o coletivo ao qual estamos inseridos; a habilidade de ser agente ativo,
colaborador, criativo em prol de uma obra (artstica ou social); a possibilidade de
vivenciar experincias relacionais amplas e sensveis por meio de um corpoespao que
deseja expandir suas potencialidades.
No entendimento dessas questes consideramos que o trabalho do improvisador
contm dimenses e potencialidades polticas que podem se desenvolver nas relaes e
investigaes que o artista estabelece nas situaes de jogo.
Dimenses polticas da improvisao em dana
A improvisao em dana prope um lugar de investigao que exige uma
postura crtica, reflexiva e poltica do sujeito. Quando falamos da improvisao na
composio em tempo real, ela exige a todo tempo que nos coloquemos, enquanto
sujeitos improvisadores, no momento presente do jogo, abertos s questes do
ambiente e s questes das limitaes e potencialidades relacionadas aos artistas-
criadores como materiais da improvisao, cientes do poder que eles detm de
problematizar as questes sociais e de propor solues. A esse respeito, Zil Muniz
(2004) afirma que:
Se compor no instante torna-se o desafio, para estes artistas a fora motrizpara seu trabalho est na relao que se estabelece entre a improvisao, oespectador e o meio. Os recursos e ferramentas de composio podem serdiversos e advindos de diferentes meios, porm a conscincia de que tudoacontece no momento, a velocidade em que decises so tomadas e aresponsabilidade para com a obra como produto esto presentesconstantemente durante a performance (MUNIZ, 2004, p.71).
Ao pensar as dimenses polticas da improvisao em dana, duas questes nos
ocorrem: a primeira se refere escolha da improvisao como campo de atuao e
formao na dana; a segunda trata dos procedimentos de trabalho com a improvisao
que capacita os sujeitos s tomadas de deciso e posio poltica.
Sobre a primeira questo, entendemos que a improvisao mais um campo de
atuao na dana, assim como qualquer outro. Entretanto, historicamente a
improvisao no foi compreendida dessa forma, sendo relegada a uma situao inferior
a outras propostas de formao em dana. Assim, ao assumir a composio em tempo
real como procedimento tanto de treinamento como de criao, estamos admitindo uma
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posio poltica em relao ao campo de conhecimento da Dana. Entendemos, nesse
contexto, que a improvisao pode ser um caminho de formao do intrprete-criador,
como mais uma forma de trabalho que se diferencia das tcnicas clssicas e modernas,
habitualmente utilizadas na formao de bailarinos, proporcionando, assim, a ampliao
das possibilidades de atuao do intrprete-criador. A tomada dessa postura , para ns,
um modo de descentralizar o poder na dana, de fortalecer micropoderes e de garantir
autonomia ao desejo de criao.
Em relao segunda questo, temos acreditado que a prtica da improvisao
pode desenvolver a capacidade do sujeito de estabelecer escolhas rpidas diante das
problematizaes scio-poltico-culturais apresentadas no ato do jogo. De outra forma,
o sujeito tambm se torna capaz de estabelecer um profcuo dilogo com os demais
participantes da improvisao, permitindo que este possa, num ato de generosidade com
a cena que est sendo criada, abandonar a sua escolha individual em favor do
acolhimento de uma resposta coletiva.
Ainda, como j temos apontado no desenvolvimento desse texto, entendemos
que o exerccio da improvisao amplia a capacidade de percepo do intrprete-criador
e, ao mesmo tempo, a sua autonomia para assumir um posicionamento poltico coerente
com sua viso de mundo. Nesse contexto, e tomando como referncia os estudos deStuart Hall (2006) sobre a identidade na ps-modernidade, compreendemos que os
sujeitos ps-modernos no se encontram mais fixados e estveis em suas identidades
essenciais, mas, ao contrrio, se organizam e se posicionam em relao ao mundo
conforme cada situao que ocorre ao seu entorno. Seu comprometimento social faz
com que ele, assim como o improvisador, esteja sempre no jogo, compondo de acordo
com as estruturas que lhe so dadas, colaborando e mobilizado para se mover em prol
das causas que lhe apetecem naquele momento.Nesse sentido, ao contrario de se colocar como sujeito desconectado das
questes polticas, entendemos que a improvisao em dana requer a afirmao do
improvisador como agente poltico na sociedade, seja em sua atuao direta
(participao em uma ao de improvisao) ou indireta (observando, analisando, dando
voz ao outro ou realizando pequenos movimentos no ato de improvisar). Assim,
ponderamos que o improvisador-criador deve aprender a agir no jogo tanto por meio do
movimento/ao, como pela observao participativa.
