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© EDITORA CULTURA CRISTÃ. COSMOVISÃO CRISTÃ Orientação bíblica para o entendimento da realidade REVISTA PALAVRA VIVA COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 1 A IMAGEM DE DEUS A Escritura ensina (Gn 1.26-27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9) que Deus fez o homem e a mulher à sua própria imagem, imagem que não se vê em nenhuma outra criatura terrena. A dignidade especial dos seres humanos está no fato de, como homens e mulheres, poderem refletir e reproduzir dentro de sua própria condição de criaturas os santos caminhos de Deus. Os seres humanos foram criados com esse propósito e, por isso, num sentido, só serão verdadeiros seres humanos na medida em que cumprirem esse propósito. O objetivo da imagem de Deus na humanidade não está especificado em Gênesis 1.26-27, mas o contexto da passagem nos ajuda a defini-lo. O texto de Gênesis 1.1-25 descreve Deus como sendo pessoal, racional (dotado de inteligência e vontade) como criador que governa o mundo que criou, e como ser moralmente admirável (pois tudo o que criou é bom). Assim, a imagem de Deus reflete claramente estas qualidades. Os versículos 28-30 mostram Deus abençoando os seres humanos que acabou de criar, conferindo-lhes o poder de governar a criação, como seus representantes e delegados. A capacidade humana para comunicar-se e para relacionar-se tanto com Deus como com outros seres humanos aparece como outra faceta dessa imagem. Por isso, a imagem de Deus na humanidade, que surgiu no ato criador de Deus, consiste em: (a) existência do homem como uma "alma" ou "espírito" (Gn 2.7), isto é, como ser pessoal e autoconsciente, com capacidade semelhante à de Deus para conhecer, pensar e agir; (b) ser uma criatura moralmente elevada qualidade perdida na Queda, porém agora progressivamente restaurada em Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10); (c) domínio sobre o meio ambiente; (d) ser o corpo humano o meio através do qual experimentamos a realidade, nos expressamos e exercemos domínio e (e) na capacidade que Deus nos deu para usufruir a vida eterna. A Queda deformou a imagem de Deus não só em Adão e Eva, mas em todos os seus descendentes, ou seja, em toda a raça humana. Estruturalmente, conservamos essa imagem no sentido de permanecermos seres humanos: funcionalmente, porém, por sermos agora servos do pecado, somos incapazes de usar nossos poderes para espelhar a santidade de Deus. A regeneração começa em nossa vida o processo de restauração da imagem moral de Deus. Porém, enquanto não formos inteiramente santificados e glorificados, não podemos refletir, de modo perfeito, a imagem de Deus em nossos pensamentos e ações como fomos criados para fazer e como o Filho de Deus encarnado refletiu na sua humanidade (Jo 4.34; 5.30; 6.38; 8.29, 46). Bíblia de Estudo de Genebra

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 1

A IMAGEM DE DEUS

A Escritura ensina (Gn 1.26-27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9) que Deus fez o homem

e a mulher à sua própria imagem, imagem que não se vê em nenhuma outra criatura

terrena. A dignidade especial dos seres humanos está no fato de, como homens e

mulheres, poderem refletir e reproduzir — dentro de sua própria condição de criaturas

— os santos caminhos de Deus. Os seres humanos foram criados com esse propósito

e, por isso, num sentido, só serão verdadeiros seres humanos na medida em que

cumprirem esse propósito.

O objetivo da imagem de Deus na humanidade não está especificado em Gênesis

1.26-27, mas o contexto da passagem nos ajuda a defini-lo. O texto de Gênesis 1.1-25

descreve Deus como sendo pessoal, racional (dotado de inteligência e vontade) como

criador que governa o mundo que criou, e como ser moralmente admirável (pois tudo

o que criou é bom). Assim, a imagem de Deus reflete claramente estas qualidades. Os

versículos 28-30 mostram Deus abençoando os seres humanos que acabou de criar,

conferindo-lhes o poder de governar a criação, como seus representantes e delegados.

A capacidade humana para comunicar-se e para relacionar-se tanto com Deus como

com outros seres humanos aparece como outra faceta dessa imagem.

Por isso, a imagem de Deus na humanidade, que surgiu no ato criador de Deus,

consiste em: (a) existência do homem como uma "alma" ou "espírito" (Gn 2.7), isto é,

como ser pessoal e autoconsciente, com capacidade semelhante à de Deus para

conhecer, pensar e agir; (b) ser uma criatura moralmente elevada — qualidade perdida

na Queda, porém agora progressivamente restaurada em Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10); (c)

domínio sobre o meio ambiente; (d) ser o corpo humano o meio através do qual

experimentamos a realidade, nos expressamos e exercemos domínio e (e) na

capacidade que Deus nos deu para usufruir a vida eterna.

A Queda deformou a imagem de Deus não só em Adão e Eva, mas em todos os

seus descendentes, ou seja, em toda a raça humana. Estruturalmente, conservamos

essa imagem no sentido de permanecermos seres humanos: funcionalmente, porém,

por sermos agora servos do pecado, somos incapazes de usar nossos poderes para

espelhar a santidade de Deus. A regeneração começa em nossa vida o processo de

restauração da imagem moral de Deus. Porém, enquanto não formos inteiramente

santificados e glorificados, não podemos refletir, de modo perfeito, a imagem de Deus

em nossos pensamentos e ações — como fomos criados para fazer e como o Filho de

Deus encarnado refletiu na sua humanidade (Jo 4.34; 5.30; 6.38; 8.29, 46).

Bíblia de Estudo de Genebra

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 2

ESQUETE SUGERIDA NA OPÇÃO 2 DE CONSIDERAÇÕES GERAIS Dois jovens cristãos se encontram e se cumprimentam alegremente.

HÉLIO: — Oi, César. Tudo bem?

CÉSAR: — Oi, Hélio. Como você está?

HÉLIO: — Tudo bom. Puxa, que bom encontrar você aqui na igreja; faz um tempão que

a gente não se vê na faculdade, hein? Mudou de horário?

