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Edição nº 1.348 - Ano 26 | 28 de novembro a 4 de dezembro de 2018 | www.panrotas.com.br R$ 11,00 Photo by Oladimeji Odunsi on Unsplash No mês da consciência negra, o Brasil – e o Turismo, uma de suas principais indústrias – precisam rever que portas estão abrindo para a população negra, que ainda não é reconhecida e também não se vê representada dos dois lados do balcão

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Page 1: A IMPORTÂNCIA DE ABRIR PORTAS...inserção dos negros no merca-do de trabalho quanto a valori-zação de seu poder de compra. Segundo dados do Locomoti-va, a população negra brasileira

Edição nº 1.348 - Ano 26 | 28 de novembro a 4 de dezembro de 2018 | www.panrotas.com.br R$ 11,00Photo by Oladim

eji Odunsi on Unsplash

No mês da consciência negra, o Brasil – e o

Turismo, uma de suas principais indústrias

– precisam rever que portas estão abrindo

para a população negra, que ainda não é reconhecida e também não se vê representada

dos dois lados do balcão

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Page 2: A IMPORTÂNCIA DE ABRIR PORTAS...inserção dos negros no merca-do de trabalho quanto a valori-zação de seu poder de compra. Segundo dados do Locomoti-va, a população negra brasileira

Reportagem especialRenato Machado

Pretos e pardos representam mais da metade da população brasileira. Sua representatividade no mercado de trabalho, no entanto, quase sempre se limita a postos de entrada, raramen-te com posições hierarquicamente superiores nas empresas. Com uma população de mais de 114 milhões de pessoas no Brasil, é alarmante a dificuldade de indicar os negros que atuam em cargos de coordenação, gestão ou direção. O Turismo não passa incólume.Dentre as tantas esferas da sociedade que podemos mencionar, a economia é uma daquelas em que o negro não está nem de perto bem representado. Reflexo de mais de três séculos de escravidão e de 130 anos de liberda-de supervisionada, este é um cenário que pode mudar, mas que exige enga-jamento da população como um todo – e isso não exclui a iniciativa privada.Um estudo realizado pelo Instituto Ethos, em 2015, reuniu o perfil social de 500 empresas brasileiras, de pe-queno a grande porte. O levantamen-to mostra como a presença de negros é restrita em gerências (6,3%), qua-dros executivos (4,7%) e conselhos de administração (4,9%). Mais alarmante é a constatação de que as empresas pouco fazem para alterar este cená-rio. Questionadas sobre medidas de incentivo à participação de negros, mais de 80% responderam não pos-suir ação alguma neste sentido.“O setor privado é o mais antigo do Brasil, com início na empresa colo-nial”, lembra o ativista do Movimento

Negro Uneafro-Brasil, Douglas Bel-chior. “Toda a riqueza destas corpo-rações, grupos e famílias é fruto de um processo de exploração histórica dos trabalhadores. Pós-escravidão, a lógica se manteve: descendentes de escravocratas e corporações inter-nacionais de origem colonial são as grandes proprietárias e o povo des-cendente de negros e indígenas con-tinua sendo a mão de obra barata”, complementa.As tão debatidas ações inclusivas na esfera acadêmica surgiram, no início dos anos 2000, como mule-ta necessária para atenuar a dívida histórica que a sociedade brasilei-ra possui para com a comunidade negra. Ao passo que a qualificação da mão de obra dessa população vai, paulatinamente ao longo da úl-tima década, se tornando realidade, surge então a pressão para que as empresas incorporem e valorizem os negros de seus quadros profis-sionais.“Quando não absorvemos o seg-mento majoritário da população em nossos espaços de sociabili-dade, estamos, ao mesmo tempo, abrindo mão do potencial que esse grupo tem a nos oferecer”, destaca Belchior. “O Brasil perde muito eco-nomicamente por negar aos negros acesso a todos os lugares possí-veis em nossa sociedade. Quanto mais diversa racialmente, mais rica e potente é a universidade, mais efi-ciente e sensível é o serviço público, mais criativas são as ciências.”