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Para se conseguir esse estado de ateno participativa (direta ou indireta)
necessrio o desenvolvimento de um estado corporal especfico, onde o corpoespao
aprimora seu sentido de prontido ao movimento, a fim de us-lo, ou no, dependendo
das oportunidades de jogo surgidas na experincia da improvisao. Sobre isso Zil
Muniz (2014, p.47), diz que a improvisao uma prtica que acumula em si
diferentes camadas da percepo. A esse respeito, a autora aponta que:
A intensificao da presena do corpo na conscincia promovida pela prticada improvisao de dana, tambm uma maneira de despotencializar aatividade reflexiva descoordenada do corpo e, ao mesmo tempo, de dinamizara percepo direta do movimento no improvisador. A conscincia preenchidade corpo j uma conscincia-corpo, que provoca uma atitude, uma abertura
para estar na experincia, a qual revela a perfeita coordenao entre corpo epensamento. (GOUVA apud MUNIZ, 2014, p.47)
Pensando nas dimenses polticas da improvisao em dana em nossas prticas
e processos criativos, percebemos que os estudos que temos desenvolvido no Grupo de
Pesquisa Dramaturgia do Corpoespao tm nos possibilitado a compreenso de que o
exerccio contnuo da improvisao, tanto no treinamento como na composio em
tempo real, capacita o sujeito para tomada de decises, pois, segundo nos aponta Muniz
(2004), o coloca diante da possibilidade de se posicionar em relao ao mundo. A autorafaz a seguinte ponderao a partir da leitura da obra de Danielle Goldman:
Danielle Goldman (2010), autora do livro I Want to be Ready: ImprovisedDance as a Practice of Freedom, sugere que a prtica da improvisao otreinamento que a improvisao verdadeiramente exige uma rigorosamaneira de se preparar para uma gama de situaes em potencial. Exige
preparao e prtica constantes para estar presente no momento e, ao mesmotempo, aberto para as possveis aes e limitaes do prximo instante. A
prtica da improvisao, como define Goldman (2010), politicamentepoderosa para o indivduo tornar-se predisposto, alerta e consciente de si edo lugar que o situa no mundo. Portanto, tanto um caminho como umexerccio contra reificaes estticas da liberdade (MUNIZ, 2014, p.33).
Ao assumir uma determinada posio e coloc-la em jogo, o sujeito admite o
estabelecimento de uma relao de poder no ato da improvisao. Para efeito desse
trabalho, quando nos referimos a relaes de poder nos processos de produo e
criao a partir da improvisao em dana, estamos falando de duas perspectivas de
poder: a primeira est associada ao pensamento de Michel Foucault (2007; 2008) sobre
poder disciplinar; a segunda se refere ao pensamento de Pierre Bourdieu (2011) sobre
poder simblico.
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Buscamos apontar ao longo desse artigo que o nosso entendimento sobre
improvisao em dana passa pela percepo de que as experincias com esse campo
tm sempre uma relao com a pesquisa, com o estudo de princpios norteadores de
jogo, com o aperfeioamento e verticalizao de conhecimentos, com a ampliao da
percepo e sensibilizao do intrprete-criador. Nessa perspectiva, as experincias com
improvisao tm se tornado elemento comum na formao do artista-criador em dana,
sendo algo desejado e esperado na atuao desse profissional.
Compreendemos, assim como Zil Muniz (2004) assevera, que o trabalho com a
improvisao possibilita (desde que praticado de forma consciente, com ateno e com
aprofundamento de pesquisa) o desenvolvimento da autonomia para que o intrprete
perceba suas capacidades de atuao, ampliando o seu vocabulrio corporal e sua
capacidade de movimentao bem como desvendando a dana que produz.
De outro modo, percebemos que ao alcanar essas qualidades esttico-artsticas,
a improvisao possibilita aos artistas da dana, que a buscam como campo de atuao,
o desenvolvimento de um sentido poltico da ao improvisada na dimenso esttica do
trabalho cnico, estabelecendo o fazer artstico como ponto nodal da intermediao
poltica com o mundo. Assim, compreendemos que a improvisao em dana um
campo de atuao que possibilita ao intrprete-criador o desenvolvimento de umaprtica artstica politizada, pois capacita os sujeitos tanto para tomar de decises como
para assumir posturas, seja em relao ao jogo de criao com a improvisao, seja em
relao com a vida social.
importante destacar a nossa compreenso de que uma atuao a partir da
improvisao em dana no est deslocada das relaes de poder estabelecidas nas
estruturas scio-poltico-culturais. Dessa maneira, entendemos que o intrprete-criador
no desprovido de uma situao de posio de poder. Entretanto, possvel afirmarque a atuao do intrprete-criador a partir da improvisao em dana est assentada
mais na relao de poder simblico (Bourdieu) que nas estruturas de um poder
disciplinar (Foucault).
Percebemos tambm que este campo de atuao um importante espao para
que o intrprete-criador possa desenvolver sua capacidade de problematizao,
argumentao e crtica, garantindo condies para que ele possa atuar politicamente de
maneira efetiva nos processos scio-culturais, propondo formas de superao das
estruturas hierrquicas de poder.
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nessa direo que afirmamos, a partir de nossa experincia junto ao Grupo de
Pesquisa Dramaturgia do Corpoespao, que a composio em tempo real um campo
profcuo para o desenvolvimento das dimenses polticas para o artista da dana. Assim,
compreendemos e defendemos que a improvisao em dana um campo que, em todas
as suas dimenses, prope uma prtica da liberdade de expresso, possibilitando a
formao de um artista consciente e comprometido com as questes scio-poltico-
culturais de sua sociedade.
Bibliografia
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Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder.24 ed. Trad. Roberto Machado. Rio deJaneiro: Graal, 2007.
______. Vigiar e punir: nascimento da priso. 35 ed. Trad. Raquel Ramalhete.Petrpolis/RJ: Vozes, 2008.
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HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5 ed. Trad. JooPaulo Monteiro. So Paulo: Perspectiva, 2001.
KATZ, Helena. Paxton e Lisa fazem do improviso uma aula de preciso. O Estado deSo Paulo, So Paulo, 04 fev. 2000. Caderno 2, p. 26.
MUNIZ, Zil. Improvisao como processo de composio na danacontempornea. 81 p. Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro deArtes, Programa de Ps-Graduao em Teatro, Florianpolis, 2004. (DissertaoMestrado em Teatro)
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de Artes, Programa de Ps-Graduao em Teatro, Florianpolis, 2014. (TeseDoutorado em Teatro)
SANTINHO, Gabriela Di Donato Salvador; OLIVEIRA, Kamilla Mesquita.
Improvisao em dana.Guarapuava: UNICENTRO, 2013.
Recebido: 31/08/2015Aprovado: 20/09/2015Publicado: 31/10/2015