a importância da sociologia no mundo pós-moderno

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Democratizar, v.V, n.1, jan./abr. 2011.

A Importncia da Sociologia no Mundo Ps-ModernoTatiane Kelly Pinto de Carvalho(*)

Introduo: histria da sociologia no pas

A educao sempre foi alvo de preocupaes ao longo do tempo, desde preocupaes filosficas, metafsicas, polticas, psicolgicas dentre outras, de forma a abranger anlises cada vez mais consistentes sobre o tipo de formao humana condizente com a vida em sociedade. A atualidade exige do campo da educao a necessidade de uma formao humana que responda s exigncias do capitalismo contemporneo. Vemos, assim, que encontros e seminrios estaduais e nacionais discutem questes metodolgicas sobre o papel vital da educao, bem como a formao e as condies do trabalho docente, sugerindo novos referenciais tericos para a compreenso da questo escolar. Isso indica a necessidade de se pensar de forma consciente a educao e ensino de um povo, principalmente quando se trata de disciplinas recm- institudas nas escolas atuais. Neste sentido, o cotidiano da escola, as prticas de ensino, as formaes profissionais ganham relevncia e se tornaram objeto pertinente da investigao cientfica, buscando-se com o seu estudo compreender quais docentes hoje esto engajados no contexto escolar e que tipo de conhecimento escolar eles seriam capazes de produzir. A Sociologia uma cincia da modernidade relativamente nova em comparao s outras. Como disciplina escolar ainda incipiente e no est totalmente constituida e consolidada, embora j se tenha sua obrigatoriedade nos currculos das escolas. Em seu cerne, ela contrape-se viso acrtica baseada no senso comum, que explica a sociedade como mera soma de diferentes instituies sociais. Giddens (2005, p. 25-26) responde que a Sociologia um assunto com implicaes prticas importantes para nossa vida, visto que ela pode contribuir para uma crtica

Graduada em Histria pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestranda em Educao pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Bolsista CAPES. Contato: [email protected] de Educao Superior/Faetec/SECT-RJ

(*)

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social, uma reforma da prtica social, de diversas formas: melhora os conhecimentos relativos s circunstncias sociais em que estamos envolvidos; permite a construo de polticas baseadas em valores culturais divergentes e, o mais importante, propicia uma explicao que permite a grupos e indivduos compreenderem e alterarem suas prprias condies de vida, influenciando seu prprio futuro. Pode-se dizer que a Sociologia emerge como disciplina cientfica marcada pela evoluo do conhecimento emprico para o cientfico, ou seja, na transio crtica do mundo prmoderno para o moderno, pois surge a necessidade de uma profunda anlise cientfica sobre a sociedade, o que demanda aes, iniciativas e propostas inteligentes estimuladas por idias claras sobre a o meio social. Nesse quadro, surge a importncia da Sociologia como disciplina no Ensino MdioFalar em sociologia falar dos reflexos das relaes sociais, sejam atravs dos seus valores, necessidades, normas e/ou regras. O que precisa ficar claro que o educador precisa despertar no aluno que a sociologia no se resume numa coletnea de teorias, mas num esforo coletivo de reflexo que busca promover o bem-estar individual e social. Para isso, ele pode trazer a realidade de cada aluno discusso: com suas preferncias musicais, religiosas, situao social envolvendo-o como responsvel pela vida social que tem, bem como esclarecendo as causas e conseqncias de suas relaes. Enfim, transformando-o em um agente transformador da sociedade (SASAKI, 2007, s/p).

No Brasil, somente a partir do sculo XX que as Cincias Humanas atingiram nveis e padres cientficos que desde seu incio j prevaleciam na Europa. Segundo Laville & Dionne (1999, 54), essa defasagem pode ser explicada pela existncia de dois obstculos: falta de condies para o desenvolvimento independente da cincia em relao ao interesse das elites e, tambm, pela resistncia cultural aos fundamentos cientficos no funcionamento das instituies fortemente marcadas por valores e interesses religiosos e conservadores. Sendo assim, podemos assinalar perodos favorveis e desfavorveis ao desenvolvimento da Sociologia no Brasil. O perodo da Sociologia de Ctedra teve incio no Brasil na dcada de 1920, quando as ctedras de sociologia foram criadas em Escolas Normais. Marcado por idias europias e norteamericanas, at meados da dcada de 1930 proliferou a publicao de manuais para o ensino da sociologia. Entre 1932 e 1937 temos um perodo marcado pela expanso das atividades sociolgicas, num contexto que vai da Revoluo de 30 at a consolidao do Estado Novo. Entre 1937 a 1945 h um desfavorecimento da disciplina, dado o carter obscurantista do Estado Novo. A

