a importância da formação no futebol

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UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física PROJECTO DE FORMAÇÃO EM FUTEBOL. UM PASSO IMPORTANTE PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DE QUALIDADE. Estudo realizado no Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense. Hélder Manuel Teixeira Lemos Dezembro de 2005

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Page 1: A importância da formação no futebol

UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física

PROJECTO DE FORMAÇÃO EM FUTEBOL.

UM PASSO IMPORTANTE PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DE QUALIDADE.

Estudo realizado no Departamento de Formação do

Clube Desportivo Trofense.

Hélder Manuel Teixeira Lemos

Dezembro de 2005

Page 2: A importância da formação no futebol

PROJECTO DE FORMAÇÃO EM FUTEBOL.

UM PASSO IMPORTANTE PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DE QUALIDADE.

Estudo realizado no Departamento de Formação do

Clube Desportivo Trofense.

UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física

Hélder Manuel Teixeira Lemos

Dezembro de 2005

Trabalho monográfico realizado no âmbito da disciplina de Seminário – Opção de Futebol do 5º ano da Licenciatura em Desporto e Educação Física, sob a orientação do Mestre José Guilherme Oliveira.

Page 3: A importância da formação no futebol

“Não gosto do futebol dos estádios vazios, desconfortáveis e inseguros.

Não gosto do futebol das ameaças e das chantagens. Não gosto dos

dirigentes que têm a mania que mandam no país. Não gosto de ver os

políticos de cócoras. Não gosto de ver leis atropeladas em razão de

outros valores. Não gosto de um futebol sem ética. Não gosto do futebol

impune. Não gosto de apelos e assomos à violência. Não gosto de ver

desculpabilizado o doping. Não gosto de ver o árbitro como figura central

do jogo. Não gosto de observar esta irritante mania de os jogadores se

atirarem para o chão. Não gosto de ver treinadores sem pedagogia. Enfim,

não gosto de um futebol em que se pretende ganhar a qualquer preço”.

Rui Santos (2003: 20)

“Treinar é tão importante como saber o que tenho para fazer”.

Figo (1999: 43)

“Estou convencido de que os jogadores não ganham os troféus de forma

individual; os troféus ganham as equipas”.

José Mourinho (2004b)

"A formação de um jogador é uma história interminável”.

Louis van Gaal (1996: 19)

Page 4: A importância da formação no futebol

Agradecimentos

III

AGRADECIMENTOS

Este trabalho representa o culminar de um conjunto de experiências e

vivências onde outras pessoas tornaram-se fundamentais para a realização do

mesmo. Assim, aproveito este espaço para lhes prestar o meu agradecimento.

Ao Professor Vítor Frade, pela sua sabedoria e pela forma apaixonada

como comunica os seus conhecimentos que levaram à mudança da minha

forma de pensar o futebol.

Ao Professor José Guilherme, pelos seus ensinamentos e pela sua

disponibilidade que permitiram enriquecer os meus conhecimentos e,

consequentemente, este trabalho.

Ao Pedro Sá pela positividade e conhecimentos transmitidos ao longo

destes últimos dois anos e meio e, também, pela sua ajuda e disponibilidade

para a participação neste trabalho.

Ao Eugénio Cunha, pela amizade e pelo exemplo de vida que representa.

Aos meus amigos e companheiros de faculdade, Tiago Leandro, José

Tavares, Ana Luísa Campos, Bruno Guimarães, Daniela Godinho, Bruno

Nogueira e Vera Diogo, pelo constante apoio e compreensão.

A todos os jogadores com os quais convivi e que me fizeram crescer como

pessoa.

Page 5: A importância da formação no futebol

Resumo

IV

RESUMO

A formação é um aspecto fundamental para os clubes de futebol, pois pode

representar um conjunto de vantagens financeiras, desportivas e sociais.

Assim, o processo de formação deve ser orientado por objectivos e regras bem

definidas, tendo por base um modelo de jogo, com o objectivo de formar

jogadores multifuncionais e tacticamente cultos.

Deste modo, no presente trabalho, procurou-se focar os aspectos

supracitados através de uma revisão bibliográfica e a posterior confrontação

com a informação obtida a partir da entrevista realizada ao Coordenador

Técnico do Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense. Assim,

a informação recolhida e seleccionada visou responder aos seguintes

objectivos que orientaram este estudo: (1) verificar a importância da formação

para o clube; (2) verificar que valores são transmitidos aos jovens jogadores do

clube; (3) verificar a importância que os responsáveis técnicos atribuem à

formação integral dos seus jogadores; (4) identificar os aspectos fundamentais

para se obter um processo de formação de qualidade; (5) identificar as

principais dificuldades na implementação do projecto de formação; (6)

identificar as funções do Coordenador Técnico e a sua importância para a

construção do processo de formação; e, (7) verificar que ligação existe entre o

Departamento de Formação e o Departamento Sénior do clube.

Com base na revisão bibliográfica e na entrevista realizada é possível

afirmar: (1) a formação é um aspecto fundamental para o clube dado estar a

promover jogadores para o plantel sénior; (2) a implementação de um Projecto

de Formação é importante para se verificar continuidade de processos; (3) o

processo de formação deve fomentar a cultura táctica e a formação integral dos

seus jovens jogadores; e, (4) o Coordenador Técnico assume um papel

fundamental, sendo o garante da implementação da filosofia do Projecto de

Formação.

Palavras-chave: – FUTEBOL – FORMAÇÃO – PROJECTO DE FORMAÇÃO –

COORDENADOR TÉCNICO.

Page 6: A importância da formação no futebol

Índice

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS....................................................................... III

RESUMO......................................................................................... IV

ÍNDICE..............................................................................................V

1. INTRODUÇÃO............................................................................. 1

2. REVISÃO DA LITERATURA........................................................ 4

2.1. A importância da formação. A formação como um meio de optimizar financeiramente os recursos humanos .............................4 2.1.1. O futebol como um factor económico ................................................................. 4 2.1.2. A formação como uma das soluções para a viabilidade económica dos clubes

de futebol ............................................................................................................ 6

2.2. A necessidade de construir o processo de formação tendo como primado a organização de jogo sustentada por uma cultura de exigência, de vitória e de colectivo ..............................................9 2.2.1. Trabalho, disciplina, rigor.................................................................................. 10 2.2.2. Espírito ganhador, ambicioso e positivo ........................................................... 12 2.2.3. O clube, a equipa e o colectivo acima de tudo ................................................. 13

2.3. Da formação meramente futebolística à preocupação com a formação integral ............................................................................14 2.3.1. A importância da formação escolar e académica ............................................. 15 2.3.2. A relação Sistema Desportivo/Sistema Educativo............................................ 18

2.4. A procura de identidade através da implementação de uma filosofia de clube e de um modelo de formação .............................20 2.4.1. A forma de jogar e de treinar da equipa principal como referencial fundamental

do Departamento de Formação ........................................................................ 21 2.4.2. Formar jogadores tacticamente cultos e multifuncionais .................................. 23 2.4.3. Corpo técnico deve estar identificado com o modelo de jogo .......................... 25 2.4.4. Dificuldades na implementação do modelo de clube........................................ 27 2.4.5. Ajax: a escola de formação de referência......................................................... 28

V

Page 7: A importância da formação no futebol

Índice

2.5. Coordenador Técnico como regulador e dinamizador de todo o processo de Formação ...................................................................31 2.5.1. Funções do Coordenador Técnico.................................................................... 31

3. MATERIAL E MÉTODOS........................................................... 36

3.1. Caracterização da amostra......................................................36

3.2. Metodologia de investigação ...................................................36

3.3. Recolha de dados....................................................................36

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA ENTREVISTA .................... 37

4.1. A importância financeira, desportiva e social da formação para o Clube Desportivo Trofense ..........................................................37 4.1.1. Vantagens da integração de jovens jogadores formados no Departamento de

Formação no plantel sénior do clube................................................................ 38

4.2. Projecto de formação: a continuidade como princípio fundamental ....................................................................................40 4.2.1. A filosofia de clube como ideal de difícil concretização .................................... 41 4.2.2. O Projecto de Formação como solução de continuidade ................................. 42 4.2.3. Identidade ao nível de treino e de jogo ao longo do processo de formação .... 43 4.2.4. Formar jogadores de qualidade ........................................................................ 45 4.2.5. Treinadores identificados com o Projecto de Formação................................... 50 4.2.6. Principais dificuldades encontradas na implementação do Projecto de

Formação.......................................................................................................... 53

4.3. Coordenador Técnico como o garante do Projecto de Formação........................................................................................54 4.3.1. Funções do Coordenador Técnico do Clube Desportivo Trofense................... 54

5. CONCLUSÕES.......................................................................... 57

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................... 60

7. ANEXO....................................................................................... 66

VI

Page 8: A importância da formação no futebol

Introdução

1. INTRODUÇÃO

A formação de jovens jogadores por parte dos clubes de futebol pode

representar um aspecto decisivo para o sucesso dos mesmos quer no plano

desportivo, quer no plano financeiro.

A integração de jovens jogadores nos planteis seniores dos respectivos

clubes onde realizaram a sua formação leva a uma poupança ao nível

financeiro. Pois, se o clube forma os seus próprios jogadores, acaba por não

precisar de contratar jogadores a outros clubes, sendo que, na maioria dos

casos, os jovens jogadores auferem ordenados muito inferiores a um jogador

contratado. Por outro lado, os jovens jogadores já conhecem o clube onde

trabalham, evitando a necessidade de períodos de adaptação à nova realidade

que um jogador contratado teria de se confrontar. Como refere Adriaanse

(1993: VII), no Ajax “nunca contratamos jogadores feitos: são mais caros e

trazem vícios difíceis de emendar, pelo menos para jogarmos da forma que nós

queremos”.

Parece-nos urgente o investimento forte na formação de jovens jogadores

de futebol, pois, como afirma Vale (2003b: XX), “a formação é um aspecto

rentável. Penso que esta é a via para os clubes portugueses”.

Contudo, a formação não pode ser uma formação qualquer, sendo

primordial que esse processo esteja direccionado para a excelência. Isto

porque a integração desses jovens jogadores no planteis sénior dos clubes

está altamente dependente da qualidade dos próprios jogadores. Ou seja, o

processo de formação tem de ser bem orientado e com objectivos bem

definidos.

A criação de Projectos de Formação é, desta forma, eminentemente

importante para o estabelecimento de uma cultura desportiva, com princípios e

regras coerentes e bem definidas, que tenha por base “um modelo de jogo que,

por sua vez, orientará a concepção de um modelo de treino, de um complexo

de exercícios, de um modelo de jogador e mesmo de um modelo de treinador”

(Leal & Quinta, 2001: 27).

1

Page 9: A importância da formação no futebol

Introdução

Na perseguição desse objectivo, a partir da época desportiva 2002-2003

gerou-se no Clube Desportivo Trofense um contexto favorável ao

desenvolvimento de um Projecto de Formação.

A filosofia adoptada no Departamento de Formação do Clube Desportivo

Trofense com a implementação deste novo projecto consiste numa “atitude

competitiva constante baseada no rigor e no esforço individual para um elevado

rendimento colectivo. Procura-se, assim, implementar uma forma de estar que

conduza à aquisição e desenvolvimento de comportamentos de excelência

futebolística nos jovens jogadores, contribuindo, igualmente, para a formação

integral dos jovens nos seus mais elevados valores morais, cívicos e de

urbanidade, bem como, no desenvolvimento das suas capacidades cognitivas”

(Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense, 2002: 6).

Actualmente, podemos encontrar no Departamento de Formação do Clube

Desportivo Trofense: um modelo de jogo e uma metodologia de treino comuns

a todos os escalões; um grupo de treinadores identificado com a filosofia do

projecto; um documento orientador do processo; a integração de jovens

jogadores na equipa sénior do clube formados neste Departamento de

Formação; e, a existência de um Coordenador Técnico que regula e

supervisiona todo o processo de formação.

Este estudo surge como uma oportunidade para compreender mais

aprofundadamente esta realidade. Desta forma estabelecemos como objectivos

para o estudo:

i. Verificar a importância da formação para o clube;

ii. Verificar que valores são transmitidos aos jovens jogadores do clube;

iii. Verificar a importância que os responsáveis técnicos atribuem à

formação integral dos seus jogadores;

iv. Identificar os aspectos fundamentais para se obter um processo de

formação de qualidade;

v. Identificar as principais dificuldades na implementação do projecto de

formação;

vi. Identificar as funções do Coordenador Técnico e a sua importância

para a construção do processo de formação;

2

Page 10: A importância da formação no futebol

Introdução

vii. Verificar que ligação existe entre o Departamento de Formação e o

Departamento Sénior do clube.

O presente estudo monográfico será estruturado em sete pontos.

O primeiro, “Introdução”, tem como objectivo apresentar o estudo, os seus

objectivos e a sua estrutura.

No segundo ponto, pretendemos apresentar o levantamento bibliográfico

sobre temáticas relacionadas com a formação de jovens jogadores de futebol.

No terceiro ponto, apresentaremos a caracterização da amostra, a

metodologia de investigação e, por fim, a recolha de dados.

No quarto ponto, análise e discussão dos resultados, estabeleceremos uma

relação entre a literatura e a opinião do entrevistado.

No quinto ponto, serão apresentadas as conclusões do estudo.

No sexto ponto, serão indexadas todas as referências bibliográficas

mencionadas no texto dos pontos anteriores.

No sétimo ponto, será anexada a entrevista efectuada.

3

Page 11: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1. A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO. A FORMAÇÃO COMO UM MEIO DE OPTIMIZAR FINANCEIRAMENTE OS RECURSOS HUMANOS

“O mundo do futebol move-se ao redor de duas órbitas distintas, uma que é desportiva e outra que é a comercial. Ou

seja, por um lado é um jogo, por outro é um negócio”.

Valdano (2002: 16)

“O futebol é, na verdade, um jogo, mas também é um espectáculo. Devemos isso ao público. E é também um negócio,

não podemos perder o nosso valor”.

Robson (2003: 44)

“O Benfica deverá ter sempre jovens talentos na sua escola de jogadores uma vez que eles são o futuro”.

Camacho (in Alves, 2004: 84)

“Não gosto de um plantel extenso e quero apenas contar com 21 jogadores de campo. Se tiver uma equipa mais

reduzida também poderei ter mais atenção para as camadas jovens”.

Mourinho (2004b)

O fenómeno desportivo e, nomeadamente, o mundo do futebol estão a

tornar-se num verdadeiro negócio e este último “será cada vez mais uma

actividade económica envolvendo verbas enormes” (Carraça, 2003a: 82).

Contudo, como qualquer outro negócio da nossa sociedade, o futebol sofre

igualmente com os altos e baixos da economia nacional e internacional.

Segundo Ferreira (1999: 9), “Portugal terá sempre um futebol mediano no

plano financeiro, e um campeonato abaixo dos campeonatos mais ricos. O que

Portugal pode ter é a possibilidade de, através do talento dos seus jogadores,

conseguir que as nossas equipas sejam mais fortes financeiramente, porque

assim farão uma gestão mais correcta daquilo que investem e daquilo que

depois rentabilizam desses investimentos”.

Pensamos que será essencial que os responsáveis de clubes, treinadores e

directores, se mostram sensíveis à questão da formação e à sua importância

quer do ponto de vista desportivo, quer do ponto de vista financeiro.

2.1.1. O futebol como um factor económico

No dia 11 de Fevereiro de 2002, surgia no Jornal “O Jogo” um artigo de Rui

Oliveira (2001: 12) intitulado “O futebol português e a indústria do futebol”.

4

Page 12: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Nesse artigo, o autor apontava alguns dos motivos do fracasso a nível das

competições europeias por parte das equipas portuguesas:

“Ao longo dos últimos anos temos assistido a uma perda de poder de

competitividade dos clubes de futebol portugueses em relação aos seus

congénitos dos países mais desenvolvidos da Europa tendo como causa óbvia

a fragilidade económica dos nossos clubes em relação aos últimos. A forma

abrupta e rápida da industrialização deste fenómeno social acabou por

fortalecer os clubes mais ricos e, pelo contrário, obrigou aqueles com menor

capacidade económica a verem partir a maioria dos seus talentos, ficando,

como é lógico, mais enfraquecidos em relação aos seus opositores. O futebol

português, do ponto de vista desportivo, acabou por sofrer a erosão normal de

qualquer indústria que, pelo seu menor poder económico, não conseguiu

resistir ao poder dos grandes grupos económicos que estão por detrás da

maior parte dos grandes clubes europeus”.

Constantino (2002: 152) confirma a ideia do autor anterior afirmando que “a

livre circulação dos praticantes num mercado aberto introduziu uma dinâmica

em que a lógica dos países economicamente mais fortes prevalece sobre os

mais fracos, criando uma situação onde tendencialmente os melhores

praticantes se concentrem nos mercados com maior poder aquisitivo”.

Assim, com a conjuntura actual os clubes dos campeonatos com maior

poder económico acabam por ter os melhores jogadores tornando-se

superiormente competitivos comparados com campeonatos com menor poder

económico como o campeonato português.

Tendo em linha de conta o supracitado, concordamos com Oliveira (2001:

12) quando este afirma que “perante este contexto, consequente da

globalização, pensamos que se torna urgente encontrar medidas que permitam

minorar ou mesmo estagnar o enfraquecimento competitivo a que se tem

assistido nos últimos anos, para não corrermos o risco de, no futuro, em termos

globais, e por não termos lugar nas grandes competições, acabarmos por ver

ainda mais alargado o fosso económico e o desequilíbrio que o mesmo reflecte

ao nível da competição”.

5

Page 13: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Uma das medidas fundamentais para contrariar esta tendência seria investir

na formação e nos jovens talentos. No entanto, segundo alguns autores a

realidade está longe do que seria ideal. Carraça (2003b) e Pacheco (2001)

afirmam mesmo que em Portugal não se verifica um investimento claro e uma

aposta séria na formação. Campos (2003: 82) alerta para o facto de “num

futebol em que a crise financeira se está a fazer sentir de uma forma violenta, o

grande contra acaba por se fazer reflectir, essencialmente, na não exploração

do futebol de formação, o que seria mais económico e rentável”.

Desta forma, e em virtude da actual situação de crise económica no

panorama internacional em geral e no futebol em particular, torna-se

necessário que cada vez mais “os clubes formem jogadores de qualidade no

sentido de assim os integrarem nas suas equipas seniores evitando, dessa

forma, o pagamento de quantias elevadas na aquisição de jogadores a outros

clubes. Por outro lado, ao investirem na formação de jogadores aumentam a

possibilidade de obterem no futuro dividendos desse investimento numa

possível venda para outros clubes” (Leandro, 2003: 3).

Mediante a realidade do futebol português e da economia em que está

inserido entendemos que os clubes de futebol têm de investir na formação de

forma a rentabilizar os seus recursos humanos e, ao mesmo tempo, manterem-

se competitivos.

2.1.2. A formação como uma das soluções para a viabilidade económica dos clubes de futebol

O objectivo da formação foi-se alterando ao longo dos anos. Pensamos

que, tal como no Real Madrid, o investimento na formação em Portugal estava

sobretudo relacionado com questões de origem histórica e social (Giráldez,

2003). Com a conjuntura actual podemos afirmar que “a formação desportiva

readquiriu uma nova centralidade. Ela deixou de ser apenas um processo de

assegurar a qualidade desportiva dos clubes, para ser também um meio de

optimizar financeiramente os recursos humanos” (Constantino, 2002: 153).

