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0 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO A IGREJA DO NAZARENO: DOS PRIMÓRDIOS (1895) AO CINQUENTENÁRIO NO BRASIL (2008) por Jefferson Rodrigues de Oliveira São Bernardo do Campo 2011

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA

RELIGIÃO

A IGREJA DO NAZARENO: DOS PRIMÓRDIOS (1895) AO CINQUENTENÁRIO NO BRASIL (2008)

por

Jefferson Rodrigues de Oliveira

São Bernardo do Campo

2011

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA

RELIGIÃO

A IGREJA DO NAZARENO: DOS PRIMÓRDIOS (1895) AO CINQUENTENÁRIO NO BRASIL (2008)

por

Jefferson Rodrigues de Oliveira

Orientador: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

Área: Ciências Sociais e Religião

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às

exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências

da Religião, para obtenção do grau de Mestre.

São Bernardo do Campo

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA

Ol4i Oliveira, Jefferson Rodrigues de

A igreja do Nazareno: dos primórdios (1895) ao cinqüentenário no Brasil

(2008) / Jefferson Rodrigues de Oliveira -- São Bernardo do Campo, 2011.

155fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de

Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de: Leonildo Silveira Campos.

1. Santidade - Doutrina bíblica 2. Igreja do Nazareno - Brasil - História

I. Título

CDD 287.9909

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A dissertação de mestrado, sob o título “A Igreja do Nazareno: dos primórdios

(1895) ao cinquentenário no Brasil (2008).”, elaborada por Jefferson Rodrigues

de Oliveira foi apresentada e aprovada em 05 de abril de 2011, perante a banca

composta pelo Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos (Presidente/UMESP), Profª.

Drª Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP) e Profª. Drª. Eliane Moura Silva

(Titular/UNICAMP).

______________________________________________

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_______________________________________________

Prof. Dr. Jung Mo Sung

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Ciências da Religião

Área de Concentração: Ciências Sociais e Religião

Linha de Pesquisa: Instituições e Movimento Religioso

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À Simone, ao Nathan e ao Daniel com amor.

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AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que diretamente contribuíram para realização desse trabalho, em

especial, a Jesus Cristo, Criador da vida e Senhor da força, à Josélia pela inspiração da

vitória, à Simone pela inspiração da paciência, ao Nathan pela inspiração da amizade,

ao Daniel pela inspiração da alegria.

Ao Instituto Ecumênico de Pós Graduação (IEPG) pela bolsa concedida, durante o

primeiro ano do Curso, à Ana Maria pela paciência e boa vontade em fazer com que

essa ajuda chegasse a minhas mãos e à Coordenação acadêmica, pela contribuição e

informações administrativas.

Aos reverendos Dilo Palhares, que me facultou acesso a importantes documentos da

Igreja do Nazareno e ao Geraldo Nunes, reitor da Faculdade Nazarena do Brasil, pela

acolhida nas viagens de pesquisa de campo e às bibliotecárias dessa instituição que me

facultaram preciosos materiais de pesquisa.

Ao Delegado Francisco Carvalho Martins e à Delegada Marisa de Oliveira Costa, da

Polícia Civil de Minas Gerais, que me possibilitaram tempo para empreender-me nas

pesquisas.

Aos ilustres professores do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da

UMESP que, de forma magnífica, trouxeram-me importantes conhecimentos sobre as

religiões.

Dedico especial agradecimento ao Doutor Leonildo Silveira Campos, meu orientador,

que com seu vastíssimo conhecimento, competência e grande paciência, conduziu-me

até à conclusão deste trabalho.

Aos colegas da casa dos estudantes e aos amigos Max, Alex, Rubens, Altair e Val, os

quais me fizeram sentir, em São Paulo, a verdadeira hospitalidade mineira.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pela

concessão da bolsa nos dois últimos semestres do Curso.

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Há uma tendência de anular o passado...

Quando tentamos anular o passado, nós anulamos com antecedência,

de antemão o nosso futuro.

Joaquim Antônio Lima

(Primeiro Superintendente distrital da Igreja do Nazareno no Brasil, 1961.)

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OLIVEIRA, Jefferson Rodrigues de. A Igreja do Nazareno: dos primórdios (1895) ao

cinquentenário no Brasil. (2008): Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de São

Paulo – UMESP, São Bernardo do Campo, 2011.

RESUMO

Este trabalho é uma descrição e análise sócio-histórica da Igreja do Nazareno nos aspectos

mais importantes que contribuíram para sua inserção e expansão no Brasil. Descrevemos a

trajetória formativa dessa Igreja nos Estados Unidos, partindo das considerações histórico-

sociológicas dos valores teológicos que ela agrega, como o Arminianismo, a tradição

wesleyana e a doutrina da santidade. Buscamos entender, primordialmente, como se deu o

processo de inserção e expansão da Igreja do Nazareno no Brasil, sua estrutura de governo,

sua prática litúrgica, a formação de pastores, a forma de agregação de membros e a relação

que se estabelece entre esses pastores e os membros. O estudo sobre essa denominação ainda

é incipiente no meio acadêmico brasileiro, assim, buscamos suplantar a ausência de

informações sobre ela, nesse meio. Portanto, ressaltamos os aspectos de um enfoque sócio

histórico institucional que podem se distanciar da forma eclesial como os próprios nazarenos

compreendem sua denominação. Na abordagem desse objeto, enfatizamos a pesquisa

bibliográfica, a análise documental, a utilização de recursos audiovisuais, bem como a

observação participante. Este trabalho possibilitou o entendimento de que a Igreja do

Nazareno, desde seus primórdios, conduz sua prática pela distinção no meio protestante em

que se insere. No caso do Brasil, em que existem muitas outras denominações, a Igreja se

firma sobre sua principal distinção, a doutrina da santidade, a qual, por um enfoque da teoria

das economias religiosas, tem servido de produto para atender determinado nicho do mercado

religioso brasileiro.

Palavras-chave: Movimento de santidade, Doutrina da santidade, Igreja do Nazareno, Igreja

do Nazareno no Brasil.

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OLIVEIRA, Jefferson Rodrigues. The Church of the Nazarene: the beginning (1895) of the

fiftieth anniversary in Brazil (2008). Master‟s thesis - Methodist University of São Paulo -

UMESP, São Bernardo do Campo, 2011.

ABSTRACT

This thesis is a description and a socio-historical analysis of Church of the Nazarene in all

major aspects that contributed to its insertion and expansion in Brazil. We describe the

formative history of this church in the United States, drawing on historical and sociological

considerations of theological values that it brings, as arminianism, the wesleyan tradition and

the doctrine of holiness. We try to understand, primarily, as was the process of integration and

expansion of the Church of the Nazarene in Brazil, its governance, its liturgical practice, the

training of pastors, the form of aggregation of members and the relationship established

between these pastors and members. The study of that denomination is still incipient in the

Brazilian academic, so we try to overcome the lack of information about it in the medium.

Therefore, we emphasize the aspects of a socio-historical institutional approach that can

distance themselves form the Church as the Nazarenes understand their own denomination. In

addressing this subject, we emphasize the literature, documentary analysis, use of audiovisual

resources, as well as participant observation. This work enabled the understanding that the

Church of the Nazarene, from its beginnings, the practice follows the distinction between

Protestant in which it operates. In the case of Brazil, where there are many others

denominations, the Church has been firmed on its main distinction, the doctrine of holiness,

which, by a focus on the theory of religious economies, has served as a product to meet

specific market niche Brazilian religious.

Keywords: Holiness Movement, the Doctrine of Holiness, Church of the Nazarene, the

Nazarene Church in Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 18 ANTECEDENTES SOCIORRELIGIOSOS DA FORMAÇÃO DA IGREJA DO

NAZARENO ........................................................................................................................... 18 Introdução ................................................................................................................................. 18 1.1 Esclarecendo a relação entre uma perspectiva sociológica e a eclesiologia ....................... 20 1.2 O arminianismo .................................................................................................................. 24

1.3 O arminianismo na Inglaterra ............................................................................................. 27 1.4 A tradição wesleyana .......................................................................................................... 29 1.5. O reavivamento wesleyano ................................................................................................ 32 1.6 Doutrina da Santidade ........................................................................................................ 34

1.7 O Movimento de Santidade ................................................................................................ 38 Conclusão ................................................................................................................................. 55

CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 57

A IGREJA DO NAZARENO ................................................................................................ 57 Introdução ................................................................................................................................. 57 2.1 Phineas Bresee (1838-1915) ............................................................................................... 57 2.2 As Associações e Igrejas formativas da Igreja do Nazareno .............................................. 66

2.2.1 A formação da Associação das Igrejas Pentecostais da América (AIPA). .............. 66

2.2.2 A formação da Igreja de Cristo em Santidade (ICS) ............................................... 68

2.2.3 A união da Igreja do Nazareno com a AIPA e a ICS ............................................... 71

2.2.4 A consolidação da Igreja do Nazareno: uma interpretação weberiana .................. 77

2.3 A Estrutura de poder na Igreja do Nazareno ...................................................................... 81

2.4 A Mídia Nazarena ............................................................................................................... 93 Conclusão ................................................................................................................................. 98

CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................ 100 A IGREJA DO NAZARENO NO BRASIL ....................................................................... 100 Introdução ............................................................................................................................... 100 3.1 A Igreja do Nazareno: sua trajetória de Cabo Verde ao Brasil. ....................................... 101

3.2 A inserção da Igreja do Nazareno no Brasil ..................................................................... 107 3.3 A Igreja do Nazareno vista a partir da economia das trocas religiosas ............................ 117

3.4 A Atualidade da Igreja do Nazareno no Brasil ................................................................. 121 3.5 O Pastorado Nazareno ...................................................................................................... 125 3.6. Cultos e Práticas Nazarenas ............................................................................................. 132 Conclusão ............................................................................................................................... 140

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 142 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 151

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INTRODUÇÃO

A Igreja do Nazareno é uma instituição religiosa que surgiu do Movimento de

santidade nos Estados Unidos, no final do Século XIX. Em seu Manual -2009-2013-

(IGREJA DO NAZARENO/MANUAL 2009-2013, 2009, p. 14) ela se apresenta como uma

Igreja protestante, cujas maiores heranças são a tradição armínio-wesleyana e a doutrina da

santidade. O aparecimento da Igreja do Nazareno se deu em meio ao contexto de convulsões

sócio-religiosas do período posterior à Guerra de Secessão estadunidense (1861-1865), em

que as denominações1 presentes pareciam não atender as demandas religiosas nem adaptar

suas práticas às contingências da sociedade da época. A Igreja do Nazareno se consolidou

como expressão nacional de um movimento que buscava atrelar as práticas religiosas às

necessidades sociais, tais como: prestar assistência aos pobres, aos viciados, combater a

escravidão e promover um estilo de vida regrado. Esse movimento foi chamado de

Movimento de santidade ou Movimento “holiness”, do qual a Igreja do Nazareno tornou-se

herdeira.

A prática dos fundadores da Igreja do Nazareno de se voltarem para as questões

sociais, em meio ao crescimento urbano, trouxe divergência com outras denominações,

principalmente, com alguns ramos do metodismo que não viam nas ações sociais uma

alternativa para os problemas causados pelo desenvolvimento das cidades e, assim, sentiram o

esvaziamento de suas igrejas causado pela adesão a um cristianismo mais prático e de

valorização dos seres humanos. O Movimento de santidade foi primordialmente voltado aos

mais carentes e excluídos, que buscavam aderir a ele como forma de promoção social e

religiosa. A adesão à doutrina da santidade proporcionava a todos um novo condicionamento

religioso pela purificação dos pecados e um novo “status” social por ingressarem em um

ambiente de liberdade e igualdade.

1 Segundo Mendonça, o protestantismo norte americano desenvolveu o fenômeno religioso chamado

denominacionalismo. Esse fundamentou uma nova base social civil-religiosa que caracterizava pela associação

voluntária às igrejas e que por sua forma expandia o ideal puritano. Cada denominação tinha um propósito ou

intenção fundamentada em doutrinas teológicas específicas que por sua vez propugnavam um chamado divino

específico. A palavra denominação implica um grupo vinculado a uma instituição maior, a afirmação básica é

que a Igreja verdadeira não se identifica com nenhum desses grupos em particular, com isso nenhuma

denominação afirma representar toda Igreja de Cristo em particular. Nenhuma denominação insiste que as outras

Igrejas são falsas e que a sociedade deveria se submeter aos seus regulamentos eclesiásticos. (Cf. MENDONÇA,

Antônio Gouvêa. 1984, p. 45- 46.)

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A consolidação da Igreja do Nazareno como maior expressão nacional do Movimento

de santidade nos Estados Unidos decorreu da união de vários grupos e igrejas de santidade

naquele país. Essa união visou à estruturação institucional em uma única igreja, que

harmonizasse a ação e o pensamento das principais lideranças envolvidas com o Movimento

de santidade oriundas de todas as regiões dos Estados Unidos. Esse processo refletiu na forma

de governo representativa formada por vários níveis hierárquicos de poder. Essa estrutura

organizacional expandiu-se pelo mundo, chegando em 1901 nas Ilhas de Cabo Verde de onde

vieram os principais missionários que implantaram a Igreja do Nazareno no Brasil, a partir de

1958.

O estudo dos primórdios da formação da Igreja do Nazareno até seu cinquentenário no

Brasil visa, sobretudo, a compreensão do que é a Igreja do Nazareno, quais foram os

principais aspectos sociorreligiosos que contribuíram para seu surgimento, como se formou

sua estrutura de poder, como foi sua difusão pelo mundo, como se deu sua chegada ao Brasil,

como se consolidou nesse país e que diferencial ela traz em meio ao cenário religioso no

Brasil. A fim de responder a essas questões, iniciamos com o enfoque nos antecedentes

formativos da Igreja do Nazareno os quais a própria Igreja assume como herdeira desses

movimentos e aspectos teológicos, a saber: o arminianismo, a tradição wesleyana, o

Movimento de santidade e a doutrina da santidade. A abordagem desses aspectos é feita no

capítulo I, no qual se enfatiza as condições sociais e religiosas em que se desenvolveram esses

conceitos. Mesmo tendo eles grande valor teológico, partimos da premissa que nenhum

constructo humano é apriorístico e não tenha ligação com a realidade em que surgiu.

