a honra do imperador

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Michel Zaidan Filho A Honra do Imperador

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Livro sobre a influência política do governador eduardo Campos

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Page 1: A Honra Do Imperador

Michel Zaidan Filho

A Honrado Imperador

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Copyright © 2014 by Michel Zaidan Filho

Impresso no BrasilPrinted in BrazilEditor: NEEPD-UFPE

Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD) está ligado ao Centro de Filosofia de Ciências Humanas da UFPE e faz pesquisas, publica estudos políticos, oferece cursos de capacitação e pós-graduação em Ciência Política. Endereço Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901. E-mail: [email protected] do NEEPD: Prof. Dr. Michel Zaidan Filho

Design da Capa e diagramação: Maicon Mauricio Vasconcelos FerreiraFotografia da Capa: fonte: google.com.br.

Conselho Editorial

Dr. Luigi Bordin (UFRJ)Dra. Constança Marcondes César (UCP-PT)Dr. Marco Antônio Silva (UFS)Dr. Michel Zaidan Filho (UFPE) - Presidente

ISBN. 978-8577455-2

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ÍNDICE

Apresentação................................................................................05 Eduardo Campos na UFPE.............................................................8A Fala do trono..............................................................................9O que há de novo em Pernambuco?...............................................12A reprodução da oligarquia política de Pernambuco.....................14Quando a saúde se transforma num grande negócio.....................16Educação (sindical) após Auschwitz...............................................18Caminhos que levam aos mesmos lugares.....................................20Natureza e entropia.......................................................................22Pela memória e pela justiça, sempre!.............................................24Tollat Qui Non Noverit...................................................................26O grande eleitor.............................................................................29Um olhar sobre as eleições de outubro......................................... 31Antecipação de debate eleitoral....................................................34Liberdade de Imprensa e democracia............................................36A política do amigo e do Inimigo...................................................38Eduardo Campos e o momento federativo....................................40O fim da agonia............................................................................42Especulações pós-eleitorais..........................................................44O PSB e as eleições deste ano.......................................................46A Honra do Imperador....................................................................48Reforma administrativa ou reforma eleitoral?................................50 O pragmatismo da irmã e o sofisma do sinhozinho........................53De raposas, ambientalistas e caroneiros........................................55Desencontro programático...........................................................59A nova política...............................................................................62Por que escrever sobre Eduardo Campos?.....................................64A chapa verde-encarnada..............................................................66A cultura política do bombril..........................................................68

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O intimismo à sombra do poder.....................................................70Problemas inculturais do estado de PE..........................................72Estado de exceção episódico.........................................................74Sem ressentimentos......................................................................76Que rei sou eu?.............................................................................78Bom carnaval, excelente gestão?...................................................80O uso político da memória.............................................................82A ritualização da memória.............................................................84Da eficiência dos discursos eleitorais.............................................86A imposição tributária sobre os combustíveis................................88Reforma tributária. O que é isso?..................................................90PSB e PSDB, afinidades eletivas ou eleitorais?...............................92Ambiente político abafado............................................................94O neo-desenvolvimentismo da era eduardiana em Pernambuco...96Épica popular malograda...............................................................99A volta do menino de ouro...........................................................101O velho, o novo e o renovado.......................................................103

APÊNDICE

O meu encontro com Miguel Arraes.............................................107Os primeiros cem dias de Eduardo Campos.................................109Pouca análise e muito Incenso - André de Paula...........................111Tradição oligárquica e mudança em Pernambuco........................110

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APRESENTAÇÃO

Nunca fui eleitor da família Arraes. Na verdade, sempre fui um duro crítico das duas últimas gestões de Miguel Arraes de Alencar, em Pernambuco, lamentando - aliás - o clima de ‘terra arrasada’ que caracterizou o fim da última gestão do ex-governador do estado. Daí a minha surpresa com essa aliança entre o neto e o ex-governador Jarbas Vasconcelos (que tripudiou sobre os escombros daquela gestão). O meu encontro com Arraes (veja o artigo no final desse volume), se deu por intermédio de um ex-orientando, que sempre manteve boas relações pessoais e políticas com a família Arraes. A minha aproximação com o neto, de quem nunca fui eleitor, se deu por causa do avô (e da mãe) do agora candidato à Presidência da República. Foi Ana Arraes que convenceu o filho a ir para uma debate sobre a sucessão estadual na UFPE (veja a foto do então candidato), e da minha participação num dos eventos da campanha (o encontro sobre políticas para juventude). Uma vez eleito, o governador pediu a dois de seus assessores graduados (Ricardo Leitão e Marcos Loreto) para me procurarem insistentemente a fim de que eu participasse das reuniões preparatórias da indicação de seu secretariado, num hotel na praia do Pina. Fui, na qualidade de observador privilegiado - nunca filiado ao PSB - e tive a liberdade de dizer tudo aquilo que queria. Estive ainda, a convite do então governador eleito, em sua mansão, para discutir com outros colegas a questão da segurança pública em Pernambuco. Nessa oportunidade, dizia o governador que a polícia civil roubava e a policia militar matava. E que precisava urgentemente da indicação de um nome estranho às duas corporações para chefiar a SDS no estado. Foi dessa reunião, aliás, que saiu a ideia da privatização dos presídios, combatida com vigor pelos presentes. Acompanhei, como cidadão e analista acadêmico, o passo-a-passo das duas gestões eduardianas. E posso dizer que os meus temores e desconfianças iniciais tornaram-se realidade. Este modelo de gestão se caracterizou por um híbrido institucional entre o familismo amoral (Banfield) e uma forma deturpada de

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gerencialismo, que se degenerou num cinturão burocrático composto de auditores do Tribunal de Contas de Pernambuco, sob o absoluto controle do chefe. Mas o conteúdo social da gestão foi “vender” o estado a empresas e investidores privados, ao custo da eliminação de medidas de proteção socioambiental, farta renúncia fiscal e financiamento público. E isto feito por quem se elegeu falando em um novo pacto federativo, fim da guerra fiscal e uma ampla e justa reforma tributária. O nosso gestor transformou-se num autêntico “salesman”, um mero vendedor de vantagens locacionais para empresas do mundo inteiro.

De repente, o campeão de um novo pacto federativo, entre as unidades e subunidades nacionais, transformou-se num “Hobin Hood” às avessas, tirando os recursos públicos de quem precisava para dar a quem já tinha muito. Implantou-se em Pernambuco uma modalidade de “state-region”, aqui chamado de “Polo de desenvolvimento”, nichos de alta competitividade diretamente atrelados ao mercado internacional. Na ausência de políticas de desenvolvimento regional integrado, criaram-se vários enclaves - altamente beneficiados pelo Estado - com regimes duais de contratação de mão de obra, sem uma integração virtuosa com o entorno desses nichos, exportando só o lado ruim do modelo para as cidades adjacentes. Frise-se que o impacto ambiental, a especulação imobiliária e a violência urbana são apenas algumas dessas consequências desse tipo de desenvolvimento.

Outra foi a política para a tutela jurídica de bens de utilidade pública, como a educação, saúde, saneamento básico, transporte público etc. Aí, o padrão dominante foi a “publicização” desses serviços, entregues alegremente a entidades privadas do chamado Terceiro Setor. Tema importante foi a da Segurança Pública, sobre o qual o dirigente político confessou não ter nenhuma noção de como reduzir o alto índice de homicídio em Pernambuco, solicitando aos pesquisadores da UFPE sugestões sobre o assunto. Aí, predominou uma modalidade de Segurança Pública, intitulada pela professora Dra. Lianna Cirne Lima de “estado de exceção episódico”, dada

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a seletividade das intervenções policiais contra pobres, pretos e manifestantes sociais. Já a política ambiental do neto de Miguel Arraes distinguiu-se por uma permanente ação entrópica, submetendo os recursos naturais aos interesses e conveniências do mercado, além da firme cooptação de dirigentes e militantes de organizações ambientalistas. Por tudo isso, é mais do que necessário o exercício da crítica e do contraditório. Pode ser que Pernambuco seja outra vez o laboratório de um modelo (perverso) de desenvolvimento para o Brasil, como pretende o agora candidato a Presidente da República. É urgente e imperioso que todo mundo conheça e reflita criticamente sobre um tal modelo.

Recife, 18/05/ 2014

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Eduardo Henrique Accioly Campos, no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPE, defendendo o fim da guerra fiscal e um novo pacto federativo.

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A FALA DO TRONO

Sentado na confortável poltrona de couro, da sala de monitoramento do Palácio das Princesas, o governador Eduardo Acioly Campos, filho do escritor Maximiliano de Campos, sobrinho do sociólogo Renato Carneiro Campos e neto do ex-governador do estado, Miguel Arraes de Alencar, concedeu magnanimamente uma entrevista de três horas aos repórteres dos principais jornais de Pernambuco. O que chama a atenção, antes de tudo, é a sem-cerimônia que caracterizou a conversa do governante com os representantes dos três jornais. O gestor parecia estar muito a vontade, apesar das reiteradas batidas de mão na mesa, das mãos crispadas e do pé revirado, como os jornais fizeram questão de mostrar. Eduardo Campos sempre foi uma pessoa tensa e fumava compulsivamente, inclusive em ambientes fechados. Também sempre pareceu não ter critério alimentar nenhum, ao contrário do ex-prefeito João Paulo Lima da Silva. A entrevista foi reveladora de vários pontos que talvez o próprio governador não tenha se dado conta: família, oposição, nível da atividade econômica do Estado, relacionamento com o governo federal, a sua base de sustentação a nível estadual e federal, suas relações com o PSDB, o PSD, o PT e outros aliados, o seu modelo de gestão da educação, saúde, segurança, a prefeitura do Recife, suas pretensões políticas para 2014 etc. Baseado em pesquisas de opinião que lhe dão 90% de aprovação popular, Eduardo Campos exibe uma autoconfiança ilimitada e esnoba a oposição, afirmando que ela corre o risco de falar para 6% da população. E que o estado vive dias de exuberância econômica, com a vinda de inúmeras empresas para Pernambuco. Que fez os maiores investimentos em Educação e Saúde, da história do estado. Que se tornou um interlocutor importante para a reeleição da presidente Dilma, sua prioridade política nacional, apesar das boas relações com Gilberto Kassab, Aécio Neves, Beto

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Richa e outros. 0 que o governador Eduardo Campos não deixou claro ou explicitou suficientemente foi a natureza das parcerias, o modelo administrativo, os custos ambientais e fiscais, o grau de patrimonialismo ou familismo que tem caracterizado a sua gestão. O principal mandatário de Pernambuco fez referência à Fundação Roberto Marinho e ao Instituto Ayrton Senna, quando fala da educação. Omite a inovação administrativa que transferiu a saúde para área privada, nem diz que a gestão dos novos presídios é particular; sendo o que o primeiro a ser inaugurado – o de Itaquitinga - já sofreu multas da CPRH por irregularidades ambientais em sua fase inicial de implantação. Mas grave é, contudo, a criminosa política de atrair investimentos ao custo de concessões ambientais e fiscais, não reveladas à sociedade ou aos contribuintes ou às entidades submunicipais que participam da partilha tributária.É o caso de se perguntar se o nosso gestor estadual ganhou carta branca para ignorar a lei e conceder favores ou cessão de direitos a particulares, sob a alegação de política de geração de empregos e renda. É oportuno lembrar que Eduardo Campos se elegeu prometendo combater a “guerra fiscal”, lutar por um novo pacto federativo e uma ampla e justa reforma tributária.Estranho também é o seu estilo administrativo, caracterizado por um misto de gerencialismo e familismo e inúmeros auditores do Tribunal de Contas, que fazem às vezes de secretários de Governo. Tudo amparado por uma pletora de estatísticas e aparelhos de alta tecnologia de informação. É o caso de afirmar: tanto tecnologia a serviço de ideias, costumes e modos políticos tão antigos... como as oligarquias de Pernambuco. Interessante é como governador situa a sua obra administrativa e sua obra como articulador político (presidente do PSB e articulador dos apoios a presidente Dilma no nordeste). Impressão que fica é que Eduardo Campos tem uma visão meramente instrumental e estratégica da gestão. A sua preocupação não é tanto a qualidade de vida ou a melhoria social da população do estado, mas como transformar isso num ativo de alta especificidade para atuar no processo sucessório estadual e federal.

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E aí se revela claramente a natureza de suas alianças políticas: amplitude, diversidade, clientelismo, fisiologismo, adesismo, utilitarismo – desde que tudo isso possa servir de meio, instrumento, moeda para barganhar nos grandes acordos políticos nacionais e estaduais. Nesta arte, o neto superou com certeza o avô, que fixava limites ou princípios para o seu pragmatismo. Se Eduardo Campos quer ser alguma coisa (presidente, vice-presidente, ministro, senador etc.) ele não só não dirá, como subordinará toda a sua atividade política a esse objetivo. É o seu estilo, a sua maneira de atuar.

Recife, 06/01/2012.

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O QUE HÁ DE NOVO EM PERNAMBUCO?

Os políticos de Pernambuco são pródigos em utilizar os nossos símbolos oficiais (bandeira e hino) e a nossa cultura popular (carnaval e futebol) como arremedo de cultura cívica, destinada a vender suas marcas, seus governos e suas gestões. Muda partido, muda sigla, mudam as pessoas nos cargos políticos, mas persiste a engenharia simbólica destinada a manipular o chamado “mundo da vida” dos cidadãos, para divulgar os feitos e acontecidos do governo tal ou qual. Afinal, o que há de novo em Pernambuco, além do clima de excitação político-partidária?

Saímos de uma eleição bipolarizada, onde o Nordeste teve um papel fundamental para a eleição da nova presidente da República. A questão regional foi trazida à baila, no fim das eleições, com as manifestações de xenofobia e preconceitos contra o Nordeste e os nordestinos. É indiscutível que a religião mudou. Mudou a matriz econômica. Mudou a cor dos partidos governantes. Mudou o papel econômico dos estados nordestinos. Podemos falar numa sociedade civil nordestina, hoje, animada por uma miríade de atores e instituições diferenciadas, que estão ajudando a democratizar as enrijecidas estruturas oligárquicas e clientelísticas do velho nordeste. O estado de Pernambuco – que vegetou muitos anos num clima de paralisia econômica e decadência política – tem sido muito contemplado pelo novo quadro econômico e político da região. A virtuosa sinergia criada pelos três níveis de governos (municipal, estadual e federal) foi muito importante para a recuperação econômica do estado. A nossa matriz foi profundamente modificada com o polo têxtil, o polo petroquímico, a indústria naval, o porto de SUAPE, a refinaria etc. O impacto social e financeiro sobre a vida da população tem sido grande, na geração de renda e emprego. A questão que ora se coloca é em relação à política de Pernambuco. Como anda o ambiente político do Estado? Poderíamos dizer que, com a vitória acachapante do governador Eduardo Campos e o encolhimento brutal da oposição, abriu-se

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um céu de brigadeiro para esta segunda gestão do neto de Miguel Arraes. Mas há indícios preocupantes de sobrevivência de velhas práticas e o aparecimento de novas práticas, não tão republicanas. Enfim, é como se estivéssemos diante de um “hibrido” institucional composto do velho patrimonialismo e da gestão gerencial, de Fernando Henrique Cardozo. É como se o governo reeleito adotasse uma postura clientelística em relação aos aliados e amigos, na distribuição de cargos e benesses, e procurasse mostrar um perfil “moderno”, “gerencial” na gestão estadual. Nota-se que no trato a bens juridicamente tutelados, como educação, cultura, saúde e meio ambiente, a postura é uma. No que diz respeito à política industrial, de infraestrutura, negócios etc., é outra. Um setor da administração é entregue ao terceiro setor – com uma gestão por metas – outro é administrado com base na “venda” de vantagens locacionais a investidores e empresas, nem sempre autorizadas ou conhecidas pela sociedade. E tudo em nome do crescimento econômico, da geração de emprego e renda, do desenvolvimento de Pernambuco.

Esse modelo híbrido, revestido por uma imensa propaganda, vem deixando na sombra uma série de problemas ambientais, sociais e financeiros. Aos poucos, os conflitos, a insatisfação, as carências e demandas da população vão encontrando espaços para se manifestar. Outro problema é o encolhimento da oposição na Assembleia Legislativa. A casa de Joaquim Nabuco perdeu em diversidade e liberdade de crítica e fiscalização do executivo. Tornou-se governista e conservadora. A atitude do governo para com os movimentos sociais é de cooptação. Dessa forma, é necessário se buscar um espaço de critica e de resistência a projetos e interesses não necessariamente republicanos. Acrescenta-se a isso, o ambiente de ajuste fiscal, guerra cambial, problemas na balança de pagamentos e inflação. Certamente o Nordeste e suas subunidades vão perder o foco que antes tinham com o governo Lula.

Recife, 11/03/2011.

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A REPRODUÇÃO DA OLIGARQUIA POLÍTICA

Há quase um consenso, entre os observadores econômicos do estado, de que houve uma profunda diversificação da matriz econômica de Pernambuco. Saímos de uma agroindústria ineficiente e de baixa produtividade para um parque produtivo moderno, capaz de atrair investimentos de grande porte, sejam públicos ou privados. Nacionais ou estrangeiros. Estamos vivendo uma “lua de mel” econômica, como nunca mais se viu na região. O que não ocorreu em Pernambuco foi a correspondente renovação e diversificação da matriz política, oligárquica, familista, atrasada, que mantém e aprofunda a polarização histórica que caracteriza a vida política do estado. Polarização que, hoje, já não possui nenhuma conotação ideológica ou programática. É como se Pernambuco tivesse aderido a uma modalidade incompleta de gerencialismo, mas conservando uma boa dose de patrimonialismo na política e no estado. A tão esperada terceira via nunca vingou entre nós. O Partido que poderia ter desempenhado este papel salutar na renovação da vida política regional tornou-se um mero coadjuvante de um dos lados predominantes, sem força, sem unidade, sem vontade política para romper com o “status quo”.

