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Universidade de Brasília
GEILZA LOPES DE MOURA
A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO PARA A FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS DA COMUNIDADE DO GUARAPES-NATAL/RN
Natal - RN
2007
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - CEAD
GEILZA LOPES DE MOURA
“A importância do Lúdico para a formação das crianças da comunidade do Guarapes-Natal/RN”
Monografia apresentada ao Centro de
Educação a Distância para obtenção
do título de especialista em Esporte
Escolar pela Universidade de
Brasília/UNB.
Natal – RN
- 2007 -
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - CEAD
Geilza Lopes de Moura
“A importância do Lúdico para a formação das crianças do Guarapes-
Natal/RN”
BANCA EXAMINADORA:
Profª. Sonia Cristina Ferreira Maia, Ms.
(Orientadora)
Prof. Jonatas de França Bastos, Dr.
(Leitor)
- Natal – RN, 01 de Agosto de 2007-
AGRADECIMENTOS
A Deus por permitir-me o alcance de mais um degrau profissional e a tudo
que tem me dado.
A Universidade de Brasília pela oportunidade do curso de Especialização em
Esporte Escolar e a todos os seus tutores pela orientação dada.
Ao Programa Segundo Tempo que favoreceu a todos os envolvidos ricas
experiências.
A professora Sônia Cristina por sua dedicação inestimável nas horas de
dúvidas.
A minha amiga Soraya Rosa sempre presente.
Ao meu companheiro Mário Luís pela força e carinho dados.
RESUMO
Na etapa de planejamento das aulas do Projeto Segundo Tempo (PST) , quando do levantamento da clientela a ser trabalhada, percebemos que a ludicidade fazia-se ausente ou deficiente na infância de boa parte daquelas crianças, pois, seu tempo extra escolar estava comprometido em ajudar os pais para garantirem a sobrevivência. Por considerarmos o elemento lúdico, que é de direto, essencial para a formação dos menores preocupamo-nos em promover, pelo menos um pouco, essa negação através das aulas do PST. Desse modo distanciamos do ensino das modalidades esportivas o princípio do rendimento e aplicamos a descontração, a união e o divertimento valendo-nos das pedagogias inovadoras e sempre promovendo a amizade entre eles. As pedagogias inovadoras segundo Souza (2004) é um termo utilizado no sentido de reduzir rótulos, porém marcar diferenças extremas. Para ele de um lado estão todas as metodologias que se pautam numa pedagogia tradicional de ensino, em que o paradigma cartesiano/mecanicista é o balizador, enquanto do outro lado estão todas as metodologias que buscam romper com o paradigma tecnicista reducionista e seguem diretrizes pedagógicas revolucionárias no desenrolar de intervenções comprometidas. Para a realização da pesquisa de natureza qualitativa tipo pesquisa-ação utiliza questionários com perguntas subjetivas onde procuramos observar a contribuição das estratégias lúdicas de ensino (pedagogia inovadora) para o processo de formação das crianças da comunidade dos Guarapes /Natal-RN, numa amostragem de 20 crianças de ambos os sexos com idade entre 10 e 12 anos matriculada na Escola Municipal Professora Almerinda Bezerra Furtado e que eram participantes do PST. Dos relatos coletados chegamos as seguintes conclusões: É relevante que se conheça as necessidades imediatas da população a ser trabalhada para que dentro do conteúdo programado estas possam ser sanadas ou suavizadas; As estratégias lúdicas para o ensino dos esportes não prejudicaram o aprendizado técnico das mesmas uma vez que as crianças relacionaram seu grau de satisfação, também, ao que aprenderam; As estratégias lúdicas contribuíram para uma infância mais alegre e feliz pois as crianças relembraram as aulas com sentimentos de felicidade e alegria; O projeto Segundo Tempo para uma comunidade como a do Guarapes, que tem altos índices de violência urbana, contribui para distanciar as crianças da marginalização e das drogas, o que foi explicitamente dito por alguns entrevistados.Nossa conclusão final é de que as estratégias lúdicas de ensino de modalidades esportivas não prejudicam o aprendizado técnico das mesmas e ainda devolvem um pouco da infância perdida para aqueles que devido as varias circunstâncias precisam trabalhar para sobreviver, além de favorecer a formação de amigos e lembranças de uma infância lúdica.
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
1-Introdução 2
1.1-Tema 4
1.2-Problema 4
1.3-Objetivo Geral 6
1.4- Objetivos Específicos 6
1.5- Justificativa 7
CAPITULO II
Revisão de Literatura 11
CAPITULO III
Metodologia 20
Analise e Discussão dos Resultados 22
Considerações Finais 33
Referências 36
Anexos 39
CAPÍTULO I
O PROBLEMA
1-INTRODUÇÃO
Caracterizado pelo alto índice de violência urbana e miséria, o bairro
do Guarapes em Natal RN, como se não fosse pouco, deixa muito a desejar
nas opções de lazer para as crianças do bairro. Mergulhados num clima de
crimes de todos os tipos como morte, assaltos e roubos a infância dessas
crianças ausenta-se do lúdico de forma abrupta comprometendo o mundo de
fantasia e doçura desta fase. A escola torna-se um lugar contrario a essa
realidade remando no sentido inverso ao caos desse mundo onde as crianças
são obrigadas a estar.
Gómez (2000), compreende que a função social da escola é
desenvolver o processo de socialização das novas gerações. Afirmando que
algumas correntes da sociologia da educação reduz este processo a
preparação para a incorporação ao mundo do trabalho e outras que o processo
de socialização na escola é a formação do cidadão/ã para sua intervenção na
vida pública. Para um ou para outro objetivo necessita-se da presença do aluno
na escola. E assim, a escola preocupada com a formação do cidadão vale-se
dos recursos e projetos que lhe são oportunizados da melhor maneira possível.
A chegada de projetos, como o Projeto Segundo Tempo, que tem
como finalidade tirar as crianças da rua no horário extra-classe oferecendo-lhes
atividades esportivas da uma contribuição ainda maior quando dá flexibilidade
ao uso da metodologia de ensino não nos obrigando a buscar rendimento, etc.
Utilizando o lúdico trazemos para as crianças pequenas a possibilidade de
vivenciar sua infância de forma mais adequada as reais necessidade dessa
faixa-etária. Isso faz recair sobre nós, professores de educação física o
cumprimento desse dever social e profissional através de nossas aulas, por
isso, o lúdico foi explorado nas aulas do Projeto Segundo Tempo da Escola
Municipal Professora Almerinda Bezerra Furtado de forma metodológica.
