a identidade do sujeito na pÓs-modernidade

Upload: juliavago

Post on 19-Oct-2015

33 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 6, Volume 12 | jul-dez de 2012.

    A IDENTIDADE DO SUJEITO NA PS-MODERNIDADE: ALGUMASREFLEXES

    Sheila da Silva Monte (UFRN)1

    RESUMOEste trabalho traz uma discusso acerca da questo do sujeito na ps-modernidade, em querefletimos sobre os estados de tenso e de conflitos do indivduo em meio modernidade lquida.Inicialmente, achamos interessante relembrar, em um breve resumo, como a questo da identidadeera vivenciada h mais ou menos dois sculos. Posteriormente, discutiremos as mudanas ocorridasna sociedade e o consequente problema da identidade no novo mundo globalizado.Palavras-chave: Identidade. Globalizao. Ps-modernidade.

    ABSTRACTThis paper presents a discussion on the question of the subject in post modernity, in which we reflecton the state of tension and conflicts of the individual through the liquid modernity. Initially, wethought interesting to recall, in a brief summary, as the question of identity was experienced forabout two centuries. Later, we discuss the changes in society and the consequent problem of identityin the new globalized world.Keywords: Identity. Globalization. Postmodernity.

    [...] a identidade s nos revelada como algo a ser inventado, e nodescoberto; como alvo de um esforo, um objetivo; como uma coisa queainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas eento lutar por ela e proteg-la lutando ainda mais mesmo que, paraque essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condio precria eeternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida elaboriosamente oculta. (BAUMAN, 2005, p. 22)

    H algum tempo, havia uma preocupao em relacionar a questo da identidade nacionalidade do indivduo. Era importante impor um lao de pertencimento ao territrioonde o sujeito se encontrava. Para este no havia necessidade, pois sabia que pertenciaquele lugar, ali estavam suas origens e suas relaes sociais que eram concentradas nodomnio da proximidade. No havia dvidas quanto veracidade de sua nacionalidade.

    1 Mestranda do Programa de Ps-graduao em Estudos da Linguagem PPGEL, com linha de pesquisa em Linguagem ePrticas Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. E-mail: [email protected]

  • 163 A IDENTIDADE DO SUJEITO NA PS-MODERNIDADE: ALGUMAS REFLEXES

    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 6, Volume 12 | jul-dez de 2012.

    Mas, com o nascimento do Estado moderno, surgem mudanas e o indivduo,que antes mantinha uma relao de proximidade, comea a ser deslocado daquele lugar aoqual pertencia. Um bom exemplo das transformaes ocorridas est na revoluo dostransportes, que propiciaram uma rpida expanso dos territrios. Dessa forma, com odesenvolvimento das regies e a consequente legitimao da nao, o problema daidentidade seria visto de forma positiva e as pessoas assim admitiriam suanacionalidade/identidade.

    De acordo com Bauman (2005, p. 26):

    [...] o nascente Estado moderno fez o necessrio para tornar esse deverobrigatrio a todas as pessoas que se encontravam no interior de suasoberania nacional. Nascida como fico, a identidade precisava de muitacoero e convencimento para se consolidar e se concretizar numarealidade [...]

    Nesse sentido, podemos observar que, desde o incio, a identidade nacional foivista como um marco da soberania do Estado. Por muitas vezes, para se mant-la, mesmoque incompleta, fazia-se um esforo gigantesco e usava-se uma pequena dose de fora paraque a nacionalidade fosse protegida. Vale salientar que as identidades consideradasmenores s seriam aceitas se no violassem a lealdade nacional, pois o Estado detinha opoder e nada poderia estremec-lo.

    Atualmente, podemos perceber que muitas foram as mudanas ocorridas. Aspreocupaes contemporneas transcenderam a simples (se podemos assim dizer) questoda identidade nacional. Na sociedade ps-moderna, temos assistido a uma profuso detransformaes, principalmente no campo das relaes interpessoais, fazendo com que hajamudanas no comportamento dos sujeitos.

    Segundo Bauman (2005), a identificao se torna cada vez mais importantepara os indivduos que buscam desesperadamente um ns a que possam pedir acesso. Asnovas relaes comeam a interferir em nossas construes cotidianas, nossas prticas

  • SHEILA DA SILVA MONTE 164

    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 6, Volume 12 | jul-dez de 2012.

    sociais, como forma de entendimento do mundo. Com isso, as identidades, antesconsideradas seguras e estveis, comeam a fragmentar-se.