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etapa contempornea da Sociologia se iniciou com o surgimento da sociologia cientfica, buscando uma prtica de ensino similar aos pases centrais, na poca de transio da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Aps o golpe civil-militar de 1964 e, conseqentemente, com os eventos polticoculturais autoritrios decorrentes, o ensino e pesquisa passam por um perodo de crise, sob efeito de medidas repressivas (cassaes, prises, exlios). Retiram-se os contedos filosficos do Ensino Mdio, pois entre 1964/1985, no se deu prioridade a uma educao para o pensamento crtico e o ensino da Sociologia e da Filosofia era desestimulado porque no tinha amparo legal 1 . Este perodo se estendeu ate meados da dcada de 1980, quando novas temticas passaram a ocupar lugar de destaque na produo sociolgica. No que se refere ao que hoje denominado Ensino Mdio, a disciplina aparece pela primeira vez no pas ainda em 1890, por meio da iniciativa de Benjamin Constant, tornando-a obrigatria nos cursos superiores e secundrios. Porm, com sua morte, tal empreendimento foi descartado. Em 1931 a reforma Francisco Campos implementa-a em escolas secundrias. Em 1942, no entanto, retirada sua obrigatoriedade do currculo escolar. Dada a sua importncia na formao da cidadania, desde o incio da dcada de 1980 houve uma grande mobilizao por parte de professores, estudantes e outros rgos para que a Sociologia fosse includa nos currculos do Ensino Mdio, embora houvesse, neste mesmo perodo, uma crise das Cincias Sociais refletida na queda da demanda de cursos educao superior. No trmino da dcada de 90, os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (DCNEM), Parecer 15/98 do Conselho Nacional de Educao, ressaltam que a disciplina deveria constituir a rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias 2 . Mas, somente aps dez anos, temos a obrigatoriedade do ensino da disciplina nas escolas pblicas e privadas 3 . Porm, seu retorno no assegurou um quadro totalmente favorvel para professores e alunos. Isso pode ser observado de acordo com a listagem de classificao para designao em 2010Para uma melhor compreenso acerca dos avanos, retrocessos e desafios da disciplina nesse perodo, ver: LIDKE FILHO, Enno. A Sociologia no Brasil: histria, teorias e desafios. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 14, jul/dez 2005, p. 376-437. 2 Para uma melhor compreenso sobre as mudanas que implicaram o retorno da disciplina no currculo de Ensino Mdio, ver: SANTOS, Bispo dos Santos (c). A Sociologia no Ensino Mdio: condies e perspectivas epistemolgicas. 2008. Disponvel em: http://macsul.wordpress.com/2008/07/30/a-sociologia-no-ensino-medio-condicoes-eperspectivas-epistemologicas/. Acesso em: 05/01/2011. 3 Em 2008, a Sociologia e a Filosofia tornam-se disciplinas obrigatrias nos currculos do Ensino Mdio.1

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, na qual podemos perceber a insuficincia de profissionais qualificados para lecionar Sociologia

na rede estadual de Belo Horizonte. Dos 1.107 candidatos que se inscreveram para atuar como professores no Ensino Mdio, somente 215 eram habilitados para o cargo, o que corresponde, aproximadamente, a 19%. No podemos deixar de considerar que isso pode ser um agravante para o ensino da disciplina hoje 5 .