O presente trabalho procura mostra a importância do lúdico para a
formação dessas crianças oportunizando-lhes um caminho melhor, ou
lembranças, mas suaves de sua infância. Procuramos então constatar de forma
científica os efeitos dessa metodologia de ensino na população envolvida
comprovando nossa crença ou não nos benefícios de tal metodologia ou
abrindo outros caminhos para o objetivo maior da nossa profissão de educador
na formação de um cidadão lúdico, feliz, alegre e otimista.
1.1- TEMA A importância do lúdico para a formação das crianças do Programa
Segundo Tempo na comunidade do Guarapes no município de Natal- RN.
1.2-O PROBLEMA Natal, capital do Rio Grande do Norte tem algo em torno de 800 mil
habitantes e entre seus vários bairros periféricos existe o Guarapes com
aproximadamente 23 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE. O bairro
localiza-se praticamente isolado dos outros da cidade fazendo fronteira com os
municípios de Parnamirim, as margens da BR 101 e Macaíba as margens da
BR 226, por onde passa o Rio Guarapes. Porém não são essas as únicas
características do bairro há também um isolamento econômico e social. Com
uma única linha de ônibus funcionando, uma creche, duas escolas de 1º grau,
um posto de saúde e uma quadra esportiva em péssimas condições de uso, a
população sofre pela falta de opções de lazer. Se Junta a isso o alto grau de
violência, miséria, baixa renda e pouca ou nenhuma instrução escolar dos
moradores. Para amenizar a miséria das numerosas famílias em que vive
grande parte dos nossos alunos se dedicam a trabalharem de alguma forma
quando não estão na escola. Todos esses fatos contrariam os direitos
constitucionais das crianças onde consequentemente são privadas de viverem
sua infância dignamente. Ausentam-se dessa forma de sobrevivência, que são
obrigadas a adotarem, o prazer de brincar, a essência lúdica da infância.
Nas afirmações de Werneck (2003), o lúdico é uma das essências da
vida humana que instaura e constitui novas formas de fluir na vida social,
marcada pela exaltação dos sentidos e das emoções.
Sendo o PST um projeto esportivo direcionado a crianças em
situação de risco de marginalização foi através de atividades lúdicas que
podemos passar os conhecimentos do esporte. Assim o alto grau de
ansiedade, a cobrança de resultados, o caráter utilitário do esporte deu lugar
ao imaginário, o desejo, os risos, a espontaneidade caracterizando a
ludicidade. Esta para Bruhns (1998) está mais próxima do rito, pelo seu caráter
menos obrigatório da necessidade de vencer, a qualquer custo, possibilitando,
durante seu curso, a união de todos os participantes para se alcançar um
objetivo comum.
Numa sociedade industrial que valoriza apenas o trabalho o lúdico,
segundo Brunhs (1998) constitui-se numa subversão dos valores da sociedade
por nada produzir. Mas encontramos no lúdico uma maneira mais doce de viver
onde WernecK (2003) coloca que nele encontramos uma mistura de alegria e
angústia, relaxamento e tensão, prazer e conflito, regozijo e frustração,
satisfação e expectativa, liberdade e concessão, entrega, renuncia e deleite,
coisas que essa mesma sociedade nos nega e que segundo a mesma autora
o lúdico pressupõe, dessa maneira, a valorização estética e a aproximação
expressiva do processo vivido, e não apenas do produto alcançado, portanto
importante para o desenvolvimento humano quando presente oportuniza a
plenitude do viver.
Diante desse caos social questionamos a importância do lúdico na
formação das crianças participantes do Projeto Segundo Tempo do bairro do
Guarapes – Natal/RN em detrimento ao caos urbano de violência e miséria,
onde está inserida, que comprometem as necessidades lúdicas do processo de
formação cidadã.
1.3-OBJETIVO GERAL
Identificar e discutir a importância do lúdico para a formação das
crianças do Projeto Segundo Tempo da comunidade do Guarapes no município
de Natal- RN por meio das aulas do Projeto Segundo Tempo.
1.4-OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Caracterizar a situação de violência e miséria que as
crianças do Guarapes/ Natal- RN estão inseridas.
• Diagnosticar a importância do Projeto Segundo Tempo
para o dia-a-dia das crianças do Guarapes/ Natal RN.
• Verifica o impacto das aulas do Projeto Segundo com
estratégias lúdicas do Projeto Segundo Tempo e sua contribuição para
processo de formação para as crianças da comunidade dos Guarapes/
RN.
1.5-JUSTIFICATIVA
Ainda não temos um livro didático para cada série escolar ou faixa-
etária, possuímos apenas os conteúdos da Educação Física, sugeridos pelos
próprios PCNs, para adequá-los. Sendo assim cabe ao professor fazer sua
analise das necessidades da turma e explorar um ou uns conteúdos de forma a
atender tais necessidades. No caso do Projeto Segundo Tempo, onde o
conteúdo trabalhado é o esporte, verificamos que este pode ter varias faces.
Utilizado como objeto de marketing em varias escolas, como opção de possível
sucesso profissional e ascensão à miséria ou como forma das crianças
extravasarem as tensões o esporte é manipulado positiva ou negativamente
podendo contrariar as reais necessidades dos alunos.
Nossos alunos do Projeto Segundo Tempo são crianças que vivem
em bairros com grande possibilidade de atraí-las a marginalização. A pouca
estrutura para o lazer, a falta ou insuficiente instrução escolar dos pais e a
renda baixa, culminam para a desestruturação das famílias provocando nas
crianças uma infância menos lúdica do que deveria. Grande parte dessas
crianças ajuda as famílias desde muito cedo a catar papelões, a cuidar dos
vários irmãos menores, a vender cocada, pastorar mulas e até a pedir esmolas.
É uma questão de sobrevivência. Percebemos como a vida é árdua desde
cedo com essas crianças. Inseridas neste mundo, ausentam-se parcial ou
totalmente da ludicidade, tão própria da infância. Para Vygotsk (1992) “o ser
humano constitui-se enquanto tal na sua relação com o outro social. A cultura
torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico
do homem” (p.24). “É a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos
de representação da realidade e, por meio deles, o universo de significações
que permite construir uma ordenação, uma interpretação, dos dados do mundo
real. Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo internaliza formas
culturalmente dadas de comportamento, num processo em que atividades
externas, funções interpessoais, transformam-se em atividades internas,
intrapsicológicas” (p.27).