    Tudo o que somos e pensamos advm de nosso contato com o mundo. Nessesentido, um eu verdadeiro, um sujeito singular no possvel no contexto da ps-modernidade, pois seria determinado por uma srie de situaes, seria um simulacro de umsujeito real. Hall (2005) aponta que as velhas identidades, que por tanto tempoestabilizaram a vida social, esto em declnio, fazendo surgir novas identidades efragmentando o indivduo moderno, at aqui visto como sujeito unificado. No h mais umaidentidade una, centralizada, mas um sujeito plural, heterogneo.

    Dessa forma, ao refletirmos sobre a questo do sujeito na era da globalizao,vislumbramos carncias, dvidas e urgncias, presentes nesse indivduo, perdido em suasinseguranas, com a necessidade emergencial de pertencer a algum lugar. Ser esse umcolapso do sujeito moderno? Uma crise de identidade? Como observa Mercer (1990, p. 43),a identidade somente se torna uma questo quando est em crise, quando algo que sesupe como fixo, coerente e estvel deslocado pela experincia da dvida e da incerteza.

    Em nossa sociedade o problema da identidade tem se intensificado de formaintrigante. Vivemos em um mundo repleto de alternativas que inibem ou omitem nossasfraquezas com relao ao outro. Um dos veculos que contribuiu para essa questo foi ateleviso, uma vez que, com o advento desta, a ocorrncia do intrigante jogo da identidades aumentou.

    Desde que a TV surgiu, foi sendo incorporada ao convvio familiar de formacrescente. Com as propagandas, as novelas (quase um retrato da vida real) e, atualmente,com os reality shows (que mais escondem que mostram), ela nos expele identidadesestereotipadas, rotuladas pela sociedade capitalista. Jogos desleais, os quais somoscompulsoriamente convidados a aceitar e que desencadeiam tenses que podem modificar(e muito) positiva ou negativamente, as nossas identidades.

  • 165 A IDENTIDADE DO SUJEITO NA PS-MODERNIDADE: ALGUMAS REFLEXES

    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 6, Volume 12 | jul-dez de 2012.

    Um outro bom exemplo, que hoje se apresenta em quase todos os lugares, arede mundial de computadores, a internet, que nos envereda por uma teia de relaesvirtuais as quais nos deixamos capturar sem saber, na verdade, o que realmente significampra ns. Ao participar de tais redes utilizamos nossos artifcios, novas identidades quemascaram uma realidade precria, por vezes dolorida, prpria da modernidade lquida(BAUMAN, 2005).

    Nesse sentido, no podemos negar que inevitvel, para muitos, no fazer parteda rede. Uma parte de ns e/ou do outro so buscadas nessas relaes, consideradasfugazes por natureza. Relaes no concretas o bastante da mesma natureza do real, doface a face, como eram as relaes de proximidade de antigamente. Como afirma Bauman(2005, p. 100),

    Hoje em dia, nada nos faz falar de modo mais solene ou prazeroso do queas redes de conexo ou relacionamentos, s porque a coisaconcreta as redes firmemente entretecidas, as conexes firmes eseguras, os relacionamentos plenamente maduros praticamente caiu porterra.

    Em consequncia disso, podemos perceber que as relaes amorosas socolocadas em xeque por serem consideradas produto descartvel da ps-modernidade. Oindivduo, ao mesmo tempo em que se relaciona, no mantm o compromisso, uma vez queprefere distanciar-se do outro ou simplesmente manter as portas abertas para algo maior doque aquela relao. A partir de tal ponto comeamos a observar que, para esse sujeito, no interessante ficar a merc do outro.

    Frente globalizao, o sujeito ps-moderno apresenta-se de formas diferentes,fragmentando-se a cada jogo estipulado. A sociedade no um todo unificado, seguro ebem delimitado como muitos, h tempos, podiam pensar. H oscilaes, mudanas deposturas, de posicionamentos, frente s novas realidades. Os jogos identitrios acontecem atodo tempo e a todo momento, portanto, ningum est a salvo deles.