CÉSAR (meio desanimado): — Bem, na verdade eu tranquei o curso.

HÉLIO (admirado): — O quê? Que chato... Está com problemas financeiros?

CÉSAR: — Na verdade, não. É que estou meio desmotivado a continuar fazendo Direito.

Não sei mais se quero seguir esta carreira.

HÉLIO (espantado): — Mas logo você, que sempre tira ótimas notas? Que tinha tanta

convicção de que ia ser advogado ou juiz. O que aconteceu?

CÉSAR (saudoso): — Bem, na verdade eu ainda amo o Direito e a advocacia, sabe? Mas

o meu problema é espiritual.

HÉLIO: — Como assim?

CÉSAR (mais animado): — É que participei de um acampamento dos jovens da minha

igreja e fiquei muito impactado pelo testemunho de um missionário que trabalha na China.

Saí de lá determinado a mudar minha vida. Quero viver para agradar a Deus e fazer sua

vontade!

HÉLIO: — Que legal, César! Que Deus abençoe muito este propósito no seu coração.

Mas o que isso tem a ver com abandonar a faculdade?

CÉSAR: — Como eu acabei de lhe dizer, decidi viver para Deus de verdade. Quero me

tornar um missionário, falar do amor de Deus a povos que ainda não o conhecem, essas

coisas. Quero ser um servo de Deus de verdade.

HÉLIO (mais espantado ainda): — Missionário? Mas você é péssimo com línguas!

CÉSAR (desanimado de novo): — Eu sei... E odeio mato também. Só ir nesse

acampamento já foi bem difícil... Já entendi, você está sugerindo que eu seja pastor mesmo,

né?

HÉLIO: — Na verdade, só estou pensando se é a decisão certa para você.

CÉSAR (meio irritado): — E como ser missionário pode não ser a decisão certa, cara?

Eu vou estar fazendo a vontade de Deus, evangelizando, pregando, etc.

HÉLIO: — Então você está me dizendo que Deus quer que todas as pessoas sejam

pastores e missionários? É isso que você acha?

CÉSAR (confuso): — Bem, acho que não. Seria estranho se todos os crentes fossem

pastores, né? Mas no meu caso é diferente: Deus falou ao meu coração e eu resolvi dedicar

a minha vida a ele! Você já fez as contas de quantas horas por semana passamos na igreja?

Eu sinto que só ser membro da igreja é muito pouco.

HÉLIO: — Acho que estou entendendo seu dilema, agora. Você acha que servir a Deus é

algo que acontece quando a gente está na igreja, né? E sente que a carreira profissional, a

família e o lazer não são coisas espirituais, e não têm nada a ver com a vontade de Deus? E

por isso pensa que só os pregadores ouviram o chamado de Deus?

CÉSAR (olhando para a plateia): — Lógico! E não é assim?

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ

Apoio didático – Lição 3

Assista ao vídeo O que acontece com as pessoas que nunca ouviram o

evangelho?, que trata detalhadamente desta questão à luz de Romanos 1.18-21,

disponível em http://migre.me/inhHE ou em nosso canal no YouTube

(www.youtube.com/revistapalavraviva).

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 3

CONHECIMENTO E CULPA Romanos 1.19

Todos os povos são naturalmente propensos a alguma forma de religião;

contudo, deixam de cultuar seu Criador, cuja revelação geral o torna universalmente

conhecido. O pecado do egoísmo e a aversão às reivindicações do nosso Criador têm

levado a humanidade à idolatria, ao erro de prestar culto e homenagem a qualquer outro

poder ou objeto, ao invés de cultuar a Deus (Is 44.9-20; Rm 1.21-23; Cl 3.5). Em sua

idolatria, os humanos apóstatas "suprimem a verdade" e têm "mudado a glória de Deus

incorruptível em imagem de homem corruptível — de aves, quadrúpedes e répteis"

(Rm 1.18, 23). Eles asfixiam e extinguem, tanto quanto podem, o conhecimento que a

revelação geral oferece do Juiz e Criador transcendente, transferindo o inerradicável

senso de divindade para objetos indignos. Isto, em consequência, conduz a um drástico

declínio moral e à desgraça, como primeira manifestação do juízo de Deus contra a

apostasia (Rm 1.18, 24-32).

Deus não permite que os seres humanos suprimam inteiramente o conhecimento

dele e de seu juízo. Alguma consciência do certo e do errado, bem como de

responsabilidade para com Deus, sempre permanece. Mesmo no mundo caído, cada um

é dotado de uma consciência que fala nestes termos, e fala com a voz de Deus.

Em certo sentido, a humanidade caída não conhece a Deus, uma vez que aquilo

que os povos acreditam a respeito dos objetos que cultuam, falsifica e distorce a

verdade a respeito de Deus. Noutro sentido, todos os seres humanos conhecem a Deus,

porém com culpa, com desconfortáveis premonições do juízo que não podem evitar.

Somente o Evangelho de Cristo pode falar de paz a este aspecto da condição humana.

Bíblia de Estudo de Genebra

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 5

CIÊNCIA E FÉ: NÃO PODEMOS SER AMIGOS?

Abraham Kuyper, primeiro-ministro holandês nos primeiros cinco anos deste

século, foi também um líder nas artes e nas ciências. “Há escondido no Calvinismo”,

declarou na sua famosa palestra da Universidade de Princeton, “um impulso, uma

inclinação, um incentivo à investigação científica. É um fato que a ciência foi

incentivada por ele e o seu princípio exige o espírito científico.” Kuyper oferece muitas

ilustrações desse fato na história da sua própria nação.1 A pergunta, “Por que a ciência

floresceu nas terras protestantes e não nas católicas romanas?” há muito chama a

atenção de historiadores. Sejam quais forem os outros fatores de natureza econômica,

social, filosófica e mecânica que sem dúvida exerceram influência no florescimento da

ciência moderna, não há dúvida de que a teologia da Reforma, ou seja, evangélica e

protestante, exerceu um papel decisivo.