O segundo capítulo aborda a formação da Igreja do Nazareno em si, descreve a ação

dos pioneiros nazarenos nos Estados Unidos, destacando a figura de Phineas Bresee. Nesse

capítulo, tratamos, também, do surgimento da Associação das Igrejas Pentecostais da América

e da Igreja de Cristo em Santidade que se uniram à congregação da Igreja do Nazareno para

formarem a maior expressão institucional do Movimento de santidade nos Estados Unidos, a

Igreja do Nazareno. Assim, destacamos os dois processos de formação da Igreja do Nazareno.

Primeiro, aquele em que ela surge como uma congregação do Movimento de santidade, em

1895 e, segundo, aquele em que ela surge como expressão nacional e institucional desse

movimento, em 1908. O processo de consolidação da Igreja do Nazareno, como expressão

nacional do Movimento de santidade nos Estados Unidos, desenvolveu uma estrutura

hierárquica de governo representativo que possibilitou a ela organizar inserções em várias

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partes fora dos Estados Unidos, tornando uma das principais instituições promotoras da

mensagem de santidade no mundo.

Enfatizamos, nesse capítulo, o papel que a mídia exerceu na Igreja do Nazareno.

Desde os primeiros anos em que se tornou expressão nacional do Movimento de santidade, os

princípios nazarenos foram difundidos pela mídia escrita. A literatura de santidade tornou essa

Igreja conhecida de um extremo ao outro dos Estados Unidos, ao mesmo tempo, foi um fator

importante para sua expansão em áreas mundiais. A Mídia radiofônica nazarena, em muitos

casos, precedeu a ação missionária da Igreja pelo mundo. Pela análise desses aspectos,

procuramos mostrar que o recurso midiático foi fator preponderante para se legitimar não

apenas as ações externas da Igreja, mas, principalmente, criar um vínculo de coordenação

entre os vários grupos que a compuseram, a fim de alcançarem uma expressão unilateral do

Movimento de santidade nos Estados Unidos e fora dele, principalmente, em decorrência da

forte internacionalização que a Igreja do Nazareno já apresentava na segunda metade do

Século XX. Abordamos o processo de consolidação da Igreja do Nazareno nos Estados

Unidos, a partir de uma perspectiva weberiana, a fim de mostrar o processo de mudança de

uma dominação carismática para a dominação burocrática-legal decorrente da rotinização de

atividades e das novas gerações de Superintendentes gerais que passaram a direcionar as

ações dessa Igreja.

No capítulo terceiro, tratamos da Igreja do Nazareno no Brasil. Iniciamos com o

estudo de seu desenvolvimento desde Cabo Verde, porque através dessas Ilhas se deu o

percurso que os nazarenos fizeram para se chegar ao Brasil. Os principais pioneiros nazarenos

tiveram uma passagem importante em Cabo Verde e por meio dessa experiência implantaram

a Igreja em território brasileiro. José Zito e Joaquim Antônio Lima foram cabo-verdianos que

tiveram papel preponderante nesse processo de inserção e expansão e Earl Mosteller,

missionário americano que esteve nas Ilhas por 12 anos antes de vir ao Brasil, é, oficialmente,

o fundador da Igreja do Nazareno no país. Nesse capítulo, desenvolvemos o processo de

inserção da Igreja na cidade de Campinas e sua expansão para outros centros urbanos, como

Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Destacamos que esse processo foi

construído sobre as estratégias de utilização dos espaços midiáticos radiofônicos e escritos,

bem como, pela busca de alinhamento político que proporcionaram à Igreja do Nazareno

rápido estabelecimento nas cidades escolhidas.

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Em perspectiva teológica, defendemos a ideia de que a Igreja do Nazareno procurou se

distinguir das outras denominações no cenário religioso brasileiro, por meio da doutrina da

santidade. Essa doutrina, tratada em termos do arcabouço teórico da economia das trocas

religiosas, deu a essa Igreja a chamada vantagem comparativa, ou seja, a doutrina da

santidade foi um produto mercadológico distinto entre os demais produtos religiosos em

circulação no mercado brasileiro. A Igreja do Nazareno atendia a um nicho de mercado

formado por aqueles que se sentiam insatisfeitos com as igrejas das quais faziam parte e por

pessoas que buscavam uma forma diferenciada do cristianismo protestante não vista nas

igrejas estabelecidas no eixo de inserção da Igreja do Nazareno no Brasil.

A teoria das economias religiosas, utilizada como arcabouço nesta pesquisa, distingue

da abordagem mercantilista da religião em que esta é vista dentro de uma lógica em que as

igrejas mudam seus padrões de comportamento para atender ao mercado de clientes

religiosos. Nessa perspectiva mercantilista, as igrejas utilizam de técnicas e procedimentos do

mercado para atrair os fiéis. Estruturas de marketing, gestão, negócios e de administração são

utilizadas na busca de se consolidarem no mercado religioso. Ao contrário, a teoria das

economias religiosas considera a lógica do mercado, mas não enfoca a mercantilização da

religião. Essa teoria percebe as igrejas como instituições que estão inseridas na competição

para ofertar produtos religiosos, mas que não mudam seus padrões para alcançar as pessoas e

sim buscam atender uma demanda já definida. Em síntese, as diferenças entre as

denominações criam um mercado de produtos religiosos que estão em concorrência perfeita,

devido à quebra do monopólio religioso da Igreja Católica. Cada igreja busca seu nicho

religioso sem alterar ou buscar outras formas teológicas para atender o público, visto que para

os proponentes dessa teoria não é possível a uma única instituição religiosa atender toda a

demanda.

A Igreja do Nazareno, com seu produto diferenciado da santificação, orienta-se para

aqueles que visam ao aperfeiçoamento, isso é, a doutrina da santidade é uma expressão

teológica que suplanta a simples justificação, pois é um ato posterior a ela. Assim,

intrinsecamente, está destinada às pessoas que já tiveram uma experiência da vida religiosa

dentro das denominações protestantes. O produto religioso da santificação atende, então,

àqueles membros das igrejas que, inconformados com elas, buscam novos caminhos, ou

então, atende àqueles que não veem nas membresias dessas igrejas uma mudança substancial

de estilo de vida, a ponto de não quererem experimentar a crença dessas pessoas. A doutrina

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da santidade é endereçada ao chamado aperfeiçoamento dos santos, nicho do mercado

religioso pouco vislumbrado por outras instituições religiosas.

Ao mesmo tempo em que assim caracterizamos a doutrina da santidade na perspectiva

da teoria das economias religiosas, podemos observar que a inserção da Igreja do Nazareno no

Brasil foi mais uma tentativa de se estabelecer enquanto instituição do que se empenhar no

chamado processo de evangelismo em si. A Igreja não se inseriu em um ambiente pagão ou a-

religioso, pelo contrário, muitas outras denominações já haviam se estabelecido nos grandes

centros, de forma que, ela não buscou centros pioneiros de missões, mas o seu

estabelecimento em um meio repleto de outras instituições religiosas protestantes. A

estratégia de Mosteller foi buscar os centros desenvolvidos culturalmente para que as pessoas

que se afiliassem à Igreja do Nazareno pudessem assimilar mais rapidamente a doutrina da

santidade. Além disso, Mosteller procurou se alinhar politicamente às autoridades para obter

apoio às ações da Igreja. Tais condicionamentos remetem que o objetivo principal da inserção

da Igreja do Nazareno no Brasil foi, primeiro, se estabelecer institucionalmente e, segundo,

atender a uma demanda teológica não atendida por outras instituições presentes no Brasil.

Dessa forma, a inserção da Igreja do Nazareno no Brasil não foi uma forma de contra-cultura,

mas de assimilação de todos os elementos que lhe pudessem ser propícios ao seu

desenvolvimento no país.

Este estudo da Igreja do Nazareno visa também qualificá-la em temos de suas práticas

litúrgicas, de formação pastoral, de agregação de membros e de suas crenças básicas.

Portanto, aborda aspectos como a centralidade da Bíblia, a dominação carismática pastoral

sobre a membresia e a relação burocrática-legal na hierarquia da Igreja. Esses aspectos

ressaltam a extensão da influência da Igreja sobre os seus membros, que é percebida além do

âmbito meramente eclesial. A figura do pastor adquire proeminência frente às demais

lideranças e sobre qualquer pessoa na Igreja, com isso, suas decisões passam a efeito

normativo referendado pelo poder da Bíblia. Aliás, a centralidade que a Bíblia tem na Igreja

do Nazareno decorre de sua condição como a Palavra de Deus e da interpretação que o pastor

lhe dá. Não é comum questionar os atos e discursos do pastor se ambos forem interpretados a

luz da Palavra de Deus. Essa interpretação é dada com autoridade pelo pastor, portanto, há

uma simbiose entre a Palavra de Deus e a palavra do pastor.

Decorre disso, que o pastor, conforme a concepção tomada de Jean-Paul Willaime

(2003), torna-se um tipo de clérigo, que assume papéis específicos de manutenção da ordem

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eclesiástica, da qual a Bíblia é o principal instrumento de legitimação. Figuras bíblicas que

enaltecem o caráter de liderança são constantemente comparadas aos pastores nazarenos.

Ocorre uma sacralização da figura do pastor em relação aos membros das igrejas, de modo

que os intentos pastorais geralmente são alcançados. Essa condição somente é perdida,

quando o pastor perde o carisma da mensagem. Fora isso, a membresia nazarena está

suscetível de incorrer em práticas das mais variadas, somente controladas pela dominação

burocrática-legal da hierarquia da Igreja.

Em todos esses aspectos, este trabalho procura suplantar a falta de conhecimento sobre

a Igreja do Nazareno, trazendo ao conhecimento público as características formativas e

essenciais dessa Igreja, por meio do estudo da questão de como foi o processo de formação e

consolidação da Igreja do Nazareno até o ano de seu cinquentenário no Brasil. Em

decorrência desta problematização, apresentamos como hipótese principal, que o processo de

inserção da Igreja do Nazareno no Brasil se deu como resposta à falta de uma instituição no

cenário protestante brasileiro que vinculasse sua mensagem diretamente ao aperfeiçoamento

dos já convertidos. Assim, apontamos que, a inserção e expansão da Igreja do Nazareno no

Brasil visaram cobrir um lapso dogmático que nem as Igrejas clássicas e nem as pentecostais

suplantaram com suas mensagens e doutrinas. A Igreja do Nazareno visualizou o cenário

religioso brasileiro em termos das economias religiosas, ou seja, um ambiente de concorrência

em que seria necessário um fortalecimento institucional, ao invés de uma prática evangelística

pulverizada. Mesmo que entendamos que a doutrina da santificação propugnada pela Igreja do

Nazareno não se originou com ela e nem é exclusividade dela, os nazarenos entendem que o

Movimento de santidade se desvaneceu no âmago de outras denominações que a princípio

haviam aderido à doutrina da santidade.

Assim como nos Estados Unidos se buscou uma organização centralizada que

preservasse e difundisse a mensagem da santidade proveniente do Movimento holiness, assim

os nazarenos buscaram implantar uma instituição eclesial no Brasil que difundisse a

perspectiva original da santidade. Podemos aventar tal hipótese, pela necessidade apresentada

pelo casal Stegemoeller, nazarenos residentes no Brasil, de solicitar à direção da Igreja nos

Estados Unidos a vinda de missionários para implantação da Igreja no Brasil, bem como,

apesar da ausência da Igreja do Nazareno no país, José Zito, um de seus pioneiros, não ter se

filiado às Igrejas Congregação Cristã no Brasil, Presbiteriana, Metodista ou qualquer outra,

enquanto a Igreja do Nazareno não se estabeleceu em terras brasileiras.

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A doutrina da santidade é patente em toda a forma de argumentação para consolidação

da Igreja do Nazareno no Brasil, resta avaliarmos qual o ganho ou perda essa doutrina trouxe

para sua afirmação no contexto religioso brasileiro. Pela dificuldade que temos para

harmonizá-la dentro das categorias do protestantismo brasileiro, ressaltamos que seus valores

essenciais ainda são bem distintos das demais instituições religiosas no país, até mesmo

daquelas oriundas do Movimento de santidade. Tal hipótese se revela nas reiteradas vezes que

periódicos, boletins, artigos, apostilas, organogramas, etc., oriundos dessa Igreja, insistem em

mostrar o vínculo distintivo dessa denominação com a doutrina da santidade.

Por fim, ressaltamos que, o foco desse estudo é a descrição e análise da formação e

expansão de uma instituição religiosa que visa a se estabelecer em um cenário protestante

diversificado. Portanto, esse estudo atende a uma lógica institucional da fundação,

desenvolvimento e reprodução de uma organização religiosa, baseado na perspectiva da

sociologia da Religião de Max Weber (2004), François Houtart (1994) e Thomaz O‟Dea

(1969) e na especificidade de sua inserção em um mercado religioso plural abordado pela

teoria das economias religiosas. Para não perdermos os aspectos bíblicos e teológicos

pertinentes a essa instituição, buscamos o diálogo com o ramo da Teologia denominado de

eclesiologia.

No aspecto metodológico, priorizamos a análise dos documentos da Igreja, como

manuais, atas, correspondências, ofícios, revistas e jornais, bem como, a análise de material

audiovisual, contidos em fitas VHS e em CDs. Efetuamos pesquisas em seminários nazarenos

e na Faculdade Nazarena do Brasil. Empenhamos visitas à Igreja do Nazareno central em

Campinas e em outras Igrejas dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e

Goiás. Coletamos informações, por meio eletrônico, junto às Igrejas das outras regiões do

Brasil e dialogamos com importantes lideranças dessa Igreja no Brasil, a fim de obtermos

esclarecimentos e informações não disponíveis em documentos. Utilizamos também da

observação participante e do diálogo com leigos nazarenos para melhor caracterizarmos o

objeto dessa pesquisa

Entendemos que, apesar da singularidade da Igreja do Nazareno, seu estudo pode ser

proveitoso para aqueles que percebem que os fatos que a envolvem são semelhantes aos que

envolvem outras igrejas protestantes e que os aspectos abordados nesse estudo podem ser uma

contribuição para aqueles que desejam embrenhar nos caminhos da pesquisa sobre outras

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igrejas. A partir dessas considerações, mostramos a seguir, no primeiro capítulo, a descrição e

análise dos movimentos e fatos que formaram o campo ideológico da Igreja do Nazareno.