Essas crianças vivem em um mundo adulto, não fantasiam seus
sonhos infantis, seus monstros, seus heróis, suas princesas, não sorriem antes
entristecem-se pela miséria que estão assolados. O que poderemos concluir do
desenvolvimento mental de crianças que têm de viver como adultos?
O presente contexto fez-nos ver que através do conteúdo esporte o
lúdico poderia renascer para essas crianças. Não qualquer esporte, mas sim o
esporte sugerido pelo Coletivo de Autores (1992), onde “deve ser analisado
nos seus variados aspectos, para determinar a forma em que deve ser
abordado pedagogicamente no sentido de esporte ‘da’ Escola e não como
esporte ‘na’ Escola” (p.70). No nosso caso, antes de ensinar-mos a perfeição
de uma bandeja de basquete ou de um passe no futebol havia a necessidade
de resgatar o rir, o distrair--se, o sonhar, o imaginar, o criar, características
típicas das atividades lúdicas.
A idéia da ascensão através do esporte ou do marketing estava
defasada diante da superior necessidade de ser criança. Assim, optamos por
explorar a ludicidade nas aulas do Projeto desvinculando-nos dos movimentos
mecânico, repetitivos e extenuantes da metodologia tradicional das escolinhas
de esporte e contextualizamos os fundamentos esportivos a jogos situacionais
e faz-de-conta.
Nesse sentido, essa abordagem da relevância ao estudo em
proporcionar um ambiente de reflexão através da ludicidade, que proporcione a
essas crianças a formação do Ser que precisar estar nas suas relações sociais,
sendo sujeito de sua própria história podendo participar como cidadão crítico e
criativo no exercício de sua cidadania.
Diante das lacunas sociais existentes na comunidade dos Guarapes,
levanta-se o seguinte questionamento: Como o Projeto Segundo Tempo pode
atuar na formação de crianças na faixa-etária dos 10 aos 12 anos por meio da
ludicidade?
O estudo vem reforçar a importância de se conhecer as
necessidades mais latentes do grupo a ser trabalhado para que os conteúdos
dentro do possível, possam atendê-las. Mostrar também aos profissionais da
área que o feedback de seu trabalho o ajuda como repertório de experiências
no sentido de possibilitar a melhora em outros projetos e no seu dia-a-dia.
Percebemos a relevância social quando o legado das vivências
lúdicas que dignificaram um pouco a infância turbulenta tornou-se boas
lembranças para as crianças, além do aprendizado mais humano do esporte.
Pessoalmente o estudo revelou os sentimentos das crianças em
relação à metodologia, o que na nossa opinião, culminou com nossos anseios
iniciais de acertar na direção das aulas. Não obstante, pequenos ajustes serão
feitos em outros projetos, pois sempre é possível melhorar um pouco mais.
CAPÍTULO II
REVISÃO DE LITERATURA
1 . A INFÂNCIA E O BRINCAR Naturalmente uma das primeiras imagens que temos quando
lembramos de uma criança é dela brincando. O brincar praticamente
caracteriza a criança. Rubens Alves (1987) afirma que esta atividade é típica
da mesma. No entanto, sabemos que na ótica dos adultos a brincadeira é
improdutiva, os risos espontâneos, a curiosidade, os sonhos, as fantasias são
podados em detrimento do mundo adulto que assegura a sobrevivência
humana. Para o mesmo autor socializamos as crianças com as regras dos
adultos para preservarmos o nosso mundo e dessa forma controlamos e
definimos sua imaginação e suas aspirações.
Este mundo adulto esta administrado pelas regras da produção e do
consumo, uma vez que vive numa sociedade capitalista e, é dessa maneira
que o brincar torna-se perda de tempo sendo reprimido e desvalorizado por
não gerar bens de consumo.
Podemos dizer, então, que se o brincar é reprimido total ou
parcialmente e sendo este uma característica da infância estamos negando ou
limitando o direito da plenitude dessa fase da vida aos pequenos .No nosso
caso as crianças da comunidade dos Guarapes ausentam-se desta fase
nitidamente. Observamos no bairro um alto índice de violência, a falta de
espaço estruturalmente adequado para brincar com segurança e a miséria que
faz com que tenham que trabalhar ajudando os pais nas horas que não estão
na escola. A eles são conferidas tarefas de adultos como catar papelão e
latinhas, cuidar dos irmãos mais novos, pescar peixes, ostras e caranguejo no
rio Guarapes, pastorar e conduzir mulas, entre outras. Para eles o produto
desse trabalho é a sobre vivência, mas também pode ser entendido como
ausência de infância. Pois, enquanto o brincar típico da criança proporciona
prazer, como fala Rubens Alves (1987), o trabalho tem características distintas
deste. No trabalho existe a falta da espontaneidade, da alegria e do prazer, seu
compromisso é com a produção.
Começamos então a perceber a importância de projetos como o
Projeto Segundo Tempo para comunidades com essas características. No
entanto, esses projetos devem observar as verdadeiras necessidades da
comunidade e priorizar as mais importantes direcionando assim seu
planejamento. Diagnosticamos, pelos fatos já citados, que o brincar para as
crianças dos Guarapes era a necessidade maior devido não estarem
vivenciando os elementos típicos daquela fase da vida.
Aqui estamos falando de um brincar onde seus elementos mais fiéis
estejam unidos a uma pedagogia esportiva desvinculada do brincar objeto que
a sociedade de consumo não tardou em produzir.
O brincar objeto reproduz a lógica do consumo, encarnado por
utensílios adquiridos ou serviços usufruídos por uma pequena parcela da
população, este provoca desejo e frustração aos que não podem tê-los. Neles
o prazer compete com o poder ter relegando a plenitude do brincar em
segundo plano. É o caso dos brinquedos sofisticados, dos parques temáticos,
entre outros, que poucos têm acesso, mas que todos desejam.
Então que brincar é esse? Capitoni & Costa (1998), revelam que
“brincar é um processo metafórico de manipulação de imagem onde somos
partícipes na construção de sentidos e significações que o lúdico possibilita,
por isso uma prática do imaginário” (p.512).O que, na nossa opinião, é
potencialmente distinto do brincar pré-moldado por objetos de consumo.