Mas primeiro, vamos retroceder um pouco e examinar como a ciência moderna

nasceu em terras cristãs em vez de em outras. Numa tese que ele explorou

profundamente nas palestras em Oxford, Columbia e outros lugares, o filósofo da

ciência, Stanley L. Jaki argumentou que há uma explicação razoável para o fato de que

a ciência, como nós a conhecemos, sempre natimorta nas grandes sociedades do mundo

antigo e do império muçulmano, nasceu e cresceu à maturidade na “cristandade”. A

crença de que Jesus Cristo é o único filho gerado de Deus, Jaki argumenta, tornou-se

não apenas a afirmativa central da convicção cristã, mas criou um ninho cultural

propício para “chocar” esse ovo frágil que costuma ser abortivo. O monoteísmo cristão

(a fé num só Deus em três pessoas) não apenas explicava os fatos científicos (ordem,

unidade, diversidade, etc.) como também oferecia a única base racional para seguir atrás

desses fatos.2

Um argumento semelhante foi proposto por um dos mais eminentes cientistas da

Grã-Bretanha, John Polkinghorne, presidente da Queen’s College, Cambridge, e ex-

professor de física matemática na Universidade de Cambridge.3 Polkinghorne insiste em

que a teologia e a ciência são fundadas sobre as mesmas pressuposições quanto ao

mundo: tanto na fé como na ciência, diz ele, temos de buscar oferecer explicações da

realidade – as coisas como elas realmente são. Em vez de fé cega, devemos reconhecer

a harmonia entre a revelação natural e a especial, rejeitando qualquer teoria que diga

que tenhamos que desprezar os fatos. Foi precisamente por essa razão que a ciência

surgiu no Ocidente cristão em geral, florescendo de modo especial nas terras

protestantes: havia um compromisso de buscar os particulares (fosse pela observação

dos efeitos das leis físicas ou pelo exame de uma doutrina bíblica) não obstante o

resultado (ou seja, mesmo se ele contradissesse a perspectiva “universal” ou “maior”

pressuposta pela igreja). Os cientistas protestantes acreditavam que havia dois “livros de

Deus” – o livro da natureza e o livro da Escritura – e que cada um fornecia informação

que não se encontrava no outro. No entanto, eles não eram contraditórios nos seus

relatos. Embora a Escritura não falasse a respeito das mesmas questões que a ciência, a

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

Escritura era vista como em harmonia com a ciência e, no nível mais geral, explanatória

dos fatos que passavam sob os olhos da investigação científica.

Outro filósofo da ciência recente que tem causado uma reavaliação séria dos

fundamentos intelectuais do empreendimento científico é Tomas Kuhn. Na sua obra-

prima, The Structure of Scientific Revolutions (A estrutura das revoluções científicas),

Kuhn argumenta que todo grande avanço científico é devido a uma mudança de

paradigma. No início do seu surgimento, a ciência procedeu sob a convicção de que

fatos particulares levariam aos universais. Em vez de começar com a conclusão e tentar

obter o seu apoio por dedução, dever-se-ia iniciar pelos efeitos – as peças menores do

quebra-cabeça – e trabalhar com cuidado para encaixá-las onde elas já se encaixam, em

vez de forçá-las para dentro do lugar preconcebido por nós. Porém, a maioria desses

primeiros cientistas era cristã, e eles insistiam explicitamente na humildade na

interpretação dos caminhos de Deus na natureza. Mesmo quando empregavam o método

indutivo (movendo-se dos particulares para os universais, e dos efeitos para as causas,

em vez de vice-versa), eles sabiam que eram homens e mulheres finitos e caídos,

carentes da revelação especial (Escritura) para que pudessem obter “o grande quadro”

que daria sentido a todo o empreendimento.

Intoxicado pelas possibilidades empíricas e racionais, o Iluminismo tendia a

eliminar a necessidade dessa revelação especial, e em vez disso decidiu que a ciência

era em si mesma competente para chegar às respostas de todas as perguntas importantes.

Enquanto os cientistas anteriores sabiam distinguir entre as esferas da ciência e a da

religião, da revelação geral e da revelação especial, da graça comum e da graça

salvadora, o Iluminismo produziu uma visão do mundo fundamentalmente diferente.

Agora, os cientistas eram os novos sumo sacerdotes do conhecimento humano,

possuidores não só da chave à verdade sobre as “coisas da terra” como também a chave

das “coisas de cima”. Portanto, a ciência reivindicou para si mesma também a esfera

religiosa. Na nossa época, o naturalismo, embora seja uma pressuposição não-provada,

é o compromisso religioso que a pesquisa científica adota – de modo muito semelhante

aos cientistas mais antigos que pressupunham ordem e racionalidade com base no fato

de o universo ter sido criado por Deus. Ironicamente, a ciência hoje muitas vezes opera

sobre a pressuposição filosófica de que o universo seja produto do acaso; no entanto,

todo o empreendimento científico tem que funcionar com base na pressuposição prática

de que existe ordem e projeto até mesmo para justificar um dia de oito horas no

laboratório.

O naturalismo e a teoria do acaso não podem fornecer uma base racional para a

investigação científica; não pode haver teorias estáveis, nem “leis” físicas ou naturais,

nem previsibilidade, a não ser com a pressuposição de ordem e plano. E não se pode

pressupor ordem e plano sem levar a algum tipo de crença em como essa ordem e esse

plano vieram (e vêm) a existir num universo contingente. Contudo, muitos cientistas (e

especialmente filósofos, que não se envolvem com a investigação científica em si e,

portanto, se dão ao luxo de criar teorias sem uma base concreta) veem a sua missão

como não sendo em termos de investigar dos particulares como expressões de divina

ordem, beleza e plano no universo, mas em termos de explicar o significado da vida. Em

essência, a ciência não só retirou a Escritura como a explicação do quadro maior das

peças do quebra-cabeça, mas agora procura ser, ela mesma, reveladora. Stephen

Hawking, o renomado cientista de Cambridge, é um dos muitos cientistas e filósofos

contemporâneos convictos de que a ciência finalmente abrirá o segredo das Câmaras

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Celestes e penetrará a mente divina. Finalmente, “conheceremos a mente de Deus”,

promete Hawking.