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A IMPORTÂNCIA DE ABRIR PORTAS

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A IMPORTÂNCIA DE ABRIR PORTAS

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PODER DE CONSUMO“Oferecer oportunidade é uma contribuição para o fim da desi-gualdade, e um bom jeito de ga-nhar dinheiro.” É dessa maneira que o diretor do Instituto Loco-motiva, Renato Meirelles, defen-de ações que promovam tanto a inserção dos negros no merca-do de trabalho quanto a valori-zação de seu poder de compra.Segundo dados do Locomoti-va, a população negra brasileira movimenta, em renda própria, R$ 1,7 trilhão anuais – o que, sozinha, a colocaria como a 17ª maior nação em consumo do mundo. Destrinchado, o dado sobre acesso a bens e serviços evidencia o potencial: 46 mi-lhões possuem plano de TV por assinatura e 28,7 milhões foram à academia no último mês, por exemplo.

COMO INSERIRNo mesmo estudo, Meirelles dá indícios de como deveriam ser desenhadas as estratégias de atuação para que as empresas atraíssem ainda mais a popu-lação negra brasileira. Dentre os entrevistados, que se au-todeclaram pretos ou pardos, 85% preferem marcas que pro-movam e apoiem iniciativas em prol de maior diversidade racial. Para 89%, preconceitos na co-municação não serão tolerados. E 96% não comprariam de mar-cas que de alguma forma não respeite a diversidade.“Vivemos tempos de reafirma-ção da identidade racial, do or-gulho negro. Quanto menos a população se vir nos produtos e serviços, menos vão consumir”, aposta Douglas Belchior. “O se-tor privado deveria se atentar à

DISTRIBUIÇÃO DE FUNCIONÁRIOS POR COR OU RAÇA (%)

BRANCOSNEGROS

E PARDOSCONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO 95,1 4,9

QUADRO EXECUTIVO 94,2 4,7

GERÊNCIA 90,1 6,3

SUPERVISÃO 72,2 25,9

QUADRO FUNCIONAL 62,8 35,7

ESTAGIÁRIOS 69,0 28,8

APRENDIZES 41,6 57,5

TRAINEES 41,3 58,2

natureza pragmática de sua ati-vidade. A diversidade, além de fazer bem à sociedade, é lucra-tiva. O problema é que o racis-mo cega e ‘emburrece’. Se não querem enfrentar o seu próprio racismo por uma questão hu-manitária, que o faça por ques-tão de mercado”, defende.A análise feita pelo Locomoti-va do consumo dessa parcela negra da população reforça o discurso do ativista. Ao mesmo tempo em que 86% têm orgu-lho de ser negro, apenas 6% se sentem adequadamente repre-sentados por propagandas de TV. Para 67%, a preferência é de marcas e empresas que tenham valores parecidos com os seus, com 81% afirmando gostar de produtos que melhorem sua au-toestima.O publicitário e diretor executi-vo da agência de comunicação New Vegas, Ian Black, desta-ca o poder que o segmento de propaganda e marketing tem no impacto na sociedade e na criação dos nossos valores. “É algo muito mais complexo do que simplesmente ter pessoas pretas protagonizando comer-ciais e muito mais uma questão dos valores que essas marcas passam”, afirma. “A hora que trazemos a presença das pes-soas negras, não só nos comer-ciais, mas dentro das agências e dentro dos clientes, é muito mais para se questionar a for-ma como as mensagens estão sendo passadas do que só uma questão de presença desses corpos nesses espaços.”