Dessa maneira nas aulas do Projeto Segundo Tempo, onde o
esporte é o conteúdo, desfizemo-nos das metodologias tradicionais de ensino
para criar aulas que atendessem as necessidades de ação lúdica, incutindo em
seu planejamento o estimulo a uma prática participativa e interativas onde as
crianças exercessem sua criatividade, liberdade e espontaneidade encorajadas
a acreditarem no seu potencial, na pratica da sua imaginação.
O brincar se fez presente em todos os jogos planejados e muitas
vezes remodelados pelas próprias crianças que vivenciaram momentos lúdicos
num mundo desconectado daquela realidade em que estavam imersos,
passando a realidade de suas fantasias.
Percebemos que adotando essa metodologia lúdica de ensino
podemos oferecer aos alunos vivencias semelhantes as que Rubens Alves
(1987), descreve sobre o ato de jogar. Para esse mesmo autor “o jogo aponta
na direção de um futuro, proporciona alegria no seu limitado espaço, cria a
esperança de liberdade para o mundo todo. Sob as atuais condições de
repressão o jogo, faz nascer uma visão utópica. Ele opera como um aperitivo,
sugerindo que apesar de nos encontramos cativos no mundo adulto , esta não
precisa ser a nossa sina. Há outras possibilidades para a vida humana” (p.
104).
2. A ESCOLA E O LÚDICO
Muito se fala do lúdico, de atividades lúdicas, momentos lúdicos,
ludicidade... Curiosamente, de onde vem o lúdico?
Conforme as pesquisas da etnologia, nas sociedades tradicionais a
vida compreendia, basicamente três partes inter-relacionadas: “satisfação das
necessidades elementares (como alimentação e repouso) ocupações ligadas à
subsistência (sobretudo a agricultura) e atividades lúdicas (tais como os jogos,
as danças, as festividades)” (WERNECK, 2003, p.34). No entanto, como a
própria etnologia nos adianta, as atividades lúdicas tem significados e usos
diferentes de acordo com as varias questões existente na sociedade
pesquisada.
Werneck (2003), afirma que essas três possibilidades se misturavam
e se confundiam na dinâmica da vida social e cultural das sociedades antigas,
já hoje em dia, nos centros urbanos contemporâneos, industrializados e
capitalistas essas atividades são divididas em frações estanques, ou seja,
existe um tempo para cada coisa. Levando em consideração as mazelas do
capitalismo, como a busca desenfreada do lucro que resulta numa injusta
divisão do mesmo tornando crescente a situação de miséria para alguns, o
lúdico perde espaço para as questões relacionadas a sobrevivência, para onde
vão todas as energias e o tempo do ser humano . Ocorre um menosprezo ao
lúdico, pois, sua importância desaparece frente ao produzir.
No nosso entender as atividades lúdicas não podem ficar a mercê de
um possível ócio, elas podem estar presente na vida paralela á outras
atividades. Para Werneck (2003), o lúdico é construído culturalmente e cercado
por vários fatores como normas políticas e sociais, regras educacionais,
princípios morais, condições concretas de existência variando de acordo com
os valores e referências que orientam um determinado grupo social em
diferentes contexto e épocas. Mas a mesma autora afirma:
“O Lúdico no nosso entender, é uma das essências da vida
humana que instaura e constitui novas formas de fluir a vida
social, marcadas pela exaltação dos sentidos e das emoções
- misturando a alegria e angústia, relaxamento e tensão,
prazer e conflito, regozijo e frustração, satisfação e
expectativa, liberdade e concessão, entrega, renúncia e
deleite. O lúdico pressupõe, dessa maneira, a valorização
estética e a aproximação expressiva do processo vivido, e
não apenas do produto alcançado. Mesmo que não se possa
obter um resultado favorável (como, por exemplo, torcer por
um time que não consegue sair vitorioso de uma partida), a
sensação é de que a vivencia valeu a pena, sendo mantido o
desejo de repeti-la e de conquistar novos desafios” (p.37)
Depois dessa maravilhosa citação como poderemos aceitar que o
lúdico fique relegado a um possível ócio? Nele o ser humano transcende-se
enquanto tal para sua própria alegria. Valores sociais e puramente humanos
são vivenciados harmoniosamente. Abster-se do lúdico é negar a plenitude de
se viver. A Escola, o esporte e os projetos podem contribuir com esse
processo.
Mas será que é possível na sociedade capitalista o paralelismo
desses elementos, trabalho e lúdico? Para as crianças da comunidade do
Guarapes sim, sim desde que os direitos do Estatuto da Criança e do
Adolescente seja cumprido, nele esta escrito no artigo quarto que “é dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, á
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária”
(DIAS, 2002, p.52).
Percebemos que dentre esses deveres muitos estão, também,
direcionados a competência escolar. E mais minuciosamente o esporte a
educação física. Observamos claramente no nosso dia-a-dia que a escola para
as crianças do Guarapes é um ambiente onde há possibilidade do lúdico ser
vivido de forma plena. A obrigação da vida adulta, que estão submetidos, fica
fora dos muros da escola, é momento de ser criança.
No entanto, vivenciar esse lúdico na escola requer para os
professores um compromisso com a realidade dos alunos. A escola, o seu
corpo docente, não pode ater-se a uma visão liberal de ensino, onde se
prepara o aluno para ocupar um lugar na hierarquia social. Paulo Freire (1996)
faz uma boa observação quanto à função pedagógica quando diz que ensinar
exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.
Possivelmente uma prática progressista seria a mais adequada, pois esta,
segundo Libâneo (1988), entende a educação escolar como efetiva
contribuição para a ampliação da consciência social e crítica dos alunos, tendo
em vista sua participação ativa na prática social (política, profissional, cultural e
desportiva).
Sendo nossa proposta investigar a importância do lúdico para a
formação das crianças da comunidade dos Guarapes, podemos observar que
as características do lúdico aqui referido por Werneck (2003), aliam-se a essa
proposta de educação escolar onde podemos contribuir para uma formação
cidadã.
O lúdico da escola, em especial o vivenciado pelas crianças do
Projeto Segundo Tempo da comunidade do Guarapes, na Escola Municipal
Professora Almerinda Bezerra Furtado, procurou propiciar as crianças a
oportunidade de ser um pouco mais criança sem esquecer os aspectos
positivos do lúdico que contribuem para sua formação.