Sem humildade, a ciência nunca teria nascido. É por essa razão que somente os

cientistas que creem, em vez dos muitos especialistas científicos da religião

contemporâneos, poderiam ter iniciado com sucesso o empreendimento científico. É

necessário constantemente revisar as teorias e hipóteses à luz dos fatos. A humildade

cristã levou muitos desses cientistas mais antigos a crer que eles não sabiam tudo, mas

que seria perfeitamente possível, devido tanto à sua finitude quanto à natureza caída da

mente e dos poderes humanos, errar naquilo que já acreditavam ser verdadeiro. Porém,

os secularistas provaram ser tão rígidos e dogmáticos nas suas pressuposições religiosas

quanto a igreja que recusou ouvir Galileu porque as suas pesquisas iam contra as

amadas pressuposições filosóficas da igreja oficial. Não só a ciência nunca descobrirá o

sentido último da vida e das coisas celestiais como também pode estar errada a respeito

dos detalhes da suas descobertas particulares e das coisas terrenas. Sem humildade, não

pode haver verdadeiro avanço científico.

O cristão e a cultura, Michael Horton, Editora Cultura Cristã

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REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 6

ALGUMAS QUESTÕES PRÁTICAS SOBRE O TRABALHO

(1) Todos os cristãos devem tentar descobrir um papel na sociedade no qual eles

possam ajudar a aumentar os recursos da comunidade. Eles não precisam depender de

outros, se podem ajudar. Eles querem servir a Deus servindo o homem. Esse é o motivo

cristão principal para qualquer tipo de trabalho – seja na agricultura, nos negócios,

como dona de casa ou operário. Precisamos nos perguntar qual é a nossa atitude em

relação a nossos empregos atuais ou futuros (At 20.34, 35). O serviço, e não o lucro, é o

principal motivo do cristão. Reverter essa ordem é justamente seguir o caminho do

mundo.

(2) Para os cristãos, não importa se ele tem um emprego remunerado ou não.

Aqueles que não têm nenhuma responsabilidade em casa, e aqueles que não têm

nenhum emprego remunerado em vista, podem procurar maneiras de ser úteis em uma

posição não remunerada. Isso certamente é uma verdade tanto para aqueles cristãos que

são aposentados como para os desempregados. Servir à nossa própria família é uma

grande prioridade do Novo Testamento. Biblicamente, isso inclui o velho como também

as crianças, como em 1 Timóteo 5.8. Em seguida vem a família da igreja, e então todos

ao nosso redor aos quais possamos ajudar. Há sempre alguém ao nosso redor que

podemos ajudar (Gl 6.10).

(3) Não devemos permitir que nosso desejo de melhorar nosso padrão de vida

acima do que necessitamos venha a distorcer nossos alvos e prioridades cristãs.

Precisamos sempre questionar os nossos motivos quando estamos procurando aumentar

nossos ganhos (1Tm 6.6-10).

(4) Devemos ser capazes de fazer qualquer trabalho com entusiasmo. Se o

emprego para o qual fomos treinados, e temos buscado, não está disponível, vamos

aprender a buscar outra coisa para fazer de boa vontade. Muitas pessoas que deveriam

agradecer por ter um emprego remunerado, gastam seu tempo reclamando que aquele

não é o emprego desejado. Os escravos não tinham escolha; e durante séculos muitos

trabalhadores comuns não tiveram escolha para o que faziam. Para um não cristão que

está desempregado, tal atitude deve ser difícil de ser mantida. Mas o cristão que acredita

na soberania de Deus, e vê as tarefas mais humildes como um serviço ao Senhor,

encontrará satisfação e alegria em seu serviço. Ele fará o seu trabalho o melhor que

puder, mesmo que almeje alguma coisa mais condizente com suas habilidades. Essa

parece ter sido a lição específica para os escravos em 1 Coríntios 7.21. O escravo deve

fazer o trabalho como escravo de Cristo, ao mesmo tempo em que, se lhe for dada a

oportunidade de ser livre, ele a aproveita.

(5) Devemos nos esforçar para fazer bem o nosso trabalho, e não apenas, ou

principalmente, porque ele pode nos trazer uma promoção, dinheiro e uma boa

reputação. Cremos que Deus se preocupa em que todos os recursos do mundo cada vez

mais sejam bem utilizados. A maioria dos empregos contribui para isso, e, de acordo

com nossa habilidade, devemos aproveitar a oportunidade de servir de todo o coração.

Se estivermos envolvidos no ministério cristão ou em outras formas de testemunho

cristão direto, ou se nosso testemunho cristão for visto quando realizamos nosso

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

trabalho secular, é uma questão de dom de Deus. Ser um ministro ou missionário não é

mais espiritual do que ser um operário. É apenas uma questão de quais habilidades Deus

tem nos dado, e o que ele nos chamou para fazer. Honestamente, podem existir algumas

ocupações que são difíceis; mas não existe razão para o cristão fugir delas, ou sentir que

é mais espiritual aceitar um emprego que seja mais fácil.

(6) Essa visão geral positiva do nosso emprego como um serviço a Deus, por

meio de servir a comunidade, é muito necessária. Precisamos tê-la em mente em cada

atividade e ajudar uns aos outros. Nunca devemos nos envergonhar do trabalho que

fazemos, desde que ele seja feito com boa consciência, da maneira como foi discutida.

O desempregado deve ser capaz de levantar suas mãos e dizer que, no momento, ele não

tem um emprego remunerado, embora esteja procurando por um; mas que encontrou um

trabalho para ser feito enquanto isso no qual sente alegria e satisfação em servir ao

Senhor e seus companheiros. Nesse ínterim, devemos sempre buscar servir aos outros

durante todo o tempo. Sim, há sempre muita coisa para ser feita! Em Eclesiastes 9.10

temos: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças”.