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CAPÍTULO 1

ANTECEDENTES SOCIORRELIGIOSOS DA FORMAÇÃO DA

IGREJA DO NAZARENO

Introdução

Esse capítulo enfoca os antecedentes sociorreligiosos que contribuíram para a

formação da Igreja do Nazareno, no final do Século XIX. Nele, procuramos descrever e

analisar os principais fatores que a própria Igreja do Nazareno define como essenciais em sua

formação, conforme está estabelecido em seu Manual -2009-2013- (IGREJA DO

NAZARENO/MANUAL 2009-2013, 2009.). Trataremos, portanto, das descrições analíticas

do arminianismo, principalmente, na sua expressão inglesa; da tradição wesleyana, da

doutrina da santidade e do Movimento de santidade ocorrido nos Estados Unidos, no Século

XIX.

A Igreja do Nazareno é uma instituição religiosa fundamentada nos princípios da

Reforma Protestante. Surgida nos Estados Unidos no final do Século XIX, ela se considera

herdeira da doutrina wesleyana de santidade que se difundiu nesse país através do Movimento

de santidade, ou Movimento holiness como também é conhecido. Essa instituição foi

inicialmente denominada de Igreja do Nazareno, a partir da congregação fundada pelo Pastor

metodista Phineas Franklin Bresee (1838-1915) e pelo médico, também metodista, Joseph

Pomeroy Widney (1841-1938), em 30 de outubro de 1895, na cidade de Los Angeles.

Segundo Timothy L. Smith ([195-], p. 123-126), Bresee e Widney, antes de fundarem

a Igreja do Nazareno, haviam se associado à Missão Peniel, uma missão que prestava

assistência aos pobres em meio o crescimento urbano estadunidense. Enquanto estava

vinculado à Missão Peniel, Bresee requereu sua renovação como ministro da Igreja Metodista,

que lhe foi negada, ocasião em que se desligou dessa Igreja. Após algum tempo, também se

desligou da Missão Peniel por divergências com seus líderes. Bresee e Widney alugaram um

espaço na Rua South Main nº 317 (IGREJA DO NAZARENO/MANUAL 1997-2001, 1997,

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p. 18) e anunciaram os mesmos serviços de auxílio aos pobres, denominando esse espaço de

Nazareno, por entenderem que era o nome que mais identificava Jesus Cristo com os pobres.

O crescimento das atividades na South Main fez surgir a Igreja do Nazareno.

A incipiente Igreja do Nazareno cada vez mais se imbricava com os princípios do

Movimento de santidade. Aliás, o seu pressuposto de um cristianismo social advinha desse

movimento que se solidificava cada vez mais por meio da organização de grupos

independentes de santidade que se espalharam pelos Estados Unidos. Entre eles, estavam a

Associação de Igrejas Pentecostais da América (1887) e a Igreja de Cristo em Santidade

(1894). Em 1896, a Associação das Igrejas Pentecostais da América e a Associação Central

Evangélica de Santidade uniram-se, mantendo o nome da primeira associação, cujo principal

expoente era o pastor Hiram Reynolds. (IGREJA DO NAZARENO/MANUAL 1997-2001,

1997, p. 17). No final do ano de 1907, essa Associação uniu-se em Chicago à Igreja do

Nazareno. Reynolds e Phineas Bresee foram eleitos os Superintendentes gerais da Igreja do

Nazareno. Durante o ano de 1908, o Superintendente geral assistente e antes evangelista da

Igreja Cristã de Santidade, Christian Wismer Ruth promoveu a união desta com a Igreja do

Nazareno, dando origem à Igreja Pentecostal do Nazareno, em 13 de Outubro em Pilot Point,

Texas. Tal data é a oficialmente aceita como a da fundação da Igreja Pentecostal do Nazareno,

cujo nome foi mudado na Assembleia geral de 1919, para Igreja do Nazareno. (IGREJA DO

NAZARENO/MANUAL 1997-2001, 1997, p. 20).

A Igreja do Nazareno, mesmo antes de sua data oficial de fundação já efetuava o

trabalho missionário em outras regiões, como na Índia e alguns países de América Central. No

Brasil, a Igreja se estabeleceu depois de consolidada teológica e administrativamente nos

Estados Unidos. Sandro José Hayakawa Cunha (2007, p. 30) descreve a chegada de alguns

missionários da Igreja do Nazareno no Brasil. Ele afirma que o desembarque, no Porto de

Santos, do pastor nazareno de Cabo Verde, José Zito de Oliveira, em julho de 1956, foi o

início da história nazarena no Brasil. Todavia, antes dessa data, já havia membros leigos

nazarenos habitando no país, mas que vieram com objetivos trabalhistas e não devido a uma

ação missionária da Igreja do Nazareno no Brasil. Segundo relatos de alguns líderes dessa

Igreja, o mesmo aconteceu com José Zito que viera ao Brasil para trabalhar e não por

mandado oficial da Igreja para atuar como missionário.

Oficialmente, a Igreja do Nazareno chegou ao Brasil em 1958, por meio do reverendo

Earl Elwood Mosteller e de sua esposa Gladys Marie Parker Mosteller e, pouco depois, com a

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vinda do casal de missionários Charles e Joana Gates. Earl Mosteller e Charles Gates, com

suas respectivas esposas e filhos, chegaram ao Brasil a pedido do casal Stegemoller que havia

enviado uma carta à sede da Igreja do Nazareno nos Estados Unidos solicitando missionários

para instalarem a Igreja do Nazareno no território brasileiro. Os Stegemoller vieram a trabalho

em uma indústria de tratores e máquinas pesadas em Campinas, o que significa que não

vieram ao Brasil a serviço da Igreja. Outros missionários e novos adeptos da Igreja do

Nazareno fizeram com que essa se espalhasse para outros Estados e cidades nos poucos meses

posteriores, como é o caso de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.

Cinquenta anos depois, a Igreja do Nazareno encontra-se em todas as regiões do Brasil com

aproximadamente 90 mil membros. (IGREJA DO NAZARENO/AGENDA, 2009.).

1.1 Esclarecendo a relação entre uma perspectiva sociológica e a eclesiologia

A breve explanação que fizemos sobre a Igreja do Nazareno tenta mostrar como a

formação institucional é dependente do ambiente sócio-histórico que a circunscreve, portanto

o estudo do processo formativo da Igreja do Nazareno servirá dos arcabouços teóricos que

privilegiam a institucionalização dos movimentos religiosos, uma vez que buscamos, neste

capítulo, o entendimento do processo formativo de uma instituição: a Igreja do Nazareno.

Tomamos, portanto, na análise desse objeto os condicionamentos sócio-históricos mais

importantes que contribuíram para o surgimento dessa Igreja. Esses condicionamentos são

retratados, como já dissemos, a partir das próprias concepções que a Igreja entende como

essenciais à sua formação, portanto as definições de arminianismo, da tradição wesleyana e do

Movimento de santidade nos Estados Unidos sustentam a abordagem deste capítulo. Assim, a

forma de análise que propomos é uma simbiose entre a abordagem da Sociologia da Religião

sobre as instituições religiosas2 e a eclesiologia, visto que os aspectos sociais de formação da

Igreja estão intrinsecamente ligados aos fatores teológicos que ela adota, ou seja, há uma

interpretação teológica dos eventos sociais no âmbito da Igreja do Nazareno.

A eclesiologia é um ramo da teologia cristã que estuda a Igreja e suas doutrinas.

Conforme Alister Edgar McGrath (2005, p. 543), a eclesiologia busca responder à questão

2 Nesse aspecto, tomamos como referência teórica as perspectivas sociológicas da religião de Francois Houtart

(1994) e Thomaz O‟Dea (1969).

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básica: O que é a Igreja? Dessa forma, essa disciplina estuda uma instituição de cunho

burocrático formal, mas também de valor simbólico espiritual. Na perspectiva de uma

eclesiologia protestante, tem-se que a Reforma Protestante (1517) se iniciou dentro da visão

do que seria a Igreja, visto que de imediato, contradizia os princípios hierárquicos,

burocráticos e teológicos da Igreja Católica Romana. Para Lutero, a Igreja Católica havia

perdido o direito de ser considerada a autêntica igreja cristã por haver se distanciado da

doutrina da graça3.

Segundo Walter Altmann (1994), Lutero fazia distinção entre a igreja externa e igreja

interna, isso é, a igreja enquanto instituição humana e comunidade mística espiritual. No

entanto, essa separação não era tão patente; são “dimensões que se dão sempre em

simultaneidade, não como entidades compartimentadas.” (ALTMANN, 1994, p. 126). Mesmo

assim, Lutero apresentou contundente crítica à Igreja institucional. Para ele, “o que se crê não

é corporal nem visível. Todos nós vemos a Igreja Romana exterior. Por esta razão, ela não

pode ser a verdadeira Igreja, que é crida e é uma comunidade ou assembleia dos santos na fé”.

(LUTERO, 1987. p. 378).

A diferenciação proposta por Lutero estava no conceito utilizado para designar a

natureza da igreja, mas não para torná-la intocável do ponto de vista das críticas. As críticas

de Lutero se voltavam para a parte visível da Igreja expressa nas figuras do clero. Essa crítica

ao clero não visava o esvaziamento do significado religioso da igreja, nem o aniquilamento de

seu papel social. Com isso, não se desprezavam os parâmetros espirituais dela, nem se

criticava sua influência religiosa, mas a forma como o clero a levava a imiscuir nas questões

temporais. Esse aspecto se comprova pela utilização que Lutero fazia dos argumentos

teológicos e religiosos para fundamentar sua crítica ao clero e sustentar a ação dos príncipes

no meio eclesial.

Se a eclesiologia é o estudo da Igreja, tanto no âmbito institucional como

transcendental, cabe definirmos o que se entende por Igreja neste trabalho. A palavra

“ekklesia” remetia à assembleia dos cidadãos livres da pólis grega para fazerem eleições. No

sentido bíblico do Antigo Testamento, as reuniões que ganharam conotações provenientes dos

3 A graça é um conceito teológico extraído da interpretação bíblica, no qual expressa o favor incondicional de

Deus para com os seres humanos, independente desses o conhecerem ou amá-lo. Na perspectiva luterana, a graça

suprime a intervenção eclesiástica para que os seres humanos se relacionem com Deus. (Cf. GRENZ;

GURETZKI; NORDLING, 2002, In: GRAÇA)

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preceitos de Javé, ou em torno dele, eram traduzidas como igreja, conforme estipula a versão

dos setenta4. Segundo Edward Schillebeeckx (1989, p. 60), os primeiros cristãos aproveitaram

dessa concepção e adotaram-na para se referir à reunião de fiéis aos preceitos de Jesus Cristo

em determinado local e também para as várias comunidades cristãs existentes em uma cidade,

ou espalhadas no mundo.

No caso do protestantismo, o conceito de igreja foi definido, por extensão, aos adeptos

do princípio luterano: somente pela graça, somente pela fé e somente pelas escrituras. Os

quais implicaram na singela definição encontrada nos artigos de Esmalcada5 em que a Igreja é

os cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor. Daí, Altmann (1994. p. 124) ressalta que “há

na compreensão de Igreja em Lutero, uma dimensão de forte crítica institucional. Excluída

está também de antemão a predominância de uma hierarquia eclesiástica”. Pelos princípios de

Schillebeck e de Lutero, entendemos que a Igreja protestante se estabelece em um

fundamento transcendente e subjetivo e em outro material histórico. Isso traz a necessidade de

uma abordagem social e eclesiológica e, nesse aspecto, visualizamos a Igreja do Nazareno no

Brasil por intermédio das relações burocráticas e pelas relações com o sagrado refletido na

supremacia da Bíblia e da prédica pastoral como padrão prescritivo na Igreja e na condução

dos membros nazarenos.

O que ressaltamos é a impossibilidade ou a dificuldade de se fazer um estudo

sociológico da Igreja do Nazareno sem levarmos em conta sua inseparabilidade com o valor

simbólico da Bíblia. Teólogos modernos como Friedrich Schleiermacher, Rudolf Bultmann,

Barth entre outros sustentavam a inseparabilidade da igreja das Escrituras, bem como a

primazia dessa na padronização de outras formas eclesiásticas. Conforme ressalta Hugh R.

Mackintosh (2004. p. 71), mesmo para Schleiermacher, que via a necessidade de uma maior

flexibilidade da dogmática, não se percebe a alternativa de outra medida da verdade sobre a

pregação ou confissões da igreja que fosse diversa da interpretação da Palavra de Deus. Por

meio dela, pode-se julgar tanto o passado como o presente. Nesse aspecto, tomamos o

pensamento de Claude Geffré (2004. p. 14) que retrata bem o valor da Bíblia nas igrejas

4 Versão dos setenta ou septuaginta refere-se à tradução do Antigo Testamento hebraico para o latim. Segundo a

tradição essa versão foi feita por setenta e dois rabinos que, sem se conhecerem, traduziram a Torá sem se

contradizerem.

5 Conforme Earle E. Cairns (1995), a liga Esmalcádica era uma organização formada por Príncipes protestantes

para defesa mútua contra os católicos, no ano de 1531.

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protestantes. “o que é transmitido não é apenas um texto do passado, ou um acontecimento do

passado, mas uma realidade sempre atual”. Assim, ressaltamos que um estudo simplesmente

sociológico da Igreja do Nazareno não traria a realidade que envolve suas relações, se

desconsideramos a legitimidade que as construções teológicas trazem às suas práticas.

Dessa forma, acreditamos que quaisquer que sejam as proposições utilizadas para se

definir uma igreja, o papel escriturístico é essencial, isso é, podemos pensar uma igreja com

muitos, poucos e até com um membro, podemos entendê-la com práticas ortodoxas ou

heterodoxas, com variadas formas de governo etc.. Contudo, todos esses aspectos se

submetem e são legitimados por uma avaliação bíblica. Qualquer que seja a forma ou

conteúdo de uma igreja de linha protestante evangélica são eles fundados ou referendados

pela interpretação que se tem das Escrituras Sagradas, ela torna-se o padrão normativo-

prescritivo de uma instituição religiosa do ramo protestante. C. William Fischer ([19--]), no

prefácio de seu livro, Porque sou nazareno e não Católico Romano, Espírita, Testemunha de

Jeová, Mormón e Adventista do 7º dia, estipula que o padrão nazareno de interpretação

da Bíblia é o valor principal de diferenciação em relação às outras instituições e não há

qualquer outro critério que a suplante.