Na opinião de Oliveira (2001: 12), uma das grandes soluções para o

problema económico dos clubes é “apostar inequivocamente na formação,

6

Page 14: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

criando estruturas, alterando conceitos e metodologias, de forma que o número

de jovens com talento seja maior ao da realidade actual”.

É necessário ter presente “que os jogadores são activos neste mundo

economicista. Pois, para além do património imobiliário que só alguns clubes

ou sociedades desportivas possuem, são exactamente estes activos [entenda-

se jogadores] a única riqueza, o único bem de possível rentabilização (Carraça,

2003a: 82).

Mourinho (2002a: 17) refere que “um clube com a dimensão do Futebol

Clube do Porto precisa de ter os seus activos elevados [entenda-se jogadores]

ao expoente máximo, de modo a que um determinado momento tenha

condições para vender, caso isso seja necessário”.

Segundo Camacho (in Alves, 2004: 84) “o lançamento de jovens

futebolistas está muitas vezes relacionado com os condicionalismos

económicos de cada clube. Equipas que não têm grande capacidade financeira

a nível internacional têm nos jogadores formados nas suas escolas a

oportunidade de reforçarem os seus planteis e de, ocasionalmente, venderem

jogadores, o que lhes podem trazer importantes contrapartidas financeiras”.

Vale (2003b: XX) confirma as ideias expressas anteriormente afirmando que

“a formação é um aspecto rentável, isto é, formar jogadores e eventualmente

vendê-los, se estes tiverem qualidade. Penso que esta é a via para os clubes

portugueses”.

Daí que um investimento forte e sério na formação acabe por ser a

médio/longo prazo um excelente investimento. É necessário apostar nos jovens

jogadores de forma a evitar gastos e, eventualmente, rentabilizá-los com a sua

venda.

Mesmo em grandes clubes e com enorme potencial financeiro, como é o

caso do Chelsea Football Club (Inglaterra), a estratégia passa pelo

investimento nas camadas jovens. Kenyon (2004: 25), director executivo do

referido clube, menciona que “a alma do clube tem de vir das Academias. Isto

para que não tenhamos de estar a gastar dinheiro em jogadores. E passa por

aqui o equilíbrio financeiro”.

7

Page 15: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Assim, uma aposta nos jovens jogadores permitirá uma melhor gestão quer

dos recursos humanos, quer dos recursos financeiros dos clubes.

Por outro lado, Oliveira (2001: 12) afirma que “é fundamental que

entendamos que, da forma como se está a desenvolver esta indústria, o nosso

país terá forçosamente de ser mais exportador do que importador e, que

quando tenha de importar, que o faça de forma pontual e com o garante de que

tais importações constituirão uma mais-valias não só desportivas, mas,

também, económicas”.

Assim, como afirma Constantino (2002: 152), “um forte investimento na

formação desportiva passa a ser, à nova dimensão internacional do trabalho

desportivo, um objectivo estratégico fundamental para aumentar o grau de

competitividade dos países com economias de desporto mais fracas”.

Os treinadores das grandes equipas portuguesas estão atentos a este

fenómeno e à importância da formação no futebol. Segundo Mourinho (2003b:

20), “em Portugal, é preciso repensar o investimento na formação, apostar em

jogadores mais novos e nacionais”. Camacho (2003b: 9) é da mesma opinião

afirmando que jogadores como “Cristiano Ronaldo ou Ricardo Quaresma não

aparecem todos os anos. Para isso é preciso apostar nas camadas jovens”.

Assim, parece-nos consensual a premência do investimento na formação e

nos jovens talentos de forma a facilitar a sanidade económica dos clubes de

futebol e, ao mesmo tempo, garantir uma maior competitividade desportiva

quer ao nível das competições internas, quer ao nível das competições com os

restantes clubes/países da Europa.

8

Page 16: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2.2. A NECESSIDADE DE CONSTRUIR O PROCESSO DE FORMAÇÃO TENDO COMO PRIMADO A ORGANIZAÇÃO DE JOGO SUSTENTADA POR UMA CULTURA DE EXIGÊNCIA, DE VITÓRIA E DE COLECTIVO

“Até nas peladinhas gosto de ganhar. Desfruto todos os dias e, antes dos jogos, penso sempre nos adeptos e na

necessidade de me esforçar, para lhes provar que sou um bom jogador”.

Gonzalez (2003: 50)

“Nenhum jogador está acima da equipa. Aprendi, muito cedo, essa lição”.

Casillas (2003: 50)

“Temos de melhorar a cada dia, do princípio ao fim da carreira. Quero aprender coisas novas todos os dias”.

Crespo (2005: 10)

“ [Cristiano Ronaldo] tem de continuar a ser humilde, a perceber que tem muito ainda a aprender, a evoluir e a associar

as suas qualidades à eficiência e aos condicionalismos da equipa”.

Queiroz (2005: 38)

A formação de um jogador de futebol é um processo moroso e com

particularidades com as quais os treinadores devem estar identificados de

forma a poderem rentabilizar ao máximo esse mesmo processo. Como afirmam

Leal & Quinta (2001: 20), “o futebol juvenil tem impressões digitais próprias,

isto é, possui características que lhe dão autonomia peculiar, o que pressupõe,

evidentemente, uma metodologia que se identifique com as suas necessidades

e particularidades”.

Apesar destas especificidades da formação e, nomeadamente, as

especificidades de cada escalão, somos da opinião de que o processo de

formação deve ter como principal referencial o que é exigido na equipa

principal. Esta exigência deverá atingir o seu máximo grau de rigor nos últimos

escalões de formação, isto tendo em conta que “a rentabilização da formação

passa pela capacidade de se formar jogadores com qualidade suficiente para

entrarem na equipa principal e pela introdução dos maiores talentos de forma

mais consistente na equipa principal” (Paul, 2003: XXVII). Ou seja, o objectivo

final do todo o processo de formação passa pela integração do maior número

possível de jogadores na equipa sénior dos respectivos clubes.

Assim, “a formação em futebol tem que ser uma actividade guiada pelos

mais rigorosos padrões de exigência” (Oliveira, in Leal & Quinta, 2001) de

forma a preparar os jovens jogadores para o mundo do futebol profissional.

9

Page 17: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Apesar de defendermos que, tal como para Mourinho (in Lourenço, 2003:

121), “a organização de jogo de uma equipa é o factor mais importante de

todos”, existem outros valores que têm de ser ponderados ao longo de todo o

processo de formação de forma a sustentarem essa mesma organização de

jogo.

Carraça (2005a: 46) afirma que o jovem jogador do Sport Lisboa e Benfica

deve ter as seguintes características: “um bom desenvolvimento motor,

competitividade, um pensamento bem organizado e estruturado, disciplina e

perseverança”.

Segundo Vale (2004: 16), “um jogador pode ter muito talento, mas na nossa

opinião é o carácter que conta. São esses os grandes jogadores do futuro. É

um aspecto decisivo no jogador de elite”. De acordo com o mesmo autor, o

jovem jogador de futebol tem de revelar “carácter, inteligência específica de

jogo, técnica evoluída e com princípios de educação para se comportar como

ser social. Para além disso tem de ter ambição, gostar de futebol e uma grande

vontade de se tornar um jogador de elite” (Vale, 2004: 16).

Valente (2005: II) afirma que “um jogador de futebol de alto nível tem de ter

um nível mental muito forte”.

Então, o processo de formação deve ter como primado a organização de

jogo da equipa num contexto de exigência, de vitória e de colectivo. O

Coordenador Técnico deverá fomentar estes valores intervindo junto dos

treinadores.

2.2.1. Trabalho, disciplina, rigor

Pensamos que a formação de um jovem jogador de futebol tem de ser um

processo com cunho exigente. De acordo com Giráldez (2002), “o êxito reside

no facto do jogador querer ser melhor em cada dia que passa. O Real Madrid

procura a melhoria dos jogadores desde o primeiro dia em que chegam a esta

casa”. Essa parece ser a mesma filosofia do Ajax: “O jovem jogador do Ajax

tem de possuir talento e vontade de aprender: a nossa obrigação é fazer

jogadores melhores a cada dia que passa” (Adriaanse, 1996: 21).

10

Page 18: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Vale (2003a: LXXVI) parece concordar com as ideias anteriores: “para que

um jovem jogador seja formado com sucesso este tem de ser eficaz do ponto

de vista táctico-técnico, físico e fundamentalmente mental. Para poder alcançar

este perfil o jogador tem de ter capacidade de trabalho, rigor, disciplina,

organização, grande ambição em tornar-se jogador de alto nível. Portanto, está

relacionado com o nível de empenhamento que consiga ter no dia-a-dia, no

sentido de se tornar cada vez mais forte do que no dia anterior”.

Valdano (2002: 16), reportando-se à sua experiência enquanto jogador

profissional de futebol, afirma que “teve de colocar em funcionamento a

vontade, o espírito de sacrifício, e aí houve uma aprendizagem não apenas

desportiva, mas também pessoal que lhe possibilitou fazer incursões por outros

campos”.

Para Mourinho (2003c) mais problemático que as debilidades tácticas são

as debilidades ao nível psicológico afirmando mesmo que adora “encontrar um

jogador com debilidades tácticas, receber um jogador «cru» a nível táctico. Mas

não tem pachorra para jogadores com debilidades psicológicas ao nível do

sacrifício, da crença e da entrega”. Ou seja, “os grandes treinadores pretendem

jogadores com qualidade, mas que tenham motivação em cada dia que passa

e um interesse grande em aprender aquilo que lhes é transmitido” (Mourinho,

2002a: 20).

Dada a exigência do futebol profissional, o processo de formação deve

integrar os mesmos valores. Como refere Adriaanse (in Kormelink &

Seeverens, 1997: 69) “se tu estás no Ajax tens de ser treinável e ser capaz de

entender as instruções, mesmo que só tenhas 7 anos”.

Deste conjunto de ideias supracitadas depreendemos que as competências

sociais e psicológicas estão também elas relacionadas com as capacidades

futebolísticas e que há valores e atitudes que devem ser fomentados dentro e

fora do terreno de jogo de forma a construir a personalidade e o

comportamento dos jovens jogadores.

No entanto, e de acordo com Adriaanse (1997: 66) “a sociedade está em

mudança em muitas dimensões, sendo que os jovens de hoje em dia dão mais

importância ao lazer do que ao trabalho. Porém, as regras do futebol de elite

11

Page 19: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

não se alteraram”. Este aspecto pode trazer alguns entraves ao processo de

formação devido ao confronto de valores fundamentais deste processo e os

valores que os jovens jogadores vivenciam no seu dia-a-dia. Será importante

transmitir aos jovens jogadores que o fundamental numa equipa de futebol é o

rendimento individual em prol da equipa e que “somente o trabalho é que leva

ao sucesso” (Mourinho, in Lourenço, 2003: 41).

Pensamos que a exigência relativamente ao trabalho diário, à disciplina, à

correcção e à procura de uma constante melhoria deve surgir e ser fomentada

pelos treinadores ao longo de todo o processo de formação.

2.2.2. Espírito ganhador, ambicioso e positivo

Denoueix (2003: 46) afirma que o Nantes conseguiu aproximar-se das

grandes equipas francesas e ganhar vários títulos, “controlando ansiedades e

acrescentando optimismos. Quando praticamos um desporto temos que ser

optimistas, positivos e ter vontade de ganhar, para vencer os mais fortes. Isso

consegue-se com muito trabalho diário”.

Valdano (2002: 21) defende esta perspectiva afirmando que “para se atingir

o sucesso no futebol é necessário ser-se uma pessoa positiva e a descoberta

dos erros que levaram ao fracasso deve ser um exercício que nos torna

melhores”.

Para Mourinho (in Lourenço, 2003: 128) “«ser campeões» tem de ser

sempre o nosso objectivo. Um objectivo diário, uma motivação consistente e

permanente, uma luz que tem de guiar o nosso trajecto. Cada treino, cada jogo,

cada minuto da nossa vida profissional e social tem de se centrar nesse

objectivo que é nosso”.

Desta forma, “os jogadores devem ser formados dentro de uma cultura de

vitória. Os jogadores têm de estar habituados a ganhar” (Mourinho, 2002a: 20).

Mourinho (in Lourenço, 2003: 104) afirma mesmo que “uma equipa de futebol

só é digna desse nome quando todos os jogadores, sem excepção, querem

ganhar, querem ganhar muito, independentemente de jogarem ou não”.

Mas ganhar não se deve cingir ao resultado. Ganhar significa igualmente

“ganhar cada treino, ganhar capacidade para jogar, ganhar capacidade de

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Page 20: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

sofrer, ganhar vontade de jogar e ganhar, ganhar espaço para jogar, ganhar

cada duelo, ganhar cada combinação ofensiva, ganhar cada situação de

finalização, ganhar uma equipa” (Departamento de Formação do Clube

Desportivo Trofense, 2002). Ou seja, o jovem jogador de futebol deve

desenvolver a capacidade de auto-superação individual e colectiva, exigindo

sempre mais de si e da sua equipa.

Defendemos que o processo de formação tem de ter o seu enfoque na

positividade, na capacidade de ultrapassar as adversidades com determinação

e na vontade de querer ganhar todas as situações.

2.2.3. O clube, a equipa e o colectivo acima de tudo

Sendo o futebol um desporto colectivo e institucionalizado é fundamental

que os jovens jogadores privilegiem os interesses do seu clube e da sua equipa

em detrimento dos seus próprios interesses.

Para Mourinho (in Lourenço, 2003: 121) “a ideia de clube é mais importante

do que qualquer jogador tratando-se de um valor que tem de se passar por

todo o clube, em especial pelas camadas jovens. O respeito pelo clube, pelas

normas instituídas, pela filosofia de clube é mais importante do que qualquer

indivíduo, ou seja, ninguém está acima do clube”.

De acordo com Denoueix (2003: 46) “fala-se muito em craques individuais,

mas, no seu entender, o colectivo é prioritário”.

Valdano (2002: 20) corrobora com as ideias anteriores referindo que “a

estrutura e a cultura do Real Madrid têm de estar sempre acima das

pretensões dos jogadores. Aqui a mensagem foi clara: chega uma grande

figura internacional, mas aceita as regras comuns, as regras que estão

definidas no Real Madrid há muito tempo; é uma maneira de explicar que a

instituição está acima dos jogadores”.

Parece-nos fundamental que se transmita aos jovens jogadores durante o

processo de formação que o clube, as regras instituídas e a ideia de jogo

implementada são o mais importante e que têm de ser respeitados.

Segundo Mourinho (2003d: 61) “o conceito de equipa é muito mais

importante do que o conceito de individualidade e que a melhor equipa não é

13

Page 21: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

aquela que tem os melhores jogadores, mas aquela que joga como equipa”.

Assim, “todos os jogadores têm de transformar as suas motivações pessoais

em motivações colectivas” (Mourinho, 2003e: 33), “sendo fundamental para

poder jogar ao mais alto nível, cada jogador sentir-se confiante, ser solidário e

cooperante com os seus companheiros e acreditar neles” (Mourinho, in

Lourenço, 2003: 141).

Valdano (2002: 22) refere ainda que “precisamos sobretudo de metas e

necessitamos de um estado de ânimo colectivo que nos permita trabalhar com

um determinado nível de entusiasmo. Necessitamos de uma retaguarda de

cultura corporativa para ter um determinado sentido de pertença”. Ou seja,

torna-se importante a partilha de objectivos e de cumplicidades de forma a

formar um grupo coeso para que todos os elementos da equipa se dirijam no

mesmo sentido.

Pensamos que o processo de formação deve ser orientado para os valores

colectivos da equipa e do clube em detrimento dos valores individuais.

2.3. DA FORMAÇÃO MERAMENTE FUTEBOLÍSTICA À PREOCUPAÇÃO COM A FORMAÇÃO INTEGRAL

“Retirei-me com trinta e tantos e espero viver até aos setenta e tal. Um dia pensei: o que vai ser da minha vida quando

não for conhecido, quando o meu rival for um cidadão normal que tem duas profissões? Pensai bem”.

Butragueño (in Palomino, 2002)

“Formar Homens que jogam”.

Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense (2002: 9)

“A formação desportiva não pode prejudicar a formação escolar dos jovens. Mas, por outro lado, a escola não deve

hipotecar o futuro dos jovens desportistas com talento”.

José Carvalho (2002: 12)

A formação não se trata “apenas de treinar, é muito mais do que isso: é

educar” (Leal & Quinta, 2001: 21). Desta forma, o processo de formação do

jovem integra, como não poderia deixar de ser, a componente escolar. Tal

significa que “a prestação desportiva não pode acarretar o prejuízo do

rendimento escolar. Os jovens jogadores devem entender que o desporto

contribui para a sua formação, ao ser um espaço de formação, por excelência,

promotor da auto-afirmação e da auto-superação. Todavia, tudo isto perde o

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Page 22: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

sentido se ele deixar de prestar atenção aos estudos, na medida em que estes

constituem, no presente, o acesso para a construção de um futuro sólido”

(Mesquita et al, 2002: 9).

2.3.1. A importância da formação escolar e académica

Para o jovem jogador de futebol é muito difícil conciliar a sua actividade

desportiva com a actividade escolar. Como afirma José Carvalho (2002: 13), “é

um dado adquirido que a opção pela carreira desportiva na via da alta

competição acarreta uma série de problemas na organização da vida

desportiva, escolar e social do jovem jogador”. Vale (2003a: LXXVII) confirma

esta ideia afirmando que “em Portugal, hoje em dia é extremamente difícil

conseguir obter sucesso do ponto de vista desportivo e escolar ao mesmo

tempo. Tudo isto são factores a ter em conta num processo de formação”. Daí

a emergência do apoio escolar aos jovens jogadores dada as dificuldades em

conciliar a actividade desportiva com a actividade escolar.

José Carvalho (2002: 26), afirma que “a cobertura mediática realizada aos

futebolistas profissionais torna muito atraente esta carreira para os jovens

jogadores. No entanto, esta opção, por vezes, tem como consequência a

falência da carreira académica, o que se revela negativo, principalmente se o

jovem por qualquer motivo não atinge o profissionalismo”.

Gomes (2004: 25) afirma que “seria bom que estes jovens estudassem e

obtivessem as máximas competências possíveis para que sejam homens mais

preparados para a vida, independentemente de triunfarem ou não no futebol”.

Caçador (2003: 9), afirma que os jovens jogadores e os seus pais devem

investir na formação escolar e académica dos primeiros: “Temos de nos

preocupar com a formação académica dos jogadores, sermos exigentes. Não é

possível que um jovem de 20 anos seja só futebolista e que os seus pais

tenham a feliz ideia de os apoiar quando abandonam a escola. Não há um

jovem que se possa considerar no bom caminho se abandonar a escola ao 9º

ano. Queremos que concluam o 12º [ano de escolaridade] e entrem nas

faculdades, aproveitando o estatuto de alta competição. É essa a grande

revolução que temos de fazer: apostar na qualidade de jogadores e no seu

15

Page 23: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

nível cultural. Esses homens, a médio prazo, poderão transformar o futebol

português”.

Tendo em conta as ideias anteriormente descritas, “um processo iniciado

com um percurso de formação concertado e qualificado, em que o aspecto de

aprendizagem desportiva e académica ou técnico-profissional é deveras

importante. Isto porque, temos de ter a consciência de que a esmagadora

maioria dos jovens jogadores nunca serão jogadores profissionais de futebol.