Mente Cristã, Oliver Barclay, Editora Cultura Cristã

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 7

Diagrama do ciclo do consumo: o dom, seu produto direto e os produtos indiretos

Dom de

cozinhar

Dom de

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Orientação bíblica para o entendimento da realidade

REVISTA PALAVRA VIVA – COSMOVISÃO CRISTÃ Apoio didático – Lição 10

A VIRTUDE DO SEXO E A GLÓRIA DE DEUS

Bem Patterson É arriscado falar sobre as virtudes do sexo hoje em dia, porque nossa época se caracteriza

pela hipérbole sexual. Nunca antes na história a deusa do sexo se ofereceu tanto com tão

pouco para dar. Nunca antes o prazer sexual foi buscado com tanta determinação. Nunca

antes tantas mercadorias foram empurradas com a promessa implícita de tornar as pessoas

mais sensuais ou de conseguir que as pessoas façam mais sexo. Se o setor de propaganda é

indicativo deste fato, a ameaça da AIDS e de outras DST’s, ao invés de diminuir ou

disciplinar essa compulsão sexual, simplesmente tornou-a mais audaciosa e mais excitante.

Aumentaram os riscos e subiram as apostas, por assim dizer.

Nos anos 1960, uma pichação famosa apareceu em Berkeley, Califórnia. Em uma paródia

do slogan nazista “Arbeit macht frei”, ou “O trabalho vos libertará”, alguém pintou em uma

parede: “O sexo vos libertará”. Alguns anos depois, um amigo viu uma versão mais erudita

do mesmo pensamento rabiscada em um vestiário no prédio de faculdade de Filosofia da

Universidade da Califórnia do Sul. Era uma paródia da famosa formulação do filósofo René

Descartes, “Cogito, ergo sum”, ou “Penso, logo existo”. Era “Copulo, ergo sum”, ou, “transo,

logo existo”.

Com toda essa obsessão sexual, as pessoas se sentem tentados a minimizar a importância

dos prazeres e o bem-estar do sexo – ou sejam estes são superestimados. Mas isso podia

servir à vontade do demônio tanto quanto à obsessão em si. O prazer é uma ideia de Deus, e

Deus é inimigo do diabo. O diabo, na verdade, odeia o prazer, porque ele odeia o Deus do

prazer.

No livro de C.S. Lewis, The Screwtape Letters, o demônio Screwtape tenta explicar a seu

sobrinho Wormwood o que ele considera mais terrível ou falso em Deus: Deus realmente quer

que as pessoas sejam felizes, e que mesmo as partes severas de seu projeto, as disciplinas

espirituais, são, na verdade, artifícios, truques inteligentes para torná-los mais felizes. “Ele é

um hedonista de coração”, assopra Screwtape. “Todos esses jejuns, vigílias, castigos e cruzes

são apenas uma fachada, ou como espuma na praia. Em alto mar, há prazer e prazer e mais

prazer. Ele não faz segredo disso; á sua destra estão ‘prazeres para sempre’... Ele é vulgar,

Wormwood. Ele tem uma mente burguesa. Ele encheu o mundo de prazeres”.

A grande estratégia do demônio contra o prazer consiste em distorcê-lo, em conseguir que

façamos mau uso dele. “Nunca se esqueça que quando estamos lidando com qualquer prazer

em sua forma saudável, normal e satisfatória, estamos, em certo sentido, no território do

inimigo [Deus]. Sei que ganhamos muitas almas por intermédio do prazer. Da mesma forma,

é invenção ele, não nossa. Ele fez todos os prazeres: toda nossa busca até aqui não nos

permitiu produzir um prazer sequer. Tudo que podemos fazer é encorajar os humanos a

aceitar os prazeres que nosso inimigo produziu, em tempos, ou de formas, ou em níveis que

ele proibiu. Por isso sempre tentamos fugir da condição natural de qualquer prazer que seja

menos natural, menos memorável de seu criador, e menos prazerosa. A fórmula é um desejo

crescente por um prazer decrescente”4.

Acho que essa fórmula é exatamente o que está acontecendo em nossa cultura – um desejo

crescente por um prazer decrescente. Olhe para as revistas no estande de seu mercado. Há

4 Ibid., 49, ênfase do autor.

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uma certa fraqueza nelas, uma fofoca monótona em torno dessa técnica, esse ou aquele ponto

de prazer.

A descrição de G.K. Chesterton sobre o gozo do mundo se aplica: reduzem-se meramente

a “propagandinha”, comparados ao segredo gigante do gozo cristão5. O grande segredo dos

prazeres do sexo é: o sexo é bom porque o Deus que criou o sexo é bom. E Deus é bastante

glorificado quando recebemos essa dádiva com ação de graças – por que essa dádiva nos leva

de volta ao Deus que a concedeu – e usufruímos dela da forma que ele concebeu que fosse

usufruída.

E como sabemos que isso é verdadeiro? Sabemos que isso é verdadeiro por causa de seu

lugar na Bíblia. “A Bíblia é um livro sobre casamentos”. É desse jeito que David Hubbard se

expressou em seu comentário sobre os Cânticos de Salomão 6. Dizer que a Bíblia é um livro

sobre casamentos é também dizer que é um livro sobre sexo e sobre o significado do sexo.

Porque o casamento é a única condição natural para prazer no sexo.

A Bíblia é um livro sobre casamento e sexo

Há cinco maneiras de demonstrar essa verdade:

1. Bem no início da Bíblia há um casamento (Gn 2.23-25);

2. No finalzinho da Bíblia, há um casamento (Ap 19.6-7,9; 21.2);

3. Os temas centrais da Bíblia são sublinhados com metáforas sobre o casamento. (cf.

Is 62.4-5; Mt 9.15; 25.1-13; Jo 3.30; Ef 5.21-33).