Muitas observações e convicções tornaram esta obra uma tarefa compulsória, e mais

que necessária: a sagaz camuflagem da heresia, no empregar um vocabulário,

respeitável e ortodoxo [...] Se este livro criar o orgulho ou a arrogância

denominacional (dos nazarenos), terá falhado no seu propósito. Se criar ou alargar

uma caridosa compreensão naqueles cujas mentes estão distorcidas, e ao mesmo

tempo patentear tais distorções à reveladora luz do ‘Assim diz o Senhor’(da Bíblia)

e propiciar a todos que o lerem compaixão mais profunda para guiarem os

enganados aos caminhos da retidão e da verdadeira fé, terá provado que isso é obra

do Espírito. E nesta medida, e somente nesta medida, este volume será útil a todos

quantos o lerem e também agradável Àquele em cujo nome foi escrito. (FISHER,

([19--]), p. 6,7 grifo nosso).

Buscamos destacar com esse ponto, que os condicionamentos sociais que influenciam

na constituição de uma igreja são, em grande medida, referendados por alguma forma de

interpretação bíblica. O surgimento da Igreja do Nazareno é visto por seus adeptos como

resultado de uma interpretação escriturística do contexto sócio-histórico feita por seus

pioneiros. Nesse aspecto, pode parecer paradoxal a concordância que aqui se tem com as

origens sociais das denominações cristãs proposta por Helmut Richard Niebuhr (1992, p. 16)

que não se prende à interpretação ortodoxa do denominacionalismo cristão, que “considera os

credos oficiais das igrejas portadores da explicação das origens e do caráter das diferenças

vigentes” entre as várias igrejas. No entanto, propomos, como sutil diferença à abordagem de

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Niebuhr, o fato de não se entender o credo de forma ontológica, ou seja, como algo distinto da

realidade cotidiana, simplesmente baseada nos ditames teológicos. Dessa forma, podemos

entender o credo não como um preceito de origem transcendente, mas como resultado da

forma de se perceber a realidade que é traduzida, ou é interpretada para e pela linguagem

religiosa, que se institucionaliza nas igrejas.

Evidentemente, não desconhecemos os momentos críticos que a Bíblia ou a dogmática

passaram ao longo da história. No entanto, percebemos que qualquer que fosse o embate entre

ciência e dogma que interferisse na vida das igrejas protestantes não se resultou na perda da

centralidade das Escrituras no meio eclesial. Seja como forma apologética ou crítica, o lugar

de destaque da Bíblia não se desvaneceu no seio das igrejas. Com isso, destacamos que os

acontecimentos sócio-históricos exigiram e exigem das igrejas e movimentos religiosos uma

postura retroativa fundamentada nos princípios de interpretação escriturísticos que

diferenciam as igrejas entre si. Os acontecimentos sociais seriam, nesse aspecto, o ponto de

ativação das vertentes teológicas. Os pioneiros da Igreja do Nazareno perceberam a realidade

circundante e traduziram-na em termos que consubstanciaram no arcabouço teológico que

sustentou o aparecimento e fortalecimento institucional da Igreja do Nazareno, no final do

século XIX, os quais veremos a seguir.

1.2 O arminianismo

A Igreja do Nazareno se define como arminiana. Essa ideia remete ao século XVI e

aos ensinos do teólogo holandês Jacobus Arminius (1560-1609). Armínio nasceu em

Oudewater e estudou na Universidade de Leiden e Genebra. Nesta, se empenhou a estudar o

calvinismo sob as orientações do sucessor de Calvino, Teodoro Beza. Ao terminar os estudos,

Armínio voltou para a Holanda e assumiu como pastor uma igreja em Amsterdã, nesse tempo,

conheceu as idéias de Dirk Koornhert, também teólogo, que combatia as idéias do calvinismo.

Armínio de imediato colocou-se contrário a Koornhert, mas aprofundando-se em seus estudos

verificou a plausibilidade dos argumentos do teólogo de Amsterdã e passou a adotá-los.

Segundo José Gonçalves Salvador ([19--], p. 23), Koornhert, desde 1544, “vinha atacando as

idéias de Calvino na Suíça. No conceito de Koornhert, todas as formas de religião deviam ser

toleradas, mas, ao externar seu ponto de vista, feriu uma das doutrinas fundamentais do

calvinismo, único sistema que o Estado favorecia”.

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O calvinismo ganhou ascendência nos Países Baixos em 1560, quando começaram a

surgir as primeiras confissões de fé redigidas pelo pastor Guido de Brés, por meio das quais o

calvinismo organizou-se em igrejas. Os cinco pontos que resumem a doutrina calvinista são

assim expostos, conforme Mcgrath (2005): a) total depravação da natureza pecadora do ser

humano; b) eleição incondicional, pois os seres humanos não são predestinados pelo critério

dos próprios méritos; c) Cristo morreu somente para salvação dos eleitos; d) os eleitos são

inevitavelmente chamados e redimidos; e) os que são eleitos por Deus não podem abandonar

esse chamado.

O pensamento de Armínio não surgiu em um vácuo social. Os Países Baixos, em

decorrência das guerras contra o domínio espanhol, criaram uma mentalidade social que

prezava pela liberdade política e religiosa, tudo isso ainda era contornado por intensas

atividades comerciais que propiciavam o intercâmbio não somente de mercadorias, mas

também de ideias. O ponto crucial da discussão entre Armínio e os calvinistas era a forma

como estes tratavam a doutrina da dupla predestinação que dizia haver os eleitos e, por

consequência, também os perdidos. No entanto, a morte prematura de Armínio impossibilitou

a conclusão do debate que foi retomado pelos arminianos, principalmente, depois de

sucessivas perseguições na Holanda, em decorrência das doutrinas que promulgavam. Em

síntese, a doutrina da dupla predestinação estabelecia que o tornar-se justo, ou a justificação, é

uma condição adquirida somente pela vontade divina, ou seja, aquele que é justificado e

tornou-se, por consequência, salvo do castigo eterno, foi escolhido por Deus. Logo, os salvos

seriam inoperantes na própria salvação, pois esta não dependia deles, mas do favor divino em

escolhê-los.

Os “remonstrantes”6 alegavam que a salvação, por intermédio de Jesus Cristo, estava

disponível a todos e não somente àqueles que de antemão foram escolhidos por Deus. O

sacrifício de Cristo era, pois, de caráter universal e tanto os crentes como os não crentes eram

responsáveis por sua salvação. Daí o manifesto desses arminianos “remonstrantes”:

Deus, por meio de um eterno e imutável decreto em Cristo, antes da existência do

mundo, determinou-se a eleger para a vida eterna, dentre a raça humana pecadora e

caída, todos aqueles que, por meio da graça de Deus, crêem em Jesus Cristo e

6 Essa designação surgiu quando um grupo de pastores adeptos das ideias de Armínio viu se intensificar as

perseguições contra suas práticas e ideias, principalmente, em decorrência das ações impetradas pelo docente da

Universidade de Leiden, Francisco Gomaro. Em decorrência de tal fato, esses pastores assinaram um documento

intitulado de o protesto ou “remonstranza” que rechaçava ainda mais o calvinismo.

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perseveram na fé e na obediência.... Cristo, o salvador do mundo, morreu por todos

os seres humanos, obtendo dessa forma, pela sua morte na cruz a reconciliação e

perdão para todos, de tal maneira, entretanto, que apenas aqueles que são fiéis

realmente desfrutam disso. (MCGRATH, 2005, p. 535).

Para os arminianos, o calvinismo coloca Deus como autor do pecado, embora não

negassem, de todo, o chamado dos salvos semelhante à eleição. Os arminianos não

corroboravam, contudo, com um decreto divino arbitrário de escolha dos salvos, pois se assim

fosse os não salvos também seriam decorrentes da escolha de Deus e, para eles, ninguém foi

chamado para a perdição. Os “remonstrantes” acreditavam que nenhum ser humano por suas

próprias forças podia alcançar a Deus, esse, por intermédio de sua graça, é que chegava até os

homens, mas isso não significava que somente alguns tinham a sorte de serem alcançados. A

partir da aproximação de Deus é que os seres humanos poderiam escolher se seguiriam ou não

os ditames da divindade, mas todos os seres humanos poderiam ter essa escolha.

Os questionamentos à doutrina da dupla eleição não trouxe apenas uma nova

concepção teológica, mas disseminou a responsabilidade humana também nas questões

religiosas, até então tratadas por uma hierarquia de cunho transcendental. Com o

arminianismo, os desfechos da ação humana estavam ligados à própria conduta humana e não

como imposição de uma ordem superior. O livre arbítrio tornou-se possibilidade de atenuar

todos os resquícios de ostentação eclesiástica do período anterior à Reforma que ainda

vigoravam no norte da Europa. O individualismo que procurava abandonar o espírito

corporativo, o hedonismo baseado na autossatisfação contra a ascese medieval, o

antropocentrismo e o humanismo promovidos pelo renascimento pareciam ganhar sua maior

expressão religiosa por meio dos pressupostos arminianos.

As controvérsias entre arminianos e calvinistas tiveram, oficialmente, um fim quando

da promulgação do Sínodo de Dort7 reunido em 1618-1619, no qual se aprovou os cinco

artigos contrários à representação dos “remonstrantes” feita 1610. Propomos no quadro

abaixo o seguinte paralelo entre as propostas arminianas e calvinistas discutidas no Sínodo de

Dort:

7 Conforme Grenz, Guretzki e Nordling (2002, p. 123), o Sínodo de Dort foi uma assembleia das igrejas

reformadas dos Países Baixos, convocada em Dort em 1618-1619, para tratar politicamente da separação entre a

igreja e o Estado e teologicamente da questão arminiana. O Sínodo se posicionou contra o arminianismo e

estabeleceu bases que confirmavam a doutrina da depravação total da humanidade.

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QUADRO 1: Paralelo entre as propostas Arminianas e Calvinistas no Sínodo de Dort.

Arminianos Calvinistas

Eleição condicional. Eleição incondicional.

Expiação universal. Expiação limitada.

Incapacidade natural de fazer o bem fora da

Graça divina.

Incapacidade natural ou depravação total. A

regeneração deve preceder a conversão.

Graça preventiva ineficaz, conforme a

vontade do pecador.

Graça irresistível, o ser humano a quem Deus a

outorga será salvo.

Perseverança condicional, os seres humanos

podem decair da Graça e perecerem sem

salvação.

Perseverança final, segurança eterna

incondicional.

Segundo H. Orton Wiley e Paul T. Culbertson ([19--], p. 167.), o que se estabeleceu

do arminianismo foi que a obra salvadora de Deus é destinada a toda humanidade, não é um

ato arbitrário de Deus para garantir a salvação de alguns e a condenação de outros, mas um

ato destinado a todos os homens que respondem ao chamado para a salvação. Portanto,

eleição e predestinação se diferenciam no fato de que “a eleição implica escolha, enquanto a

predestinação não”. Dessa forma, os eleitos são escolhidos por Deus, mas não,

necessariamente, têm que aceitar essa escolha para a salvação, se afirmativamente aceitarem-

na, por meio da fé, serão então considerados os predestinados. A predestinação é o plano

divino pelo qual se leva a termo a eleição. Os pontos mencionados no quadro1 tiveram grande

influência no cristianismo europeu, quando os seguidores de Armínio foram depostos de seus

cargos na Holanda e disseminaram-se para outras regiões, principalmente para a Inglaterra.

1.3 O arminianismo na Inglaterra

Um dos primeiros passos para que a perspectiva arminiana se tornasse futuramente um

dos fundamentos do processo formativo da Igreja do Nazareno foi sua inserção no contexto

sóciorreligioso da Inglaterra. O contexto religioso em que se deparou foi de uma reforma

iniciada por Henrique VIII (1509-1547) que sofreu oscilações entre os movimentos

reformadores posteriores e a manutenção do catolicismo, por não se ter havido uma ruptura

drástica com o este último. Segundo, Haroldo Mendes, ([199-], p. 5) “Henrique VIII não

fundou uma nova igreja, mas simplesmente separou a igreja que já existia na Inglaterra da

tutela e controle romanos por razões políticas, econômicas, religiosas e até pessoais”. Essa

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nova conjuntura religiosa, no aspecto institucional, passou a ser denominada de Igreja

Anglicana. No entanto, a separação entre as diversas vertentes religiosas e a Igreja na

Inglaterra somente passou a ganhar contornos definidos quando esta se aproximou do

calvinismo no reinado de Eduardo VI e com a ascensão ao trono de Elizabeth I (1558-1603)

que sucedeu à Maria Tudor, esta de tendências católicas. A rainha Elizabeth I, afeita ao

anglicanismo, perseguiu os católicos e consolidou o anglicanismo na Inglaterra.

Traçando um breve percurso do protestantismo na Inglaterra, posterior a Henrique

VIII, percebemos que o puritanismo8 se tornara uma força teológica e política nesse país. Em

1643, o Parlamento convocou a Assembleia de Westminster, composta por teólogos

puritanos. Essa assembleia definiu uma confissão de fé, considerada como credo da Igreja,

além de definir sua disciplina e liturgia, ratificando assim o sistema presbiteriano. No entanto,

as crises entre o Parlamento e o rei Carlos I, além das dissidências de outras formas religiosas

tais como, batistas, congregacionalistas, que desejavam liberdade religiosa, impediram que os

propósitos da Assembléia de Westminster fossem estabelecidos de fato. Nessa época,

apareceu a Sociedade dos Amigos ou Quakers questionando as formas de governo

eclesiástico, os sacramentos, e o culto. Conforme Robert Hasting Nichols, (1981, p. 208), eles

propunham que a igreja deveria ser dirigida e instruída pelo Espírito Santo e não deveria

haver formas de governo fixo nas igrejas.