Contribuies da Sociologia no mundo ps-moderno: um (re) pensar da vida social

Sabe-se que muitas so as promessas da modernidade. legtimo afirmar que o desenvolvimento social, a superao das desigualdades sociais e o conhecimento como alternativa para uma sociedade mais justa e menos opressora, nem sempre foram cumpridas. Partindo desse quadro, Santos (2000, p. 29) trs a tona duas formas de conhecimento presentes no projeto moderno: o conhecimento-regulao, cujo ponto de ignorncia se designa por caos e cujo ponto de saber se designa por ordem; e o conhecimento-emancipao, cujo ponto de ignorncia se designa por solidariedade. No entanto, chama-nos a ateno que esse segundo tipo de conhecimento, para que de fato fosse concretizado, seria necessrio haver o reconhecimento do outro como sujeito. dentro desse quadro ps-moderno que podemos entender e analisar a importncia da Sociologia dentro das escolas. Sobre o que entendemos a respeito da ps-modernidade, ressaltamos que

A transio ps-moderna concebida como um trabalho arqueolgico de escavao nas runas da modernidade ocidental em busca de elementos ou tradies suprimidas ou marginalizadas, representaes particularmente incompletas porque menos colonizadas

A listagem referente designao para o ano de 2010 se encontra disponvel no sitio eletrnico http://www.designaeducacao.mg.gov.br/ehd1_pdf/BELO_HORIZONTE_METROPOLITANA_A_B_C/PEB__Sociologia-REGULAR.pdf. Acesso em 24/09/2010. Segundo essa base de dados, podemos observar quem so os profissionais inscritos para lecionar a disciplina no ano de 2010, na Rede Estadual de Belo Horizonte. No podemos deixar de mencionar a limitao desse documento, visto que so os prprios candidatos que inseriram seus dados no ato da inscrio e que, posteriormente, deveriam comprov-los no momento da designao para o cargo em questo. 5 Quando comecei a lecionar a disciplina, j estava ciente do desafio que iria enfrentar, visto a falta de embasamento terico e formao acadmica para a mesma. Mas, acredito que um agente facilitador para aceitar tal desafio foi o gosto pela docncia. A sensao de ter que suprir com a habilitao que me faltava o compromisso em superar o desafio posto, instigou-me, ento, a buscar o conhecimento exigido.4

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Democratizar, v.V, n.1, jan./abr. 2011.pelo cnone hegemnico da modernidade que nos possam guiar na construo de novos paradigmas de emancipao social. Entre essas representaes ou tradies, identifico, no pilar da regulao, o princpio da comunidade, e no pilar da emancipao, a racionalidade esttico-expressiva (SANTOS b, 2004, p. 19).

A capacidade que as classes dominantes tm de transformarem suas idias em hegemnicas faz com que as classes dominadas acreditem estar submetidas aos interesses dos governados e, portanto, consentirem. Assim, podemos fazer uma inferncia com Sociologia no Ensino Mdio: a constante necessidade de reconhecimento pelos sujeitos sociais de uma disciplina nova, obrigatria no currculo, porm ainda no totalmente consolidada como importante para assegurar um novo modo de ver, pensar e analisar a sociedade na qual esses sujeitos esto inseridos. Cabe, assim, o desafio docente em instigar esses alunos a conhecer outras formas de ver a sociedade, a fim de que o senso comum se torne emancipatrio. A fuso do espao da comunidade com o espao da cidadania uma caracterstica do Estado Moderno e que, tambm, pode ser analisada sob a importncia da Sociologia no Ensino, poisO espao da comunidade constitudo pelas relaes sociais desenvolvidas em torno da produo e da reproduo de territrios fsicos e simblicos e de identidades e identificaes com referncia a origens ou destinos comuns. O espao da cidadania o conjunto de relaes sociais que constituem a esfera pblica e, em particular, as relaes de produo da obrigao poltica vertical entre os cidados e o Estado (SANTOS a, 2000, p. 278).

Sendo assim, a disciplina deve valorizar os espaos sociais nos quais esto inseridos seus sujeitos sociais, ou seja, de nada adianta o docente lanar mo de temas/assuntos que no sero de relevncia para a realidade discente. Mas, isso no quer dizer que a disciplina no dever abordar fatos ou at mesmo realidades distintas do conhecimento dos discentes. No entanto, essa abordagem dever levar em considerao as dificuldades encontradas na assimilao dos contedos e o estranhamento dos mesmos por se tratar de uma disciplina que ainda encontra-se em fase de consolidao no currculo escolar. A importncia do questionamento social que a Sociologia prope no pode desmerecer o atual estgio da modernidade tecnolgica. Conforme Matos (2006, p. 9), hoje 75% dos jovens tm algum som ligado enquanto lem, ou seja, a leitura atenta e concentrada perdeu seu foco. Alm disso, o que os meios comunicativos hoje apresentam aos jovens nem sempre contribuem para que ocorra a formao intelectual dos indivduos, pois na sociedade de massa a assimilao de valores