4. Na Bíblia, o sexo é a arena principal da ruptura do pecado e, portanto, ocupa um

lugar importante entre as coisas que Cristo veio redimir (cf. 3.16; Rm 1.21-24).

5. Alegremente encaixado na Bíblia, entre a Lei e os Profetas, há um pequeno livro

chamado Cantares de Salomão; é um conjunto de canções de amor e bodas. Não apresenta

liturgia ou mandamentos, não há hinos, visões ou profecias – apenas canções de amor,

Cantares (Ct 1.1), “a melhor de todas as canções de amor”.

Quais são os fundamentos teológicos para essa celebração do sexo – e o que isso tem a ver

com a glória de Deus? O grande segredo do gozo do sexo é este: o sexo é bom porque o Deus

que criou o sexo é bom. E Deus se glorifica imensamente quando recebemos esse dom com

graças – e desfrutamos dele da maneira como ele planejou que fosse desfrutado. A razão pela

qual gostamos tanto de sexo é porque ele é um pouco como o Deus que o criou. Portanto,

quanto mais desfrutamos do sexo em maneiras que agradam a seu Criador, melhor é o sexo

para todos os envolvidos – para a glória de Deus e para nossa santificação e gozo. O patriarca

da igreja Irineu praticamente reduziu isso a uma fórmula, quando disse: “A glória de Deus é o

homem completamente vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”7. A visão de Deus. É aí

que entram os fundamentos teológicos. Acho que são cinco.

Fundamentos teológicos

1 – A bondade da criação. Deus o criou, então tem que ser bom. Assim ele disse. Ele o

fez bom porque o fez ex nihil, a partir do nada. Falar que Deus fez tudo a partir do nada

significa dizer que ele o criou sem limitações externas, porque quando se faz alguma coisa a

partir do nada, as únicas limitações são aquelas que estão dentro de sua mente. Ninguém

trouxe a Deus a matéria prima da criação, pôs em seu colo e disse: “Agora veja o que você

pode fazer com esse material”.

5 G. K. Chesterton, Orthodoxy (London: William Cloves & Sons, 1932), 296. 6 David Hubbard, Ecclesiastes, Song of Salomon, The Communicator's Commentary (Waco, Tex.: Word, 1991), 267. 7 Ireneu, Contra as Heresias, 4.20.7

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Ele não foi um escultor contido pelas limitações do mármore ou do gesso, nem um pintor

restrito pelas cores da aquarela. O que vemos nesse mundo agradável não é o melhor que

Deus pôde fazer com algum material inferior. Foi feito com o melhor dos “materiais” – os

pensamentos e desejos de um Deus de amor e de sabedoria. Suas únicas limitações eram as de

sua própria mente.

Não foi assim nas estórias de criação dos pagãos, antigos ou modernos. Não importa que

existissem deuses, eles foram forçados a trabalhar com algum material preexistente,

normalmente de qualidade inferior.

No mito da criação da Babilônia, Marduque, deus da Babilônia, formou o mundo a partir

de uma violenta luta com a grande serpente marinha Tiamat. De acordo com o mito, o mundo

como o conhecemos foi formado a partir da violência e da morte, a partir do cadáver da

grande serpente. A mensagem do mito é a de que existe dor, maldade, doença e injustiça no

mundo porque o material que os deuses tinham para trabalhar tinha defeitos, desde o início.

Mas, de acordo com a Bíblia, não é assim com Deus ou com seu mundo ou com nossos

corpos. Ele criou os céus e a terra graciosa e livremente, utilizando os melhores dos materiais

– o que estava em sua sabedoria, em seu amor e em seu sagrado coração. Paulo diz que Deus

é para o corpo (1Co 6.13). Deveria ser: ele o criou.

Então ele fez alguma coisa surpreendente com o que criara: tornou-nos responsável por

ele, como guardiões. O que é um guardião? Um guardião é alguém encarregado do

gerenciamento da propriedade de um terceiro, e encarregado de gerenciar essa propriedade no

melhor interesse do proprietário. O interesse de Deus é sua glória.

O casamento e a sexualidade estão sob nossa guarda. Tenho que devolver minha esposa

melhor do que a recebi. E tenho que devolver o mundo que repartimos a Deus melhor do que

o recebemos. O casamento é uma outra arena em que devemos viver nossa vocação de servir

a Cristo. Dietrich Bonhoeffer uma vez disse a um casal apaixonado em uma homilia de

casamento: “Em seu amor, vocês veem apenas o paraíso de sua própria felicidade, mas no

casamento, vocês são colocados em uma posição de responsabilidade para com o mundo e a

humanidade” 8. Nada do que fazemos nessa vida é apenas para nós mesmos. Mesmo um

casamento feliz (ou sexo espetacular) não é apenas para a felicidade dos esposos, esposas e

filhos; é para a glória de Deus.

2 – A realidade da encarnação. O Deus que criou a carne humana garantiu que esse era

um meio adequado para o filho de Deus “acampar” entre nós (Jo 1.14). Para nos lembrar dele

e de sua morte temos que comer o pão e beber o vinho. Como signo e símbolo da purificação

do um novo nascimento, devemos usar água. Qualquer que seja o ponto de vista de cada um a

respeito da comunhão, é muito significativo que ele nos tenha dito para comer e beber algo a

fim de nos lembrarmos dele, de seu corpo e de sua alma. Ele nos disse para lavar com água

para expressar o perdão e o novo nascimento. Essas não são simplesmente questões

psicológicas, são atos físicos. O meio físico é adequado para comunhão com Deus e para um

marido com sua mulher. Quando Adão conheceu sua mulher (Gn 4:1) o que aconteceu? Ele

buscou informações? Não. Ela engravidou! “Essa é uma ironia picante”, escreveu Thomas

Howard. “Aqui estamos, com nossos altos conceitos de nós mesmos como sendo seres

intelectuais e espirituais, e a forma mais profunda de conhecimento para nós é um negócio

simples de pele contra pele. É humilhante. Quando dois seres da espécie humana,

semelhantes a Deus, se aproximam da comunhão entre si, o que fazem? Pensam? Especulam?

