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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL David Richard Luzetti A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação sociocomunitária em saúde Americana 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL

David Richard Luzetti

A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação

sociocomunitária em saúde

Americana

2013

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL

David Richard Luzetti

A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação

sociocomunitária em saúde

Dissertação de Mestrado apresentada à UNISAL - Centro Universitário Salesiano como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto.

Americana

2013

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli

de Britto – CRB-8 7538 Bibliotecária UNISAL – Campus Maria Auxiliadora.

Luzetti, David Richard

L994 A Identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação sociocomunitária em saúde / David Richard Luzetti – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2013.

117 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP. Orientador: Profª Drª Maria Luísa Amorim Costa Bissoto. Inclui bibliografia. 1. Educação Sociocomunitária. 2. Antropologia da

Doença. 3. Representações Sociais. 4. Paradigma Indiciário – Brasil. I. Título

CDD – 370.190072

David Richard Luzetti

A identificação materna de sinais de doença e suas contribuições para a educação

sociocomunitária em saúde

Dissertação de Mestrado apresentada à UNISAL - Centro Universitário Salesiano como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto.

Dissertação defendida e aprovada em 04/09/2013 pela comissão

julgadora:

Profa. Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto / UNISAL

Profa. Dra. Sandra Regina Leite Rosa Olbrich / UNESP

Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa / UNISAL

Americana

2013

Dedico este trabalho aos meus pais, Pedro Roberto Luzetti e Isabel Aparecida

Luzetti, pelo estímulo, confiança e compreensão... Além disso, esse sonho realizado

não é somente meu e sim de todos nós!

Dedico ainda a três pessoas que exerceram papeis fundamentais nas etapas

de minha formação acadêmica Sandra Regina Leite Olbrich, Maria Luísa Bissoto -

“Malu”, e, Severino Antônio Moreira Barbosa, vocês são pessoas preciosas. Sandra,

na minha graduação ajudou-me em muito; Malu, pela valiosa contribuição e

direcionamento da dissertação e, ao Severino “agente encorajador” fez com que não

desistisse do mestrado. A vocês três dedico as palavras de Fernando Sabino: “O

valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade

com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas

inexplicáveis e pessoas incomparáveis”...

Infinitamente grato a vocês!!!!

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pela oportunidade e privilégio de poder concluir mais

uma etapa acadêmica em minha vida;

Agradeço a toda minha família, aos meus pais, pela educação, pelos

ensinamentos e perseverança, pois sem essa base, esse sonho nunca se

concretizaria;

Ao meu companheiro Josué Gomes de Lima estando sempre presente, me

encorajando e dando forças para continuar com os estudos;

A minha Mãe do Coração “Maria Vera Lucia Bagattini”, obrigado por tudo,

ajuda, confiança, carinho e dedicação;

Aos meus colegas de sala de aula, pelo convívio nesse período, contribuição

e enriquecimento do conhecimento;

A minha grande amiga e companheira, Fabiula da Costa Antonello pelas

palavras de incentivo e carinho, a você minha amiga, meu muito obrigado!

Aos meus “filhos” Myllu e Beyoncé, mesmo após um dia todo de trabalho e

sempre chegando tarde e cansado, sempre me recepcionando com todo amor e

carinho, fazendo com que neste momento, todo o cansaço terminasse e nunca

desistisse da jornada de estudos e trabalho;

A Professora e Orientadora, Dra. Maria Luísa Amorim Costa Bissoto, pela

grande paciência, dedicação e por saber transmitir seus ensinamentos;

Ao Professor Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa pela contribuição de seus

ensinamentos e por aceitar em compor a comissão julgadora de minha qualificação

do Mestrado;

A Professora Dra. Sandra Regina Leite Olbrich, após anos de distância,

quando convidada, prontamente manifestou interesse em fazer parte deste momento

importante de minha vida acadêmica;

A toda equipe da Unidade de Saúde da Família Vila Industrial, em especial a

Enfermeira Marcela Furlan Buoro, pela acolhida e disposição;

A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização

dessa dissertação.

Obrigado por tudo!!!

David

A doença... constitui de preferência uma

intersubjctividade secreta no seio de um mesmo indivíduo.

A doença como avaliação da saúde, os momentos de saúde

como avaliação da doença.

...da saúde à doença, da doença à saúde, mesmo que

fosse apenas na ideia, esta mesma mobilidade é uma

saúde superior, este deslocamento, esta ligeireza no

deslocamento é o sinal da “grande saúde”.

Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)Friedrich Nietzsche (citado por Deleuze 1994, p. 12)....

Resumo As percepções maternas, no que diz respeito às respostas e sinais que as crianças de 0 a 2 anos emitem e sua interpretação, estão relacionadas a questões que envolvem as representações sociais e a antropologia da doença. Como fator facilitador da compreensão da relação “mãe-filho” contribui para mais bem balizarmos teorias e práticas de educação em saúde. Sendo assim, os objetivos deste estudo foram entender melhor como se constrói e se manifesta o conhecimento das mães em relação aos sinais de saúde/doença apresentados por crianças que ainda não falam delimitadas aqui como aquelas entre 0 a 2 anos. Metodologicamente, essa é uma investigação qualitativa, de caráter etnográfico, desenvolvida junto a mães de uma Unidade de Saúde da Família localizada numa periferia economicamente vulnerável, na cidade de Piracicaba. Sendo assim, foram realizadas as pesquisas através de entrevistas gravadas, transcritas e analisadas com base nas categorias que envolvem a antropologia da etiologia das doenças e cura, sendo elas: - modelo ontológico e modelo relacional; - modelo exógeno e modelo endógeno; - modelo aditivo e modelo subtrativo; e, - modelo maléfico e modelo benéfico. Foram empregados os referenciais teóricos da Teoria das Representações Sociais, da Antropologia da Doença e Cura, da Semiótica, do Paradigma Indiciário e da Subjetividade do Desenvolvimento Infantil. Consideramos que conhecer como as pessoas significam a saúde/doença é essencial para elaborarmos teorias e ações educativas que mais bem respeitem as relações culturais e subjetivas que as pessoas têm quanto ao binômio saúde/doença, de forma a conseguir maior entrosamento entre a ciência médica e os saberes populares. Como resultados, conseguiu-se uma melhor interpretação qualitativa, além disso, a valorização do conhecimento local, ou seja, os aspectos culturais da população estudada, para uma melhor concepção sobre as representações sociais da saúde/doença, e mesmo para abrir o universo de práticas semiológicas e curativas, e as contribuições que uma educação compreendida como sociocomunitária tem nesse processo. Palavras-chave: Educação Sociocomunitária. Antropologia da Doença. Representações Sociais. Paradigma Indiciário.

Abstract

The maternal perceptions, when we talk about responses and signals that children aged 0 to 2 years send and its interpretation are related to issues involving social representations and the anthropology of disease. As a facilitating factor in understanding the relationship "mother-child", it contributes to better distinguish theories and practices of health education. Thus, the aims of this study were a better understanding on how the knowledge of mothers for signs of health/disease presented by children who do not speak – here defined as those between 0-2 years – are built and manifest. Methodologically speaking, this is a qualitative and ethnographic research, developed with mothers of a Family Health Unit located in a poor and economically vulnerable place in the city of Piracicaba. Thus, the research was conducted through interviews, recorded, transcribed and analyzed based on the categories involving anthropology of disease´s etiology and healing, namely: ontological model and relational model; - exogenous and endogenous model; - additive and subtractive model, and, - malefic and beneficial model. Theoretical works of Social Representation Theory, Anthropology of Illness and Healing, Semiotics of Subjectivity Evidential Paradigm and Child Development were used. We believe that knowing how people understand the disease is essential to elaborate theories and educational activities that best achieve cultural relations and subjective that people have about the binomial health/disease, in order to achieve greater integration between medical science and popular knowledge. As a result, a better qualitative interpretation were reached, moreover, the value of local knowledge, or cultural aspects of the subject population, for a better design of social representations of health/disease, and even to open the universe of semiotic practices and healing, and the contributions that a socio-communitarian education has in this process. Keywords: Sociocomunitary Education. Anthropology of Disease. Social Representations. Evidenciary Paradigm.

Sumário

Introdução.............................................................................................................. 11

Capítulo I................................................................................................................ 15

1 Educação em Saúde e Representação Social: algumas reflexões.................... 16

1.1 O desenvolvimento das representações sociais...................................... 22

1.2 Ancoragem e objetivação........................................................................ 29

1.2.1 Ancoragem................................................................................... 30

1.2.2 Objetivação.................................................................................. 33

1.3 Causalidades........................................................................................... 36

Capítulo II............................................................................................................... 41

2 Antropologia da Doença: resultado da complementariedade entre a

epidemiologia e a sociologia da saúde..................................................................

42

2.1 Modelo Ontológico e Modelo Relacional................................................ 46

2.1.1 Modelo Ontológico...................................................................... 46

2.1.2 Modelo Relacional...................................................................... 47

2.2 Modelo Exógeno e Modelo Endógeno.................................................... 50

2.2.1 Modelo Exógeno......................................................................... 50

2.2.2 Modelo Endógeno....................................................................... 53

2.3 Modelo Aditivo e Modelo Subtrativo....................................................... 55

2.3.1 Modelo Aditivo............................................................................ 55

2.3.2 Modelo Subtrativo....................................................................... 56

2.4 Modelo Maléfico e Modelo Benéfico....................................................... 56

2.4.1 Modelo Maléfico.......................................................................... 57

2.4.2 Modelo Benéfico......................................................................... 59

2.5 Contribuições da Antropologia da Doença para as Representações

Sociais...................................................................................................................

61

Capítulo III.............................................................................................................. 65

3 Construção de um Paradigma Indiciário para a Educação Sociocomunitária

em Saúde...............................................................................................................

66

3.1 Contextualização da Estratégia Saúde da Família................................. 75

3.1.1 Breve Histórico do PSF............................................................... 78

3.1.2 A promoção da saúde no contexto do PSF................................ 79

3.2 Metodologia............................................................................................ 82

3.3 Análise e Discussão dos Dados............................................................. 84

Considerações Finais............................................................................................ 98

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 102

APÊNDICE 1 – Roteiro para a Entrevista.............................................................. 114

APÊNDICE 2 – Termo de Consentimento Informado............................................ 115

APÊNDICE 3 – Protocolo n. 133519 – Autorização para Coleta de Dados na

Unidade Saúde da Família Vila Industrial..............................................................

116

APÊNDICE 4 – Ata de Defesa Pública.................................................................. 117

11

“Madona de Porto Lligat - Salvador Dalí - 1950”

http://www.revilo-oliver.com/Kevin-Strom-personal/Art/Madonna_of_Port_Lligat.html

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

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Este estudo parte da proposta investigativa sobre as respostas e signos

emitidos por crianças, de 0 a 2 anos, no que diz respeito ao processo saúde/doença

e a percepção da pessoa cuidadora na codificação desses signos, e qual a

contribuição no campo da educação sociocomunitária para impulsionar a valoração

desse conhecimento, na tentativa de melhorar a qualidade de vida da população,

especialmente das periferias dos grandes centros urbanos. Sendo assim, pode-se

entendê-la como educação sociocomunitária, aquela que provoque transformações

sociais intencionadas, e não como “salvadora de todos os problemas sociais e

educativos”.

Um olhar diferenciado, advindo de uma concepção relacional e interativa

entre as necessidades e singularidades de um sujeito e suas respostas ao meio, faz

compreender que sempre estamos nos expressando e interagindo sob a óptica das

concepções de vida, construídas nas relações humanas. É nesse momento que

surgem os signos, emblemas ou sinais, manifestos em uma determinada situação,

por exemplo, o processo de percepção da pessoa cuidadora com a criança: “a

criança não está bem, mas posso dar um remédio aqui em casa”; “a criança não

está bem, preciso levá-la ao Posto de Saúde”; “a criança não está bem, vou levá-la

agora para o Pronto Socorro”.

E ainda, mais profundamente, é significativo buscar entender como essa

construção de sentidos se dá, como essa educação perceptiva semiológica é

construída no embate, por exemplo, dos saberes populares, próprios à população

das periferias – lembrando que essas representam a 2ª, 3ª ou 4ª geração de

populações rurais, que migraram para os grandes centros na década de 1970, e que

continuam chegando... – e aqueles saberes científicos médicos, com os quais agora

devem se “acostumar”. O que leva também à indagação: quais os papéis que uma

educação sociocomunitária teria nesse contexto?

Para uma melhor compreensão, Costa (2011) descreve que:

Nos diferentes estudos da antropologia médica e da saúde mostraram até este ponto que a saúde e a doença são elementos da construção social da realidade produzidos pelo jogo conceptual que confronta as visões leiga, técnica e política. Cada visão tem os seus modelos epistemológicos distintos. A diferença mais discutida é entre modelos leigos e modelos especializados (técnicos): estes veem a doença como algo extraordinário, com a sua ontologia própria; aqueles a veem como uma experiência que altera a condição de vida (COSTA, 2011, p. 26).

13

Além disso, a contribuição de Moscovici (1961) para o entendimento e

reconhecimento de uma experiência da doença apoia-se nas representações sociais

de um determinado grupo e na concepção da experiência clínica ao longo da

história.

Nessa argumentação, o problema desta pesquisa é conhecer e analisar as

respostas do triângulo semiótico, no que diz respeito às respostas da pessoa

cuidadora quando interpreta os signos emitidos por crianças não falantes (de 0-2

anos), no que tange aos aspectos de gravidade ou não de um signo e sua

“extinção”, ressaltando-se a possível relevância que, nesse contexto, a educação

sociocomunitária poderá vir a ter.

Levanta-se a hipótese de que conhecer e entender as representações

socioculturais que as pessoas trazem consigo a respeito da doença e da saúde é

contribuição essencial para o desenvolvimento de ações preventivas, curativas e

educativas.

Os conceitos sobre a saúde e a doença referem-se a fenômenos complexos,

que conjugam fatores biológicos, sociológicos, econômicos, ambientais e culturais.

Constata-se, então, que a doença é uma experiência que não se limita à alteração

biológica pura, mas esta lhe serve como substrato para uma construção cultural.

Decorre daí que, no horizonte de pensar uma intervenção em Educação e Saúde,

devem ser levadas em conta as representações sociais do sujeito, modos de

pensamento construídos ao longo das trajetórias de vida, influenciados pela

experiência coletiva e pelos saberes nessa construídos; além disso, o tempo de

duração da consulta é um fator importante na apreensão do conhecimento

(MOSCOVICI, 2004).

De acordo com Laplantine (2010), qualquer pessoa está sempre

reatualizando hábitos, modos de vida, de acordo com os significados histórica e

culturalmente construídos, assim elaborando suas representações da saúde e

doença.

Para a abordagem do tema, parte-se também da perspectiva de Santaella

(2007), sendo então a semiótica entendida como a ciência dos signos e dos

processos significativos, que ocorrem na natureza e na cultura.

No que diz respeito às questões metodológicas, esta é uma investigação

qualitativa, de caráter etnográfico e interpretativo, a ser realizada junto a um grupo

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de mães/cuidadores de crianças de 0 - 2 anos, participantes de um programa de

puericultura, dentro do Programa de Saúde da Família, na Vila Industrial, na periferia

da cidade de Piracicaba. Buscou-se, através de entrevistas, o levantamento, junto a

essas mães/cuidadores, informações sobre como identificam e valoram os sinais de

saúde/doença em crianças na faixa etária supracitada. Um estudo etnográfico fica

entendido como aquele em que busca-se as concepções e sentidos de mundo

construídos por determinada população ou grupo – busca essa sustentada por

elementos como o saber olhar, ouvir e (d)escrever, que se complementam de forma

a transformar o confronto de informações entre pesquisado versus pesquisador, em

um verdadeiro "encontro etnográfico" (OLIVEIRA, 2006, p. 24).

Esta pesquisa foi organizada em três capítulos, sendo que no primeiro

discorre-se sobre as representações sociais, partindo dos pressupostos de Serge

Moscovici. No segundo capítulo, foi realizada uma análise sobre a antropologia da

doença como o resultado da complementaridade entre a epidemiologia e a

sociologia da saúde, utilizando-se como principal referencial teórico os pensamentos

de François Laplantine, autor clássico nessa área. E, no terceiro capítulo, foram

analisados os dados coletados nas entrevistas com as mães/cuidadores, em diálogo

com referenciais das representações sociais e da antropologia da doença, bem

como da subjetividade do desenvolvimento infantil, da semiótica e do paradigma

indiciário proposto por Carlo Ginzburg.

15

Lúcia Fertuzinhos

http://psicob.blogspot.com.br/2009/02/representacoes-sociais.html

CapíCapíCapíCapítulo 1tulo 1tulo 1tulo 1

16

1 Educação em Saúde e Representação Social: algumas reflexões

“...o propósito de todas as representações é tornar algo não familiar,

ou a própria não familiaridade, familiar.”

(MOSCOVICI, 2004)

O diálogo com o referencial teórico será com Serge Moscovici, pois foi o

“idealizador” da Teoria das Representações Sociais na década de 1960, tendo como

ideal a redefinição do campo da Psicologia Social no qual, a partir de um fenômeno,

se enfatizasse sua função simbólica para a construção do real, e com isso, um

melhor entendimento de uma situação e dos processos de construção do mundo

social.

Uma das primeiras a estudar a função simbólica para a construção do real foi

Claudine Herzlich, em seu trabalho sobre as representações da saúde e da doença.

Seu objetivo era enfatizar o surgimento de um sistema de classificação e

interpretação de sintomas como resposta ao modelo hospitalocêntrico, constituindo

outro modelo, que algum dia será reconhecido como uma revolução cultural em

nossas visões de saúde, de doença e morte (HERZLICH, 1973).

As diversas formas de comunicação têm papel e influência muito importante

no processo da representação social constituído pelas pessoas, pois é pela

comunicação que as informações se inserem para o mundo comum e cotidiano em

que se vive e se convive, trocadas e interpretadas por tantas pessoas, circulando

nas mídias que lemos, assistimos e ouvimos.

Em síntese, as representações mentais que fazemos do mundo são

sustentadas pelas influências sociais da comunicação, constituem as realidades de

nossa vivência e servem como principal meio para estabelecer as associações com

as quais nós nos ligamos uns aos outros. Esse é o sentido geral que se atribui,

nessa pesquisa, ao conceito de representação social, que será refinado ao longo do

capítulo.

Por conseguinte, da perspectiva da psicologia social, o conhecimento nunca é uma simples descrição ou uma cópia do estado de coisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido através da interação e comunicação e sua expressão está sempre ligada aos

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interesses humanos que estão nele implicados. O conhecimento emerge do mundo onde as pessoas se encontram e interagem, do mundo onde os interesses humanos, necessidades e desejos encontram expressão, satisfação ou frustração. Em síntese, o conhecimento surge das paixões humanas e, como tal, nunca é desinteressado; ao contrário, ele é sempre produto dum grupo específico de pessoas que se encontram em circunstâncias específicas, nas quais elas estão engajadas em projetos definidos. Uma psicologia social do conhecimento está interessada nos processos através dos quais o conhecimento é gerado, transformado e projetado no mundo social. Assim, o conhecimento surge de paixões e nunca é desinteressado (DUVEEN, 2011, p. 8-9).

As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se

entrecruzam e se cristalizam constantemente, através de uma palavra, uma crença,

um gesto, ou até mesmo em uma reunião, enfim, em nosso mundo cotidiano.

Impregnam a maioria de nossas relações pessoais, nossa forma de ação com os

objetos que produzimos ou consumimos, e as perspectivas de conceber o mundo. É

importante destacar que elas correspondem a uma natureza simbólica, que entra na

sua elaboração e, ainda, às práticas culturais específicas, que fundamentam esse

simbolismo no nosso cotidiano.

Contudo, se a realidade das representações sociais é fácil de ser

compreendida, o seu conceito não o é, sendo alvo de muitas e variadas discussões

teóricas. Não sendo o objetivo deste trabalho discutir essas diferentes definições de

representação social, toma-se por viés teórico, aqui, o conceito de representação

social como desenvolvido por Moscovici (1961), numa perspectiva de cruzamento

entre conceitos históricos-sociológicos e psicológicos.

A psicologia social de Moscovici (1961) foi direcionada para os

questionamentos sobre as mudanças que ocorrem nas sociedades, ou seja, com o

passar do tempo, como os indivíduos reagem e se adaptam às transições ocorridas

no nosso meio, sendo através destas transformações que a ancoragem e a

objetivação de significados se tornam processos significantes.

É esse interesse com a inovação e a mudança social que levou também

Moscovici a ver, sob uma perspectiva sociopsicológica, que as representações

sociais não podem ser tomadas como algo dado, nem podem servir simplesmente

como variáveis explicativas. Ao contrário, a partir dessa perspectiva, a construção

das representações é que se torna a questão que deve ser discutida, e daí a

perseverança do referido autor tanto em discutir um fenômeno que antes era visto

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como um conceito, como em enfatizar o caráter dinâmico nas representações

sociais.

Jodelet (1989, p. 31) apresenta o conceito da representação social como uma

“forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos

manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente

marcados”.

Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade

das ideias coletivas nas sociedades, pois dentro de qualquer cultura há pontos de

tensão com divergências e convergências, e é ao redor “desses pontos de clivagem

no sistema representacional duma cultura que novas representações emergem”

(DUVEEN, 2011, p. 16).

Esses pontos indicam ainda uma “falta de sentido”, ou seja, um terreno do

ainda não foi assimilado, do desconhecido e, como tal, “insuportável”, pois a

natureza simbólica do ser humano o “obriga” a buscar e a fazer sentido de tudo

àquilo com o que se relaciona. A “familiarização do não familiar”, que reestabelece

um sentido de estabilidade nos pontos de tensão. É possível ressaltar a importância

deste estudo para atuação profissional pessoal, como enfermeiro, no que diz

respeito ao agir diante de tantas visões e perspectivas de vida, manifestadas no

cotidiano das pessoas – colegas de trabalho, pacientes e seus familiares – através

dessas construções e reconstruções socioculturais e acima de tudo, a sua

contribuição para a educação em saúde.

Moscovici (1961) discorreu sobre o fenômeno das representações afirmando

que sempre está ligado aos processos sociais originados a partir das diferenças

existentes nas sociedades. Sob esta vertente, sugeriu ainda que todas as

representações sociais são uma forma de criação coletiva e, de acordo com a

realidade local, ela pode também ser diferente, fazendo sempre com que

busquemos familiarizarmo-nos com o não familiar.

Tanto a ciência como o senso comum são fontes importantes de

conhecimento e crença no mundo e, assim, da formação das representações

sociais. Partindo dessa análise, a legitimação dessas representações se torna parte

de uma dinâmica social mais complexa e conflituosa, em que as representações dos

diferentes grupos em uma sociedade procuram estabelecer uma hegemonia e

características específicas.

19

Tanto que Moscovici (1961) afirmou que a propagação, propaganda e difusão

da comunicação e compreensão do saber são importantes, uma vez que os

diferentes grupos sociais representam a realidade de diferentes modos. A

construção de uma representação específica torna-se real e, ainda, reivindica sua

própria legitimação para a representação que ela promove - torna também o real

“real”. É possível exemplificar isso quando, em puericultura, refletindo em como as

mães compreendem o que vem a ser a vacinação. Ao levar a criança para ser

vacinada, e a mesma criança, vindo a ter um episódio de febre – quer como

consequência ou não da vacina – dependendo da representação social que a mãe

tem sobre vacinação, ela pode entender que, ao levar a criança para vacinação,

levou-a para adquirir febre/doença, ou que a levou para adquirir imunidade/saúde.