Os outros, os mais aptos, aqueles que durante as várias fases de formação

demonstraram ter capacidades e potencial para poderem ser profissionais de

primeiro plano, terão de se disponibilizar para assumirem uma carreira: dura,

desgastante, arriscada, mediática. Mas compensadora e envolvente para

aqueles que a saibam gerir com inteligência e sensatez” (Carraça, 2003a: 82).

Como afirma o mesmo autor (Carraça, 2003b: 9), “apenas 5% dos profissionais

de futebol do nosso país é que no fim da carreira e se gerirem bem os seus

rendimentos não necessitam de desenvolver outra actividade. Os outros 95%

têm de assumir uma nova profissão para sobreviver. Amealharam algum

dinheiro, mas deixaram de estudar muito cedo”.

Assim, a formação escolar e académica surgem como apoio a uma melhor

gestão dos rendimentos e como uma garantia de um futuro mais estável e

seguro no caso de a carreira futebolística terminar ou não ser bem sucedida

por diversos factores, como por exemplo, as lesões.

De acordo com Rocha (2003: 39), jogador profissional de futebol da

Académica de Coimbra e licenciado em fisioterapia, “não vale a pena fazer

planos a longo prazo [no futebol], porque há imponderáveis, como as lesões. E

determinadas lesões, dependendo da sua gravidade, podem determinar o fim

de qualquer carreira”. Desta forma concordamos com Rocha (2003: 39) ao

afirmar que “parece importante que o jogador que pense no seu futuro: tem de

estar preparado para entrar no mercado de trabalho e sem uma licenciatura é

bastante mais difícil conseguir isso”.

Do ponto de vista desportivo, segundo Mourinho (2002c), “um jogador culto

não tem mais capacidade de evolução e de aproveitamento, mas antes um

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Page 24: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

jogador inteligente: quem é inteligente assimila mais depressa as coisas

acelerando a aquisição dos objectivos do treino”.

Mas, por outro lado, concordamos com Vale (2003a: LXXVII) quando afirma

que um jogador “quanto mais culto for, não só do ponto de vista táctico, mas

também intelectual, mais disponível estará para apreender coisas novas que

façam apelo fundamentalmente à sua capacidade de análise e à inteligência,

tem a ver com a inteligência táctica”. Mil Homens (2004: 6) é da mesma opinião

afirmando que “as pessoas mais cultas e melhor formadas pensam, entendem

e desempenham melhor qualquer actividade”.

Parece-nos que a formação escolar e académica têm um papel fundamental

na sociedade e que não deverá ser descurada pelos agentes orientadores do

processo de formação desportiva. E essa mesma formação escolar/académica

ajudará o jovem jogador no seu «dia-a-dia futebolístico», pois “no futebol de

hoje não basta só ser bom jogador ou pelo menos saber o que fazer em

campo. É necessário aprender ao pormenor as regras deste novo raciocínio do

espectáculo profissional, não esquecer a importância da imagem, saber

comunicar e ter sempre presente o papel fundamental que a comunicação

social pode ter na evolução (ou retrocesso) de uma carreira” (Carraça, 2003a:

82). Assim, a formação escolar/académica surge também como um meio de

apoio à carreira de futebolista. Daí a necessidade do “profissionalismo, espírito

de sacrifício, visão e uma abrangente e competente gestão da carreira,

aspectos prioritários a ter em conta pelos jogadores, por forma a poderem

acompanhar a diária evolução a que esta indústria a está sujeita” (Carraça,

2003a: 82).

Assim, ao longo do processo de formação os jovens jogadores devem ser

incentivados a empenharem-se nos seus estudos. O Coordenador Técnico

deverá intervir junto dos treinadores para que estes alertem os seus jogadores

da importância do estudo e, se necessário, desenvolver estratégias de

remediação caso se verifique insucesso escolar. Este responsável deverá

igualmente comunicar com os pais dos jogadores sempre que se verifique essa

necessidade.

17

Page 25: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2.3.2. A relação Sistema Desportivo/Sistema Educativo

Pensamos que a relação entre o Sistema Desportivo e o Sistema Educativo

não é suficientemente cooperante de forma a ajudar os jovens desportistas, em

geral e os jovens jogadores de futebol, em particular, a conciliarem as duas

actividades. Segundo José Carvalho (2002: 15), “a conciliação entre as

actividades desportivas e as actividades escolares dos jovens têm-se revelado

com um problema de difícil solução. Este problema agudiza-se de

sobremaneira quando pretendem enveredar por um percurso que os conduza a

resultados de excelência”.

Dado este problema parece-nos fundamental que a Escola e o Clube se

aproximem de forma a compatibilizar os horários das actividades escolares e

das actividades desportivas para que os jovens jogadores tenham oportunidade

de obter sucesso nos dois processos de formação.

“A lei do estatuto de alta competição prevê medidas de apoio ao nível do

regime escolar e do acesso a formação superior, especializada e profissional.

Todavia, o tempo despendido nos treinos e competições e nas respectivas

deslocações fazem com que essas medidas, como por exemplo, a relevação

de faltas e a alteração de provas de avaliação, pouco beneficiem os jovens

jogadores” (Maria Carvalho, 2002: 77). Concordamos com esta autora quando

afirma que “é tempo de equacionar novas formas de enquadramento da vida

destes praticantes desportivos” (Maria Carvalho, 2002: 77).

Assim, e no sentido de promover uma melhor conciliação entre as duas

actividades, “os programas desportivos em alguns países têm vindo a

desenvolver modelos de organização pedagógica baseados em parcerias com

escolas, sendo que escolas, clubes e federações, assumem compromissos

bem definidos nesses programas” (Marques, 1999, in José Carvalho, 2002: 47).

Alguns clubes em Portugal parecem ter adoptado medidas idênticas.

Segundo Mil Homens (2004: 6), director-geral do Futebol de Formação e da

Academia do Sporting Clube de Portugal, “o principal objectivo é formar

homens que possam vir a integrar a equipa principal, mas sem esquecer o

desenvolvimento pessoal e social dos jovens”. Desta forma, este clube criou

um curso técnico-profissional para os jovens jogadores que vivem em regime

18

Page 26: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

de internato. O Sporting Clube de Portugal conta ainda com um gabinete

psicopedagógico constituído por uma professora e por uma psicóloga que têm

como tarefa o acompanhamento escolar de todos os jovens jogadores.

Para incentivar os jovens jogadores nas suas tarefas escolares foi criado

“um quadro de honra, que premeia três jovens por ano avaliando os seguintes

comportamentos: área escolar (assiduidade e avaliação académica) e área

desportiva (fair-play, assiduidade/pontualidade, comportamento nos balneários

e atitude/comportamento nos treinos)” (O Jogo, 2004: 6).

No Futebol Clube do Porto, segundo José Carvalho (2002: 26), também

parece haver essa preocupação. Este autor realizou um estudo de forma a

fundamentar a necessidade da criação de uma estrutura específica (Centro de

Formação) de apoio à formação de jogadores de futebol no Futebol Clube do

Porto. O objectivo deste centro, em termos escolares, será o de “fornecer

dentro da estrutura do próprio clube, uma alternativa à formação tradicional,

com vista ao prosseguimento de estudos. Através desta alternativa, os

problemas relacionados com a conciliação de horários escolares com os

horários dos treinos, o tempo gasto no transporte da escola para o local do

treino e a rentabilização dos espaços de treino seriam ultrapassados. Por outro

lado, um currículo mais ajustado às características e necessidades desta

população poderá favorecer uma maior motivação, evitando o abandono

escolar precoce”.

Nos grandes clubes europeus a formação académica e escolar e a

preocupação com a formação integral parecem ser aspectos fundamentais.

No Real Madrid há “a preocupação com a formação académica dos jovens

sendo necessário apontar a formação dos jovens para a formação integral”

(Valdano, 2002: 20). Inclusivamente, “este clube organizou um evento intitulado

«Jornadas de Orientação Professional» direccionado para os jogadores do

Departamento de Formação e para os pais dos mesmos. Este acontecimento

teve a presença de antigos jogadores de futebol e de basquetebol do clube

(Sanchis, Emilio Butragueño, Vicente Ramos e José Manuel Beirán) que

transmitiram o seu testemunho relativamente à compatibilização da prática

desportiva com os estudos universitários. Posteriormente, outros temas foram

19

Page 27: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

abordados, como por exemplo, as saídas profissionais dos cursos

universitários” (Palomino, 2002).

No Ajax, os maus resultados na escola têm implicações ao nível do clube.

Segundo Blind (2004: 23), “os jovens jogadores para se tornarem talentos têm

de aplicar o mesmo carácter quer no clube quer na escola. Daí que, quando as

classificações escolares descem, os responsáveis do clube se dirijam aos pais

e a titularidade na equipa passa a ser muito difícil de concretizar. Mais de

metade dos jogadores do Ajax concluem o secundário e iniciam os estudos

universitários”.

Concluindo, verificamos que a formação escolar e académica são

instrumentos úteis para todos os jovens jogadores mesmo para a sua

actividade futebolística e que os clubes de maior renome nacional e

internacional não descuram esta vertente da vida social dos seus jogadores.

2.4. A PROCURA DE IDENTIDADE ATRAVÉS DA IMPLEMENTAÇÃO DE UMA FILOSOFIA DE CLUBE E DE UM MODELO DE FORMAÇÃO

“A formação tem de ser a base dos plantéis [das equipas profissionais]”.

Giráldez (2002)

"Um treinador de um clube como este [Futebol Clube do Porto] não pode viver dissociado daquilo que é o futebol-

formação".

Mourinho (2002a: 15)

“Desde o primeiro dia que um jogador pode ver o que é o Ajax. A Academia é fantástica, porque as crianças crescem e

aprendem as coisas à maneira do Ajax!”.

Koeman (s/d)

Para que a formação tenha uma lógica coerente e racional parece-nos

fundamental que todo o processo seja norteado por objectivos bem definidos e

que estes se possam espelhar em todas as equipas do Departamento. Assim,

torna-se necessário promover “o estabelecimento de um conjunto de linhas

gerais e específicas que procuram direccionar e orientar a trajectória da

organização do mesmo” (Leal & Quinta, 2001: 27), ou seja, um modelo de

clube/filosofia de clube.

Faria (2003: LXXVIII) é da mesma opinião referindo que “um projecto de

formação é ter a definição de um conjunto de características que se pretende

20

Page 28: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

que esses jogadores quando formados possuam. Portanto, tem a ver com algo

que tem de estar definido a nível estrutural no clube”. Isto porque, como

afirmam Leal & Quinta (2001: 28) “parece-nos difícil conceber que ao longo do

processo de formação sejam escolhidos determinados jogadores em

detrimento de outros, sem que haja uma definição das características do

jogador que se pretende, tendo em conta as exigências do modelo de jogo do

clube”.

Desta forma, “o ponto referencial de qualquer clube no que respeita à

formação deve ser alicerçado numa filosofia que contemple a existência de um

modelo de jogo, o qual, por sua vez, orientará a concepção de um modelo de

treino, de um complexo de exercícios, de um modelo de jogador e mesmo de

um modelo de treinador” (Leal & Quinta, 2001: 27).

Vale (2003a: LXXVIII) refere o caso do Futebol Clube do Porto. Segundo

este autor, “a formação num clube deve nortear-se por princípios bem sólidos e

se alguma coisa mudar devem mudar as pessoas, mas não devem mudar os

princípios que são aquilo que caracterizam e que são a identidade de um

clube”. Conforme o mesmo “o Futebol Clube do Porto tem uma cultura

desportiva muito própria e os jogadores têm de a entender. O clube rege-se por

valores próprios, desportivamente tem uma forma de jogar. É uma forma de

jogar do Futebol Clube do Porto e de mais ninguém” (Vale, 2004: 16).

Esta forma de trabalhar levará a que todos os intervenientes do processo de

formação assimilem ao longo do tempo uma forma de treinar e de jogar,

criando uma noção de identidade.

2.4.1. A forma de jogar e de treinar da equipa principal como referencial fundamental do Departamento de Formação

Pensamos que o grande referencial para a implementação de um modelo

de clube ou modelo de formação passa pelo estabelecimento de um modelo de

jogo comum a todos os escalões de formação. Esta forma de trabalhar

implicaria que “todos se direccionassem no mesmo sentido e que os jogadores

se confrontassem todos os dias com uma determinada lógica. É óbvio que esse

modelo é a referência que faz com que nas diversas etapas de formação não

21

Page 29: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

aconteçam coisas distintas, isto porque as ideias são comuns e os princípios

são os mesmos” (Faria, 2003: LXXXVIII). E esse referencial tem de ser o

“referencial máximo que é aquilo que se faz no topo que é a equipa principal de

um clube” (Vale, 2003a: LXXIII), pois o objectivo final da formação dos jovens

jogadores passa pela integração na equipa sénior.

Da mesma opinião, Leal & Quinta (2001: 41) afirmam que “a formação com

base na existência de um modelo de jogo vai permitir ao jovem jogador estar

rotinado numa forma de jogar e desenvolver características definidas, que lhe

permitirão, com mais possibilidades de sucesso, integrar a equipa sénior. Para

isso é importante que o modelo de jogo implantado no departamento juvenil

tenha como referência o modelo da equipa sénior porque é para esta que se

pretende formar o jogador”.

Caso o modelo de jogo do Departamento de Formação não corresponda ao

modelo de jogo da equipa principal “corre-se o risco de se estar a formar

jogadores com características diferentes daquelas que são exigidas pela

equipa sénior o que torna mais difícil a integração e aproveitamento dos

jogadores oriundos dos escalões de formação” (Leal & Quinta, 2001: 41). Ou

seja, tem de haver uma similaridade de processos ao nível do treino e do jogo

entre a equipa principal e as equipas do Departamento de Formação.

Tendo em linha de conta o anteriormente enunciado, parece-nos mais

coerente que os critérios da contratação do treinador principal da equipa sénior

do clube tenham como principal referencial a filosofia do clube e,

nomeadamente, o modelo de jogo adoptado para a formação. De acordo com

Vale (2003a: LXXIX), “a partir do momento que existe um modelo de jogo, uma

filosofia de formação, uma cultura desportiva, julgamos que seria impensável

as pessoas não pensarem no tipo de treinador que vão escolher”. Guilherme

Oliveira (2003: XXIV) é da mesma opinião referindo que se “um clube tem um

modelo de jogo para a formação deve contratar um treinador cujas ideias são

em função desse modelo de jogo”.

Assim, parece-nos fundamental que a escolha do treinador da equipa

principal deve ter em linha de conta a filosofia do clube para que não se

22

Page 30: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

verifique um desfasamento entre o que é exigido nas equipas do Departamento

de Formação e na equipa sénior.

2.4.2. Formar jogadores tacticamente cultos e multifuncionais

A realidade do futebol Português mostra-nos que “o cargo de treinador

principal de uma equipa profissional de futebol faz parte de uma estrutura muito

volátil” (Paul, 2003: XXVIII), isto porque “está dependente dos resultados, e

está permanentemente exposto à comunicação social e ao público” (Camacho,

in Alves, 2004: 169).

Desta forma, “se não existir uma política de clube relativamente à

contratação do treinador sénior que vá de encontro com aspectos fundamentais

do próprio clube, há a necessidade então que o Departamento de Formação

tenha um modelo de jogo que considere ajustado à evolução dos jogadores de

forma a potenciar esses jogadores” (Guilherme Oliveira, 2003: XXXIII). Isto

porque, não nos parece coerente confrontar “os jovens jogadores com a

necessidade de ano após ano lhe serem exigidos comportamentos

completamente diferentes e em determinadas alturas mesmo antagónicos

estamos a limitar completamente as suas capacidades e a sua evolução em

toda a plenitude” (Guilherme Oliveira, 2003: XXXIII).

Desta forma concordamos com Camacho (in Alves, 2004: 86) quando

afirma que “um clube não pode depender de um treinador da equipa principal

que pode mudar todos os anos e pode mesmo ter uma filosofia diferente da do

clube. Um clube não pode ficar dependente das posições efémeras do seu

treinador principal, tem de ter uma estratégia própria”.

Paul (2003: XXVIII) é da mesma opinião afirmando que “não faz sentido que

a formação esteja constantemente a adaptar-se ao que se passa na equipa A.

O que faz sentido é que nós sejamos capazes de formar jogadores aptos para

se adaptarem a qualquer modelo ou qualquer sistema, isso sim faz sentido”.

Na realidade, parece-nos que o mais importante é que o processo educativo

na formação do jogador consiga alcançar “a formação de um jogador

inteligente, capaz de agir por ele próprio, utilizando os seus conhecimentos e

as suas experiências” (Bayer, 1994, in Leandro, 2003: 3).

23

Page 31: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Independentemente das mudanças na equipa sénior, o Departamento de

Formação deverá promover a estabilidade do projecto e formar jogadores

inteligentes com grande capacidade de adaptação a diversos modelos de jogo.

Vale (2003a: LXXIX) afirma que no Futebol Clube do Porto o objectivo não

passa somente por “formar jogadores para a equipa principal, mas jogadores

que sejam capazes de se adaptar a qualquer modelo de jogo. Porque achamos

que se dotarmos os nossos jogadores de grande riqueza do ponto de vista

táctico-técnico, eles têm condições para jogarem em qualquer modelo, em

qualquer um dos futebóis que se joga por esse mundo fora e esse é o nosso

grande objectivo”.

Mourinho (2002a: 22) afirma que “cada vez mais os jogadores de primeira

linha têm de ser multifuncionais”. Este treinador afirma mesmo que “não pode

ter um jogador no seu plantel que só sabe jogar no seu modelo de jogo, porque

no final do seu vínculo contratual vem outro treinador que, eventualmente, joga

num modelo diametralmente oposto, e os jogadores têm de se adaptarem a um

novo modelo. Assim, todos temos de nos adaptar a diversas funções, diversas

filosofias, diversos sistemas” (Mourinho, 2002a: 22), ou seja, os jogadores têm

de possuir uma cultura táctica que lhes permita desempenhar diversas funções

independentemente do modelo de jogo adoptado.

Pensamos que o processo de formação deve proporcionar ao jovem

jogador a aquisição de uma vasta cultura táctica de forma a adquirir uma maior

capacidade de adaptação aos diversos modelos de jogo que, certamente,

encontrará ao longo da sua carreira.

24

Page 32: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2.4.3. Corpo técnico deve estar identificado com o modelo de jogo

“É cada vez mais importante este clube ter um documento com uma ideia, uma filosofia orientadora de todo esse

processo”.

Mourinho (2002a: 15)

“Porque o futebol é um jogo, pode-se ganhar ou perder. [As pessoas] Deveriam, antes, preocupar-se sobre se trabalho

bem ou mal”.

Camacho (2003a: 51)

"O homem mais importante num clube é o treinador. É quem decide, orienta, planeia e desenvolve um projecto".

Jacquet (2003: 79)

Para que haja uma linha de coerência em todo o processo de formação, “os

técnicos envolvidos num projecto de formação devem possuir uma concepção

unitária quer de clube, quer de jogo, quer de treino, quer do próprio modelo de

jogador a formar. Unificar os critérios dos diferentes treinadores dos diferentes

escalões é eliminar a possibilidade de conflitos perturbadores da normal

evolução do jovem jogador” (Leal & Quinta, 2001: 48). Isto não deverá implicar

restrições ao nível da criatividade individual dos treinadores limitando a

evolução dos mesmos. No entanto, parece-nos uma medida essencial, porque

permitirá uma harmonização das ideias acerca do modelo de jogo adoptado

fazendo com que todos tomem a mesma direcção dando continuidade e

identidade ao trabalho realizado independentemente do escalão em que o

jovem jogador se encontre.