3-O ESPORTE, O JOGO E O LÚDICO
Houve-se muito falar que o esporte é um dos meios de afastar os
jovens das drogas, etc. Este é visto como saída para várias mazelas sociais,
porém, muitas vezes ele se torna mais um elemento de exclusão social
quando, por exemplo, não oferece oportunidade igual a todos. A oportunidade
referida, nesse caso, é a oportunidade da qualidade pedagógica oferecida
quando se ensina o esporte. O esporte exerce uma atração muito forte nas
pessoas, muito mais que a ginástica, dança o jogo ou a luta que são os outros
conteúdos da educação física.
Gonçalves (2007), argumenta que o esporte tem um grande poder de
mobilização e motivação das pessoas e por isso de constituir-se em vivencias
educativas e significativas, tanto como uma forma de desenvolvimento corporal
e, por conseguinte, de cultivo a saúde, quanto como um meio rico de educação
cidadania, desenvolvimento pessoal e social.
Diante de tantos diálogos com elogios e esperanças em torno do
esporte questionamos de que esporte estamos falando. É muito fácil ensinar
esporte “na” escola, é apenas a aplicação exaustiva de movimentos
mecânicos, repetitivos unidos a regras inflexíveis com gritos de estímulos ou de
reprovação. Mas talvez esse seja o legado mais em evidência sobre o esporte.
O esporte “da” escola tem outros propósitos e aplicabilidade. Este não busca
talentos, records, marcas, patrocínios ou rendimentos. Precisa-se, para ensiná-
lo, uma formação acadêmica e cidadã. Vêem-se as necessidades de
aprendizado dos alunos e o que pode ser feito utilizando o esporte como
conteúdo. Exclui-se deste a exclusão dos mais fracos fisicamente, o abandono
dos rotulados “desajeitados” para o esporte, a ausência dos deficientes, etc.
O esporte trabalhado com ludicidade caracteriza-se como esporte
“da” escola. No entanto, para os menos desavisados pode aparentar confuso e
anárquico esse modo de aprendê-lo.
Para tal feito usamos o jogo como metodologia lúdica de ensino do
esporte. Mas encontramos pontos de vista sobre a dimensão educativa do
esporte.
Para alguns autores “o esporte é capaz de despertar o aprendizado
de habilidades, tais como: a cooperação, o trabalho em equipe, a resolução de
problemas, a disciplina, a liderança. E de valores como: o respeito, a
honestidade, a confiança, o jogo limpo, a tolerância, a solidariedade, o valor do
esforço e de como lidar com a vitória e com a derrota” (GONÇALVES, 2007,
p.7).
Já outros como Bruhns (1993) pensa que o esporte privilegia os
resultados e está vinculada a ele a exclusão, o consumismo, a dominação, a
acumulação, numa sociedade que o evidencia com grau significativo de
importância. Para ela o esporte passa a ser mais coerente com a nova ordem
voltada ao trabalho, que vê no corpo um meio de exploração e domesticação
necessárias ao crescimento econômico.
São dois pontos de vista distintos sobre o esporte e colocando em
observação sua capacidade educativa de formação cidadã. Por isso,
discutimos como esse esporte deva ser pedagogicamente aplicado nas escolas
para a respectiva faixa-etária e que objetivos estão atendendo.
Discutindo o jogo como metodologia lúdica de ensino do esporte
analisamos suas características e possibilidades.
Bruhns (1993) afirma que o lúdico não sendo disciplinador é
incompatível, de certa forma, como reposição da força de trabalho, que é a
função do lazer no espaço e no tempo em que o trabalho se constitui como
valor marcante. Ou seja, o lúdico não tem valor reconhecido no mundo
capitalista e é visto como perda de tempo.
Mas isso não é o que concordamos, e apostamos no jogo, na sua
ludicidade, como meio de aprender uma modalidade esportiva e também, como
forma de alcançar o direito de brincar, a cidadania negada as nossas crianças.
O jogo é algo difícil de ser definido, a própria Bruhns (1993) diz ter
pesquisado vários autores e estudiosos do assunto como Huizinga, Piaget,
Chateau, Winnicott Vygotsky para chegar a uma definição, para ela: “O jogos
cativa o jogadores, fascinando-o através do risco... É o sujeito integrado sem
rupturas, para jogador torna-se objeto jogado” (p.28).
Como não se joga “algo determinado”, mas com alguma coisa que
ganha forma através do processo dialético de mover e ser movido, o objetivo
lúdico transcende o caráter de “objeto” como alguma coisa reconhecida pela
razão.
No ”jogar bola”, a bola seria um instrumento do jogo, não o objeto,
pois este sempre tem o caráter de imagem (das possibilidades e da fantasia)
nunca de uma “coisa”. O objetivo seria o movimento causado por essa bola.
Brinca-se com a bola que brinca conosco (p.29).
Assim sendo, o jogo também é motivante, cativante e estimulante
como o esporte. E ao contrário do que se pensa sua ludicidade não é perda de
tempo, pois, este não transforma o homem em uma máquina programada para
repetir movimentos, nele o homem vivência o movimento num contexto onde os
dois são um só, dessa forma não aliena e, portanto, não é improdutivo. Pode-
se através dele esquecer a realidade de forma consciente, mais internamente
conflitos são vivenciadas ludicamente permitidas suas resoluções através do
brincar do divertimento, da organização da liberdade...
Buhns (1993) reforça que há plena distinção entre o jogo e a
realidade. Apenas tomam-se emprestado do mundo real objetos e
circunstâncias imaginados.
As características fundamentais do jogo para Gonçalves (2007), são
a ludicidade, a liberdade e o prazer. Concluímos que de acordo como o jogo
seja vivendo pode se fundir com o lúdico como se fossem únicos.
Encontramos em outros autores como Santos (1999), a possibilidade
do esporte e o lúdico estarem juntos no processo educativo. Ele diz que “a
presença do lúdico não esporte proporciona o prazer na construção coletiva
das ações daqueles que se colocam em jogo.Na vivencia lúdica todos
reconhecem seu compromisso com o desenvolvimento da experiência, com
oportunidades de brincar com os conhecimentos, com o espaço, com o tempo,
com diferentes materiais, com as ações desenvolvidas, com o próprio corpo e o
dos colegas” (p.29).
Para Bruhns (1999), ”se nosso mundo não é aberto à liberdade e a
alegria, pois tudo deve ser controlado (até a “subversão” do riso), o jogo seria
uma possibilidade para se atingir esses aspectos, alcançando-os através de
um rompimento, da transcendência das regras da realidade|” ( p.30).