Em suas justificativas de como uma representação torna-se social, Moscovici

(1988) discorre que há três formas de isso acontecer, sendo elas “hegemônicas”,

”emancipadas” e ”controversas”. Na forma “hegemônica” se dá nas práticas e

costumes de um determinado grupo; na “emancipada”, é o produto de um

determinado grupo, tendo certo grau de autonomia, e, por fim, “controversas”

quando surge um algo novo, causando conflitos nas representações já construídas.

Ainda, vai à frente afirmando:

Conceitos que operam em grandes profundidades parecem necessitar mais de cinquenta anos para penetrar as camadas mais baixas da comunidade científica. É por isso que muitos de nós estamos apenas agora começando a perceber o sentido de certas ideias que estiveram germinando na sociologia, na psicologia e antropologia, desde o limiar desse século (MOSCOVICI, 1984, p. 941).

A partir das citações descritas acima, pode-se refletir e acreditar que, através

da sociologia, psicologia e antropologia, é possível estabelecer uma melhor

compreensão da realidade contextual dos sujeitos envolvidos em práticas de saúde,

alvo dessa pesquisa. E ainda, sob o ponto de vista das representações sociais, elas

podem ser vistas como forma legitimada de conhecimento, produzidas e sustentadas

por grupos sociais específicos, numa determinada conjuntura histórica.

As representações sociais emergem não apenas como um modo de

compreender um objeto particular, mas também como forma em que nos

relacionamos e adquirimos uma capacidade de definição, uma função de identidade,

que é uma das maneiras como as representações expressam um valor simbólico. É

20

uma forma de conhecimento prático, nos conectando a um objeto. Refere-se às

vivências dos sujeitos, a partir das quais são produzidas, aos referenciais e às

condições dos contextos de existência, e também ao fato de que a representação é

empregada como uma “ferramenta” mental para agir no mundo e nos contatos com

os outros.

As representações sociais são sempre um produto da interação e

comunicação, que continuamente perpassam a vida dos sujeitos, e elas tomam sua

forma e configuração específicas como um “devir” do equilíbrio específico desses

processos de influência social. Há uma relação sutil aqui, entre representações e

influências comunicativas, que Moscovici (1961), citado por Duveen (2011), identifica

quando define uma representação social como:

Um sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social (DUVEEN, 2011, p. 21).

Vale a pena ressaltar que as representações sociais não são estáticas, mas

se reorganizam continuamente, acompanhando a dinâmica dos contextos sociais,

dos quais é componente essencial.

Tanto que Moscovici (1978) afirmou que a representação social é uma

preparação para a ação, quer por conduzir o comportamento, quer por modificar e

reconstituir os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar.

Para ele, o ser humano é um ser pensante, que formula questões e busca respostas

e, ao mesmo tempo, compartilha realidades por ele representadas.

Para Minayo (2011) as representações sociais se manifestam em palavras,

sentimentos e condutas que se institucionalizam, portanto, podem e devem ser

analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais;

sendo o produto final da vivência as contradições que os grupos sociais

experimentam e sua expressão marca o entendimento deles com seus pares, e

ainda, a interpretação das relações sociais é dinâmica e também tem caráter

político.

21

Boltanski (2004) desenvolveu um estudo denominado “As classes sociais e o

corpo”, em que abordada os conhecimentos do corpo enquanto saúde sob o ponto

de vista da anatomia e suas interfaces, fazendo reflexões. Entre aqueles que

possuíam atividades voltadas a animais denominados de “magarefe” ou “bucheiro”,

estes tinham uma noção mais próxima do que era científico; os demais tinham uma

idealização das disposições dos órgãos e seu formato à semelhança do místico que

permeava a cultura agrária daquela população.

Em seu estudo sobre representações sociais, relações intergrupais e

cognição social, Cabecinhas (2004) explanou sobre os “sistemas de interpretação” e

“fenômenos cognitivos”, no qual os sistemas de interpretação regulam as nossas

relações com os outros e orientam o nosso comportamento, através de construções

de identidades pessoais e sociais, e os fenômenos cognitivos ocorrem através da

apropriação da realidade exterior na elaboração psicológica e social da realidade de

um determinado grupo.

Em se tratando da educação em saúde, primeiro é necessário conhecer a

realidade e as perspectivas de mundo dos sujeitos envolvidos com a prática, bem

como as próprias representações sociais, para então conseguir interagir com a

realidade desse determinado grupo social. A teoria das representações sociais se

mostrou suficientemente clara e precisa para apoiar e manter um crescente corpo de

pesquisa, através de diversas áreas da psicologia social. Para um melhor

entendimento sobre as representações sociais, Moscovici (1961) empregou métodos

de levantamento e análise de conteúdo, em que o passo inicial é o estabelecimento

de uma distância crítica do mundo cotidiano do senso comum, em que as

representações sociais circulam.

Se as representações sociais servem para familiarizar o não familiar, então a primeira tarefa de um estudo científico das representações é tornar o familiar não familiar, a fim de que elas possam ser compreendidas como fenômenos e descritas através de toda técnica metodológica que possa ser adequada nas circunstâncias específicas. A descrição, é claro, nunca é independente da teorização dos fenômenos e, nesse sentido, a teoria das representações sociais fornece o referencial interpretativo tanto para tornar as representações visíveis como para torná-las inteligíveis como formas de prática social (DUVEEN, 2011, p. 25).

O que dá ao trabalho de Moscovici seu particular interesse e a razão pela

qual ele continua a exigir atenção, é que seu trabalho em representações sociais

22

forma parte de um empreendimento mais amplo, em que, para estabelecer ou re-

estabelecer os fundamentos de uma disciplina que é tanto social como psicológica,

elas têm função de interconexões ou intercâmbios.

Moscovici (1978) ressalta ainda, como já exposto, que é através de

intercâmbios comunicativos que as representações sociais são estruturadas e

transformadas. Uma observação importante é que sempre que um conhecimento é

expresso, é por determinada razão; ele nunca é desprovido de interesse. E a

procura de conhecimentos nos leva de volta ao tumulto da vida e da sociedade

humana nos desestabilizando; é aqui que o conhecimento toma aparência e forma

através da comunicação. E, ao mesmo tempo, contribui para a configuração e

formação de intercâmbios comunicativos.

É então, através da comunicação, que somos capazes de nos ligar a outros

ou de distanciarmo-nos deles. Esse é o poder das ideias, e a teoria das

representações sociais de Moscovici “procurou tanto reconhecer um fenômeno

social específico como fornecer os meios para torná-lo inteligível como um processo

sociopsicológico” (DUVEEN, 2011, p. 28).

Almeida e Cunha (2003, p. 147) em seu estudo “Representações Sociais do

Desenvolvimento Humano”, afirmam que as representações sociais são construídas

através dos significados compreendidos como “constituídos pela e constitutivos da

realidade social, portanto, explicativos e prescritivos da realidade social”.

Considera-se, então, que a ciência exerce a missão “cognoscitiva” de

intensificar uma realidade comum, através de argumentos e perturbações que nos

desestabilizam, e com isso, buscamos a estabilização das inquietações, definindo os

costumes, leis, regras e modelos, que acabam então, especificando e conduzindo as

ações humanas como “práticas de saúde”.

1.1 O Desenvolvimento das Representações Sociais

“...as representações sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a

compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal.”

(ALVES-MAZZOTTI, 2008, p.27)

23

De uma maneira geral, podemos dizer que as representações possuem

precisamente duas funções:

Em primeiro lugar, elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram. Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada categoria e gradualmente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo e pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele (MOSCOVICI, 2011, p. 34).

Essas convenções nos possibilitam conhecer o que representa o quê, por

exemplo, uma mudança de conduta ou de costumes num determinado sujeito indica

um movimento comum de transformação desse sujeito ou algo mais? Quando um

sinal se transforma em sintoma? Um determinado sintoma provém, ou não, de uma

doença? Como se argumenta aqui as percepções e crenças dos sujeitos quanto ao

se e ao como esses sintomas indicam uma doença - ou mesmo sua gravidade - são

resultantes dos processos comunicativos e de representações sociais, vigentes

numa comunidade.

Daí, o foco do estudo aqui apresentado: as representações sociais nos

ajudam a compreender como os usuários de um sistema de saúde agem ao

interpretar uma mensagem - aquela de uma doença. Como entendem enquanto

significante um sinal em relação a outros, e quando atribuem a esse sinal um valor

de acontecimento fortuito ou casual. Tais diferenciações são essenciais para a

procura – ou não – de ajuda médica, e são muitas vezes decisivas para a

recuperação da saúde, em especial em crianças pequenas, tema discutido nesta

investigação.

Através de um esforço para compreender as representações sociais

existentes na comunicação da doença/saúde nos tornamos conscientes do aspecto

convencional da realidade e então conseguimos escapar de algumas exigências que

as convenções (ou formatações) sociais impõem em nossas percepções e

pensamentos. Mas algo surpreendente é o fato de que nós não conseguimos

imaginar que podemos libertar-nos sempre de todas as convenções, ou que

possamos eliminar todos os preconceitos; daí, mais uma vez, o não familiar estará

presente. E poderemos olhar a realidade com “lentes novas”.

24

Então, em vez de negar as convenções e pré-conceitos, como é comum

vermos ser feito, esta estratégia nos possibilitará reconhecer que as representações

sociais existem e constituem, para nós, um tipo de realidade. Então, nós temos que

procurar isolar quais representações são inerentes às pessoas e objetos que nós

encontramos, e devemos trabalhar o processo de familiarização e descobrir o que

determinado fenômeno representa exatamente.

Em segundo lugar, representações são prescritivas, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. A todas as questões e para todas as suas ações fracassadas ou bem sucedidas, uma explicação estará pronta, que a levará de volta a sua primeira infância, ou seus desejos sexuais (MOSCOVICI, 2011, p. 37).

É possível concordar com Moscovici (2011, p. 37) quando ele afirma que:

enquanto essas representações, que são partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas não são pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas são re-pensadas, re-criadas, re-citadas e re-apresentadas. [...], pois, fácil ver que a representação que temos de algo não está diretamente relacionada à nossa maneira de pensar e, contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o que pensamos depende de tais representações, isto é, no fato de que nós temos, ou não temos, dada representação. Eu quero dizer que elas são impostas sobre nós, transmitidas e são o produto de uma sequência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas gerações (MOSCOVICI, 2011, p. 37).

Tal fato, como explanado acima, pode ser comprovado e ressaltado, pois

nossas experiências e ideias passadas não são experiências ou ideias mortas, mas

continuam a ser ativas, a mudar e a infiltrar nossa experiência e ideias atuais. Em

grande parte, o passado é mais real que o presente, quando pensamos no senso

comum.

O poder e a claridade peculiares das representações, isto é, das representações sociais, deriva do sucesso com que elas controlam a realidade local de hoje através da de ontem e da continuidade que isso pressupõe, daí o fato da importância em interpretá-la (MOSCOVICI, 2011, p. 38).

Ainda nas palavras de Moscovici (2011):

25

Á luz da história e da antropologia, podemos afirmar que essas representações são entidades sociais, com uma vida própria, comunicando-se entre elas, opondo-se mutuamente e mudando em harmonia com o curso da vida; esvaindo-se, apenas para emergir novamente sob novas aparências. Geralmente, em civilizações tão divididas e mutáveis como a nossa, elas coexistem e circulam através de várias esferas de atividade, onde uma delas terá precedência, como resposta à nossa necessidade de certa coerência, quando nos referimos a pessoas ou coisas. Se ocorrer uma mudança em sua hierarquia, porém, ou se uma determinada imagem-ideia for ameaçada de extinção, todo nosso universo se prejudicará. Um acontecimento recente e os comentários que ele provocou podem servir para ilustrar esse ponto (MOSCOVICI, 2011, p. 38).

Destaca-se que o fato central sobre as interações humanas é que elas são

acontecimentos, que elas estão psicologicamente representadas em cada um dos

participantes de uma interação social, ou seja, sempre e em todo lugar, quando nós

encontramos pessoas e nos familiarizamos com elas, tais representações sempre

estarão presentes, e se tornam capazes de influenciar o comportamento do indivíduo

participante de uma coletividade.

Em seus estudos, Moscovici (1961) afirma que:

O processo social no conjunto é um processo de familiarização pelo qual os objetos e os indivíduos vêm a ser compreendidos e distinguidos na base de modelos ou encontros anteriores. A predominância do passado sobre o presente, da resposta sobre o estímulo, da imagem sobre a “realidade” tem como única razão fazer com que ninguém ache nada de novo sob o sol. A familiaridade constitui ao mesmo tempo um estado das relações no grupo e uma norma de julgamento de tudo o que acontece (MOSCOVICI, 1961, p.26).

Torna-se de grande valia ressaltar que nos estudos em representação social

devemos ir muito além de nossa própria visão de mundo e sempre buscando uma

determinada razão, pois através das representações sociais buscamos o

conhecimento e a compreensão sobre nossas inquietações, desde o nosso

nascimento até nossa atualidade, não podendo esquecer que as representações

pessoais, na maioria das vezes, podem vir acompanhadas de passados e

ensinamentos de gerações anteriores.

26

As representações sociais são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e relações com o meio, o de uma ação que modifica uns e outros, e não o de uma reprodução [...], nem o de uma reação a um estímulo exterior determinado. [...] são sistemas que têm uma lógica própria e uma linguagem particular, uma estrutura de implicações que se referem tanto a valores como a conceitos [com] um estilo de discurso próprio. Não as consideramos como opiniões sobre nem imagens de, mas como “teorias”, como “ciências coletivas” sui generis, destinadas à interpretação e à construção da realidade (MOSCOVICI; NEMETH, 1974, p.48).

Então, pode-se chegar à convicção de que a sociedade é pensante, ou seja,

através das circunstâncias em que os grupos se comunicam, irão tomar decisões

que tanto revelam como escondem algo das suas ações e suas crenças, isto é, das

suas ideologias, conhecimentos e representações sociais.

Existe uma necessidade continua de re-construir o senso comum ou a forma de compreensão que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade pode operar. Do mesmo modo, nossas coletividades hoje não poderiam funcionar se não se criassem representações sociais baseadas no tronco das teorias e ideologias que elas transformam em realidades compartilhadas, relacionadas com as interações entre pessoas que, então, passam a constituir uma categoria de fenômenos à parte. E a característica específica dessas representações é precisamente a de que elas corporificam ideias em experiências coletivas e interações em comportamento, que podem, com mais vantagem, ser comparadas a obras de arte do que a reações mecânicas (MOSCOVICI, 2011, p. 48).

As representações sociais são fenômenos específicos, que estão

relacionados com um modo particular de compreender o mundo e de se comunicar

essa compreensão. São também, nesse sentido, um fenômeno educativo, pois

constituem o conteúdo da comunicação humana, que objetiva apresentar o que se

considera “realidade” ao outro. É um modo de ação interpessoal que cria tanto a

realidade “científica” como o senso comum. E para enfatizar essa distinção pode ser

utilizado o termo social em vez de coletivo.

Além disso, em seus estudos, Moscovici (1961) afirma que a representação

social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas

graças às quais os homens tornam a realidade física e social inteligível, se inserem

num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, liberam o poder da sua imaginação.

27

No universo consensual, a sociedade é uma criação visível, contínua, permeada com sentido e finalidade, possuindo uma voz humana, de acordo com a existência humana e agindo tanto como reagindo, como um ser humano. Em outras palavras, o ser humano é, aqui, a medida de todas as coisas. No universo reificado, a sociedade é transformada em um sistema de entidade sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à individualidade e não possuem identidade. Esta sociedade ignora a si mesma e a suas criações, que ela vê somente como objetos isolados, tais como pessoas, ideias, ambientes e atividades. As várias ciências que estão interessadas em tais objetos podem, por assim dizer, impor sua autoridade no pensamento e na experiência de cada indivíduo e decidir, em cada caso particular, o que é verdadeiro e o que não é. Todas as coisas, quaisquer que sejam as circunstâncias, são, aqui, a medida do ser humano (MOSCOVICI, 2011, p. 50).

Além disso, Alves-Mazzotti (2008), em seu estudo “Representações Sociais:

Aspectos Teóricos e Aplicações à Educação”, concorda com Moscovici, afirmando

que a representação social apresenta em sua estrutura duas faces, sendo elas a

face figurativa e a face simbólica, sendo que, “a cada figura corresponde um sentido

e a cada sentido uma figura” (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 23). Por exemplo, o choro

de uma criança se compara como “figura”, o motivo deste choro acaba sendo o

sentido que pode ser expressado por várias figuras, dentre elas, fome, dor, enfim,

carências.

O profissional e educador em saúde percebe que as faces das

representações sociais dos diferentes sujeitos envolvidos nos processos de

cura/prevenção estão constantemente interligadas, o que torna de grande valia

sempre respeitar o contexto onde se atua, já que:

O ato da re-apresentação é um meio de transferir o que nos perturba, o que ameaça nosso universo, do exterior para o interior, do longínquo para o próximo. A transferência é efetivada pela separação de conceitos e percepções normalmente interligados e pela sua colocação em um contexto onde o incomum se torna comum, onde o desconhecido pode ser incluído em uma categoria conhecida (MOSCOVICI, 2001, p. 45-46).

Nesse caso, como também em outros que observamos as imagens, ideias e a

linguagem compartilhadas por um determinado grupo sempre parecem ditar a

direção e o expediente iniciais, com os quais o grupo tenta se acertar com o não

familiar. Contudo, o pensamento social deve mais à convenção e à memória do que

à razão, deve mais às estruturas tradicionais do que às estruturas intelectuais ou

28

perceptivas correntes. Quando nos deparamos com uma situação desconhecida

tentamos buscar uma estabilidade, pois a tensão básica entre o familiar e o não

familiar está sempre estabelecida. Daí ressalta-se a importância do estudo das

representações sociais, pois é a essa que nos referenciamos em face do

desconhecido.

Prova disso é o fato de que, mesmo antes de ver e ouvir a pessoa, nós já a

julgamos, nós já a classificamos e criamos uma imagem dela. Desse modo, toda

pesquisa e estudos que fizemos e os esforços que empenhamos para obter

informações somente servirão para confirmar essa imagem, que então projetamos

sobre as situações e pessoas. Processo tanto mais complicado quando o

envolvimento se dá com populações marginalizadas, por etnias, situação econômica,

ou nível cultural, terreno fértil para que julgamentos preconcebidos ocorram.

O que nos leva a compartilhar da ideia de Moscovici (2011):

Quando tudo é dito e feito, as representações que nós fabricamos, duma teoria científica, de uma nação e de um objeto, são sempre o resultado de um esforço constante de tornar comum e real algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá um sentimento de não familiaridade. E através delas nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que parecia abstrato, torna-se concreto e quase normal. Ao criá-los, porém, não estamos mais ou menos conscientes de nossas intenções, pois as imagens e ideias com as quais nós compreendemos o não usual (incomum) apenas trazem-nos de volta ao que nós já conhecíamos e com o qual nós já estávamos familiarizados há tempo, por isso, nos dá uma impressão segura de algo já visto e já conhecido (MOSCOVICI, 2011, p. 58).

Depois de todos os ajustamentos e a configuração de algo novo familiar,

como citado acima, é possível sua organização diante das diferentes classes sociais,

culturais e grupais, se levarmos em consideração que cada universo interativo social

apresenta três dimensões, sendo elas: a atitude, a informação e o campo de

representação.

Na dimensão “atitude” é possível pontuar como, em uma determinada

situação, um determinado grupo se manifesta de acordo ou não, por exemplo, com

uma mudança de hábitos alimentares diante de uma enfermidade.

29

Subjacente a essa atitude estão, muito além de juízos racionais, questões

afetivas, crenças – “ser gordo é sinal de saúde” – e a pressão dos grupos sociais ao

qual o sujeito pertence.

A informação refere-se ao conhecimento que esta população tem sobre o

objeto, interferindo na construção de suas concepções sobre o caráter científico das

mudanças alimentares, por exemplo, ou mesmo de “crendices” em relação à

enfermidade; e no campo da representação se refere à ideia geral desta população

diante da enfermidade e perspectivas de prevenção/cura.

O diálogo entre as três dimensões nos permite caracterizar a visão dos

sujeitos no que diz respeito ao conteúdo e sentido de suas representações sociais, o

que permitirá adquirir uma atuação mais abrangente e pontual de acordo com as

suas necessidades.

1.2 Ancoragem e Objetivação

O conceituado filósofo francês Gaston Bachelard (1975) observou, em seus

estudos, que o mundo em que nós vivemos e o mundo do pensamento não são um

só e o mesmo mundo.

Na medida em que o conhecimento, as teorias, as informações e os

acontecimentos se multiplicam, os mundos devem ser duplicados e reproduzidos a

um nível mais imediato e acessível, através da aquisição de uma forma e energia

próprias, buscando então uma adaptação constante. Com outras palavras, são

transferidos a um mundo consensual, circunscrito, ou seja, re-apresentado.

A ciência era antes baseada no senso comum e fazia o senso comum menos comum; mas agora senso comum é a ciência tornada comum. Sem dúvida, cada fato, cada lugar comum esconde dentro de sua própria banalidade um mundo de conhecimento, determinada dose de cultura e um mistério que o fazem ao mesmo tempo compulsivo e fascinante (MOSCOVICI, 2011, p. 60).

Para modificar práticas é necessário romper com nossos paradigmas, para

depois dar-lhes uma feição familiar. Isso põe em funcionamento dois mecanismos, a

ancoragem e a objetivação, ou seja, indo de um processo de pensamento baseado

30

na memória e em conclusões passadas (familiar) para outro, não-familiar, ou de

estranhamento.

O primeiro mecanismo busca ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar em determinada situação. O objetivo do segundo mecanismo é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que existe no mundo físico. As coisas que o olho da mente percebe parecem estar diante de nossos olhos físicos e um ente imaginário começa a assumir a realidade de algo visto, tangível (MOSCOVICI, 2011, p. 60-61).

Então, através da ancoragem e da objetivação é possível transformarmos o

não familiar em algo familiar, apropriando-o para a nossa pessoalidade, em que,

através das vivências e percepções de mundo, somos capazes de categorizar

através de buscas comparativas e, então, fazer a sua interpretação.

Depois disso projetamos para coisas que podemos ver e tocar, e assim,

controlar.

Ressalta-se ainda que, essencialmente, nossas representações são sempre

criadas por esses dois mecanismos, ancoragem e objetivação. Esses processos

estão sempre conectados um ao outro e são modelados por fatores sociais. Abaixo

ambos os mecanismos são mais bem explicitados.

1.2.1 Ancoragem

A ancoragem pode ser afirmada como um processo que transforma algo

novo, estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de

categorias, e busca a comparação com um paradigma de uma categoria que nós

pensamos ser apropriada para familiarizarmo-nos com ele.

Pede-se dizer, de uma maneira mais simples, que ancorar é classificar e dar

nomes a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome

são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Quando nos

deparamos com algo não familiar, nós experimentamos uma resistência, um

distanciamento, ou seja, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo

a nós mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essa resistência,

31

em direção à conciliação de um objeto ou pessoa, acontece quando nós somos

capazes de colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de

rotulá-lo com um nome conhecido.

Em seu estudo sobre Representação Social, Vala (1993, p. 363) refere que o

processo de ancoragem é “um processo de redução do novo ao velho e

reelaboração do velho tornando-o novo”. Isso é percebido nas transformações que a

medicina vem apresentando, através da ancoragem do conhecimento popular, e do

que esse significa na busca por modalidades de tratamento “sustentáveis”; a ciência

se apropria de novos/velhos paradigmas para criar novas terapias.

No momento em que nós podemos falar sobre algo, avaliá-lo e então

comunicá-lo, mesmo vagante, como quando nós dizemos de alguém que ele é

inibido, então podemos representar o não usual em nosso mundo familiar, reproduzi-

lo como uma réplica de um modelo familiar.

Pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo. De fato, representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. A neutralidade é proibida, pela lógica mesma do sistema, onde cada objeto e ser devem possuir um valor positivo ou negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala hierárquica (MOSCOVICI, 1961, p. 136).

