a ilustracao o ilustrador leitor

Upload: fernanda-raquel

Post on 20-Feb-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    1/10

    A ILUSTRAO: O ILUSTRADOR LE1TOR

    Maria Luiza Calim de Carvalho

    Em nossa dissertao de Mestrado, intitulada A Ilustrao- Um processo ln- Penteado para o conto Trs Coroas de Autran Dourado, publicada na RevistaStatus Especial de Literatura, 1976, levantamos questes como: o primeiro contatodo leitor com a revista, sua capa, organizao e as possibilidades do leitor adentr-la;

    da simultaneidade e a polissemia do mundo atual; a forma, no correr da histria,como as populaes tiveram acesso alfabetizao, leitura e escrita bem comoa democratizao da leitura a partir de Gutenberg; s descobertas eletromagnticas - do momento da produo e as atualizaes necessrias efetuadas pelo leitor para compreenso, interpretao e aplicao baseada na Esttica da Recepo; e o olhar

    ABSTRACT

    Darcy Penteados illustrations for Status magazine-25 Brazilian short stories, 1976, and his speech aboutreading and the merit of to be offering an image at-

    this search. Was sought the trajectory of reading of the the short story and the illustration and between theshort story and the master pieces, which the illustratormade cuts and retired fragments to compose his illus-trations. The construction process of the illustrations and illustration and trough the permanence betweenall illustrations that denounces a trace of stile and in-novation. The illustrator creative process is labeled by the plastic artist Darcy Penteado had been ransomed,this research contributes with one more view about reader viewpoint and his trajectory of reading.

    30POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    2/10

    necessrio do leitor para adquirir competncia comunicativaAlm dessas questes no terem sido esgotadas, no correr da produo da disserta-

    o, outras inquietantes questes foram levantadas. O prprio ilustrador Darcy Penteado, leitor em suas ilustraes possa perturbar a imagstica do leitor. Eis ento o problema: A ler? Uma leitura dialgica?

    Uma srie de hipteses iniciais foi ordenada para averiguao: -

    -

    produzida pelo ilustrador.

    escrito como traduo (entre cdigos), sendo sentido de traduo, interpretao e no c-pia. A imagem, por ser direta, opera, no leitor, uma interpretao apriori lido, e essa interpretao aprioridirige o leitor e altera o efeito esttico da obra a ser lida, o primeiro (o verbal), ampliando as possibilidades de uma leitura mais ampla por parte doleitor. Tambm, as imagens, subliminarmente ou no, trazem conceitos ideolgicos e cul-

    uma trajetria em terreno de difcil acesso, porm, frtil e de paisagens deslumbrantes.O deslumbramento que nos instiga a continuar sempre seguindo trilhas j, por outros,percorridas, para, quem sabe, vislumbrar uma direo e abrir uma picada.

    produo das ilustraes. O ilustrador , antes de tudo, um leitor e sua ilustrao d visi-

    bilidade sua interpretao. As ilustraes so a materializao da interpretao do leitorDarcy Penteado.

    Os caminhos, supostamente trilhados pelo leitor/ilustrador para a produo da ima-gem, apresentam-se como uma possibilidade de percurso para o leitor da revista instaurar

    O corpus se publicadas em uma edio especial de uma revista, meio de comunicao de massa, quepressupe que o leitor disponha de um tempo para sorver, com calma, o seu contedo.

    Tambm, a forma do objeto a ser lido dirige o sentido que o leitor pode dar quiloque l. O suporte, a organizao do conjunto de um livro, uma revista, um quadro, afetam

    31POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    3/10

    Ler um artigo em um banco de dados eletrnico, sem saber nada da revista na qual fui publicado,nem dos artigos que o acompanham, e ler o mesmo artigo no nmero da revista na qual apareceu, mesmo nmero e do projeto intelectual e editorial da revista ou do jornal (CHARTIER, 1998,p.128).