Fonte: Instituto Ethos – Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas (2015)

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Quanto mais diversa ra-cialmente, mais rica e potente é a universidade, mais eficiente e sensível é o

serviço público, mais criativas são as ci-

ências

A presença de negros ou é inexistente

ou é imperceptível [para brancos], a ponto dessa pessoa estar muito dis-tante das ques-

tões de raça

Douglas Belchior, ativista do Movimento Uneafro-Brasil

Ian Black, publicitário na New Vegas

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DIVISÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA POR CLASSE ECONÔMICA (%)

NEGROS NÃO NEGROS

CLASSE A CLASSE B CLASSE C CLASSE D CLASSE E

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37

56

71 7578

63

44

29 25

Instituto Locomotiva

a partir do PNAD (2017)

GERAÇÃO DE RIQUEZASe por um lado a popula-ção negra brasileira conso-me a cada ano um montante de R$ 1,7 trilhão, por outro o empreendedorismo dessa co-munidade movimenta R$ 359 bilhões anualmente. Segundo o Instituto Locomotiva, são 14 milhões de empreendedores negros no País.A vontade em ter seu próprio negócio, de acordo com o es-tudo, é maior entre negros do que entre não negros. “Isso é um reflexo da noção de que o branco vai ganhar mais no mercado de trabalho”, explica Renato Meirelles, contrapon-do com o empreendedorismo negro, que é “a porta de saída da desigualdade e talvez umas das melhores formas de gera-ção de renda”.No Brasil, 29% das pessoas têm intenção de abrir um ne-gócio próprio. Quando o recor-te é a população negra, esse percentual cresce para 38%. É uma comunidade, comple-menta Meirelles, “que não

conseguiu encontrar no mer-cado formal de trabalho um meio de realizar seus sonhos”.Apesar do ímpeto, a realidade do negro no Brasil gera uma percepção de dificuldade já no início da empreitada. Para 57% dos empreendedores negros, as pessoas pretas ou pardas sofrem preconceito quando tentam abrir seu próprio ne-gócio. Dentre os que conse-guiram empreender, 82% não possuem CNPJ – quando que, para não negros, a taxa é de 60%.Levantamento da Global En-trepreneurship Monitor (GEM), realizado pelo Sebrae em 2017, mostra que os negros formam o maior contingente de empreendedores de micro e pequeno portes no Brasil. Eles representam 38,8% dos pequenos negócios do País – enquanto 32,9% são de bran-cos. Essa parcela também é mais jovem, com 43% dos em-preendedores negros com até 34 anos – contra 39% entre brancos.

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SETOR DE ATUAÇÃO DOS EMPREENDEDORES BRASILEIROS (%)

SERVIÇO

COMÉRCIO

CONSTRUÇÃO

INDÚSTRIA

AGRÍCOLA

OUTROS

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Institulo Loco-motiva a partir do PNAD104

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NEGROS NÃO NEGROS

REPRESENTATIVIDADEMais do que acesso a rendas maiores e protagonismo no mer-cado de trabalho, o efeito propor-cionado pela presença de referên-cias negras extrapola o ambiente das empresas e influencia toda uma comunidade que aspira al-cançar novos patamares. Esse é o poder da representatividade. Além disso, a presença negra em ambientes corporativos tem pa-pel fundamental para uma melhor percepção da realidade do Brasil na parcela não negra da comu-nidade. Ian Black explica como a comunidade branca está acostu-mada com ambientes quase que exclusivamente brancos. Para o publicitário, “a presença das pes-soas negras, na visão de brancos, ou é inexistente ou é imperceptí-vel, a ponto dessa pessoa estar

muito distante das questões de raça, que entenda que ela é parte do problema e que ela precisa ser responsável ou assumir algum papel para mitigar esse proble-ma”.Junto da representatividade ne-gra na economia, há a necessi-dade de um movimento conco-mitante de reestruturação dos espaços – que seria construído também pela força dos pretos e pardos já atuantes. “Quando a gente fala muito de inclusão, o termo ‘inclusão’ é de certa for-ma ultra colonialista e opressor. Ele prevê que a pessoa vá entrar naquele espaço, vai ser absorvida por toda a cultura daquele espa-ço e que tudo o que ela é e tudo o que ela pensa vai ficar do lado de fora e não vai ser aproveitado”, conclui Ian Black. n