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de consumo e a aquisio de bens materiais ocupam papel central, sendo incompatvel com os valores ticos. Portanto, saber qual recurso usar e quais mtodos e estratgias os professores devero adotar para que as aulas possam ser ministradas de forma satisfatria, outro desafio que deve ser enfrentado. Ao analisar a modernidade, Heller (1999, p. 18) nos chama a ateno para o fato de que tudo se desenvolve muito rpido, dificultando a adaptao dos seres humanos, o que faz com que os seres humanos tenham pouca clareza dos resultados de suas aes. A partir dessa anlise, interessante notar o porqu do estranhamento da disciplina, pois a cultura comum discente no compreende muito bem porque estudar a realidade na qual est inserida, pois muitas vezes no conseguem perceber que podero contribuir para alguma mudana social. Para Hargreaves (1998, p. 33-34) o Estado protege e vigia a populao cada vez mais e isso vale, tambm, para a educao, uma vez que a educao de massas representa um aparelho ideolgico. Para que isso seja evitado, a Sociologia deve ser compreendida como geradora de conhecimento sobre a vida social moderna, conhecimento este que pode ser usado no interesse para definir uma nova viso de mundo. Segundo a Proposta de Conteudo Bsico Comum (CBC) da Secretaria de Estado de Educao de Minas Gerais (2010) o ensino de Sociologia deve ser calcado com base no ajustamento de contedos condizentes com a realidade dos alunos e da comunidade escolar. No entanto, no dever ser uma simples discusso livre de temas e problemas variados, desconectados de qualquer referncia terica mais ampla. Ao professor cabe entender que toda sala de aula um espao no qual um grupo social cria sua prpria cultura escolar, reconstri e constri sua prpria histria. Conforme analisou Andrade (2006), so os prprios alunos, a partir da orientao do docente, que definem o que precisam saber, entender, conhecer, interpretar, agir e produzir, segundo sua realidade social e cultural. Isso, por sua vez, ser capaz de familiariz-los com o seu prprio contexto pessoal e profissional. Podemos observar, ento, que essas oportunidades de aprendizagem criadas a partir da experincia em sala de aula possibilitam a produo de conhecimentos e a valorizao das distintas culturas ali existentes. Portanto, a aprendizagem deve ser vista como um processo social localmente definido, situado, contextualizado, que resulta na construo de significados que vo ao encontro de diferentes perspectivas culturais.Diretoria de Educao Superior/Faetec/SECT-RJ

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Alguns desafios para a consolidao da Sociologia no mundo ps-moderno

Vemos que muitas so as barreiras que hoje impedem a consolidao da Sociologia no Ensino Mdio e que podem se desenvolver por diversas razes. Na literatura disponvel acerca do ensino da disciplina, encontramos relatada uma srie de obstculos quando se trata de conceber o ensino como ato de pesquisa e produo de saberes em sala de aula. A saber,O obstculo epistemolgico inicial que deve ser transposto o da elaborao de uma prtica de ensino de Sociologia que demonstre claramente o que fazemos, de que falamos, como se realizam os nossos procedimentos, e mais importante, dadas as caractersticas do contexto escolar, saber com quem falamos. Ensinar Sociologia requer um cuidado muito especfico no trato com os conceitos, teorias e mtodos, o que serve no somente para demonstrar ao estudante sua finalidade mais prtica, mas, principalmente, para mostrar como que cada noo e conceito d origem a outro, como as teorias e os conceitos se influenciam e se relacionam, como se processa a explicao sociolgica, ou seja, expor os elementos prprios do metier do socilogo (FERREIRA, 2009, p. 5).