Esta mistura de familismo e gerencialismo parece ter sido o ponto máximo de nossa evolução política. O ex-governador Miguel Arraes de Alencar não só morreu, mas levou consigo o que restava de espírito público, de política de desenvolvimento regional integrada, de preocupação com as questões sociais, mesmo banhado nas contradições e ambiguidades do nacional-desenvolvimentismo. A mudança veio com a Aliança de Jarbas Vasconcelos com os pefelistas e com a assunção de uma agenda privatizante, apoiada na guerra fiscal, no uso privado do fundo público e na precarização do trabalho. Essa agenda preparou o caminho para essa modalidade espúria de gerencialismo caboclo, alimentada por uma pirotecnia de estatísticas e publicidade, destinada a convencer a opinião pública de uma pseudo-unanimidade em torno da ação do dirigente estatal. Certamente, que o dirigente estatal pode sempre alegar que tem

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95% de apoio popular, com base nessa propaganda. Mas não tem os 100%. Nós fazemos parte desses 5% que não compartilham com esse modelo de gestão. E não precisamos pedir licença a ninguém, para discordar dessa ou das gestões anteriores. Quando dizemos que não compartilhamos desse “estilo” de administração é porque não aceitamos que a prestação de serviços públicos essenciais (como saúde, educação, segurança, habitação etc.), tutelados juridicamente pelo Estado - segundo a Constituição Federal - sejam transferidos, sem mais, para entidades privadas (sejam ou não filantrópicas). Que o SUS - uma conquista da sociedade brasileira - seja desmontado em prol de uma fundação privada de amigos do governador. Que a educação pública seja entregue a fundações empresariais, que cobram para prestar seus serviços educacionais. Que a política ambiental seja destruída, com a coninvência dos órgãos de fiscalização e punição dos crimes ambientais, em benefício de empresas que querem se instalar no estado. Que o pacto federativo , a cobrança e o compartilhamento de tributos possam fazer às vezes de política industrial. E, sobretudo que o governo tome como a sua maior obra o patrocínio de alguns jogos de importância na futura Copa do Mundo no Brasil. É inadmissível que diante dos inúmeros e ingentes problemas enfrentados pelo povo pernambucano, o primeiro mandatário do estado faça de sua administração um mero ativo -de alta especificidade - para utilizá-lo na sucessão presidencial. Pernambuco merece respeito, a natureza merece respeito, o contribuinte merece respeito. E acima de tudo, o direito de discordar, de não aceitar ou compartilhar dessa “política”, merece respeito. Pior do que os liberticidas que mandam processar os insatisfeitos e críticos de sua gestão são os pseudo-democratas que pagam, estipendiam com dinheiro público, esbirros, sequazes, gente desqualificada para atacar pelas colunas dos jornais aqueles que têm a coragem de dizer “não” a esse tipo de gestão. É de se perguntar como ficará Pernambuco, depois que o “moderno coronel do PSB” for se juntar a Kassab, Aécio Neves, Beto Richa e outros para barganhar espaço político na próxima sucessão presidencial?

Recife, 09/02/2012.

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QUANDO A SAÚDE SE TRANSFORMA NUM GRANDE NEGÓCIO

No mesmo instante em que o governador Eduardo Campos e o seu secretário da Saúde anunciavam o fim do Centro Médico do HEMOPE, com a doação de equipamentos de última geração, a suspensão de comida para os internos e outras medidas restritivas, o IMIP anunciava a inauguração de novos leitos para pacientes de leucemia ou hemodiálise.Não deve ter sido mera coincidência os dois eventos. Na verdade, a política de saúde do governador parece ser o desmonte do Sistema Único de Saúde e a transferência da assistência médica pública para a fundação privada. A questão que se pergunta, nem é pela natureza desse socialismo do PSB (porque de socialismo não tem mais nada, sim, familismo), mas o que será da saúde pública depois que Eduardo Campos sair do governo de Pernambuco?O povo terá que se submeter às condições e exigências de uma fundação privada (financiada com dinheiro público) para obter o seu tratamento ou terá que pagar – direta ou indiretamente – ao IMIP para ter um direito líquido e certo, tutelado juridicamente pelo Estado? Não se sabe se o neto de Arraes já tinha essa intenção deliberada, desde que assumiu, ou se foi depois das trapalhadas dos secretários de saúde da primeira gestão.O fato é que o governador sempre alimentou a ideia de transferir determinados serviços públicos para a iniciativa privada, como forma de escapar da responsabilidade civil e penal pela má prestação dos serviços. Tudo agora parece dar razão a quem desconfiava da intenção privatizante do dirigente estadual, sob a alegação de mais eficiência nas políticas públicas.Não está longe o dia em que se concretizará o prognóstico de um dirigente sindical dos médicos de que o IMIP reunirá os melhores quadros profissionais, com a ajuda do Poder Público Estadual, egressos da Faculdade de Medicina, do Hospital das Clínicas, do Serviço Público de Saúde etc.

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A questão de fundo é que legitimidade tem o governador de Pernambuco para transferir para uma instituição privada recursos, pessoal e equipamentos, em detrimento do sistema público de saúde, em aberta contradição com a Constituição Federal, que reza ser a saúde, como a educação e demais direitos sociais, uma obrigação do Estado e um Direito do cidadão? Quem autorizou Eduardo Campos a fazer esta gestão público-privada, que esvazia a competência do Estado em oferecer políticas públicas de qualidade aos cidadãos e realocar os recursos no chamado “terceiro setor”, sob a desculpa da busca pela efetividade, a eficácia e a eficiência, como proclama o catecismo da concepção gerencial da administração pública?

O pior é que essa modalidade espúria de “gerencialismo” se casa com uma imagem de “familismo” que parece transformar a gestão pública em propriedade particular da família Arraes em Pernambuco. Ora é o irmão que usa como lhe convém os recursos destinados à cultura, ora é a mãe, nomeada ministra do Tribunal de Contas da União, ora é a prima-noiva do neto do escritor Ariano Suassuna- que tem de ser publicamente defendida, enfim, é um misto de duas tendências ruins: uma modalidade subdesenvolvida de gerencialismo – entendida como mera transferência de políticas públicas para o setor privado – e o velho familismo que se arrasta desde os tempos coloniais através de Casas Grandes, que se reproduzem ao longo da história.O que o ministério público tem a dizer sobre isso?

Recife, 09/02/2012.

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EDUCAÇÃO (SINDICAL) APÓS AUSCHWITZ

O novo modelo de gestão pública adotado pelo governo de Pernambuco – um misto de familismo amoral e gerencialismo caboclo – esqueceu-se de retificar também a Constituição Federal, as leis trabalhistas e os Tratados da organização Mundial do Trabalho (OIT). Para ter plena vigência sem ofender a lei e aos trabalhadores e sindicalistas, teria que proibir ou interditar juridicamente a liberdade e organização sindical nas empresas ou nas Organizações Sociais, sustentadas pelo fundo público estadual e federal.

Não é, pelo visto, o que está acontecendo em nosso estado.

Como é possível que uma instituição de direito privado, cujo ex-presidente é ao mesmo tempo secretário de governo, que receba verba pública, pode reprimir violentamente, com palavras e gestos, o livre exercício da atividade sindical de uma categoria profissional ligada à prestação de serviço daquela organização social? – Vale lembrar que o atual presidente, e responsável direto por aquelas agressões a dirigentes sindicais, era um dos que frequentaram as reuniões preparatórias para a formação da equipe de governo do Sr. Eduardo Henrique Acioly Campos. Certamente já fazendo o lobby em prol de sua organização social.É de se perguntar se o senhor governador corrobora esse modelo “público-privado” de administração, que não só põe recursos públicos a serviço de instituições privadas, como cria um marco regulatório especial para as relações trabalhistas e sindicais entre patrões e empregados, em pleno desacordo com as resoluções da Organização Internacional do Trabalho e a própria Constituição Federal. A não ser que, pelo fato do seu ex-presidente ser o atual secretário de Saúde, tenha ele recebido carta branca para administrar o setor segundo regras próprias de sua antiga organização social. Lá, pelo que se sabe, só quem pode exercer atividade sindical é quem é

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funcionário da instituição e quem defende o atual modelo de gestão público-privado da Saúde em Pernambuco. É aquele velho modelo: aos amigos, tudo. Aos inimigos ou adversários, socos, empurrões e agressões morais. Esse parece ser o modo como o atual modelo pretende lidar com as dissidências, oposições e críticas à administração estadual. Quando não é na base da pura e simples agressão física, é através de escribas anônimos que usam as colunas de certos pasquins sensacionalistas para desqualificar os críticos e dissidentes da gestão estadual. É um direito tanto da chamada sociedade civil, como dos profissionais da área da Medicina que trabalham – em condições precárias e de aviltamento salarial – para o governo do estado criticar, cobrar, fiscalizar e responsabilizar juridicamente o gestor, quando ele – sob a alegação de aumentar a eficiência, a eficácia e a efetividade das políticas públicas – privatizar abertamente a gestão do setor de saúde em Pernambuco, criando regimes de trabalho e atividade sindical diferenciados. Sobretudo quando o modelo é imoral, ilegal e antirrepublicano. Nenhum gestor público está autorizado por lei a fazer doação, empréstimo, isenção, renúncia, cessão de recursos públicos a particulares, sem autorização expressa da lei ou da justiça, em condições especialíssimas, quando o próprio poder público não puder cumprir integralmente suas obrigações para com a sociedade. E a obrigação constitucional deste como de todos os governos é oferecer um serviço público e gratuito de saúde, de qualidade, a toda população do estado de Pernambuco e não entregar alegremente um serviço tão essencial para a sociedade a amigos e correligionários, sob a desculpa de comprovada capacidade técnica e profissional.

Recife, 09/04/2012

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CAMINHOS QUE LEVAM AOS MESMOS LUGARES

A grande empresa de consultoria contratada para avaliar o impacto ambiental provocado pela construção da chamada “estrada da copa”, ao realizar as primeiras pesquisas de campo com as comunidades afetadas e outros moradores mais graduados, se deu conta de que o único interessado, que sabia da obra, eram especuladores imobiliários da região da Várzea, ligados a um empreendimento milionário destinado a ricaços e “parvenus”. O traçado da obra, feita por um engenheiro obtuso, passava por cima do ITEP, da UFPE, de uma escola de Música, de vários bairros da periferia do Recife e algumas residências de particulares. No entanto, a consultoria se deu conta de que ninguém havia sido consultado, ninguém tinha sido avisado, ninguém sabia nada... E que era necessário uma grande audiência pública para os prejudicados ou afetados pudessem tomar a palavra e defender os seus direitos. Diante da gritaria generalizada, a empresa construtora da estrada resolveu suspender o trabalho. A mesma consultoria recebeu a incumbência de fazer o relatório do impacto ambiental da área de SUAPE onde será construída a fábrica de montadora italiana FIAT, já que o acordo prevê o desmatamento de mais 100 quilômetros do manguezal existente naquela área. Imagina-se o tipo de relatório a ser feito, ainda mais com o secretário de Meio-Ambiente que o estado tem e o diretor CPRH mantido pelo governador, à revelia – aliás – do secretário. Estou mencionando esses fatos para ilustrar o “método” de desenvolvimento econômico e social do governador Eduardo Campos, saudado “urbe et orbis”, como o mais desenvolvimentista das últimas décadas. É o caso de se perguntar: onde fica o interesse público? A preservação das poucas reservas ambientais do estado de Pernambuco? Ou, simplesmente o interesse e os direitos de milhares de milhares de cidadãos e cidadãs que deram seu voto, na última eleição, ao governador? A pouco e pouco vai se consolidando uma forma de gestão, que é nem público-privada, é privatista mesmo,

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a serviço de grandes grupos econômicos, industriais, imobiliários responsáveis por esta “urbanização vertical”, que vai tomando conta do Recife e nos condenando a morrer de calor, de poluição e de lixo. Enquanto isso, os chamados “bens juridicamente tutelados” pelo Estado, como saúde, educação, cultura, a defesa do patrimônio histórico e ambiental da região é entregue, sem mais, ao terceiro setor, ao setor altruístico ou sem fins lucrativos, como se diz. É possível que a acachapante vitória obtida por Eduardo Campos, nas últimas eleições estaduais, tenha convencido o governador que a sociedade civil tenha lhe dado “um cheque em branco” para conduzir o estado a dias de glória, de riqueza de prestigio nacional, sem precisar oferecer nenhuma satisfação ao povo pernambucano. Mais ainda, diante da oposição desqualificada e golpista como a que temos. Mas isso é um grande engano. Mais cedo ou mais tarde, essas ações cometidas pelo gestor, à revelia da sociedade, virão à tona, e seus responsáveis serão julgados pela opinião pública, que é o julgamento da história, das gerações vindouras e aí sempre nos lembraremos desse governo como uma imensa bolha especulativa provocada pela usina nuclear, elogiada pelo secretário da Copa, pelo seu combustível “limpo”, “higiênico”, “não poluente” etc. É o caso de perguntar, limpo em relação a quê?

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NATUREZA E ENTROPIA

Se fosse possível estabelecer um gradiente entre natureza, em um extremo, e entropia, no outro, para avaliar as políticas ambientais dos nossos gestores públicos, certamente a política de meio ambiente do atual governo de Pernambuco estaria mais próxima da entropia do que da natureza. Aliás, o governador nunca negou as prioridades administrativas de sua gestão. O problema é que seu pensamento “entrópico” foi agora potenciado por uma carreira política meteórica destinada a fazer de seu mandato estadual um instrumento, um simples meio de alavancar esta carreira em âmbito nacional. Num ambiente dominado pela mística do crescimento econômico a qualquer preço, até os bancos se apresentaram como os preservadores do planeta. Foi, portanto, nesse clima de exaltação desenvolvimentista que o governador declarou guerra a toda e qualquer política de proteção ambiental em Pernambuco.No intuito de “vender” o estado a investidores e compradores externos, foi montada uma verdadeira operação de desmonte dos órgãos responsáveis pelo setor: nomeou uma verdadeira “Rainha da Inglaterra” para a Secretaria do Meio Ambiente; manteve na presidência da CPRH um técnico, à revelia do secretário e sucateou a agência, levando os funcionários a uma paralisação sem precedente. É preciso dizer também que a Secretaria de Educação praticamente acabou com a disciplina de educação ambiental nas escolas públicas, que deveria ser encarada transversalmente e não uma disciplina isolada. E até dirigentes de ONGs ambientalistas foram cooptados pela administração estadual. Mais grave é a investida sobre as reservas ambientais, como manguezais e unidades especiais de preservação, sob pretexto de atrair investimentos para o estado. Aí, a política de concessões parece ter o “céu como limite”, tal a desenvoltura com que é tratado o desmatamento ou a destruição de ecossistemas e habitats naturais. O furor entrópico parece não se conter diante de nada, enquanto a urbanização de nossas grandes cidades cresce para o céu em áreas

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de interesse social, com a conivência das autoridades públicas. É o caso de se perguntar o que sobrará depois deste furacão privatizador e irresponsável, sobretudo tendo em vista as gerações futuras. Talvez só o rastro da poluição, do calor, do lixo e da degradação da qualidade de vida dos pernambucanos.

Recife, 03/08/2011.

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PELA VERDADE E PELA JUSTIÇA, SEMPRE!

Recebi, com imensa indignação, um comunicado de um membro da Comissão designada para apurar o destino dos desaparecidos políticos em Pernambuco, sobre a fraude de uma carta contendo ameaças e intimidações à família do vereador Marcelo Santa Cruz, subscrita com o meu sobrenome. Gostaria de reafirmar de público o meu grande apreço e respeito pela trajetória de um parlamentar pernambucano, que fez de uma tragédia familiar, uma motivação para lutar pela justiça e pela democracia em Pernambuco. Conheço Marcelo Santa Cruz, desde os estertores da malfada ditadura militar brasileira. Estivemos juntos em muitas frentes de luta, eventos, mesas, debates etc. Nunca estivemos de lados opostos ou divididos por opiniões ou interesses políticos diversos. Não posso, assim, deixar passar barato uma tentativa infame de me colocar contra uma pessoa, com quem tenho todos os motivos do mundo para apoiar ou concordar. Fique aqui o registro desse depoimento público para os desavisados e os mal-intencionados. Estamos atravessando um momento difícil. O clima de “caça às bruxas” que se abriu, com uma cruzada pública de moralidade republicana e de denúncias de todas as origens e contra todo mundo, certamente tem contribuído para essa aura de desconfiança generalizada, com falsos paladinos da honra pública, injustiças, calúnias e infâmias cometidas contra tudo e contra todos. Essa estratégia tem um sentido: nivelar a todos, neutralizando o direito de resposta, a denúncia, a resistência e a luta pela reparação de direitos e danos morais, humanos e políticos. A questão que se coloca diante dessa estranha situação é se as medidas tomadas recentemente pelo governo federal e estadual terão força e legitimidade suficientes para encaminhar a espinhosa (mais inadiável) tarefa de apurar o paradeiro das mais de cem vítimas da ditadura militar, aqui, em Pernambuco. Após o que, as famílias procurarão necessariamente a responsabilização penal dos autores desses crimes e a justa reparação pelos danos humanos, morais e político- para que possam finalmente dormir

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em paz. Nesse ponto, é de se arguir pela composição da comissão nomeada pelo atual mandatário estadual para esta difícil missão. Seria desejável que nenhum de seus integrantes tivesse - em algum momento - servido de instrumento para perseguição de opositores políticos a governadores a quem serviram. Ou que nela estivessem pesquisadores e historiadores preocupados, não com os conservadores e liberais de antanho, mas com os torturadores, ditadores e conservadores do presente. De toda maneira, no Brasil as coisas se dão sempre na base da conciliação. Nunca do enfrentamento direto e radical dos problemas e das questões. Esse é o caminho brasileiro para as mudanças históricas, que faz com que nós tenhamos de conviver, diuturnamente, com aqueles que nos oprimiram um dia. Oxalá, pelo menos os parentes - como Marcelo Santa Cruz - dos nossos desaparecidos políticos possam ter o consolo da verdade e da justiça, com a pressão da sociedade civil, a fiscalização da mídia e do compromisso ético e político dos membros dessa comissão de ir até o fim.

Recife, 02/06/2012.