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O extenso debate sobre a participa-ção de profissionais negros em al-tos cargos no mercado de trabalho atinge, obviamente, o trade turístico. Elencar diretores e gestores do Turis-mo que se definem como negros ou pardos não é tarefa das mais simples. Reflexo do que ocorre na sociedade brasileira, a liderança do trade é, qua-se que em sua totalidade, formada por homens brancos. “Assim como no Brasil, o Turismo não é diferente em relação à questão ne-gra”, opina a gerente de Produtos da Flytour MMT, Georgia Mariano. “Hoje no País nós temos mais de 53% da população parda ou negra, e nós não temos nem metade das pessoas den-tro do Turismo com essa representa-tividade.”Na visão do diretor de Gestão de For-necedores da Alatur JTB, Reifer de Souza Junior, uma das características do Turismo é a de abrir portas indis-tintamente para profissionais em iní-cio de carreira. “Mas quando você co-meça a perceber os degraus, não há tantos negros em cargos de gestão”, relata, pontuando que, “nas outras in-dústrias, acontece a mesma coisa”.

NO TURISMO

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O fator “representatividade” é um dos maiores ga-nhos para as empresas que os empregam e, em consequência, para a sociedade. “É muito importante mostrar aos novatos, às pessoas que estão ingres-sando no mercado, que esse é um meio que existem oportunidades, independentemente da cor da sua pele”, diz Georgia. “Cada vez que uma mulher negra cresce no cargo, ela move uma cadeia”, completa.Quem endossa esse discurso é a diretora de Vendas e Marketing do Transamerica Hospitality Group, Ro-sângela Gonçalves. Uma das principais referências da hotelaria nacional, a ex-Windsor cita o exemplo de “funcionários que me abordam e se sentem repre-sentados e orgulhosos por eu ser uma mulher, por não ser branca, e por estar em um cargo de direção”. Rosângela celebra justamente por notar “que acaba servindo de inspiração para que essas pessoas te-nham seus sonhos e consigam realizá-los”. “Aqueles que estão ali e representam negros, pardos e mino-rias, acabam sendo os que inspiram quem está hoje começando ou no meio de uma carreira a buscar um aperfeiçoamento e a trabalhar para conquistar”, completa.“É preciso dar oportunidade. Se o cara é bom, deixa ele trabalhar.” Para o diretor da Alatur JTB, uma das maiores agências de viagens corporativas do Brasil, o profissional também deve se preparar. “Indepen-dente se é branco, preto, amarelo, ele tem de se preo-cupar com sua formação. Aí, mais cedo ou mais tar-de, as oportunidades irão aparecer”, sugere Reifer de Souza, confessando ter sido “sortudo” por não sentir que sua cor tenha interferido em sua evolução profis-sional: “se houve pessoas que subiram mais rápido do que eu, era porque elas tinham habilidades que eu não tinha no momento”.Apesar da evidente necessidade de ser abordado, o tema ainda é sensível. A dificuldade em debater o assunto é grande e teve, aliás, reflexo na produção desta reportagem. Duas gigantes do Turismo, líderes em seus segmentos, que haviam se comprometido em dialogar com a revista PANROTAS, refugaram, deixando de lado a oportunidade de apresentar ao mercado as iniciativas que supostamente possuem para dirimir o evidente desequilíbrio em que o trade também está inserido.

O VIAJANTEA outra ponta do Turismo, a do consumidor, também busca mudanças, de acordo com a visão dos profis-sionais do trade entrevistados. A noção de que falta representatividade não é exclusiva de empresas ou órgãos governamentais, ela abrange a sociedade de uma forma geral. Atuar em consonância com esse sentimento seria uma maneira de melhor lidar com uma enorme fatia do mercado e, em consequência, ainda aperfeiçoar resultados.