Faria (2003: XCI) é da mesma opinião afirmando que “o importante é definir

um perfil, de forma a encontrar a ligação com uma determinada forma de

trabalhar e de treinar que permita operacionalizar as ideias fundamentais do

modelo”.

Para Vale (2003a: LXXIX) o mais importante num grupo de treinadores de

um Departamento de Formação é que estes “funcionem no mesmo

comprimento de onda, que a linguagem seja a mesma sobre as questões

fundamentais. Depois é fundamental levarem à prática aquilo que definem do

ponto de vista teórico”.

Outro aspecto importante é a formação contínua dos treinadores, mas

sendo esta promovida pelos próprios clubes. Esta medida teria como objectivo

25

Page 33: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

principal “fazer com que os treinadores se identifiquem com uma determinada

forma de trabalhar” (Leal & Quinta, 2001: 48). O Coordenador Técnico poderá

assumir um papel fundamental a este nível fomentando este género de

iniciativas.

Segundo Giráldez (2002), “o Real Madrid forma os seus próprios técnicos

através de sessões onde se explicam e clarificam um conjunto de conceitos,

isto também tendo em vista a unificação de critérios dos treinadores”. Ou seja,

indo de encontro à identidade que se pretende instituir no clube.

O Sporting Clube de Portugal tem igualmente esta preocupação. Segundo

Mil Homens (2004: 6), “este clube também promove a formação dos seus

próprios técnicos através das Jornadas Técnicas da Academia onde é

abordado um conjunto de temas ministrados por técnicos do próprio clube ou

por técnicos de outros clubes, entre os quais Manchester United, Nantes e Real

Madrid”.

Um outro passo essencial para a unificação dos critérios e para uma melhor

identificação e entendimento do modelo de jogo e do modelo de treino é a

sistematização do pretendido em documento.

Segundo Mourinho (in Lourenço, 2003: 121) “um documento deste tipo é

extremamente importante porque é orientador de um processo” tendo como

objectivo “definir o modelo de jogo com que me identifico assim como os

respectivos princípios inerentes ao mesmo” e dar a conhecer a “todos os

técnicos do clube objectivamente as ideias chave que lideram todo o processo

de construção da equipa e assim possa objectivar o trabalho de formação de

jogadores compatíveis com as nossas necessidades” (Mourinho, 2003a: 19).

Com a elaboração deste documento verificar-se-á mais facilmente uma

identidade ao nível do treino e do jogo e em função do pretendido na equipa

sénior do clube ou do projecto de formação.

Posteriormente, é necessário encontrar dentro da estrutura do clube

pessoas capazes de em conjunto com o treinador principal controlar o processo

de formação, nomeadamente, o Coordenador Técnico, para que a

operacionalização do documento seja a mais aproximada possível.

26

Page 34: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2.4.4. Dificuldades na implementação do modelo de clube

São várias as dificuldades identificadas na implementação do modelo de

clube:

A não estabilização de uma estrutura directiva (Leal & Quinta, 2001);

Pouca estabilidade do treinador da equipa principal (Faria, 2003; Leal &

Quinta, 2001; Graça, in Vieira, 2004; Paul, in Vieira, 2004; Vale, in

Vieira, 2004);

Inexistência de qualquer projecto bem elaborado com regras bem

definidas (Faria, 2003);

A formação dos treinadores, a necessidade de se identificarem com um

determinado projecto e a capacidade de operacionalização condizente

com esse projecto (Faria, 2003);

O não estabelecimento de objectivos a médio e a longo prazo (Leal &

Quinta, 2001).

Todos estes factores dificultam a implementação de um projecto

direccionado para a formação.

De acordo com Guilherme Oliveira (2003: XXIV) “a estabilidade do treinador

e a política do clube deve passar por uma definição de um processo de

formação em que o modelo de jogo deve ser um dos aspectos fundamentais. E

isto tem de pertencer a uma política de clube. O clube tem de achar que isto é

importante e fazer disso um dos aspectos fundamentais da formação. Quando

um clube não tem pessoas que sejam sensíveis a este aspecto, muito

dificilmente será possível que o modelo de jogo seja implementado”. Ou seja,

tem de se desenvolver entre os diversos responsáveis do clube uma crença no

desenvolvimento do projecto para que este resulte. Neste aspecto, o

Coordenador Técnico pode desenvolver um papel fundamental como

responsável pela unificação dos critérios e verificação do cumprimento dos

mesmos.

27

Page 35: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2.4.5. Ajax: a escola de formação de referência “Nunca nos podemos dar por satisfeitos e manter uma visão crítica de cada um de nós. Uma constante vontade para

evoluir. É este o princípio do Ajax e do Departamento de Formação do Ajax”.

Adriaanse (in Kormelink & Seeverens, 1997: 77)

"Um país não se mede pela dimensão das fronteiras, mas pelas ambições, valores e ideias”.

Queiroz (2003a: 10)

“A parte humana e atenção para o talento fazem do Ajax um grande clube”.

Adriaanse (2004: 21)

O Ajax é uma das melhores escolas formadoras de jogadores de futebol do

mundo, onde se formaram jogadores de renome internacional, tais como,

Johan Cruyff, Marco van Basten, Frank Rijkaard, Frank De Boer, Dennis

Bergkamp, Marc Overmars, Edgar Davids, Patrick Kluivert, Clarence Seedorf,

Edwin Van der Sar, e mais recentemente, os jovens jogadores Rafael Van der

Vaart e Van der Meyde.

A filosofia inviolável do Ajax está enraizada no clube desde os anos 30: “a

combinação de técnica, inteligência, personalidade e velocidade de execução

são melhor expressas de uma forma criativa, logo, com um futebol de ataque.

A filosofia do clube está acima de qualquer resultado: jogar um futebol ofensivo

e de risco, e não aceitar nada mais do que a expressão deste futebol no

terreno de jogo” (Kormelink & Seeverens, 1997: X).

Para fazer corresponder o processo de formação ao que é pretendido para

o jogo, o Departamento de Formação utiliza o acrónimo “TIPS” para descrever

os pontos fortes do jovem jogador do Ajax (Adriaanse, in Kormelink &

Seeverens, 1997: 63):

“T (“technique”), técnica: um jovem jogador do Ajax tem de ser

tecnicamente evoluído;

I (“intelligence” e “insight”), inteligência e perspicácia. Capacidade de

observar e de antecipar de forma a surpreender o adversário.

P (“personality”), personalidade. Um talento do Ajax terá de ser capaz de

comunicar com os outros, ser líder e criativo, demonstrar audácia, ser

receptivo aos seus companheiros de equipa e de trabalhar de forma

disciplinada.

28

Page 36: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

S (“speed”), velocidade. Velocidade de marcação, de mobilidade, de

execução e velocidade em grandes distâncias”.

Desta forma, pretende-se que um jovem jogador do Ajax seja “tecnicamente

dotado, futebolisticamente inteligente, com personalidade interessante e com

boa velocidade” (Adriaanse, in Kormelink & Seeverens, 1997: 64).

Segundo Adriaanse (1993: VI) o grande segredo da formação do Ajax está

no facto de “os nossos jogadores habituarem-se a jogar no nosso sistema

desde muito jovens. À medida que vão crescendo, vão melhorando as suas

capacidades para o lugar que lhes é destinado e quando tiverem 18 ou 19

anos, caso a equipa principal necessite deles, estão prontos, desde logo, a

integrarem-se sem estranharem diferenças na forma de jogar. Já sabem

perfeitamente quais as tarefas que têm de desempenhar”.

Por outro lado, também se defende a ideia de que “é necessário encontrar

jogadores multifuncionais. Eles têm de ter a capacidade de mudar de posições.

No futuro, não haverá lugar no futebol de alto rendimento para jogadores que

só sabem jogar numa posição” (Adriaanse, in Kormelink & Seeverens, 1997:

65). Assim, dada a importância da universalidade, durante o processo de

Formação os jogadores jogam em duas ou três posições para além da posição

inicial para a qual foram seleccionados.

Outros factores de sucesso apontados por Adriaanse (1993: VII) são “a

forma de treinar em que se dá alta importância ao jogo enquanto meio de treino

e a manutenção das mesmas pessoas a trabalhar nos escalões de formação

de forma a perceberem melhor o clube e a sua mística que transmitem aos

mais novos”.

No Ajax não se descura a formação integral dos jovens jogadores. Segundo

Adriaanse (in Kormelink & Seeverens, 1997: 74), “o Ajax dá alta prioridade à

educação. No entanto, rejeitamos a ideia de colocar todos os jogadores na

mesma escola. É essencial para o desenvolvimento da personalidade das

crianças permitir o seu crescimento no seu meio, ou seja, com a sua família, na

sua rua, com os seus amigos e na sua escola”. É por esse motivo que “não

temos hotéis na academia. Assim, só os temos cá cerca de seis horas por dia”

(Holsheimer, 2004: 23).

29

Page 37: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Desta forma, “o clube estabeleceu protocolos entre o clube e as escolas

onde os jogadores estão matriculados que lhes permite frequentar a escola

com currículos e horários especiais. Assim, os jovens jogadores têm a

possibilidades de permanecer no clube entre as 13 e as 19 horas. Durante este

espaço de tempo, o clube é responsável por: uma refeição, um treino, um

tempo de estudo e pelo transporte escola/clube e clube/casa. Na estrutura do

clube, existem espaços próprios para o apoio escolar, onde estão colocados

um determinado número de professores, contratados pelo clube, que dão apoio

aos jogadores com dificuldades escolares e que os acompanham nas

deslocações compensando as aulas a que estes foram autorizados a faltar.

Cerca de 50 por cento dos jogadores do Centro de Formação concluem

estudos pré-universitários e alguns deles prosseguem um curso superior,

mesmo depois de integrados na equipa sénior” (A Bola, 1996: 20).

No interior do centro de treino “De Toekomst” (que significa em português

“O Futuro”) existe “uma lista de regras de disciplina que, caso não sejam

acatadas, podem, inclusivamente, levar à expulsão do clube” (Revista 10,

2004: 23). As regras principais são as seguintes: “nenhum jogador pode

participar em jogos de futsal; uma acção violenta ou anti-desportiva não

detectada pelo árbitro está sujeita a punição no interior do clube; não é

permitido usar brincos e cabelo comprido; o uso de caneleiras é obrigatório nos

treinos, para qualquer idade; as meias são obrigatoriamente puxadas para cima

e a camisola tem de estar por dentro dos calções; cada jogador é responsável

pela limpeza e manutenção das suas botas no final dos treinos; é proibida a

utilização de telemóveis” (A Bola, 1996: 20).

Assim, o sucesso do Ajax enquanto clube de formação parece estar

relacionado com uma filosofia de clube bem definida e instituída ao longo de

vários anos. Filosofia essa que tem em conta a formação futebolística e social

dos jovens jogadores – formação integral – e onde imperam regras rigorosas

de forma a criar jogadores disciplinados quer do ponto de vista táctico, quer do

ponto de vista social.

30

Page 38: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

2.5. COORDENADOR TÉCNICO COMO REGULADOR E DINAMIZADOR DE TODO O PROCESSO DE FORMAÇÃO

“ [O Coordenador Técnico assume] uma tarefa importante e difícil”.

Mourinho (2002a: 15)

Na implementação de um Modelo de Clube/Modelo de Formação é

necessário que se verifique continuidade e similaridade de processos nos

diferentes escalões quer ao nível do treino, quer ao nível do jogo.

Mourinho (2002a: 15) é da mesma opinião ao afirmar que “um projecto de

formação quando é implementado torna-se fundamental que os treinadores das

camadas jovens saibam que direcção tomar e saibam de que maneira podem

colaborar com o futebol mais importante do clube, que é o futebol sénior. Tem

de haver uma similaridade nos processos todos e tem de haver um

acompanhamento diário do futebol de formação, para ver de que forma há, de

facto, similaridade entre o que se pretende e aquilo que é realizado”.

Assim, “é necessário que exista alguém que faça a interligação entre os

diversos departamentos, os diversos escalões e os diversos treinadores do

clube, uniformizando para isso critérios de selecção, de orientação e,

fundamentalmente, de acção” (Leal & Quinta, 2001: 49). Esse elemento deverá

ser o Coordenador Técnico (Leal & Quinta, 2001; Latorre, 2004).

Este cargo implica um grande conhecimento do funcionamento do clube e

de toda a sua filosofia. Daí que Mourinho (2002a:15) refira que “é importante

encontrar dentro da estrutura do clube pessoas capazes de estarem ao lado do

treinador principal no controlo desse processo de treino”. Adriaanse (1996: 21)

concorda com esta visão afirmando que “este cargo precisa de alguém

identificado com toda a filosofia do clube”.

2.5.1. Funções do Coordenador Técnico

Mourinho (2003e: 33) afirma que o Coordenador Técnico terá como

principal função realizar “a relação pedagógica e metodológica entre a rotina da

equipa principal e a rotina dos escalões de formação. Desta forma, este técnico

observará os treinos e dialogará com o treinador principal que forma a perceber

o que este último privilegia e o porquê de trabalhar de determinada forma”.

31

Page 39: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

Posteriormente, a verificação da implantação do modelo de jogo é realizada

através da acção do Coordenador Técnico, que assiste a treinos e jogos das

diferentes equipas do Departamento de Formação (Adriaanse, in Kormelink &

Seeverens, 1997; Giráldez, 2003; Paul, 2003).

No entanto, as tarefas e funções do Coordenador Técnico ultrapassam as

questões estritamente relacionadas com o jogo e o treino propriamente ditos.

Segundo Giráldez (2002), “as funções do Coordenador Técnico do Real Madrid

estão relacionadas com a coordenação dos treinadores das equipas de

Formação, desde o Real Madrid B até aos Benjamins e com a coordenação de

todas as actividades diárias que existam na Cidade Desportiva das equipas de

Formação (treinos, formação de treinadores, comunicação com os pais,

eventos desportivos)”.

2.5.1.1. Comunicação com as equipas técnicas Uma das tarefas fundamentais do Coordenador Técnico está relacionada

com a escolha dos treinadores do Departamento de Formação e com a

comunicação que estabelece com estes de forma a assegurar que todos

estejam bem informados e que todos se direccionem no mesmo sentido.

Desta forma, no Ajax o Coordenador Técnico realiza reuniões todas as

semanas com os treinadores e com os próprios directores de jogo (Adriaanse,

in Kormelink & Seeverens, 1997: 72): “Todas as semanas reúno-me com cada

treinador e observo cada equipa a jogar pelo menos uma vez em cada duas

semanas”. Ou seja, a comunicação entre os diferentes agentes dentro da

estrutura do próprio clube e a observação do trabalho das diferentes equipas

do Departamento de Formação por parte do Coordenador torna-se fundamental

para se verificar identidade.

Segundo Giráldez (2002), no Real Madrid esta preocupação também se

verifica: “com Jorge Valdano [director desportivo na altura] havia uma reunião

de direcção todas as semanas onde todos os treinadores expunham as

diversas situações ocorridas nos treinos e jogos. Com Vicente del Bosque

[treinador principal na altura] havia um diálogo muito directo”.

Assim, “o Coordenador Técnico do Clube deve harmonizar as expectativas

dos treinadores com os princípios e os objectivos propostos pelo clube, com o

32

Page 40: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

fim de favorecer um trabalho em equipa e implicar ao máximo todos os agentes

educativos do clube no processo de formação integral do jogador de futebol. O

coordenador deve igualmente oferecer ideias contínuas de trabalho para

aumentar a qualidade dos treinadores. O trabalho em equipa determinará o

êxito do planeamento anual” (Latorre, 2004: 42).

2.5.1.2. Regulamento interno Outra tarefa do Coordenador Técnico passa pelo estabelecimento e/ou

fazer cumprir do regulamento interno.

Este documento tem como objectivo, “através das situações tipificadas,

garantir a coerência desejável das atitudes e dos comportamentos dos jovens

jogadores” (Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense, 2002:

82).

Segundo Adriaanse (in Kormelink & Seeverens, 1997: 66), “o

comportamento em grupo é extremamente significante para o jovem jogador do

Ajax e isso significa que têm de aprender a ter consideração para com os

outros. Desta forma, estabeleci um conjunto de regras disciplinares às quais os

jogadores têm de aderir em absoluto. Acordos foram estabelecidos tendo em

vista o comportamento durante os jogos e os treinos. A disciplina não tem de

ser rígida, mas é essencial que as mesmas regras sejam aplicadas a todos os

níveis. Nem mesmo as regras de comportamento para a hora do almoço

podem diferir de uma equipa para outra. Daí a razão de colocar em documento

escrito o regulamento”.

Este mesmo princípio é seguido no Real Madrid, pois as regras de

comportamento “não conhecem privilégios seja qual for o jogador. As normas

dos treinos e dos jogos, nas concentrações servem para incutir nos jovens

jogadores o que significa representar o Real Madrid” (Giráldez, 2002). Ou seja,

pensamos que a cultura de clube incorpora um conjunto de valores e de

princípios que devem ser respeitado por todos e transmitido aos jovens

jogadores desde muito cedo. Isto permitirá fomentar “uma cultura distinta, não

só ligada a forma de jogar, mas, também, a um vasto sentimento próprio que

cada clube deve ter” (Neves, 2003: 37).

33

Page 41: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

O estabelecimento de um regulamento interno torna-se fundamental de

forma a normalizar os comportamentos dos jovens jogadores e pelo

desenvolvimento de uma cultura específica do clube.

2.5.1.3. Comunicação com os Pais A comunicação com os pais dos jogadores deverá também ela ser

assegurada pelo Coordenador Técnico.

No Ajax, este aspecto é considerado muito importante, pois “os pais devem

estar informados acerca do processo de formação dos seus filhos” (Adriaanse,

in Kormelink & Seeverens, 1997: 62).

Esta mesma preocupação verifica-se no Real Madrid: “os Pais são uma

figura vital para qualquer ser humano. E damos grande importância a este

facto, pois temos organizado reuniões periódicas com os pais dos jogadores

para trocarmos informações e adiantarmos os problemas que podem ter as

situações que ocorrem no processo de formação: quando um jovem jogador

chega ao clube, quando joga muito, quando não joga, quando deve abandonar

o clube, quando não vive em Madrid. São situações periódicas que se repetem

todos os anos” (Giráldez, 2002).

Desta forma, os Pais devem ser informados acerca do processo de

formação dos seus filhos e o Coordenador Técnico deverá assumir essa tarefa.

2.5.1.4. Outras tarefas Para além das tarefas supracitadas, Latorre (2004: 35) sistematizou em dez

pontos um vasto conjunto de tarefas de coordenação:

1. “Criação de uma normativa interna geral.

2. Elaboração de organigrama técnico, horários, grupos de treino,

distribuição de espaços.

3. Organização de competições para os grupos de Escolas.

4. Formação dos técnicos.

5. Controlo dos técnicos.

5.1. Reuniões.

5.2. Mecanismos de controlo de planificação, controlo de conteúdos, de

sessões e tarefas de treino.

34

Page 42: A importância da formação no futebol

Revisão da Literatura

5.3. Desenvolvimento de sessões práticas conjuntas com base em

conteúdos táctico-técnico determinados.