    aqui transposta, entretanto, informaes sobre a revista, seu tempo de produo, seu pbli-co alvo, pode mediar essa ausncia do contato com a materialidade do objeto, suas pginas,

    editorial de qual idade proporciona ao leitor.Revista, segundo o verbete do dicionrio de Aurlio Buarque de Holanda, publicao peridica em que se divulgam artigos originais, reportagens, etc., sobre vri-os temas, ou, ainda que se divulgam, condensados, trabalhos sobre assuntos variados japarecidos em livros e noutras publicaes. Veculo de comunicao de massa, apresenta- Em sua materialidade, normalmente so impressas em papel de diversas qualidades, com seus gostos e preferncias. O tamanho tambm determinado pelos mesmos critrios. Essa

    materialidade alterada com o advento da internet e o surgimento das revistas digitais,porm mudou o meio mas a construo tradicional ainda permanece. As revistas devemser atrativas ao leitor, suas capas devem seduzi-lo para querer-ler, querer-comprar. As ima- esse universo miditico em que se insere a revista o corpusda tese que apresentamos foi 1976.

    So ilustraes de Darcy Penteado para contos de autores brasileiros, ilustraes econtos que sero apresentados logo mais. A Revista Status era urna publicao voltadaao pblico masculino, com fotos erticas e artigos sobre assuntos variados. Apresentou, em1976, a edio especial de literatura com vinte e cinco contos brasileiros e convidou parailustr-los o artista plstico Darcy Penteado. Um ano antes, a revista havia publicado comenorme sucesso um nmero especial com Vinte Contos Latino-americanos, dentre os quaissete brasileiros, o que teria incentivado os editores a acreditarem no lanamento da publi-

    32POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    4/10

    O leitor brasileiro - apesar da falta de tempo e do aumento do custo de vida te cada vez mais e mel-hor. E o escritor brasileiro - embora, como diz o poeta, o po seja pouco e a liberdade pequena- escreve cada vez mais e melhor. Status que, em dois anos de vida, nunca duvidou da capacidadede escolha de seus leitores e sempre acreditou no trabalho de nossos escritores, tem participadoativamente do atual processo de renascimento da literatura brasileira Escritores novos ou velhos,inditos ou consagrados esto normalmente em qualquer nmero da revista com depoimentos, con-tos, ensaios, criticas, noticias (MANSUR,Status, 1976, p.S).

    literatura Vinte e Cinco Contos Brasileiros, no era animador para produtores e editores.

    pas. A produo cultural brasileira era cerceada por todos os lados. Vivia-se uma situaofechada, limitadora e autoritria - a ditadura militar. Porm, como se pode perceber pelafala otimista de Gilberto Mansur, - E o escritor brasileiro - embora, como diz o poeta, opo seja pouco e a liberdade pequena - escreve cada vez mais e melhor, - o homem setorna mais criativo e verstil diante dos obstculos. Foi um perodo de obras ambguas, que subvertia. Esse leitor competente, que a revista Status ... nunca duvidou da capacidadede escolha ..., o pblico-alvo dessa publicao, enunciado no titulo da revista, a palavraque sugere uma elite, uma qualidade diferencial de seus leitores.

    Algumas revistas tm por objetivo informar sobre os acontecimentos recentescom reportagens sobre poltica, esportes, gente, etc, outras para proporcionar lazer comoquadrinhos, fotonovelas, fofocas sobre a vida de famosos, etc, outras, ainda, para orientaraes como: aplicar seu dinheiro, decorar sua casa, e todas elas com o propsito comumde vender produtos de seus anunciantes. Qual o propsito da Status, nesse nmero espe- seja, apenas trs publicidades direcionadas para o universo de seus leitores. A primeira, nacontra-capa a publicidade de uma mquina de escrever, a foto de uma mquina vermelha, -

    tiva de couro acompanhada da frase: O talento dos grandes escritores voc no pode com-prar, mas a mquina que eles usam voc pode: Olivetti Valentine; a segunda publicidade, sentado em um sof de modo descontrado e confortvel, com um aparelho de som ligado(evidente pelas luzes do dialligadas), em uma sala com lareira, tapetes, quadros, e a frase foto de um avio Concorde decolando e, ao primeiro plano, as passagens, passaporte e dois Mall. Em todo o mundo o cigarro de 1a. Classe..