Acreditamos que o Esporte vivenciado ludicamente torna-se meio de
promover a cidadania aos que tiveram o direito de brincar ausentado por algum
motivo.
CAPÍTULO III
METODOLOGIA
METODOLOGIA
Constataremos a situação de violência em que esta inserida o bairro
do Guarapes fazendo um levantamento do número de casos de assassinato
por habitante e sua colocação neste ranking na cidade do Natal através de
dados fornecidos pelo órgão competente do estado. Já o nível sócio-econômico
da população foi feito através do questionário sócio-econômico de inscrição do
Projeto Segundo Tempo das próprias crianças, num total de 200 pesquisados.
O impacto da metodologia lúdica para a formação das crianças
participantes do Projeto, revelando a intensidade de sua importância positiva se
dará através de pesquisa descritiva tipo pesquisa-ação de natureza qualitativa.
A População pesquisada foram as 200 crianças matriculadas na escola,
participantes das aulas de educação física, que foram inscritas no Projeto
Segundo Tempo. A Amostragem será feita com 20% da população sendo 5%
participantes da modalidade de basquete, 5% do handbol e 10% do futsal.
Usaremos como instrumento para a coleta de dados Entrevista- Diário de
Campo, feito em três sessões.
O Projeto Segundo Tempo que tem como objetivo ocupar as crianças
na escola no horário extraclasse, diminuindo o risco de caírem na
marginalização, trás unido a metodologia lúdica de ensino do esporte a
oportunidade, das crianças vivenciarem experiências lúdicas explorando sua
criatividade, imprevisibilidade, liberdade e imaginação. Atividades onde a
imagem e o imaginado co-existem numa relação dinâmica, levando as crianças
a um mundo infantil de que estão privadas. Acreditamos que quanto mais,
adequadamente, vivencia-se as fases da vida mais preparadas para ela o
sujeito estará. Usamos para refletir sobre essa idéia as afirmações de Piaget
(1992), onde: “o homem normal não é social da mesma maneira aos seis
meses ou aos vinte anos de idade, e, por conseguinte, sua individualidade não
pode ser da mesma qualidade nesses dois diferentes níveis“ (p.12). Para
Piaget essa evolução cognitiva passa por diferenças das trocas intelectuais,
podendo o indivíduo mais evoluído usufruir plenamente tanto de sua autonomia
quanto dos aportes dos outros. Assim, o projeto oportuniza as crianças do
bairro a possibilidade de serem crianças e futuros adultos com mais autonomia
e independência.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Apresentaremos a seguir os percentuais da coleta de dados da
pesquisa, bem como as conclusões, onde investigamos as ocupações das
crianças quando estão fora da escola, suas atividades preferidas, o nível de
prazer em participar do Projeto Segundo Tempo, entre outros. A pesquisa visou
constatar o quanto o Projeto Segundo Tempo contribuiu para que as crianças
tivessem uma infância mais lúdica do que as condições em que viviam
permitia.
O grupo investigado foi constituído por 20 crianças de ambos os sexos
e idade entre 10 e 12 anos. Observamos na entrevista que elas têm pouca
expressividade ao falar de suas idéias, numa mistura de timidez, conformismo
e falta de costume. Talvez até desiludidos com todo contexto em que vivem.
Em alguns poucos entrevistados surpreendemo-nos com as respostas que
deram como, admitir que o que gostavam de fazer mesmo era de bagunçar e
até bater nos colegas. Seria essa rebeldia transferência do ambiente em que
vivem ou pura personalidade? Bem, seria uma pergunta para outra pesquisa, o
fato é que nossas crianças caracterizam-se por sujeitos de direitos negados,
tamanhos a escassez das necessidades básicas em que vivem. Os dados
coletados que serão apresentados a seguir poderão convencê-los disso o que
repercuti na importância do Projeto Segundo Tempo para esta comunidade,
principalmente se utilizado através da metodologia lúdica de ensino. No
entanto, para chegarmos a esse consenso de ensino não foi preciso uma
investigação prévia da comunidade, uma vez que as condições de vida ali
presente saltavam-nos aos olhos.
Para uma melhor compreensão descreveremos algumas
características dessa realidade: raquitismo, muitas vezes presente; cárie
visivelmente em estagio avançado; infestação de piolhos e outras doenças de
pele; unhas e roupas sujas; ausência de calçados adequados a atividade física,
o que nos fazia limitar ou adaptar várias atividades; ansiedade por lanche;
brigas sem motivos claros demonstrando agressividade a flor da pele; procura
dos pais por benefícios sócias do governo, como a bolsa escola; famílias
numerosas; péssimas condições de moradia, entre outros.
Fotos das aulas do Programa Segundo Tempo
Dessa forma, não pensamos o esporte como algo que poderia
possibilitar uma ascensão a miséria, coisa que se acontecesse possivelmente
seria a pouquíssimos. Pensamos o esporte como possibilidade de resgate a
experiências lúdicas, pois aquelas condições lhes negavam isso e dessa forma
poderíamos beneficiar praticamente todas as crianças. Assim o planejamento
das aulas voltou-se para esse objetivo, até porque como poderíamos trabalhar
treinamento esportivo se o lúdico estava ausente naquelas vidas. Além do mais
“crianças não são, na sua natureza, especialistas: elas são generalistas”
(KROGER e ROTH, 2002, p.9).Os citados autores ainda dizem, que a
especialização precoce com cargas unilaterais (um só tipo de esporte) não tem
sido adequado as crianças pois apresentam desarmonias no desenvolvimento,
acompanhadas de um abandono precoce do esporte, antes de se ter chegado
ao alto nível de rendimento (2002, p.9).Isto é, se tivéssemos optado pela
metodologia tradicional de ensino do esporte onde a performance e o
rendimento seriam os objetivos finais não estaríamos contribuindo
adequadamente as necessidades das crianças daquela comunidade.
Essas informações nos levaram a entender que poderíamos trabalhar
o esporte explorando-o através de atividades ligadas a infância e não ao
mundo adulto. As aulas eram planejadas de forma a emanciparem as crianças,
pelo menos naqueles instantes, do mundo adulto em que estavam submetidos,
uma vez que assumiam dentro da família responsabilidades de adultos como
veremos a seguir na primeira pergunta do questionário.