5.4. Testes e sociogramas.

5.5. Assistência aos jogos.

6. Comunicação com os pais e encarregados de educação dos jogadores.

7. Organização de actividades de final de semestre e de curso.

8. Formação dos Directores de Equipa.

9. Trabalho multidisciplinar com outros agentes (médicos, massagistas,

enfermeiros, directores).

10. Autoformação”.

O Coordenador Técnico assume assim papel fundamental na construção de

todo o processo de formação sendo o regulador e o verificador da identidade

que se pretende instalar no clube ao nível do jogo, do treino e de todos os

comportamentos fora e dentro do terreno de jogo, sendo um elemento

essencial na dinamização desse mesmo processo.

35

Page 43: A importância da formação no futebol

Material e métodos

3. MATERIAL E MÉTODOS

3.1. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

A amostra é constituída por uma entrevista ao Mestre Pedro Sá,

Coordenador Técnico do Departamento de Formação do Clube Desportivo

Trofense.

3.2. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

A parte teórica deste trabalho sustentou-se numa pesquisa bibliográfica e

documental, de forma a seleccionar a informação pertinente para o estudo da

problemática seleccionada.

A nível prático, a metodologia utilizada na recolha dos dados consistiu numa

entrevista registada através de um gravador Mini-disc digital Sony MZ-NH900 e

a sua posterior transcrição para o papel com a devida autorização do

entrevistado.

É importante salientar que as questões eram abertas, de modo a que o

entrevistado pudesse expor os seus pontos de vista de uma forma clara e

pessoal. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas para o programa

Microsoft Office Word 2003 do sistema operativo Windows XP Professional.

3.3. RECOLHA DE DADOS

A recolha de dados referente a este trabalho decorreu no dia 9 de

Novembro de 2005, na Escola Secundária da Trofa, sendo que posteriormente

tiveram lugar mais do que um encontro com o entrevistado para esclarecimento

de dúvidas.

36

Page 44: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA ENTREVISTA

Após a realização da revisão bibliográfica e da entrevista, será efectuada a

análise das respostas do entrevistado, no sentido de se comparar e discutir o

conteúdo das mesmas, tendo em vista os aspectos tratados na revisão

bibliográfica.

4.1. A IMPORTÂNCIA FINANCEIRA, DESPORTIVA E SOCIAL DA FORMAÇÃO PARA O CLUBE DESPORTIVO TROFENSE

“A nossa formação só faz sentido se formos capazes de a rentabilizar, se isso não acontecer, mais vale não termos

formação”.

Paul (2003: XXVII)

“A melhor e única forma de preparar e antecipar o futuro é cuidar da preparação dos jovens que estão no clube.

Assim sendo, teremos de encontrar as soluções para o presente, mas preparando o futuro deste clube”.

Queiroz (2003b)

“Esta direcção deixou bem claro que, desde que cheguei ao clube, a essência madridista devia estar presente no seu

projecto e que a sua essência é a formação. Quando chegamos seis jogadores estavam na primeira equipa; hoje estão

treze. Acredito neste modelo, que é arriscado, mas estamos convencidos que vai dar resultados”.

Butragueño (2004)

A formação no Clube Desportivo Trofense tem, segundo Sá, “uma

importância vital, porque está a formar jogadores para o plantel sénior do

clube”. Esta visão sobre a formação parece estar condizente com a revisão

bibliográfica por nós efectuada.

Como afirma Frade (2002, in Vieira, 2004: 26), “a formação é a base do

futebol profissional, por isso tem de haver uma preocupação elevada com ela”.

Giraldez (2002) é da mesma opinião afirmando que “a formação tem de ser a

base dos plantéis [das equipas profissionais]”.

Desta forma, clubes como o Ajax (Adriaanse, in Kormelink & Seeverens,

1997) e o Sport Lisboa e Benfica (Carraça, 2005b) definiram como objectivo a

integração de, pelo menos, 3 jogadores por época desportiva no plantel sénior,

tal como no Clube Desportivo Trofense (Sá).

Segundo Sá, o plantel sénior do Clube Desportivo Trofense tem 10 jovens

jogadores que realizaram a sua formação no Departamento de Formação do

37

Page 45: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

clube, sendo que, neste momento, 5 desses jogadores competem

regularmente.

Neves (2003: 34) reitera que nos clubes do seu estudo (Futebol Clube do

Porto, Vitória de Guimarães, Sporting Clube de Portugal, Celta de Vigo e Real

Madrid) “os escalões de formação têm objectivos muito claros, que se prendem

com a formação de jogadores de qualidade, para que possam competir na

equipa mais representativa do clube, ou melhor na sua equipa de elite”.

Desta forma, poderemos afirmar que o Clube Desportivo Trofense investe

na formação, nomeadamente, através da integração de jovens jogadores no

plantel sénior e da sua participação regular na competição em que o clube está

enquadrado. Este procedimento parece estar de acordo com a revisão

bibliográfica realizada.

4.1.1. Vantagens da integração de jovens jogadores formados no Departamento de Formação no plantel sénior do clube

A integração de jovens jogadores vindos do Departamento de Formação no

plantel sénior arrasta consigo um conjunto de vantagens muito importantes

para o Clube Desportivo Trofense. Por um lado, faz com que o clube não

necessite de recorrer exclusivamente ao mercado para comprar jogadores, pois

o clube já forma os seus próprios jogadores, poupando com isso dinheiro.

Segundo Giraldez (in Neves, 2003: 36), “no momento actual de crise

financeira, os clubes, também por esta razão, têm que olhar para a formação

como uma via muito válida na tentativa de resolver os seus problemas

económicos. Neste momento, os clubes têm de pensar em ser auto-

suficientes”.

De acordo com Paul (in Neves, 2003: 36) “em termos de salário, um jogador

formado no clube, normalmente, aufere um vencimento inferior a um que foi

contratado, permitindo ao clube poupar financeiramente na remuneração e nos

custos que a compra de um jogador acarreta”.

Assim, a vantagem financeira é umas das vantagens apontadas por Sá para

a integração de jovens jogadores formados no clube no plantel sénior do Clube

Desportivo Trofense.

38

Page 46: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Para Paul (in Neves, 2003: 36) “outra forma de rentabilizar a formação é

vender jogadores vindos das categorias inferiores, que têm custo zero e a sua

venda vai implicar um lucro de 100%”. De acordo com Sá, essa é, também, a

perspectiva do Clube Desportivo Trofense, pois “qualquer processo de

formação seria muito limitador se só tivesse como objectivo o quadro sénior do

próprio clube. Aquilo que pensamos é que se for possível que os nossos

jogadores sejam desejados por outros clubes a meio ou no final no processo de

formação tanto melhor para nós”.

O investimento na formação para além das vantagens financeiras tem,

também, vantagens desportivas: o clube já conhece os jogadores e os

jogadores já conhecem os seus responsáveis e aquilo que vão exigir deles.

Segundo Mathé (2003), um jogador que sai das camadas jovens está sempre

mais identificado com a equipa, a instituição, as cores, a história e os de mais

valores que não deveriam perder-se. Sá segue a mesma linha de pensamento

afirmando que os jogadores formados no clube desenvolvem um sentimento

diferente de identificação com o clube, tendo mesmo por objectivo a

constituição maioritária do plantel sénior com jogadores da terra.

O entrevistado apontou, também, a formação como importante devido a

razões sociais. Segundo Sá, o Clube Desportivo Trofense cumpre a prestação

de um serviço público, pois permite que dezenas de jovens da terra tenham a

oportunidade de praticar uma modalidade que gostam num enquadramento

direccionado para a qualidade. Mathé (2003) vai ao encontro desta perspectiva

afirmando que os clubes com os seus escalões de formação devem cumprir,

também, uma função socialmente importante, que é a de permitir aos jovens

praticarem desporto com boas condições.

É possível, então, constatar que a formação é fundamental no Clube

Desportivo Trofense, verificando-se vantagens financeiras, desportivas e

sociais com este procedimento, estando em sintonia com a revisão bibliográfica

efectuada.

39

Page 47: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

4.2. PROJECTO DE FORMAÇÃO: A CONTINUIDADE COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL

“Continuidade é particularmente importante na formação. Agora estou mais concentrado no planeamento a longo

prazo”.

Adriaanse (in Kormelink & Seeverens, 1997: 61)

“Uma Academia como a nossa faz um trabalho de longo prazo”.

Mil-Homens (2003)

“A continuidade é o ponto mais importante em qualquer negócio. Porque seria o futebol diferente? Não é num ano que

se constrói o sucesso.”.

Kenyon (2004: 25)

O entrevistado definiu três aspectos fundamentais para se construir um

processo de formação de qualidade. Primeiro, as pessoas, pois, de acordo com

o mesmo, aquilo que dá corpo a um projecto de qualidade são as pessoas

estando a referir-se aos jogadores, treinadores, directores, pais e

espectadores. Em segundo, as condições de trabalho, porque sem campos e

sem bolas não se pode treinar, nem jogar, e quanto mais e melhores forem

essas condições, melhor se poderá conduzir o processo. Por último, a

existência de um projecto de formação, pois, segundo o entrevistado, é

necessário definir uma série de princípios e de referências que norteiem as

decisões a tomar por parte de todos os intervenientes no projecto. Caso

contrário, segundo o mesmo, será problemático.

Esta perspectiva de Sá parece estar de acordo com Garganta (1990, in Leal

& Quinta, 2001: 21) que aponta a formação de treinadores, dirigentes e pais, a

existência de estruturas materiais, humanas e financeiras e um trabalho

primado pelo rigor e pela organização, como fundamentais para elevar o

estatuto do futebol praticado pelos mais novos.

Faria (2003: LXXXVIII) é da opinião de que “a formação só é importante se

estiver definido um projecto de formação”. Carraça (2005a: 46) afirma que

aceitou o cargo de gestor para a área da formação do Sport Lisboa e Benfica

com o objectivo prioritário de “organizar um trabalho estruturado, concertado e

qualificado que possa potenciar, todos os anos, dois ou três jogadores para a

equipa principal”.

40

Page 48: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Desta forma, podemos afirmar que a posição de Sá relativamente aos

aspectos fundamentais para a construção de um processo de formação de

qualidade vão ao encontro da revisão bibliográfica.

4.2.1. A filosofia de clube como ideal de difícil concretização

Na revisão bibliográfica por nós realizada verificamos que a implementação

de uma filosofia de clube/modelo de clube, entendida como um conjunto de

linhas gerais e específicas que procuram direccionar e orientar a trajectória da

organização do mesmo, seria a melhor forma de trabalhar. Tendo por objectivo

a integração de jovens jogadores formados no Departamento de Formação no

plantel sénior dos respectivos clubes, o referencial para a implementação de

um modelo de clube passa pelo estabelecimento de um modelo de jogo comum

a todos os escalões de formação e que este fosse de encontro ao modelo de

jogo dos seniores.

Sá concorda com esta perspectiva. A implementação de uma filosofia de

clube/modelo de clube seria o ideal para se poder verificar continuidade de

processos, entendendo-se por filosofia de clube/modelo de clube como um

conjunto de princípios de actuação que têm de estar bem discriminados e

descritos e tendo de haver coerência nesses mesmo princípios.

Adriaanse (in Kormelink & Seeverens, 1997: 72) dá o exemplo do Ajax: “o

ponto de partida é o jogo e a base é o sistema de jogo do Ajax, o qual percorre

todos os escalões do clube. Esta é uma das nossas maiores diferenças em

relação aos outros clubes”.

No entanto, e segundo Sá, “o problema é que actualmente no nosso clube e

penso que nos demais não está implementada essa tal filosofia de clube, algo

que oriente a trajectória do clube durante algum tempo. E dado o contexto

actual o que é que acontece? A meio da época a equipa sénior não está a ter

resultados e inevitavelmente, ou tem sido a regra geral, o treinador vai embora.

Ora, vindo outro treinador e o clube não tendo essa filosofia de clube

implementada, ou seja, não dizendo do treinador para aquilo que ele vem, ele

chega cá e altera tudo”. Assim, não há garantia de continuidade de processos.

41

Page 49: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Perante este contexto, Paul (2003: XXVIII) defende que “não faz sentido

que a formação esteja constantemente a adaptar-se ao que se passa na

equipa A”. Camacho (in Alves, 2004: 86) é da mesma opinião afirmando que

“um clube não pode depender de um treinador da equipa principal que pode

mudar todos os anos e pode mesmo ter uma filosofia diferente da do clube. Um

clube não pode ficar dependente das posições efémeras do seu treinador

principal, tem de ter uma estratégia própria”. Segundo Carraça (2005b: 13), no

novo projecto para a formação do Sport, Lisboa e Benfica, “os modelos eleitos

para o trabalho na área da formação não estão dependentes das mudanças de

treinador da equipa principal”.

Mediante o exposto, parece-nos coerente a decisão de realizar um Projecto

de Formação no Clube Desportivo Trofense independente das opções do

treinador principal da equipa sénior. Ou seja, o Projecto de Formação é

autónomo do Departamento Sénior do clube. Pensamos que essa decisão vai

ao encontro das opiniões encontradas na revisão bibliográfica.

4.2.2. O Projecto de Formação como solução de continuidade

Dado o contexto actual, segundo Sá, o Departamento de Formação não

pode estar constantemente a alterar a sua filosofia em função das alterações

de treinador principal da equipa sénior. Esta perspectiva parece condizente

com a revisão bibliográfica.

Na opinião de Sá, “os projectos de formação, se são de formação, vão

demorar tempo o que significa que os seus responsáveis poderão não ser

sempre os mesmos ao longo do tempo. Portanto, o clube precisa de garantir

uma certa continuidade de processos para que haja formação”. Segundo Vale

(2003a: LXXVIII), “a formação num clube deve nortear-se por princípios bem

sólidos e, se alguma coisa mudar, devem mudar as pessoas, mas não devem

mudar os princípios que são aquilo que caracterizam e que são a identidade de

um clube”. Segundo Sá, “o processo é longo, portanto, é preciso uma certa

garantia de futuro. A garantia de futuro é dada através desses projectos”.

Assim, e segundo Sá, as linhas orientadoras do projecto de formação

passam por: um modelo de jogo adoptado comum para todos os escalões; um

42

Page 50: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

modelo de treino adoptado comum para todos os escalões; conjunto alargado

de equipas em competição; e, a escolha de treinadores com espírito crítico

muito forte, dinâmicos, empreendedores e sempre disponíveis para aprender.

De acordo com Faria (2003: LXXXVIII), “a formação é importante se tiver

critérios de formação e se tiver, obviamente, objectivos concretos. Um projecto

de formação é ter a definição de um conjunto de características que se

pretende que esses jogadores quando formados possuam”.

Ao fim de 4 anos de implementação do Projecto de Formação, este parece

já estar a dar os seus frutos. De acordo com Sá, no Departamento de

Formação do Clube Desportivo Trofense “no que diz respeito aos treinadores,

jogadores e directores há um modo de proceder que está descrito e é evidente,

e, porque já tem algum tempo, já é cultural. Quando os problemas surgem,

quando é preciso tomar uma decisão, está inerente a filosofia do departamento.

Porque toda a gente conhece e reconhece essa filosofia, quer através de

documentos escritos, quer através de uma certa cultura que já está

implementada”.

4.2.3. Identidade ao nível de treino e de jogo ao longo do processo de formação

Mediante a revisão bibliográfica podemos constatar que “o ponto referencial

de qualquer clube no que respeita à formação deve ser alicerçado numa

filosofia que contemple a existência de um modelo de jogo, o qual, por sua vez,

orientará a concepção de um modelo de treino, de um complexo de exercícios,

de um modelo de jogador e mesmo de um modelo de treinador” (Leal & Quinta,

2001: 27). E esse referencial para o Departamento de Formação deveria ser o

“referencial máximo que é aquilo que se faz no topo que é a equipa principal de

um clube” (Vale, 2003a: LXXIII). Segundo Adriaanse (1997, in Kormelink &

Seeverens: 72), “no Ajax os treinadores e os jogadores sabem exactamente

como é que a estrutura final deve ser: o sistema de jogo é totalmente familiar.

Os treinadores e os jogadores pensam o jogo a partir do sistema de jogo do

Ajax”.

43

Page 51: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Segundo Sá, dada a inexistência de uma filosofia de clube que atravesse

todos os escalões do clube, esse referencial não pode ser assumido devido,

sobretudo, à vulnerabilidade do cargo de treinador principal da equipa sénior

que está altamente dependente dos resultados desportivos. Mediante este

contexto e segundo Guilherme Oliveira (2003), o Departamento de Formação

tem de adoptar um modelo de jogo que considere ajustado à evolução dos

jogadores.

Apesar da inexistência de uma filosofia de clube, no Departamento de

Formação existe um modelo de jogo adaptado e adoptado a todos os escalões

de formação e, a par deste, um modelo de treino comum e adequado a cada

escalão no sentido de dar corpo ao modelo de jogo adoptado (Sá).

Para Sá, o modelo de jogo comum funciona como referência para todos os

escalões: “alguém que conhece o modelo de jogo nas escolinhas e se se

mantiver até aos juniores a sua adaptação a esse modelo de jogo se fará com

mais eficácia”. Esta forma de actuação permite a existência de uma lógica e

coerência ao longo do processo de formação, pois, caso contrário, como refere

Guilherme Oliveira (2003: XXXIII), “se os jovens jogadores forem confrontados

com a necessidade de ano após ano lhe serem exigidos comportamentos

completamente diferentes e em determinadas alturas mesmo antagónicos

estamos a limitar completamente as suas capacidades e a sua evolução em

toda a plenitude”.

Relativamente ao modelo de treino comum a todos os escalões, Sá refere

que “ajuda os jogadores a construírem um conjunto de referências, ao longo do

tempo, favorecendo a criação de determinados hábitos que queremos

implementar, pois esses constituem-se como fundamentais no modelo de jogo”.

Por outro lado, “o modelo de treino comum ajuda os jogadores a passarem de

um escalão para o outro sem sentirem grande impacto”.

Guilherme Oliveira (2003: XXXV), tem a mesma opinião de Sá, afirmando

que “o modelo de treino deve ser em função do modelo de jogo, por isso há

uma relação íntima”. Vale (in Vieira, 2004: 38) também concorda com os

autores anteriores afirmando que “os exercícios são retirados do modelo de

jogo e são exercícios que servem o modelo de jogo, que nos ajudam, de facto,

44

Page 52: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

a jogar sob determinadas referências, que nos ajudam a melhorar e a

aperfeiçoar um conjunto de comportamentos tácticos que sirvam a forma que

nós pretendemos jogar nas diferentes fase do jogo”.

Assim, no Departamento do Clube Desportivo Trofense existe um modelo

de jogo e um modelo de treino comum para que o processo de formação dos

jovens jogadores seja mais eficaz e a passagem de escalão se faça de uma

forma que permita uma fácil adaptação. Esta posição vai ao encontro das

opiniões da revisão bibliográfica.

4.2.4. Formar jogadores de qualidade

“O que nós queremos de um jogador é o mesmo que quer o Porto e o Manchester”.

Mathé (2003: XII)

"A formação é um processo longo e onde o tempo coloca cada jogador no seu lugar”.

Giraldez (2004)

"Um jogador de alto nível é aquele jogador que tem que ter condições tácticas, técnicas e também psicológicas, mas,

acima de tudo, é preciso ter uma personalidade muito forte".