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TOLLAT QUI NON NOVERIT

Essa é uma expressão latina que significa literalmente “quem não te conhece, que te erga”, que traduzimos em bom português como “quem não te conhece, que te compre”. Esta é a advertência que se deve colar na embalagem da candidatura do atual governador de Pernambuco, filho do escritor Maximiliano de Campos e da ministra e deputada Ana Arraes. Muita gente se indaga da genealogia do governador. Outros o acham diferente, por esse ou aquele aspecto Gostaria de fazer essa discussão por outro lado, outro angulo: o político, o ideológico e o administrativo. Nesse artigo, me interessa, sobretudo, a metamorfose política do governador. Quem escreve essas linhas teve a oportunidade de acompanhar as reuniões do PSB, ainda quando o avô era vivo, de participar de debates programáticos do PSB (o da juventude) e de acompanhar de perto a montagem da equipe administrativa do atual mandatário, na condição de cientista político, não de filiado ou confrade político. Aliás, frise-se, sempre fui um crítico muito duro dos dois mandatos de Miguel Arraes em Pernambuco. Achei que o neto poderia encarnar um projeto político diferente daquele do ex-governador do estado, hoje seu aliado. Naturalmente, me enganei como vários pernambucanos, pensando que o governador seria o paladino na luta contra a guerra fiscal, em favor de um novo pacto federativo e a regionalização do Orçamento da União, como forma de combate às desigualdades regionais. Ledo engano. A raposa se travestiu de cordeiro e aprofundou a política criminosa de lesa-federação do seu antecessor. Quem não te conhece, que te compre como diz a sabedoria popular. A chamada política dos “polos de desenvolvimento” posta em prática pelo atual governador (Arena de Pernambuco, SUAPE, Polo petroquímico, a fábrica da FIAT etc.) tem um antecedente em inglês: traduz-se como “region-state”. É uma política de fragmentação geoeconômica do território, através da formação de “nichos de competitividade” (clusters) diretamente associados ao

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mercado internacional. Essa política de “desenvolvimento” produz verdadeiros enclaves autônomos, com jurisdição própria, nos municípios onde estão localizados. O entorno ou a periferia desses enclaves não é automaticamente beneficiada pela suposta produção e circulação dessa riqueza, mas recebe todos os malefícios de uma população trabalhadora sazonal, transplantada sem a sua família, sem lazer, sem assistência médica adequada e, às vezes, sem os devidos direitos trabalhistas. Seriam os nichos, plataforma de lançamentos ou zonas de processamento, como na China, em Taiwan, na Índia, no Paquistão ou no resto do Brasil mesmo. No lugar de um projeto nacional de desenvolvimento regional integrado, com recursos do Orçamento da União, o que se tem é a “caixa preta” da renúncia fiscal bilionária e a desregulamentação selvagem do mercado de trabalho e a depredação das zonas de preservação ambiental, entre outros favores governamentais. Findo o empreendimento, auferidas as vantagens, os empregados são entregues a própria sorte e os governos municipais que se danem para administrar as consequências sociais e ambientais, sem terem provado do “bem bom”, da riqueza prometida pelos arautos do “hobbesianismo municipal e estadual”. Esse é o portfólio desenvolvimentista do atual governador de Pernambuco. Quem não te conhece, que te compre. Contrasta vivamente com essa generosidade governamental o que vem se fazendo com a oferta e o financiamento dos bens de utilidade pública: saúde, educação, cultura, saneamento público etc. Aí, o que deveria ser considerado a produção do “antivalor”, como contrapartida da lógica privatista do mercado - focado na obtenção desenfreada do lucro pelas empresas e agentes individuais - o mandatário estadual entregou de “mãos beijadas” a gestão e operação de hospitais, centros, núcleos, escolas a fundações privadas - que cobram por seus serviços - como faz o IMIP através da Faculdade Pernambucana de Saúde - provocando uma deslegitimação do SUS, que já enfrenta o preconceito e a rejeição da classe média. A educação foi confiada à fundações empresariais “desinteressadas”, “altruísticas”, “sem fins lucrativos”, é o que dizem. Além da perda da autonomia científica e pedagógica, a educação é “publicizada”,

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às custos do erário público e contribui para a agregação de valor a marcas como a Fundação Roberto marinho, o Instituto Airton Senna etc., fartamente beneficiados com renúncia fiscal. No quesito fomento à cultura e ao lazer, permanece o tão condenado patronato estatal, com seus artistas e produtores culturais-funcionários do estado, com uma cultura a serviço dos interesses estratégicos (eleitorais) da gestão. Nunca um governante foi tão hostil à liberdade de criação cultural, como o atual governador: ele não proíbe nem censura. Ele compra, coopta, alicia os produtores culturais, através de esquemas clientelísticos, familiares, típicos da política do amigo e do inimigo. Se for possível pensar uma forma de colonização perversa pela lógica do estado e do mercado sobre o mundo da cultura em Pernambuco, essa é a do atual mandatário estadual. Cultura dos compadres e das comadres, vestindo a camisa da administração pública. Não podia encerrar essa operação de desmistificação da fraude política sem deixar de mencionar o trabalho do aparelho policial em Pernambuco, chefiado por um membro graduado da Polícia Federal. Ao invés de oferecer proteção e serviços de utilidade pública à sociedade civil (como, aliás, foi sugerido ao governador, a propósito da refuncionalização da Polícia Civil) ele vai assediar cidadãos de bem dentro dos ônibus, com a revista ilegal de bolsas e sacolas e no próprio corpo das pessoas, durante as noites de domingo, ou os estudantes e militantes sociais que protestam contra a gestão do governador. Por que não faz isso com os condutores de automóveis de luxo, que andam desbaratadamente por aí? Polícia de classe, preconceituosa e arbitrária. Estado de exceção? Quem não te conhece, que te compre.

Recife, 29/11/2013.

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O GRANDE ELEITOR

A mídia especializada na cobertura política dessas próximas eleições municipais anda perplexa diante da instabilidade do quadro das pré-candidaturas à Prefeitura do Recife, acostumada como está de vislumbrar certo grau de arrumação nos partidos e candidatos ao pleito municipal. Dessa vez, as coisas se complicaram porque as instancias municipais de decisão foram literalmente esvaziadas pela ação de outros eleitores qualificados, que passaram a definir esse quadro, em função de seus interesses e à revelia dos partidos e de seus eleitores. O que se viu nas últimas semanas aqui em Pernambuco, mas não só em Pernambuco, foi uma verdadeira desestabilização do quadro político-eleitoral pela ação de atores e personagens que, embora não estando diretamente ligados ao pleito, passaram a ter um poder de decisão e de interferência sobre a vida dos partidos, como nunca se viu. Como se explica que um político, sequer filiado a um partido, possa ter uma influencia tão grande na definição das pré-candidaturas desse partido, a ponto de desagregar a organização e depois resolva lançar um candidato às eleições municipais pelo seu próprio partido? E as manobras dissuasórias para evitar que a oposição lance seus candidatos? Estamos diante de uma esfera pública dominada por uma espécie de coronelismo que pensa ter a iniciativa política na sociedade, para isso desestabilizando totalmente o quadro partidário, desagregando os partidos e cooptando a oposição. Esse cenário lembra, curiosamente, a atitude de ex-governador peemedebista, hoje cooptado, diante dos partidos políticos em Pernambuco, quando derrotou o avô do atual governador. A história se repete. O vencedor desagrega os partidos aliados e coopta os de oposição. Fica o eleitor com a impressão que o seu poder de decisão e o das instancias internas dos partidos não vale nada. Ele se limita a convalidar uma escolha já feita por outros, em outras instâncias, e inspirada por outros interesses. Certamente, podemos arguir que se deve à fragilidade

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dos partidos e ao alto grau de mandonismo pessoal que ainda caracterizam as nossas instituições políticas. E que isso tudo poderia ser consertado com uma inadiável e necessária reforma política. Infelizmente, estamos diante de um caso em que a mera reengenharia institucional não resolve. Aqui, o peso das tradições oligárquicas, patrimonialistas ou neo-coronelistas, ainda que travestida de modernas ou gerenciais, é muito grande. A falta de densidade institucional dos partidos, sua precária democracia interna, a inexistência de coerência doutrinária ou programática se casam à perfeição com a personalização dos partidos, a falta de princípios nas alianças e coligações e as negociatas de todo tipo entre as agremiações. Do Poder Judiciário, poderiam vir normas estabilizadoras das regras do jogo eleitoral. Mesmo assim, esse poder tem limites para fixar regras e delineamentos legais. O Poder Legislativo tem reclamado do “ativismo judicial”, através de ações de inconstitucionalidade junto aos Tribunais Superiores. De todo forma, é preocupante a falta de segurança e nitidez do quadro político-partidário, com a proximidade das eleições. Essa falta de visibilidade e critério permitem um “vale-tudo” na política, inclusive que petistas e malufistas se deem as mãos, sob a benção dos socialistas do PSB. Imagine o que não vai ainda acontecer no cenário eleitoral de 2014?

Recife, 28/06/2012.

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UM OLHAR SOBRE AS ELEIÇÕES DE OUTUBRO

Será um truísmo reafirmar, pela milésima vez, que as eleições municipais deste ano foram sobredeterminadas pelas eleições presidenciais e estaduais de 2014. Embora o país seja uma Federação mal engendrada, e as subunidades nacionais gozem de relativa autonomia administrativa, os partidos são nacionais e as pretensões de seus líderes, também. Mais interessante é prestar atenção nas palavras do líder vitorioso, nessa eleição municipal do Recife, o governador do estado, Sr. Eduardo Campos. Em entrevista coletiva concedida aos órgãos de comunicação de Pernambuco, disse o dirigente estadual que “até então, o PSB era um partido adolescente. A partir de agora, tornou-se adulto”. E que estava se preparando para novos voos e o seu nome estava a serviço do Brasil. Pode haver mensagem mais clara do que essa? - Pelo visto, a aliança do PSB, que já vem de muitos anos - diga-se- com o PT, estava com o prazo de validade vencido ou a vencer. Só quem não sabia disso era o partido do ex-presidente Lula. A ruptura da aliança, em várias cidades importantes do país tinha e tem um significado que transcende, naturalmente, essas eleições: as alianças, os palanques e as candidaturas que devem se apresentar para 2014. É compreensível que um partido que sai da “adolescência” e entra na “idade adulta” queira deixar de ser coadjuvante de outro e deseje o papel principal nas próximas eleições. E o Sr. Eduardo Campos nunca escondeu suas ambições nacionais. Na verdade, vem se preparando há muito tempo para torná-las reais. O plano de voo do presidente do PSB era conquistar 1000 prefeituras nessas últimas eleições. Conquistou menos de 500. Ficou em quinto lugar no “ranking” dos partidos. Em Pernambuco, conquistou 58 cidades, entre as quais, a capital pernambucana, numa disputa recheada de lances rocambolescos, para os quais deu a sua modesta (e desinteressada) ajuda através do prestimoso ex-secretário Maurício Rands. Conquistou a prefeitura de outras capitais, em aberta disputa com o PT. A essa altura, os maiorais petistas devem estar fazendo a contabilidade do estrago causado

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pela ruptura da aliança entre os dois partidos. Que significado pode ter isso para o Brasil, e para os pernambucanos e recifenses em particular? Naturalmente, nem tudo é obra de Eduardo Campos e seu prefeito eleito. O governador pegou carona numa onda de euforia e otimismo produzida pelos “milagres” (o uso do fundo público para alavancar a economia do país) da política econômica de Dilma. Nunca se comprou ou vendeu tanto no Brasil. Surgiu até uma nova classe média “emergente” (18 milhões de pessoas), saudada pelas novelas e programas jornalísticos de televisão. Houve até quem dissesse que a “velha” classe média estava com ciúmes e preconceitos contra a “nova”. Junte-se a isso, a constatação de que o estado virou um canteiro de obras interminável e que o modelo de urbanização adotada, em nossa cidade, sob as bênçãos das empreiteiras, dos bancos e do próprio governo federal, é o mais predatório e desregulado que poderia ser: “vertical”, com a produção de resíduos sólidos em grande quantidade, vários automóveis por cada família, poluição sonora em alto grau, congestionamento das vias públicas por carros particulares, destruição de reservas ambientais importantes. E tudo isso, é saudado em nome do desenvolvimento econômico da região, de um estado de espírito positivo, que espera de braços abertos à realização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, em 2014. Será que sobreviveremos à Copa? Sobretudo, se a seleção brasileira for eliminada? Chegou a hora de discutir com seriedade, não com os sofismas da propaganda eleitoral (casada), os problemas da administração municipal de uma metrópole, como o Recife. Não basta ser um bom “vendedor” do estado e da cidade, para governar bem o município. A prioridade do bom e justo governo da cidade (esse o significado da palavra “Política”) é a qualidade de vida de seus habitantes, sobretudo os mais pobres. De nada adiante fazer obras caras, com a ajuda do governo estadual e federal, com os hospitais públicos abarrotado de doentes pelos corredores, sem médicos, com uma ou duas enfermeiras para ir acalmando os pacientes. De nada adianta, construir cidades inteligentes (higtec), com as cidades pouco inteligentes desprovidas de saneamento básico, sem áreas

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de lazer para a população. Com escolas-modelos para “inglês ver”, sem ensinar em bom português os direitos básicos de cada cidadão e cada cidadã. Precisamos, mais do que nunca, de dirigentes que tenham um olhar de empatia para com os que sofrem os desvalidos. A prioridade da administração pública é distribuir renda (não com a renúncia unilateral de tributos e outros favores) através de políticas públicas universalizantes, não através da privatização branca de equipamentos e hospitais cedidos a amigos e conhecidos (além da ilegalidade dessas medidas). No debate que tive de participar com o prefeito já eleito, fiquei surpreso com sua atitude de júbilo, de felicidade, de alegria, por ter sido eleito (por quem?) no primeiro turno das eleições. Se ele tivesse bom senso, estaria muito preocupado em não trair, decepcionar, desapontar os munícipes, diante das imensas dificuldades que se apresentam para o ocupante do cargo. O mandato de Prefeito de uma capital não é uma prebenda, um presente, um brinde ofertado pelos deuses (da política). É um duro e espinhoso encargo. Sobretudo, para quem fez tantas promessas durante a campanha eleitoral.

Recife,11/02/2012

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ANTECIPAÇÃO DO DEBATE ELEITORAL

O governador de Pernambuco, e confesso pré-candidato pelo PSB à Presidência da República, manifestou-se contra a antecipação do debate eleitoral. Mas, convenhamos, o que fez este governador durante esses últimos tempos senão pousar como uma alternativa política à atual Presidenta da República? - O que fez o mandatário pernambucano mudar assim de ideia? Desistiu ele de ser candidato ou acha que suas chances são pequenas diante de Marina, de Aécio ou de Dilma? - O fato é que não passa um dia sequer que a fina estampa do governador do estado não apareça na mídia, inclusive nos eventos da Prefeitura do Recife. Pode, uma pessoa que desde o inicio de seu segundo mandato, só pensa em eleição, como se fosse uma ideia fixa? Em debate, no programa “Opinião Pernambuco” com o presidente da OAB-PE, dissemos que no bojo da reforma política, haveria de se tratar da questão da reeleição, do uso da máquina e do interesse do ocupante dos cargos majoritários em estar permanentemente em campanha, prejudicando muitas vezes a própria gestão, para a qual ele foi eleito. A proposta apresentada era extinguir o instituto da reeleição, coibir fortemente o uso da máquina administrativa e esticar ou estender o mandato para seis anos. E cobrar uma atenção redobrada por parte do governante para com os problemas da cidade ou do estado. O instituto da reeleição favoreceria tanto ao uso desbragado do aparelho de estado para sua reeleição, como para que o seu ocupante vivesse permanentemente em estado de campanha eleitoral, em detrimento de uma agenda de interesse público (ou republicano).A melhor pesquisa de aprovação da gestão municipal ou estadual é o grau de satisfação dos cidadãos com as ações administrativas desenvolvidas pelo gestor e seus secretários. É pelo grau de eficiência e efetividade que se mede a aprovação popular do administrador. Não pelo volume de recursos destinados à propaganda ou a obras de fachada, caras e inúteis, como a construção de estádios de futebol, para serem arrendados á iniciativa privada. Um gestor se credencia

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para receber os votos de seus concidadãos, ou para ocupar outro cargo público, quando atende satisfatoriamente a expectativa da sociedade. Pelo visto, nosso governador resolveu copiar o modelo de Aécio Neves, quando governador das Minas Gerais: investir pesadamente em propaganda e pesquisas de avaliação da imagem institucional de governo, a nível nacional, para se apresentar como uma alternativa viável à sucessão presidencial. Devia primeiro, ter combinado com os membros de seu próprio partido (PSB) e o ministro que o representa no governo de Dilma e os senadores que se elegeram pela sua coligação, sobretudo o senador Armando Monteiro Neto e o senador Humberto Costa. Por enquanto ele só conta com o apoio do seu ex- inimigo político, senador e ex-governador de Pernambuco. E não deve ser apenas por simpatia e amizade esse apoio. Devia também ter uma postura mais digna em relação á Presidente Dilma, sua aliada de primeira hora. Sua ambiguidade e hesitação não contribuem de modo nenhum para alavancarem sua pré-campanha. Mas precisava, acima de tudo, combinar com os eleitores do estado de Pernambuco que confiaram em suas promessas. O que pode acontecer é uma espécie de estelionato eleitoral, praticado pelo nosso governante, que pode custar caro a ele e ao PSB. A não ser que ele pense que o voto é um cheque em branco, passado pelo eleitor, para que o gestor use como quiser sem prestar contas à sociedade do mau uso ele.

Recife, 12/08/2013.