Esse ambiente plural permitiu ao arminianismo penetrar e desenvolver no território

inglês sem significativas oposições. A doutrina proveniente da Holanda foi assimilada tanto

por anglo-católicos, como pelos latitudinários, ou seja, por aqueles pertencentes à Igreja

Anglicana e eram afeitos ao romanismo e por aqueles que buscavam argumentos racionais nas

discussões religiosas. Segundo Salvador,([19--]) havia espaço para o arminianismo e o

calvinismo na Inglaterra sem que isso implicasse em confronto. Ele cita que:

O Bispo Burnet em 1699, deu um novo impulso às tendências arminianas quando

publicou sua obra “exposição dos trinta e nove artigos” dedicada ao rei Guilherme

III. Nela ao interpretar o artigo XVII que fala da predestinação deu lhe sentido

arminiano e lhe atribuiu igual validez ao calvinista. Quer dizer que tanto importava

um quanto outro. Ambos podiam ser aceitos. Havia lugar na Igreja para as duas

posições. (SALVADOR, [19--])

8 Puritanismo foi um movimento de reforma que a princípio buscava “purificar” a Igreja da Inglaterra após a

Reforma inglesa. Os puritanos acabaram concentrando-se na purificação dos indivíduos e da sociedade por meio

da reforma da igreja e do Estado de acordo com princípios bíblicos. Defendiam uma teologia das alianças e

tinham a convicção de que as escrituras estavam devidamente investidas de autoridade para a conduta do

indivíduo e para a organização da Igreja. (In: GRENZ, GURETZKI, NORDLING. 2002, p. 111).

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No século XVIII, a doutrina da Igreja Anglicana ainda se mostrava com fortes

tendências calvinistas, no entanto, o clero passou por transformações significativas: cada vez

mais se mostrava arminiano em suas concepções. É importante ressaltarmos nesse ponto, que

já nessa época, John Wesley (1703-1791), o iniciador do movimento metodista, fazia parte

dos quadros oficiais da Igreja Anglicana e assistiu essa importante alteração na estrutura

eclesiástica. E não apenas a ela, mas também às importantes transformações sociais causadas

pela incipiente Revolução Industrial e sua consequente influência em outros campos como da

economia, política e da vida urbana, as quais prontamente afetaram a postura de Wesley, ao

ponto de seus seguidores constituírem uma tradição wesleyana. Essa junção armínio-

wesleyana é um dos pontos fundamentais da institucionalização da Igreja do Nazareno, a qual

ela preza veementemente. Esse aspecto é o que destacamos a seguir.

1.4 A tradição wesleyana

A Igreja do Nazareno sustenta em sua declaração histórica que um dos pontos no qual se

alicerça é o movimento wesleyano e, particularmente, o movimento de reavivamento ocorrido

no Século XVIII. Nessa parte, destacamos, portanto, em quais condições sociais e religiosas

esse movimento surgiu, bem como, quais foram os fatores que contribuíram para a

emergência de João Wesley no cenário protestante inglês e qual foi a contribuição do

wesleyanismo para o surgimento da Igreja do Nazareno como instituição nacional, nos

Estados Unidos, no início do século XX.

Vimos nas páginas precedentes que a monarquia inglesa teve um papel decisivo no que

concerne ao aspecto religioso. No entanto, esse papel se deslocou para outras áreas que

influenciaram radicalmente a postura dos religiosos ingleses. O fortalecimento do Estado

absoluto possibilitou um recrudescimento das atividades comerciais, bem como um aporte de

inovações tecnológicas que deram à Inglaterra o pioneirismo na formação de uma sociedade

capitalista, bem como um impressionante desenvolvimento industrial que veio a se consolidar

na chamada Revolução Industrial.

Para Paul Singer (1991), a economia de mercado é bastante antiga. Desde tempos bem

remotos as sociedades organizavam sua economia produzindo bens que eram trocados em

locais específicos denominados de feiras ou mercado. A produção era artesanal e em cada

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cidade os produtores se organizavam em corporações de ofício para evitarem a concorrência

mútua. Singer aponta que o capitalismo é também uma economia de mercado, mas com

características próprias que seguiram várias etapas desde o manufatureiro até o industrial, cujo

controle mundial estava sob a Inglaterra.

A Revolução Industrial no final do século XVIII propiciou a emergência do

capitalismo industrial cuja estratégia de expansão baseava-se na unificação dos mercados

locais e nacionais e na livre iniciativa, pondo em questão as práticas corporativas. Esse

aspecto econômico trouxe a formulação de doutrinas de cunho liberais, individualistas tanto

econômica quanto políticas, que também influenciaram no contexto religioso, sobretudo, ao

se perceber que na esfera eclesial já havia uma doutrina que amparava a liberdade do

indivíduo: o arminianismo.

Evidentemente, a Revolução Industrial trouxe novas formas de organização social,

muitas delas consubstanciaram em problemas sociais graves. A predominância do trabalho

assalariado e o aumento dos ritmos para aumentar a produção fez com que os detentores dos

meios de produção investissem no trabalho feminino e infantil ao mesmo tempo em que

requeriam dos homens maior carga horária na produção de bens. Esse aspecto trouxe uma

instabilidade social, que se configurava em problemas de diversos matizes: falta de habitação,

disseminação de doenças, desagregação familiar, mendicância, alcoolismo, prostituição,

pobreza, etc.. Tudo isso como consequência do alto contingente populacional que afluía para

os centros urbanos em busca de trabalho.

Conforme destaca Geoval Jacinto da Silva (2009, p. 35), “O modo de se viver e pensar

modificou rápida e radicalmente em todos os lugares onde ocorreu o processo de

industrialização”. Esse aspecto também não passou despercebido no transcurso do

protestantismo inglês. A forma como o clérigo anglicano João Wesley respondeu a esses

problemas e conduziu a intervenção da Igreja no âmbito social para combatê-los foi bastante

significativo para o processo de formação institucional da Igreja do Nazareno na primeira

década do Século XX.

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Desde antes da publicação dos 39 artigos9, a presença arminiana já se manifestava

oficialmente nos círculos eclesiais da Igreja Anglicana. A transição do calvinismo para o

arminianismo estava quase que completa, quando da ascensão de George I ao reinado da

Inglaterra (1714-1727). Segundo Salvador ([19--]), “a maior prova disso encontra-se sem

dúvida na obra escrita pelo Bispo George Bull: a harmonia apostólica”. Ela disseminava a

ideia que a fé cristã não consistia apenas em cumprir os ensinamentos dos evangelhos, mas

deveria se ter o desejo de ser bom. Esse desejo é desígnio humano. Bull asseverava também a

participação humana no perdão dos pecados, pois entendia que o perdão divino era

consequência do arrependimento do pecador, o ato divino é uma consequência das ações

humanas.

A doutrina arminiana desde cedo fez parte da vida de João Wesley. Seus pais Samuel e

Suzana concordavam com as ideias arminianas de Bull e, paulatinamente, foram inculcando-

as em seus filhos. No ano de1725, Wesley ainda questionava os ensinamentos calvinistas,

conforme uma carta enviada a sua mãe. Deve-se notar o teor da resposta dada por Susana.

Se tivesse decretado infalivelmente desde a eternidade que certa parte da

humanidade se salvaria e ninguém mais e uma maioria nascesse para a morte eterna,

sem mesmo a possibilidade de evitar estaria isto de acordo com a justiça divina?[...]

que Deus fosse o autor do pecado e da injustiça é uma contradição das ideias mais

claras que temos da natureza e perfeição divinas. (a resposta de Susana foi que) Essa

doutrina, como mantida pelos calvinistas rígidos, é muito horripilante e deve ser

odiada, porque diretamente acusa ao Deus eterno. (Wesley e Susana apud

SALVADOR, [19--]).

A valorização do ser humano no aspecto teológico foi, da mesma forma, motivo de

valorização no aspecto social. As distorções causadas pela Revolução Industrial requeria uma

resposta pungente da Igreja. A frouxidão e o conformismo apresentados pelos clérigos da

Igreja Anglicana iam de encontro ao estabelecimento das propostas arminianas em seu

âmbito. Assim como não cabia aos seres humanos subserviência irrestrita no campo religioso,

assim não caberia na sociedade. O arminianismo wesleyano se voltou contra a situação

degradante em que se submetia a sociedade. Segundo Mildred Bangs Wynkoop (1983, p. 68),

Armínio havia liberado a fé da prisão dos decretos, mas coube a Wesley tornar essa fé

emancipada. A assertiva luterana da justificação por meio da fé estava agora rigidamente

acompanhada da santificação pela fé, pela qual se deu um novo significado ético à vida cristã.

9 Cf. Cairns (1995, p. 271), os 39 artigos são uma revisão doutrinária, de forte ênfase calvinista, do Livro de

Oração Comum. Foram aceitos como credo da Igreja Anglicana, pelo Parlamento inglês, no ano de 1563.

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Essa se tornara mais que uma afirmação intelectual ou uma dádiva de Deus, pois conclamava

os seres humanos à responsabilidade de um novo modo de vida.

Desse posicionamento surgiu um movimento de renovação que atingia tanto as

camadas sociais quanto a religiosa, que passou a ser denominado de avivamento wesleyano.

Para Wynkoop, (1983, p. 68) a maior contribuição para a teologia, realizada por João Wesley,

foi a expansão da doutrina arminiana para a vida cotidiana dos cristãos, por meio do

reavivamento. Esse movimento situa-se no rol daqueles que os nazarenos se reconhecem

como herdeiros, dando origem ao processo formativo de sua Igreja. Esse movimento é o que

caracterizaremos a seguir.

1.5. O reavivamento wesleyano

O avivamento wesleyano é tratado na literatura corrente com restrita ênfase no ponto

de vista teológico. Nessa parte, procuramos entender esse movimento a partir dos

condicionamentos sociais que lhe permitiram o aparecimento e sua expansão pela Inglaterra.

A forma como é visto no meio eclesial caracteriza-se por ser um movimento direcionado pelo

Espírito Santo e que abarcava desde o pietismo10

alemão, no fim do século XVII até o grande

despertamento nos Estados Unidos no Século XVIII. Conforme caracterizou Richard P.

Heitzenrater (2006, p. 97).

A Inglaterra, no período inicial do movimento do reavivamento11

, estava ainda sob

uma fase incipiente do industrialismo, mas já se verificava algumas desordens sociais em

consequência da passagem do capitalismo manufatureiro para o industrial. A Inglaterra nessa

época era a principal produtora de tecido do mundo, isso em virtude da expropriação dos

trabalhadores rurais dos meios de subsistência, através dos cercamentos, “enclosures” que se

10 C.f. Mcgrath (2005, p. 118), O termo pietismo deriva da palavra latina “pietas” que é melhor traduzida por

devoção e religiosidade, talvez originada da obra “pia desideria” (1675) de Philipp Jacob Spener. O movimento

pietista pode ser visto como uma reação contrária ao formalismo e ortodoxia doutrinária apresentada pelo

luteranismo. Buscava, pois, uma fé relacionada com os aspectos intimistas da natureza humana é a “religião do

coração”. Para Mcgrath, João Wesley está entre os representantes desse movimento e o introduziu na Inglaterra.

11 Alguns autores denominam esse período de reavivamento ao invés de avivamento, tal fato se dá em

decorrência desses estudiosos considerarem ou não o ineditismo do movimento no contexto em que se instala.

Para Heitzenrater, o autor chave nessa análise, o movimento de avivamento wesleyano foi precedido por outros

de igual natureza, por isso denomina-o de reavivamento.

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caracterizavam pelos cercamentos dos campos para a criação de ovelhas que forneciam lã

para as manufaturas têxteis. Os cercamentos produziram uma agricultura cada vez mais

voltada para o mercado, as atividades agrárias começavam a entrar na rota de abastecimento

da incipiente classe trabalhadora, dificultando a produção e encaminhamento dos gêneros

alimentícios para sustento dos trabalhadores no campo. A atuação, em conjunto, desses

fatores tornava a vida no campo cada vez mais insustentável. Segundo Singer,

Os cercamentos representaram tão somente o aspecto mais espetacular, por assim

dizer, oficial e político de um processo geral que fez crescer as fazendas, diminuiu

relativamente o número de fazendeiros e alijou os aldeões da posse da terra [...].

Essa concentração (da propriedade fundiária) ocorreu em campos abertos ou

cercados, entre cercamentos novos e antigos, através de expropriação, vendas

forçadas ou voluntárias e principalmente nos grandes tratos de terra que haviam sido

colocadas sob cultivo. O fenômeno teria levado ao empobrecimento uma população

estável e foi catastrófico para uma população que crescia rapidamente. (SINGER,

1994. p.37).

Esse impacto nas condições da vida campesina produziu um contingente populacional

sem recursos que se voltava para as cidades em busca de subsistência. O sistema de trabalho e

o modo de vida das pessoas foram alterados consideravelmente, pois antes habituadas ao meio

rural, tiveram de se adaptar a uma maneira de viver urbana. As cidades, antes voltadas para as

práticas básicas do comércio, agora se converteram em núcleos de concorrência pela

sobrevivência, onde multidões se acotovelavam pelas ruas. Essa mudança social, em

decorrência de uma Revolução Industrial incipiente, não apenas passou a ditar o ritmo diário

das pessoas; mas, conforme destaca Edgar de Decca (1999), produziu-se uma profunda

modificação na vida das pessoas, na maneira de se trabalhar, de se viver, de se relacionar com

os outros, de se divertir e, enfim, surgiu uma nova forma de se compreender o mundo.

Para tentar amenizar os impactos do processo em curso, o Parlamento Inglês criou a

lei dos pobres, por ela se concedia auxílio financeiro à gama de desapropriados, mas obrigava

aos homens prestarem serviços em asilos e albergues, ao mesmo tempo em que as crianças

não trabalhadoras tinham de frequentar as escolas. Em contrapartida a essa lei, algumas outras

leis e decretos culpavam os camponeses desapropriados e não inseridos nas fábricas por sua

própria condição. Assim muitas formas legais proibiam e puniam a vadiagem com castigos

públicos, prisões e em alguns casos até com a pena de morte.