Na primeira questão perguntamos as crianças qual era sua ocupação
durante o dia quando não estavam na escola: 70% (setenta por cento)
responderam que ajudavam os pais no trabalho deles sendo que desses 70%,
64% (sessenta e quatro por cento) ajudam os pais prioritariamente, ou seja,
ocupam seu tempo extraclasse totalmente com o mundo do trabalho.
Gráfico 1
70%
30%Ajudam os paisOutros
Gráfico 2
64%6%
30%Ajudam os paisprioritariamente Ajudam os pais
Outros
Subentendemos que o fato dos respectivos pais (responsáveis) ter
liberado as crianças do trabalho para participarem das aulas do projeto, esta
ligada ao fato de pensarem sê-lo pré-requisito para continuarem tendo acesso
aos programas sociais, e ou, também, que estando na escola seus filhos
estariam protegidos da violência urbana e alimentados.
Na questão dois perguntamos a eles o que mais gostavam de fazer na
vida, 90% (noventa por cento) responderam que gostavam de brincar o que
nos revela a ânsia em ser criança.
Gráfico 3
90%
10%
Gostam de brincarOutros
Já no terceiro questionamento onde responderam quais as
brincadeiras mais interessantes (gostosas) que já haviam brincado, 85%
(oitenta e cinco por cento) delas deram respostas de atividades ligadas ao
projeto como: “ corrida com bola”, “jogar bola na cesta”, “jogar bola do projeto”,
o que para nós foi uma constatação da importância do projeto para a vida
lúdica das crianças. A imagem do esporte para eles era muito mais que simples
treino estava ligado às necessidades das atividades da infância, no lugar de
mais alto, mais forte e mais rápido, elementos de exclusão do esporte, se
aplicado inadequadamente a faixa-etária, estavam presentes os elementos
mais felizes, mais criança, mais humano.
Gráfico 4
85%
15%Relembramatividades ligadasao projetoOutros
Foto das aulas do Projeto: meninos e meninas jogando
A imagem da escola esta geralmente associada à rigidez de horários,
postura e deveres. Perguntamos na quarta questão o que elas mais gostavam
de fazer quando estavam na escola, 45% (quarenta e cinco por cento)
disseram que gostavam de estudar e brincar e 30% (trinta por cento) disseram
só brincar. Se somarmos os dois percentuais chegaremos a 75% (setenta e
cinco por cento) o que nos mostra que a maioria delas associa a escola a um
ambiente de liberdade, pois lá elas têm oportunidade de vivenciar suas
necessidades de ação através de projetos como esse ou simplesmente com
brincadeiras entre amigos nos intervalos.
Gráfico 5
47%
32%
21%Brincar e estudarSó brincarOutros
Pesquisamos através do quinto questionamento como eram as aulas
do Projeto Segundo Tempo para eles. Nosso intuito era saber qual a imagem
do projeto eles tinham guardado na lembrança, 20% (vinte por cento)
descreveram as atividades, 50% (cinqüenta por cento) responderam
adjetivando sentimentos e 30% (trinta por cento) as duas respostas, como:
“legal porque eu jogava e brincava”, “era boa, me ensinou a jogar bola, me
ensinou a langar (deslocar-se com a bola em zigue-zague)”.
Podemos perceber o quanto as aulas foram significativas para as
crianças tanto pelas lembranças boas que carregam como pelo conteúdo que
foi aprendido aumentando seu repertório motor.
Gráfico 6
50%
20%
30%Revelaram bonssentimentosDescreveram asaulasAs duas opções
Na sexta questão investigamos o prazer das crianças em relação ao
projeto de forma direta onde questionamos como elas se sentiam fazendo as
aulas, todas responderam positivamente afirmando sentirem-se “alegre”, “feliz”,
“bem”, “contente”, “ficava feliz, não queria ir pra casa”, “achava legal, queria
vim todo dia”.
Gráfico 7
100%
0%0% Participaçãoprazerosa
No último questionamento procuramos investigar que idéia as
crianças faziam da contribuição do projeto para a formação deles. Procuramos
simplificar de maneira que sem procurar interferir nas respostas uma vez que a
capacidade de abstração das crianças não é a mesma dos adultos. Assim a
pergunta foi a seguinte: o Projeto Segundo Tempo contribuiu para sua
formação? Como?
Um total de 100% respondeu que o projeto contribuiu para sua
formação o que nos revela o reconhecimento da importância dele para as
crinaças de forma consciente.
Gráfico 8
100%
0%0%Contribuiu 100%
O que nos chamou a atenção foi o complemento da pergunta “como”.
Procuramos nas respostas o que mais prevalecia da opinião da criança e
chegamos aos seguintes dados:
30% disseram ser pessoas mais felizes, alegres ou divertidas. Outros
30% responderam que o projeto contribuiu para sua formação porque
aprenderam esportes. 20% afirmaram que fizeram amigos, que aprenderam a
fazer amigos, e ajudá-los. Isso nos revelou o desabrochar do principio da
solidariedade entre eles. Os outros 20% nos surpreendeu, pois, responderam
que o projeto contribuiu para que saíssem da rua, que não se tornassem
“vagabundos” ou “malandros”. O relato de um sujeito desse grupo de que “Na
rua oferece drogas aqui não” nos deu um pequeno exemplo de como eles
estão expostas a marginalização.
Gráfico 9
30%
30%
20%
20% Ser mais feliz
AprenderamesportesFizeram amigos
Ficaram longe damarginalização
Os relatos mostram que o lúdico fez-se presente nas atividades
desenvolvidas, pois o prazer, a alegria, a diversão e a felicidade descritas
faziam alusão aos momentos vivenciados, o que são característicos desta
prática. Portanto, acreditamos que o PST contribuiu para o resgate do lúdico
ajudando na formação das crianças.
Verificamos em Almeida (1998), a educação lúdica, além de contribuir e
influenciar na formação da criança e do adolescente, possibilitando um
crescimento sadio, um enriquecimento permanente integra-se ao mais alto
espírito de uma prática democrática enquanto investe em uma produção em
uma produção seria do conhecimento (p.57). Portanto, acreditamos que o PST
contribuiu para o resgate do lúdico ajudando na formação das crianças, pois
oportunizou a liberdade, a criatividade em seus movimentos e falas. O autor
supracitado continuando seu raciocínio realça nossas afirmações quando
coloca que a prática da educação lúdica exige a participação franca, criativa,
livre e crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o forte
compromisso de transformação e modificação do meio (1998, p. 57). Para
completar destacamos que “fazer novos amigos” foi uma das respostas com
significativo percentual. O referido dado torna-se importantíssimo diante dos
índices de violência do bairro. A promoção da socialização por meio das aulas
possibilitou e possibilitará um ambiente bem mais hostil a violência urbana
presente.