Diante da citação acima, pode-se pensar que, quando classificamos algo, o

intitulamos dentro de um conjunto de comportamentos e regras, sendo que

pontuamos o que acreditamos ser aceito e correto em relação aos indivíduos

envolvidos. Para tanto, essa classificação ocorre a partir dos paradigmas de nossa

memória e levando em consideração o aspecto “bom ou ruim”, “positivo ou

negativo”, “agradável ou desagradável”.

De um modo geral, minhas observações provam que dar nome a uma pessoa ou coisa é precipitá-la e que as consequências daí resultantes são tríplices: a) uma vez nomeada, a pessoa ou coisa pode ser descrita e adquire certas características e tendências; b) a pessoa, ou coisa, torna-se distinta de outras pessoas ou objetos, através dessas características e tendências; c) a pessoa ou coisa torna-se objeto de uma convenção entre os que adotam e partilham a mesma convenção (MOSCOVICI, 2011, p. 67).

32

Jodelet (1989) afirma que a ancoragem serve à instrumentalização do saber

conferindo-lhe um valor funcional para a interpretação e a gestão do ambiente.

Partindo dessa ótica, quando instrumentalizamos algo através de nomes, estamos

atribuindo uma identidade social ao que não era conhecido, e com isso, temos o

mundo consensual, em que o conceito científico apropria-se da linguagem comum.

Poderíamos quase dizer que essa duplicação e proliferação de nomes corresponde a uma tendência nominalística, a uma necessidade de identificar os seres e coisas, ajustando-os em uma representação social predominante. Chamamos antes a atenção à multiplicação de complexos que acompanhou a popularização da psicanálise e tomou o lugar de expressões correntes, tais como timidez, autoridade, irmãos. Com isso, os que falam e os de quem se fala são forçados a entrar em uma matriz de identidade que eles não escolheram e sobre a qual eles não possuem controle (MOSCOVICI 2011, p. 68).

Sintetizando, afirma-se que classificar e dar nomes são dois aspectos dessa

ancoragem das representações.

Categorias e nomes partilham da chamada sociedade de conceitos. E não simplesmente em seu conceito, mas também em suas relações. Não nego, de modo algum, o fato de que eles são naturalmente lógicos e tendem a uma estabilidade e consistência. Nem que tal ordem seja provavelmente exigente. Posso ajudar, contudo, a observar que essas relações de estabilidade e consistência são altamente rarefeitas e são abstrações rigorosas que não se relacionam, nem direta, nem operacionalmente, com a criação de representações. Por outro lado, relações diferentes, que são induzidas por padrões sociais e produzem um caleidoscópio de imagens ou emoções, podem ser vistas como presentes (MOSCOVICI, 2011, p. 69).

A essa altura, a teoria das representações sociais traz duas consequências:

Em primeiro lugar, ela exclui a ideia de pensamento ou percepção que não seja a ancoragem. Isso exclui a ideia do assim chamado viés no pensamento ou percepção. Todo sistema de classificações e de relações entre sistemas pressupõe uma posição específica, um ponto de vista baseado no consenso. É impossível ter um sistema geral, sem vieses, assim como é evidente que existe um sentido primeiro para qualquer objeto específico. Os vieses que muitas vezes são descritos não expressam, como se diz, um déficit ou limitação social ou cognitiva, mas uma diferença normal de perspectiva, entre indivíduos ou grupos heterogêneos dentro de uma sociedade. E não podem ser expressos pela simples razão que seu oposto não tem sentido. Em segundo lugar, sistemas de classificação e nomeação

33

não são, simplesmente, meios de graduar pessoas ou objetos considerados como entidades discretas. Seu objetivo principal é facilitar a interpretação de características, a compreensão de intenções e motivos subjacentes às ações das pessoas, na realidade, formar opiniões. Na verdade, esta é uma preocupação fundamental. Grupos, assim como indivíduos, estão inclinados, sob certas condições, tais como superexcitação ou perplexidade, ao que nós poderíamos chamar de mania de interpretação (MOSCOVICI, 2011, p. 70).

Não podemos nos esquecer de que para interpretar uma ideia ou um ser não

familiar sempre requeremos categorias, nomes, referências, de tal modo que a

entidade nomeada possa ser integrada ao conjunto de conceitos como um todo. Nós

fabricamos categorizações com esta finalidade, ou seja, buscar a familiarização do

desconhecido.

Na medida em que os sentidos emergem, nós os tornamos tangíveis, visíveis

e semelhantes às ideias e seres que nós já integramos e com os quais nós estamos

familiarizados. Analisar esse processo na diferenciação que as mães, usuárias dos

serviços de saúde do bairro onde a pesquisa foi desenvolvida, fazem dos sinais de

doença/saúde, significa entender como lidam com o “desconhecido” dos conceitos e

termos médico-científicos, sob quais categorias já existentes – advindas do senso-

comum, e de um senso comum de tradição rural, agrária, dada à origem das famílias

das periferias pobres – interpretam, modificam, enfim, se apropriam desses termos

na vida cotidiana. O que tem impacto de diversos níveis de gravidade na qualidade

de vida da prole.

Desse modo, conclui-se que as representações sociais preexistentes em

determinados contextos culturais são modificadas por novas informações, e aquelas

entidades que devem ser representadas são mudadas ainda mais, de tal modo que

adquirem uma nova existência e necessidade.

1.2.2 Objetivação

Toda representação social torna real um nível diferente da realidade. Esses

níveis são criados e mantidos ou extintos pela coletividade, não tendo existência por

si mesmos; por exemplo, o nível sobrenatural, que até certo tempo atrás era quase

onipresente, é agora praticamente inexistente.

34

Entre a ilusão total e a realidade total existe uma infinidade de graduações que devem ser levadas em consideração, pois nós a criamos, mas a ilusão e a realidade são conseguidas exatamente do mesmo modo. A materialização de uma abstração é uma das características mais misteriosas do pensamento e da fala. Autoridades políticas e intelectuais, de toda espécie, a exploram com a finalidade de subjugar as massas. Em outras palavras, tal autoridade está fundamentada na arte de transformar a palavra que substitui a coisa, na coisa que substitui a palavra (MOSCOVICI, 2011, p. 71).

Para começar, objetivar é identificar a qualidade simbólica de uma ideia, ou

seu ser impreciso; e com sua identificação se dá a reprodução de um conceito em

uma imagem. Certamente, isso não é tão fácil assim, pois, nós temos conosco um

enorme estoque de palavras e adjetivos, que se referem a objetos específicos, e nós

estamos sob constante pressão para provê-los com sentidos concretos equivalentes.

Ressalta-se, ainda, que desde que suponhamos que as palavras não falam sobre

nada, somos obrigados a ligá-las a algo, a buscar uma significância, a encontrar

equivalentes materiais ou não verbais para elas, ou seja, familiarizando-os

(MOSCOVICI, 2011).

A cultura nos incita a construir realidades a partir de ideias significantes.

Constata-se, então, que sem as representações sociais, e ainda, sem a

metamorfose das palavras e objetos é absolutamente impossível existir alguma

“transferência” no conhecimento e no seu entendimento.

Através da objetivação do conteúdo científico da psicanálise, a sociedade não confronta mais a psicanálise ou psicanalista, mas um conjunto de fenômenos que ela tem a liberdade de tratar como quer. A evidência de homens particulares, tornou-se a evidência de nossos sentidos, um universo desconhecido é agora um território familiar. O indivíduo, em contato direto com esse universo sem a mediação de peritos ou de sua ciência, passou de uma relação secundária com seu objeto para uma relação primária e esse pressuposto indireto de poder é uma ação culturalmente produtiva (MOSCOVICI, 1961, p. 65).

Cada cultura possui seus próprios instrumentais para transformar suas

representações em realidade. Desde o começo da Era Moderna, caracterizada pela

“mecânica” os objetos, a metáfora das máquinas domina o modo como

representamos coletiva e mentalmente a realidade e nós “estamos obsessionados

35

com um animismo às avessas, que povoa nosso mundo, com máquinas, em vez de

criaturas vivas” (MOSCOVICI, 2011, p. 40).

Podemos, pois, dizer que, no referente a átomos e genes, nós não apenas os

imaginamos como objetos, mas os criamos, em geral, com uma imagem maquínica,

com a ajuda do objeto com o qual nós os identificamos.

Nenhuma cultura, contudo, possui um instrumento único e exclusivo de

interpretação de mundo. E devido ao fato de que estamos relacionados com os

objetos e realidades contextuais, que têm na máquina seu ideal de existência, isso

nos encoraja a representar nessa perspectiva tudo o que encontramos. Nós

personificamos, indiscriminadamente, sentimentos, classes sociais e pessoas, como

máquinas, e é a própria linguagem que nos possibilita fazer isso.

Para se ter uma compreensão mais clara das consequências de nossa tendência em objetivar, poderíamos analisar fenômenos sociais tão diferentes como a adoração de um herói, a personificação das nações, raças, classes... Cada caso implica uma representação social que transforma palavras em carne, ideias em poderes naturais, nações ou linguagens humanas em uma linguagem de coisas. Acontecimentos recentes mostraram que o resultados de tais transformações podem ser desastrosas e desencorajadoras ao extremo para aqueles de nós que gostariam que todas as tragédias do mundo tivessem um final feliz e de ver o direito triunfar. A derrota da racionalidade e o fato de a história ser tão parca em seus finais felizes não nos devem desencorajar de examinar esses fenômenos significativos e principalmente não devem tirar a convicção de que os princípios implícitos são simples (MOSCOVICI, 1961, p. 78).

Linguagem que é constituída pela interação de experiências e memórias

comuns, que nós empregamos para superar o não familiar, com as suas ansiedades.

Moscovici (2011) ressalta ainda que as experiências e memórias, ao contrário do

que se possa acreditar, são dinâmicas e imortais.

Partindo da perspectiva de que as experiências e memórias são dinâmicas,

então, a ancoragem e a objetivação são as maneiras aqui escolhidas para se lidar

com essa dinamicidade. Especificando, a ancoragem mantém em movimento a

memória através da busca por comparativos, e assim classificando-os com um título

ou nome. Já a objetivação acontece através da busca por conceitos internalizados e

aqui reproduzidos em um mundo exterior, a partir do que já é conhecido. Um

exemplo, pensamos em uma cadeira, logo, buscamos esse objeto para repousar,

36

sendo ele confortável ou não; diferente da ancoragem, pois por ela, pensa-se na

cadeira mais confortável possível.

Cabecinhas (2004) afirma que o processo de objetivação envolve três etapas,

sendo elas: a informação acerca do objeto, a organização dos elementos e a sua

naturalização.

Todas as etapas têm sua importância, sendo que na primeira etapa, ou seja,

informação sobre o objeto, deve-se levar em consideração as crenças e o quanto

aquele determinado grupo social valora este objeto. Na segunda etapa, a

organização dos elementos, deve-se identificar e estabelecer padrões de relações

estruturadas entre os diversos elementos que compõem um fenômeno a ser

significado. E na terceira e última etapa, a naturalização, ocorre quando se passe

pela organização dos elementos, relaciona-os em categorias denominadas naturais,

adquirindo/instituindo uma materialidade ao fenômeno.

Em outras palavras, porém com a mesma essência, Alves-Mazzotti (2008)

também discorre sobre a objetivação, afirmando que se dá em três processos, sendo

eles: a construção seletiva, a esquematização estruturante e a naturalização.

Destaca-se ainda que a objetivação pode ser interpretada como maneiras que

constituímos organização de elementos que constituem os fenômenos cotidianos e,

assim, os representam, num processo de aquisição/instituição de um ser material,

real, tangível.

1.3 Causalidades

Farr (1977) mostrou com acerto que existe uma relação entre a maneira como

nós concebemos algo para nós mesmos e a maneira como o descrevemos aos

outros.

Partindo dessa premissa, Moscovici (2011) ressalta a teoria das

representações sociais, sendo que seu ponto de partida se relaciona com a

diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda sua estranheza e

imprevisibilidade, buscando atingir seu foco central, que é essa interação entre

pessoas na busca de uma sociabilidade significante dentro deste universo

diversificado de experiências, vivências e memórias.

37

Para nosso entendimento, diante de todas as diversidades, Moscovici (1961)

contribui com palavras de estabilidade:

Nós vemos uma pessoa, ou coisa, que não se enquadra em nossas representações, que não coincide com o protótipo, ou um vazio, uma ausência, ou nós encontramos um muçulmano em uma comunidade católica, um médico sem usar as coisas físicas. Em cada caso, nós somos provocados a encontrar uma explicação. De um lado, existe uma falta de reconhecimento; de outro lado, existe uma falta de conhecimento. De um lado, uma falta de identidade; de outro, uma afirmação de não identidade. Nessas circunstâncias, nós somos sempre obrigados a parar e pensar e finalmente a admitir que nós não sabemos por que essa pessoa se comporta desse modo, ou que esse objeto tenha tal ou tal efeito (MOSCOVICI, 1961, p. 81).

Nesse âmbito, podemos afirmar dois tipos de causalidades, sendo

denominadas de primária e secundária.

Podemos pontuar como causalidade primária, em termos de representações

sociais, aquelas para as quais nos voltamos espontaneamente, dependendo das

finalidades dos eventos comunicativos/interpretativos com que estamos envolvidos.

Posto que a maioria de nossas relações se dá com seres humanos, nós somos

confrontados com intenções e propósitos de outros que, por razões práticas, não

podemos entender.

Já a causalidade secundária, que não é espontânea, é ditada por nossa

educação, nossa linguagem, nossa visão científica do mundo, e tudo isso nos leva a

desvestir as ações, conversações e fenômenos do mundo exterior de sua porção de

intencionalidade e responsabilidade, considerando-os apenas como dados

experimentais, que devem ser vistos imparcialmente.

Tendemos, assim, a juntar toda a informação possível a respeito destes

dados, de tal modo que possamos classificá-los em uma determinada categoria e,

desse modo, identificar sua causa, explicá-los.

O que realmente acontece na cabeça não é facilmente deduzido. Mas eu queria tornar esse ponto claro: nas representações sociais, as duas causalidades agem conjuntamente, elas se misturam para produzir características especificas e nós saltamos constantemente de uma para outra. Por um lado, pelo fato de procurar uma ordem subjetiva, por detrás dos fenômenos aparentemente objetivos, o resultado será uma inferência; por outro lado, pelo fato de procurar uma ordem objetiva por detrás de fenômenos aparentemente subjetivos, o resultado será uma atribuição. Por outro lado, nós

38

reconstruímos intenções ocultas para explicar o comportamento da pessoa: essa é uma causalidade de primeira pessoa. Por outro lado, nós procuramos fatores invisíveis para explicar o comportamento visível: essa é uma causalidade de terceira pessoa (MOSCOVICI, 2011, p. 83).

Esse assunto merece destaque pois as circunstâncias da existência social, na

maioria das vezes, são manipuladas com o intuito de destacar uma ou outra

causalidade, como se fosse fazer passar um fim como um efeito. Em outras

palavras, o foco de investigação desta pesquisa, é como se legitimasse que as

mães/cuidadoras que vivem nas periferias são incapazes de identificar os sinais de

doenças nas crianças, devido ao meio em que elas vivem.

Considerar as representações sociais como meios de recriar a realidade

significa dizer que nós a reproduzimos no mundo exterior e, por isso, não podemos

evitar a distorção de nossas imagens e modelos internos.

Quando estamos reproduzindo nossos referenciais, essa é uma projeção

distinta de qualquer outra e, então, elaboramos nossa representação dela. E com

isso, quando ocorrem episódios de repetição, por exemplo, em uma consulta de

enfermagem em puericultura, quando a mãe afirma que na amamentação ela tem

muita sede e acredita que algo está errado, a função do representante da

enfermagem é esclarecedora, pois a sede é natural para reposição de líquidos

corporais. Nas próximas consultas, quando houver esse mesmo tipo de queixa,

estará ocorrendo a “reprodução” de uma representação anterior.

O resultado mais importante dessa reconstrução de abstrações em realidades é que elas se tornam separadas da subjetividade do grupo, das vicissitudes de suas interações e consequentemente, do tempo, e adquirem, portanto, permanência e estabilidade. Isoladas do fluxo de comunicações que as produziu, elas se tornam tão independente delas como uma construção se torna independente do plano do arquiteto ou dos andaimes empregados em sua construção (MOSCOVICI, 2011, p. 90).

Continuando a explanação sobre o exemplo acima, na consulta de

enfermagem em puericultura, existem os processos de não familiaridade para a

familiarização sob duas perspectivas, a do enfermeiro e a da mãe. O que para a mãe

parece ser algo errado – um sintoma – a percepção, enquanto enfermeiro educador,

é que o fenômeno “sede” é natural, pois ela está amamentando. Isso é explicado à

medida que, antes de ocorrer a ancoragem e a objetivação, nossa tendência é a de

39

voltarmo-nos para causalidades do mundo natural para, depois, fazermos nossas

outras reconstruções, que são sociais e nos influenciam.

Isso ocorre pois:

O senso comum está continuamente sendo criado e recriado em nossas sociedades, especialmente onde o conhecimento científico e tecnológico está popularizado. Seu conteúdo, as imagens simbólicas derivadas da ciência em que ele está baseado e que, enraizadas no olho da mente, conformam a linguagem e o comportamento usual, estão constantemente sendo retocadas. No processo, a estocagem de representações sociais, sem a qual a sociedade não pode se comunicar ou se relacionar e definir a realidade, é realimentada. Ainda mais: essas representações adquirem uma autoridade ainda maior, na medida em que recebemos mais e mais material através de sua mediação, juntamente com as categorias necessárias para compreender o comportamento de uma criança, por exemplo, ou de um amigo. Aquilo que, a longo prazo, adquire a validade de algo que nossos sentidos ou nossa compreensão percebem diretamente, passa a ser sempre um produto secundário e transformado de pesquisa científica. Em outras palavras, o senso comum não circula mais de baixo para cima, mas sim de cima para baixo; ele não é mais o ponto de partida, mas o ponto de chegada (MOSCOVICI, 2011, p. 95).

Contudo, essas reconstruções serão tanto mais possibilitadas quanto maior

for a escuta prestada aos sujeitos, que, como no exemplo dado, estão num contexto

de transição de representações sociais- rurais/agrárias/populares para aquelas mais

científicas. Então, as representações sociais determinam tanto o caráter do estímulo

como a resposta que ele incita, assim como, em uma situação particular, eles

determinam quem é quem. Para tanto, a interação com o meio é a primeira etapa

para uma melhor busca dos significados e significantes ou mesmo das relações

sociais. Pode-se afirmar que, com isso, a busca pelo entendimento mútuo, por meio

do respeito às diferentes representações sociais constituídas pelos sujeitos,

constitui-se uma maneira de cuidar para a evolução das interações grupais e de

concepções mais amplas de mundo.

Destaco ainda que o estudo das representações sociais deva ser explorado e

levado em consideração não apenas como uma mudança de referencial partindo do

nível emocional para o intelectual. Todo aspecto relacionado à cognição, motivação

e comportamento humano somente existe e tem suas repercussões uma vez que

eles signifiquem algo para os sujeitos e, portanto, para significar necessita-se que

pelo menos haja um diálogo, valores e memórias comuns. É nesse aspecto que se

40

distingue o social do individual, o cultural do físico e o histórico do estático. Na

codificação dos significados diz-se que as representações são sociais,

principalmente que elas são simbólicas com aspectos de percepção e cognitivos.

Representações sociais, como teorias científicas, religiões ou mitologias, são representações de alguma coisa ou de alguém. Elas têm um conteúdo específico que difere de uma esfera ou de uma sociedade para outra. No entanto, estes processos são significantes, somente na medida em que eles revelam o nascimento de tal conteúdo e suas variações. Afinal, como nós pensamos não é distinto daquilo que pensamos. Assim, nós não podemos fazer uma distinção clara entre as regularidades nas representações e nas dos processos que as criam (MOSCOVICI, 1978, p. 106).

Conclui-se ainda, neste caso, que as representações sociais são históricas na

sua essência e influenciam o desenvolvimento do indivíduo desde a primeira

infância, desde o dia em que a mãe, com todas as suas imagens e conceitos,

começa a ficar preocupada com seu bebê. Mais uma vez demonstra-se a

importância em continuar as investigações e traçar análises sobre a

percepção/representações sociais das mães no que se refere ao processo

saúde/doença para com seus filhos.

E, por fim, destaca-se que essas imagens e conceitos são advindos, pela

mãe, dos seus próprios dias de escola, de programas de rádio, de conversas com

outras mães e com o pai, e de experiências pessoais, enfim, do meio onde se vive e

que impacta seu relacionamento com a criança, o significado que ela dará para seus

choros, seu comportamento e como ela organizará a atmosfera na qual essa criança

crescerá. Acredita-se, ainda, que a compreensão que os pais têm da criança – que

também pode ser considerada fruto das representações sociais vigentes numa

comunidade – modela sua personalidade e pavimenta o caminho para sua

socialização, ressaltando então mais uma vez a riqueza em estar estudando as

representações sociais, com vistas a entendê-las e colaborar para sua

reestruturação/ampliação.

41

“Death and Life” – Gustav Klimk – 1908

http://www.gustav-klimt.com/Death-And-Life.jsp

Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo 11111111

42

2 Antropologia da Doença - resultado da complementariedade entre a

epidemiologia e a sociologia da saúde

“...a finalidade de todas as ciências e todas as artes é o bem da pessoa humana e sua perfeição, então,

esse empenho não é em vão...”

(SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2011)

A antropologia da doença tem por finalidade analisar as inúmeras formas de

fazer interpretações sobre os processos que envolvem o adoecer e a cura em seus

distintos âmbitos culturais. Como discorrido no capítulo anterior sobre as

representações sociais, este capítulo vem complementar os vieses envolvendo as

percepções humanas no que diz respeito aos aspectos significantes da antropologia

médica e seus reflexos socioculturais.

Este capítulo tem por importância e justifica-se pelo fato que, quando

analisamos o termo “doença”, vem em mente uma representação de desaceleração

de nossas atividades cotidianas, uma mudança na vida da pessoa, pois a doença

não se refere somente a uma estrutura somática do ser humano, e sim, a integridade

de “si/do-modo-de-ser-dos-sujeitos”. Então, torna-se de grande valia analisar, sob a

perspectiva antropológica, o que a enfermidade significa para o ser humano. Com os

pressupostos teóricos sobre a antropologia da doença, utilizou-se o referencial de

François Laplantine no qual o mesmo classifica os modelos antropológicos sobre a

doença de acordo com sua etiologia, além disso, também, pela afinidade do

pesquisador junto ao teórico.

A antropologia da doença estuda a relação de como as pessoas, em seus

diversos contextos socioculturais, apreendem conhecimentos no que diz respeito

aos problemas de saúde, crendices, tratamentos e busca pela cura quando

adoecem. Além disso, a antropologia médica investiga como essas crenças e

costumes influenciam diretamente nas respostas corporais ao processo

saúde/doença (HELMAN, 2009).

Partindo por essa perspectiva, Alves (1993) sugere que para a compreensão

de uma enfermidade é preciso conceber-se que a mesma está relacionada à

experiência dos sujeitos, ou seja, o fenômeno “sentir-se mal” origina-se através de

43

uma representação social sobre o que vem a ser “estar doente”, e em como nos

tornamos capazes de transformar esta experiência em conhecimento.

A doença pode ser definida como uma alteração global da estrutura pluridimensional e plurirrelacional da pessoa, uma alteração que pode ser associada ao sofrimento ao longo da vida. Com efeito, a enfermidade tem um profundo valor antropológico, pois não se trata de uma mudança meramente epidérmica ou acidental, mas sim de uma mutação transcendental do ser humano que altera globalmente seu ser e sua estrutura tanto do ponto de vista exterior como do ponto de vista interior (TORRALBA ROSELLÓ, 2009, p. 70).