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LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA

Nenhum governo é tão perfeito, tão moderno e eficiente, que dispense o duro ofício da crítica. A liberdade de opinião não é um beneplácito da autoridade de plantão, por mais bem avaliada que ela seja nas pesquisas de intenção de voto. Ainda que vivêssemos num paraíso socialista (apesar de o estado ser governado pelo PSB), seria necessário, indispensável a liberdade de pensamento e de expressão. O erro dos países do Leste Europeu foi ter esquecido esse princípio. Os partidos, os sindicatos, as associações e a imprensa transformaram-se em meras correias de transmissão dos ocupantes do aparelho estatal. Por outro lado, como dizia Rosa Luxemburgo, a liberdade só faz sentido para os que pensam diferente de nós. Não faz a menor diferença para os que pensam como nós. Pelo visto, nossos democratas de ocasião não assimilaram bem essa lição. Quando a opinião é a nosso favor, ela é bem vinda, ela é aceita. Quando contraria nossos interesses, ela é calúnia, injúria e difamação. E tem que ser tratada como crime. Já se passou o tempo em que o Visconde da Boa Vista, Sebastião do Rego Barros, dizia que “em Pernambuco, quem não é Cavalcanti, é cavalgado”. Portanto, aqui quem não está comigo, está contra mim. Ou ainda, aos amigos tudo. Á oposição, os rigores da lei. Imagina-se que em nosso estado, graças ao baixo nível de socialização da política, não tenha aparecido uma terceira força política, independente seja da situação ou da oposição. O último ensaio dessa tentativa foi o PT, e deu no que deu: foi esfacelado pelo atual mandatário estadual. Pior, o grau de dependência dos meios de comunicação social em relação ao governador é tão grande, que o exercício público da crítica à administração pelos cidadãos torna-se uma mendicância, um favor. É como se fosse uma dádiva. Não sabem os profissionais do meio que a liberdade de opinião não é uma concessão estatal, que tem que ser tratada com muito cuidado, para não desagradar os poderosos do dia. Deviam estudar mais e entender o que significa “esfera pública “, que como disse um estudioso, é a moralidade do regime

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democrático. Onde os cidadãos livres e iguais não podem se reunir e discutir racionalmente as questões públicas, para produzir consensos ou construir racionalmente a vontade coletiva à base do melhor argumento, não há “esfera pública”, há dois partidos: uma da situação e um da oposição. E é a força bruta ou a cooptação que produz “o consenso”. Não há ideias, princípios, interesses públicos. Só interesses particulares, ainda que travestidos de públicos. Do que alguns ainda não se deram conta foi de que amordaçar as vozes que contrariam o governo de turno não se constitui em salvo conduto para que digam o que dizem ou façam o que fazem. Como dizia o poeta alemão, hoje quem é amordaçado sou eu. Mas amanha pode ser você, ele ou todos aqueles que se constituam em impecilho para os fabulosos negócios de quem detém o poder.

Recife, 04/12/2013.

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A POLÍTICA DO AMIGO E DO INIMIGO

A Constituição republicana de 1988, também conhecida como a “Constituição Cidadã”, traz pioneiramente um capítulo dedicado às características da administração pública no Brasil, ou aquilo que passou a ser chamado de “Direitos Republicanos”. Segundo a Carta Maior brasileira, a gestão da coisa pública, nos três níveis de governo, deve se reger pelos princípios da impessoalidade, legalidade e a publicidade. Seriam essas condições que garantiriam o republicanismo dos atos e feitos dos gestores públicos no Brasil, como garantia dos direitos dos cidadãos brasileiros. O que diferencia assim essa forma de gestão (moderna, ou racional-legal) das gestões anteriores que já tivemos entre nós? – A garantia de que os atos do gestor tomam como base a lei positiva, aprovada pelos legisladores e pacificada pelo Poder Judiciário, através da jurisdição constitucional (difusa e concentrada). Quando o gestor não se baseia na Lei para agir administrativamente, ele age conforme sua vontade, seus interesses, suas alianças e suas paixões. É o gestor “cordial”, de que fala o historiador Sérgio Buarque de Holanda, quando fala da forte herança ibérica na administração brasileira, o velho e conhecido “patrimonialismo” ou o “familismo amoral”.É por exemplo o que acontece quando o diretor – nomeado pelo governador – de um grande hospital público demite, impede ou proíbe um médico de continuar trabalhando nesse hospital, por conta de suas opiniões e juízos sobre a política do gestor estadual. É o caso de se perguntar: o profissional é avaliado em sua competência profissional pelo grau de afinidade, afiliação partidária ou apoio aos governantes de turno, ou pela sua assiduidade, capacidade, honestidade e dedicação ao serviço público. Pois é. Vem acontecendo em Pernambuco o fenômeno curioso: os áulicos, os amigos, os partidários da situação municipal e estadual são contemplados com cargos, indicações, prêmios, reconhecimento social etc. É como se fosse um grande “baile da ilha fiscal”, onde o mundo se resumisse a uma grande família, em

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que tudo corre às mil maravilhas, e o resto é pirraça, mau humor, despeito de uma minoria despida de espírito público e de ímpeto desconstrucionista, como disse um áulico há pouco tempo atrás.Foi ajuizada há alguns dias uma ação na Procuradoria Geral da República e na Advocacia Geral da União, arguindo a legalidade (e a moralidade) desse tipo de administração. Os fiscais do Estado de Direito e da Constituição Federal, irão dizer da constitucionalidade desses atos e dirão se está proibido o direito do chamado “uso público da razão” pelos servidores e funcionários públicos, em plena atividade de suas funções (como médicos, professores, agentes de saúde etc.) A pior forma de autoritarismo é quando o “Chefe” não assume ele próprio, publicamente, os desmandos da administração pública. E empurra para os prepostos, os subordinados o trabalho sujo do uso do “regimento” para punir, perseguir, discriminar agentes do serviço público, porque não rezam pela cartilha do gestor. Alguns julgados á revelia, sem o devido processo legal, a ampla defesa etc. A estabilidade, a inamovibilidade, o concurso público é uma garantia da própria sociedade, não do funcionário público. Sobretudo diante de governos arbitrários, oligárquicos e familistas que pensam que a sua vontade é a lei.

Recife, 17/05/2013.

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EDUARDO CAMPOS E O MOMENTO FEDERATIVO

Não deixa de ser uma grande ironia que um político que se elegeu combatendo a “guerra fiscal” e pugnando por um novo pacto federativo, vem agora fazer da renúncia fiscal modelo de desenvolvimento regional, numa hora -aliás – que a presidente Dilma Rousseff vem diminuindo os repasses de verba para Pernambuco. Naturalmente que a questão federativa não é um mero “slogan” de campanha nem um mero ato retórico. É uma questão axial da República Brasileira, que espera por uma reforma tributária e um novo pacto federativo. Infelizmente, parece que alguns republicanos e federalistas só o são quando convém aos seus interesses políticos ou eleitorais. Não é porque o nosso governador foi aliado do governo petista, desde o início, e que, portanto gozou de um tratamento diferenciado, como aliado, que a luta pela federação tributária e fiscal perdeu o sentido. De forma nenhuma. Está aí a questão da distribuição dos “royalties” da exploração de petróleo para mostrar a sua atualidade e importância. O descolamento político de Campos em relação ao palanque sucessório de Dilma torna ainda mais urgente a questão federativa brasileira. Uma vez assumida publicamente sua candidatura a Presidência da República, mais do que antes é preciso lutar por uma distribuição equitativa da riqueza do país, para combater as desigualdades regionais e sociais. A atitude ambígua e oportunista do governador não ajuda em nada a resolver essa questão. Pois ela não pode ser uma variável no jogo político da sucessão presidencial. É uma questão estratégica e nacional, que tem de ser resolvida o quanto antes, sob pena da desagregação política do país. Quando o ex-governador Miguel Arraes era vivo, nunca deixou de mencionar a necessidade de um plano de desenvolvimento regional integrado, que contemplasse recursos no orçamento da União destinados a diminuir o desequilíbrio federativo. Arraes nunca foi a favor da “guerra fiscal” ou de praticar a renúncia fiscal como forma de desenvolvimento regional. Seu discurso político tinha dois nortes: Povo e nação. A questão federativa tanto tinha

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haver com uma melhor distribuição de renda para os habitantes das unidades subnacionais, quanto com um projeto de Nação (unida e solidária). Não se entende como o seu neto tenha traído essa bandeira tão acalentada pelo velho Arraes. E não venha se dizer que se trata de um atualização política, num contexto da globalização e desrregionalização da economia brasileira. Até mesmo a União Europeia elaborou uma política de desenvolvimento regional e incluiu as regiões como membros da União. A globalização ou os projetos de unificação regional não impedem de se elaborar uma política de combate às desigualdades regionais. O que se antepõe claramente a um projeto federativo equilibrado e solidário é a ideia (criminosa) de que não faz sentido pensar em “regiões” num contexto de desregulamentação dos negócios e da livre circulação de bens, serviços e capitais. Aí sim, estaríamos diante de uma modalidade de cinismo apátrida que justifica e racionaliza a cessão unilateral de receitas, a flexibilização da legislação ambiental e o trabalho precário, em função de atrair investimentos e empresas para o estado e/ou a região. Atitude cínica de “lesa-pátria” que, a título de promover o desenvolvimento regional, “vende” pelo preço de banana, na bacia das almas, com o auxílio de recursos públicos, ativos, mercados, fontes energéticas, infraestrutura, o clima, as praias e até mesmo os tradicionais folguedos populares. A quem interessa essa política de autênticos “salesmen”, como diz a revista liberal britânica “The Economist”?

Recife, 11/03/2013.

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O FIM DA AGONIA

A decisão do presidente nacional do PSB,o atual governador do estado, e virtual candidato à Presidência da República, nas eleições do próximo ano, veio tarde e produziu os inevitáveis estragos políticos que a longa ambiguidade nas atitudes do mandatário de Pernambuco suscitou no cenário político-sucessório nacional. Alguns podem até achar que foi uma jogada de mestre ter adiado até ontem o anúncio oficial da entrega dos cargos pelo PSB à Presidenta da República, sobretudo avaliando-se a importância da manutenção do status de aliado e as benesses resultantes da aliança. Contudo, dentro do próprio PSB levantaram-se vozes – como a do governador do ceará – contra esse expediente dilatório de empurrar para frente à decisão da ruptura, aproveitando o lado bom da aliança com o governo federal (cargos, investimentos, recursos, transferências voluntárias etc.). Cheirava a puro oportunismo político e soaria muito mal aos ouvidos dos próprios partidários do governador. Os senadores de Pernambuco (com exceção do ex-governador) também foram contra essa saída.O próprio ministro da Integração Nacional foi contra. Então, a decisão do governador foi monocrática ou monárquica, como dizem alguns. Decidiu e ficou decidido. O que nos leva a acreditar que o projeto de sua candidatura é uma aventura pessoal, não de partido ou do coletivo socialista. Daqui para frente abre-se uma nova conjuntura no cenário político brasileiro. De um lado, o chefe do PSB vai ter que administrar as consequências políticas e administrativas de sua saída do governo federal, embora tenha dito que seu partido apoiará Dilma no Congresso Nacional. Por outro, a Presidenta há de tê-lo como um aliado - sob suspeita - e organizar um novo palanque com novas forças _ para isso ela dispõe de inúmeros meios – para disputar a reeleição. No jogo do perde e ganha, perde o PSB: ganha o projeto personalista do governador, que talvez esteja pensando em 2018, não em 2014.Tempo suficiente para arregimentar os descontentes e os

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oposicionistas para formar um novo palanque e fazer oposição a Dilma, no próximo mandato presidencial. De toda maneira, Pernambuco é quem vai sofrer com essa aventura política. O estado pode ser retaliado com as atitudes, o jogo, o cálculo político do governador. É o que veremos. Mudando de assunto, fui acordado hoje por um entrevistador, que queria saber a minha opinião sobre a decisão do ministro Celso de Mello a propósito dos embargos infringentes (o novo julgamento dos réus do mensalão). O repórter queria saber se a opinião pública teria se frustrado diante da decisão do ministro. É preciso dizer, antes de qualquer coisa, que o STF tem uma tradição jurídica garantista, isto é, de salvaguardar os direitos e as garantias fundamentais do cidadão brasileiro. Na dúvida, diz a doutrina, a decisão é pró-réu. Dificilmente, o ministro – que está prestes a se aposentar – deixaria a corte com uma decisão condenatória, diante do empate na votação dos embargos. E este resultado prenuncia ou uma redução de pena ou mesmo a absolvição de alguns condenados, pelos quatros votos já manifestados no sentido da absolvição.Alguns crimes prescreverão. Outras sentenças serão comutadas em semiabertas e outros terão redução de pena. A sociedade brasileira pode ter sentido esta decisão com uma tapa na cara. Mas o fato é que o julgador para condenar um réu, só o faz com plena segurança de sua responsabilidade penal. Na dúvida, ele absolve. Esta é uma garantia para todos nós, não só dos réus do mensalão. O sentimento vingativo da opinião pública – cansada de tanta impunidade nos crimes de colarinho branco – não atenta para os preceitos jurídicos da presunção de inocência, do princípio da ampla defesa, do devido processo legal e , claro, do benefício da dúvida. Num cenário de disputas, esquentado pelos “clamores das ruas”, os novos ministros do STF quiseram marcar sua presença, distinguindo seu voto dos colegas mais antigos e eles podem fazer uma enorme diferença no novo julgamento que terão os chamados “mensaleiros”. Quem viver, verá.

Recife, 19/09/2013.

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ESPECULAÇÕES PÓS-ELEITORAIS

Concluídas as apurações dos votos, no segundo turno das eleições municipais, começam as especulações pós-eleitorais: quem ganhou quem perdeu. Quem cresceu quem diminuiu. As pretensões políticas dos vencedores. Como fica o governo Dilma etc. Os analistas políticos do sul-sudeste tenderam a minimizar as derrotas do PT no Nordeste, a possibilidade do governador Eduardo Campos sair da aliança com o PT e da capacidade de Aécio Neves liderar uma chapa de oposição, com o governador de Pernambuco. Superestimam a capacidade da Presidente da República cooptar, oferecendo mais ministérios, os partidos vitoriosos nessas eleições. Em outro cenário, o PSB se apresenta como o grande vitorioso, ganhando em cinco capitais, e se preparando para desembarcar da aliança com o PT. De toda maneira, os analistas parecem convir que dois são os vencedores dessas eleições: no nordeste, o PSB e Eduardo Campos; no sudeste (no Brasil?) LULA e o PT. É como se a vitória na capital paulistana compensasse as demais derrotas eleitorais do PT nos demais estados do Brasil. O que não ficou devidamente esclarecido foi a o apoio decisivo do PMDB de Michel temer (e de Maluf) ao candidato petista em São Paulo, e o fato que o colégio eleitoral de LULA é o nordeste, onde o PT arrostou muitas derrotas. Outro aspecto a considerar é o equilíbrio e a divisão de poderes entre os grandes, médios e pequenos partidos no governo das prefeituras do país. E o surgimento de novos nomes, novas caras e novas lideranças. O que é positivo, apesar da imensa fragmentação político-partidária de nosso sistema político. Mas a principal questão é: qual o impacto do resultado dessas eleições municipais nas eleições presidenciais de 2014. Aí, vem a questão do “tempo certo”. Afinal, qual é o tempo certo de costurar as alianças e os partidos para a disputa das eleições presidenciais? – neste ponto, não há como negar que as especulações, as tratativas, as conversas e negociações já começaram nessas eleições de outubro. Embora não se assuma publicamente as pretensões, nem as alianças, é claro que as movimentações políticas, que se observa aqui e ali,

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dão conta da necessária reatualização do quadro político em função dos resultados eleitorais. Os partidos que saíram mais fortalecidos serão chamados a conversar com o governo federal, para a garantia do apoio político necessário á boa governabilidade da gestão. Os que perderam devem pensar em se fundir ou requalificar o seu discurso de oposição. E aí avulta uma importante questão: qual é o discurso da oposição? Moralidade administrativa, infraestrutura, dívida pública, competitividade da economia brasileira, reforma política, distribuição de renda? – Eis o eixo da discussão. Com que discurso de oposição (seja ela qual for) os políticos vão se apresentar, em 2014, para enfrentar o PT, coligado com o PMDB? Posso estar muito enganado, mas se os indicadores da economia brasileira estiverem bem, mesmo com a crise internacional, vai ser difícil enfrentar a reeleição da Presidenta Dilma. Enquanto durar essa euforia do “american way life” no Brasil, patrocinada com o fundo público, a população brasileira não vai olhar em outra direção. O nosso modelo de distribuição (via endividamento das famílias) de renda, baseado em renúncia fiscal e crédito subsidiado (além das políticas compensatórias) vai continuar produzindo milagres. Até quando?

Recife, 30/10/2012.

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O PSB E AS ELEIÇÕES DESTE ANO

As folhas dão conta de uma reunião nacional do PSB em Recife para tratar da campanha eleitoral do governador de Pernambuco. Acredito que a reunião deva tratar também da eleição de governador em nosso estado, nos estados chefiados pelo partido e do xadrez político a ser construído pelas alianças do PSB pelo Brasil afora, tendo em vista a eleição do seu presidente.Pelo andar da carruagem, a solução para Pernambuco será caseira ou familiar: será indicado (ou escolhido?) o primo do governador, Tadeu Alencar ou o nome de algum outro parente. Naturalmente, o chefe do executivo estadual precisa de um nome de estrita confiança, que em que possa mandar como fez com o nome escolhido para a Prefeitura do Recife. As especulações que apontavam para o nome do ex-ministro da Integração Regional, Fernando Bezerra Coelho, foram desmentidas pela dinâmica da política. Coelho não seria um nome tão dócil para os planos do mandatário estadual de continuar mandando na política de Pernambuco.A disputa, de toda maneira, não parece fácil, já que o senador Armando Monteiro também está no páreo, possivelmente com o apoio do PT. Mais complicados são sem dúvida os palanques e as alianças nos demais estados da federação. A costumeira assimetria política e a frouxidão da legislação eleitoral brasileira permitirão as mais esdrúxulas alianças, de acordo com as situações políticas regionais. A começar pelo maior estado da federação, São Paulo, onde a deputada Luiza Erundina praticamente impôs uma candidatura própria do PSB.Mas nas demais unidades federativas, o governador de Pernambuco terá as mesmas dificuldades. Há que contemplar interesses e conveniências regionais para compor a moldura dos palanques de 2014. De todo jeito, o maior desafio será acomodar no palanque do PSB a camarilha do PSDB, a nível nacional. Isto porque o PSDB

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não é um partido de segunda linha, que se preste a mero adjutório eleitoral. A candidatura de Aécio Neves está consolidada, é um fato consumado. E ela tende a trazer consigo vários aliados importantes no primeiro turno das eleições. Ou seja, até lá o PSB tem que se virar com seus aliados: Marina-partido-rede, o PPS, um pedaço do PMDB, o PTB e outros menores. O principal divisor de águas dessa campanha é o desafio da oposição de se apresentar como alternativa a Dilma. Afinal, alguns saíram do seu ministério. Outros rezam pela mesma cartilha econômica e não estão isentos dos pecadilhos políticos atribuídos ao PT. Enfim, quem é o novo na política brasileira?