A partir dessa constatao, a observao e a experincia tem nos mostrado que uma das maiores fragilidades do ensino de Sociologia reside, justamente, na dificuldade relacionada falta de professores habilitados em Cincias Sociais. Por sua vez, isso pode resultar num aprendizado distorcido e numa compreenso igualmente distorcida a vida social, pelo fato dos docentes desconhecerem as particularidades dos conhecimentos sociolgicos. Em outras palavras, o ensino de Sociologia traria questionamentos empobrecidos pela falta de mediao com a teoria, uso indiscriminado dos conceitos sociolgicos, exemplos desarticulados e descontextualizados, reflexes empobrecidas baseadas em informaes jornalsticas, noes muito vagas e distantes da realidade, entre outros obstculos existentes para construir sua legitimidade no currculo escolar. Conforme observou Lyra (2009, p. 5) no ensino da disciplina em Boa Vista (RR), observou-se a existncia de docentes que sequer possuem um planejamento para o ano letivo, conduzindo as aulas apenas com conversas e debates, sem nenhum plano prvio ou inteno mais bvia de despertar mudana de atitudes dos alunos. Essa deficincia tambm tem ligao com a formao docente. Verificou-se que,

Outro problema identificado que o afastamento da rea de formao do professor prejudica o seu prprio desenvolvimento profissional, pois ele tem obrigao de estudar novos conceitos de forma autodidata, afastando-se da disciplina de formao e de concurso

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Democratizar, v.V, n.1, jan./abr. 2011.ou sendo necessria mais dedicao ao trabalho, sem que lhe seja atribudo um tempo adequado para faz-lo (LYRA, 2009, p. 18).

No Maranho tambm observamos as dificuldades que perpassam o ensino de Sociologia. A saber,Todos os professores que lecionam Sociologia nessa amostra obtida no possuem formao na rea, sendo oriundos da Pedagogia, Filosofia, ou demais reas das Cincias Humanas, chegando at, em uma das escolas, tendo um dos professores com formao em Qumica [...] Nesse quadro, vemos se repetir a queixa dos que defendem a importncia de um profissional devidamente habilitado em Sociologia, para lecionar nas escolas (LIMA & SOUZA, 2009, p. 5).

Outro problema que frequentemente esbarramos na docncia diz respeito aos recursos tecnolgicos que as escolas possuem ou so inexistentes. Torna-se desafiador criar situaes baseadas na anlise de filmes, propagandas ou qualquer outro material em vdeo ou DVD se no so todas as escolas que o possuem. Alm disso, o tempo disponibilizado para a disciplina muita coisa possa ser feita 7 . Tambm, deve ser levado em considerao que existe uma falta de tradio das Cincias Sociais nos meios escolares e sua intermitncia enquanto disciplina escolar, o que acaba por dificultar um saber organizado de modo a ser vivel na formao dos alunos, mas que no pode ser observado e nem justificado pela falta de um ensino capaz de levar os discentes ao desejo de descobrir o meio social. O importante, portanto, reestruturar e reforar o edifcio da modernidade, reafirmando as disciplinas escolares, readaptando as estratgias de ensino de forma a permitir um ensino realmente emancipatrio e no reprodutor.6

no permite que

A contribuio do pensamento de Pierre Bourdieu para compreender a Sociologia

Pierre Bourdieu (1930-2002) , sem dvida, um dos autores mais lidos. Passando pelos campos da Antropologia e Sociologia, sua contribuio alcana as mais variadas reas do conhecimentoNas 4 (quatro) escolas que trabalhei entre 2008-2010 na Rede Estadual de Ensino de Belo Horizonte, a carga horria da disciplina era 1 (uma) aula semanal, exceto numa das escolas (2009) que, aos alunos do 3 ano, eram oferecidas 2 (duas) aulas. 7 Em 2009, trabalhei com alunos do 3 ano Colegial a narrativa flmica Escritores da Liberdade. Isso porque os alunos do ltimo ano do Ensino Mdio contavam com 2 (duas) aulas semanais, o que permitia uma maior desenvoltura e criatividade nas aulas. Porm, os alunos do 1 e 2 anos questionaram o porqu do filme no ter sido apresentado a eles. uma situao que cria obstculos at mesmo para as atividades escolares, pois, as outras turmas, chegaram mesmo a mencionar proteo e gosto pelo 3 ano.6