    33POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    5/10

    para um pblico seleto, intelectual, de bom gosto e abastado. No h uma s publi-cidade dentro da revista e isso algo importante a frisar. Voltando, ento a perguntaformulada a pouco, qual o propsito de Status - especial de literatura?

    tempos to difceis, oferecer um diferencial a um pblico seleto, poderiam ser estasas respostas, mas acreditamos que o objetivo principal era desenvolver o olhar crti-

    co do leitor, que em tempos de ditadura militar, precisava aguar os sentidos para corpus, e que sero trabalhados

    - de Penteado e aos contos, qual a sua trajetria diante dessa comunicao sincrticainterlinguagem verbal e visual?

    momento a ilustrao evidenciar o tipo de leitura que foi instaurada por Pentea- fragmentos para compor suas ilustraes, precisamos, no segundo momento, en-contrar as relaes, os pontos de convergncia que Penteado vislumbra entre a obraselecionada e recortada e o conto.

    feitas as revistas; de certa forma responderia a pergunta que nos espinha: Por queas ilustraes? O prprio Darcy Penteado em espao da revista para uma breve bio-

    34POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    6/10

    - deve ser um convite leitura e no a imposio da imagem que ele, o leitor, deva obrigatoriamente

    no incio da revista, levanta polmicas perguntas e esboa algumas respostas, alm dedescrever o processo de criao das imagens que compem o corpus.

    Ao descrever o processo de produo das imagens Darcy Penteado aponta camin-hos ao leitor: pesquisar, fazer o caminho inverso que ele trilhou, para , ento, encontrar as

    Por sua vez, o leitor ganhou uma edio especial de Status diferente de tudo o que j se fez at agorano gnero, porque ilustrada por grandes nomes da pintura, como Da Vinci, Guauguin, Picasso, Ma-tisse, Gora, Redon, Klee, Manet, Beardsley, Mir, Modigliani, Klint e vrios outros, atrs dos quaisse colocou este montador de imagens que assina Darcy Penteado (PENTEADO,Status, I 976,p. 13).

    35POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    7/10

    A assinatura, tanto de Darcy como a do pintor cuja obra foi recortada, indiciacaminhos ao leitor, como tambm, o titulo do conto e, claro, o prprio conto fornece modos

    -ciona a possibilidade de se pensar no processo de construo, perceber as camadas que sesobrepem para compor o objeto e vislumbrar, quem sabe, com mais clareza a ideologia daqual originria

    Uma questo que espeta nossos sentidos por que Darcy Penteado, para criar suas -plica:

    E pesquisa importante, porque com ela me testei por inteiro. Testei a minha versatilidade ao usar os

    -lidade, eliminando a monotonia que adviria de um mesmo estilo pr-estabelecido; idem., a minhasedimentao de cultura (ou informao), na escolha dos artistas em que me baseei; e ainda a minha msticas e imagsticas (PENTEADO, Status,1976,p.13).

    ilustrao e ao conto, necessita encontrar, atravs da legibilidade da imagem e da visibi- conforme disse, testou sua habilidade, sua sedimentao de cultura e sua sensibilidade

    forma.

    quanto do imagtico, e deve, tambm, dialogar com sua prpria viso.

    O leitor deve perceber a questo do tempo/espao entre produo e leitura. HansRobert Jauss (1980), diz que para se levantar que tipo de compreenso, de interpretao

    histrico, da inteno primitiva do autor ou da obra. O autor diz que convm destacar oshorizontes de uma primeira leitura - a atividade da percepo esttica- de uma segunda

    -dades imaginativas e perceptivas gerando o efeito esttico. Atividades imaginativas noquer dizer que cada leitor possa tirar a concluso que desejar, pois, segundo Iser, a orga-

    36POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    8/10

    -so justa(ISER. W. 1979 ,p. 87).