Relembrando que a função social da escola é desenvolver o processo
de socialização das novas gerações podemos entender que também houve
essa contribuição, pois, Gomes (2007) vem afirmar que a função primordial da
vivência lúdica perpassa por uma aprendizagem sociocultural que acontece ao
longo da vida, articulada com todas as ações socioculturais. Se, quando
criança o lúdico foi vivido em sua plenitude, o sujeito reconhece as funções do
lúdico em toda sua vida, pois teve anteriormente uma aprendizagem
significativa sobre o mesmo. Além disso, o lúdico contribui para troca de
informações, realização de diálogos, busca da compreensão dos sentidos da
atividade para cada pessoa e seu grupo.
Concluímos, então, que projetos como o do Segundo Tempo para
crianças como as da comunidade do Guarapes não só as transportam para
momentos mais próximos da infância, se aplicados via metodologias lúdicas,
mas também desfavorecem a marginalização que possivelmente afetariam
algumas delas, promove a socialização e o aprendizado do esporte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No caos dos direitos negados as crianças da comunidade do Guarapes -
Natal/ RN ausentam-se total ou parcialmente do direito a ludicidade, imbutido
no brincar e característica da infância e típica da mesma para Rubens Alves
(1987).
Esse direito perpassa por vários obstáculos, da atenção a essas
necessidades a substituição deste pelo trabalho infantil na busca da
sobrevivência. Almeida (1998) coloca que muitas vezes, os pais,
sobrecarregados pelos encargos diários e pelas preocupações do momento,
não têm forças ou coragem para estar ao redor dos filhos, brincar com eles ou
proporcionar-lhes divertimento sadio. Isso, ao nosso ver, dimensiona o estado
de decadência da ludicidade, ainda mais quando se trata de crianças de baixa
renda que trabalham. Almeida (1998), em sua ótica, coloca que a criança de
baixa renda na Escola pública é devorada pela desorganização, pelos
descritérios, pelo desgaste dos professores, pelas exigências burocráticas, pela
evasão e pela reprovação em massa. E acrescenta dizendo: “Na realidade
torturam-na, agora, em benefício daquilo que ela poderá ser um dia, se cair na
armadilha que os grandes armam para elas!” (p.35).
Não concordamos na sua fala com um todo, pensamos que muito se
pode fazer para a minimização do sucateamento do ensino público no Brasil e
contribuir para a formação digna dos nossos educandos. Programas de
políticas públicas e compromisso profissional dos professores pode ser uma
boa combinação.
No nosso caso específico o PST, que trabalha o esporte como seu
conteúdo, nos deixou livres para optar pela metodologia adequada a realidade
dos nossos alunos. Identificamos, então, a lacuna do lúdico primeiro
visualmente na convivência com a comunidade em nosso cotidiano e depois
através do questionário aplicado para a realização deste trabalho.
Considerando, ainda, que a Secretaria Municipal de Educação da
Cidade do Natal só dá direito a uma aula de Educação Física por semana para
os nossos alunos deparamos-nos com este obstáculo no resgate da dignidade
lúdica dos pequenos. Porém, mais uma vez convencemos-nos da importância
do PST que oportuniza mais duas aulas semanais, tornando-se um reforço
imprescindível para esta lacuna.
Nossas conclusões desse cotidiano encontraram reforço no pensar de
Goyas (2005) quando ela afirma que não é ilusão acreditar que a alegria pode
estar presente no processo de ensino-aprendizagem. Embora não seja fácil
quebrar rotinas, inovar, abrir espaço para a criatividade, isso é possível. Para
isso é preciso superar limites, sentir-se desarmado, arriscar, sentir-se livre para
criar e envolver-se emocionalmente (p.65).
Em nosso estudo o brincar foi relatado por quase todo os entrevistados
como o que mais gostavam de fazer, cerca de 90% dos alunos. Contrastando
esses dados com os 70% que ajudam os pais nas tarefas de sobrevivência
observamos que pouco tempo sobra, se sobrar, para as vivências lúdicas.
Sem essas vivências muito se deixa de gozar da infância como a
espontaneidade, criatividade, a liberdade, o transformar a realidade, a alegria,
o prazer, o divertimento, o imaginário, entre outros.
Verificamos pelo relato dos alunos que o ensino do esporte através da
metodologia lúdica promoveu momentos de satisfação, alegria, aprendizado,
amizade, prazer, afastamento da marginalização e boas lembranças desse
período vivido. O brincar substituiu o trabalhar por algumas horas semanais
devolvendo-lhes a curiosidade, os sonhos, as fantasias, a imaginação, a
espontaneidade e o prazer de ser criança. Cremos realmente que as atividades
lúdicas têm significados e usos diferentes de acordo com as varias questões
existentes na sociedade/comunidade. O uso da ludicidade vem completar o ser
humano atual uma vez que a sociedade industrial o reprime e aboli pela lógica
da improdutividade. Relegado a um possível ócio, o lúdico não se fazia tão
presente na vida das crianças pesquisadas entendemos a importância da
escola na vida delas não só como espaço de aprendizado dos conhecimentos
produzidos pelas gerações, mas muito mais pela liberdade de ser, pela alegria
e pelo prazer que ali sentiam quando brincavam.
A partir desse diagnóstico não temos dúvidas da importância do PTS
aliado a essa maneira de ensinar para a promoção/ contribuição da formação
cidadã às crianças dessa comunidade.
Acreditamos no valor do PST como mais uma porta aberta no
transformar de uma sociedade melhor e igual para todos aumentando a chance
do sujeito exercer sua cidadania plenamente.
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ANEXOS
Questionário
1-O que você faz durante o dia quando não esta na escola?
• Ajudam os pais
• Brincam
• Assistem tv
• Outros_____________
2- O que você mais gosta de fazer?
3-Quais as brincadeiras mais interessantes (gostosas) que você já
brincou?
4-Quando está na escola o que você mais gosta de fazer?
5-Quando você participou do Projeto Segundo Tempo como eram as
aulas?
6-Como você se sente nas aulas do Projeto Segundo Tempo?
7-As aulas do Projeto Segundo Tempo contribuíram para sua
formação? Como?