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humano. Suas pesquisas exerceram forte influncia nos ambientes pedaggicos nas dcadas de 1970 e 1980. Este socilogo francs detectou mecanismos de conservao e reproduo em todas as reas da atividade humana, entre elas o sistema educacional. Segundo ele, a Sociologia se constitui numa cincia inquieta em obter reconhecimento cientfico, bem como levada a interrogar sobre as condies de sua prpria cientificidade. Assim, pertinente destacar que a linguagem assume papel central nas prticas docentes. Isso porque nem sempre a linguagem utilizada dentro de uma sala de aula ser compreendida em sua plenitude, uma vez que, alm da diferena sociocultural existente entre os prprios alunos. Nem sempre podemos contar com profissionais da rea para lecionar tal contedo, o que por sua vez acaba trazendo certo prejuzo institucionalizao da disciplina e ao seu reconhecimento escolar. Portanto, de suma importncia queA linguagem sociolgica que, at mesmo em suas utilizaes mais controladas, recorre sempre a palavras do lxico comum tomado em uma acepo rigorosa e sistemtica e que, por esse fato, se torna equvoca desde que deixa de se dirigir unicamente aos especialistas, presta-se mais, do que qualquer outra, a utilizaes fraudulentas: os jogos de polissemia, permitidos pela afinidade invisvel entre os conceitos mais depurados e os esquemas comuns, favorecem o duplo sentido e os mal-entendidos cmplices que garantem ao duplo jogo proftico suas audincias mltiplas e, por vezes, contraditrias (BOURDIEU, 1999, p. 37).

Quando Bourdieu analisa a reproduo das desigualdades escolares a partir do conceito de capital cultural, ou seja, a necessidade de se compreender as desigualdades de desempenho escolar dos indivduos oriundos de diferentes grupos sociais, ele nos remete a pensar num discurso sociolgico que seja capaz de minimizar de fazer com que os discentes tenham condies de apropriar-se do conhecimento (re) criado e disseminado no contexto escolar. Dessa forma, as prticas de ensino de Sociologia no Ensino Mdio devero alcanar a valorizao da reflexo, do compromisso poltico-pedaggico de formao de sujeitos crticos, mesmo num contexto ainda no totalmente consolidado e reconhecido sobre o grau de importncia e valorizao da disciplina. Porm, para isso, no basta o professor dominar os contedos programticos; no basta enunciar intenes; no basta ser aberto aos interesses dos alunos. Torna-se necessrio ao professor-educador construir a sua prpria competncia no sentido de captar os elementos constitutivos da leitura de mundo produzida pelo coletivo de alunos e, a partir dessa

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leitura, ampliar o seu conhecimento, levando para a discusso questes problematizadoras mais crticas. Sendo assim, a sociedade civil como espao privilegiado da busca do consenso, que inclui negociao, dilogo e conflito, tem por objetivo central propiciar um questionamento constante da realidade social. No entanto, isso somente ter condies de se consolidar quando os discentes forem capazes de compreender as teorias e conceitos sociolgicos. Cabe ressaltar que, corroborando com Santos (2000, p. 267), as relaes sociais socialmente construdas esto perpassadas por uma desigualdade material entrelaada com a desigualdade no material, sobretudo com a educao desigual. Na teoria sociolgica de Bourdieu o habitus, noo mediadora entre a formao acadmica do professor e as prticas que so utilizadas para lecionar Sociologia, dever ser levado em considerao, visto que a partir do capital cultural, social, comportamentos individuais, poderemos entender as prticas docentes. Assim, o habitus[...] sistema de disposies durveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto e, com principio que gera e estrutura as prticas e as representaes que podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas sem que isso sejam o produto de obedincia de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeo consciente deste fim ou do domnio das operaes para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ao organizadora de um maestro (BOURDIEU, 1983, p. 35).