Recife, 21/01/2014.

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A HONRA DO IMPERADOR

O atual ocupante do cargo de governador do estado de Pernambuco queixou-se, numa emissora de rádio, de nunca ter atacado a honra dos adversários e por isso estranhava que fosse chamado de “playboy” por eles, através das redes sociais. O primeiro mandatário pernambucano entende dos ataques à honra, sobretudo porque foi alvo desses ataques durante a época do escândalo dos precatórios e da matéria publicada pela revista “VEJA” sobre o segundo mandato do seu avô, intitulada: “biografia manchada”. Seus familiares também tiveram sua honra atacada por intrigas e controvérsias genealógicas, que suscitaram indignados protestos e declarações através das redes sociais. Por tudo isso, e pelo amor ao decoro público e privado, o governador deve saber muito bem o que é ter a sua vida invadida e caluniada nas colunas de um pasquim provinciano, por um preposto seu, agraciado com uma prefeitura na região metropolitana, depois de ter realizado o “trabalho sujo” de injuriar e infamar os adversários do governador. Prática, aliás, comum em nosso estado. Quando o dono dos cachorros não vem ele próprio morder e atacar os inimigos, manda os cachorros e os seus leões-de-chácara. Essa prática o nosso mandatário estadual conhece bem. Portanto, não teria ele porque se queixar. Como dizem por aí, quem está na chuva, é para se molhar. Ser chamado de “playboy” pelos adversários não é nada, comparado à torrente de infâmias, calúnias e difamações que ele ajudou a destilar, através de apaniguados, contra os seus críticos. Hoje, até o carnaval em Pernambuco passa pela aprovação dos chefes da SDS, com roteiro, hora, alegorias e enredo previamente aprovados por aquela sábia comissão carnavalesca. O que esperava o governador, depois de assumir publicamente a sua candidatura, rompendo tardiamente com os aliados de ontem (por quem foi sobejamente beneficiado), e tornando-os, subitamente, em adversários políticos? – Achava que seria tratado a pão de ló? Com luvas de pelica? Prepare-se ele, será tratado como

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mero traidor, trânsfuga, oportunista eleitoral e coisas que tais. Afinal, que tipo de tratamento merece um aliado desses? Se o governador fosse outro tipo de político, teria desembarcado do governo petista mais cedo, anunciado suas pretensões, dado a liberdade de escolha aos seus próprios correligionários e reconhecido publicamente os méritos, as contribuições, os avanços do governo que ajudou (e por ele foi ajudado) a criar. Não sei se o “velho” Arraes apoiaria essa atitude dúbia e oportunista do neto. Mas uma coisa é certa, não trairia a confiança dos amigos, nem virava a casaca com a maior desfaçatez. Mas um é um, o outro é o outro. E este outro está se saindo como um “pequeno” Maquiavel de província, a todo instante anunciando alianças e coligações improváveis, contribuindo para aumentar ainda mais a descrença e a desconfiança dos eleitores nos partidos e nos políticos brasileiros. É até possível que ele consiga atingir seus objetivos (sejam lá quais forem) mas será através da desqualificação e desestabilização (mediante a compra e a venda de apoios políticos) do quadro partidário brasileiro.

Recife, 13/01/2014.

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REFORMA ADMINISTRATIVA OU ELEITORAL?

Testemunhei, como observador privilegiado, ao lado da Professora Tânia Bacelar a formação dessa equipe de secretários e assessores administrativos do atual governo de Pernambuco. A principal característica da equipe que saltava aos olhos de qualquer observador medianamente informado era a mediocridade de vários desses secretários da primeira gestão. Havia de tudo nessa equipe: os homens de confiança (“coringas”) do governador (Danilo Cabral, Ricardo Leitão, Jorge Gomes, Fernando Coelho, Ranilson Coelho), os técnicos (Aristides Costa) nomes de segunda ou terceira opção (Cristina Buarque) e vários “paus mandados” representando a cota dos partidos aliados (o sobrinho de Inocêncio de Oliveira, o ocupante da secretaria da juventude, transporte). Quando do anúncio dessa famosa equipe, ouvia-se em surdina um comentário bem sugestivo: “chinfrim”, um secretariado onde ninguém se destacava a não ser a figura do próprio governador, como chefe ou maestro da orquestra. Na ocasião, o chefe do governo estadual foi aconselhado a desinflar a gestão e acomodar os “paus mandados” num Conselho Político. Seria mais barato e não comprometeria a necessária agilidade administrativa que se espera de auxiliares, como os secretários estaduais. Infelizmente não só o governador não acatou a sugestão como aumentou o número de secretários e manteve uns “sem pasta”, intitulados de “especiais” ou “extraordinários”. Como quê para compensar o peso morto de tanta inutilidade, se cercou de auditores do Tribunal de Contas do Estado e deu a impressão de que adotaria uma gestão por metas ou objetivos, a chamada “gestão regulatória” ou governo gerencial”, para o que aliás contratou um assessor de Aécio Neves, ligado à Fundação João Pinheiro e ao Grupo Gestão Eficiente, prometendo aplicar um “choque de gestão” no governo estadual.Logo começaram a aparecer denúncias nas imprensa de casos de nepotismo ou favorecimento de amigos nos cargos, como foi o caso da transferência de todo o setor da Saúde para o IMIP, que passou a administrar as UPAS e os novos hospitais estaduais. Hoje,

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deve administrar também os municipais e o Hospital Osvaldo Cruz, segundo denúncia dos médicos-professores daquele hospital. Pior foi a criação de uma super-secretaria, denominada “Secretaria da Copa”, com um superorçamento destinada a viabilizar as obras que permitiriam a realização da Copa do mundo em Pernambuco. Tratando-se, como é o caso, de um país subdesenvolvido, o estímulo e o apoio ao desporto profissional e de alto rendimento tornou-se a principal política do governo estadual, a sua vitrine, por onde se espera passem os olhares do mundo sobre a sua gestão. No quesito mobilidade urbana a novidade é a proposta de destruição do complexo interescolar Santo Dumont (dedicado ao esporte olímpico) para dar lugar a um amplo estacionamento de automóveis particulares, talvez dos torcedores que vierem ao estado ou a capital, para assistirem aos jogos. No quesito saneamento e esgotamento sanitário, a boa nova é a privatização da COMPESA (aliás, essa é a marca da gestão) e dos seus péssimos serviços prestados à população. Na educação, destacam-se os convênios e as parcerias com empresas e fundações empresariais “sem fins lucrativos”: fundação Roberto Marinho, instituto Airton Senna etc. Na política ambiental, é a terceira lei da termodinâmica – o diabo da entropia e da destruição do meio-ambiente, como moeda de troca para a atração de investidores e empresas internacionais. Com a proximidade do calendário eleitoral e as pretensões políticas do Chefe do Executivo Estadual e vários de seus secretários, existe uma obrigação legal (um prazo) para a desincompatibilização dos gestores que vão disputar cargos eletivos nas próximas eleições. Não se trata de imprimir mais eficiência e agilidade à gestão, mas de cumprir a lei eleitoral da desincompatibilização. Um governador que não economizou em criar secretarias e assessorias especiais durante as duas gestões, não iria fazer isso na reta final do seu mandato.A atual reforma administrativa do estado de Pernambuco tem tudo para agradar gregos e troianos e nada para atender aos interesses públicos, quanto mais se avizinham as eleições. Apesar da farta propaganda em torno dessa reforma com o fito de convencer a opinião pública de que se trata de melhorar a gestão, ela tem sim uma motivação fortemente eleitoral: o governo e as secretarias serão

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mais uma vez usadas como meros trunfos políticos para viabilizar a candidatura do Chefe e seus auxiliares. E quem vai pagar essa conta, adivinhe quem: os contribuintes.

Recife, 21/11/2013.

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O PRAGMATISMO DA IRMÃ E O SOFISMA DO SINHORZINHO

O que poderia ter em comum a agenda programática do partido-rede, de Marina da Silva, e as ambições políticas do governador de Pernambuco? - O que teria justificado o aceite da ex-senadora para ingressar nos quadros do PSB, na condição de simples cabo eleitoral do presidenciável do partido, abrindo mão da publicização da novel organização partidária, num momento crucial de sua autoafirmação política? - Essas, as perguntas que os crentes da Assembleia de Deus, os agnósticos, socialistas e ateus devem estar se fazendo a esta hora pela Brasil afora.... Como foi possível que uma pré-candidata de confissão pentecostal, avessa às relações homoeróticas, ao aborto, aos métodos contraceptivos e a pesquisa com célula tronco, com finalidades terapêuticas, aceitasse de bom grado o convite de um político “soi dissant” socialista, agnóstico, que só se preocupa com o poder pura e simplesmente, sem veleidades éticas, republicanas, democráticas, como o nosso senhorzinho de Pernambuco? Em outros tempos de cruzada, diríamos que seria o casamento de uma missionária de Deus com o representante do demo, tema bom para a literatura surrealista de cordel, apresentada nas praças públicas do interior do nordeste. Infelizmente, a realidade é outra: a ex-senadora e irmã, Marina da Silva, pela segunda vez em sua carreira dá mostras de que não está à altura de uma verdadeira líder de um grande, novo, autêntico movimento de mudança na sociedade brasileira. Desde sua clamorosa omissão no 2º turno das eleições presidenciais, quando ela teve 20 milhões de voto, permitindo a dispersão dos votos para as várias legendas, já se percebia que o idealismo político da irmã tinha um fôlego curto. Seu projeto político era pessoal, dela, de seu imaginado carisma, de sua história de vida, dos percalços de sua formação. A líder era um engodo, embalada numa aura de santidade e louvor. Nada mais do que isso.No sábado passado, na ocasião de anunciar a sua decisão - esperada em clima de copa do mundo - disse a irmã Marina, em alto e

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bom som, que era um gesto de pragmatismo político, aceitar o convite do senhorzinho agnóstico ou cético, pois o partido “rede-sustentabilidade” ia continuar, talvez em busca de um momento mais favorável para ressurgir na cena política brasileira. Por enquanto, aceitava ser um mero cabo eleitoral (do voto evangélico, dos descontentes com a política do PT, da oposição realmente existente no país etc.) Belo papel para uma líder reformadora do sistema partidário brasileiro: ser cabo eleitoral de uma aventura política, de um oligarca regional, que não encontra unanimidade nem em seu próprio partido e sua base aliada. Nada desautoriza, por sua vez, a hipótese de que esse acordo já não existisse, por debaixo dos panos, na possibilidade bem concreta do partido da irmã não ser autorizado pela justiça eleitoral. E que haja outro acordo com o candidato mineiro do PSDB, Aécio Neves, de quem o senhorzinho é um declarado fã. É bem possível que em face da posição relativa dos pré-candidatos na corrida presidencial, haja sim um pacto de reciprocidade no apoio mútuo de um a outro. Do nosso pequeno Maquiavel, tudo é possível, menos a sinceridade e a transparência. Ora o que une a irmã Marina da Silva ao autodeclarado socialista de Pernambuco é o puro e simples pragmatismo político, na primeira ainda de forma acanhada e envergonhada: no segundo sem limites, sem pudor, abertamente escancarado. O avô ainda alimentava o apego ao “povo” e a “nação”. O neto globalizou-se.

Recife, 10/10/2013.

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DE RAPOSAS, MEIO AMBIENTE E CARONISTAS

Abriu-se uma frente de discussão entre os militantes da “Rede-sustentabilidade” sobre a natureza “vulpina” dos políticos do PSB. Para alguns, o futuro partido de marina Silva não devia se coligar ou apoiar velhas raposas políticas, sob pena de perder a credibilidade e comprometer seus ideais (se eles forem para valer mesmo). Certamente, a crítica tem em mente o recente apoio que a ex-senadora hipotecou ao governador de Pernambuco, que de anjo ou cordeiro não tem nada. Se fosse para usar a conhecida fábula de Nietzsche sobre os cordeiros e o lobo, naturalmente já se saberia nesse “casamento suspeitoso” quem seria o lobo e os cordeiros. O problema é que o filósofo alemão justificava a inclinação “vulpina” do lobo, não achando nenhum pecado, nenhuma irregularidade nesse tipo de comportamento. Dizia ele, a natureza do lobo é atacar o cordeiro, e ele não pode ser contra a sua natureza. A questão aqui é quando o lobo se veste de cordeiro e se faz passar por um ardoroso defensor da questão ambiental entre nós. Não haveria maior impropriedade política do que apresentar alguém já denominado “o anticristo da natureza”, como o adepto da preservação do meio-ambiente e sua biodiversidade. Alguém que defende o uso da energia nuclear, como energia limpa, que trouxe para o estado geradores de energia a base de óleo Diesel, que entregou alegremente a empresas montadoras internacionais reservas e reservas dos manguezais para a construção de veículos automotores, que decapitou o partido verde, cooptando seu presidente e diretores de ONGs ambientalistas, que entregou o comando da política ambiental ao secretário-executivo da CPRH e permitiu a construção de grandes empreendimentos comerciais sem o chamado Reia-Ima em áreas de interesse social. Uma pessoa como essa, pode ser tudo, menos ambientalista. Quando os militantes vierem a se questionar sobre o caráter “vulpino” do presidente do PSB, eles estarão carregados de razões. Afinal, esse pacto é o da natureza com a entropia.

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Pior na fita é a decisão de Marina Silva em não querer aparecer na chapa majoritária do PSB. Por quê? É uma simples carona, sem compromisso, essa entrada no trem-bala do PSB rumo às eleições presidenciais? Não quer se comprometer, arranhar a imagem? Afinal que tipo de apoio, de pacto, de contrato é esse? – Estas manobras só aumentam as desconfianças em torno da decisão tomada pela ex-senadora. E indicam que da mesma maneira que entrou, ela pode sair na próxima estação, sem pedir licença nem dá aviso prévio. É a carona típica daqueles partidos ou proto-partidos de pouca firmeza ideológica ou programática. Desse tipo de agremiação o Brasil está cheio.

Recife, 20/10/2013.

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DESENCONTRO PROGRAMÁTICO

Anuncia-se que esta semana, o PSB se encontra com o Partido- Rede- Sustentabilidade, da irmã Marina Silva, para um acerto de programas entre as duas legendas. Imagina-se que deve ser inadiável esse encontro, em função das enormes diferenças de princípios, prioridades e ideias entre a líder pentecostal da Assembleia de Deus e a raposa pernambucana. Desde a reação dos confrades de Marina à sua entrada no PSB às discordâncias de altos próceres da base aliada do governador, em relação à sua candidatura à presidência da República, aguardava-se um momento de explicitação das bases desse acordo que surpreendeu a muitos. Além de terem em comum sua oposição ao governo petista, e de terem se promovido publicamente à custa do petismo, o que podem trocar entre si um e outro? Com certeza, a contribuição do PSB a esse debate será a agenda gerencial de governo, a chamada administração por metas, também conhecida pelo nome “neo-taylorismo social”, fazer mais com menos, choque de gestão ou de modernidade administrativa, como queiram chamar. Vai ser gozado ver o governador ensinar a Marina como transformar a natureza, as reservas ambientais, unidades de conservação, Zeis e Prezeis em trunfos para a instalação desrregulada de empresas montadoras internacionais ou como autorizar a instalação de grandes empreendimentos comerciais em área de mangue sem o relatório de impacto ambiental ou ainda como decapitar partido e ONGs ambientalistas, cooptando seus chefes para o governo estadual. Certamente a ex-presidenciável tem muito a aprender com o chefe do PSB em matéria de “raposismo” ou “metamorfose” política. Logo ela vai saber que o “verde” só entra, apenas, no portfólio das empreiteiras e agências de turismo de Pernambuco. E Marina, o que vai apresentar ao PSB como contribuição programática? Certamente vai falar de desenvolvimento sustentável, socialmente justo, economicamente equilibrado. Que o governo do PSB transforme os chamados “Polos de desenvolvimento” em ilhas

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de irradiação de riqueza e emprego, beneficiando às áreas contíguas, em vez de serem meros nichos de competitividade integrados na globalização dos mercados. Vai dizer que a preservação da natureza é um dever da nossa geração com as seguintes e que ninguém pode dispor dela como se fosse alguma que estivesse “aí, grátis”. Que a valorização capitalista do meio-ambiente é sinônima de entropia e destruição. Que nenhuma modelo de crescimento econômico apoiado em mera renúncia fiscal, grandes empréstimos subsidiados e favores governamentais a empresas e negócios pode redistribuir renda. E que o pacto federativo não é uma mera figura de retórica, para ser usada em épocas de campanha eleitoral. Na verdade, esse esperado encontro de agendas tem tudo para ser uma “embromação” de parte a parte. O lema: fazer mais e melhor deve ser traduzido como não mistura água com vinho ou como vender fumaça a incautos e desavisados.

Recife, 28/10/2013.