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Funcioná-rios se sentem

representados e orgulhosos por

eu ser uma mu-lher, por não ser branca, e por es-tar em um cargo de direção

Rosângela Gonçalves, diretora de Vendas e Marketing no THG

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Eu não vejo ne-nhuma empresa

que tenha identificado o mercado negro como um nicho. É uma opor-tunidade subex-

plorada

Reifer de Souza Junior, diretor de Gestão de Fornecedores na Alatur JBT

Cada vez que uma mulher negra cresce em um cargo, ela move uma ca-deiaGeorgia Mariano, gerente de Produtos na Flytour MMT

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Rosângela Gonçalves, do THG, co-menta como a inserção da diversida-de na estrutura profissional de uma empresa tende a refletir no serviço prestado ao consumidor final. “A na-turalidade de receber um cliente in-dependentemente do grupo ao qual ele pertença começa internamente. Quem tem um colega de outra raça ou outra religião, certamente começa a ver isso com naturalidade e passa a ter um atendimento que independe do cliente que esteja na frente do bal-cão”, relata.Olhar para o negro e para o potencial dessa comunidade, que no Brasil ul-trapassa as 100 milhões de pessoas, é uma “oportunidade subexplorada”, na opinião de Reifer de Souza, da Alatur JTB. “Eu não vejo nenhuma empre-sa que tenha identificado o mercado negro como um nicho. Foca-se mais nas classes C e D, que obviamente é onde boa parte dessa população está inserida, mas não é focada na comu-nidade negra, como você tem em ou-tras indústrias.”“Há muito o que crescer. Temos de descobrir os nichos”, defende a ge-rente da Flytour MMT, Georgia Maria-no. “Cabe a nós pesquisarmos cada etnia, cada singularidade, para criar um produto em que a pessoa se sinta representada”, sugere, reforçando que é preciso enxergar “o negro como um cliente que compra, que tem o poder aquisitivo e que gosta de viajar como uma pessoa qualquer”.

HÁ QUASE UMA DÉCADAEntrevistado em 2009 pela PANRO-TAS sobre preconceito no Turismo, Reifer de Souza Junior enxerga que nesse período houve evolução, “ainda que tímida”. “Não vejo que houve um trabalho pontual para a comunidade negra. Foi um trabalho geral para a sociedade e como a gente faz parte significativa da população, obviamen-te que acabamos crescendo junto”, completa.

NOS ESTADOS UNIDOSTanto em representatividade nas lide-ranças como na atenção ao consumi-dor final, os Estados Unidos se des-tacam pela maneira que lidam com a sua comunidade negra. Diferente-mente do Brasil, que possui mais de 50% de pretos e pardos, naquele país

se definem como pretos e afro americanos somente 13% da população, de acordo com o Censo 2010.A atuação de entidades de mercado em prol da inserção ou da valorização da comuni-dade negra na sociedade norte-americana é um dos pontos a serem desenvolvidos no Brasil. Um case neste sentido é o Black Tra-vel Movement, iniciativa criada pelo america-no Reggie Cummings.A “comunidade de amigos e familiares”, como se define o grupo, é um movimento que promove e exalta afro americanos em viagens. O portal on-line do BTM é composto por diversos artigos focados em relatos, ex-periências e dicas voltadas especificamente para a comunidade negra norte-americana.Uma das esferas de atuação mais produtivas do Black Travel Movement é sua comunida-de no Facebook. O grupo incentiva que os usuários compartilhem fotos, vídeos e rela-

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tos de suas últimas experiências. Na rede social, o BTM tem mais de 360 mil membros.A intenção de trabalhar exclusiva-mente os negros do trade norte-ame-ricano resultou na criação de uma pu-blicação própria para a comunidade, a Black Meetings & Tourism. Funda-da em 1994, a revista bimestral traz artigos “para e sobre o mercado de eventos, viagens de lazer, grupos e in-centivos que movimenta mais de US$ 40 bilhões”.“Como uma empresa de publicação dirigida por negros, nós nos dedi-camos a servir e apoiar o segmento de viagens afro americanas, assim como criar oportunidades para todos os negócios, fornecedores e afiliados que buscam alcançar esse mercado emergente”, se define a revista.A edição de agosto da Black Mee-tings & Tourism traz em sua capa um rosto conhecido do trade brasileiro. Nela está o presidente e CEO do Vi-sit Florida, Ken Lawson, relatando os desafios e objetivos de seu mandato à frente de um dos mais importantes Conventions & Visitors Bureaus dos Estados Unidos. n

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