Valente (2005: I)

Da revisão bibliográfica foi possível concluir que a formação de jovens

jogadores deve ter em primeira linha de conta a formação de jogadores

multifuncionais e com cultura táctica elevada de forma a poderem adaptarem-

se a diversos modelos de jogos e respectivas posições e funções que esses

modelos de jogo requerem. No Departamento de Formação do Clube

Desportivo Trofense parecem existir essas preocupações relativas à formação

dos jovens jogadores.

Segundo Sá, a integração dos jovens jogadores no plantel sénior do clube

está dependente da qualidade dos próprios jovens jogadores, ou seja, da

demonstração de alguma capacidade para integrar esse Departamento, isto

tendo em conta o nível competitivo em que a equipa sénior se encontra. Assim,

o processo de formação tem de se enquadrar numa perspectiva de qualidade e

de excelência. De acordo com Sá, o Departamento de Formação tem por

objectivo promover a formação de um jogador com elevada cultura táctica e

com uma capacidade de jogo que lhe permita resolver os problemas do jogo

com qualidade. Pretende-se, desta forma, e de acordo com Bayer (1994, in

45

Page 53: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Vieira, 2004: 26), “perspectivar a formação de um jogador inteligente,

permitindo-lhe uma autonomização na decisão e tendo por base um conjunto

de experiências vividas e intencionalmente conjecturadas”. Sá reafirma que “só

com níveis excelentes é que os nossos jogadores são cobiçados por outros

clubes, só com níveis de excelência é que os nossos jogadores conseguem

integrar o nosso Departamento Sénior”.

Sá afirma que “uma das formas de elevarmos a cultura táctica é fazer

passar o jogador por diversas situações e experiências, fazê-lo passar por

diversas posições desde as escolinhas até aos juniores. Portanto, penso que

os nossos jogadores estarão mais preparados para se adaptarem a qualquer

modelo de jogo, que não só o nosso”. Esta perspectiva de Sá parece

condizente com a de Paul (in Vieira, 2004: 30): “os jogadores que nós aqui

formamos têm uma cultura táctica que lhes permite adaptar a qualquer

modelo”. Adriaanse (in, Kormelink & Seeverens, 1997: 65) parece ter a mesma

opinião ao afirmar: “tens de encontrar jogadores multifuncionais. Eles têm de

ter a capacidade de mudar de posições. No futuro, não haverá lugar para

jogadores que só saibam jogar numa posição”. Segundo o mesmo autor,

“durante o processo de formação dos jovens jogadores do Ajax, eles jogam em

2 ou 3 posições para além daquela para a qual eles foram seleccionados”

(Adriaanse, in Kormelink & Seeverens, 1997: 65).

Da confrontação da revisão bibliográfica com a perspectiva de Sá, parece-

nos que o processo de formação no Departamento de Formação do Clube

Desportivo Trofense tem por princípio o desenvolvimento da

multifuncionalidade e da adaptabilidade dos seus jovens jogadores através da

elevação da sua cultura táctica.

46

Page 54: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

4.2.4.1. Formar jogadores com espírito colectivo, lealdade desportiva e grande capacidade de superação

“Um dos valores que ensinamos é que temos de ter espírito de superação. Muitos madridistas choraram ontem, mas

hoje levantaram-se e é essa a grandeza”.

Butragueño (2004)

“Sou um grande defensor do espírito de grupo e do trabalho conjunto”.

Mourinho (2004a)

“Não me sinto uma estrela, pois os títulos individuais acontecem quando as equipas funcionam como tal”.

Gaúcho (2005)

Na revisão bibliográfica verificamos que o processo de formação deve ter

como primado a organização de jogo da equipa num contexto de exigência, de

vitória e de colectivo. Isto porque o jovem jogador de futebol para além de

possuir inteligência específica de jogo e técnica evoluída tem de revelar

princípios de educação para se comportar como ser social e motivação para se

tornar um jogador de elite (Vale, 2004).

No Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense parece haver

também preocupação ao nível dos valores e da formação integral dos seus

jovens jogadores.

Segundo Sá, são três os principais valores fomentados ao longo do

processo de formação: “o jogador tem de possuir espírito colectivo muito forte

disponibilizando-se para as tarefas que o treinador lhe pede e que lhe solicite;

que seja leal, que tenha espírito desportivo; e, que tenha uma grande

capacidade de superação”.

Desta forma, Sá defende que o processo de formação no Departamento de

Formação do Clube Desportivo Trofense fomenta a formação integral dos seus

jovens jogadores através da elevação destes valores: “Esses valores que nós

procuramos promover em cada treino, em cada jogo, em cada contacto com os

nossos jogadores são formas de lhe dar essa formação integral”. De acordo

com o entrevistado, a formação no clube é, e não querendo substituir a escola

e a família, complementar a essas instituições.

Sá afirma mesmo que “a capacidade de jogo dos jogadores também tem de

estar em causa e também é considerada, mas acho que advém muito desses

47

Page 55: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

valores”. Esta opinião vai ao encontro da opinião defendida por Vale (2004: 16):

“um jogador pode ter muito talento, mas na nossa opinião é o carácter que

conta. São esses os grandes jogadores do futuro. É um aspecto decisivo no

jogador de elite”. Costa (2005: 51) no seu estudo afirma que “as habilidades

que um jogador demonstra em campo e que fazem dele um jogador de alto

nível têm uma estreita relação com as suas características psicológicas”. Van

Ligen (2005), treinador da Federação Holandesa de Futebol, concorda com os

autores anteriores afirmando que “os jogadores para terem sucesso, como

Steven Gerrard e Paolo Maldini, têm de ser determinados, possuir orgulho e

ambição. Têm de ser fortes na adversidade e dar o exemplo em campo”.

Os responsáveis técnicos do Departamento de Formação do Clube

Desportivo Trofense parecem fomentar ao longo do processo de formação

valores no sentido de melhorar as competências sociais e psicológicas dos

jovens jogadores de futebol, pois, como verificamos na revisão bibliográfica,

também elas estão relacionadas com as capacidades futebolísticas.

4.2.4.2. A importância dos estudos

“O clube [entenda-se Ajax] sempre me ajudou a prosseguir nos estudos”.

Witschage (1996: 19)

“No Ajax damos alta prioridade à educação”.

Adriaanse (in Kormelink & Seeverens, 1997: 74)

“Os estudos estão em primeiro lugar, porque é difícil conseguir alguma coisa no futebol”.

Vale (2005: 56)

Da revisão bibliográfica podemos constatar que a formação escolar e

académica é muito importante para os jovens jogadores e que deve ser

fomentada ao longo do processo de formação “isto porque temos de ter a

consciência de que a esmagadora maioria dos jovens jogadores nunca serão

jogadores profissionais de futebol” (Carraça, 2003a: 82). Assim, os estudos

surgem como uma garantia de futuro muito mais estável e segura. Por outro

lado, Mil Homens (2004) e Vale (2003a) referem que um jogador quanto mais

culto for, mais disponível estará para aprender desempenhando melhor

qualquer actividade.

48

Page 56: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Segundo Sá, os jovens jogadores “terão de ter um investimento muito forte

na área académica”, pois, segundo o mesmo, “têm de construir a sua vida

baseada em várias sustentos”. Vários responsáveis pela formação de grandes

clubes têm a mesma opinião de Sá. Como refere Kershaw (2003), director da

Academia de Carrington do Manchester United, “muitos dos jovens que

passam pela nossa escola nunca irão jogar no Manchester United. A grande

parte deles não irá, de certeza. Por isso, temos que os obrigar a seguirem os

estudos, porque o mais importante é que tenham sucesso na vida”. Segundo

Mil-Homens (2003), “temos a obrigação de cuidar do futuro dos jovens que

passam pela nossa casa. Os que não tiverem sucesso no futebol profissional

terão que dispor de alternativas de futuro. Por isso, é fundamental que olhem

para os estudos”. Carraça (2005a: 46) segue a mesma linha de pensamento

afirmando que os jovens jogadores “devem ter prazer em jogar e saber,

principalmente, nos escalões mais jovens, que a principal actividade das suas

vidas é a formação escolar, pois só uma pequena minoria virá a ser jogador de

futebol”.

Assim, no Departamento de Formação estão em vigor as seguintes

medidas de forma a apoiar e ajudar os jovens jogadores nos seus estudos

(Sá):

No final de cada período escolar os jovens jogadores têm de entregar

aos seus treinadores as classificações de forma a verificar-se a sua

situação escolar e, em conjunto com os pais, delinearem-se estratégias

de remediação se for necessário.

Sempre que se verifique um caso grave ao nível escolar, o Coordenador

Técnico intervém pessoalmente falando com o jogador e com a família

de forma a remediar a situação.

A dispensa de jogadores dos treinos por motivos escolares é permitida

sem, todavia, prejudicar os jogadores nas convocatórias para os jogos.

Os treinadores têm conhecimento deste princípio e têm-no em

consideração.

O clube estabeleceu um protocolo com um centro de estudo que dispõe

de preços mais reduzidos para os jogadores do clube.

49

Page 57: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Das respostas de Sá, verificamos que no Departamento de Formação do

Clube Desportivo Trofense existe uma preocupação com a formação escolar

dos seus jogadores fazendo jus ao constatado na revisão bibliográfica.

4.2.5. Treinadores identificados com o Projecto de Formação

“Nos outros lados, a cada mudança de treinador corresponde uma mudança de estratégia e de conceitos tácticos. Aqui

não, quem chega tem de entrar no sistema ”.

Adriaanse (1996: 21)

A partir da revisão bibliográfica, podemos aferir que o mais importante num

grupo de treinadores de um Departamento de Formação é que estes

“funcionem no mesmo comprimento de onda, que a linguagem seja a mesma

sobre as questões fundamentais” (Vale, 2003a: LXXIX). Sá parece estar de

acordo com esta ideia.

De acordo com Sá, o critério principal subjacente à escolha dos treinadores

do Departamento de Formação passa pela “disponibilidade dos mesmos de

aceitarem o projecto, interpretá-lo e levá-lo a efeito”. Este procedimento vai ao

encontro da opinião de Leal & Quinta (2001: 48) que afirmam que “os técnicos

envolvidos num projecto de formação devem possuir uma concepção unitária

quer de clube, quer de jogo, quer de treino, quer do próprio modelo de jogador

a formar. Unificar os critérios dos diferentes treinadores dos diferentes escalões

é eliminar a possibilidade de conflitos perturbadores da normal evolução do

jovem jogador”.

Sá reforça a ideia referindo que os treinadores “têm de ser pessoas

disponíveis e não podem ser pessoas convencidas de que aquilo que sabem é

mais importante que o projecto, ou seja, a disponibilidade das pessoas deve

ser: «aquilo que sei está ao dispor do projecto». Os treinadores têm de se

disponibilizar para aceitarem e levarem a cabo o que o projecto indica”. Esta

posição de Sá parece condizente com a opinião de Adriaanse (in Kormelink &

Seeverens, 1997: 72) que afirma que “todos os treinadores têm um limite de

liberdade de acção no sistema do Ajax. Primeiro, eles têm de perceber a

globalidade da filosofia do Ajax”.

50

Page 58: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Contudo, como referimos na revisão bibliográfica, esta concepção unitária

do projecto não deverá implicar restrições ao nível da criatividade individual dos

treinadores limitando a evolução dos mesmos e do projecto em si. Sá concorda

com a nossa opinião referindo que os treinadores “têm de ser pessoas capazes

de inovar dentro das directrizes do projecto”. E, segundo o mesmo, outro

critério fundamental que os treinadores devem possuir é um espírito crítico

muito forte de forma a discutirem a eventual necessidade de alteração de

algum sub-princípio do projecto. No entanto, Sá reitera que “as pedras básicas

da filosofia têm de estar sempre presentes”.

Desta forma, podemos afirmar que a preocupação relativamente à

existência de uma visão comum do Projecto de Formação por parte de todos

os treinadores é uma preocupação do Coordenador Técnico do Clube

Desportivo Trofense, indo ao encontro da revisão bibliográfica por nós

realizada.

4.2.5.1. Formação dos treinadores através do diálogo e do debate e sessões de esclarecimento

A formação contínua dos treinadores promovida pelos próprios clubes foi

apontada na revisão bibliográfica como uma medida que teria como principal

objectivo conduzir os treinadores para uma forma de trabalhar comum. Foi,

inclusivamente, referidos os exemplos do Real Madrid e do Sporting Clube de

Portugal onde os seus responsáveis realizaram sessões de formação para os

seus técnicos.

Segundo Sá, “o clube [Desportivo Trofense] não investe na formação dos

seus treinadores com dinheiro, mas é claro que quando chega algum convite

ao clube para acções de formação ou cursos o coordenador faz chegar aos

treinadores essa informação”. Todavia e de acordo com o entrevistado, o maior

investimento passa pela discussão proporcionada durante as reuniões de

treinadores, porque cada treinador tem a sua perspectiva das situações

debatidas havendo, desta forma, um enriquecimento mútuo. Sá referiu,

igualmente, a realização de sessões de esclarecimento em determinados

momentos da época desportiva, dando o exemplo de uma sessão realizada o

ano passado onde foram abordados alguns dos princípios da organização do

51

Page 59: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

modelo de jogo adoptado no Departamento de Formação onde estiveram

presentes quer os treinadores, quer os jogadores, sendo um momento

formativo.

No Clube Desportivo Trofense apesar da inexistência de investimento

financeiro na formação dos seus treinadores parece haver uma preocupação

por parte do Coordenador Técnico em fomentar a discussão e o debate de

ideias durante as reuniões de treinadores para que todos possam partilhar

experiências e, desta forma, enriquecer os seus conhecimentos.

4.2.5.2. Documento orientador do processo como testemunho dos princípios orientadores do Projecto de Formação

O documento orientador do processo é, de acordo com a revisão

bibliográfica, um documento extremamente importante, porque define os

princípios do modelo de jogo que se pretende implementar na equipa e, ao

mesmo tempo, dar a conhecer objectivamente aos treinadores do

Departamento de Formação as ideias chave que lideram todo o processo de

construção da equipa (Mourinho, in Lourenço, 2003; Mourinho, 2003a).

Segundo Sá, o documento orientador do processo tem duas vertentes. A

primeira, passa por dar a conhecer os princípios orientadores do processo, ou

seja, um documento escrito de fácil acesso e que possa ser usado por várias

pessoas e em vários momentos. Por outro lado, Sá aponta como importante

este documento porque permite a continuidade do processo caso as pessoas

que o lideram abandonem o projecto em determinado momento. Isto para que

as pessoas que passam a liderar o projecto possam dar continuidade ao

mesmo.

Segundo Carraça (2005b: 13), no novo Projecto de Formação do Sport,

Lisboa e Benfica “todos os técnicos do futebol de formação – desde as escolas

à equipa B – irão trabalhar com o mesmo modelo de treino e de jogo, tendo as

normas sido passadas ao papel num documento com 140 páginas, já entregue

e explicado a todos os treinadores do departamento”.

Assim, podemos finalizar referindo que a opinião de Sá vai ao encontro da

revisão bibliográfica que aponta o documento orientador do processo como

importante, pois permite dar a conhecer e definir objectivamente os princípios

52

Page 60: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

orientadores do processo. Sá acrescenta que este permite dar continuidade ao

processo caso mudem as pessoas que lideram o processo.

4.2.6. Principais dificuldades encontradas na implementação do Projecto de Formação

Da revisão bibliográfica verificamos que as principais dificuldades

apontadas para a não implementação de um modelo de clube foram: a não

estabilização de uma estrutura directiva; pouca estabilidade do treinador da

equipa principal; inexistência de qualquer projecto bem elaborado com regras

bem definidas; a formação dos treinadores, a necessidade de se identificarem

com um determinado projecto e a capacidade de operacionalização condizente

com esse projecto; o não estabelecimento de objectivos a médio e a longo

prazo.

Segundo Sá, a implementação do Projecto de Formação no Clube

Desportivo Trofense teve igualmente várias dificuldades, mas apontou outros

motivos. Primeiro, a resistência ao novo. De acordo com o entrevistado, os

anteriores responsáveis pelo processo de formação tinham um modo de

proceder diferente e a adaptação aos novos princípios do Projecto de

Formação teve a resistência dos jogadores, dos directores e dos espectadores,

nomeadamente, dos pais. O segundo motivo esteve relacionado com a falta de

qualidade e de quantidade do material e das infra-estruturas aquando do início

do projecto. Por fim, Sá apontou o problema financeiro do clube, pois os seus

responsáveis têm dificuldades em pagar os honorários aos seus treinadores o

que torna “uma dificuldade muito grande cativarmos treinadores com os

ordenados que lhes damos” (Sá).

Assim, podemos concluir que as dificuldades encontradas para a

implementação do Projecto de Formação resultaram de um contexto

específico, onde a resistência ao novo, a falta de material e de infra-estruturas

e o problema financeiro do clube foram apontados como principais obstáculos.

53

Page 61: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

4.3. COORDENADOR TÉCNICO COMO O GARANTE DO PROJECTO DE FORMAÇÃO

Na revisão bibliográfica verificamos que o Coordenador Técnico tem como

principal função verificar a continuidade e a similaridade de processos nos

diferentes escalões quer ao nível do treino, quer ao nível do jogo. Para Leal &

Quinta (2001), o Coordenador Técnico estabelece a interligação entre os

diversos departamentos, os diversos escalões e os diversos treinadores do

clube, uniformizando para isso critérios de selecção, de orientação e,

fundamentalmente, de acção.

Segundo Sá, o Coordenador Técnico é o responsável pela manutenção da

filosofia implementada no Departamento de Formação, sendo o garante de que

os princípios orientadores do projecto estão inerentes às decisões de todos os

participantes do processo de formação (jogadores, treinadores e directores). É

o coordenador que faz a ligação transversal entre os diferentes elementos,

mantendo a coerência da filosofia. Sá afirma mesmo que “as coisas que se

fazem não se fazem à revelia da filosofia”.

Desta forma podemos concluir que a função principal do Coordenador

Técnico do Clube Desportivo Trofense está de acordo com a revisão

bibliográfica realizada.

4.3.1. Funções do Coordenador Técnico do Clube Desportivo Trofense

A função principal do Coordenador Técnico é, de facto e segundo Sá, de

ser o garante do projecto, ou seja, tentar verificar que tudo o que é decidido no

Departamento de Formação tem por base os princípios orientadores do

projecto. Assim, as restantes tarefas do Coordenador do Departamento de

Formação do Clube Desportivo Trofense indicadas por Sá são as seguintes:

Observação de jogos e treinos para posterior discussão com os

treinadores.

Observação de jogadores para, em conjunto com os treinadores,

referenciar aqueles que demonstram comportamentos de excelência.

54

Page 62: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Participar nas decisões dos treinadores. Sempre que há alguma dúvida,

quer por solicitação do treinador, quer por observação do próprio

coordenador, este último dá apoio aos treinadores no sentido de os

ajudar a decidir, discutindo soluções e as situações dos treinos e dos

jogos.

Garantir a ligação entre o corpo directivo e o corpo

jogadores/treinadores.

Substituir um treinador que não possa comparecer ao treino ou ao jogo.

Intervir junto dos Pais sempre que surja algum problema com os jovens

jogadores, como por exemplo, problemas do foro académico.

Estabelecer a ligação entre o Departamento de Formação e o

Departamento Sénior com ajuda do Supervisor Técnico, nomeadamente,

na indicação de jogadores que demonstrem comportamentos de

excelência para participarem nos treinos do plantel sénior e na indicação

de jogadores para integrarem o plantel sénior após a subida de escalão.