  • SHEILA DA SILVA MONTE 166

    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 6, Volume 12 | jul-dez de 2012.

    Segundo Woodward (2000), a complexidade da vida moderna exige queassumamos diferentes identidades, o que pode gerar conflitos. Podemos viver, em nossasvidas pessoais, tenses entre nossas diferentes identidades quando aquilo que exigido poruma identidade interfere com as exigncias de uma outra.

    Muitos conflitos surgem das tenses a partir das normas que regem umasociedade. Vivemos, por exemplo, numa matriz heterossexual em que, no mundo social, osgneros devem desejar o sexo oposto. Sabemos que nem sempre isso acontece e que, se oindivduo no segue a norma, considerado um estranho.

    Imaginemos uma situao em que tenhamos um sujeito negro, assalariado,homossexual e que possua dois filhos adotivos. Nesse sentido, a sociedade, pelo menos umagrande parte dela, espera que o pai seja heterossexual, afinal isso est culturalmentemarcado. um indivduo que trabalha, paga suas contas em dia e tem dois filhos os quaispresta toda a sua assistncia, enquanto chefe de famlia: reunies de escola; repreenses,quando necessrias; amorosidade etc.

    Por meio do exemplo citado, percebemos quantas identidades so construdas enegociadas a todo instante pelo sujeito, embora a tenso esteja, com maior probabilidade,na questo da identidade sexual, pois o indivduo constrangido pela matrizheteronormativa. De acordo com Laclau (1990) as sociedades da modernidade tardia socaracterizadas pela diferena; elas so atravessadas por diferentes divises eantagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes posies de sujeito.

    Por ser o papo do momento, a identidade no mais objeto de meditaofilosfica, e nem seus fundadores poderiam dar um significado a questo identitria queabarcasse a modernidade lquida, segundo Bauman (2005, p. 35), as identidades ganharamlivre curso, e agora cabe a cada indivduo, homem ou mulher, captur-las em pleno voo,usando seus prprios recursos e ferramentas.

    Na era da modernidade lquida, pensar em um sujeito inflexvel ser malvistopelos outros, uma vez que, para muitos, j se solidificou a ideia de identidades heterogneas

  • 167 A IDENTIDADE DO SUJEITO NA PS-MODERNIDADE: ALGUMAS REFLEXES

    ISSN: 1982-3916ITABAIANA: GEPIADDE, Ano 6, Volume 12 | jul-dez de 2012.

    e que cada sujeito sabe dos riscos que pode sofrer por estar dentro do jogo identitrio.Podemos reconhecer que, em todo lugar e de diferentes formas, novas identidades surgemou se incorporam as j existentes, transformando mais e mais o sujeito ps-moderno.

    Retomando a citao que inicia este texto, comeamos a compreender o queBauman (2005) nos descreve sobre a questo da identidade. Podemos observar que osujeito est cercado de situaes sociais, necessidades, que no o deixam livre. Com isso,no h uma mera transformao desse indivduo, mas um esforo contnuo, que leva a umobjetivo, algo a ser (re)inventado e que, precariamente, precisa ser mascarado.

    Somos confrontados diariamente por uma multiplicidade de identidadespossveis, tendo em vista que os novos modos de vida propostos pela modernidade rompemcom o passado estvel das identidades, substituindo essa estabilidade por uma pluralidadede centros de poder, que so orientados conforme a necessidade do sujeito na sociedade.Com isso, percebemos que a afirmao de Bauman (2005) revela, mas, ao mesmo tempo,no fecha a discusso sobre essa questo to intrigante das identidades surgidas na era daglobalizao, a partir do qual os estudos ainda esto longe de elucidar.

    REFERNCIASBAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Trad. Carlos AlbertoMedeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. 10. ed. Traduo de Tomaz Tadeu daSilva e Guaraciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.LACLAU, E. New Reflections on the Resolution of our Time. Londres: Verso, 1990.MERCER, K. Welcome to the jungle. In Rutherford, J. (org.). Identity. Londres: Lawrence andWishart, 1990.WOODWARD, K. Identidade e diferena: uma introduo terica e conceitual. In: SILVA, T. T.da (Org.). Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais. Petrpolis: Vozes,2000.Recebido: 26/06/2012Aprovado: 05/10/2012