No meio dessa turbulência social, o reavivamento wesleyano, caracterizado por

pregações itinerantes, ao ar livre e de difusão de uma religiosidade mais intimista de

influência pietista, alcançou milhares de ouvintes, muitos dos quais em estado de pobreza

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decorrente do processo industrial. Dessa forma, as mensagens de reavivamento eram dirigidas

a eles. Elas apontavam as mazelas da conjuntura social que constrangiam os seres humanos à

indigência. Conforme destaca Paulo Tarso de Lockmann (2008), em um dos sermões de

Wesley,

A pobreza não traz consigo coisa pior que o fazer com que os homens se tornem à

mofa. Mas, não é a falta de alimento pior do que isso? Deus proclamou como

maldição sobre o homem o fato de que ele deveria „ganhar o pão do suor do seu

rosto‟. Mas, quantos há neste país cristão que trabalham e suam e, afinal, não têm

senão que lutar contra a tristeza e a fome? Não é triste para alguém, depois de um

dia pesado de trabalho, chegar à sua casa pobre, suja e sem conforto, e não encontrar

pelo menos o alimento necessário à reparação de suas energias gastas? Refleti, vós

que tendes vida tranquila na terra e de nada tendes necessidade, senão de olhos para

ver e de ouvidos para ouvir e de coração para entender o quanto Deus vos tem feito,

quão terrível é procurar o pão diariamente e não achá-lo! [...] Rogo a Deus que

permita, antes de morrer, levantar a voz mais uma vez, como um toque de trombeta,

para alertar os que acumulam dinheiro e não dão roupas, nem onde recostar a

cabeça. Por que sofrem tanto? (Wesley apud. LOCKMANN, 2008, p. 44-

45).

Esse aspecto mostra que a mensagem wesleyana de avivamento atendia aos anseios

daqueles fatigados pela condição social. Dessa forma, o grande número de ouvintes

identificava-se com a mensagem wesleyana que se tornava oposta à condição da igreja oficial,

cuja importante parcela do clero estava arrolada entre os que se beneficiavam da exploração

das massas.

1.6 Doutrina da Santidade

A palavra santidade usada no meio eclesial tem sua origem na Bíblia e significa santo,

sagrado, aquilo que é separado, puro. (GRENZ; GURETZKI; NORDLING. 2002, p. 121).

Assim, a santidade é vista como um atributo de Deus, qualidade do povo hebreu que se separa

dos pagãos, ou dos costumes mundanos. Também denota a separação de coisas e pessoas para

o serviço de culto a Deus, tais como o sacerdote, candelabro, óleo, oferendas. De uma forma

geral, o conceito de sagrado e seus cognatos assumiram significado daquilo que é dedicado a

Deus. No entanto, cabe discorrermos sobre o processo de assimilação do conceito de

santidade na doutrina wesleyana de perfeição cristã que a Igreja do Nazareno adota como sua

principal vertente.

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Para J. Kenneth Grider (1991, p. 19), a raiz hebraica “KDSH” traduzida para santidade

se usa 830 vezes no Antigo Testamento, mas os eruditos não têm certeza quanto à história

etimológica da palavra, mesmo assim, poucos discordam do seu sentido de separação.

Contudo, sua tradução que significa santidade não tem originalmente nenhuma conotação

ética. Grider (1991, p. 19) afirma que essa conotação era também dada às prostitutas que

exerciam seus ofícios nos templos pagãos como forma de serviço aos deuses e deusas da

fertilidade. “elas não eram santas no sentido ético, como se entenderia no contexto bíblico,

lhes chamavam „santas‟ porque eram pessoas separadas para um uso especial de seus deuses”.

De acordo com o mesmo autor, no meio do povo hebreu já se poderia se aventar o conteúdo

ético para “KDSH” aplicado às pessoas, cujos requisitos éticos se implicavam nos requisitos

de pureza para os animais que se haviam de usar para os sacrifícios no tabernáculo.

O verbo equivalente ao “KDSH” utilizado no Novo Testamento (N. T) é “hagiadzo” que

se traduz como santidade, significando tornar-se santo. Inclui a ideia original do Antigo

Testamento de separação, ainda que ressalta, com muita frequência, “o limpar ou purificar a

partir de um ponto de vista moral” (GRIDER, 1991, p. 20). Vários usos do termo com seus

sinônimos indicam a ideia de separação para o uso de Deus no N. T.. Contudo, tal qual

aparece no Evangelho de João, esse termo assume os sentido de depuração do pecado

original12

. Dessa forma, “No Novo Testamento, a santidade adquire um sentido de pureza

ética ou libertação do pecado”. (GRENZ, GURETZKI, NORDLING, 2002, p. 121).

O outro termo que necessita esclarecimentos na abordagem da doutrina da santidade é o

chamado batismo com o Espírito Santo. Esse termo, também, tirado da Bíblia tem seu

significado teológico na ação que se confere ao Espírito Santo de se unir ao crente, é uma

união mística que em alguns casos é manifestada pelos chamados dons de cura, milagres,

profecias, etc., muitas vezes promovidos pelos pentecostais. Ainda que Wesley não

identificasse, necessariamente, a inteira santificação com o batismo no Espírito Santo13

, tinha

12 Pecado Original é um termo teológico que faz menção ao processo inicial que desencadeou a proliferação do

pecado a toda humanidade. Segundo o relato bíblico esse pecado iniciou com os personagens Adão e Eva que,

desobedecendo a Deus, comeram o fruto da árvore do bem e do mal, sendo, por isso, expulsos do paraíso.

13 Batismo no Espírito Santo é uma expressão bíblico-teológica que significa a forma sobrenatural, pela qual o

cristão recebe a presença ou os dons do Espírito Santo. No meio eclesial ganhou várias vertentes e valorização,

principalmente, no ramo pentecostal em que os dons de se fazer milagres, de curar e falar línguas estranhas, por

exemplo, significam formas de comprovação de que o fiel foi batizado com o Espírito Santo.

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em mente que a inteira santificação é obra de Deus, portanto ação direta do Espírito Santo,

pois somente Deus teria a capacidade de erradicar dos seres humanos o pecado original.

A ação divina de perdoar os pecados e transformar a essência humana ganhou no meio

eclesial o nome genérico de justificação. Essa é uma doutrina capital da teologia cristã,

porque transige em todos os ramos da teologia e é o princípio de entendimento da relação

divino-humana na cosmovisão cristã. A justificação é entendida como ato divino de se tornar

alguém justo. No âmbito bíblico e eclesial é entendida como a transformação dos seres

humanos pecadores em seres humanos justos. Tal fato decorre da aceitação humana de ser a

morte de Jesus na cruz e o derramamento de seu sangue o único meio dos seres humanos

pecadores se reconciliarem com o Deus justo. Por meio dessa aceitação, a explicação

teológica cristã afirma que Deus declara o pecador doravante como justo.

Segundo Wiley e Culbertson ([19--]. p. 180.), a Bíblia apontam três sentidos para a

palavra justo. O primeiro aplica-se àquele que é pessoalmente justo e contra o qual não há

acusação nenhuma, essa é a justificação pessoal. O segundo é aplicado para aquele que foi

acusado de alguma transgressão, mas nada foi provado, é a justificação legal. O terceiro faz

menção àquele que é culpado, acusado e condenado, mas pelo sacrifício de Cristo é perdoado

e declarado justo por Deus. Para grande parte das igrejas do ramo protestante, nesta última

justificação ocorre o processo de regeneração, no sentido restrito de um novo nascimento, e

de filiação cristã que se tornam o objetivo da vida cristã. Pela declaração de justiça, os crentes

se relacionam com Deus e têm um lugar garantido no céu no findar da vida terrena.

Wesley, no entanto, entendia a justificação não como fim da vida cristã, mas como meio

para obtê-la. Ele entendia o ato regenerativo como importante mudança na alma daquele que

cria, sem a justificação não haveria regeneração, porém esse ato não trazia a plenitude da vida

cristã, era apenas o começo dela. As mudanças espirituais e morais trazidas pela regeneração

não tiravam os desejos corporais que militavam contra a nova espiritualidade, apenas por um

ato secundário da parte de Deus poderiam os seres humanos dominar a si mesmos, ou seja,

por meio da santificação. Segundo Wesley, a regeneração é o princípio da vida santa, por isso

está vinculada à santificação. No entanto, cabe distinguirmos a regeneração como santificação

inicial, que purifica os seres humanos daqueles atos impuros e depravados que se cometeu ao

longo da vida. Por assim dizer, a justificação e a consequente regeneração livram os seres

humanos dos pecados cometidos, mas não da origem desses pecados, que é o pecado original.

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A ineficácia da justificação contra o pecado original tornou necessária à obtenção de um

novo recurso que pusesse fim a raiz de todos os males. Para Wesley, tal recurso é a inteira

santificação ou perfeição cristã proveniente da segunda obra da graça, mediada pelo Espírito

Santo. Segundo Wiley e Culbertson ([19--]. p. 167.), existem vários sinônimos para a inteira

santificação, cada um deles ressalta um aspecto desse ato. A inteira santificação exprime a

plenitude da salvação do pecado destacando a limpeza de todo o pecado, inclusive do original.

O termo segunda obra da graça ressalta o ato distintivo do ato da justificação que é a primeira

obra da graça; já a expressão perfeição cristã destaca o estado consumado do caráter cristão.

Esse último sentido parece ser o que caracterizou o movimento wesleyano de reavivamento

quando propôs aos crentes uma vida de integridade espiritual, moral e ética.

O termo santidade se refere ao estado ou condição daquele que passou pela experiência

da inteira santificação. Os pressupostos morais e éticos dessa doutrina trouxeram ao

cristianismo reformado um novo padrão comportamental que respondia de forma mais

veemente o quadro social que vivia a Inglaterra do final do Século XVIII. Para Clóvis Pinto

de Castro (2008, p. 258), a compreensão wesleyana da santificação se “desenvolve na inter-

relação humana. A justificação pressupõe um ato de fé pessoal e intransferível; a santificação

implica na existência do outro, do próximo, tanto no nível comunitário eclesiástico como no

espaço público”. Com isso ressaltamos que a santificação é, também, um evento social que,

conforme afirma J. Kenneth Grider (1991), é um ensino doutrinário que em muito ultrapassou

o provincialismo teológico do metodismo conforme afirmava alguns estudiosos.

É importante notarmos que, mesmo que Wesley não excluísse a perfeição cristã da vida

em sociedade e, mesmo que essa tenha um reflexo social importante, sua origem está

intrínseca aos seres humanos na relação com a divindade. Com isso, a forma que Castro

(2008) aponta está mais para a consequência social da santificação e para sua certificação do

que para sua origem. A santificação, para Wesley, é obra oriunda da graça divina, porém,

dentro de uma perspectiva arminiana, ela decorre da condição humana querer alcançar a sua

finalidade: a santidade. Portanto, a santificação é o ato de se tornar alguém ou algo

santificado, uma vez santificado esse alguém ou algo está em santidade. No caso dos seres

humanos, as relações interpessoais demonstram se alguém é ou não santo, mas não

determinam essa condição, uma vez que muitos santificados se voltaram contra as estruturas e

prática sociais. Dessa forma, em Wesley, a santidade é social, mas pode não ser societal “não

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há santidade que não seja santidade social; reduzir o cristianismo tão somente a uma

expressão solitária é destruí-lo.” (Wesley apud CASTRO, 2009, p. 259).

A simbiose entre o arminianismo e a perspectiva wesleyana produziu o que mais tarde

chamou-se de wesleyanismo, esse movimento, além de dar origem à organização da Igreja

Metodista, disseminou a doutrina da santidade levando o arminianismo a sua maior

popularidade, ao ponto desse tema ter se tornado recorrente entre os estudantes universitários

da Inglaterra que escreviam inúmeras monografias sobre ele. (GRIDER, 1991, p. 14). Nos

últimos anos de sua vida, Wesley publicou uma revista intitulada “the Arminian Magazine”

ressaltando os pontos arminianos que foram proibidos na Holanda. Essa foi uma contribuição

importante, principalmente pelo fato de que exportara aos Estados Unidos o forte fundamento

do metodismo sobre a liberdade humana, o qual possibilitou um efervescente crescimento no

oeste americano, cujas raízes se fixaram na congregação dos nazarenos em Los Angeles.

A reinterpretação da doutrina da santidade dada por João Wesley, colocando-a na

perspectiva social, decorreu das condições sociais na Inglaterra do Século XVIII. A forma

inusitada com que Wesley se apropriou de um termo bíblico para fazer frente às

desigualdades sociais ao mesmo tempo em que chamava os fiéis à responsabilidade de

transformação dessa realidade foram os parâmetros para que, no final do Século XIX e início

do Século XX, nos Estados Unidos, reemergisse essa doutrina no chamado Movimento de

santidade ou “holiness” do qual trataremos a seguir.

1.7 O Movimento de Santidade

Durante a vida de João Wesley, alguns pastores na Inglaterra fizeram sérias objeções à

difusão da doutrina da santidade no território e colônias inglesas. Esse quadro de objeções

também foi verificado nos Estados Unidos, onde a maioria dos ministros metodistas

estadunidenses, por querer ressaltar as diferenças com o metodismo inglês após o

reconhecimento da independência das treze colônias, negligenciava a doutrina da inteira

santificação. Segundo M. E. Redford (1995, p. 10), o crescimento do número dos metodistas e

o apego de seus bispos ao ambiente cultural dos Estados Unidos contribuíram para que

aqueles que ainda pregavam a santidade fossem perseguidos por aqueles que haviam se

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esquecido dela e também fossem colocados à parte nos trabalhos das igrejas, quando não

expulsos delas.

Embora podemos entender os movimentos de reavivamento ou despertamento em

diversas fases, tal como propõe William G. Mcloughlin (1978, p. 10-11), a fase que nos

interessa, ou que especificamente, enfatiza a doutrina da santidade é aquela do segundo e

terceiro grandes despertamentos, no século XIX. Neste século, surgiu um movimento que

procurou resgatar a doutrina da santidade, nos Estados Unidos. Esse movimento foi

denominado de Movimento de santidade e iniciou por volta do ano 1835 passando por

distintas fases. Na fase inicial, o Movimento de santidade caracterizou pela participação dos

leigos metodistas e pelas participações presbiteriana e congregacional de Oberlin. Na fase

mediana e final, o avivamento de santidade ou Movimento de santidade teve seu período

áureo entre 1858-1888 (SMITH, [195-]). Nesse período, os Estados Unidos estavam, também,

em convulsão social, como a Inglaterra do final do Século XVIII. Segundo René Remond

(1989, p. 41-47), nos anos posteriores a sua independência (1776), os Estados Unidos

conheceram um grande crescimento populacional, territorial e econômico. Paralelamente à

ampliação de suas fronteiras, gamas de imigrantes vindos, principalmente, da Inglaterra,

França, Países Baixos que fugiam da fome e das perseguições religiosas e políticas, formavam

um pluralismo de ideias e práticas.