Organizar reuniões com os treinadores do Departamento de Formação e

sessões de esclarecimento relativamente a temáticas relacionadas com

o Projecto de Formação.

Dar a conhecer o regulamento interno. Participar em decisões do foro

disciplinar que não estejam previstas no regulamento interno.

Quase todas as tarefas indicadas na revisão bibliográfica são assumidas

pelo Coordenador Técnico do Clube Desportivo Trofense. Sá não referiu:

elaboração de organigrama técnico, horários, grupos de treino, distribuição de

espaços; organização de competições para os grupos de Escolas; testes e

sociogramas; organização de actividades de final de semestre e de curso;

formação dos Directores de Equipa; e, autoformação. Por outro lado, indicou

funções que não encontramos na revisão bibliográfica: observação de

jogadores para, em conjunto com os treinadores, referenciar aqueles que

demonstram comportamentos de excelência; participar nas decisões dos

treinadores; e, substituir um treinador que não possa comparecer ao treino ou

ao jogo.

55

Page 63: A importância da formação no futebol

Apresentação e análise da entrevista

Contudo, e de acordo com a revisão bibliográfica, pensamos que as

funções desenvolvidas pelo Coordenador Técnico do Departamento de

Formação do Clube Desportivo Trofense ajudam a promover a aplicação dos

princípios orientadores do Projecto de Formação.

56

Page 64: A importância da formação no futebol

Conclusões

5. CONCLUSÕES

“O futebol de formação não é um custo é um investimento”.

Carraça (2005b: 12)

Este estudo permite-nos concluir que o Clube Desportivo Trofense promove

o investimento na formação tendo como principal objectivo a integração de,

pelo menos, três jovens jogadores todas as épocas desportivas no plantel

sénior, aquando da passagem de escalão de juniores para o escalão de

seniores.

Todavia, esta medida não cai no vácuo, pois parte destes jovens jogadores

participam regularmente na competição que o clube integra actualmente (2ª

Divisão Nacional), permitindo a sua evolução e, ao mesmo tempo, a sua

promoção enquanto jogadores de futebol.

Este procedimento permitiu-nos também concluir que o investimento na

formação tem três vantagens fundamentais: vantagens financeiras (o clube

como formador dos seus próprios jogadores); vantagens desportivas (os

jogadores desenvolvem um sentimento de identificação relativamente ao

clube); e, vantagens sociais (promoção da prática desportiva entre os jovens da

localidade).

Relativamente aos factores fundamentais para a construção de um

processo de formação de qualidade, a revisão bibliográfica e a opinião do

entrevistado permitiram concluir que é necessário que o processo de formação

tenha qualidade relativamente a três aspectos essenciais: as pessoas, as

condições de trabalho e um projecto de formação.

Quanto à implementação do Projecto de Formação, é possível concluir que

é uma medida adequada, dado que a implementação de uma filosofia de

clube/modelo de clube é de difícil concretização devido à vulnerabilidade do

cargo de treinador principal da equipa sénior do clube. Assim, o Departamento

de Formação desenvolveu um Projecto de Formação autónomo do

Departamento Sénior de forma a garantir continuidade de processos tendo em

conta que a formação é um processo longo e contínuo no tempo. As linhas

orientadoras definidas para o projecto são as seguintes: um modelo de jogo

57

Page 65: A importância da formação no futebol

Conclusões

adoptado comum para todos os escalões; um modelo de treino adoptado

comum para todos os escalões; conjunto alargado de equipas em competição;

e, a escolha de treinadores com espírito crítico muito forte, dinâmicos,

empreendedores e sempre disponíveis para aprender.

Este estudo permitiu também concluir que o Departamento de Formação do

Clube Desportivo Trofense tem por objectivo promover a formação de

jogadores com elevada cultura táctica e com uma capacidade de jogo que lhes

permita resolver os problemas do jogo com qualidade. Por outro lado, o

Departamento de Formação definiu também como importante o

desenvolvimento da formação integral dos seus jogadores, quer através da

fomentação de valores no contacto diário com os seus responsáveis, quer

através de medidas de incentivo e de apoio relativamente aos seus estudos.

Quanto à escolha de treinadores para o Departamento de Formação do

Clube Desportivo Trofense o principal critério de escolha passa pela

disponibilidade por parte dos técnicos em aceitar a filosofia do Projecto de

Formação para que possam interpretar e operacionalizar os seus princípios. A

formação dos treinadores é estimulada através das reuniões periódicas dos

treinadores do Departamento de Formação e de sessões de esclarecimento

promovida pelo Coordenador.

No Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense existe um

documento orientador de processo que tem como principais objectivos, dar a

conhecer e definir objectivamente os princípios orientadores do processo e

permitir a continuidade do mesmo caso mudem as pessoas que o lideram.

As principais dificuldades encontradas na implementação do Projecto de

Formação foram, num primeiro momento, a resistência à novidade e à

mudança, e a falta de qualidade e de quantidade do material e das infra-

estruturas, e, à posteriori, a persistência de problemas financeiros do clube que

impedem a cativação de elementos técnicos para o clube.

Relativamente ao Coordenador Técnico do Departamento de Formação do

Clube Desportivo Trofense é possível concluir que a sua principal função é a de

ser o garante da aplicabilidade dos princípios orientadores do Projecto de

Formação. O Coordenador Técnico é, também, o elemento que estabelece a

58

Page 66: A importância da formação no futebol

Conclusões

ligação entre o Departamento de Formação e o Departamento Sénior, através

da indicação de jogadores que demonstrem comportamentos de excelência

para participarem nos treinos do plantel sénior e para integrarem o plantel

sénior após a subida de escalão.

59

Page 67: A importância da formação no futebol

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65

Page 73: A importância da formação no futebol

Anexo

7. ANEXO

66

Page 74: A importância da formação no futebol

Anexo

Entrevista com o Mestre Pedro Sá

Coordenador Técnico do Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense

Escola Secundária da Trofa, 9 de Novembro de 2005

Hélder Lemos (H.L.): Que importância tem a formação para o clube? Pedro Sá (P.S.): A formação para o nosso clube, portanto, estamos a falar do Clube

Desportivo Trofense, tem uma importância vital, porque já está a dar alguns jogadores para

preencher o quadro sénior do clube. Para preencher ou pelo menos fazerem parte desse

quadro. Actualmente, temos no plantel sénior 10 jogadores que passaram pelo nosso

Departamento de Formação, sendo que 5 deles jogam regularmente. E isso traz muitas

vantagens. Por exemplo, não é preciso comprar jogadores ou pelo menos o Departamento

Sénior não vive somente dos jogadores disponíveis no mercado, pois o clube forma os seus

próprios jogadores. Há, portanto, uma vantagem financeira muito importante para o clube. Por

outro lado, esses mesmos jogadores têm uma ligação sentimental ao clube completamente

distinta relativamente a um jogador contratado. E, aliás, um dos objectivos deste projecto

passava pela constituição maioritária do plantel sénior com jogadores da terra. E é também um

serviço público. Desde que conheço o Clube Desportivo Trofense tem tido sempre escalões de

formação e, por isso, é um serviço público, porque os jovens da terra têm a oportunidade de

praticarem com um enquadramento, mais ou menos de qualidade, de praticar uma modalidade

que gostam gratuitamente na maior parte dos casos, agora já temos alguns escalões de

formação em que se cobra alguma coisa, mas não deixando de ser um serviço público, pois

está aberto a toda a gente e aceita toda a gente pelo menos nos escalões etários mais baixos.

E, portanto, tem uma importância, quer pela imagem que deixa passar para cá para fora e quer

com um objectivo muito prático de formar jogadores para o Departamento Sénior.

H.L.: Quais são os objectivos do Departamento de Formação do clube? P.S.: Os objectivos do Departamento de Formação do clube estão bem descritos no projecto

que elaboramos, contudo, daqueles que eu quero salientar mais talvez seja “formar homens

que jogam”. É uma frase que aparece no projecto e esse é um dos objectivos fundamentais do

projecto que quer dizer o seguinte: a nossa preocupação não está só na excelência

futebolística está também na excelência social, na excelência cultural, digamos, numa

contribuição para a formação integral dos nossos jogadores. Outro objectivo é de termos pelo

menos três jogadores por ano a passar dos juniores para os seniores, ou seja, a passar do

escalão de juniores para os seniores, claro, desde que haja garantia da tal excelência ou, pelo

menos, de alguma capacidade para integrar esse Departamento. O número não é fixo é,

digamos assim, uma referência, para nós, porque temos de ter alguns objectivos quantitativos,

I

Page 75: A importância da formação no futebol

Anexo

algo ligado à quantidade das coisas, e por isso, tem essa referência de três, mas podem ser

mais ou menos, já têm sido mais e já têm sido menos. Outro objectivo é adoptar um modelo de

jogo que seja adaptado e adoptado a todos os escalões de formação do clube. A par deste,

existe um outro que é o adoptar uma metodologia de treino comum e adequada a cada escalão

no sentido de dar corpo ao modelo de jogo adoptado. Além disso, temos um que funciona

como meta objectivo que é o de construir uma cultura desportiva futebolística baseada no rigor

e no contributo individual em prol do colectivo. Claro que os outros também são importantes.

Por exemplo, há um que me estou a lembrar agora que é o de que propusemos que em 4 anos

desde que o projecto começou de levar equipas ao nacional, portanto ao Campeonato

Nacional. Se bem que esse objectivo, por exemplo, o ano passado nós estivemos na fase final

de Iniciados portanto de acesso ao nacional e falhamos o acesso, esse objectivo é um,

digamos, objectivo de meta, de finalidade. Por isso, vamos ver talvez este ano consigamos

pelo menos estar nas fases finais de um ou dois escalões.

H.L.: Como já disseste, o clube tem um projecto de formação. Indica quais as suas principais linhas orientadoras. P.S.: As suas principais linhas orientadoras são um modelo de jogo adoptado para todos os

escalões. Isto é uma condição fundamental, quanto a mim, num projecto desta natureza, tendo

em conta que funciona como referência quer para os treinadores, quer para os jogadores, quer

para os espectadores, pois será o nosso bilhete de identidade a mostrar em qualquer sítio.

Temos um modelo de treino adoptado em comum, ou seja, a metodologia de treino que está

subjacente também a uma certa filosofia de pensar de quem elaborou o projecto e por isso é

comum a todos os escalões. Depois temos também um conjunto alargado de equipas em

competição, o maior número possível de equipas em competição: actualmente temos 11

equipas, mas o nosso objectivo é ter algumas mais, nomeadamente, nas escolinhas e nos

infantis. Actualmente, temos 3 equipas de escolinhas e 3 de infantis, mas o ideal era ter 5 ou 6

equipas de escolinhas e as 3 de infantis é razoável. Mas alargar muito a base para depois daí

podermos colher alguns frutos. Outra linha orientadora é a escolha dos treinadores: os

treinadores que trabalham connosco têm que ser treinadores com espírito crítico muito forte,

ser pessoas dinâmicas, empreendedoras, e sempre disponíveis para aprender. E pronto, como

linhas orientadoras e principais é isto basicamente.

H.L.: Quais os aspectos fundamentais para se construir um processo de formação de qualidade? P.S.: O aspecto fundamental para mim são as pessoas. Aquilo que dá corpo a um projecto de

qualidade são as pessoas. É claro que depois, e aqui estou a falar de jogadores, treinadores,

directores, pais e espectadores, portanto, todo esse envolvimento humano é que pode dar ou

não dar, e é decisivo para dar, a qualidade a um processo de formação. De qualquer forma,

sem campos não se pode treinar e jogar, sem bolas não se pode jogar, e portanto é necessário

II

Page 76: A importância da formação no futebol

Anexo

que hajam essas condições e quanto mais e melhores forem essas condições de infra-

estruturas melhor. Depois, ou antes mesmo, existir de facto, quanto a mim que é fundamental,

um projecto de formação com uma série de princípios, uma série de referências que nos

indiquem de onde começamos e para onde queremos ir. Portanto, nós podemos ter as pessoas

e as infra-estruturas, mas não tendo o volante, não tendo quem nos oriente, para onde vamos

e o que queremos fazer, vai falhar qualquer coisa. Vamos navegar à vista e isso é

problemático.

H.L.: Quais os principais valores fomentados ao longo do processo de formação? P.S.: No nosso processo de formação aquilo que… estamos a falar para os jogadores?

H.L.: Sim, para os jogadores. P.S.: Aquilo que nós queremos como perfil de jogador, digamos assim, é que o jogador tenha

um espírito colectivo muito forte que se disponibilize para as tarefas que o treinador lhe pede e

que lhe solicite. Que seja leal, que tenha espírito desportivo, que conheça a cultura desportiva

nomeadamente a do futebol, pronto, lá está, o que disse anteriormente, formar homens que

jogam tudo isto entra aqui. E uma grande capacidade de superação! Normalmente os nossos

jogadores de referência são aqueles jogadores que não se contentam com aquilo que sabem e

procuram mais e fazem-no todos os dias na tentativa de se superarem. É claro que a

capacidade de jogo dos jogadores também tem de estar em causa e também é considerada,

mas acho que advém muito do que se disse antes.

H.L.: De que forma a formação no clube contribui para a formação integral dos jovens jogadores? P.S.: Eu penso que já está um pouco respondido atrás. Esses valores que nós procuramos

promover em cada treino, em cada jogo, em cada contacto com os nossos jogadores são

formas de lhe dar essa formação integral. Claro que nós não podemos substituir a escola, os

pais, somos mais um complemento disso tudo. Portanto, é nessa perspectiva, que acentuamos

o espírito colectivo, acentuamos a lealdade e o espírito desportivo, a capacidade de superação

como esse complemento à escola e àquilo que os pais lhes podem dar em casa. E, por aí, nós

não querendo substituir dizemos que é uma formação integral precisamente por somos

complementares. Não queremos separar aquilo que os pais fazem, nem aquilo que a escola

faz, mas queremos complementar aquilo que essas instituições e, nomeadamente, a escola e a

família, fazem.

III

Page 77: A importância da formação no futebol

Anexo

H.L.: Qual a importância que o clube atribui à formação escolar e académica dos seus jovens jogadores? P.S.: O clube… Mais o Departamento de Formação, aliás, a nossa preocupação é tanta com a

formação académica dos jogadores que após as classificações dos períodos escolares nós

pedimos que os jogadores nos tragam essas classificações para avaliarmos o estado deles e

para, se possível, em conjunto com os pais delinear estratégias de remediação quando é

necessário. Inclusive, temos um protocolo com um centro de estudos que faz preços mais

reduzidos para os jogadores do clube, e, portanto, tentamos inteirarmo-nos da situação. O

coordenador, quando há um caso dramático intervém pessoalmente falando com o jogador e

com a família de forma a remediar a situação. No caso dos alunos excelentes, a mesma coisa.

Nós não nos preocupamos somente com aqueles que têm excesso de notas menos positivas,

mas, também, com aqueles que têm boas notas e, portanto, queremos que continuem a tirar

boas notas. A nossa preocupação é essa! Por exemplo, nós dispensamos um jogador dos

treinos, e ele não é prejudicado na convocatória. Os treinadores sabem disso e têm esse

princípio em consideração. Muitas vezes e em conversa com os próprios jogadores falamos do

exemplo da cadeira que não se segura numa perna só, têm de construir a sua vida baseada

em várias sustentos, digamos assim, o futebol pode ser um mas eles terão de ter outros para

se apoiarem. Terão de ter um investimento muito forte na área académica. Pelo menos, naquilo

que for essencial e se pretenderem irem mais à frente que partam para as licenciaturas e por aí

fora.

H.L.: O que entendes por filosofia de clube/modelo de clube? P.S.: Para mim, filosofia de clube e modelo de clube é basicamente a mesma coisa. Pelo

menos, na minha cabeça quer dizer a mesma coisa. E são princípios orientadores de actuação

que o clube tem que ter bem discriminados. Tem que estar bem esclarecido qual é o princípio

de actuação mediante determinada situação para que depois não haja dúvidas e de uma vez

se responda de uma maneira e depois se responda de outra. O modelo é um mapa que nos

orienta para onde queremos ir e tem de ser coerente. Essas linhas orientadoras têm de ser

coerentes. Portanto, não podemos pedir por um lado, por exemplo, que os jogadores tenham

capacidade de superação e por outro amenizar as coisas, ter uma atitude de laxismo e de

relaxamento, ou seja, tem de ser coerente e aquilo que pedimos por um lado tem de reforçar

do outro. Para que o clube tenha uma filosofia é preciso que isso esteja bem discriminado e

bem descrito e que haja coerência nesses princípios. Claro que o exemplo pode ser dado ao

nível do treino ou do jogo, mas posso também falar ao nível directivo ou também ao nível de

organização dos departamentos, etc. Tudo tem de ser coerente com essa filosofia/modelo de

clube, com esse mapa geral de clube. Eu não conheço nenhum clube assim, que tenha bem

definido… Quer dizer, eu ouço e leio que o Ajax tem de facto aí uma filosofia… é evidente que

há ali uma coerência entre os princípios de actuação do clube: contratações, modelo de jogo,

mesmo do ponto de vista da contratação de treinadores, etc. Há ali uma certa coerência de

IV

Page 78: A importância da formação no futebol

Anexo

procedimentos. Não conheço mais nenhum clube assim. É claro que alguns evidenciam quanto

mais não seja, por uma certa cultura de clube que se proceda dessa maneira, mas que esteja

descrito para as pessoas que lá trabalham. Não sei bem. É claro que eu acho que no nosso

departamento de formação temos um bocadinho disso, sobretudo, no departamento de

formação. Em que há, pelo menos no que diz respeito aos treinadores, jogadores e directores

há um modo de proceder que está descrito e é evidente, e, porque já tem algum tempo, já é

cultural. Quando os problemas surgem, quando é preciso tomar uma decisão, está inerente a

filosofia do clube, está, neste caso, inerente a filosofia do departamento. Porque toda a gente

conhece e reconhece essa filosofia, quer através de documentos escritos, quer através de uma

certa cultura que já está implementada.

H.L.: Qual a importância da implementação de uma filosofia de clube/modelo de clube para o sucesso de um processo de formação? P.S.: Os projectos de formação, se são de formação, vão demorar tempo. Não se pode aspirar

a formar jogadores em um ano, por exemplo. Esses projectos têm de ser superiores a um ano.

Se tem de ser superior a um ano as pessoas que estão hoje no clube podem não ser as

mesmas que estão amanhã. Portanto, o clube precisa de garantir uma certa continuidade de

processos para que haja formação. Para sabermos se a filosofia se implementa ou não, se há

formação ou não há, ou se a escola de formação tem qualidade ou não tem, é preciso que haja

continuidade no tempo. Ora, a garantia de futuro é dada através desses projectos. Quer dizer,

começando a projectar desde muito cedo, por exemplo, das escolinhas até, pelo menos,

chegar aos juniores, num espaço mais ou menos de 10 anos. Que é quanto devia durar pelo

menos um projecto que é para ver se de facto se o trabalho efectuado nas escolinhas dura até

aos juniores. O processo é longo, portanto, é preciso uma certa garantia de futuro. Essa

filosofia estando bem descrita, bem implementada, que se transforme em cultura, depois

podemos ver os resultados mais tarde. É daí que é importante a implementação de uma

filosofia. Se não, o que acontece é o que acontecia até há bem pouco tempo: mudam-se as

direcções, mudam os treinadores, mudam os métodos de treino, mudam os modelos de jogo,

mudam os esquemas todos, depois temos de reiniciar um novo processo. E, portanto, quem vai

ser prejudicado vão ser os jogadores que não têm essa referência de continuidade, não têm

garantia de futuro. Daí que seja importante a implementação da filosofia de clube.