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NOVA POLÍTICA

“A nova Política” é o nome de uma coletânea de artigos, palestras, discursos e documentos oficiais, de autoria do ditador Getúlio Vargas, editada durante o período de vigência do Estado Novo. Muitos escritos pelo seu “ghostwrother” Marcondes Filho.Os vitoriosos do movimento civil-militar de 1930 adotaram essa terminologia para se diferenciar dos políticos “carcomidos” da chamada República Velha ou a Primeira República. Coincidência ou não, um dos prováveis candidatos à Presidência da República, nas eleições desse ano, adotou como lema do seu programa o mesmo título (A Nova Política).Curiosamente, há mesmo pontos em comum entre o chefe do Estado Novo e o discurso potencialmente novo do candidato. Senão, vejamos. O caráter profundamente autoritário da ideologia estadonovista, aliado a uma profunda convicção modernizadora, que colocou de lado a representação parlamentar, cercando-se de burocratas para administrar o país. Inspirado no fascismo de Mussolini, Vargas implantou um regime policial no Brasil, criminalizando toda forma de protesto social. Os sindicatos transformaram-se em agências de prestação de serviço de saúde e/previdenciário, sendo estritamente controlado pela policia. Fazer oposição à Ditadura varguista foi quase impossível. Que o diga Gilberto Freyre, preso mais de uma vez pela polícia política de Agamenon Magalhães. A propaganda fascista ou para-fascista, destinada a produzir o “consenso máximo” entre as pessoas, com o auxilio da Igreja, e da incitação anticomunista. Na nova versão, o discurso (e as práticas) do candidato a ditador pretende alcançar o “consenso” dos desavisados, usando a propaganda institucional dos atos de governo para fazer a população “vestir a camisa” da gestão, seja através do futebol, seja pelo carnaval, pelas procissões religiosas, pelo nome dos familiares espalhados nas praças, avenidas, hospitais e ruas, ou seja, pela onipresença na mídia através de “factoides”. Confirma-se, nesse caso, a tese de conhecido teórico, de

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que a emergência dos novos meios de reprodução tecnológica da cultura fez dos políticos atores, demagogos e ditadores. A espetacularização da política só esconde o seu conteúdo conservador, antidemocrático, antipopular.O conteúdo “moderno” da gestão: a socialização das perdas e a privatização dos lucros. Política hobinhoodiana de cabeça para baixo. Tirar de quem não tem (pela renúncia fiscal e outras benesses governamentais) para dar a quem já tem muito. E tudo em nome do desenvolvimento, da produção de riquezas, de atração de novos investimentos etc. Ou ainda, colocar o aparelho público a serviço da acumulação privada de capital. O estado gasta milhões na infraestrutura da cidade e da região, para depois as empresas se estabelecerem, sem pagar nada e ainda beneficiadas com renúncia fiscal. Onde, certamente, a ditadura do Estado Novo se diferencia desses “novos” administradores é no caráter da prestação dos serviços de utilidade pública. Enquanto Vargas estatizou a prestação dos bens de utilidade pública e legalizou as relações de trabalho no Brasil, através da instituição da carteira de trabalho e da legislação trabalhista, o novo e moderno gestor se distingue pela privatização branca das políticas sociais, com a ajuda “desinteressada” do terceiro setor, e aposta na precarização das relações de trabalho no estado. Há quem diga que é das coalizações políticas centralizadoras no Brasil que as mudanças são possíveis. Mas essa ditadura disfarçada dos novos gestores não traz ou apresenta absolutamente nada em favor dos mais pobres e miseráveis.Seu conteúdo é privatizante. Seu invólucro ou embalagem é fascista ou para- fascista.

Recife, 11/02/2014.

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POR QUE ESCREVER SOBRE EDUARDO CAMPOS?

Quando um governador de estado abandona o seu posto para se candidatar à vaga de Presidente da República, em oposição ao governo federal, ele atrai sobre si a atenção de muitas pessoas. A imprensa do sul do país (O Globo, a Folha de São Paulo, a revista Piauí), ao contrário da imprensa local, busca avidamente informações sobre o perfil administrativo do ex-governador de Pernambuco, sobre a sua trajetória política, sua herança familiar etc. É nosso dever saciar essa sede. Ministrar à opinião pública do país informações úteis e valiosas sobre o candidato, evitar que se compre gato por lebre. Quando o ambiente econômico do país parece se deteriorar, e os efeitos do chamado “neo-desenvolvimentismo” da presidente Dilma se encaminham para esgotamento, o momento é propício para as candidaturas de oposição. Cada qual que se apresente como a fórmula mágica que vai redimir, mais uma vez, os brasileiros da inflação, do endividamento, do baixo crescimento e da pesada carga tributária que nos oprime.Há também o efeito de demonstração dos partidos oposicionistas no Congresso esperando tirar uma carona na instalação das CPIs. Isto não é novidade. Combina como ambiente turvo e carregado da pré-campanha eleitoral. Mas uma vez seremos tragados por uma tempestade de acusações, denúncias, processos. A nossa esfera pública vai se transformar em antessala de delegacia de polícia. Em vez de argumentos, acusações. Os Judas Escariotes da hora apontarão o dedo sujo para os aliados de véspera, apostando na amnésia histórica do povo brasileiro. Por um passe de mágica, os mesmos que comungavam da mesma cartilha do “neo-desenvolvimentismo”, apoiado no fundo público, na renúncia fiscal e no endividamento das famílias vão se arvorar, agora, em salvadores da pátria prometendo fazer mais e melhor. Se Pernambuco for o laboratório dessa “boa nova”, apadrinhada pela irmã Marina Silva, o Brasil deve ficar parecido como o Estado Novo, do ditador Getúlio Vargas. Afinal, foi Agamenon Magalhães o encarregado por Getúlio para inaugurar a “emoção do Estado Novo” em Pernambuco. Pelo andar da carruagem imperial na

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província, pode-se imaginar como será o governo do reino. Mas em que consiste exatamente a novidade? A Nova Política? E o novo candidato?-Na continuidade da agenda gerencial de FHC. Publicização dos bens de utilidade pública (saúde, educação, museus, laboratórios etc.), transferidos sem mais para as organizações sociais de interesse público e outras entidades do terceiro setor; privatização da segurança pública, venda do estado a empresas e investidores à custa das medidas de proteção socioambiental. Modelo gerencial (leia-se: privatista) de administração pública misturado com familismo amoral. Exemplo de gestor que trocou o interesse público pelo mercado, sob a alegação de criação de empregos e geração de renda. É até possível que o ex-governador aponte estatísticas favoráveis para convalidar o sucesso de sua gestão. Mas é inegável que o modelo empregado é aquilo que Celso Furtado chamou de “socialização das perdas” e “privatização dos lucros”. A política econômica dos “polos de desenvolvimentos” (“state-region”, em inglês) é uma típica medida dos gerentes da globalização: fragmenta-se o espaço geopolítico do estado, instalando-se nichos de competitividade, altamente incentivados, sem nenhuma conexão orgânica com as regiões adjacentes, produzindo modelos duais de emprego, renda, moradia, lazer e transferindo para as cidades vizinhas o ônus da subcidadania. Nunca um gestor gastou tanto dinheiro em propaganda. A licitação de mais de 100 milhões entre agências e veículos de comunicação deve ter produzido a alquimia, perante os olhos da população, de um governo operoso, eficiente, justo e “moderno”.Poderíamos ainda indagar: em que se fundamenta a boa nova desse candidato? – Na reprodução da oligarquia de Pernambuco, utilizando os cacoetes da administração gerencial do estado. Cara nova, conteúdo velho. Quem não te conhece, que te compre!

Recife, 07/04/2014.

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A CHAPA VERDE-ENCARNADA

O repórter de um veículo de comunicação exibiu trechos do pronunciamento dos integrantes da chapa “Verde-encarnada”, para que fossem comentados por mim, numa entrevista ao vivo, logo depois do lançamento dessa chapa. O que mais chama atenção nesse discurso — para eleitores e ouvintes desavisados — é como um todo um legado de políticas de desenvolvimento regional integrada, cujo foco era povo e nação, foram torcidos e retorcidos pelos candidatos em função das novas conveniências políticas da hora.Desde que retornou do exílio forçado a que foi submetido pela Ditadura Militar, o ex-governador Miguel Arraes de Alencar sempre esteve no lado oposto aos presidentes civis que assumiram o governo do país. Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso trataram a “pão e água” a gestão do velho Arraes, patrocinando e prestigiando seus adversários políticos em Pernambuco.Enquanto o ex-governador amargava uma solidão federativa, por se opor a “Nova Política” de Collor, Itamar e Fernando Henrique, procurou em vão, fora do Brasil, parcerias para o desenvolvimento de seus projetos sociais. O cerne dessa oposição é bem conhecido: sua recusa às políticas de derregionalização da economia, em prol de uma “uma integração competitiva” do país na globalização dos mercados.Arraes defendeu até o fim a necessidade dessas políticas de desenvolvimento regional integrado, contrapondo-se assim à chamada “guerra fiscal” e a destruição do pacto federativo.Pagou caro pela sua coerência. E aí vem o neto e renega o legado do avô, dizendo-se admirador de Itamar e Fernando Henrique Cardoso. Se essa nova versão do PSB está de acordo com o misto de neo-patrimonialismo e gerencialismo (que marcou também o longo governo de FHC) seguido em Pernambuco pelo atual chefe do Executivo Estadual, como foi sugerido pela contratação de um assessor de Aécio Neves, para dar um choque de gestão na

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administração estadual, entende-se.Mas a revisão vai além, pois se trata de uma manobra retórica para aproximação com o PSDB e outros partidos satélites, como o PPS e um pedaço do PMDB. A mudança de rumo e de tom significa que a política do PSB e da família Arraes agora é outra: o mercado, não o povo ou a nação. A nova política do candidato e governador é “vender” o Brasil a investidores estrangeiros, através de renúncia fiscal e relaxamento das políticas de proteção socioambiental.O que parece conduzir a uma grave contradição com as intenções programáticas da irmã Marina Silva. Afinal, como conciliar uma política gerencial e de mercado com o tal desenvolvimento sustentável, de que tanto fala a ex-senadora do Acre? Ou ficamos com o discurso “novo” do PSDB e seus aliados, que diz ser o principal papel do estado criar um clima ótimo para os negócios, eliminando entraves políticos e sociais (SUDENE, proteção ao meio-ambiente, direitos trabalhistas etc.), ou ficamos no lenga-lenga da rede-solidariedade, do desenvolvimento justo, sustentável, equilibrado, que vai preservar a biodiversidade do Planeta e apoiar a economia solidária. Há qualquer coisa de dissonante nesse arranjo. Não se pode ao mesmo tempo defender uma forma de estimulo às atividades econômicas, apoiado no fundo público e na desregulamentação do mercado, e proteger a natureza, as espécies, as comunidades de pequenos produtores de coletores que habitam as selvas brasileiras. A não ser que o arranjo — mal engendrado — tenha um objetivo meramente eleitoreiro e que aposte na idiotização dos eleitores brasileiros.

Recife, 02/04/2014.

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A CULTURA POLÍTICA DO BOMBRIL

Fui surpreendido, ontem, por um pedido de entrevista de um dos veículos do sistema JC de comunicação: a repórter queria uma avaliação sobre a decisão do senador e ex-governador do estado, filiado ao PMDB, de não mais concorrer à reeleição ao senado e sua indicação do nome de oposicionista Raul Henri (PMDB) para integrar a chapa majoritária do PSB ao governo do estado de Pernambuco! Surpresa? – Nem tanto. Mas se um marciano pousasse em Pernambuco e tentasse entender a política brasileira, teria com certeza muita dificuldade. Como é possível que um político que foi, em passado recente, um duro crítico da família do atual governador indique um oposicionista de carteirinha para ser candidato à vice-governador na chapa do principal alvo de críticas, durante todos esses anos?Pois é. Aí, nós temos de dar razão ao ex-governador (DEM) Gustavo Krause, que uma vez disse que a política entre nós é como Bombril, serve para tudo, tem mil-e-uma utilidade, inclusive de a um inveterado crítico ser ao mesmo tempo parceiro político do criticado, sem muitas explicações. Mas há outras indagações sobre o outro Raul (Jungmam)que ajudam a iluminar esse caso:

1) a trajetória política do próprio Jungmam. Este cidadão é um personagem a procura de um autor, que o leve a sério. Já foi arraesista, na época que tinha um aparelho instalado no edifício São Carlos, chamado “Avança Recife”, tido como linha auxiliar do governo do PSB. Depois, entrou no Partido Comunista Brasileiro, compondo a ala mais radical do partido. Finalmente, tornou-se “um quadro a disposição” do PSDB, quando se tornou assessor dos governadores cearenses do PSDB. Foi parar no ministério do planejamento, no IBAMA e, finalmente, no Ministério da Reforma Agrária. Quando saiu do governo de FHC, continuou “à disposição” do PSDB: procurou filiar-se ao PMDB para combater a candidatura de Itamar Franco, não o aceitaram. Procurou o próprio PSDB, mas também não obteve guarida por lá. Veio cair no PPS de Roberto Freire. Conclusão: um

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quadro-laranja, ora à disposição do PSDB nacional, ora à disposição do PMDB local, comandado personalisticamente pelo ex-governador de Pernambuco. A sua indicação por este político para compor a chapa majoritária às eleições do estado se elucida pelo efeito Bombril e pela sua inesgotável servidão ao efeito laranja, no caso específico, laranja do PMDB jarbista (anti-lulista), de oposição.

2) Mas a repórter também quis saber as razões da desistência do ex-governador em se recandidatar para concorrer a mais um mandato pelo Senado Federal. Essa resposta é mais fácil: a coligação que o elegeu governador e senador por Pernambuco, acabou-se, desfez-se como uma bolha de sabão. O risco de mais uma derrota no currículo vitorioso do senador é muito grande. No ambiente de absoluto e total cooptação e aliciamento dos partidos “bombril” e “laranja”, ser oposição é tarefa muito difícil, senão inglória. Só permanece como oposição, quem não tem como aderir à situação. Com as honrosas exceções de praxe: os partidos ideológicos, da esquerda, que não são partidos de mera competição eleitoral cujo fim é a vitória, a qualquer preço.

3) O anti-lulismo é a única coisa que une esses partidos e políticos. Todos querem a mesma coisa, mas vão deixar a briga pelo botim, para depois da sonhada derrota de Dilma Rousseff.

Recife, 06/02/2014.

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O INTIMISMO À SOMBRA DO PODER

Essa expressão, cunhada pelo filósofo húngaro Georg Lucaks, foi usada para designar aqueles casos onde os intelectuais se beneficiam profissionalmente de sua proximidade física ou política junto ao Poder. No caso brasileiro, esse fenômeno é mais complicado, porque - além das benesses materiais e culturais - há também o chamado “tráfico de influências”, sobretudo quando se é parente em primeiro grau do governante de turno. Como se não bastasse a imensa pletora de familiares que ocupam cargos na administração estadual (e municipal), temos o agravante daqueles que utilizam vínculos de parentesco para obterem vantagens profissionais. É o caso de um conhecido advogado, dublê de escritor, poeta e promotor cultural, que se vale do parentesco com o mandatário estadual para se apresentar como patrono ou mecenas das letras e das artes em Pernambuco, mobilizando os meios de comunicação de massa, contratando figurinhas carimbadas nos meios literários e editorais oficiais e organizando feiras, tertúlias e convescotes literários. Se essas atividades fossem promovidas no âmbito privado, com recursos privados e destinados ao mercado, não haveria nada a comentar sobre o assunto. Intitular-se-ia “showbusness”, indústria cultural, mercado cultural ou coisa do gênero. No entanto, o problema começa com a estreita proximidade desses negócios culturais com o Poder Público e isso numa época em que se fala tanto de “transparência”, “acontability”, “prestação de contas” da gestão etc. De nada adianta fazer propaganda da gestão, quando esse “intimismo” compromete a essência republicana e democrática da administração. É como se fosse um cosmético ou uma simples maquiagem, destinada a ocultar os outros negócios e atividades que grassam à sombra do Poder, sem nenhum controle ou fiscalização. Ninguém, em são consciência pode ser contra o patronato privado de atividades culturais, pagas e destinadas a um público pagante. No entanto, quando este patronato é bafejado pelo influxo da sempre generosa proteção estatal, aí a coisa muda de figura. Esse

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arranjo é bem conhecido: o estado investe, constrói gastos recursos públicos, e o particular se beneficia, às vezes cobrando dos usuários e espectadores ingressos ou pedágios exorbitantes. É preciso submeter esse modelo de financiamento público-privado da cultura, das letras e das artes a uma séria, isenta e equilibrada auditoria pública, para que isto não se configure, mais uma vez, num modo de privatização de lucros e socialização de prejuízos ou na reedição do velho e conhecido patrimonialismo familiar no estado de Pernambuco.

Recife, 20/11/2013.

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PROBLEMAS INCULTURAIS

O Estado de Pernambuco (para não falar no Nordeste) é, em geral, apresentado como o lugar de uma rica e variada biodiversidade cultural. Ao lado da culinária regional, para não falar do patrimônio arquitetônico, as belezas naturais e a mitologia histórica ligada ao nativismo e o republicanismo, a nossa terra é vendida como celeiro inesgotável e sempre renovado de manifestações culturais, folclóricas, populares, sem igual no mundo inteiro. Para alguns, senão o mundo pelo menos o Brasil nasceu aqui, no Marco Zero, em Olinda, ou Jaboatão dos Guararapes ou ainda em Apipucos, na casa de Gilberto Freire. Não é o caso, agora, de discutir esse regionalismo “fechado”, bairrista e provinciano para substituí-lo, quem sabe, por outro cosmopolita, multi, inter ou pluricultural. Do que se trata aqui é a discussão de um modelo de gestão pública de bens culturais ou simbólicos, no sentido de anotar as suas virtualidades republicanas e cidadãs. A questão é: temos em nosso estado um modelo democrático de gestão da cultura? A resposta há de ser, infelizmente, não. Vários foram os modelos de gestão cultural adotados por sucessivos governos em Pernambuco: ora o de mercado, ora o multicultural, ora o patrimonialista, mas o fato é que impera e resiste um modelo clientelista de relação com a cultura, que faz dos produtores culturais clientes do estado e a cultura, matéria-prima da propaganda governamental. O mecenato patrocinado pelos diversos governos, sob a alegação de ajudar ou assistir (“incluir”) os de baixo, está longe de ser inocente ou neutra em relação à produção cultural, por mais independente ou espontânea que ela seja. Quando aparecem agora denúncias de superfaturamento, desvios de recursos ou apropriação indébita de recursos públicos no campo da política cultural do Estado, nada disso devia surpreender num modelo viciado e clientelístico de promoção de atividades culturais, que torna o artista dependente do Poder Público e faz da cultura artigo de legitimação política do governo de turno. É de se estranhar como isso tudo não tenha vindo antes à tona. Certamente, alguns artistas clientes do governo

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do Estado aceitaram de bom grado calar a boca enquanto se sentiram prestigiados pelos eventos e os programadores culturais. E o governo acreditou que eles jamais abririam a boca, porque se sentiam beneficiados pelo modelo. O que todo esse reboliço ajuda a colocar em questão é a pertinência legal e republicana dessa política cultural e seus reflexos no campo da produção artística do nosso Estado. Se houve ou não superfaturamento, se teve gente que trabalhou e não recebeu ou recebeu menos do que esperava, nada disso tem a importância de se questionar essas relações promíscuas e interesseiras entre o Poder Público e a cultura. Afinal de Contas, tem o governante o direito de tratar os recursos públicos como seus e utilizá-los como forma de cooptação de artistas para a promoção de sua gestão? Ou a sociedade tem o direito de exigir um modelo mais democrático e republicano de gestão dos bens culturais?