Assim como Silva (2005, p. 152), acreditamos que o docente (mesmo no sendo habilitado em Cincias Sociais) capaz de construir um habitus professoral para ministrar suas aulas, ou seja, as prticas deixam de ser meros saberes prticos e configuram um comportamento construdo a partir das experincias profissionais. Alm disso, ainda segundo a autora, o habitus professoral depende da qualidade terica e cultural da formao dos professores, sendo desenvolvido durante o exerccio profissional. Neste sentido,

Pode-se considerar que a experincia adquirida pelos educadores sobre o ensino na sala de aula tambm uma repetio de acontecimentos inter-relacionados, ou a repetio de determinadas e mesmas aes com determinados fins, que so frutos dos condicionantes prticos oriundos da natureza prtica do ato de ensinar. A semelhana da lgica da noo de experincia e a noo de habitus visvel. O que seguramente se pode dizer que uma no existe sem a outra, j que o habitus a substncia da experincia, e vice-versa (SILVA, 2005, p. 157-158).

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Consideraes Finais

Sabemos que pensar, refletir e construir so os pilares bsicos de todas as cincias. Por isso, desenvolver o pensamento, construir e (re) significar as relaes sociais so de suma importncia na sociedade contempornea. O educador precisa despertar nos discentes o interesse pela Sociologia, mostrando que a disciplina no se resume num amontoado de teorias e conceitos, mas num esforo de reflexo acerca da realidade que o cerca. necessrio destacar que o fortalecimento das humanidades vital no Ensino Mdio, pois se trata de favorecer outro ciclo histrico de superao do autoritarismo que negou a Filosofia e a Sociologia como saberes humanos a vrias geraes. Obviamente, a Sociologia no a nica e nem exclusiva disciplina que desmistifica as realidades, vrias so as disciplinas que caminham nessa direo. Conforme Baudelot (1991) afirma, a Sociologia deveria, ento, introduzir no desenvolvimento da sociedade a mais alta conscincia de si, ou seja, levantar o questionamento da realidade que nos cerca, fazendo com que vejamos o mundo social de outra forma. Isso no quer dizer que ela tenha que guiar os discentes, mas sim orient-los. Assim, um dos objetivos centrais da Sociologia refletir a sociedade na qual vivemos, sem desconsiderar que essa mesma sociedade capaz de mostrar os comportamentos que foram adquiridos, em sua maioria, na famlia, na escola, no lazer, no trabalho, etc. Como saber voltado para os estudos dos fenmenos sociais em transformao, pode-se dizer que a disciplina um diagnstico do nosso tempo e se faz necessria para elaborar um novo modo de ver a sociedade e as relaes sociais. Vale ressaltar que estamos vivendo na chamada sociedade ps-moderna, ou seja, situamo-nos sob a base do reflexo da falncia das promessas da modernidade. A temtica no pode ser desprezada no ensino de Sociologia, uma vez que os discentes esto inseridos nessa transio paradigmtica. Assim,[...] a ps-modernidade um termo inadequado, pois no indica uma superao da modernidade e sim uma situao transitria. Afinal o projeto da modernidade muito complexo, ambicioso e contraditrio, deixando muitos projetos sem atingir seus objetivos, muitas promessas a serem cumpridas (MATIOLI, OLIVEIRA & SCHOFFEN, 2007, p. 3).

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Sobre o retorno da disciplina no Ensino Mdio, cabe ressaltar que o Estado deve garantir a liberdade a reflexividade do mundo social, ou seja, ser responsvel por criar as precondies para isso. A ttulo de exemplificao, as feiras de cultura na escola e outras atividades extraclasse, permitem a capacidade de interveno dos sujeitos sobre suas vidas. Dessa forma, no podemos menosprezar o papel conferido Sociologia na construo de uma sociedade mais intervencionista.

Referncias

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Resumo: Criar caminhos para o desenvolvimento do pensamento de suma importncia na sociedade contempornea. Este artigo, assim, tem por inteno refletir como tem sido a efetivao e consolidao da disciplina Sociologia, a partir de sua obrigatoriedade no Ensino Mdio. Conclui-se com a discusso sobre a importncia das prticas docentes, bem como os desafios enfrentados para a produo de conhecimento sociolgico no contexto escolar. Palavras-chave: Sociologia; Ps-moderno; Sociedade. Abstract: Create ways for the development of thinking is of paramount importance in contemporary society. This article therefore is intended to reflect as has been the realization and consolidation of the discipline sociology, since it became mandatory in high school. It concludes with a discussion of the importance of teaching practices, as well as the challenges for the production of sociological knowledge in school context. Keywords: Sociology; Post-Modern; Society.

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