A doença como estrutura corporal altera a percepção da própria

materialidade, sendo que as expressões faciais, sensações de cansaço e

esgotamento estão perceptíveis à nossa interpretação visual. Porém, o processo de

adoecer ultrapassa nossas compreensões visionais, sendo que a análise

antropológica vai além, ou seja, afeta a interioridade do ser humano, e em suma,

seus sentimentos mais íntimos, seus valores, suas recordações, suas emoções, e

sua capacidade de argumentação. Devido ao conjunto de subjetividade envolvendo

a doença, quando nos relacionamos com outros seres humanos, devemos sempre

levar em consideração que a doença altera, de certo modo, o mundo afetivo e

relacional dos envolvidos. O mundo relacional se transforma através dos sinais e

sintomas expressos pela doença e o olhar em relação a você/ao doente também

adquire mudanças significativas, pois uma pessoa doente tem uma visão diferente

do outro, o qual somente é possível a partir da experiência do adoecer.

Nessa direção Minayo (1988, p. 375) adverte:

O corpo humano é considerado na medicina acadêmica como uma máquina e cada órgão como uma peça. O papel do médico é de atacar a doença, isto é, de consertar os defeitos de um mecanismo enguiçado. Ao concentrar-se em elementos cada vez menores e divididos do corpo, o médico perde de vista o doente como um todo o processo de inter-relação sociocultural, psicossocial, e espiritual que permeia qualquer doença.

De acordo com Torralba Roselló (2009), pode-se pontuar três perspectivas

que se unem para uma melhor concepção em termos de doença. A primeira, como

se o corpo possuísse uma deficiência e com isso adquirisse a doença. A segunda, a

incapacidade vital da razão em fazer uma sucessão de um instinto, por exemplo,

44

relação antígeno e anticorpo, em que nosso corpo teria uma incapacidade de fazer

com que nossos anticorpos inativassem os antígenos, e com isso nós

adoeceríamos. E, por último, a história humana, vendo um processo mórbido como

irremediável, ou de alguma maneira “mágico”, enquanto ligado à figura do médico,

que pode ser visto como um “detector” de “problemas e males”, cria obstáculos para

o acercamento dos sujeitos das práticas médicas; um exemplo disso é que até nos

dias atuais, dependendo da história humana, os idosos, em grande parte, tem

resistência e não aceitam fazerem uso da medida preventiva que é a vacinação

anual contra a gripe.

Merecem destaque as palavras de Torralba Roselló (2009, p. 71):

A doença, que em nossa concepção antropológica supõe uma alteração global na estrutura da pessoa, não é um risco definitivo para o ser humano, mas uma experiência pela qual ele passa e que pode ser entendida a priori em vários sentidos analógicos: a) a doença como sofrimento ou fragilidade afetiva de um ser miserável; b) a doença como anormalidade ou transgressão de uma norma, desordem moral; e, c) a doença como negatividade ontológica e a negação axiológica.

Nessa linha, Carlos Díaz (1997, p.17) afirma que,

Se alguma definição do ser humano fosse suficientemente descritiva não seria a mais inadequada a que o caracteriza como animal enfermável, o constitutivo, pois, do ser é a enfermidade. Não ficamos melhores ou piores ao envelhecer, mas sim, mais parecidos com nós mesmos.

Como argumenta Pereira (1993 p. 159), as noções de corpo, doença e saúde:

[...] são construídas social e culturalmente, devendo o olhar antropológico buscar o seu sentido junto das pessoas que as utilizam, como único meio de poder entender quais as estratégias sociais nos processos de manutenção e recuperação da saúde (PEREIRA, 1993, p.159).

Para tanto, se faz necessário apontar a importância, como expresso por

Uchôa e Vidal (1994), sobre a pertinência do discurso antropológico na abordagem

da saúde e da doença para uma melhor compreensão da realidade. Pois o

entendimento da saúde e da doença são fenômenos complexos, uma vez que nos

revela que o estado de saúde de uma população está relacionado ao seu modo de

45

vida e ao seu universo social e cultural. Partindo dessa vertente, fica coerente

afirmar que a antropologia médica apresenta-se em uma relação de

complementaridade entre a epidemiologia e a sociologia da saúde.

Na epidemiologia busca-se descobrir a distribuição das doenças na

população e seus determinantes, por exemplo, quantas crianças de uma

determinada faixa etária se concentram numa região; traçar uma análise nutricional

dessas crianças e buscar os determinantes de saúde e doença presentes. Na

sociologia, busca-se a apreensão dos problemas de saúde em uma dimensão social

e não individual, pois a saúde e a doença, em suas interrelações, são fenômenos

culturalmente construídos e culturalmente interpretados.

Partindo do pensamento acima, Laplantine (2010) afirma que a antropologia

médica tem como missão a interpretação das dimensões socioculturais, buscando a

compreensão das representações e práticas de um determinado grupo social. E

ainda, a maneira com que cada sociedade percebe a doença implica em técnicas e

rituais terapêuticos, ou em mecanismos de exclusão social, que cada sociedade irá

buscar, apropriar-se e, com isso, considerar adequadas para agir em relação aos

“distúrbios”.

Muito se tem falado sobre a melhora do processo saúde-doença após a

criação do Sistema Único de Saúde – SUS, pois a população está participando e

interagindo mais efetivamente com os serviços de saúde. Porém, percebe-se ainda

uma lacuna existente nos sistemas de saúde pública no que diz respeito às

percepções do “estar doente”. Haja vista que a experiência de uma doença não se

limita somente à alteração biológica, mas esta lhe serve de apoio ou mesmo norte

para uma construção cultural, num processo que lhe é concomitante (OLIVEIRA,

2002).

Para uma melhor interpretação dos fatos relacionados às patologias, os

sistemas biomédicos se baseiam em modelos que, contemporaneamente, se

encontram marcados pela visão hospitalocêntrica.

E isso acontece em razão das hipóteses, especialmente as científicas, que

foram apropriadas através de ideais para um relacionamento cultural mais adequado

diante de toda diversidade humana. Ou seja, a cultura biomédica não é isenta de

representações sociais, tampouco. Todo o pensamento sobre uma determinada

doença procede de uma opção teórica e ideológica, e a mesma está subordinada ao

contexto cultural no qual se insere.

46

Para fins explicativos, parte-se do referencial de François Laplantine (2010),

no qual o autor afirma que a representação etiológica das doenças e as práticas de

cura dificilmente podem ser isoladas das condições sociais, e que se inscrevem nas

investigações acerca das representações sociais sobre a doença e a cura,

envolvendo diversos discursos, tanto ao nível da interpretação etiológica da doença

quanto da resposta terapêutica.

Dividiremos então este capítulo em vários segmentos sobre os modelos

etiológicos da doença, que, partindo da perspectiva idealizada por Laplantine (2010),

são dispostos em pares de oposições, que descrevem e comparam as respectivas

vertentes. Os que seguem:

- modelo ontológico e modelo relacional;

- modelo exógeno e modelo endógeno;

- modelo aditivo e modelo subtrativo;

- modelo maléfico e modelo benéfico;

- contribuições da antropologia da doença para as representações sociais.

2.1 Modelo Ontológico e Modelo Relacional

O modelo ontológico é aquele em que a medicina está centrada na doença

como um “ser” físico, separada do corpo; e o modelo relacional está centrado no

homem doente, sendo que suas representações podem ser ancoradas nos aspectos

fisiológicos, psicológicos, culturais e sociais.

2.1.1 Modelo Ontológico

“Minha cabeça e meus pulmões conspiram contra mim

sem que eu o soubesse...”

(KAFKA, 1981, p. 81)

Desde a medicina hipocrática já se tinha a ideia de um “ser” da doença

separada do corpo e essa ideia adquire maiores forças quando ocorre uma

47

formulação sistemática com o dualismo cartesiano, no qual existe a separação da

alma do corpo, sendo a alma entendida na perspectiva da metafísica (isto é, “para

além do físico”) e o corpo na perspectiva da física.

De acordo com Laplantine (2010), quando estudamos o modelo ontológico,

três abordagens estão sobrepostas nos fatos, sendo elas, uma medicina de

espécies, uma medicina das lesões e uma medicina das especificidades.

Uma medicina das espécies, também denominada de essencialismo, procede

a partir do isolamento da doença da pessoa, e sua existência se situa além de

qualquer localização.

Já a medicina das lesões, também denominada de anatomismo e

anatomopatologia, se baseia na procura da localização da doença, ou seja, a

doença coincide totalmente com a sua inscrição corporal. E por fim, a medicina da

especificidade busca o especifísmo etiológico, ou seja, o “ser” da doença tem sua

causa precisa, então, busca-se a origem da doença/mal.

Neste modelo, então, observa-se uma reificação da doença, considerada

como “um mal em si mesma”. Ainda, a interpretação do modelo ontológico da

doença apresenta duas grandes “vantagens”, sendo elas, “a doença isolável” e as

“representações tranquilizantes”.

Por “doença isolável” pode-se exemplificar o caso de uma apendicite, pois na

cirurgia retira-se o apêndice vermiforme e acaba-se o mal, então, na doença isolável,

ocorre uma objetivação, sendo ela eliminada após o procedimento cirúrgico.

E nas “representações tranquilizantes”, partindo do mesmo exemplo descrito,

na apendicite a representação tranquilizante é o fato de que uma pequena parte do

corpo não está em pleno funcionamento, ou seja, tranquiliza saber que “eu” estou

bem, somente um órgão do meu corpo é que está com alguma disfunção.

2.1.2 Modelo Relacional

“Estudar os órgãos alterados

sem fazer menção aos sintomas das doenças,

é como considerar o estômago independente da digestão”

(BROUSSAIS, 1821, p. 12)

48

O modelo relacional, que também é chamado de funcional, apresenta como

essência de pensamento o que diz respeito ao aparecimento e desaparecimento de

enfermidades, passa o olhar para questões que envolvem a harmonia e desarmonia,

equilíbrio e desequilíbrio; contudo, a enfermidade/doença passa a ser vista com um

desarranjo do corpo, seja por falta ou excesso de algo, que afeta diretamente o

corpo.

Partindo dos pensamentos de Laplantine (2010), no modelo relacional o autor

subdivide este modelo em três esferas de saberes, sendo elas, “a doença como

ruptura do equilíbrio entre o homem e ele mesmo”, “a doença como ruptura do

equilíbrio entre o homem e os cosmos” e, “a doença como ruptura de equilíbrio entre

o homem e seu meio social”.

A primeira esfera dos saberes, “a doença como ruptura do equilíbrio entre o

homem e ele mesmo”, pode ser categorizada em “a medicina humoral”, “a

fisiopatologia” e “a homeopatia e a psicanálise”. A medicina humoral se refere pela

concepção hipocrática da doença onde há variações entre um dos quatros humores

– o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. A fisiopatologia, assim

entendida como a apreensão do organismo de uma maneira dinâmica e funcional,

por exemplo, não se considera mais o “olho” e sim a “função do olhar”. Partindo

então desta perspectiva, torna-se necessário aceitar a ideia de que a doença é a

própria função fisiológica, mas a função fisiológica desviada de sua funcionalidade

(LAPLANTINE, 2010).

Merecem destaque as escritas de Bernard (1966, p. 279):

Dito de outra forma, a patologia – que está nessa ótica da fisiopatologia – resulta de uma disfunção, ou seja, de uma variação por “exagero”, mas em outros casos por “atenuação”, do funcionamento normal do organismo. Assim, torna-se possível, nessas condições, indicar uma continuidade ou, se preferirmos, uma homogeneidade entre a doença e a saúde, que não são mais compreendidas como duas qualidades em luta, mas como “simples modificações fisiológicas”, ou seja, graduações de uma com relação à outra.

Devido à relação de continuidade da doença e da saúde, não há como

separar a morbidez do organismo, neste caso, por exemplo, em situações em que a

mãe procura ajuda na Unidade de Saúde da Família relatando que a criança está

49

apresentando diarreia, é necessário levar em consideração o contexto em que essa

criança vive e daí, mais uma vez, a importância da educação em saúde no que diz

respeito a hábitos de higiene e manuseio de alimentos no domicílio.

A homeopatia e a psicanálise têm como foco a valorização da história da

pessoa, ou seja, o ato de fazer lembrar ou relembrar – fazer a anamnese. Em uma

consulta homeopática a principal característica é a abordagem clínica da doença,

neste caso, pedindo para as mães relatarem o motivo da busca pela assistência

médica. Escutar as mães, estudar o significado das fases e períodos da doença, a

sintomatologia, as possíveis complicações, são os conceitos fundamentais para

alcançar a cura. Lembrando sempre que cada situação é única, ou seja, o cuidado é

individualizado. Ao mesmo tempo, a psicanálise, no contexto da doença, procura a

relação da experiência atual do doente com um pensamento voltado para a sua

história.

Sintetizando, então, o procedimento clínico é centrado na narração do

indivíduo e na escuta. Na narração se conta a origem, tempo e evolução da

sintomatologia; e na escuta, após toda narração, faz-se análise e formula-se o

diagnóstico, além de traçar-se um prognóstico para a doença/cura.

A respeito da segunda esfera dos saberes “a doença como ruptura do

equilíbrio entre o homem e o cosmos”, Laplantine (1978, p. 119-120) afirma:

[...] a doença é considerada, desta feita, como o efeito de uma desarmonia entre o microcosmo e o macrocosmo, e o processo da cura consistirá de um reequilíbrio cósmico – intervenção direta nos elementos naturais ou por meio deles.

A terceira esfera dos saberes, “a doença como ruptura do equilíbrio entre o

homem e seu meio social”, está de acordo com a época e sociedade em que se vive,

adquirindo várias formulações, dentre elas, uma formulação religiosa e uma

formulação mágica ou de feitiçaria. Na formulação religiosa, a doença aparece como

um castigo, uma advertência devido a uma infração cometida. Também sob essa

perspectiva, vê-se um apelo para restaurar as relações da comunidade com ela

mesma. Nesse sistema de interpretação pede-se a oferta de algo para sacrifício –

promessas – que a sociedade oferece. Assim, o doente vai se reencontrar ou

fortalecer seu eixo de equilíbrio.

50

Na formulação mágica ou de feitiçaria, a doença tem algo a ver com o doente,

mas se situa no exterior dele, ainda tem a capacidade de pressentir o achado, ou

seja, a sintomatologia.

Concordando com Laplantine (1978) pensar a doença e a saúde como modo

de relação perturbado ou satisfatório do homem com seu meio social pode ser

considerado um progresso e também uma revitalização de um modelo muito antigo,

que está dividido entre a ideia de que é preciso “desmedicalizar” a doença e a

“medicalização” de fato dos comportamentos, os quais eram condenados em nossa

sociedade pela moral e pela religião.

2.2 Modelo Exógeno e Modelo Endógeno

Quando tratamos o assunto “doença” merece destaque que toda a

responsabilidade etiológica, seja ela popular ou erudita, espontânea ou teórica,

necessita de uma segunda leitura, pois existe uma certa oscilação entre uma

causalidade externa e causalidade interna, sendo então denominadas de modelo

exógeno e modelo endógeno.

O modelo exógeno dá-se ao entendimento sobre o resultado dessa doença

por uma intervenção exterior, por exemplo, uma infecção microbiana. Já o segundo

que é o modelo endógeno, consiste nas heranças genéticas, a hereditariedade, os

temperamentos, o estresse e as predisposições.

2.2.1 Modelo Exógeno

“É a ordem social que nos deixa doentes...”

(CARPENTIER, 1977, p. 33)

No modelo exógeno a doença é vista como um acidente devido à ação de um

elemento estranho, que acometeu o doente. Nessa ação podem ser apontados dois

grupos de significações, sendo o primeiro grupo “a doença tem sua origem na

vontade má de um poder antropomorfo”, nesse caso, atribui-se isso aos feiticeiros,

51

espíritos e até mesmo Deus, o qual faz sua intervenção através da forma de

“destino”. Trata-se, então, dos “sistemas” de crenças, que segundo Foster (1976),

são “personalistas”, ou seja, são os processos patológicos e terapêuticos que estão

pensados em termos de relações humanas com o sobrenatural.

Já no segundo grupo de significação “a doença tem sua origem como uma

agente nocivo”, neste caso acontece o que podemos denominar de “naturalização”,

ou seja, é natural você vir a adoecer. Isso acontece devido a uma relação do ser

humano com o meio físico, sendo, então, as variações climáticas, as questões

mórbidas do planeta, as condições ecológicas e sociais de nossa existência a ter

influência direta no nosso organismo.

Também existe a concepção da doença como produto, ou seja, como

resultado de nossa interação com o meio químico e bioquímico. Um exemplo típico é

a questão dos alimentos, sendo cada vez mais produzidos com acréscimos de

conservantes, condimentos, produtos artificiais, e, com isso, nosso organismo vai

sofrendo o impacto desses, se desgastando e sendo crescentemente exposto aos

desequilíbrios.

A seguir, há três vertentes que relacionam a etiologia a partir da cultura,

sendo elas: a “sociogênese das doenças na dualidade contemporânea

médico/doente”; a “sociogênese das doenças nas teorias sociomédicas

contemporâneas”; e, a “sociogênese das doenças na literatura” (LAPLANTINE,

2010).

A sociogênese das doenças na dualidade contemporânea médico/doente, tem

sua origem do grande número das doenças que estão relacionadas diretamente com

o meio social em que se vive e também ao modo de vida. No que diz respeito ao

modo de vida, alguns exemplos podem ser apontados, dentre eles, problemas

familiares, poluição ambiental, desemprego, ruídos, as más condições de moradia,

sedentarismo. Além disso, os ritmos de trabalho com duração de longas jornadas,

responsáveis pela sobrecarga e fadiga, e a nocividade da alimentação.

Os alimentos podem ser classificados de acordo com os hábitos culturais

como “bons” e ”maus”. Os alimentos considerados maus – patogênicos – não são

considerados como fatores de doença em si, mas sim como agentes diretamente

responsáveis. Daí percebe-se uma convicção que os doentes possuem sobre a

causa da “doença”, acabando por fazer sua legitimação sobre o bem e o mal que

cada alimento traz para sua saúde/doença.

52

Há uma difusão de que mais sadia é a alimentação natural, comparando-a

com os hábitos culturais nas áreas rurais, ou seja, a vida direta com a natureza, e

com isso evitar-se-ia o aparecimento de muitas doenças, aumentando então a

qualidade de vida e a expectativa de vida em anos. Mas deve-se lembrar de que não

é apenas à alimentação “natural” que se deve a preservação da saúde, mas a toda

uma maneira de viver, que caracteriza o modo de vida rural.

Resumidamente, a sociogênese das doenças na dualidade médico/doente

tem, então, duas vertentes importantes, dentre elas o meio social e o modo de vida

que a pessoa vive.

Não podendo deixar de afirmar que muitos pacientes tendem a direcionar a

legitimação daquilo que ingerem/fazem como “agentes patogênicos”, ou seja, por

exemplo, quem faz uso de açúcar na alimentação desenvolve, como relação direta,

o diabetes, porque o açúcar causa o diabetes, mas quando presente a dislipidemia

(distúrbio envolvendo a presença de elevados níveis de lipídios e lipoproteínas na

corrente sanguínea) isso se torna verdadeiro.

A segunda vertente, a sociogênese das doenças nas teorias sociomédicas

contemporâneas, tem por visão que a doença é tida como fenômeno social, estando

ligada diretamente à educação, à política e à cultura. Na explicação sociomédica

todas partilham da ideia maior de que a origem da doença não se situa no nível do

indivíduo, mas sim no nível da relação social que esse indivíduo desenvolve na

sociedade.

A terceira, a sociogênese das doenças na literatura, parte dos pressupostos

de Zorn (1979), que apontou em sua obra literária “Mars”, a abordagem do

conhecimento popular, familiar e social com relação ao aparecimento das doenças.

Nessa obra o autor citado anteriormente afirma que o convívio familiar e a

sociedade irão atuar diretamente na fragilidade individual, o que poderá causar

algum dano. O que ressalta-se é que a quantidade/qualidade com que a pressão e

as cobranças são feitas pela sociedade e família também vai causar um dano, uma

fragilidade, podendo originar doenças. Por exemplo, na obra “Mars”, o jovem foi a

óbito com apenas trinta e dois anos devido ao câncer, porém ele afirma que a família

seria a responsável pelo seu câncer.

Mas o que é importante nessa fala é que ele mesmo ressalta que a família,

era responsável pelo câncer devido à quantidade de pressão, cobranças e

expectativas que faziam em cima dele – não que toda a família causa câncer e sim a

53

quantidade, esse exagero ou mesmo a falta de cobranças – acaba acarretando um

desequilíbrio, e esse é o corpo que “absorverá” esse desequilíbrio, desenvolvendo

respostas através do aparecimento de doenças.

2.2.2 Modelo Endógeno

“Eu quis minha doença e meu câncer...”

(ZORN, 1979, p. 259)

A prioridade atribuída ao modelo endógeno é o fato de que a doença é

deslocada para o indivíduo, ou seja, ela é concebida como vindo do próprio interior

do sujeito (LAPLANTINE, 2010).

Essa compreensão vem das noções de “temperamento” da pessoa, das suas

“disposições e predisposições”, do tipo de caráter ou mesmo do “astral”, da

natureza, da hereditariedade, da fragilidade corporal, das disposições a tal doença e

outras. Todas essas explicações, tendo como ponto comum o fato de que os

recursos de autodefesa do organismo, por características inerentes ao sujeito,

tornam-no incapaz de defender-se, gerando, então, a doença.

Dentre esses modelos poderiam ser citadas as doenças da nutrição, os

desarranjos que acontecem no metabolismo, os desequilíbrios hormonais, os

problemas “nervosos”, aqueles de crescimento, os distúrbios funcionais. Como

exemplo, duas doenças significantes podem ser apontadas no que diz respeito à

interpretação endógena.

Uma delas é a psicose maníaco-depressiva, também denominada de

melancolia ou psicose endógena, que surge pelos distúrbios da regulação interna,

que alterará os ritmos biológicos, traduzindo-se por acessos de excitação ou

depressão, os quais são absolutamente desproporcionais em relação às

circunstâncias, ou até sem qualquer relação perceptível, do ponto de vista do

observador, com as situações vivenciadas no meio. O que reforça a ideia de que

esses estados de sofrimento psíquicos são fenômenos puramente internos.

Outra patologia é o câncer, visto como um corpo estranho, mas ao mesmo

tempo, constituindo-se num estranho muito particular, uma vez que ele nasce e se

54

desenvolve por um processo de invasão e consumação interna, que vai provocando

uma degradação progressiva do organismo e, com frequência, podendo levar até a

morte (COSTA, 2011).

Uma das representações populares no que diz respeito ao câncer é o fato de

que as pessoas não utilizam o termo “eu peguei câncer” e sim “eu estou com

câncer”.

Então, quando estudamos a relação da interpretação endógena com o tipo de

doença apresentada, devemos buscar a causa interior para a reação corpórea que

está acontecendo.

As formas de pensamento médico representativas da prioridade do endógeno

afirmam que a doença deve ser entendida como uma alteração que certamente não

pode ser compreendida sozinha, ou seja, a doença é compreendida pelo meio

geográfico e climático, e também se liga ao desequilíbrio interno. Contudo, a

patologia vem da própria natureza do indivíduo, que a produz, culminando numa

inusitada complexidade de vítima/agente do sofrimento.

Outro tipo de concepção da doença é o vitalismo médico, que se baseia na

complexidade e na originalidade do ser vivo, bem como na sua autonomia e na

unidade funcional do ser humano.

No vitalismo médico é considerado que as causas da doença não são

localizadas e isoláveis, mas elas vêm de um desequilíbrio geral do ser humano. Mas

é importante ressaltar que esse desequilíbrio generalizado é particular, cada um

reage de uma maneira individual aos eventos, cada um tem a sua ação e sua

predisposição à doença (LAPLANTINE, 2010).