Recife, 17/12/2009.

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ESTADO DE EXCEÇÃO EPISÓDICO

Estive, a convite, na Faculdade de Direito do Recife (FDR), para um seminário sobre os 50 anos do Golpe Militar de 1964. Para minha surpresa, encontrei um antigo militante dos Direitos Humanos, coordenador do GAJOP, que hoje está na Comissão Estadual da Verdade e da Justiça. Não foi uma das noites mais agradáveis da minha vida. Mas aprendi a noção, apresentada pela Profa. Dra. Liana Cirne, de “Estado de Exceção episódico”. Só por isso, valeu a noite. Segundo a professora da Faculdade de Direito, o chamado “Pacto pela Vida”, do governo do estado de Pernambuco, que teve como uma dos articulares o professor José Luís Ratton, é um pacto lombrosiano, higienizador, criado para elaborar políticas preventivas destinadas a sanear socialmente a sociedade pernambucana. Sanear, sobretudo, de potenciais criminosos de cor preta, classe social pobre e de orientação sexual indefinida (gays, lésbicas, transexuais etc.). Conforme Liana Cirne, o pacto visa proteger determinados estratos sociais (bem aquinhoados financeiramente) da ação, presumivelmente criminosa, de afro-brasileiros pobres e não heterossexuais. Sendo assim, diz ela que é professora de Direito Constitucional, nós teríamos um estado de exceção episódico dentro do “Estado de Direito Democrático”. Democrático para uns, de exceção para outros. Esta convicção vir-se-ia muito reforçada com as leis de exceção a serem votadas no Congresso Nacional, para atender às exigências da FIFA quando da realização dos jogos da Copa do Mundo. Essa entidade privada internacional impôs – sobre o ordenamento jurídico da Nação brasileira – uma série de exigências cujo objetivo é garantir a “paz social” pelo menos durante a realização dos jogos entre as seleções do mundo inteiro. Como vários governos estrangeiros começaram a publicar manuais de segurança pessoal, instruindo seus cidadãos sobre os riscos e perigos de vir ao Brasil, durante a Copa, o governo petista da Presidenta Dilma se antecipou e encomendou uma legislação de exceção, proibindo manifestações populares próximas aos estádios de futebol onde ocorrerão as partidas. E a militarização

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– via exército nacional – do policiamento das favelas do Rio de Janeiro. Melhor faria, como fez Agamenon Magalhães, se reunisse todos os indivíduos potencialmente criminosos (segundo os critérios de Lombroso) e os enviasse para o alto-mar para picar ferrugem em velhos navios fantasmas. Tudo isso acontece no Brasil, ao arrepio da lei, da imprensa e das chamadas organizações defensores de Direitos Humanos, que vêm se tornando “chapas brancas”, mercê de indicações e fartas subvenções patrocinadas pelo governo. O que esperar desses que deveriam ser os primeiros a levantar a voz contra o arbítrio, a violência policial, o casuísmo legal, quando convém aos altos interesses em jogo, durante esses eventos? – A política de higienização social (e militarização da segurança pública) avança célere na contramão do “garantismo jurídico”, rumo ao terrorismo penal. Abandona-se a análise sócio-jurídica, antropológica do crime e dos criminosos e caminha-se a passos largos para uma naturalização “do caráter criminoso”, das “classes perigosas”, que tem de ser exterminadas a qualquer custo, antes que “os ingleses vejam”. Política que anda de braços dados com a especulação imobiliária, francamente licenciada pelos governos petistas do Recife, numa curiosa política de inversão de prioridades. Daí a recriminalização permanente dos movimentos sociais. Esperneou, gritou, reclamou, prende que é terrorista, ou financiado pelos partidos de esquerda. A isso, some-se a crítica de alguns partidos a esses movimentos, taxando-os de fascistas, direitistas ou autoritários. Sinceramente, porque esses partidos não fazem uma autocrítica sincera de seu “vanguardismo” fora de época e adotam o bom senso de Rosa Luxemburgo de que “os erros de um movimento social genuíno, espontâneo são mil vezes mais frutíferos do que a sabedoria do comitê central”. Supondo que haja alguma sabedoria.

Recife, 17/04/2014.

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SEM RESSENTIMENTOS

Com cem milhões de reais para fazer licitação entres as agências de propaganda e os veículos de comunicação social, tendo em vista da propaganda oficial do governo de Pernambuco, o Sr. Eduardo Campos pode se dar o luxo de aparecer em todos os jornais locais, no último domingo, com um discurso apaziguador, de concordância e harmonia, como recomenda o espírito de Natal.Prestes a desembarcar da chefia do Estado, para alçar voo em direção às eleições presidenciais, o mandatário pernambucano adota o tom adequado de quem é amigo de todos, pai da nação, irmão mais velho, preocupado com o bem comum dos pernambucanos, e não com a sorte de sua aventura política e eleitoral. E não aceita o rótulo de “traidor” ou “infiel”. Poderia dizer, como o antigo secretário de estado norte-americano, John Foster Dulles, um político não tem amizades, tem interesses a perseguir. E sempre estará mudando de posição quando isto for conveniente aos seus interesses. Maquiavelismo abastardado, aprendido com o seu secretário da Casa Civil, ex-militante comunista. Não é mera coincidência que esse tom melífluo e contemporizador venha depois do afastamento, que já não era sem tempo, do seu secretário da Defesa Social, um membro graduado do Polícia Federal, a quem o governador entregou o comando de sua tropa de choque. O referido policial, do alto de sua arrogância e de seus preconceitos, expressou a tese de que as mulheres pernambucanas são estupradas e violentadas pela polícia, porque sentem uma atração fatal pela farda, pelo coturno, pela continência. É a vitimologia do cientista da SDS. A culpa é das vítimas, não dos agressores fardados, pagos com o dinheiro público para proteger a população e não para atentar contra o pudor. A outra tese do grande cientista policial é a de que a homossexualidade é um problema de família, das famílias tradicionais. Não sei onde leu essas teses. Não foi, com certeza, na obra de Gilberto Freyre, que menciona expressamente a herança sado-masoquista deixada pela escravidão africana no Brasil.

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Esse impoluto homem da lei já deveria ter sido afastado há mais tempo. Desde quando autorizou a força policial a reprimir as manifestações sociais contra o governo e a favor das políticas públicas, e não da construção de estádios inúteis e caros de futebol. Saiu tarde. Poderia nos ter poupado da invasão do campus universitário e da presença indesejável da polícia militar no recinto da UFPE. Outro que poderia ser mandado embora seja o secretário da Saúde. O ilustre magistrado Roberto Wanderley acolheu, com a sua proficiência jurisdicional, o pedido de afastamento do cidadão, por conflito de interesses e medidas atentatórias contra o SUS e o interesse público, como foi o desmonte do centro de Transplante da Medula Óssea. O IMIP, instituição público-privada do secretário, pode ser um centro de excelência médica, mas não pode usurpar a prestação uniforme e universal do Sistema Público de Saúde, recebendo equipamentos e verbas destinados à saúde pública. Isso é um crime de lesa-sociedade. Sobretudo daqueles que mais precisam da prestação estatal desses serviços, por não poder paga por eles. Finalmente, uma nota triste: surpreendi num dos comerciais da gestão do governo do Estado, o rostinho ingênuo de uma ex-aluna e ex-orientanda, usada para fazer propaganda das escolas pilotos da rede estadual de ensino. É lamentável, sob todos os pontos de vista, que os professores e outros funcionários públicos sejam “convencidos” e “convidados” a fazer propaganda a favor do gestor! Onde fica a impessoalidade, a legalidade e a publicização dos atos da administração pública?

Recife, 27/12/2013.

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QUE REI SOU EU?

A mídia impressa de Pernambuco publicou, de acordo com a sua inclinação governista e chapa branca, um farto caderno fotográfico sobre os personagens que frequentaram o camarim imperial, no último sábado. Pelas imagens coloridas e animadas, é possível ver num congraçamento de dá inveja à Igreja Internacional da Graça, abraçados o vereador Raul Jungmann, e ex-governador Jarbas Vasconcelos, Jarbinhas, o deputado Raul Henry, o governador Eduardo Campos, o secretário Paulo Câmara e o senador Fernando Bezerra Coelho. Faltaram as figurinhas do DEM e do PSDB, e não foi por falta de espaço… A foto é ilustrativa do caráter oligárquico, quase familiar, do evento. Se o finado Gilberto Freyre ainda fosse vivo, diria se tratar de um alegre convescote, no bairro aristocrático de Apipucos, reunindo compadres e comadres em torno da “mesa farta” com pitus do rio Una e as cocadas da preta velha. Como documento iconográfico do Carnaval de 2014, dedicado a dois membros famosos da família (Ariano Suassuna e Antônio Carlos Nóbrega), é também por incrível que pareça um documento político da mais alta importância para as gerações futuras. A oligarquia política de Pernambuco não se cansa de reproduzir as mesmas cenas de carnavais passados: amigos, apaniguados, afilhados, adversários e amigos da hora, todos juntos tramando o futuro político do estado, ou quiçá, do país. Parece o Baile da Ilha Fiscal, que deu fim a Velha República. Riem e se abraçam, felizes e satisfeitos, como se o mundo se resumisse a essa festa “íntima” de compadres e afilhados. Talvez pensem mesmo isso. Eles decidem – entre si – quem vai ser o governador, o senador, o deputado e o presidente da República. E no fim, todos se dão bem. Ninguém fica de fora do sarapatel ou da feijoada à pernambucana, como diria nossos antropólogos. É o caso de se perguntar onde fica o povo. A plebe rude e ignara. A raia miúda ou os tabaréus. Fica nas arquibancadas olhando o cortejo passar. Batendo palmas e dizendo: “amém, amém, amém”. Os que vão morrer te saúdam, ó Cesar.

Recife, 24/02/2014.

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BOM CARNAVAL, EXCELENTE GESTÃO?

Houve uma mudança da cobertura jornalística do carnaval de 2014. É possível dizer que houve um maior destaque dos carnavais do Rio e do Recife, e, sobretudo dos carnavais de rua, dos blocos de sujos, de troças, cordões etc. Fato auspicioso, uma vez que o “maior espetáculo da terra” tornou-se um fabuloso negócio de empresas, veículos de comunicação e autoridades públicas municipais, estaduais e federais. O renascimento da folia espontânea dos bairros e dos foliões anônimos é um sinal positivo de que não só de glamour e purpurina (e dos holofotes) vive o carnaval brasileiro.Existe sempre o risco de o globalismo localizado querer tomar e dá conta da festa momesca. Apesar da pretensão dos baianos e dos cariocas de roubarem a cena carnavalesca, a diversidade regional e cultural da folia tem enriquecido o espetáculo e tornado mais plural o cortejo carnavalesco. O carnaval de rua retoma o espírito original da “inversão”, da crítica, da irreverência popular em relação aos poderosos e ricos. O mesmo não se pode dizer da relação dos políticos com o carnaval. Eles continuam com a condenável tendência (anticarnavalesca) de tirar proveitos e dividendos da folia. A festa popular – como o futebol e a religião – faz parte daquilo que os estudiosos chamam de “mundo da vida” ou da “cotidianidade”. Esta é uma esfera social contraposta ao “sistema”, ao mundo do dinheiro e do poder. É aí onde as pessoas respiram, se dão o luxo de serem mais espontâneas, naturais, de dizerem o que pensam ou como gostariam de ser (o mundo do imaginário social). Tal como se poderia ver o carnaval como uma autêntica válvula de escape (diante da opressão cotidiana), ele também pode facilmente cumprir (e cumpre) o papel de um eficiente controle social. Uma forma de insatisfação administrada, com prazo e data para acabar ou se camuflar. É exatamente como forma de controle social, que as nossas elites pensam o carnaval. Acham que podem manipular a insatisfação

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das pessoas, patrocinando a folia. Como se fosse possível vestir a camisa de seu partido ou de seu governo nos foliões e dizer que o sucesso da folia é o seu sucesso, é o sucesso de suas gestões. Como se dissessem: “Obrigado, foliões. Vocês corresponderam na avenida ao esforço hercúleo e desmedido de governar para a felicidade de vocês”. Coitados! Mas iludidos do que os foliões estão eles pensam que a alegria, o sorriso, a desconcentração, o bom humor é a senha de entrada no panteão dos deuses eleitorais de 2014.

Recife, 05/03/2014.

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O USO POLÍTICO DA MEMÓRIA

Como outras efemérides históricas do nosso calendário,os 50 anos do golpe militar de 1964 vai ganhar vários seminários e debates. O grupo memória, da Pós-graduação de História, da UFPE, vai realizar um. O Espaço Socialista também estará realizando um debate público, no SIMPERE, no próximo sábado. Mas o governo do estado de Pernambuco parece ter se antecipado e juntamente com a UNICAP, o GAJOP e a Comissão da Verdade, resolveu fazer o seu na universidade jesuítica, durante esta semana. É sintomática a atitude de se antecipar às demais iniciativas da sociedade em rediscutir as consequências do regime militar no Brasil. Certamente, o nosso dirigente estadual tem interesse direto na reescritura desse triste evento. Primeiro, porque a família Arraes foi duramente atingida pelo golpe: o ex-governador Miguel Arraes foi deposto. Preso, teve seus direitos políticos cassados e foi exilado do país. A lembrança dos seus feitos foi conspurcada pela historiografia do regime militar. Só se pôde deles ter conhecimento através de teses, livros e autobiografias produzidas ao longo de todos esses anos. Em segundo lugar, há o interesse político do seu herdeiro político em tirar dividendos eleitorais das homenagens e louvaminhas aos atingidos, sobretudo aos da família do ex-governador. A propósito, a família foi alvo de uma homenagem, no início do encontro. O que mais importa chamar a atenção é o uso político, estratégico da memória histórica, destinado a produzir uma hagiografia cívica que sirva aos interesses do presente, às motivações da hora, aos objetivos políticos do grupo (familiar) ora no poder. Neste sentido, retornamos sempre ao conceito orwelliano da história, com o seu infame departamento da memória, reescrevendo o passado de acordo com as conveniências políticas do presente. Podemos dizer como Nietzsche, Foucault e Crocce, que só existe história do presente, nunca do passado. A nossa visão do passado não passa de uma mera racionalização de imperativos de poder. E ponto. Não sei se esses

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políticos de Pernambuco operam com essa sofisticação intelectual. São pragmáticos demais. Talvez contratem alguns pesquisadores, publicistas e acadêmicos para o fazerem. O fato é que se todo esse esforço hermenêutico sobre o golpe civil-militar de 1064 deixar de realçar a sua essência bonapartista, apoiada na histeria anticomunista das classes média, para o aumento da internacionalização da economia brasileira, a formação de um sindicalismo de ponta, uma indústria cultural moderna e a emergência de novos atores sociais, for trocado por uma hagiografia de sinal invertido, para satisfazer interesses da hora, de nada terá valido todo esse vozerio e o ruído, a não ser para a publicação de artigos e livros, que irão rechear o curriculum lattes de alguns. Como dizia um filósofo, nada do que aconteceu está perdido para a História. Mas se permitirmos que os vencedores de outrora continuem vencendo, nem os mortos, os desaparecidos, os torturados estarão a salvo em suas sepulturas.

Recife, 13/03/2014.

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A RITUALIZAÇÃO DA MEMÓRIA

A semana foi pródiga em comemoração. Dizia Theodor Adorno que toda tentativa de compreender e explicar os eventos passados era uma forma de justificação. Há coisas injustificáveis e indizíveis e que, portanto, devem permanecer como estão. Tal como uma ferida que não cicatriza e que sangra a vida toda. É esta a sensação que se tem dos crimes cometidos contra a humanidade e à dignidade da pessoa humana. A expressão “passar a limpo” ou “ajustar as contas” com o passado pode muito bem ser uma forma de exorcismo dos demônios e assombrações que povoam a mente de quem sobreviveu à catástrofe, ao genocídio, ao assassinato e a tortura praticada por agentes do Estado contra parentes, amigos e cidadãos comuns. Mas isso é notoriamente insuficiente quando se trata do ponto de vista da história e da sociedade onde e quando ocorreram esses eventos. A preocupação legítima seria a de não transformar essa necessária e indispensável anamnese histórica numa comemoração familiar ou em autopromoção político-eleitoral. Mas grave ainda quando está em jogo o dinheiro público, pago pelo contribuinte, que já suporta uma carga tributária pela hora da morte. Indenizar crianças, cujos pais foram vítima do arbítrio e que em vida receberam compensações pela violência institucional cometida contra eles, é uma “ação em família”, enquanto a viúva do operário Manoel Fiel Filho, assassinado no DOI-CODI, em São Paulo, recebe a pensão de um salário ou pouco mais de um salário. Já não bastasse a autopromoção familiar, a propósito da rememoração dos trágicos acontecimentos de 1964, que muitas famílias não tão privilegiadas assim reclamam até hoje para saber onde estão seus familiares “desaparecidos”, a fim de enterrá-los condignamente e dormirem em paz, temos de presenciar o festim - celebrado em parceria com ONGs chapa-branca e uma universidade jesuíta - para convidados especiais, trazidos a peso de ouro do exterior e de outros cantos do país, regado a “coffee break” e farta distribuição de material impresso, em papel couché e capa dura entregues aos inscritos e participantes do convescote.

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É o caso de se perguntar: qual é o sentido dessa celebração ritualística sobre os 50 anos do golpe militar? É entendê-lo, exorcizar os fantasmas do passado e apontar responsabilidades pelos crimes cometidos contra os direitos humanos ou transformá-lo em mais uma efeméride comemorativa, destinada a gerar mais publicações, mais repercussão midiáticos e dividendos eleitorais para aqueles que se julgam herdeiros das vitimas? Essa celebração mórbida, ruidosa e cara servem a tudo, menos à salvação da memória dos vencidos; que deve sim ser resgatada numa ordem de luta, de indignação, de resistência e de protesto. Se não formos capazes disso, é melhor silenciar sobre o passado. É o mínimo respeito que espera a memória dos que ainda hoje clamam por justiça.

Recife, 17/03/2014.