Meditam? Não. Eles tiram as roupas. Eles querem juntar seus cérebros? Não. É a mais

8 Dietrich Bonhoeffer, Letters and Papers from Prison (New York: Macmillan, 1971), 43.

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apavorante das ironias: a busca da união leva-os literalmente na direção oposta a de seus

cérebros”.9

Nunca vou me esquecer da vista pastoral que fiz a uma mulher cujo marido tinha morrido

pela manhã. Ela tinha cuidado dele em casa durante uma prolongada e dolorosa batalha contra

o câncer. Quando entrei em sua sala de estar, seu corpo ainda estava na cama hospitalar que

ele tinha empurrado até próximo à lareira. Fiquei de um lado da cama. E ela do outro, e orei

por ela. Antes que terminasse, abri meus olhos e vi que ela estava massageando os pés de seu

marido, acariciando suas bochechas e esfregando suas pernas e mãos como deve ter feito

inúmeras vezes durante o casamento. Fiquei profundamente comovido com o que via, ao

dirigir de volta para casa e pensava: afinal, isso é o que é o sexo: um homem e uma mulher até

o fim, amando e cuidando do corpo de cada um, com seus corpos.

3 – Deus nos fez criaturas sexuais. E você diz: “Então o que há de novo?” Isso não quer

dizer, em primeiro lugar, que temos desejos e compulsões sexuais. Não serei menos macho

quando meus hormônios se acabarem. Minha masculinidade não se reafirmará se for morto

por um jovem marido ciumento quando tiver 100 anos de idade, como meu pai uma vez

brincou. Os hormônios são parte da vida masculina, mas são periféricos ao que é central,

assim somos diferenciados como homem e mulher. Sem essa diferenciação básica, não

podemos ser compreendidos como seres humanos. As palavras de Jesus são: “Não tendes lido

que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher?”(Mt 19:4). Essa é uma visão

radicalmente diferente de nossa sexualidade, comparada ao mito grego da androginia: no

princípio havia um andrógino assexuado que depois foi dividido em macho e fêmea. A

diferenciação sexual foi vista como um tipo de “queda”, sendo nossa atração um pelo outro

um desejo de nos tornarmos um só, no sentido de voltar a nossa origem. O objetivo é

transcender a diferenciação sexual, e, em última análise, a carne na qual estamos aprisionados,

e tornarmo-nos puro espírito, sem sexo e sem corpo.

Isso não é o que a Bíblia diz de nossa masculinidade e feminilidade. Dizer que somos

criaturas sexuais é dizer que não podemos ser compreendidos a não ser como macho e fêmea,

e menos como macho ou fêmea. Como macho e fêmea, fazemos toda a humanidade. Como

macho ou fêmea fazemos os dois pólos dessa humanidade, nossos corpos sendo as expressões

concretas desses pólos.

4 – Fomos feitos para ficarmos juntos. Deus disse de nós que não é bom estarmos

sozinhos (Gn 2.18). Ao nos colocar juntos, Deus nos deu um poder divino sobre o outro.

Como o “poema de amor” de Adão para Eva expressou, ela era carne de sua carne, osso de

seus ossos (2.21-23). Também é verdade que minha mulher se tornará o tédio de meu tédio,

temor do meu temor e amor do meu amor. Ela tem o mesmo impacto sobre mim. Nós nos

tornamos o que os outros são para nós; e os outros se tornam o que somos para eles.

Frequentemente, tenho considerado a evidência empírica dessa verdade quando constato o

número de casais idosos que realmente se parecem um com outro.

Tornar-se “uma só carne” é uma das características verdadeiramente exclusivas de uma

compreensão cristã do casamento. Os homens e as mulheres são tão diferentes uns dos outros.

Isso pode ser causa de frustração e causa de excitação e crescimento. É uma aventura para

toda a vida amar e compreender essa mulher com quem eu vivo – tão diferente de mim e,

ainda assim, somos um. Temos uma sexualidade tão diferente como homem e mulher, nós

que somos um e ainda temos que nos tornar só um! Temos tanto que aprender um com o

outro que pode levar uma vida! Sempre que encontro um casal para aconselhamento pré-

matrimonial, eu os intimo a levarem seu senso de humor na lua-de-mel, porque poucos e

9 Thomas Howard, Hallowed Be This House (San Francisco: Ignatius, 1979), 115-116.

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abençoados são os casais que atingem o ápice da comunhão sexual durante a lua-de-mel. A

maioria de nós tem muito que aprender, e isso é bom – isto nos faz sair de nosso ego.

5 – Nos encontramos à medida que nos entregamos. Quando Eva é entregue a Adão,

existe uma enorme graça. Ela é entregue enquanto ele dorme. Mas é uma graça custosa; ela é

formada a partir de seu próprio corpo. O grande mistério de um se tornar dois prenuncia o

mistério maior de dois tornarem-se um. A matemática de Deus enuncia que um e um não são

dois, mas um (Gn 2.24). E o corpo único é maior do que os dois que o antecederam. No

casamento, assim como no evangelho, encontramo-nos à medida que nos entregamos (Lc

9.23-24).

Aí está a tragédia e o paradoxo das ideias modernas de se “experimentar” o casamento.

Não é possível “experimentar” o casamento mais do que experimentar a morte ou o

nascimento. Para o casamento ser casamento, tem que ser tudo ou nada. Às vezes aconselho

meus alunos, que estão fascinados com esse descabimento de “experimentar”, a

“experimentar” o casamento da seguinte maneira: não comecem a viver juntos após um jantar

à luz de velas, espere até que um dos dois tenha uma indigestão – aí então durmam juntos. A

minha sugestão é, obviamente, uma ironia, e ajuda a estabelecer o ponto importante sobre o

bem do sexo e do casamento: que a qualidade de vida não consiste no número de experiências

que se tem, mas na profundidade dos comprometimentos. O sexo ilícito pode ser divertido e

excitante, como mergulhar do trampolim mais alto. Mas são os nadadores que se fortalecem.