O pensamento médico denominado de modalidades relacionais globais

também traz em si que cada organismo tem sua particularidade. Para exemplificar

tal argumento, utilizaremos os pensamentos baseados em Sigerist (1932, p. 233)

“três homens caem de um barco, o primeiro pega uma pneumonia, o segundo um

reumatismo e nada acontece para o terceiro”. O organismo é muito complexo,

depende da resistência de cada um em adquirir ou não uma determinada doença.

Outro pensamento médico diz respeito às abordagens psicológicas,

psicanalíticas e psicossomáticas da doença, sendo que nestas a importância é

atribuída ao indivíduo, não apenas como participante de sua doença, mas criando

ele mesmo sua gênese do estado patológico.

55

Também é importante apontar temas da literatura em que as representações

endógenas da doença, partindo da perspectiva de grandes pensadores, podem

nascer (ROUSSEAU, 1959), podem ser germinativas, com o doente participando,

com mais frequência involuntariamente, de sua gênese (CARDINAL, 1981), pode ser

uma reação a uma situação até mesmo deliberadamente criada pelo homem (ZORN,

1979), ou ainda ser considerada como o próprio símbolo do indivíduo (KAFKA,

1981).

Em suma, duas grandes variantes do modelo endógeno devem ser

valorizadas e estudadas. As variantes do modelo endógeno são apontadas como

uma variante somática, quando seria então orientada a partir da liberdade/arbítrio do

sujeito em “adoecer” e, concomitantemente, da sua culpabilidade nesse processo.

Ou seja, “a doença está em mim porque eu quis”, ou mesmo, “eu desejei isso

involuntariamente”. Ou como variante genética, quando apresenta como foco o

destino e a fatalidade, ou seja, “está em mim, mas nada tenho com isso”.

Quando estudamos o sujeito e suas patologias temos, assim, que considerar

como estas são sociocultural e individualmente reconhecidas/representadas. Em

relação às variantes somáticas e genéticas temos que levar em consideração a

representação comum, quer seja baseada na dinâmica da personalidade, com seu

componente inconsciente, quer na representação ligada à aprendizagem do

comportamento do que é ficar/estar doente/são.

2.3. Modelo Aditivo e Modelo Subtrativo

No modelo aditivo a doença é considerada como uma positividade inimiga, já

no modelo subtrativo o doente sofre de algo a menos, por algo que “escapou dele”,

ou ainda uma falta, uma negatividade, uma ausência. E tanto no modelo aditivo

quanto no modelo subtrativo a ação terapêutica para essa pessoa consistirá, então,

em uma restituição dessas carências ou excessos.

2.3.1 Modelo Aditivo

No modelo aditivo subentende-se que a presença de uma doença dá-se

56

através de uma pré-compreensão positiva, ou seja, a doença é preferencialmente

vivenciada mais como uma presença do que como ausência, como um “algo” que

não estava lá e que começou a se instalar e a invadir parte do corpo. Em resumo,

como alguma coisa a mais, ou seja, de uma adição não simbólica, mas bem real, de

um acréscimo indesejável. Essa perspectiva mostra que a doença vem a adicionar

algo ao nosso corpo.

Afirmar que a doença é um corpo estranho que deve ser expulso, uma

presença inimiga a ser dominada, uma adição de algo ruim a ser extraído, significa

recusar deliberadamente que ela possa vir de si mesmo e envolver a personalidade

do doente (LAPLANTINE, 2010; COSTA, 2011).

No modelo aditivo tem-se, por exemplo, no caso da doença “câncer”, QUE

quando surge, com toda sua multiplicação celular, adiciona ao corpo algo que não

estava presente, portanto o modelo aditivo vem para complementar algo no corpo,

bom ou ruim, mas complementar.

2.3.2 Modelo Subtrativo

No modelo subtrativo fica claro que algo está faltando e é necessário que se

faça sua restituição, o que implica em uma compreensão ou uma pré-compreensão

negativa da doença, que não é mais presença positiva a ser eliminada como no

modelo aditivo, mas ausência que requer uma terapia aditiva, como por exemplo, um

enxerto nos casos de grandes queimaduras, um transplante no caso de portadores

de doença renal crônica, um ritual de restituição, a ação médica em prol de eliminar

algo que está com falhas. O modelo subtrativo possui prioritariamente um caráter

operatório.

2.4 Modelo Maléfico e Modelo Benéfico

Este modelo, em associação aos demais modelos já estudados, traz um

sentido de ambivalência e relação entre os sistemas de avaliação, que informa a

prática do terapeuta e a experiência do doente, ou seja, ruim ou maléfico, bom ou

benéfico.

57

Concordando então com Laplantine (2010, p. 102), a ambivalência que:

[...] o médico experimenta inevitavelmente ao curar ou a sensação de equívoco que experimentamos quando doente em presença das significações, são canalizadas para um sistema de interpretação normativo que em parte nos escapa.

2.4.1 Modelo Maléfico

“Meu espírito se aproxima da morte...

É o triunfo da matéria sobre o espírito”

(MANSFIELD, 1973, p. 393)

Alguns posicionamentos sobre o modelo da doença como força maléfica

podem ser apontados, dentre eles, a doença considerada como um “mal absoluto”.

Nessa perspectiva, a doença é considerada nociva, indesejável, e acaba resultando

da privação, porque vivemos em uma rede muito tensa e repleta de tabus, em

relação aos discursos pela profilaxia e os aspectos preventivos dentro de uma

sociedade. Assim, quando medidas como a profilaxia e a prevenção falham, a

doença se manifesta, e a mesma deve ser combatida, através de terapias

medicamentosas, psicológicas, enfim, a busca pela cura. Ou a restauração da

“norma”.

Outra perspectiva sobre o modelo de doença maléfica é que a doença não é

apenas biológica, mas ela também é um desvio social. Por ela apresentar essa

característica de desvio social, acaba refletindo diretamente no por que a pessoa

doente se sente socialmente desvalorizada. É comum perceber isso uma vez que as

pessoas, dentro de uma sociedade, evitam falar sobre uma doença e, dependendo

da cultura local, nem se fala o nome de uma doença. É como se, quando se

pronunciasse o nome da doença, estivesse chamando-a; um exemplo muito habitual

é o câncer, que muitas pessoas denominam como “aquela doença”, “a doença”,

evitando falar do nome câncer.

Ainda em se tratando do modelo de doença como maléfica tem-se a negação

da patologia no nível de sentido. Essa negação no nível de sentido apresenta uma

58

característica relevante pelo fato de estar fazendo a “negativização da experiência

patológica” no intuito de “esquecer a doença”, buscando aumentar a esperança de

sobrevida. Parte-se do pensamento de que, quando se faz essa “negativização da

doença”, se está conservando a qualquer preço o bem mais importante da vida, que

é a nossa “saúde”. Isso geralmente ocorre quando a pessoa descobre que

apresenta uma doença irreversível e terminal, então, a mesma, como fuga e

afirmação da “negativização da doença”, acaba preenchendo todo seu tempo para

não ficar ociosa e lembrar-se da doença.

Com base nos pressupostos de Céline (1980), a doença é um mal, afirmando

que somos um corpo destinado à morte, não vendo a doença como um processo do

qual a cura faz parte, ou mesmo a possibilidade de amenizar as complicações, mas

sim concebendo a doença como um fim.

Informam que ele está doente... Eu sei! Doente! Eu também estou doente! O que quer dizer doente? Todos estamos doentes! Vocês ficarão doentes e muito em breve ainda por cima. Eu tinha a vocação de ficar doente, só doente. Cada um tem seu gênero (CÉLINE, 1980, p. 171).

Destaca-se o autor citado acima por sua “criação” de uma estética da

morbidez, ressaltando-a fisicamente, a qual é percebida, principalmente, como a

doença sendo corrosiva de todas as nossas ilusões. Fato esse que nos convence

que, como descrito anteriormente, somos um corpo que vai morrer.

Torna-se ainda importante enriquecer os pressupostos do modelo maléfico de

pensamento da doença, descrito por Guérin (1982), em que ele traz a doença em

seus argumentos como “horror dominado”, um “desespero absoluto”. Ainda nesse

aspecto, Guérin (1982) acredita que a doença é a experiência do “horror dominado e

desespero absoluto”, que nada pode justificar. Merece destaque alguns de seus

pensamentos, os quais se seguem abaixo:

Montesquieu talvez tenha razão quando diz que não existe tristeza que uma hora de leitura não possa dissipar; sim, razão quanto à tristeza. Mas, acredite em minha experiência, contra o sofrimento físico só os analgésicos, no fundo, são eficazes (GUÉRIN, 1982, p. 14).

Se somos torcidos pela dor, moralmente abatidos, se temos os nervos cansados, se estamos esgotados pela fraqueza, a menos que

59

sejamos um monstro de energia, só temos vontade de cair na cama, de procurar um alívio para os nossos males em uma imobilidade calculada e de desejar que nos dêem um analgésico. Essa é a verdade! (GUÉRIN, 1982, p. 33).

Ah, que isso acabe, que isso acabe! Realmente, não posso mais suportar. Para que serve viver nessas condições? Mil vezes a morte (GUÉRIN, 1982, p. 101).

2.4.2 Modelo Benéfico

“como os amantes quando começam a se amar,

como os poetas quando cantam,

os doentes se sentem mais perto de suas almas...”

(PROUST, 1981, p. 6)

No modelo benéfico da doença ocorre uma inversão do sentido, ou seja, o

sintoma de uma doença não é mais considerado como uma aberração, algo ruim,

castigo, mas como uma mensagem a ser ouvida e desvendada para alcançar a cura.

Então, a doença acaba tendo um valor de reação, que tem pelo menos um sentido,

e esse sentido torna-se uma tentativa para restaurar o equilíbrio que está instável ou

mesmo perturbado. E a doença, em certos casos, tem como resultado desse

episódio o de ser enriquecedor, tanto para o doente como para o terapeuta, para a

ciência – pesquisa – e também para a sociedade como um todo.

Podemos apresentar alguns aspectos relevantes com relação à concepção da

doença no modelo benéfico, sendo a “doença-gratificação”, a “doença-proeza”, a

“doença-cura”, a “doença-volúpia”, a “doença-salvação”, e a “doença-liberdade”

(LAPLANTINE, 1978).

Na doença-gratificação o sujeito sente-se privilegiado ou mesmo gratificado

em saber que ele, enquanto doente, faz parte de um evento especial da história, por

ser constituinte de um caso excepcional, nos casos de uma doença rara que o

mesmo está desenvolvendo, ou mesmo por romper com a monotonia do cotidiano.

Então ele se sente gratificado em ter a doença e contribuir, de alguma maneira, para

com a ciência, a sociedade, ou mesmo para o dia-a-dia de sua comunidade.

60

Mediante o episódio de doença, no modelo benéfico o sujeito se fortalece

para reagir com otimismo, ou seja, o doente pode transformar sua

invalidez/sofrimento em sentido de vitalidade. Encontra uma forma de tornar-se

produtor de valor moral, dando exemplos sobre como vencer o sofrimento. Um

exemplo que se torna de muito valia destacar é aquele de Antônio Francisco Lisboa

– conhecido como “Aleijadinho” – que, por volta dos quarenta anos de idade,

começou a desenvolver uma doença degenerativa nas articulações (não se sabe ao

certo o diagnóstico, podendo ser hanseníase ou reumatismo). Contudo, o mesmo

reagiu de maneira excêntrica, tornando-se um exemplo de superação, tornando-se

aquele que é considerado o maior escultor do período barroco e um dos maiores

representantes das artes plásticas brasileira.

Continuando então as concepções dentro do modelo benéfico, na doença-

cura, a patologia apresenta-se como uma informação ao terapeuta através dos

sintomas que o corpo está refletindo, transmitindo então indícios de algo “errado”.

Por exemplo, uma criança que está apresentando diarreia, nessa perspectiva, o

terapeuta irá investigar a origem dessa diarreia, porém o centro de atenção não é

romper com os episódios da diarreia, e sim avaliar o foco que está desencadeando a

mesma. A ação estará mais voltada a terapias de reidratação de líquidos e eletrólitos

e, se for o caso, o médico prescreverá algum tipo de medicação. Contudo, a diarreia

acaba sendo um sintoma de algo que está desajustado no organismo. Também

outra situação que merece ser exemplificada é a febre, sendo uma reação de

autodefesa do organismo contra a doença/agente agressor. Nessa perspectiva,

quando realiza-se o banho para amenizar a febre ou mesmo administra-se

medicações antitérmicas com o intuito de atenuar a temperatura corporal é como se

o organismo febril fosse agir com busca no reequilíbrio. Então a doença-cura faz

com que pensemos num esforço terapêutico, no qual a sintomatologia cessará na

medida em que o foco de instabilidade (doença) seja restaurado ao equilíbrio (cura).

Na doença-volúpia parece que existe uma relação de cumplicidade entre o

doente e o terapeuta, parte-se para uma relação prazerosa, na qual existe uma

sensação desejável de continuar doente. O doente pede ao terapeuta que cesse o

sofrimento, e não que cure a doença. E fazendo elo com Laplantine (2010), na

relação doença-volúpia o terapeuta é aquele que trata e ao mesmo tempo é tratado,

e o doente é ao mesmo tempo doente e não-doente; essa relação comporta uma

estabilidade harmônica para os envolvidos, um espera que o outro o procure, uma

61

sensação de bem estar e complementaridade pessoal, uma sensação desejável por

ambas as partes.

Já a doença-salvação é importante para traçarmos o entendimento que a

população traz da experiência da doença como sinal para a transformação positiva

da vida. Não há como deixar de apontar que a religiosidade tem um aspecto

primordial para essa concepção, pois, de acordo com várias crenças religiosas, a

morte, por exemplo, é entendida como sendo uma elevação para um local superior,

uma vida melhor.

O mesmo pode ser pensado dos casos em que uma doença fez a pessoa

repensar seus hábitos de vida, modificando atitudes e valores. Então, a doença é

encarada como um benefício para a pessoa, “salvou a alma daquela pessoa”, ou

ainda, aquela pessoa que adquiriu uma determinada doença, foi “privilegiada”,

“beneficiada”, “bonificada”, “gratificada” pelo fato de ter, por meio da doença,

experimentado uma melhoria de vida.

E, por fim, a doença-liberdade, modelo ao qual está subjacente o pensamento

de que se tem direito à doença. Nessa perspectiva afirma-se que os seres humanos

têm o “direito à doença”: os portadores reivindicam seus direitos perante à

sociedade, buscando ter os seus direitos/especificidades de vida, como portadores

de determinadas patologias, reconhecidos e valorizados. Tanto que se têm hoje em

dia as Associações e Organizações Não-Governamentais com essa finalidade,

dentre elas, pode-se apontar a Associação de Pacientes com Esclerose Múltipla, a

Associação de Pacientes Diabéticos, Associação de HIV/AIDS, dentre muitas outras.

Em 1979, Briche (1979, p. 19) fez um discurso sobre a experiência

enriquecedora de estar doente:

[...] o período em que se está doente é a ocasião inesperada de viver, sendo a doença a mais bela luta pela vida. Trata-se da vida e não da morte. Não é a morte ultrapassando a vida, é a vida que se precavém contra a morte.

2.5 Contribuições da Antropologia da Doença para as Representações Sociais

“a antropologia aparece e torna-se forma...

sobre o contexto social, e

sobre os conteúdos históricos

62

que informam os indivíduos

enquanto sujeitos sociais”

(SPINK, 1994, p. 129)

“as representações não só

familiarizam o desconhecido,

mas (por vezes, ao fazê-lo) também,

permitem o estranhamento do familiar”

(ARRUDA, 1998, p. 37)

A antropologia da doença acaba por oferecer uma melhor interpretação das

representações sociais, uma vez que no universo etiológico dos modelos de saúde e

doença fazem-se presentes várias perspectivas e conhecimentos socioculturais.

Associadas à antropologia médica, as representações sociais podem ser

definidas como “imagens construídas sobre o real” (MINAYO, 1994, p. 108), pois

elas são elaboradas na relação dos indivíduos em seu grupo social, com o resultado

da ação no espaço coletivo comum a todos. Sendo assim, diferente da ação

individual. O espaço público (igreja, escola, centros culturais e até mesmo as

unidades de saúde) é o lugar onde o grupo social desenvolve e sustenta os saberes

sobre si próprio, os saberes consensuais, isto é, representações sociais. Inclusive, é

claro, aquelas relacionadas à saúde-doença.

Nas palavras de Wagner (1994, p. 178):

[...] o que pode, então, ser explicado por uma representação? A resposta é simples: enquanto relacionado a crenças, o comportamento manifesto é parte e conteúdo da própria representação social, é a consequência do comportamento no mundo social que se necessita explicar pelo complexo representação/ação. O comportamento e a ação estão lógica e necessariamente conectados a crenças representacionais, mas suas consequências não estão. A ação e as consequências são duas coisas diferentes.

63

Tanto que para Geertz (2012), nas representações sociais, a cultura deve ser

compreendida como uma rede de comunicações e de significados que incluem

vivências, crenças e relações de poder ali presentes. Trata-se de uma construção

simbólica do mundo, lembrando-se que essa sempre estará em transformação. Por

que os atores sociais escrevem e reescrevem seu contexto cultural, dentro do qual

interpretam, organizam e dão sentido à sua existência.

Essa afirmação reforça a relevância e importância da antropologia médica

para uma melhor interpretação dos sentidos que as pessoas, inclusive a classe dos

profissionais da saúde, fazem do binômio saúde/doença, bem como a sociabilização

cultural desses sentidos, permitindo, dessa forma, a compreensão dos discursos e

decisões tomadas por todos aqueles envolvidos no processo de interpretação

semiótica dos “sintomas-diagnóstico-tratamento-cura-morte”.

Sobre a importância do estudo e pesquisa antropológica, Oliven (1996, p. 10)

afirma que:

A antropologia trabalha com técnicas de pesquisa como entrevistas abertas, observação participante, que são de natureza qualitativa e, portanto, mais adequadas para reconstituir o universo de participação social e o sistema de representação dos informantes: [...] justamente por serem “marginais”, isto é, por não terem acesso pleno aos canais de participação que permitem a um estudo social, numa sociedade complexa, influir nas decisões que afetam seu próprio destino, é que estes grupos podem ser analisados com sucesso pela antropologia, ciência de certo modo também marginal à civilização urbano-industrial.

De grande valia são os pensamentos de Minayo (1998) sobre a antropologia

médica e seus reflexos para as representações sociais, uma vez que, para uma

melhor compreensão e eficácia dos sistemas de saúde, as relações e interpretações

estabelecidas entre os profissionais, a população e o universo simbólico relacionado

aos hábitos e modos de vida, torna-se primordial para estabelecer ou mesmo

restabelecer a saúde.

Diante disso, conclui-se o capítulo ressaltando-se que os comportamentos

humanos ligados à saúde e à doença na cultura dos grupos sociais encontram-se

diretamente influenciados pelas concepções de patologia vigentes pervasivamente

nas diferentes esferas sociais.

Determinados grupos pertencentes a uma classe social, etnias, religiões,

apresentam pensamentos singulares quanto à experiência da doença e noções de

64

particularidade sobre a saúde e terapêutica, sendo que isso só é possível devido às

diferenças socioculturais: a cultura determina tais particularidades. A antropologia

médica fornece meios para um melhor entendimento dessas particularidades,

agregando valores, símbolos, compartilhando saberes e discutindo padronizações.

É importante ressaltar que as concepções de saúde/doença tornam-se

aprendidas na imersão cultural, gerando decisões em relação ao comportamento

humano relacionado à saúde/doença, modelando as necessidades e características

biológicas, amalgamando os indivíduos numa forma de sociedade e convívio, com

padronizações do que acreditam ser o correto para determinada situação.

Esse tema continuará a ser analisado no próximo capítulo, tomando-se por

base o estudo empírico realizado na Unidade Saúde da Família citada.

65

Cultura: Um Conceito Antropológico

http://www.grupoescolar.com/pesquisa/cultura-um-conceito-antropologico.html

Capítulo 111Capítulo 111Capítulo 111Capítulo 111

66

3 Construção de um Paradigma Indiciário para a Contribuição da Educação

Sociocomunitária em Saúde

“... a principal divergência aos nossos olhos...

a adivinhação se voltava para o futuro, e,

a decifração, para o passado...”

(CARLO GINZBURG, 1989, p. 153)

Neste capítulo se discorrerá sobre as bases teóricas que envolvem a

semiótica, o paradigma indiciário e a educação sociocomunitária, abrangendo os

temas já anteriormente tratados, e esperando tecer uma contribuição para a questão

da saúde pública, conforme propostos nos objetivos dessa pesquisa. Também se

apresentará o ambiente da pesquisa, os aspectos metodológicos, e, por fim, a

análise e discussão dos dados.

A semiótica, enquanto ciência, surgiu simultaneamente em três contextos

diferentes, sendo eles na Suíça, na Rússia e nos Estados Unidos, entre o final do

século XIX e meados do século XX. Com o surgimento em três raízes distintas,

assim elas se ramificaram, e optou-se, aqui, então, por seguir os pensamentos de

Charles Sanders Peirce (1839-1914). Acredita-se ser este teórico aquele que mais

se mostra adequado à apreciação dos fenômenos contemporâneos no âmbito de

verificação desta pesquisa, por que faz uma interferência direta no campo do

conhecimento e da sua comunicação. Como é o caso deste estudo, que faz a

identificação dos paradigmas que as mães trazem consigo com relação ao processo

de saúde e doença das crianças, bem como aqueles de sua cura. Mais

precisamente, a leitura de Peirce se pautou nos trabalhos de Lucia Santaella,

pesquisadora e seguidora dos pensamentos de Peirce.

De acordo com Silva (2008), Peirce apontou três categorias fundamentais no

que diz respeito à representação da vida, nomeando-as como primeiridade,

secundidade e terceiridade. Essa tríade está presente em toda a organização do

saber, em toda divisão da ciência, está presente nas nossas funções sígnicas e na

percepção de um fenômeno.

67

Partindo dos pressupostos das categorias fundamentais de primeiridade,

secundidade e terceiridade, Santaella (2004, p. 7) discorre:

A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às ideias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento e inteligência.

Trazendo como exemplo da citação acima, em uma consulta de puericultura,

é rotina mensurar e analisar os parâmetros antropométricos, dentre eles, peso e

altura.

Se estiver culturalmente presente na concepção materna de que a criança,

para ser saudável, deve estar “gorda” e quando, ao pesar a criança e a mesma

ganhou pouco peso, mas colocando-o no gráfico de desenvolvimento da criança a

mesma está nos parâmetros de normalidade, em primeiridade a mãe tem o desejo

de que o filho estivesse “gordo”; em secundidade, a surpresa de que a criança não

está ganhando o peso que a mãe gostaria que tivesse ganhado, faz com que ela

pense e se culpe por não estar “engordando” a criança; já na terceiridade, diz

respeito à transformação do conhecimento da mãe, sendo que o profissional que

está consultando a criança, seja enfermeiro/a ou médico/a, terá a missão de mostrar

para a mãe que a criança está dentro dos parâmetros de normalidade, quebrando os

paradigmas dessa, sem, contudo, anulá-la enquanto sujeito de saber, e criar uma

nova percepção de que saúde e gordura não são sinônimos. Isso favorecerá que a

mãe, de uma forma mais sincera e consistente, faça a adesão a futuras

recomendações advindas da equipe de saúde.

Talvez a forma mais simples de terceiridade manifeste-se através do signo,

pois o signo é o primeiro, no caso, é o que representa no pensamento da mãe

“criança gorda”, que se une a um segundo, ou seja, que o signo indica “gordura na

criança como sinônimo de saúde”, que por sua vez, se une a um terceiro, sendo o

efeito de que esse signo vai causar na interpretação dessa mãe, ou seja, criança

não está “gorda”, a mãe vai ficar insatisfeita.