A peculiaridade da religiosidade formada nas colônias americanas contribuiu para o

surgimento de um metodismo distinto do europeu, cujo desenvolvimento propiciou o

aparecimento do Movimento de santidade. A fim de que possamos caracterizá-lo em todos os

seus aspectos e suas dimensões, inicialmente, esboçamos um breve panorama das condições

enfrentadas pelo protestantismo nos Estados Unidos considerando, principalmente, as

características de um ambiente religioso plural decorrente da chegada das várias instituições

religiosas que emergiram da Reforma e se consolidaram após a Paz de Westfália, em 1648. O

Movimento de santidade nasceu nesse contexto plural e de certa forma tentou ser uma

alternativa a ele.

O aspecto distintivo do protestantismo estadunidense decorreu do distanciamento

europeu, da ausência de um corpo burocrático eclesial rigoroso, do engajamento leigo, e dos

diversos tipos de protestantismos que se fixaram nas 13 colônias. Esse fato deu a essas

colônias uma característica própria no ambiente religioso antes da independência. A maioria

dos protestantes que se estabeleceu em terras norte-americanas era de origem calvinista ou

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anglicana vinda através de companhias privadas que recebiam concessões para explorar esse

território colonial inglês. A Igreja Anglicana se tornou a igreja oficial em grande parte das 13

colônias, mas houve espaços para os congregacionalistas, presbiterianos e batistas que se

estabeleceram em sua maioria nas colônias de Nova Inglaterra, Salém e Providence

respectivamente (NICHOLS, 1981, p. 261-267).

Uma das práticas que se tornou comum entre os protestantes nas colônias inglesas da

América foi o avivamento. Esses movimentos de renovação espiritual emergiam,

normalmente, em tempos de crise. No início eram espontâneos, não organizados e de cunho

rural, depois passaram a acontecer com mais frequência em meios urbanos com o acirramento

do processo de urbanização e industrialização, com o aumento populacional e com a

degradação moral e os conflitos separatistas. (CAIRNS, 1995, p. 316). Jonathan Edwards,

Theodore Frelinghuysen e George Whitefield estão entre os maiores avivalistas do Século

XVIII na América. Apesar de alguns aspectos que esses movimentos trouxeram para as

igrejas e a sociedade, como o ensino moral nos lares, no trabalho e no lazer, criação de

universidades como Princeton, Columbia, Hampden-Sydney, além da criação de casas de

abrigo e orfanatos, (CAIRNS, 1995, p. 318), houve reações contrárias e divisões entre as

igrejas decorrentes desses movimentos avivalistas.

Destacamos que os movimentos de avivamento foram uma resposta não apenas às

condições intrinsecamente religiosas protestantes, mas buscavam reagir a uma condição social

estabelecida. Poder-se-ia atribuir a esse fato que a condição social era definida pelo

protestantismo, uma vez que a maioria da população colonial era protestante e, nesse caso,

toda a ação religiosa teria impactos na vida social e vice-versa. No entanto, as desavenças

ocorridas entre os protestantes, na forma em que eles intervinham em outras esferas não

estritamente religiosas descartam a possibilidade de um unilateralismo religioso nas colônias.

Dessa forma, os movimentos de avivamento não se caracterizavam pela simples rejeição a um

estilo de vida dito secular, mas ressaltavam a obrigação das igrejas se posicionarem contra

esse estilo, a fim de enfatizar suas autonomias frente à realidade social.

As divergências entre o estilo de vida religioso e secular foram fortalecidas pela

ocupação de novas regiões, o que incentivou o crescimento da economia. Os fazendeiros

estabelecidos no oeste se dedicavam à produção de cereais e à criação de gado para o

consumo da população oeste-litorânea, com isso o oeste tornou-se o principal celeiro do

mercado interno. Além disso, a necessidade de melhor intercâmbio entre as regiões

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intensificou a indústria nortista de barcos a vapor, a construção de canais fluviais e de estradas

férreas. Contudo, o incremento industrial e as inovações da indústria fluvial criaram um

desequilíbrio entre leste e oeste, pois colonizadores recorriam aos empréstimos junto aos

banqueiros da costa leste para adquirir mais terras, mas com a cobrança de altos juros

trabalhavam anos a fio sem conseguirem pagar suas dívidas. Essa situação foi base de

ressentimentos de lado a lado. (RÉMOND, 1989, p. 52).

Ao mesmo tempo, a situação entre norte e sul também se tornara bastante conflituosa.

Por muitos anos, as condições socioeconômicas do sul permitiram o seu domínio na política,

mas, em meados do século XIX, os sulistas estavam sendo superados pelos nortistas. Criou se

entre eles, acordos políticos que serviam para administrar seus interesses, no entanto as

diferenças econômicas entre o sul agrário e o norte industrializado trouxeram sérias questões

que não foram suplantadas para a manutenção das boas relações. Dentre as diversas questões

como as tarifárias, gastos de investimentos em infraestrutura de transporte e a organização dos

Estados do oeste, essa última teve papel crucial, uma vez que o norte tendia a tolerar a

escravidão no sul, mas com a extensão desta para os novos Estados do oeste, viu-se ameaçado

em seu poderio político porque temia que esses Estados viessem a ter uma organização

semelhante ao sul e os seus representantes no Congresso fortalecessem o poderio político dos

sulistas nas eleições de 1860. (RÉMOND, 1989, p. 55-59).

Em meio a essas tensões entre norte e sul, o debate sobre o escravismo tornou-se ponto

culminante que nem os sulistas nem os nortistas conseguiram superar. Segundo Rémond,

(1989, p. 59-66) as circunstâncias se agravaram quando o norte foi atingido por uma

depressão econômica devido à queda nos investimentos e nos depósitos bancários feitos por

investidores europeus e pela especulação desenfreada no setor de construção de estradas de

ferro. Além disso, a vitória nas eleições de 1860, de Abraham Lincoln nortista, abolicionista e

republicano e, portanto, contrário aos interesses dos sulistas levou a que esses deixassem a

União para organizarem um novo país, Os Estados Confederados da América. A Guerra Civil

americana veio à tona com bastante violência, teve um custo de mais de 600 mil mortos e

terminou com o esmagamento do sul pelas tropas do norte.

Todos esses acontecimentos envolveram as igrejas estadunidenses que já vinham

passando por transformações desde a luta de independência. Essas igrejas que se

desenvolveram a partir da noção nacional agora se dividiam em consequência do conflito

separatista. O fim da Guerra de Secessão não trouxe o fim da mentalidade de secessão. A esse

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ambiente hostil, vinculou-se um forte crescimento urbano e industrial de forma que a

migração em massa tornou-se um grande problema para as cidades e igrejas, estas por verem

diminuídos seus frequentadores, aquelas por não oferecerem estrutura para agregar novos

contingentes populacionais. Além disso, muitas igrejas se dividiram surgindo a Confederação

Batista do Sul, Igrejas Presbiterianas e Metodistas do Norte e do Sul, entre outras.

O comércio e as indústrias atraíram milhares de jovens de seus ambientes rurais para

os grandes centros urbanos. Nesses centros, os jovens viviam de forma degradante, seja pela

falta de emprego e em estado de mendicância ou pela imersão em vícios, como o alcoolismo,

prostituição e roubos. A imigração católica romana também mudou a situação de cidades

como Cleveland e Chicago, as barreiras religiosas e de linguagem intensificaram as más

relações entre empregados e patrões. A agricultura se convertia em empresa especuladora, tal

qual como acontecia na Inglaterra do século XVIII, a utilização de novas máquinas obrigava

os imigrantes assim como os nativos a se dirigirem para o oeste em busca de fortuna. Segundo

Timothy Smith, ([195-], p. 13) milhões de hectares do outro lado do Mississipi foram

submetidos aos efeitos dos arados. Isso desencadeou uma superprodução de produtos

agrícolas trazendo uma depressão crônica que aumentou as suspeitas dos camponeses para

com os ricos, criando-se uma nova separação de classes.

Ao vislumbrar o início do Século XX, esses efeitos se fizeram mais notórios. O

governo federal tentou com suas leis restringir a imigração católica do sul e do leste da

Europa; os negros dos Estados do sul migraram em grande número para cidades como Detroit,

Chicago, Indianápolis, Nova Iorque e Filadélfia, disparando as tensões sociais. A educação

em massa e os reflexos do anonimato da vida urbana fizeram com que muitos jovens

deixassem as restrições paternas desviando-se dos antigos valores e comportamentos ditados

por suas tradições. Universidades como Havard, Yale, John Hopkins e Chicago introduziram

e fizeram populares as teorias da origem e natureza do homem, possibilitando

questionamentos sobre as relações sociais, a moralidade e a religião, desafiando o ponto de

vista protestante anteriormente estabelecido. A formação de técnicos e cientistas causou

impacto sobre as formas clericais de compreensão da vida.

Além desses aspectos, outro fato importante começava a tomar expressão, as igrejas

protestantes começaram a adotar os métodos seculares na busca por mais fiéis e para sua

expansão, de forma que suas ações eclesiais assemelhavam às organizações e empresas de

negócios. Ao mesmo tempo, preocupações de cunho social, tais como aquelas relativas aos

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problemas causados pela urbanização e a marginalização urbana passaram a ser pauta

principal nos sermões e práticas eclesiais. O foco nas questões sociais rechaçou as doutrinas

antigas e os velhos avivamentos foram logo esquecidos pela camada leiga. Dessa forma,

tornava-se iminente a emergência de um movimento que propugnasse a volta ao cristianismo

puro, santo, separado dos valores e dos condicionamentos impostos pela visão secular.

O início desse movimento se deu nas reuniões metodistas, segundo Smith ([195-]),

através do pastor John C. Mcclintock, membro do comitê de celebração do centenário de sua

denominação, em 1866. Mcclintock dizia ser a perfeição cristã o tema central da Bíblia e

promoveu reuniões semanais de santidade que durante o ano de comemoração do centenário

multiplicaram em muitas cidades. O casal Palmer, seguidor de Mcclintock, promoveu

reuniões e conferências campestres nos Estados de Nova Iorque, Michigan e Ilinois. Ao

mesmo tempo, John S. Inskip, pastor metodista, dirigiu uma série de conferências que

culminou em um grande avivamento campestre para promoção da santidade em 1867. As

reuniões campestres de santidade avançaram nos anos seguintes. Em 1869, foi criado os

primeiros periódicos voltados ao movimento de santidade, “The christian standard” e o

“Home Jornal” dirigidos por John Inskip. No ano seguinte, William Mcdonald fundou uma

revista mensal, “The advocate of holiness”, daí uma contínua publicação de jornais e revistas

se espalharam pelos Estados Unidos. (SMITH, [195-], p.19.).

Os encontros campestres tiveram apoio de grande parte dos pastores e bispos de outras

igrejas. No entanto, cabe ressaltarmos, que sua disseminação se deve à ação leiga. Durante a

maior parte do século XIX, a colonização foi um fator preponderante na condição

estadunidense. O fluxo migratório contou em grande parte com a participação das igrejas

protestantes, fiéis itinerantes cavalgavam pelos caminhos do oeste e, depois da Guerra de

Secessão, por todo o território daquele país. Com pouco vínculo institucional, os leigos

celebravam cultos religiosos, construíam escolas e templos que posteriormente eram usados

pelas igrejas. Após o conflito separatista, o papel leigo foi redefinido pelas grandes reuniões,

que traziam o vínculo institucional de evangelização de massa, ou seja, visava-se não apenas

introduzir uma visão religiosa de conversão ou regeneração, mas uma perspectiva que trazia o

patrocínio de uma denominação ou de grupos denominacionais que diferenciavam entre si.

A Igreja Metodista da América, estabelecida em 1784, quando Wesley permitiu a

ordenação de dois ministros como metodistas, em face ao grande êxodo dos bispos anglicanos

da América, após o reconhecimento inglês de sua independência, foi a que primeiro propagou

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a ideia de santidade nos Estados Unidos, por meio da evangelização campestre. Segundo

Diane Leclerc, (2004, p. 28) “no início estes metodistas americanos eram extremamente fiéis

à pessoa e à teologia de John Wesley. Mas passou apenas uma geração, para que a palavra

„pai‟, que era usada quando se fazia alguma referência a Wesley, mudasse para „fundador‟”.

Esses metodistas quiseram tornar-se independentes dos padrões britânicos do metodismo.

Essa mudança não foi apenas eclesiástica, mas significava a influência do contexto no qual

estavam inseridas as igrejas estadunidenses. (LECLERC, 2004.).

Essas mudanças trouxeram também modificações na maneira como a teologia

wesleyana estava articulada. No principio, do que seria mais tarde conhecido como

Movimento americano da santidade, havia uma grande ênfase na doutrina da perfeição cristã

na Igreja Metodista, seus primeiros líderes partilhavam a doutrina com os leigos da forma

como receberam da tradição inglesa. Nathan Bangs, que foi o responsável pela preparação de

novos pastores metodistas na América, juntamente com outros eruditos lançaram em Boston

(1839) o Guia da perfeição cristã, uma revista editada por Timothy Merritt, que teve como

objetivo divulgar a doutrina da santidade. (SMITH, [195-], p. 62). Esse lançamento teve

também o mérito de ser um dos primeiros eventos que propiciou o desenvolvimento do

Movimento de santidade nos Estados Unidos.

No ano de 1835, a iniciante prática do Movimento de santidade já podia ser constada

através do casal Phoebe e Walter Palmer. Phoebe Palmer, uma das principais figuras do

Movimento de santidade, é conhecida como a matriarca desse movimento. Conforme os

dados biográficos divulgados por Leclerc (2004), Phoebe Worrall nasceu numa família

metodista americana. O seu pai, Henry Worrall, transferiu-se para os Estados Unidos logo

depois da Guerra da Independência, por admiração aos ideais propugnados pelos americanos.