Nós nos perdemos para nos encontrar. No mistério do amor, como Deus planejou,

“ninguém pode adivinhar quem está dando e quem está recebendo”, escreveu Thomas

Howard. Verdadeiros amantes “sabem que dar e receber constituem um paradoxo esplêndido

e engraçado, no qual dar se torna em receber, e receber se torna em dar até que, por mais que

se tente, não se saiba mais distinguir uma coisa da outra, e se fundem em alegria ou

adoração”.10

Obrigado

Há mais uma coisa que deve ser dita sobre o bem do sexo e a glória de Deus: Obrigado. O

sexo é bom, porque o Deus que criou o sexo é bom. E Deus é grandemente glorificado

quando recebemos esse dom em ação de graças e desfrutamos dele da forma que ele planejou

que fosse desfrutado.

A gratidão pode ser a maior das alegrias do sexo, e que traz a maior glória a Deus, porque

a alegria é o que você experimenta quando é grato pela graça que lhe foi dada. A língua grega

possui uma imagem que exemplifica isso: as palavras graça, gratidão e alegria têm a mesma

raiz, ‘char’, que é uma palavra ligada à saúde ou ao bem-estar. Graça é ‘charis’, gratidão é

‘eucharistia’ e alegria é ‘chara’. As três estão organicamente unidas, teologicamente e

espiritualmente. A visão de Karl Barth é clara: “como se pode pedir algo mais ou diferente de

um homem? A única resposta a ‘charis’ é a ‘eucharistia... A graça e a gratidão se pertencem

como o céu e a terra. A graça evoca a gratidão com a voz e o eco. A gratidão segue a graça

como o trovão ao relâmpago”11

.

Aqui, tenho que dar um testemunho pessoal. Alguns meses antes de me casar com a

mulher que tem sido minha esposa por todos esses anos, experimentei um medo terrível do

comprometimento. Achava que se dissesse sim para ela, estaria dizendo não para milhões de

outras mulheres. Sabia que não tinha acesso a milhões, mas, não importa quantas pudessem

ser, a porta estaria fechada após o casamento. O casamento parecia tão estreito. Mas descobri

10 Thomas Howard, “God Before Birth: The Imagery Matters”, December 17, 1976,12-13. 11 Karl Barth, The Doctrine of Reconciliation, vol. 4, part 1 of Church Dogmatics (Edinburgh: T & T Clark, 1980), 41.

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que essa estreiteza é a estreiteza do canal do nascimento. Tem havido um universo nessa

pessoa, esse mistério que conheço como Lauretta.

Agora, vamos avançar no tempo vários anos, e estamos gozando férias em família. Nós

seis tínhamos parado em Blythe, Califórnia, para utilizar os banheiros de uma lanchonete Mc

Donald’s. Blythe é uma cidade perto de Colorado na Califórnia. Imaginem-me de pé lá,

segurando minha filha, a alguns passos das portas dos banheiros, enquanto uma jovem

estonteante que passei a chamar de “a garota de Blythe” sai detrás daquelas portas. Vou evitar

tantos detalhes quanto conseguir, mas ela era sexy, morena, e vestida como, bem, como

mulheres jovens se vestem em climas desérticos. E ela olhou diretamente para mim, com um

sorriso quente! Minha mente cansada se concentrou de repente. Eu me empertiguei e sorri de

volta, ruborizado com o conceito adolescente de que mesmo sendo muito mais velho do que

ela, devo ainda ser um homem muito atraente. As garotas ainda reparam em mim! Nossos

sorrisos e olhares se encontraram mais tempo do que deveria acontecer num encontro

aleatório enquanto ela passava por mim. Foi então que percebi meu reflexo no espelho na

parede e vi para quem ela estava olhando. Era para mim, tudo bem, mas não era pro Ben

Patterson, o bonitão maduro. Era pro Ben Patterson, pai da Mary. Ele estava na meia-idade,

um pouco cheinho, e segurava uma menina preciosa. Foi isso que encantou a jovem. Minha

primeira reação foi de vergonha, com um pouquinho de decepção. Seu tolo! Você não é o que

pensou que fosse. Mas enquanto eu olhava no espelho, achei que gostava mais do que via no

espelho do que pensei que a garota tinha visto anteriormente. Gostava de ser o pai da Mary.

Gosto muito. O mesmo com relação a Dan, Joel e Andy. É melhor ser pai do que garanhão.

Meu esmorecimento deu lugar à euforia.

Se é ou não o que P.T. Forsyth quis dizer quando afirmou que “Deus é um oportunista

infinito”12

, é o que eu quis dizer. Ele conduziu minha luxúria e meu autoconceito a uma

percepção abençoada de minha própria glória e felicidade. Deus estava sorrindo para mim por

meio do sorriso da Garota de Blythe. Com um golpe certeiro, ele aproveitou o momento, me

deixou nu, e me vestiu de novo com misericórdia.

Quero agradecer a Deus pelo dom do sexo. Mas não do sexo em geral; do sexo em

particular. Veja, havia uma adolescente de Minneapolis que abandonou tudo que conhecia

para vir para a Califórnia viver comigo, em 27 de março de 1971. Ela mal me conhecia. E

nunca vou me esquecer do risco que ela correu quando trocou seu nome pelo meu. E um

homem teimoso, assustado e solitário tem entendido o evangelho melhor por causa dela – por

meio daquela que Deus fez ser ossos de meus ossos e carne da minha carne. Obrigado,

Lauretta. E somente a Deus seja toda a glória.

Sexo e a supremacia de Cristo, John Piper; Justin Taylor (org.) Editora Cultura Cristã

12 P. T. Forsyth, The Soul of Prayer (London: Independent Press, 1949), 84.