Nesse instante surge o papel primordial de um “outro intérprete”, no caso, o

profissional da saúde, que educará a mãe de que seu filho está saudável, e assim,

desmistificar o tabu “gordura-saúde”. O que é preciso salientar é que esse processo

68

de educação, para ser verdadeiro, deve se basear num diálogo entre equipe de

saúde e clientela, que reconheça o saber da mãe/família também como válido, pois,

afinal, perda de peso ou pouco ganho de peso também pode significar problemas de

saúde. Numa outra situação a mãe/família pode trazer um dado importante para a

equipe de saúde ao queixar-se da perda de peso da criança.

Justificando a possibilidade de um novo olhar da mãe, segue-se o dizer de

Silva (2008, p. 263):

Todo aprendizado ocorre por meio de signos. O processo comunicativo é fundamental à cognição. Aprendemos comunicando, e comunicamos aprendendo. Mesmo sem querer, comunicamos, por meio da linguagem corporal, por exemplo. Mesmo sem querer, aprendemos, todas as vezes que participamos de uma cadeia sígnica. Estamos no mundo nos comunicando e aprendendo. Os objetos à nossa volta e dentro de nós produzem diálogos constantes, constante processamento, constante produção de signos.

Retomando então aos conceitos fundamentais de semiótica, sendo entendida

como a ciência dos signos e dos processos significativos que ocorrem na natureza e

na cultura, torna-se também necessária a definição de signo. Então, partindo dos

pensamentos de Santaella (2003, p. 12):

signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é objeto, ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade.

E ainda:

A ciência que tem por objetivo de investigação de todas as linguagens possíveis, cujo objetivo é o exame de modos de constituição de todo e qualquer fenômeno no campo de significação. Assim, semiótica é proposta como ciência que estuda e busca explicar os signos (SANTAELLA, 2003, p. 2).

Então o signo somente tem o poder de representar seu objeto quando existe

um intérprete e porque representa seu objeto, produzindo na mente desse intérprete

alguma outra coisa. Por exemplo, o choro de uma criança sendo o signo e

percepção da mãe sendo a intérprete, a mãe é que será a interpretante dessa

situação.

69

Para uma melhor definição de interpretante, Santaella (2003, p. 12) esclarece:

não se refere ao intérprete do signo, mas a um processo relacional que se cria na mente do intérprete. A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro. Mas, para que a definição fique melhor divisada, convém esclarecer que o signo tem dois objetos e três interpretantes.

Figura 1 - Signo

Fonte: http://semioticaonline.wordpress.com/2012/08/17/a-semiotica-peirceana/

Analisando o gráfico acima, por objeto imediato fica entendido como estando

dentro do signo e ao modo de como o objeto em si está sendo representado no

signo. Por exemplo, na visita domiciliar, o enfermeiro pergunta se está tudo bem com

a criança e a mãe responde que está tudo bem e que a criança só está com

diarreia... Então a “diarreia”, sendo o objeto imediato, é um sinal de que algo não

está bem. Como interpretante imediato é o que o signo vai produzir na mente

interpretadora. Já como interpretante em si está diretamente ligado às crenças,

culturas e aspectos dessa, como a profissão, o nível de ensino, etc. E, por fim, o

interpretante dinâmico é aquilo que o signo efetivamente produz em cada mente

interpretadora.

Retomando o exemplo acima, a “diarreia” sendo um desequilíbrio presente no

corpo, como interpretante imediato o enfermeiro vai examinar a criança, perguntar

para a mãe quando iniciou a diarreia, a frequência... Depois da interpretação

imediata, vem o interpretante em si do enfermeiro, que nada mais vem a ser que o

70

plano de ação mediante aquilo ao que foi interpretado a partir do signo. E assim, o

interpretante dinâmico, com uma visão panorâmica, pode avaliar a gravidade ou não

do signo “diarreia” e as medidas curativas e educativas adequadas. E, cabe

perguntar: por que, para a mãe, a diarreia não representou um sinal de “doença”, já

que ela afirmou que estava tudo bem? Ou a resposta se deveu a uma negação à

interferência da equipe de saúde, ou, ainda, à convicção da mãe de que ela se

sentia competente o suficiente para cuidar da situação sem a interferência de

terceiros.

Santaella (2008) discorre sobre a relação triádica que existe entre um signo,

seu objeto e o pensamento interpretante, apontando a função mediadora do signo

entre o objeto e interpretante. Mais especificamente, a autora apresenta os

argumentos justificativos da função mediadora no processo triádico:

O interpretante será levado a ter uma relação com o objeto semelhante àquela que o signo tem para com o mesmo objeto, ou seja, a relação deve consistir de um poder do signo para determinar algum interpretante como sendo um signo do mesmo objeto. Isso significa que, por mais que a cadeia semiótica se expanda, em signos-interpretantes gerando signos-interpretantes, o vinculo com o objeto nunca é perdido, uma vez que o objeto é justamente aquilo que existe e resiste na semiose ou ação do signo. Em outras palavras, a ação lógica do objeto é a ação do signo. E a ação do signo é funcionar como mediador entre o objeto e o efeito que se produz numa mente atual ou potencial, efeito este que é mediatamente devido ao objeto através do signo. A mediação do signo em relação ao objeto implica a produção do interpretante, que será sempre, por mais que a cadeia dos interpretantes cresça, devido à ação lógica do objeto, a ação mediada pelo signo (SANTAELLA, 2008, p. 24-25).

Tudo isso se torna possível pois o universo é semiótico e estamos sempre

interagindo com os sinais, apropriando-nos, dessa forma, de novos conhecimentos,

revendo nossas crenças, formulando novos sinais em suprimento das necessidades

emergentes, como é o caso do calendário de vacinação de crianças, sendo que a

cada dia está surgindo uma nova vacina. Reforça-se, ainda, que tudo pode ser

convertido a signo, pois todos os elementos são passíveis de significações, e como

disse Fernando Pessoa (2006, p. 64) em seu poema intitulado “Inconsciência”: “...o

que em mim sente está pensando...”

Outro tema desse capítulo é o paradigma indiciário, que se relaciona em

muito à perspectiva semiótica acima exposta. O paradigma indiciário surgiu no final

71

do século XIX, através dos estudos de Carlo Ginzburg – historiador italiano, que tem

como cerne a análise de indícios, ou seja, o sinal pouco aparente, cuja interpretação

é pouco clara à própria consciência, mas que gera, ainda mais em conjunção com

outros indícios, interpretações relevantes, que emergem em nossas mentes como

insights.

Carlo Ginzburg (1989) em sua obra “Mitos, Emblemas e Sinais”, teoriza essa

ideia através do diálogo entre vários contos, caracterizando o que vem a ser o

paradigma indiciário ou “divinatório”, apontando que novos olhares são necessários

para uma melhor compreensão e apreensão do saber.

Existem várias ferramentas que o investigador usa para interrogar a

evidência, sejam elas a narrativa, a documental ou mesmo aquela das evidências

físicas. Nesse âmbito, o paradigma indiciário, que é utilizado na história, mas

também forma parte do ferramental metodológico da antropologia, mostra-se útil na

medicina porque é a forma como muitas vezes se faz o diagnóstico de uma

determinada enfermidade.

Mas o mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle social sempre mais sutis e minuciosas pode converter num instrumento para dissolver névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro. Se as pretensões do conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem opor isso a ideia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la. Essa ideia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário, penetrou nos mais variados âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas (GINZBURG, 1989, p. 177).

Carlo Ginzburg (1989) analisa o paradigma indiciário da seguinte forma. Ele

estabelece o surgimento de uma forma de pensar, de uma forma de raciocinar

baseada em indícios sígnicos, e ele coloca a raiz disso como um método científico

no século XIX, citando 3 casos específicos: Sigmund Freud (1856-1939) com toda a

sua metodologia de psicanálise, de analisar e anotar cada fragmento de pensamento

do paciente; de Giovanni Morelli (1816-1891), um crítico de arte, que desenvolveu

um método para atribuição de autenticidade ou falsidade às obras de arte a partir de

minúcias e detalhes no modo de como a pintura era composta; e o terceiro exemplo

72

analisado é do escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930) em seu personagem

Sherlock Holmes, que, da mesma forma, resolvia os enigmas criminais.

No conto ‘Um estudo em vermelho’, Sherlock Holmes descreve os

procedimentos fundamentais da investigação baseada em indícios. Para Holmes

(Doyle, na verdade):

[...] toda vida é uma grande corrente cuja natureza torna-se conhecida desde que nos apresentem um único elo. [...] Antes de enfrentar os aspectos morais e mentais que apresentam maior grau de dificuldade em determinada questão, convém que aquele que indaga comece por dominar os problemas mais elementares. Que ao olhar outro mortal, aprenda a perceber através de um mero olhar a história do homem e o ofício ou profissão a que se dedica. Por mais pueril que esse exercício possa parecer, ele aguça as faculdades de observação e ensina para onde olhar e o que ver. As unhas de um homem, a manga de seu paletó, sua botina, os joelhos de suas calças, as calosidades de seu indicador e se polegar, sua expressão, os punhos de sua camisa – eis diversos elementos que permitem discernir claramente a ocupação de um homem. [...] Em mim a observação é uma segunda natureza. [...] Quando um fato parece se opor a uma longa série de deduções invariavelmente se verifica que esse fato comporta alguma outra interpretação. [...] No momento de solucionar um problema desse tipo, o essencial é saber refletir para trás... (DOYLE, 1988, p. 33 e 35).

O indício é o modo sígnico em que nós podemos nos aproximar para

entender a questão do paradigma indiciário. Morelli, Freud e Conan Doyle tinham

formação em medicina e é por isso que esse modo de investigar, esse modo de

raciocinar, se aproxima muito da construção de um diagnóstico. Pois o médico

diagnostica o paciente a partir de uma vasta rede de informações, nem todas

claramente presentes, enunciadas.

Freud era um médico; Morelli formou-se em medicina; Conan Doyle havia sido médico antes de dedicar-se à literatura. Nos três casos, entrevê-se o modelo da semiótica médica: disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo (GINZBURG, 1989, p. 151).

O paradigma indiciário é esse tipo de raciocínio, ele representa o modo como

nós, seres humanos, pensamos desde períodos pré-históricos. Se pensarmos nos

primatas caçadores, como eles investigavam quando estavam à procura de uma

presa, temos que eles seguiam rastros, procuram vestígios do animal caçado no

73

meio da floresta. O ser humano desenvolveu várias maneiras de observar e de

interagir com seu ambiente, por meio de indícios. Mais uma vez, ressalta-se, para

operar por indícios é preciso interpretar o mundo de forma sígnica, semiótica, e

sempre temos que ser capazes da busca inovadora dos olhares.

Acredita-se que toda mãe perceba de maneira semiótica seu filho, por

exemplo, o fato dele estar mais choroso, e busca, dentro do seu repertório

interpretativo, sociocultural, explicações para tanto. Nosso cérebro registra, dentro

de um modelo cultural, os detalhes do ambiente e, quando alguma coisa não se

ajusta a esse modelo, o cérebro muitas vezes percebe a diferença antes mesmo de

que nossa percepção se torne consciente. E manda avisos ou pistas disso, e então

nós, seres humanos, raciocinamos a partir de indícios: juntamos as informações

para estabelecer as nossas ideias, nossas teorias e crenças para deduzir/produzir a

nossa realidade, para compreender a nossa realidade e explicá-la, e assim poder

interagir com ela.

Em suma, pode-se falar de paradigma indiciário, segundo as formas de saber, para o passado, o presente ou o futuro. Para o futuro – e tinha-se a arte divinatória em sentido próprio; para o passado, o presente e o futuro – e tinha-se a semiótica médica na sua dupla face, diagnóstica e prognóstica; para o passado – e tinha-se a jurisprudência. Mas, por trás desse paradigma indiciário, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa (GINZBURG, 1989, p. 154).

O paradigma indiciário é particularmente evidente na medicina hipocrática,

pois, através dele, definiram-se métodos sobre a investigação de um sintoma.

Através de uma observação minuciosa e do seu registro é possível elaborar histórias

de cada doença: essa insistência na natureza indiciária na medicina inspirava as

hipóteses e probabilidades para o diagnóstico e o tratamento (GINZBURG, 1989).

Quando em consulta de enfermagem de puericultura, o enfermeiro reproduz

essa ideia quando aplica o processo de enfermagem como instrumentalização do

cuidar, que consiste na investigação sistemática do paciente, através do histórico e

anamnese, exame físico, plano de cuidados, diagnóstico de enfermagem, prescrição

de enfermagem, evolução de enfermagem e prognóstico. Utiliza-se, quando esse

modelo está voltado para uma real interpretação do sujeito – e não como mera

técnica, como procedimento burocrático – do paradigma indiciário, da semiótica, das

74

representações sociais e da antropologia da doença, na busca de uma qualidade e

eficiência na assistência prestada.

Trazendo a semiótica e o paradigma indiciário em diálogo com a proposta de

educação sociocomunitária, acredita-se que seja de grande valia essa combinação,

pois a educação sociocomunitária se propõe como um estudo ramificado no

segmento investigativo em educação e não como resolução pragmática dos

problemas educacionais. Mais especificadamente, Gomes (2008, p. 46) discorre:

É preciso, portanto, compreender que ao se propor o estudo da Educação Sociocomunitária, a proposta não é feita como hipótese de resolução de todos os problemas sociais e educativos, mas como problematização das possibilidades de emancipação de comunidades e pessoas em constituir articulações políticas, expressas em ações educativas, que provoquem transformações sociais intencionadas.

Isso se justifica pela crescente participação da população nas comissões

locais de saúde, em que, de acordo com a legislação vigente, a Lei n. 8142 de 28 de

dezembro de 1990, se prevê a participação da comunidade na gestão do Sistema

Único de Saúde, especialmente em assuntos que envolvem melhorias na saúde.

Com isso, existem muitas comissões atuantes, que promovem de maneiras

significativas, a melhoria da atenção à saúde pública.

Continuando neste mesmo raciocínio, Noronha (2006, p. 64) afirma que o

termo sociocomunitário é entendido como:

Uma síntese das experiências comunitárias que se produzem nas relações sociais que os homens travam na sociedade que, por sua vez, se expressam e são compreendidas pela mediação da história. Nesse processo, a história representa a via do conhecimento sobre o sociocomunitário considerando-se que tem a sociedade como seu sujeito.

Sob a perspectiva da educação sociocomunitária é possível proporcionar

ampliação na percepção da população em relação à sua própria realidade, em

reivindicar melhorias, buscar conhecimento, se valorizarem enquanto pessoas, pois

é a partir do encontro entre os membros dos vários segmentos de uma comunidade

que se pode problematizar o cotidiano.

No caso dos profissionais da saúde, as ações educativas serão

desenvolvidas, muitas vezes, em bairros com precárias condições sanitárias. As

75

doenças parasitárias, neste cenário, terão um aumento e, consequentemente, a

população ali assistida receberá atenção vinculada à cultura médica. E perceberão

uma diferenciação entre essa cultura e suas culturas de origens, visto que a

população das periferias é formada por migrantes, e é importante que este

conhecimento prévio seja investigado e considerado pela equipe médica, pois é esta

cultura que “despertará” nelas a busca por compreender as possibilidades de

melhorias nas condições do meio onde vivem e sobrevivem, propostas pelas

equipes de saúde.

A Educação Sociocomunitária talvez seja um processo na ciência da

educação e com propostas investigativas a partir de evidências históricas de sua

ocorrência prática, sendo que nesta pesquisa nos apoiamos na Teoria da

Representação Social de Moscovici, na Antropologia Médica de Laplantine e no

Paradigma Indiciário de Ginzburg, que se mostra profundamente imbricado à

semiótica.

3.1 Contextualização da Estratégia Saúde da Família

O Programa Saúde da Família (PSF) tem sido amplamente discutido

principalmente como estratégia do Ministério da Saúde (MS) para reorganizar a

atenção básica à saúde no Brasil. Através dele, o MS pretende priorizar a atenção

básica, reorganizando-a e revertendo a forma atual de prestação de assistência à

saúde. O PSF iniciou-se no país em 1994, tendo como um de seus objetivos, ampliar

a atuação do Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS) iniciado em

1991, construindo uma parceria de trabalho na qual um programa interagiria com o

outro, facilitando e complementando sua atuação (MARQUES; SILVA, 2004).

Rocha (2008) relatou que o PSF significou um aumento de novas propostas,

normatizações, modalidades de incentivo (financiamento) e uma inovação das

práticas de saúde, considerando como estratégia de reestruturação do sistema de

saúde, a partir da Atenção Básica, um caráter substitutivo criando novas estruturas

de serviços voltadas na promoção da saúde. Tem como enfoque o trabalho com a

descrição de clientela, o acolhimento, a visita domiciliar, a integralidade das práticas

e a equipe multiprofissional.

76

O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca

permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os

integrantes da equipe, e desses com o saber popular do agente comunitário de

saúde. O trabalho desenvolvido pela equipe do PSF busca levar a cada domicilio o

acesso ao tratamento e a prevenção dos agravos. As equipes multiprofissionais são

responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas

em uma área geográfica delimitada que atua com ações de promoção da saúde,

prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na

manutenção da saúde desta comunidade, visando promoção da qualidade de vida

da população (BRASIL, 2010).

Estas equipes vão aos domicílios para identificar os principais problemas das

famílias, evitando seu deslocamento desnecessário até as unidades de saúde e,

juntos, procuram as melhores soluções para os mesmos, antes que eles se instalem

de modo mais grave. É nesta relação de complementaridade e interdependência e

ao mesmo tempo de autonomia relativa com um saber próprio, que se entende o

trabalho de equipe do PSF, integrar conhecimentos disponíveis nos espaços de

trabalho, nos espaços comunitários (VIEIRA; CORDEIRO, 2005).

O Programa de Saúde da Família, como uma estratégia do Ministério da

Saúde, delega aos profissionais múltiplas tarefas, com alto grau de exigências e

responsabilidades. Requer que o enfermeiro atue com mais autonomia, apesar das

dificuldades normalmente apresentadas em nível institucional e em outros níveis,

mas o seu trabalho tem maior visibilidade e é mais valorizado.

Entre as atribuições específicas do enfermeiro destacamos a do educador em

saúde. O educador é o profissional que usa as palavras e gestos como instrumento

de trabalho na luta coletiva – nesse caso, pela saúde pública – tendo parte ativa em

todas as ações de saúde, inseridas na prática diária do enfermeiro, que busca a

educação em saúde em sua magnitude, devendo ser entendida como uma

importante atividade direcionada à prevenção, e à apropriação da população dos

meios e saberes que possibilitem um nível adequado de saúde (FASSARELLA, et al,

2013).

A educação em saúde tradicionalmente tinha como objetivo propor mudança

de comportamento dos indivíduos. Contemporaneamente, analisando a educação

em saúde como proposta fundamental no PSF, pode-se concluir que o principal

objetivo da educação em saúde é a autonomia no autocuidado por parte da

77

comunidade, deixando de lado a visão hospitalocêntrica, para criar vínculos entre a

equipe de saúde e população, privilegiando a troca de informações e a construção

de conhecimentos, oferecendo um ambiente prazeroso e de fácil acesso para a

comunidade atendida.

Além disso, a forma tradicional de atendimento em saúde sempre conduziu ao

atendimento individualizado, com o usuário fora do seu contexto familiar e de seus

valores socioculturais.

O PSF é uma forma de substituir esse modelo vigente, em sintonia com os

princípios de universalidade, equidade de atenção e da integralidade, e, acima de

tudo, a defesa do cidadão. A família, como unidade de cuidado, é a perspectiva que

dá sentido ao processo de trabalho do PSF.

O PSF tem o enfoque na cobertura da assistência à saúde da comunidade de

sua área, de abrangência por meio de visitas domiciliares realizadas periodicamente

e por livre demanda na própria Unidade de Saúde da Família (USF). Durante uma

visita domiciliar é possível identificar novos agravos com o mesmo cliente ou com

um de seus familiares. Desta forma, o profissional de saúde passa a maior parte do

tempo em contato com o usuário e seus familiares.

Na USF o atendimento é realizado na casa da família, como relatamos

anteriormente, diferentemente do que ocorre com outros tipos de serviços de saúde,

onde o atendimento é realizado em unidades básicas de saúde e hospitais. Assim,

os profissionais precisam se adaptar às condições que a família impõe, onde cada

membro da família precisa ser visto como pessoa que pensa, sente, decide,

percebe, que tem crenças, valores e cultura distintos, além de que interage com

outras pessoas, que têm a capacidade de aprender e ensinar, enfim, que têm sua

própria história de vida, conjunto de crenças e de hipóteses do que acontece com

seu corpo nas situações de saúde/doença.

Família é, antes de tudo, um corpo social em que prevalece a rede de

relações e de interações, que possui crenças que são manifestadas em um espaço

cultural, e a sua saúde deve ser entendida no contexto das relações entre seus

membros, tanto sadios como doentes, visto a influência da saúde do indivíduo no

grupo familiar e vice-versa (ELSEN et al, 2004).

78

3.1.1 Breve Histórico do PSF

A primeira etapa de sua implantação iniciou-se em 1991 por meio dos

agentes comunitários de saúde, através do PACS (Programa de Agentes

Comunitários de Saúde). De acordo com o Manual Programa Saúde da Família do

Ministério da Saúde, a estratégia do PSF reafirma e incorpora os princípios básicos

do Sistema Único de Saúde (SUS): universalização, descentralização, integralidade

e participação da comunidade (BRASIL, 2001).

Para tanto, a equipe mínima deve composta por um médico generalista, um

enfermeiro, um a dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis agentes

comunitários de saúde (OHARA; SAITO, 2010).

Como a missão do PSF apresenta-se em caráter substitutivo, não significa

criação de novas unidades de saúde, e sim a substituição do modelo antigo e

tradicional. Além da integralidade e hierarquização, onde a unidade de saúde da

família está inserida no primeiro local da assistência, deve ser vinculada à rede de

serviços mais ampla, de forma a garantir atenção integral aos indivíduos e seus

familiares. Outro principio é a territorialização e adscrição de clientela; trabalhando

com território de abrangência definido, é responsável pelo cadastramento e

acompanhamento da população adscrita a esta área. E, por fim, a equipe

multiprofissional, descrita anteriormente (BRASIL, 2001).

Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de três mil a

quatro mil e 500 pessoas ou de mil famílias de uma determinada área, e estas

passam a ter co-responsabilidade no cuidado à saúde. A atuação das equipes

ocorre principalmente nas USF, nas residências e na mobilização da comunidade

(BRASIL 2001), tendo como estratégia a mudança do modelo tradicional de

assistência, visando essencialmente à organização de sua área básica, constituindo,

dessa forma, a prestação de um serviço mais humanizado e resolutivo, e que serve

de instrumento de estímulos à organização comunitária local.

Dentre os objetivos específicos do PSF podemos destacar a produção social

de saúde, através da troca de experiências e conhecimentos entre as equipes e a

comunidade, através da educação em saúde (MOURA; SOUSA, 2002). A principal

proposta é a promoção e educação em saúde através de práticas educativas

realizadas junto à população, sendo que:

79

Um dos pontos mais fortes do PSF é a busca ativa: a equipe vai às casas e confere de perto a realidade de cada família, tomando providências para prevenir agravos, realiza ações curativas onde a doença já exista, realiza práticas educativas para uma melhor qualidade de vida com saúde (BRASIL, 2005, p. 35).