Henry Worrall casou-se com Dorthea Wade, que também era uma metodista devota. Apesar

de Phoebe Worrall ter recebido instrução escolar apenas no nível de educação primária,

desenvolveu habilmente um estilo literário peculiar, que veio a ser de grande valor nos anos

subsequentes quando seus trabalhos escritos a fizeram conhecida por milhares de leitores.

Segundo Leclerc (2004), aos 19 anos de idade, Phoebe Worrall casou-se com Walter C.

Palmer, um médico na cidade de Nova York. A boa situação financeira do casal Palmer veio a

patrocinar seu esforço cristão nas campanhas evangelísticas pelos Estados Unidos, Canadá,

Ilhas Britânicas, que foram essenciais ao Movimento de santidade.

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A perda de três filhos levou Phoebe Palmer a ingressar na vida religiosa, em 1837.

Adepta do metodismo, sua vocação influenciou a vida de milhares de pessoas. Juntamente

com sua irmã Sarah Lankford, Palmer liderou as chamadas reuniões de terças-feiras em sua

casa. Para muitos, esse é considerado o lugar em que nasceu o Movimento de santidade.

Leclerc (2004) considera que em muitos aspectos, Phoebe Palmer não era uma mulher típica,

dos meados do século XIX. Por essa consideração de Leclerc, entendemos a figura de Phoebe

como alguém que está em posição de vanguarda em relação à sociedade em que vive. De fato,

Phoebe demonstrou isso ao assumir uma condição de liderança eclesiástica geralmente

atribuída aos homens e de iniciar um movimento ainda questionado em sua época. A própria

frustração de Phoebe em alcançar a experiência da santidade instantaneamente, por causa da

complexidade transmitida através da pregação metodista, deu-lhe grande ímpeto para fazer

com que a doutrina fosse accessível aos leigos. Conhecida por criar a fórmula dos três passos,

uma síntese que reduziu a termos simples aquilo que podia ser uma busca complicada e

perplexa da santidade, Phoebe Palmer escreveu dezenas de livros e junto com seu esposo

compraram e editaram o Guia da perfeição cristã, até 1903. Ambos também criaram postos

de assistência aos pobres, pelos quais as obras de caridade femininas foram reconhecidas.

Assim, o Movimento de santidade buscava resgatar aqueles que, pelas transformações

sociais, deixaram as regras das igrejas ou não mais faziam parte destas. A temperança, depois

a abstinência e diversas proibições contra o jogo e o alcoolismo foram os principais temas

abordados pelos mentores, pregadores e escritores do Movimento de santidade, sobretudo, nas

reuniões campestres. Essas características do contexto estadunidense remetem à consideração

que o Movimento de santidade visou à superação de uma sociedade urbana em que as

condições eclesiais da época não podiam suplantar. Nesse caso, esse movimento surgiu contra

a ineficácia eclesial de transformação do mundo14

. Conforme Leclerc (2004), a santidade

existe não somente para os indivíduos em si, ou seja, ela, conforme percebida por esse escritor

nazareno, transige entre uma transformação de atitudes individuais e uma transformação

social.

A santidade, portanto, não é apenas uma profissão de fé, mas uma necessidade social.

Contudo, suas características intrínsecas terminantemente bíblicas, “histórica, tecida

14 O termo mundo é aqui entendido, em conotação bíblico-teológica, como o ambiente externo à influência e

ditames das igrejas. Esse termo assemelha-se, neste caso, àquilo que é secular, profano, digno de conversão aos

preceitos das igrejas.

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firmemente no tecido da ortodoxia cristã desde o princípio” (LECLERC, 2004) reforça o

princípio de que as condições sociais influenciam em grande medida nas construções e

interpretações bíblicas e teológicas. Dessa forma, o Movimento de santidade foi uma resposta

às condições sociais, mas também à condição eclesial vigente, que parecia aceitar,

complacentemente, a condição urbana que corrompia a condição humana.

Cabe ressaltarmos, que nem todo o Movimento de santidade teve características

metodistas. Um movimento iniciado na Faculdade Oberlin foi um desses diferenciados que

entendiam a perfeição cristã sobre uma base calvinista. O reavivamento calvinista do século

XIX encontrou a doutrina tradicional wesleyana sobre a perfeição cristã na Faculdade

Oberlin, em Ohio. Oberlin foi fundada em 1834, em uma época que o pensamento

abolicionista crescia cada vez mais pelos Estados Unidos e estava com muita frequência

diretamente ligada ao fervor religioso. Em Cincinati, no Seminário Teológico Lane, havia

muitos debates tratando da questão escravista. Lyman Beecher, diretor do seminário, instituiu

uma agenda de reforma social que propunha uma ação abolicionista mais gradual. Essa

postura de Beecher causou desentendimentos com outros seminaristas, principalmente com

Theodore Weld, que insistiam em uma postura abolicionista mais radical. Weld e seus colegas

puseram isso em prática, por meio de uma maior convivência com seus colegas negros em

relações sociais compartilhadas e de igualdade.

As associações dos alunos do Seminário Lane com os negros, inclusive fora do

seminário, causaram tumulto na cidade e parte da população pressionou os líderes do

seminário a reagirem contra tal fato. A tentativa dos cidadãos de Cincinati era de proibir e

fazer com que os alunos cessassem as demonstrações de sentimentalismo abolicionista em

público e parassem com todas as discussões ou conversas sobre a abolição da escravidão nas

salas de aula e entre o corpo docente. Quarenta estudantes saíram da faculdade em sinal de

protesto e fundaram, posteriormente, uma escola com o nome de Instituto Oberlin, que tinha

uma agenda reformadora totalmente abolicionista e manifestava uma forte convicção sobre a

igualdade humana. Os ex-alunos de Lane entraram em contato com Asa Mahan, um dos

dirigentes desse seminário que na época os apoiava, para se juntarem no Instituto Oberlin.

Asa Mahan concordou em ser o primeiro diretor da Escola. Muitos outros alunos veteranos de

Lane com quase 300 outros estudantes do primeiro ano seguiram Mahan para Oberlin, que

passou admitir, além dos negros, as mulheres na formação para o serviço eclesial. Entre elas

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estava Antonette Brown que foi ordenada ao ministério15

pastoral em 1853, a primeira mulher

formalmente ordenada na história que se tem notícia. (GRIDER,1991, p. 16)

Os principais expoentes e promotores da doutrina da santidade em Oberlin foram

Charles G. Finney e Asa Mahan. Em 1862, Mahan apresentou uma série de conferências na

Universidade de Adrian divulgando o material que publicaria em 1870 com o título de “The

baptism of the holy Ghost”. Esse livro trazia como temática central a doutrina da Santidade e

teve grande impacto de divulgação dessa doutrina não apenas nos Estados Unidos, mas na

Inglaterra e grande parte da Europa. Charles G. Finney que era pastor, evangelista e professor

divulgou vários dos ensinos sobre a santificação no jornal “Oberlin Evangelis”. Finney

tornou, segundo GRIDER (1991, p. 67), numa das figuras religiosas de maior importância no

século XIX.

A teologia de Oberlin não estava desligada da sua agenda social. Calvinistas como

Charles Finney e Mahan estavam atentos ao novo tema de evangelismo que estava se

espalhando pelos Estados Unidos, Canadá e Grã-Bretanha, a saber: a inteira santificação.

Segundo Leclerc (2004), os calvinistas rejeitavam a relação que se dizia necessária entre a

doutrina da perfeição cristã e o metodismo. A partir daí, começaram a pregar uma nova

síntese do calvinismo e da santificação que se tornou conhecida como Nova Teologia ou Novo

Calvinismo. No entanto, houve reações extremas, principalmente, pelas denominações

calvinistas mais tradicionais, pois a teologia de Oberlin mostrava-se completamente otimista

sobre a mudança pessoal e social que pode acontecer através da santificação. Alguns sugerem

que o declínio do radicalismo de Oberlin, depois de Finney e Mahan, está diretamente ligado

à sua volta à teologia calvinista mais tradicional que está longe do perfeccionismo do século

XIX. Outros sugerem que o reavivamento de Oberlin declinou após 1842, ano em que Elder

Jacob Knapp, evangelista batista, foi banido de Boston e se tornou membro do Instituo

Oberlin, cujos pastores sofreram diversos ataques por seu suposto fanatismo.

Outra doutrina alternativa ao Movimento de santidade metodista partiu da primeira

conferência em Keswick, na Inglaterra, entre 1873 e 1875. A sua significância histórica é

encontrada na sua reinterpretação em relação à doutrina da inteira santificação que as igrejas

relacionadas com o metodismo, do final do século XIX, mantinham. Em vez de enfatizar a

15 A palavra ministério faz referência ao trabalho realizado nas igrejas ou fora delas, cuja designação para esse

trabalho procede de Deus ou de alguém que exerce autoridade divina. Por exemplo, aqueles que exercem o ofício

de pastor têm o ministério pastoral.

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erradicação do pecado, como se encontra no perfeccionismo metodista, os doutrinários de

Keswick como Robert e Hannah Whitall Smith, e W. E. Boardman deram ênfase à chamada

vida cristã mais elevada. Calvinistas keswickianos, assim como os wesleyanos, enfatizavam

um momento distinto de total consagração, mas eles se diferenciavam naquilo que

acreditavam, isto é, que o poder da natureza humana afastado da divindade é contrário à

presença do Espírito Santo, portanto, não pode haver uma limpeza total do ser humano.

Posteriormente, houve tentativas de cooperação entre os wesleyanos e os keswickianos, mas

quando a teologia de Keswick se tornou muito associada com a escatologia16

e menos

interessada na reforma social esse distanciamento aumentou. (LECLERC, 2004.).

O Movimento da santidade também fez conexões diretas com a reforma social. As

igrejas de santidade, desde o início estavam associadas com a abolição, a temperança, e a

ordenação de mulheres. A doutrina da inteira santificação, bem como as cruzadas contra a

prática da escravização, da incontinência à bebida e contra a pobreza despertaram grande

confiança entre os leigos de que os males do mundo haviam de desaparecer. (SMITH, [195-],

p. 29). Porém, no meio eclesial, quando o fervor da doutrina da santidade tornou-se

proeminente nas campanhas evangelísticas e acampamentos, alguns leigos metodistas

voltaram insatisfeitos às suas igrejas. As denominações que se estabeleceram em

consequência disso passaram a ser conhecidas como separadas, ou seja, aquelas que saíram

do metodismo com o propósito de enfatizarem o poder transformador da experiência da

inteira santificação. Essas foram denominadas de igrejas “holiness”.

Segundo Smith ([195-]), o principal fator que motivou a separação dos líderes do

Movimento de santidade de suas respectivas igrejas foi a participação desses líderes em

trabalhos sociais e de assistência de cunho denominacional. Alguns desses líderes deram

respaldo ao trabalho com os pobres e excluídos das grandes cidades, produzindo, assim, uma

gama de convertidos que se sentiam desconfortáveis nas igrejas existentes.

Consequentemente, surgiram diversas congregações independentes. Desde o período das

grandes cruzadas e encontros evangelísticos produzidos por Phoebe Palmer e Charles Finney,

em que se pregava contra a escravidão e se construíram casas de apoio aos pobres e asilos nos

bairros de Nova Iorque, a doutrina da santidade havia compelido a muitos para assistirem a

esse contingente de necessitados. A fundação de hospitais, asilos, casas de recuperação,

16 Segundo McGrath, a escatologia é parte da Teologia cristã destinada ao estudo das últimas coisas, como a

ressurreição, inferno e vida eterna. (MCGRATH, 2005, p. 652.).

Page 50: A IGREJA DO NAZARENO: DOS PRIMÓRDIOS (1895) AO ...tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/595/1/Jeffersonpg1_50.pdf · processo de inserção e expansão da Igreja do Nazareno no

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orfanatos, casas de desabrigados, etc., ajudaram a muitos obterem uma melhor condição de

sobrevivência. Assim, aqueles que integravam o trabalho social de santidade ou eram

atendidos por ele percebiam novas razões para rechaçar o formalismo das igrejas. Com isso,

foram criados centros de adoração para esse contingente que, principalmente, após 1880 era

marginalizado nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos.

O Movimento de santidade foi bastante significativo nos meios metodistas, cujos

bispos incentivavam constantemente o cuidado para com os necessitados e estabeleceram

trabalhos de assistência denominados de missões. Apesar disso, esses bispos advertiam contra

a formação de liderança leiga daqueles que professavam a santificação, uma vez que em

ocasiões já vistas, transformavam essas missões em congregações independentes de santidade.

Conforme declara Smith ([195-], p. 55), entre essas congregações estava a Igreja do

Nazareno. Christian Wismer Ruth, um dos co-fundadores da Igreja do Nazareno, afirmou que

uma dessas missões a “Mission Union” era uma instituição agressiva sustentada pelo povo de

santidade de várias igrejas. Dessa forma, a suspeita contra o caráter separatista do Movimento

de santidade começou a ser percebido entre os vários oficiais eclesiásticos das denominações

tradicionais.

Muitos fiéis antigos das igrejas tradicionais, bem como os iniciantes começaram a

seguir essas congregações. Os bispos metodistas notaram essa crescente debandada de seus

fiéis para as organizações de santidade e buscaram reagir adotando dois posicionamentos. O

primeiro visou rechaçar veementemente o que se pregava nos grupos de santidade enfatizando

o caráter denominacional e a autoridade episcopal sobre as decisões dos leigos, essa reação

não surtiu muito efeito e em pouco tempo esses líderes e suas igrejas se encontravam mais

enfraquecidos. O segundo posicionamento se caracterizou pela adesão de alguns bispos

metodistas aos parâmetros do Movimento de santidade, mas sem que se desqualificasse o

padrão denominacional.

Conforme Smith ([195-], p. 16-30), mesmo que as pregações sobre a segunda obra da

Graça tivessem em muito criticado a autoridade episcopal, alguns bispos metodistas

procuraram adaptar-se ao Movimento de santidade, a fim de que suas perdas fossem menores.

Dessa forma, começaram a investir em atividades missionárias e evangelísticas um tanto

quanto distantes das rigorosas disciplinas metodistas. Entre 1895 e 1905, muitos bispos do

norte e do sul patrocinaram campanhas para conscientizar pastores e leigos para a busca da

doutrina do amor perfeito. Contudo, tais campanhas refletiram resultados adversos, visto que