H.L.: O que entendes por modelo de jogo? P.S.: Bem, modelo de jogo para mim é um conjunto de princípios orientadores coerente que

nos orientam para a organização das fases de jogo e das suas transições. É um mapa. Modelo

comparo-o sempre a um mapa, que nos orienta, que nos diz em princípio quais são os

comportamentos desejáveis em determinada altura do jogo.

V

Page 79: A importância da formação no futebol

Anexo

H.L.: Qual a importância da existência um modelo de jogo comum para todas as equipas do Departamento de Formação? P.S.: O modelo de jogo funciona como referência para todos os escalões no sentido de ser

para nós – e isso seria fácil de demonstrar – que alguém que conhece o modelo de jogo nas

escolinhas e se ele se mantiver até aos juniores a sua adaptação a esse modelo de jogo se

fará com mais eficácia e, portanto, não sendo redundante, ou seja, não estamos sempre a

massacrar no mesmo porque até a nosso conceito é de periodização táctica, ou seja, nós

temos um enfoque em determinados princípios conforme o escalão etário dos jovens

jogadores. Portanto, há uma certa periodização táctica na apropriação e na aquisição desses

princípios de jogo durante a formação, e portanto, a garantia de que as referências não mudam

é que nos permite fazer isso. A garantia de se mantêm essas referências é mais fácil

adaptarmo-nos ao longo do processo de formação.

H.L.: O que entendes por modelo de treino? P.S.: O modelo de treino também é um mapa: é um conjunto de princípios que orienta o

planeamento e a realização do treino e até a sua avaliação. Portanto, continua a ser um mapa

que depende do modelo de jogo, que está inerente ao modelo de jogo, à filosofia de clube.

Para além de prever o planeamento, a realização e avaliação dos exercícios também prevê a

intervenção dos treinadores, sendo este aspecto, também importante. Que preveja os

princípios de actuação dos treinadores mediante determinadas situações.

H.L.: Qual a importância da existência um modelo de treino comum para todas as equipas do Departamento de Formação? P.S.: Como nós temos alguns jogadores referenciados que a determinada altura da época

passam a treinar e a jogar em escalões superiores e para que não haja um choque adaptativo

muito forte entre as equipas, o modelo de treino comum ajuda os jogadores a passar de um

escalão para o outro sem sentirem grande impacto. Além disso ajuda-nos e ajuda os jogadores

a construir um conjunto de referências mesmo ao nível do treino, nomeadamente, nos

objectivos e nas exigências dos exercícios que por adaptação os vai, ao longo do tempo,

favorecer na criação de certos hábitos que queremos implementar, pois esses constituem-se

como fundamentais no modelo de jogo. Nós temos exercícios de referência que achamos que

tem um impacto positivo na apropriação dos princípios do nosso modelo de jogo e, por isso, é

facilitador se tivermos um modelo de treino comum e que, esses exercícios, estando

espalhados ao longo do processo de formação, os jogadores se vão adaptando a eles e vão

criando hábitos de treino e de jogo.

VI

Page 80: A importância da formação no futebol

Anexo

H.L.: O modelo de jogo e o modelo de treino adoptado no Departamento de Formação tem em consideração o modelo de jogo e o modelo de treino adoptado na equipa sénior dada essa preocupação em colocar jogadores formados no clube na equipa sénior do mesmo? P.S.: Não, actualmente não. Não é que eu veja isso como um empecilho. Tenho a certeza que

seria muito interessante que o Departamento Sénior e o Departamento de Formação tivessem

o modelo… lá está, que a filosofia de clube fosse longitudinal, que fosse de baixo para cima e

tivesse essa coerência. Mas não tem.

H.L.: Mas porque é que não tem? P.S.: O problema é que actualmente no nosso clube e penso que nos demais não está

implementada essa tal filosofia de clube, algo que oriente a trajectória do clube durante algum

tempo. E, dado o contexto actual o que é que acontece? A meio da época a equipa sénior não

está a ter resultados e inevitavelmente, ou tem sido a regra geral, o treinador vai embora. Ora,

vindo outro e o clube não tendo essa filosofia de clube implementada, ou seja, não dizendo do

treinador para aquilo que ele vem, ele chega cá e altera tudo. Ora, um Departamento de

Formação que tem o prazo de vida, como eu disse, desejável de pelo menos 10 anos não vai

estar a mudar a cada 6 meses ou 1 ano o seu rumo. É preciso que a trajectória seja definida

pelo clube e que se ela estiver definida nós nos adaptamos a ela. O problema é que não há

garantias dessa trajectória. 10 anos é muito tempo na vida de um clube, pelos vistos, e

ninguém consegue suportar um treinador mais que dois anos. Daí, que fosse necessário estar

a alterar sempre as nossas convicções. Se é convicção para o Departamento de Formação,

deveria ser também convicção para clube. Não sendo, não podemos estar sempre a alterar em

função…

H.L.: Mas o ideal seria… P.S.: Eu não tenho dúvida que sim, sobretudo para os clubes de formação, para os clubes que

querem ter uma filosofia de formação. Para os clubes de rendimento, não sei se seria. Para os

clubes que querem estar no topo não sei se seria. Agora, no nosso caso, que é um clube que

se auto-intitula um clube de formação, ou virado para a formação, era desejável que o

Departamento de Sénior tivesse, também integrado… Ou então ao contrário, que o

Departamento de Formação tivesse integrado nessa filosofia, mas têm de garantir ao

Departamento de Formação que pelo menos em 10 anos não mudaríamos de rumo. Já não

peço tento, pelo menos uns 4 ou 5 anos. Não pode ser: “Tens a garantia de cá ficar 6 meses”.

H.L.: O que entendes por formação de excelência futebolística (conceito presente no documento orientador do processo)? P.S.: Esta formação para a excelência é um conceito que mesmo no âmbito académico tem

fugido… A democracia veio democratizar demais as coisas e então achamos que devemos

VII

Page 81: A importância da formação no futebol

Anexo

todos corresponder à média. Ora, eu acho que tem pernas para andar e deve andar. Ou seja,

quem tem capacidades para ter comportamentos de excelência, nomeadamente, futebolística,

deve-se promover o mais possível para que esses tenham essa possibilidade de chegar à

excelência. Porque o que acontece no Departamento de Formação é que em cada equipa e

mediante o escalão etário há um determinado número de jogadores referenciados como

jogadores de referência, passe o pleonasmo, e aquilo que achamos é que já demonstram

alguns comportamentos de excelência. Se nós queremos uma formação para a excelência

temos é de potenciar ainda mais a capacidade dos nossos jogadores para atingirem esse nível

de excelência. Portanto, só com níveis excelentes é que os nossos jogadores são cobiçados

por outros clubes, só com níveis de excelência é que os nossos jogadores conseguem integrar

o nosso Departamento Sénior. Assim, temos de caminhar para isso. Não descurando os

outros, aqueles que ainda não são capazes de manifestar esses comportamentos. E, portanto,

não descurando isso, aquilo que pretendemos é de facto formar para a excelência, ou seja,

para a manifestação de determinados comportamentos de excelência futebolística e, se

possível, o maior número de comportamentos.

H.L.: Então, a formação de excelência visa para além de formar jogadores para o clube, a promoção dos mesmos para uma eventual venda para outros clubes. P.S.: Claro, com certeza. Eu penso que qualquer processo de formação seria muito limitador se

só tivesse como objectivo o quadro sénior do próprio clube, porque todos os anos saem

jogadores, pelo menos 16 ou 17 dos juniores, se todos fossem integrados no Departamento de

Formação teríamos um excedente. Infelizmente, não temos 16 jogadores de referência ou de

excelência, que manifestem comportamentos de excelência, lá está a referência deve ser lá

para os 3. De qualquer forma, aquilo que pensamos é que se for possível que os nossos

jogadores sejam desejados por outros clubes a meio ou no final no processo de formação tanto

melhor para nós. Quererá dizer que aquilo que andamos a fazer é bom. É bom porque se os

comportamentos de excelência se manifestarem muitas vezes, se forem consistentes, quer

dizer que os nossos jogadores estão a adquirir aqueles hábitos e aqueles princípios e valores

que falei em cima que queremos incutir nos jogadores, é sinal de que eles estão a apropriar

essa maneira de estar. Sendo excelentes só têm de ir para cima e não me chateia nada que

venham cá outros clubes interessados nos nossos jogadores, clubes de referência nacional.

Por exemplo, o [Futebol Clube do] Porto que tem vindo cá buscar-nos alguns jogadores.

H.L.: Quais as principais características que o jovem jogador do clube deve apresentar no final do seu processo de formação? P.S.: Acho que já respondi um bocado em cima, mas reforço algumas coisas. Tem de ser um

jogador disponível para aceitar as tarefas do jogo positivamente que lhe são solicitadas pelo

treinador ou pelo clube. Tem de ser um jogador de espírito colectivo muito forte, que seja capaz

de se disponibilizar para aquilo que o grupo achar que ele pode contribuir da melhor forma.

VIII

Page 82: A importância da formação no futebol

Anexo

Tem de ser um jogador de excelência futebolística, que tenha capacidade de jogo que lhe

permita resolver os problemas do jogo com excelência! Por isso, com uma elevada cultura

táctica. E tem de ser um jogador que procure sempre contextos de adversidade para se

superar, procurar ser melhor cada dia.

H.L.: Mas o que entendes por excelência? P.S.: Os comportamentos de excelência futebolística manifestam-se quando um jogador dentro

da sua capacidade de jogo é capaz de resolver com mestria, com qualidade, uma situação do

jogo, recorrendo ao seu reportório táctico, ou seja, com uma elevada cultura táctica. Uma das

formas de elevarmos a cultura táctica é fazer passar o jogador por diversas situações e

experiências, fazê-lo passar por diversas posições desde as escolinhas até aos juniores. Se ele

manifestar muitas vezes esse comportamento quer dizer que há consistência nesses

comportamentos de excelência. Se ele não manifestar é porque são esporádicos e ainda não é

um jogador capaz, que ainda não manifesta essa capacidade. Ou seja, a excelência é algo de

top, do melhor daquilo que é possível fazer, com mais eficácia no jogo. Portanto, penso que os

nossos jogadores estarão mais preparados para se adaptarem a qualquer modelo de jogo, que

não só o nosso. Os treinadores recebem essas mesmas indicações da minha parte.

H.L.: Que critérios estão subjacentes à escolha dos treinadores do Departamento de Formação? P.S.: Os critérios são: a disponibilidade para aceitar o projecto, interpretá-lo e levar a efeito o

mesmo. Têm de ser pessoas disponíveis e não podem ser pessoas convencidas de que aquilo

que sabem é mais importante que o projecto, ou seja, a disponibilidade das pessoas dever ser

“aquilo que sei está ao dispor do projecto”. Os treinadores têm de se disponibilizarem para

aceitarem e levar a cabo o que o projecto indica. Têm de ser pessoas empreendedoras,

pessoas capazes de inovar dentro das directrizes do projecto. Têm de ter uma capacidade de

liderança muito forte, têm de ser capazes de liderar o grupo de trabalho, têm de ser capazes de

fazer com que os jogadores melhorem a cada dia. Têm de ter noções pedagógicas básicas, e

um espírito crítico muito forte, pois nós reunimos algumas vezes e quando reunimos é

sobretudo para rever as nossas actuações e, portanto, para saber se aquilo que fizemos

corresponde aos princípios do projecto e se é possível adiantar estratégias de remediação ou

até de alteração desses princípios. Não estou a falar dos princípios básicos, mas dos sub-

princípios: aquilo que ainda é possível alterar ao longo do projecto. As pedras básicas têm de

estar sempre presentes, depois aquilo que é possível de mudar, um exercício ou outro, por

exemplo, uma maneira de actuar perante os jogadores, isso pode-se alterar. Agora a filosofia

não se pode.

IX

Page 83: A importância da formação no futebol

Anexo

H.L.: O Departamento de Formação investe na formação dos seus treinadores? P.S.: O clube investe na formação dos seus treinadores. Não investe com dinheiro, investe

com… penso que uma das grandes formas de nos formar é através do debate entre os grupos

profissionais, neste caso, os treinadores. O debate e a discussão entre esses grupos

proporcionem de facto o enriquecimento mútuo porque cada um tendo a sua perspectiva das

coisas pode enriquecer os demais. E, portanto, o investimento faz-se por aí. E claro que

quando chega algum convite ao clube para acções de formação ou cursos o coordenador faz

chegar aos treinadores essa informação. Mas não acho que isso seja o maior investimento. O

maior investimento passa pela discussão proporcionada durante as reuniões dos treinadores e

em determinados momentos da época em que há um ou outro ponto de enriquecimento quer

para os treinadores quer para os jogadores. Por exemplo, o ano passado houve uma sessão

de afloramento de alguns princípios da organização do jogo onde estiveram presentes quer os

treinadores, quer os jogadores, sendo um momento formativo.

H.L.: Qual a importância do documento orientador do processo de formação? P.S.: Vamos supor que morre o coordenador, ou que morre o presidente. O documento

persiste e é possível dar-lhe continuidade. É claro que o exemplo não é feliz, mas aquilo que

eu acho é que, estando escrito pode ser consultado, a pessoa não precisa de estar presente…

Por exemplo, se fosse só vinculado pelo coordenador se não houvesse nada escrito os

princípios só estavam na posse do coordenador. A não ser que já fosse cultura! Se houvesse

tempo. Mas para isso perdia-se muito tempo, para que a cultura se instalasse através do

convívio das pessoas e daquilo que elas pensam. Provavelmente, alguns de nós nunca veria a

cultura implementar-se a 100%, porque eram precisos muitos anos de convívio entre as

pessoas se não houvesse nada escrito para sabermos que quando um jogador faz

determinada coisa deve ter esta sanção. Por exemplo, estou a falar do regulamento. Ora, tem

de haver um documento escrito para que haja um rápido acesso ao princípio que vai orientar a

minha decisão. É fundamental um documento escrito, ou qualquer coisa que exista, por

exemplo, um vídeo. Mas tem de ser um documento que possa ser usado em vários momentos,

por várias pessoas e que não dependa de uma só pessoa, tem de estar disponível para quem

estiver integrado.

H.L.: Foram encontradas dificuldades no decorrer da implementação do projecto de formação? Se sim, enumere as principais dificuldades encontradas. P.S.: Nós tivemos muitas dificuldades. Primeiro, a resistência ao novo que qualquer ser

humano tem, ou seja, quando estamos adaptados a um processo temos alguma dificuldade em

alterar o nosso modo de proceder. A esse nível tivemos a resistência dos jogadores, dos

directores, dos espectadores, e nomeadamente, dos pais. Tivemos dificuldade no material

encontrado, quer nas infra-estruturas, quer em material, tal como bolas, cones, etc. E depois a

disponibilidade que o clube não mostrou e ainda não manifesta para recompensar

X

Page 84: A importância da formação no futebol

Anexo

verdadeiramente o corpo técnico, porque é uma dificuldade muito grande nós cativarmos os

treinadores com os ordenados que lhe damos. Qualquer clube pode chegar aqui e levar os

nossos treinadores, pois pagamos pouco quando pagamos! Este ano tem estado mais certinho,

mas nos outros anos não. E esse problema, o problema financeiro, é um problema que

persiste. Nós não temos ordenados que cativem os nossos treinadores.

H.L.: Relativamente ao Coordenador, qual a importância desse cargo? P.S.: O Coordenador é, digamos assim, a pessoa responsável pela manutenção da filosofia, ou

seja, o garante, pelo menos a responsabilidade é dele, que os princípios orientadores do

projecto são inerentes a qualquer decisão dos treinadores, dos directores, dos jogadores, de

tudo. Ele funciona como garante do projecto. É ele que dá essa noção de transversalidade

entre os directores, treinadores e espectadores. Garante essa transversalidade no que diz

respeito à actuação desses elementos mediante o projecto, faz a ligação entre os vários

intervenientes do processo de formação mantendo a coerência da filosofia. As coisas que se

fazem não se fazem à revelia da filosofia.

H.L.: Quais são as funções do cargo de Coordenador Técnico, já referenciou algumas, e quais são as principais tarefas desenvolvidas? P.S.: A minha função é de facto de ser o garante do projecto, ou seja, verificar ou tentar

verificar que tudo o que é decidido, tudo que é feito no Departamento de Formação se faz à luz

do projecto, se faz à base dos princípios orientadores do projecto. As minhas principais tarefas

são: a observação de jogos e treinos para posterior discussão com os treinadores; observação

de jogadores para, em conjunto com os treinadores, referenciar aqueles que demonstram os

tais comportamentos de excelência ou que podem vir a manifestar esses comportamentos de

excelência por isso tem que se olhar para eles de maneira diferente; é garantir a ligação

também entre o corpo directivo e o corpo jogadores/treinadores, por vezes, fazer a filtragem

dos assuntos entre um e outro; por vezes, fazer a substituição de um treinador que não possa

comparecer; outra função, é quando temos um problema com os jogadores quer seja do foro

académico, quer seja de outro foro qualquer, por exemplo, já tivemos dois ou três casos de

miúdos que se estavam a iniciar no consumo de droga e intervimos junto dos pais; também é

fazer a ligação entre o Departamento de Formação e o Departamento Sénior com ajuda do

Supervisor Técnico. Procuro sempre estar em coordenação com ele para fazermos essa

ligação, aliás, o que propomos, e este ano já vai acontecer, também é que um ou dois

jogadores, ou mais, passem a participar nos treinos dos seniores por nossa indicação, os tais

jogadores de referência que já manifestam alguns comportamentos de excelência de forma a

adaptarem-se e também a encontrarem um contexto de superação. Outra função passa por

fazer cumprir o regulamente interno. Cada interveniente no processo precisa saber pelo que se

rege. Tem de se prever algumas situações tipo de actuação para que independentemente do

Coordenador estar ou não estar as pessoas saberem qual é a sanção… Primeiro, devem saber

XI

Page 85: A importância da formação no futebol

Anexo

o que devem fazer, as normas orientadoras, e depois saberem que se não cumprirem essas

normas terão que estar sujeitos a determinadas sanções. Como o Coordenador não pode estar

presente em todas as situações temos de “espalhar” o regulamento pelas pessoas para que

saibam a que estão sujeitas em determinadas situações. Normalmente, as situações são

tipificadas, mas há algumas que fogem à regra e aí terá de se adiar a decisão para se recorrer

ao Coordenador. Mas quando elas estão tipificadas é taxativo, aplica-se o regulamento interno:

se a situação corresponde a determinado ponto do regulamento interno aplica-se o

regulamento interno. Depois, é participar nas decisões… sempre que haja alguma dúvida,

algum aspecto menos resolvido o coordenador dá apoio aos treinadores no sentido de os

ajudar a discutir soluções e a discutir situações dos treinos e dos jogos, por isso é que se faz a

observação para discutir com eles para depois intervir nesse aspecto. As decisões do treinador

estão apoiadas muitas vezes naquilo que o Coordenador também lhes diz. Muitas vezes, nesse

processo de discussão, o que acontece é que o treinador, ou porque ele solicita ou porque o

coordenador observou, intervém junto da equipa e, às vezes, vai para o campo junto do

treinador, porque se detectou que há algum problema para resolver. Vai dar uma ajuda.

XII