3.1.2 A promoção da saúde no contexto do PSF

Nos paradigmas atualmente propostos pela Saúde da Família os

trabalhadores de saúde são convidados para o constante desafio de repensar suas

práticas, valores, e para uma reestruturação do serviço voltado para as

necessidades do contexto social em que a equipe está inserida. Os trabalhadores de

saúde, gestores, usuários e comunidade que estejam vinculados ao serviço, passam

a ter co-responsabilidade pelo reconhecimento e adequação da oferta às reais

necessidades, bem como a conquista de um sistema hierarquizado de assistência à

atenção básica e de construção de novos saberes.

Para a conquista de um serviço voltado para as necessidades da população é

preciso a colaboração de todos os envolvidos nesse processo de trabalho, para que

a divisão de saberes, responsabilidades e compromissos possam estabelecer uma

nova prática. Tal prática convida o repensar ético-politico do cotidiano, fortalecendo

o uso do diálogo como forma de apoiar e estimular a criatividade e a singularidade

presentes no cotidiano (COELHO et al, 2009).

Como já vimos anteriormente, o PSF tem como propósito principal a

promoção e educação em saúde através de práticas voltadas para este fim.

Partindo dos pressupostos de Candeias (1997), a promoção em saúde resulta da

combinação de apoios educacionais e ambientais, com foco nas ações e condições

de vida conducentes à saúde de uma determinada comunidade, e educação em

saúde quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com

vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde dessa determinada

comunidade.

Apontarmos que na carta de Ottawa, que foi um marco fundamental na

história da saúde pública, se reconhece como pré-requisitos fundamentais para que

ocorra a promoção à saúde: a paz, a educação, a habitação, o poder aquisitivo, um

ecossistema estável e conservação dos recursos naturais e a equidade (BECKER,

2001). Embora ela se refira ao fortalecimento em ações comunitárias e não cite a

80

educação em saúde, tem como objetivo a busca pelo setor de saúde apenas em

casos de emergência, o que ainda não é uma realidade dos países da América

Latina.

No Brasil, programas voltados à promoção da saúde vêm sendo discutidos e

questionados nas duas últimas décadas, dentro da formulação e práticas das

políticas e ações do Sistema Único de Saúde. No nível da atenção preventiva, o PSF

prevê o desenvolvimento de práticas educativas voltadas para a melhoria do

autocuidado dos indivíduos. Educar para a saúde implica em ir além da assistência

curativa, significa dar prioridades às intervenções preventivas e promoções, e ainda,

adequação ao meio cultural onde se está inserido (ALVES, 2005).

Pensar saúde e educação como campos abrangentes, interdisciplinares e

complexos possibilita compreender a configuração de um binômio que articula

práticas e saberes em diferentes níveis de compreensão e intervenções juntos aos

sujeitos em seus processos de saúde, implicando em compromissos políticos,

educacionais e sociais (MORENO et al, 2005).

Ressaltamos, ainda, que “Saúde e Educação” constituem práticas

socialmente produzidas em tempos e espaços historicamente definidos. Adentra-se,

assim, num cenário de múltiplas expressões, no qual conhecimentos de diferentes

áreas estabelecem uma teia de reflexões, análises, estudos e investigações

(MORENO et al, 2005).

Pela expressão “educação em saúde”, entendemos ser esta uma tarefa que

exige preparo do profissional, perseverança, busca de habilidades e competências

diferenciadas, especialmente de sensibilidade para ouvir e interpretar as bases

culturais dos atendidos, pois, para orientar, educar e reeducar pessoas é necessário

uma análise crítica da própria atuação, bem como uma reflexão de seu papel como

educador e promotor da organização da comunidade. É tarefa árdua, em que a

construção da confiança e as rupturas dos paradigmas dependem da maneira como

este vínculo está estabelecido.

O profissional deve desenvolver habilidades e planejar suas ações de acordo

com as necessidades, interesses e crenças dos sujeitos. E é necessário saber e

conhecer como o enfermeiro vem trabalhando questões relacionadas a esta

educação em saúde, pois uma das questões mais presentes na saúde pública

atualmente é a da fidelidade às diretrizes e filosofia de atendimento do Programa,

para com seus princípios básicos (FERNANDES; BACKES, 2010).

81

A educação em saúde, nesse contexto, trata-se de um conjunto de práticas e

saberes para a prevenção de doenças e promoção da saúde, desenvolvido pelos

profissionais de saúde para trabalhar questões de saúde na vida cotidiana da

população. Com ela, pretende-se contribuir para o desenvolvimento de profissionais

de saúde como sujeitos, que possam construir uma autonomia baseando-se em

outro ser futuro, buscando diferenças qualitativamente melhores das que se vivem

atualmente.

A ideia de Promoção relacionada à educação em saúde envolve o

fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos

condicionantes da saúde, ou seja, vai além de uma aplicação técnica e normativa. A

Promoção da Saúde é mais ampla e está destinada a promover a qualidade de vida,

de desenvolver as habilidades pessoais, a autonomia do indivíduo e a criação de

ambientes favoráveis à saúde (BUSS, 2003).

Isto posto, a educação em saúde, deve focalizar ações comunitárias práticas,

que possam realmente ser desenvolvidas em situações locais. É preciso reconhecer

que a comunidade nem sempre tem conhecimento sobre problemas de saúde, razão

pela qual se torna necessário fundamentar as ideias e opiniões dos membros da

comunidade com dados econômicos, de saúde, científicos e sócio-demográficos

(RICE; CANDEIAS, 1989).

Nesse sentido, ensinar fortalece o vínculo entre o profissional e a população,

desenvolvendo ações fidedignas, direcionadas às reais necessidades da

comunidade. A atuação do enfermeiro é de substancial relevância como educador,

por possuir uma formação que o capacita a compreender as particularidades de

cada indivíduo e por assumir importante papel como membro essencial da equipe,

pois além da função de coordenar, pratica atividades como o cuidar, o gerenciar e o

educar. Ele deve buscar dimensionar fatores de risco à saúde e executar ações

promocionais e preventivas de saúde, sem se descuidar da atenção reabilitadora e

curativa (ALVES, 2005).

Desta forma, em conformidade aos princípios estabelecidos pelo SUS, em

especial o da integralidade, a educação em saúde coloca-se como tema relevante

para as práticas desenvolvidas pelo profissional enfermeiro no PSF, pois propicia o

autoconhecimento do indivíduo como ator social capaz de interagir e intervir em suas

necessidades mais abrangentes. Segundo Amaral et al. (2011), essa prática influi

82

direta e indiretamente na adoção de novos hábitos condicionantes para uma melhor

qualidade de vida, e reduz os riscos e os agravos à saúde.

A comunicação enfermeiro-paciente deve estabelecer relações interpessoais

efetivas, que visem acolher os envolvidos dentro das possibilidades de articulações

da equipe, ensinando medidas de saúde e mantendo um ambiente seguro. O

educador Paulo Freire (2011, p. 23) salienta que “quem ensina aprende ao ensinar e

quem aprende ensina ao aprender”.

Neste contexto, o cuidado deve estar em constante interrelação com a

educação, em que o enfermeiro interage, rompendo a visão de cuidado estritamente

técnico para praticar um cuidado crítico, embasado em conhecimento científico.

Medidas estas, que rompem as barreiras institucionais e individuais, adentram a

comunidade visando o coletivo.

3.2 Metodologia

Trata-se de uma investigação qualitativa de caráter etnográfico, que foi

realizada junto a um grupo de mães/cuidadores de crianças de 0 - 2 anos,

participantes de um programa de puericultura, dentro do Programa de Saúde da

Família, na Vila Industrial, na periferia da cidade de Piracicaba.

Como descrição sucinta do bairro Vila Industrial, este tem aproximadamente

25 anos, localizado na região norte da cidade, e limita-se com outros bairros

tradicionais de Piracicaba, como os de Santa Terezinha, Vila Fátima e Algodoal. De

acordo com o IPPLAP (2010) e com o Censo Demográfico – IBGE (2010) há um

total de 4914 munícipes que residem neste bairro. Trata-se de um bairro popular, em

termos de renda, sendo que a maioria são casas de conjunto habitacional.

Um estudo etnográfico fica entendido como aquele em que se buscam as

concepções e sentidos de mundo construídos por determinada população ou grupo;

busca essa sustentada por elementos como o saber olhar, ouvir e (d)escrever, que

se complementam de forma a transformar o confronto de informações entre

pesquisado versus pesquisador, em um verdadeiro "encontro etnográfico"

(OLIVEIRA, 2006, p. 24).

83

Buscou-se, através de entrevistas, levantar, junto a essas mães/cuidadores,

informações sobre como identificam e valoram os sinais de doença/saúde em

crianças na faixa etária supra citada (conforme APÊNDICE 1).

A coleta de dados foi realizada no período de setembro a novembro de 2012,

às terças-feiras, no período da tarde. Foi delimitado este dia, pois é quando ocorre o

acompanhamento de puericultura, sendo que a Unidade de Saúde da Família, nesse

período, estava sem médico e um profissional médico vinha “emprestado” de outra

unidade às terças-feiras para fazer a evolução do crescimento e desenvolvimento

das crianças.

Como critério principal de inclusão dos sujeitos foi definido a idade da criança,

sendo que a faixa etária limite de até 1 ano 11 meses e 29 dias foi escolhida para se

privilegiar o período pré-linguístico, em que a criança ainda não consegue expressar-

se verbalmente em relação ao seu próprio corpo, exigindo, assim, que as mães

interpretem esta relação. O fator “gestações anteriores” não foi critério de exclusão,

pois cada vínculo maternal é específico e único com cada filho, tanto que em

entrevista uma mãe apontou que na sua primeira gestação ela era muito jovem e

não lembrava nem mesmo como ela se relacionava com o filho, e na situação atual,

ou seja, mãe pela segunda vez, está sendo tudo inovador no sentido de que ela se

mostra mais atenta aos sinais. Outros três casos específicos enriqueceram ainda

mais os dados, sendo eles o de uma mãe deficiente visual, uma mãe deficiente física

– cadeirante, e uma mãe com filhos gemelares.

Foram realizadas um total de 30 abordagens, porém, somente 29 mães

aceitaram participar, num total de 30 crianças (um casal de gêmeos univitelinos).

As entrevistas foram realizadas antes da consulta médica, sendo que após

avaliar os dados antropométricos da criança, as mães eram encaminhadas para o

consultório, onde, individualmente, a entrevista foi feita pelo pesquisador. A todos os

sujeitos foi apresentado o Termo de Consentimento Informado, conforme modelo

posto ao final desse trabalho. As entrevistas foram gravadas, como constando do

referido termo, e o pesquisador explicava para as mães/cuidadoras que após o início

da entrevista ele somente faria as perguntas, sem interferir nas respostas. Enfim,

posteriormente, as entrevistas foram transcritas na íntegra, conforme coletadas, para

preservar as informações valiosas obtidas.

Das 29 entrevistas, somente 2 não são de mães que cuidam da criança e sim

respondidas pela avó. Então, na análise e discussão dos conteúdos, será descrito

84

“MÃE 1” até a “MÃE 29”. As crianças serão nomeadas com nomes de flores, num

total de 30 flores diferentes.

As entrevistas gravadas encontram-se armazenadas em disco rígido, sendo

que serão guardadas por um período de 5 anos, e após esse tempo, o material será

inutilizado.

Para garantia da não interrupção no meio da entrevista, pois o profissional

médico poderia chamar para a consulta a criança, optou-se por realizar de três a

quatro entrevistas por semana, ou no mínimo uma por semana, em média.

Ressalta-se, mais uma vez, que todas as mães foram esclarecidas sobre os

objetivos da pesquisa e aceitaram em participar, espontaneamente, oficializando isto

mediante assinatura do termo de consentimento informado. Também foi entregue

uma via do termo de consentimento informado para elas (conforme APÊNDICE 2).

Além disso, a pesquisa havia sido previamente autorizada por escrito (conforme

APÊNDICE 3) pela Secretaria da Saúde de Piracicaba, junto com a liberação para a

pesquisa ser realizada na Unidade de Saúde da Família Vila Industrial.

Após a transcrição dos dados esses foram divididos nas categorias para

análise do conteúdo, utilizando-se os modelos etiológicos da antropologia da doença

e cura, propostos por Laplantine (2010), já aqui apresentados, sendo eles:

a) modelo ontológico e modelo relacional;

b) modelo exógeno e modelo endógeno;

c) modelo aditivo e modelo subtrativo;

d) modelo maléfico e modelo benéfico.

3.3 Análise e Discussão dos Dados

Essas categorias foram escolhidas porque traduzem bem a questão dos

modelos etiológicos da antropologia da doença e cura, abrangendo várias

possibilidades de interpretação.

Boltanski (2004), estudando a questão de percepção de mães com relação à

doença em seus filhos, analisou que isso depende muito das crenças e cultura local

e também do conhecimento comum, o qual chama de medicina popular, da

percepção que têm quanto à confiabilidade em outros profissionais, como médico e

85

dentistas, que receitam remédios comprados em farmácias; e da medicina imitativa,

que ocorre quando a mãe levou a criança ao médico – ou soube de um caso tratado

pelo médico com o filho dos vizinhos, ou de familiares próximos – e sintomas

semelhantes surgem numa dada criança, ela acaba adotando a mesma terapêutica

para a criança em questão, sem levar novamente ao médico, pois “já sabe o que é”.

E de acordo com a pesquisa aqui relatada isso acontece com frequência.

Das 29 entrevistadas, somente 2 crianças são cuidadas pelas avós e as mães

trabalham o dia todo; um fato importante e que se deve levar em consideração é que

19 mães ficam com seus filhos por período integral, sendo que a remuneração vem

exclusiva do companheiro; 4 mães estavam de licença maternidade, mas voltariam a

trabalhar posteriormente e colocariam a criança na creche; 4 mães trabalham

somente meio período, sendo que no outro período ficam com o(s) filho(s).

Analisando a média de idade do principal cuidador tem-se um resultado

aproximado de 26,5 anos, o que se percebe como sendo uma população jovem.

Como grau de instrução, 2 sujeitos possuem curso superior completo, 12 possuem

somente o fundamental e 15 possuem ensino médio completo.

Analisando a quantidade de filhos das entrevistadas, para se obter a taxa de

fecundidade, foi realizada uma somatória e traçado a média de filhos, chegando-se

num resultado de 1,7; próxima àquela encontrada nos dados do IBGE, que trazem a

taxa de fecundidade no Brasil, em 2010, como sendo de 1,9.

Já a composição familiar, na esfera antropológica, e de acordo com Ohara e

Saito (2010), 21 das entrevistadas se enquadram na “Família Nuclear”, ou seja,

formada pelo homem, mulher e filhos, que vivem juntos em união reconhecida pela

sociedade. Continuando, 5 das entrevistadas se enquadram na “Família Extendida”,

que é aquela mista, em que a mulher, o homem e filhos, convivem na mesma casa

com sogra, sogros, sobrinhos, enfim, várias famílias dentro de um mesmo ambiente

familiar. Ainda, 2 das entrevistas se enquadram na “Família Compostas”, que é

aquela ligada por filhos de outras relações conjugais. E, por fim, 1 entrevistada se

enquadra na “Família Fantasma”, que pode ser definida como a participação do

homem somente como genitor, não assumindo sua função de pai e nem convivendo

com a mulher e seus filhos.

Em relação às categorias essas foram formadas relacionadas às vozes das

mães, após reflexões quanto aos conteúdos e comparações com as literaturas já

aqui referidas.

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A) CATEGORIA: “modelo ontológico e modelo relacional”

Este modelo é representado por duas mães, sendo elas a MÃE 7 e a MÃE 25.

A MÃE 7 relata:

“O Delfim tem muita saúde, quase nunca fica doente... A única vez que eu me lembro dele ficar doente e foi internado para retirar a hérnia do umbigo. Após isso sua saúde voltou a ficar intacto... Eu falava para o Delfim, isso não te pertence, vamos retirar esse caroço... (risos). Com o olhar, conversamos e ele nem chorou quando foi picado para por soro, ele sabia que era o melhor para ele”. (grifos nossos).

Segue a voz da MÃE 25

“O Girassol ficou muito mal, com quebrante, pois eu tenho uma cunhada que tem olho forte e passou quebrante nele, eu sei que não foi por maldade mas o menino ficou muito mal. E levei ele no pronto socorro, e ele estava choroso, amuado, teve que tirar sangue pra fazer exames e teve que até tomar soro, ele ficou quieto, pois eu estava junto a ele. É muito forte isso”. (grifos nossos).

No modelo relacional “o bebê precisa da mãe e só ela pode, por meio de seus

cuidados, garantir que surja nele a confiança em si próprio e no mundo” (FRANCO,

2005, p. 383). Além dessas duas mães citadas, várias outras das entrevistadas se

enquadram aqui, sendo elas MÃE 1, MÃE 3, MÃE 9, MÃE 13, MÃE 14, MÃE 18,

MÃE 22, MÃE 26, MÃE 29.

Segue as vozes da MÃE 1:

“A Amarilis, passou por uma infecçãozinha na urina, e você sabe que faz sentido né, pois ela bebia pouca água e eu nunca me atentei para isso, então não lavava direito o rim, o xixi era forte e amarelo. Bom, aí tomou antibiótico, e até na pombinha teve corrimento. Agora policio para que beba bastante liquido”. “Percebi que a Amarilis sarou quando seu xixi ficou como a água e ela não ficava mais irritada quando fazia xixi”. (grifos nossos).

Segue as vozes da MÃE 3:

87

“O Antúrio é ruim de comer e direto ele fica fraco e pega resfriado. Não sei mais o que eu faço, até suco que me ensinaram, de laranja, cenoura, beterraba e fígado de boi cru eu já fiz. Eu sou espirita e as entidades que passaram essa receita. É tiro e queda, levanta o bichinho mesmo, mais que o suco fica ruim é ruim mesmo... (risos) E eu falo pra ele, se comesse não precisaria tomar esse suco”. (grifos nossos).

Segue as vozes da MÃE 9:

“A Gloriosa é tudo de bom, mas tem que ficar de olho nela, pois passa mal do intestino facilmente, tudo que você dá ela come, depois fica com dor de barriga...(risos). E aí ela fica melindrosa e só quer colo, e aí eu falo come mais Gloriosa (risos). Mas ela tem uma saúde de ferro. Procuro sempre motivar a Gloriosa brincando com ela com as bonecas”. (grifos nossos).

A atitude desta mãe diante do ato “brincar” configura-se como ação relacional

correta diante da criança, como Winnicott (1975, p. 63) discorreu:

O brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros.

Segue as falas da MÃE 13:

“Nunca pensei que eu fosse ter o instinto maternal, mas a Heliconia me provou o contrário, um olhar parado dela me chamou a atenção. Ela me olhou firme e eu tive a impressão de que ela não estava bem, levei-a no pronto socorro e foi diagnosticada como pneumonia, aquele olhar me pedindo socorro... isso sim é coisa de mãe... só ter um filho para descrever esse fenômeno”. (grifos nossos).

Complementando a ideia acima, Franco (2005, p. 388) discorre:

O desejo da mãe expressa algo com o que o bebê pode se comunicar. O olhar invasivo, ao contrário, é o que reflete o humor da mãe voltada para si, ou pior ainda, reflete as suas defesas diante da vida. A mãe que não reage ao bebê, cujo rosto é fixo, inflexível, acostuma o seu bebê a não ser visto, mesmo quando olha para o espelho mãe.

88

Segue as vozes da MÃE 14:

“O Cravo nasceu prematuro então sua resistência não é forte. Eu acredito que muitas das vezes eu sou culpada dele ficar doente, pois parece que eu atraio isso, tenho tanto medo de perder o Cravo que se eu pudesse colocaria ele numa redoma de vidro (choros). Minha gravidez foi conturbada, tinha 14 anos, o pai dele queria que eu tirasse ele, mas eu não tirei, pensei e não tive coragem. Tive pressão alta na gravidez e ele nasceu de 6 meses... Eu amo meu filho, faço de tudo para ele, acho que sou uma boa mãe. E quando ele fica doente sigo a risca o que o médico pede...” (grifos nossos).

Winnicott (1988), afirma que a mãe suficientemente boa, em termos

relacionais, é aquela cuja percepção - consciente ou inconsciente - das

necessidades do bebê a leva a responder adequadamente aos diferentes estágios

do desenvolvimento dele.

Segue as falas da MÃE 18:

“Vou ser bem sincera, quando a Cravina fica doente, tenho dúvidas em seguir as condutas do médico, pois ele nem conhece minha filha e quando dá antibiótico e eu vejo que é por muitos dias eu paro de dar antibiótico pois é forte, né. Já no caso do xarope eu dou até acabar porque é xarope, né”. (grifos nossos).

Boltanski (2004) faz críticas para a atitude acima descrita, em que a medicina

chamada de imitativa se faz presente, ou seja, a mãe ouviu dizer que dar muito

antibiótico faz mal à criança e então ela para por conta própria, já no caso do

xarope, ela não o vê como medicamento e administra naturalmente, pois como ela

verbalizou, “xarope é xarope, né”.

Segue as vozes da MÃE 22:

“O Dendron é meu terceiro filho, mas com ele é diferente das outras gestações, pois ele olha pra mim e não sei explicar, a gente conversa com o olhar... Esses dias, trouxe ele aqui no posto para tomar vacina, eu fiquei morrendo de dó pois foi vacinado nas perninhas e chorou pouco, a noite teve febre, no outro dia ficou tristinho mas a tarde já estava melhorzinho. Conversei com ele e falei que a vacina é prevenção e era para o bem dele”. (grifos nossos).

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Segue a fala da MÃE 26

“Quando o Narciso fica doente sigo certinho o que o médico pediu, e logo ele sara, acho que é porque eu faço direito o tratamento”. (grifos nossos).

Recentemente, Gabarra e Crepaldi (2011, p. 217) desenvolveram um estudo

“A comunicação médico – paciente pediátrico – família na perspectiva da criança” e

como resultado obteve que:

A família mostrou-se fundamental no processo da comunicação diagnóstica infantil, auxiliando a criança a compreender e aderir ao tratamento. As mães foram apontadas como a principal informante sobre a doença e o tratamento.

Segue a voz da MÃE 29:

“Gardenia e Gerbera tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes. Meu marido as confundem, mas eu não. A Gerbera é mais frágil, porém, se uma adoece a outra também adoece. A Gardenia puxou para mim, mais forte, mas quando ela vê a Gerbera com um resfriado ela também pega, mais sara logo. Quando meu marido fala a nenê tá doente, e eu já sei qual (risos)”. (grifos nossos).

Concordando com Winnicott (1988) quando ele afirma que o “precursor do

espelho é o rosto da mãe”, ou seja, a mãe conhece e se identifica com o filho.

De acordo com essa categoria, no modelo relacional, a mãe relaciona a

saúde/doença como tendo origem em sua própria pessoa. Mas como ela estabelece

o fenômeno que caracteriza a doença? De acordo com sinais apresentados pela

criança, amalgamados àqueles que ela percebe do ambiente (beber pouca água,

“mal olhado”, ingestão de certos alimentos, etc) e interpretados por ela como

“problemáticos”. Esses interpretantes não se “juntam” por acaso, contudo.

Relacionam-se a modelos interpretativos vigentes numa determinada cultura, que

“ensina” como ligar os vários indícios percebidos em uma ou outra situação, num

todo significativo. O importante é ressaltar que essas interpretações não são “meras”

interpretações, mas são a base pela qual essas mães orientam suas ações futuras

para com a criança. Analisá-las é então, como aqui defendido, essencial para uma

efetiva educação em saúde.

90

B) CATEGORIA: “modelo exógeno e modelo endógeno”

Como modelo etiológico da doença, o modelo exógeno aparece mencionado

por quatro mães (MÃE 4, MÃE 6, MÃE 12, MÃE 20) e o endógeno por cinco mães

(MÃE 8, MÃE 15, MÃE 17, MÃE 23, MÃE 27, MÃE 28).