    Elege-se uma abordagem a partir do leitor, o leitor Darcy Penteado quematerializou sua interpretao nas ilustraes e, atravs da busca da possvel trajetria ilustrao). Elege-se, ento, a Esttica da Recepo e do Efeito - Jauss e Iser - como n-fase terica e prope-se trilhar os passos da pesquisa utilizando-se um raciocnio abdutivo(poder-ser que deve ser investigado), perceptivo e analtico, que estaro em rede associa-

    A viso que serve como ponto de partida a de que se deve considerar o objeto contido -lidades associativas.

    O leitor necessita de um conhecimento prvio: mn conhecimento lingstico para

    realiza entre a percepo do efeito e a cognio.

    A prpria fala de Darcy Penteado guia e marca a trajetria de indagaes e pes-quisa que se segue. Os contos e as ilustraes, que compem o corpus, so apresentadosem forma de encarte, com o objetivo de facilitar o manuseio e leitura..

    sido abordada no correr dos tempos e, tratou tambm da problemtica da mimesis modode representao que aprisionou a arte ocidental da Antiguidade ao sculo XVIII e que captulo a seguir. verbal e do visual, no ir e vir da leitura do conto e da imagem e intenta encontrar as rela-es efetuadas pelo leitor Darcy Penteado evidenciadas na produo da ilustrao - a sua

    37POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    9/10

    aplicao da leitura do Conto. Inicia, o captulo, com a leitura da capa da revista Status,

    Penteado, que apropria-se de fragmentos de duas pinturas de Marc Chagall para compor aimagem. A leitura se segue com o conto Elo Partido de Otto Lara Rezende, e da imagemproduzida pelo ilustrador utilizando-se de fragmento de obra de Kandinsky. Para o contoTigrela de Lygia Fagundes Telles, a imagem produzida por Penteado utiliza fragmentos deobras de dois artistas Edouard Manet e Henri Rousseau. O conto Joozinho da Babilnia,de Joo Antonio ilustrado numa colagem de fragmentos de obras de dois artistas: LucasCranach e Henri Matisse. O conto Epidlia, de Murilo Rubio, ilustrado por Penteado Lgrimas, em cuja ilustrao, Darcy Penteado utiliza-se de obra de Paul Klee.

    O terceiro captulo, intitulado O Conjunto das Ilustraes: Conceilual, a partir da busca do trajeto de leitura do ilustrador, analisou o olhar antropofgi-co proposto por Penteado ao trazer baila, no conjunto de contos brasileiros, fragmentos de imagens produzidas, em seu conjunto, as permanncias, os contrastes, as isotopias, busca-seencontrar respostas para o prprio questionamento de Darcy Penteado no inicio da revista,ou seja, a resposta, a partir de sua prpria produo.

    efeito, e resgatou o trabalho de ilustrao do artista plstico Darcy Penteado, ao demonstrar

    38POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010

  • 7/24/2019 A Ilustracao o Ilustrador Leitor

    10/10

    BIBLIOGRAFIA

    CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao navegador- Conversaes com Jean Lebrun. SoPaulo: Editora UNESP,1998.

    CHARTIER, Roger. Cultura Escrita, Literatura e Histria. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2001.

    ISER Wolfgang. O Fictcio e o Imaginrio: Perspectivas de uma Antropologia Literria.Traduo de Jo-hannes Kretschmer. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996.

    ISER Wolfgang. O Ato de Leitura. So Paulo: 34, 1996.

    de Janeiro: paz e Terra,1979.p 83 - 132.

    MANSUR, Gilberto. Revista Status: 25 Contos Brasileiros. So Paulo: Editora Trs, 1976.

    PENTEADO, Darcy. Revista Status: 25 Contos Brasileiros. So Paulo: Editora Trs, 1976.

    39POTICAS VISUAIS N.1 Agosto 2010