Segue a voz da MÃE 4

“A Tulipa nasceu de 7 meses e desde nenê não pegava o peito, perdeu bastante peso, e descobriu que tem Intolerância a Lactose... Eu fiquei perdida, pois pobre com doença de rico (risos), enfim, hoje temos um cuidado especial na alimentação”. (grifos nossos).

Segue a fala da MÃE 6:

“A Palma tem bronquite, e nesse tempo ela tem direto crises, já até estou acostumada”. (grifos nossos).

Segue a voz da MÃE 12:

“A Solidaster é uma criança saudável, de vez em quando pega gripe, porque é natural com todo esse clima louco que temos passado, a criança ficar doente de vez em quando, né!” (grifos nossos).

Segue a voz da MÃE 20:

“A Angélica quando vai para a vó dela (mãe do meu marido), ela volta destemperada, com diarreias, pois minha sogra usa muito tempero forte na comida, não é arroz com alho e sim alho com arroz.... (risos) Mas eu nem posso abrir a boca pois meu marido defende a mãe dele e culpa que a Angélica é muito fraca, veja o que eu passo“. (grifos nossos).

Modelo Endógeno

Segue a voz da MÃE 8:

“A Frésia, puxou para meu marido, sensível, qualquer coisa passa mal e se entrega, acho que tá no sangue... (risos)”. (grifos nossos).

91

Segue a voz da MÃE 15:

“O Flox, ele é tão calmo que acho que ele guarda o estresse, né, e quando vem como uma válvula de escape, e fica doente, tem diarreia direto. Eu moro com minha sogra, minha cunhada, ela tem dois filhos, e só por Deus... Difícil, muito difícil. Eu trabalho meio período e ele fica em casa com esse povo, por isso que o Flox fica estressado...”. (grifos nossos).

Segue a voz da MÃE 17:

“O Lírio, fica comigo o dia inteiro, pois a mãe dele tem que trabalhar, a noite ela vai para a escola, enfim, ele é franguinho pois ele sente falta da mãe, direto levo ele para o pronto socorro, pois tem febre e os médicos dizem que é dá cabeça dele... você acredita!!!!”. (grifos nossos).

Segue a voz da MÃE 23:

“O Tango é um simulador, é só ele ver que chegamos no Postinho, que ele tem febre (risos) e aí não pode dar vacina, é mole ou você quer mais... Mas já falei para ele, se morrer... enterra... Quando tenho que dar vacina, dou banho bem gostoso nele em casa, ligo no posto pois as enfermeiras todas conhecem o “bonito” e sabem o artista que é, chego no posto e quando ele percebe já tomou a vacina... (risos)”. (grifos nossos).

Se a mãe aceitar as manifestações do bebê – como a fome, o desconforto, o

prazer e a vontade –, em vez de impor o que acredita ser o certo, o bebê vai

acumulando experiências nas quais ele é sempre o sujeito, e o self que se forma

pode então ser considerado verdadeiro (WINNICOTT, 1988).

Segue as vozes da MÃE 27:

“O Gravata fica comigo o dia inteiro, minha filha trabalha. É triste de fala, mas eu sou mais mãe dele do que a própria mãe. Ela não dá atenção para ele, e eu percebo que ele sente falta, tanto que fica amuado e quer atenção, aí de repente tem diarreia, febre, mais tudo por carência. Converso muito com minha filha e ela está tentando dar mais atenção para ele, pois ele não pediu para vir ao mundo, concorda?” (grifos nossos).

Segue a voz da MÃE 28:

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“A Ervilha teve uma vez pneumonia, ela ficou tão fraquinha que no pronto socorro as veias delas ninguém conseguia pegar, ficou internada, com o peito chiando, mas graças a Deus ela sarou logo, mas sempre ela fica doentinha”. (grifos nossos).

A crença nos fatores desencadeantes das doenças, a forma como a relação

causa-efeito é apresentada, também se constitui numa interpretação sígnica

perpassada por todo o contexto que cerca a criança e seus cuidadores. E

acompanham as informações mais amplas, que correm no meio cultural de uma

comunidade/sociedade, sendo interpretadas de acordo com as raízes culturais dos

sujeitos. Assim, os discursos “da somatização”, ou da ”carência afetiva”, ou do

“stress” como fatores etiológicos, são tomados como substituição – ou mesmo como

acréscimo – a outros, como “o tempo/clima”, os alimentos, o “olho gordo”, etc. E não

podem ser encarados simplificadamente como “senso comum”, pois também

assumem influência decisória em relação à autonomia dos cuidados com a

saúde/doença.

Se a presença da febre, importante elemento semiológico, é associada com

“coisa da cabeça”, como fator causal, como esses cuidadores diferenciam a

necessidade de “procurar por um médico”? Muitas vezes isto pode incidir numa

situação de risco para a criança. Reconhecer a penetração dos discursos da cultura

contemporânea na interpretação de saúde/doença feita pelas famílias estudadas é

importante para que se balizem práticas educativas em saúde mais esclarecedoras,

que discutam o real alcance do que é veiculado pelos meios de comunicação, e na

cultura, de forma geral, em relação às práticas de cuidado com a saúde.

C) CATEGORIA: “modelo aditivo e modelo subtrativo”

No modelo aditivo encontram-se três mães (MÃE 2, MÃE 16 e MÃE 21) e no

modelo subtrativo uma mãe (MÃE 10)

A voz da MÃE 2:

“Hoje a Rosa aprontou uma pra mim, que não sei da onde eu achei forças, mas ela tá viva por um milagre... Ela engoliu um botão e ficou engasgada, quando eu vi que ela estava ficando roxa, não tive

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dúvida, bati com vontade nas costas dela até desengasgar e saiu o botão. Isso foi bom pra ela, pois assim aprendeu... Confesso que pensei que ela fosse morrer, mas está aqui comigo e vim trazer ela no Posto para encaixe na consulta médica... Acho que é de família, pois quando era criança, vivia colocando feijão no nariz e no ouvido (risos)”. (grifos nossos).

Nesta situação Winnicott (2006, p. 4) afirma que isso é uma preocupação

materna primária, ou seja:

[...] afinal de contas, ela também já foi um bebê, e traz com ela lembranças de tê-lo sido; tem igualmente recordações de que alguém cuidou dela, e essas lembranças tanto podem ajudá-la quanto atrapalhá-la em sua própria experiência como mãe.

A voz da MÃE 16:

“A Tritoma vive aprontando, sobe no sofá e cai, ela é hiperativa, vive ralada (risos), mas quando ela cai eu falo pra ela, bem feito aprendeu agora. Eu vejo isso como aprendizado para ela, pois eu era tão bobinha quando criança e assim ela vai aprender a sobreviver”. (grifos nossos).

A voz da MÃE 21:

“Chuva de Prata é um serelepe, não para, com seis meses caiu da cama, mas Nossa Senhora pegou ele. Com o susto, quase morri, e depois eu disse, assim você aprende”. (grifos nossos).

Nesse ponto de vista, utilizando as palavras de Amiralian (1997, p. 65):

[...] a maternagem colocada por alguns autores como uma condição essencial para que a criança possa trilhar com sucesso esse perigoso caminho, supõe uma especial sensibilidade da mãe para encontrar meios para estabelecer, por meio da manipulação e da fala, um contato satisfatório para ambas.

Segue as vozes do modelo subtrativo da MÃE10:

“O Jacinto foi um susto, descobri que estava grávida as cinco meses. E nem pensava em ser mãe, descobri pois tive descolamento de placenta, ele nasceu prematuro, feio, dava até dó (risos), teve apendicite, foi operado e hoje ele é normal. E as pessoas falam que quando o filho nasce prematuro fica fraco não concordo pois o

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Jacinto é diferente, ele é meu Rei Leão. Acho que ele é forte porque ainda mama no peito, concorda?”. (grifos nossos).

Winnicott (1988, p. 121) explicita que, nessa situação inicial:

[...] o bebê está pronto para criar, e a mãe torna possível para o bebê ter a ilusão de que o seio, e aquilo que o seio significa, foi criado pelo impulso originado na necessidade.

As adições e subtrações causais que as mães fazem, refletem, de uma

maneira mais “nua”, as crenças explicativas subjacentes ao modo como interpretam

a relação saúde/doença. As explicações religiosas, como impedindo a morte da

criança, o comportamento de risco ser “de família”, a experiência de vida como fator

que ensina a criança a se proteger/ficar mais forte... Esse último ponto é

sobremaneira importante, pois é a natureza do que significam “experiências

enriquecedoras, fortalecedoras”, como interpretadas pela cultura materna, que

guiarão muitas das condutas maternas em relação à educação para a saúde, dela

em relação ao filho. Quais são os signos imersos na cultura, que a mãe associa com

experiências de vida desse tipo? O que ela percebe como signos do “ser forte”? O

que ela imagina que “enfraquece” a criança, dificultando sua sobrevivência atual e

futura? Esse conhecimento, quando entendido pelo profissional da saúde, favorece

que pontes mais efetivas sejam feitas entre o saber médico e o saber popular,

potencializando cuidados mais adequados à saúde infantil.

D) CATEGORIA: “modelo maléfico e modelo benéfico”

No modelo maléfico duas mães se enquadram (MÃE 5 e MÃE 24) e no

modelo benéfico outras duas mães se enquadram (MÃE 11 e MÃE 19).

Segue a voz da MÃE 5:

“O Copo de Leite ficou doente uma vez, pois aqui no Posto nunca tem médico, então, fica comprometido a saúde, perdeu peso, enfim, não tenho dinheiro para pagar plano médico, ele teve pneumonia, e hoje, tenho medo dele ficar doente, coloco bastante roupas nele”. (grifos nossos).

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A voz da MÃE 24:

“Quando vi que a Cerejeira era especial, perguntei pra Deus, por que eu? Ter uma filha com defeito doía muito, não queria receber visitas, queria esconde-la. Mas, nada na vida é por acaso, hoje eu encaro a realidade, minha Cerejeira tem Síndrome de Down e eu amo minha filha. Como disse aquele cantor Almir Sater... Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais”... (grifos nossos).

Porto-Cunha e Limongi (2008, p. 244) desenvolveram um trabalho sobre a

temática “Modo comunicativo utilizado por crianças com Síndrome de Down (SD)” e

tecem esses comentários:

É importante considerar a interação mãe-criança como uma fonte importante de estímulos cognitivo e linguístico durante este período. A falta de estímulos adequados durante a interação mãe-criança com SD pode ser significativa para o seu desenvolvimento, visto que a mãe é a mediadora das ações da criança com o ambiente.

Partindo da percepção materna sobre o processo de adoecimento, seguem as

reflexões de Winnicott (1988), que discorre sobre uma “força” desconhecida que as

mães têm/adquirem para um relacionamento com seus filhos:

É a mãe que está em condições de preservar todos os pequenos detalhes de sua técnica pessoal, fornecendo assim ao bebê um ambiente emocional simplificado... Não é fácil para as mães expressarem seus sentimentos sobre suas experiências sobre “ser mãe”, apesar de serem sentimentos muito fortes... elas tem muita coisa a dizer sobre os obstáculos que atrapalham a mãe de entender-se com o seu bebê à sua própria maneira (WINNICOTT, 1988, p. 132-133).

Complementando o discurso acima, seguem as falas das mães do modelo

benéfico:

MÃE 11:

“A Margarida foi meu melhor presente que Deus podia me dar, sou deficiente visual e nem por isso deixei de conquistar meu maior sonho que era ser mãe... Percebo que ela está agitada pelos movimentos respiratórios. Ela é a criança mais linda, embora eu não veja, porém eu sinto (choro). A Margarida é tudo de bom, eu

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cuido dela sozinha e ela tem uma saúde de ferro. Às vezes eu acordo de madrugada e fico ouvindo ela dormir, imagino como ela seja, coloco minha mão sobre seu peito e vejo que ela está bem... amo minha filha. Não precisa enxergar para sentir... simplesmente eu vivo por ela”. (grifos nossos).

MÃE 19:

“Quando eu engravidei todos disseram que loucura, pois como você vê, sou cadeirante, e mesmo assim quis ter um filho e veio a Iris, é muito engraçado nós nos combinamos e muito, hoje ela tem 1 ano e mama no meu peito, eu a olho e toda a minha limitação vai embora, isso acredito ser o famoso instinto maternal, inexplicável que amor e cumplicidade”. (grifos nossos).

Para Winnicott (2000, p. 27), fica justificada a situação acima como sendo:

A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficientemente boa, dá a este a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar. Em outras palavras, ocorre uma sobreposição entre o que a mãe supre e o que a criança poderia conceber.

O que é sentido como maléfico/benéfico nos episódios de saúde e doença

também é aprendido a partir das interpretações feitas pelas trocas simbólicas,

transcorridas numa comunidade. E é importante observar que o posicionamento da

mãe entre estes pólos de maléfico/benéfico é que influenciará sua postura em

relação ao como prevenir problemas de saúde e como tratá-los, afetando, inclusive,

como a criança perceberá sua própria reação frente a situações de “mal-estar/bem-

estar” corporais.

Ao término deste capítulo, é possível perceber que, após realizar análises das

vozes, foi traçado o processo de escuta, e como argumentação de tudo o que esse

proporcionou, é que essa “visão integral” do sujeito em relação à saúde/doença

pode ser buscada no conceito de educação sociocomunitária, entendendo esta

como um processo de escuta de todas as “educações” que configuram e mobilizam

nossas formas de agir no mundo. Que são, em seus fundamentos, interpretativas,

sígnicas.

Isso significa entender que uma mãe, ao tomar a decisão de procurar ajuda

médica para tratamento, é mobilizada pelo conjunto das “educações passadas” e

contemporâneas com as quais ela conviveu/convive. Só entendendo essa

97

constituição multifacetada dos sujeitos é que podemos entender a sua perspectiva

de mundo, ajudando a transformá-la.

E, entendendo que nesse momento o educador age como uma força

catalisadora, ou seja, emersora de tensões, conflitos, descobertas e produção de

sentidos. Além de evidenciar que o educador se educa nesse processo, pois ele

também é sujeito na educação do outro.

98

Refletindo sobre o caminho percorrido...

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CCCCononononsiderações Finaissiderações Finaissiderações Finaissiderações Finais

99

Após todo caminho percorrido nessa investigação, é possível afirmar que os

valores culturais e conhecimento comum que as pessoas trazem consigo são de

grande valia tanto para a atuação do enfermeiro como para a educação em saúde. E

cabe aqui realizar considerações sobre a proposta da educação sociocomunitária,

sendo esta o ponto de partida da referida dissertação.

Cada sociedade, em cada momento do seu desenvolvimento, coloca ao

indivíduo o uso de estratégias socioculturais cognitivas para buscar a percepção e

compreensão da doença e cura.

Os sinais corporais identificados, por exemplo, como “dor”, têm sua origem

nos processos fisiológicos orgânicos, mas sua interpretação, o que faz com que

sejam entendidos e comunicados como “dor”, depende de fatores cognitivos e

sensoriais, que estão socialmente determinados na e pela cultura. Isso se confirma

no fato de que muitos trazem enraizados em si, até os dias de hoje, que “homem

não chora”. Assim, acredita-se que a busca, o acesso e a utilização dos recursos de

saúde, incluindo o uso de medicamentos e a adesão aos tratamentos, por parte da

população, estão intimamente relacionados a uma estrutura cognitiva dos sujeitos,

que se apresenta como semioticamente modelada e, dessa forma, só sendo

possível de ser conhecida/revelada pela interpretação.

Cada comunidade constrói o seu universo de problemas e soluções de saúde,

havendo relação entre a maneira como percebe os problemas de saúde e a maneira

como procede para resolvê-los. A Unidade de Saúde da Família estudada estava

sem médico há mais de 1 ano, e parece que a população estava muito pacífica ou

mesmo acomodada com tal situação, dando “seus jeitos” às situações de saúde

encontradas. Pode-se fazer tal afirmação porque existem outras Unidades de Saúde

da Família em que não faltam médicos, pois existe uma comunidade local atuante,

ativa e exigente. Ressalta-se que, sem o profissional médico, a equipe fica incapaz

de proporcionar à população o cuidado integral. E o fato de vir um médico

“emprestado” a uma unidade, uma vez por semana, faz com que se perca o

essencial da proposta do PSF, pois a população dificilmente estabelecerá relações

vinculares com este profissional.

Outro mecanismo alternativo que o município de Piracicaba adota devido à

“falta de médico” são os famosos “mutirões”, que são realizados aos sábados, no

Centro de Especialidade Médica, em que uma equipe de médicos atende, em média,

500 consultas. Porém, levanta-se a dúvida da continuidade da terapêutica, em

100

especial em relação às anotações em prontuários, pois os mesmos ficam na

Unidade de origem. E todo o histórico do paciente? Abre-se, então, a oportunidades

de se evidenciar dúvidas sobre a eficácia desta ação, tanto que muitos pacientes se

recusam a ser consultados pelos mutirões.

A falta de consistência do sistema de saúde e a postura de afastamento que,

muitas vezes, se assiste no contato da equipe de saúde com os usuários,

principalmente àqueles das camadas populares, parece gerar uma relação de

estranhamento entre uns e outros. Algumas falas das mães dizem respeito a isso,

pois revelam medo de seguir a conduta médica orientada corretamente, decidindo

simplesmente cessar a terapêutica – ou nem começá-la – pois acreditam que existe

uma “superdosagem”, ou que o médico “não acertou”, dentre outras explicações. A

falta de um vínculo de confiança, ou a oportunidade de poder discutir, com mais

liberdade, posicionamentos em relação à doença e ao tratamento, bem como a

crença de que suas concepções quanto ao problema da criança não são

consideradas pelos profissionais médicos ou enfermeiros, pode estar por detrás

dessa conduta de não adesão ao tratamento. Situação que não interessa a nenhum

dos envolvidos.

Outro questionamento para o qual não se tem resposta é que, das 29 mães

pesquisadas, 3 tiveram seus partos prematuros. Em que medida as concepções

maternas/familiares em relação à gestação, aos cuidados devidos, às práticas pré-

natais, não passaram pelo mesmo processo de desconsideração, por parte da

equipe? Compreender como estas mães concebem a gravidez, discutir práticas

culturais populares, tão enraizadas em relação a esta questão, se faz imprescindível.

Outra reflexão que merece ser colocada é a grande procura por atendimento médico

nos Prontos Socorros pela população estudada, e lança-se mais uma hipótese: será

que se houvesse uma atenção preventiva mais efetiva, que discutisse as situações

de doença com as mães, cuidadores e família com mais propriedade, escutando as

interpretações e sentidos atribuídos por estes aos sinais orgânicos “emitidos” pelas

crianças, as situações agudas, que levam ao Pronto-Socorro, não poderiam ser

evitadas? No que também colaboraria a presença do médico na Unidade de Saúde

da Família.

A utilização de autores que estudam as concepções interpretativas de mundo

feitas pelos sujeitos, como Moscovici e a teoria das representações sociais, de

Laplantine e a antropologia da saúde, Santaella, Peirce e Ginzburg sobre a questão

101

semiótica, e Winnicott, sobre a subjetividade do desenvolvimento infantil, mediante a

linguagem, permitiu um diálogo para uma melhor compreensão sobre a educação

sociocomunitária e em como esta pode consistir num referencial teórico-

metodológico para a educação em saúde.

Esta investigação proporcionou ao investigador um preparo – e também um

alerta para os profissionais de saúde pública – para a necessidade de compreensão

das vozes maternas, nas abordagens terapêuticas em pediatria e na atenção à

gestante. Este pesquisador teve que anular muitos dos seus paradigmas em relação

a isto. Emergiu um novo horizonte de percepções, ora antes desconhecido por este

pesquisador, despertando um outro olhar em relação à educação em saúde e em

como se pode efetivá-la trabalhando a emancipação dos sujeitos, a partir da escuta

e do diálogo diante das suas concepções de vida. A investigação tornou-se,

também, um veículo para alcançar transformações socialmente intencionadas, na

realidade da saúde pública brasileira.

102

Referencial estudado...

http://envolverde.com.br/portal/wp-content/uploads/2013/06/livro2.jpg

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APÊNDICE 1- Roteiro para a Entrevista

1- Quem é o principal cuidador da criança? (mãe, pai, avós, outros)

2- Idade do principal cuidador.

3- Grau de instrução do principal cuidador.

4- Qual a composição familiar atual?

5- Como a família se sustenta economicamente?

6- Mensalmente, em média, qual a renda financeira da família?

7- Qual a idade e gênero da criança principal da pesquisa (0-24meses)?

8- Tem mais filhos? Quantos? Idade e Gênero.

9- Como você percebe quando a criança está doente?

10- Que sinais emitidos pela criança você leva em consideração?

11- Como você “sabe” / “aprendeu” que esses são sinais de doenças?

12- Como ocorre o processo decisório em relação a procura de ajuda ou ao tratamento

para com a criança, por exemplo: medicar em casa, levar ao curandeiro (simpatias),

levar a igreja (religiosidade), levar a criança ao Programa de Saúde da Família (PSF)

ou levar a criança ao Pronto Socorro?

13- Como você pensa que a criança se cura? É somente efeito do remédio? Se não, do

que mais?

14- Como você “segue”/ “faz” / “interpreta” o tratamento, por exemplo, você “rompe” o

tratamento pois acredita que é muito remédio, ou você aumenta a dosagem dos

medicamentos, ou diminui a dosagem pois acredita ser muito medicamento?

15- Como você “sabe” / “interpreta” os sinais de que a criança sarou?

Fonte: Perguntas elaboradas pelo pesquisador juntamente com a orientadora da

pesquisa.

115

APÊNDICE 2- Termo de Consentimento Informado

TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

Eu, David Richard Luzetti, aluno regularmente matriculado no programa de Pós-

Graduação stricto sensu do Centro Universitário Salesiano-Unidade Universitária de

Americana, gostaria de convidá-la a participar do trabalho investigativo a ser por mim

desenvolvido como parte da minha pesquisa de Mestrado, sob a orientação da Profª. Dra.

Maria Luísa Bissoto e cujos objetivos são entender como se constrói e se manifesta o

conhecimento das mães em relação aos sinais de saúde/doença apresentados por crianças

que ainda não falam, delimitadas aqui como aquelas entre 0-2 anos.

A participação das mães/cuidadoras envolve em participar de uma entrevista que

será gravada e posteriormente transcrita, garantindo ainda, total anonimato, e terá a

duração prevista de em torno de 10 minutos.

Gostaria de deixar bem claro que a participação das mães/cuidadoras nessa

investigação é voluntária. Se qualquer das mães/cuidadoras decidir não participar ou quiser

desistir de participar, em qualquer momento, da referida investigação, tem absoluta

liberdade de fazê-lo. Nenhuma restrição lhe será imposta.

As atividades desenvolvidas nessa investigação, bem como os resultados

alcançados com a mesma, poderão ser eventualmente publicado, mas será mantido o mais

rigoroso sigilo, através da omissão total de quaisquer informações que permitam identificar

participantes ou instituição; salvo expressa concordância, por parte de todos os envolvidos,

quanto ao contrário.

A participação nessa investigação não envolve nenhum benefício material ou

econômico para nenhuma das partes: os prováveis benefícios advirão da contribuição para

o desenvolvimento profissional e da produção de conhecimento, que favoreçam o avançar

de questões relacionadas à esfera educacional.

Se você tiver qualquer pergunta em relação ao programa, por favor, entre em

contato com David Richard Luzetti, no número 19-97495208, ou pelo e-mail

[email protected].

Atenciosamente,

Assinatura ____________________ Data _________________

Consinto na participação

Nome:______________________________________________________

Assinatura _____________________ Data ____________________

116

APÊNDICE 3 – Protocolo n. 133519 – Autorização para Coleta de Dados na

Unidade Saúde da Família Vila Industrial

117

APÊNDICE 4 – Ata de Defesa Pública