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DA EFICIÊNCIA DOS DISCURSOS ELEITORAIS

O conceito de “eficiência” foi, originalmente, apropriado pelos marqueteiros políticos da Física e de outras ciências da natureza: significa o melhor aproveitamento da energia possível. Na administração privada, seu sentido é fazer mais, com menos recursos. Na Ciência Política e na Administração Pública, chama-se “choque de gestão”, ou seja, racionalização do uso de recursos públicos ou “taylorismo social”. A tradução do conceito de “eficiência” das ciências naturais para a administração pública se deu com o advento do Estado Regulador ou Gerencial, onde de provedor ou produtor de bens e serviços, o Estado passou a ser mero gerente ou regulador da oferta. Dessa transformação da Administração Pública, até hoje sujeita a controvérsias jurídicas, surgiu essa classe de estadistas ou homens públicos intitulada de “salesmen”: vendedores ou liquidadores de ativos públicos ou simplesmente “gerentes”. Tudo isso vem a propósito do uso generalizado na propaganda eleitoral de alguns partidos e candidatos da palavra “eficiência gerencial” dos recursos públicos na oferta e distribuição de bens e serviços de utilidade pública. O que significa imprimir eficiência à execução das políticas sociais (saúde, educação, saneamento básico, habitação, transporte etc.) no vocabulário da administração gerencial? - Corte de despesas, racionalização do gasto, fazer mais com menos, economia... e por ai vai. Ocorre que a aplicação desse método de gestão (tipo das empresas privadas) à oferta de bens de utilidade pública tem limites bem rígidos, além dos quais a revolução gerencial compromete a qualidade desses bens e serviços. Quando a quantidade se impõe sobre a qualidade na prestação dos serviços tutelados juridicamente pelo Estado, o resultado é uma péssima educação, uma péssima saúde, um péssimo transporte público etc., e isto com a conivência das agências reguladoras, muitas delas com a forte representação empresarial em seus quadros. Daí se dizer que esse tipo de administração (chamada de resultados ou por metas) é incompatível com o espírito republicano,

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pois a tônica da administração moderna é a garantia de acesso, a universalidade e equidade na prestação dos serviços públicos. Os direitos republicanos são aqueles oferecidos, incondicionalmente, a toda população sem distinção de classe, credo, raça ou ideologia. A administração gerencial conspira contra o critério republicano da universalidade ou equidade. É um tipo de gestão focada nos mais miseráveis dos miseráveis, nos mais pobres dos pobres. Só que a oferta desses bens é entregue, sem mais, ao terceiro setor, às ONGs, às organizações sociais de interesse público, à fundações empresariais, sob a alegação do baixo custo e da facilidade de acesso a esses públicos “vulneráveis”. O resto fica à mercê dos planos de saúde, da escola privada, do péssimo transporte público etc. É aí onde se dá a quebra da administração democrática e republicana, voltada para todos, e seu direcionamento para alguns setores. Os administradores viram técnicos, mais preocupados com a racionalização dos custos do que com a qualidade e a universalidade das políticas públicas.É preciso ter muito cuidado com o sofismo da propaganda eleitoral. Nem sempre o que é bom para as empresas privadas (que visam o lucro dos acionistas e dos donos) é bom para o Estado e a administração pública, cujos fins são outros: redistribuir riqueza através das políticas públicas, com base na arrecadação de tributos. Neste sentido, a política de redução, isenção, privilégios fiscais como forma de alavancar a economia das empresas no Brasil é um crime de lesa-sociedade, e de resultados duvidosos. Mas parece ter sido esse o caminho da eficiência governamental dos nossos dias.

Recife, 05/09/2012.

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A IMPOSIÇÃO TRIBUTÁRIA SOBRE OS COMBUSTÍVEIS

Existe no direito tributário brasileiro, uma longa e profunda controvérsia sobre a tributação do gás e do petróleo pelo estado brasileiro nas refinarias. Isto porque, segundo os especialistas, o cálculo de base para essa imposição tributária é feita numa especulação sobre a quantidade de gasolina e gás que os potenciais consumidores (que são os verdadeiros contribuintes, mal chamados de “contribuintes indiretos”) comprarão dos postos e locais de abastecimento do combustível. Com base nisso, alguns estados da federação brasileira, incluindo-se aí o de Pernambuco, entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal para receber a diferença do pagamento tributário, caso o quantum efetivamente pago seja menor do que o especulado. Não se cogitou, na ação, da devolução da diferença aos contribuintes finais. Dos itens da carga tributária do ICMS, o maior incremento é dos combustíveis, o das telecomunicações e o da energia elétrica. Qualquer redução nesse departamento tem um efeito sensível no bolso dos consumidores. Ninguém gosta de pagar impostos. Sobretudo, impostos indiretos, que são os repassados pelas empresas aos consumidores. Dai o nome “imposição tributária”. O nome é antipático, e a coisa ainda pior. 0 ICMS é o principal imposto da federação brasileira, que resiste a qualquer tentativa de federalização. Pois os estados temem em perder receitas para a União. Pior, no entanto, é os serviços que não temos em contrapartida da carga tributária (37% do PIB), e a renúncia unilateral de impostos pelo agente público responsável pela arrecadação como cortesia eleitoral, em época de campanha eleitoral. E isso vale para as diversas esferas de governo. Se fosse sincera a preocupação com a carga tributária sobre os combustíveis, os estados se preocupariam em devolver à população a diferença entre o valor arbitrado na cobrança do imposto nas refinarias e a efetiva venda nos postos de gasolina e gás. Infelizmente, se trata apenas de um gesto, uma manobra, um faz de conta para agradar consumidores incautos e confiscados, que não estão inteirados dos meandros da política fiscal e tributária

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brasileira. Bastaria a pergunta: qual é o fato gerador da imposição tributária que justifique a cobrança e o valor arbitrário do imposto sobre os combustíveis nas refinarias? – Ora, o fato gerador se dá no consumo do combustível nos postos, mas não por um valor arbitrado hipoteticamente, mas pelo consumo real de gasolina e gás por cada consumidor individual. Entretanto, aqueles que arrecadam o tributo não estão preocupados com a desoneração efetiva dessa injusta imposição tributária. Estão preocupados em fazer caixa com o dinheiro do consumidor e em fazer gestos populistas e demagógicos com o chapéu alheio. Por que não se aplicam na reforma do sistema tributário, para combater a sua regressividade? A obediência ao comando constitucional da capacidade contributiva e ao princípio da equidade. Outra questão importante: onde foram parar os efeitos extra e para- fiscais das taxas e contribuições arrecadadas pela União? Por que os serviços públicos – juridicamente tutelados pelo Estado – estão em péssimas condições ou estão sendo terceirizados para fundações e organizações sociais de interesse público? Afinal de contas, qual é a destinação prioritária da receita tributária do Estado brasileiro? – Pagar os 14% de juros sobre a dívida mobiliária da União (todo mês, 20 bilhões de reais)?Há alguma coisa de errado sobre essas campanhas periódicas de isenção, diminuição ou renúncia fiscal, mesmo quando bem intencionadas. Elas deseducam a sociedade, desviam a atenção do que é essencial e concentram geometricamente renda nos bolsos de quem já tem muito dinheiro. Mas tem o efeito colateral de produzir na cabeça do contribuinte incauto uma descarga psicológica de alívio. Coitado!

Recife, 08/05/2013.

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REFORMA TRIBUTÁRIA. O QUE É ISSO?

Há palavras e expressões que, de tanto serem ditas e pronunciadas, perderam o sentido. Na boca desse novo tipo de sofista moderno que são os nossos parlamentares, vocábulos como “sustentabilidade”, “justiça social”, “educação pública de qualidade”, “reforma tributária” e outros similares, tornaram-se moedas gastas que não valem mais nem pela liga de metal de que são feitas. Quando o senhor Everardo Maciel foi Secretário da Receita Federal, perguntaram-lhe o que era a reforma tributária. Ele respondeu que era um mito. Ou seja: não havia nenhuma reforma tributária. Na verdade era um jogo onde um diminuía a sua parte e o outro aumentava a sua. Como ninguém queria perder receita e todos queriam aumentar a sua receita, não havia, pois nenhuma reforma plausível. Claro que se esqueceram de lembrar ao Secretário que a receita da União era proveniente de confisco salarial, não da mera arrecadação dos impostos. Num dos últimos cálculos do IBET, a nossa carga tributária beirava a casa dos 36 ou 37% do PIB. O que representava quatro meses e meio de trabalho de cada contribuinte brasileiro. Sendo que a União abocanha perto de 60% do bolo tributário, cabendo aos municípios a menor fatia. Ultimamente, houve uma pequena movimentação dos governadores em Brasília em busca de uma reforma na distribuição das receitas fiscais pela União, sobretudo das contribuições para- fiscais e extrafiscais, pois estas não são compartilhadas com as unidades subnacionais. O que não se discute é a magnitude da renúncia fiscal, praticada por estados e municípios, e suas consequências para a atividade financeira dos entes públicos. E aí tem destaque a longa redução do IPI, a redução do ICMS e a cessão unilateral de receitas municipais e estaduais como forma de atração de investimentos privados. Este é a meu ver o ponto crítico que permite gestores posarem de “paladinos da justiça tributária e fiscal” e ao mesmo tempo se comportarem como os “Hobin Hoods” invertidos (os que tiram dos mais pobres para dar aos mais ricos). Quem quiser

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que defenda este modelo como forma de desenvolvimento social e econômico. Não compartilho com essa forma de pensar. Nunca imaginei que se oferecesse renúncia fiscal a empresas de transportes urbanos como meio de melhorar a qualidade do transporte público e atrair mais passageiros para essa modalidade de locomoção. Achava que mais eficaz era taxar o uso e a aquisição de carros particulares, que abarrotam as nossas vias, em detrimento do bom transporte público. Mais aí vem o governante – em plena pré-campanha política – e diz na TV que é reduzindo o imposto (como?) do transporte público e concedendo favores fiscais a montadoras internacionais de veículos, que vamos resolver o problema da mobilidade em nossas cidades! O que é mais grave disso tudo é que as discussões da reforma tributária e de um novo pacto federativo estão, sim, na ordem do dia. O atual modelo de arrecadação (impostos indiretos), que incidem sobre alimentos ou a retenção na fonte de impostos nos contracheques dos servidores públicos, não respeita o principio da capacidade contributiva, não observa o principio da equidade e grava mais pesadamente quem trabalha e consomem alimentos, deixando de fora os bancos, o latifúndio improdutivo, a especulação financeira, as grandes fortunas etc. Quando os governantes estaduais praticam a chamada “guerra fiscal” fazem aquilo que se chama “jogo de soma zero”, ninguém ganha. Todos perdem. Um jogo em que todos “possam ganhar” tem outro nome e outra lógica bem diferente. Mas enquanto os jogadores utilizarem a “reforma tributária” e o novo “pacto federativo” como mera retórica política em pré-campanha eleitoral, continuaremos a perder – todos nós – inclusive os pretensos candidatos a paladinos a justiça social.

Recife, 14/03/2013

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PSB E PSDB, AFINIDADES ELETIVAS OU ELEITORAIS?

Depois de consumada a aliança com a irmã Marina, a declaração de apoio do PDT local e da banda podre do PMDB local, chegou a hora do PSDB local. Pelo visto em Pernambuco, vamos ter uma campanha “sui generis”: a nível nacional, os partidos vão apoiar a Presidenta Dilma (por conta dos cargos); mas a nível regional ficam com a candidatura do governador (também por cargos). Afinidades políticas ou fisiológicas? O Brasil é um país grande e desigual. Sua estrutura federativa é assimétrica e multicultural. Uma lei como a verticalização das coligações deveria corrigir esses disparates, onde partidos que estão juntos na esfera federal, estão separados na estadual e municipal. No entanto, O caráter de uma federação anômala e competitiva como a nossa estimula os partidos e os políticos a fazerem todo tipo de aliança e coligação, cujo objetivo é meramente eleitoral. No caso da aliança do PSB com o PSDB, não deveria haver muita surpresa. O governador de Pernambuco nunca escondeu sua admiração pelo candidato do PSDB, Aécio Neves. Chegou – inclusive – a importar um grande assessor do ex-governador mineiro para “dar um choque de gestão” em seu secretariado. E inquirido àquela época o porquê daquela aproximação, respondeu o mandatário pernambucano que o motivo era os altos índices de aprovação da gestão do político mineiro. Sem dúvidas, há muito mais afinidades entre ele e Aécio, do que entre ele e Dilma. Além de que ambos disputam a mesma coisa: o lugar de Dilma. A diferença é que o neto de Arraes foi governista até pouco tempo atrás. Sua saída despertou muitas dúvidas e críticas de oportunismo etc. Enquanto o ex-governador mineiro sempre foi uma oposição ao PT. Na verdade, essa aliança com o PSDB, com Marina, com um pedaço do PMDB e o PPS tem tudo para ser uma aliança pragmática, com os olhos voltados para a conquista do cargo. Uma vez atingidos os objetivos eleitorais, faz-se sem nenhum pudor o loteamento da administração pública federal, como, aliás, foi feito aqui em Pernambuco com os partidos aliados. O que menos importa é a

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convergência doutrinária ou ideológica, porque disso a eleição não se ocupa. Como dizia um vereador do PSDB de carteirinha: política e eleição nada têm a ver. Ele mesmo profundamente incomodado agora com essa aproximação do seu partido com o governo do Estado. É uma pena. Precisamos de uma oposição séria, consequente e de princípios.

Recife, 07/01/2014.

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AMBIENTE POLÍTICO ABAFADO

O professor Marco Mondaini, da Pós-graduação de Direitos Humanos (UFPE), me escreveu falando da atmosfera política “asfixiante” que domina o estado de Pernambuco. Segundo ele, regredimos de Gramsci a Althusser, ou seja, dos aparelhos privados de hegemonia para os aparelhos ideológicos de estado. Só conseguiu publicar sua análise sobre o “neo-socialismo” do governador no portal da Carta Maior. Ainda bem! Depois que o nosso mandatário se tornar presidente da República, nem nesse portal ele vai poder publicar nada. Mas o alerta do professor Mondaini é que o arremedo de nossa sociedade civil foi inteiramente absorvido pelo Estado, com o consentimento tácito dos atores (incluindo aí a mídia) da própria sociedade civil. É a servidão voluntária, de que fala La Boétie. Num estado, onde prevalece uma política do amigo e do inimigo seria demais esperar um movimento político organizado de resistência ao rolo compressor do Palácio das Princesas. Enquanto a famosa Copa das Confederações não passar, ninguém vai prestar atenção aos imensos buracos submersos dessa administração. Mesmo com os carros caindo nesses buracos, as estações de metro alagadas, a dificuldade de acesso a tal “arena” de Pernambuco, os graves problemas de mobilidade na cidade, sobretudo em dias de chuva….Pior é usar uma empresa calamitosa como a COMPESA para fazer propaganda da gestão. Exatamente a empresa responsável pelos inúmeros buracos, tubulações rompidas, asfalto liquefeito etc. Como é possível transformar uma anti-empresa desta em modelo de eficiência de prestação de serviço ao cidadão? Enquanto isso, o “príncipe” sequer consegue unir o seu próprio partido em torno de sua candidatura. Não consegue convencer o seu ministro da viabilidade política de seu nome, nem dissuadir o senador petebista de buscar o apoio do PT para disputar o governo de Pernambuco. Seria o caso de perguntar se um político que mal consegue persuadir seus comandados a lhe prestarem apoio pode amealhar o apoio de outros partidos e coligações.

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Deveria ele saber que o mesmo método que utiliza – na falta da hegemonia propriamente dita – para cooptar, seduzir, arrastar é o que o governo federal fará, com muito mais poder de fogo, para ganhar as eleições do ano vindouro. Não haverá, certamente, uma disputa de hegemonia, de ideias, projetos ou coisas assim. A disputa será de força, de recursos, de cargos, indicações e benesses. E aí, quem ganha? Não sabe o professor Mondaini que o baixo grau de socialização política, num ambiente político secularmente polarizado como o nosso, os argumentos são dois: a força e o aliciamento. Não há espaço para disputas saudáveis de ideias generosas em prol do bem público. O debate será substituído pela pirotecnia dos publicitários, os sofismas dos marqueteiros de plantão, das falsas estatísticas, e da exposição de modelos mirabolantes das avenidas do futuro. É um luxo pedir a esse tipo de políticos que arregace as mangas para demonstrar pelo empenho, a capacidade, o denodo e a dedicação demonstrados durante a gestão, que merecem a confiança do eleitor. Não. Basta o clima de ufanismo ocasional dos eventos preparados para este ano e o próximo, e tudo se arruma, tudo se arranja, se a cidade não afundar numa enorme cratera moral submersa pelas chuvas.

Recife, 11/06/2013.

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O NEO-DESENVOLVIMENTISMO DA ERA EDUARDIANA EM PERNAMBUCO

No último dia 26 deste mês, o Espaço Socialista realizou um grande seminário intitulado: “Outro Pernambuco é possível”, diagnósticos e perspectivas, cujo fim era analisar os resultados dos dois mandatos do ex-governador e candidato, e traçar diretrizes para as eleições estaduais e nacionais de outubro. Uma das mesas tratava especificamente do “neo-desenvolvimentismo” como característica da política econômica empregada por Dilma e pelo ex-mandatário de Pernambuco. Esse é um tema que suscita muitas paixões e discussões acaloradas. Estamos ou não diante de um ciclo virtuoso de investimentos, emprego e renda, que começou no governo do PT e que ainda continua como afirma o ministro Aloísio Mercadante? Ou estaríamos no fim desse ciclo e experimentando as consequências da crise econômica mundial sobre o país? – Essa é a questão. O governo do presidente LULA foi altamente beneficiado pelo “céu de brigadeiro” da economia internacional. Acumulou divisas. Exportou as “commodities”. Teve um bom desempenho nos índices de crescimento econômico. Controlou a inflação. Manteve o equilíbrio (com superávit) da balança comercial. Distribuiu renda através de bolsas, aposentadorias e aumento do salário real. Mas a situação mudou com a posse da presidente Dilma. O “céu de brigadeiro” da economia internacional se foi. Veio uma tempestade iniciada com o estouro da bolha imobiliária norte-americana e da crise do euro. Essa crise que atinge diretamente o resto do mundo, dado o grau de interdependência da economia mundial, foi enfrentada no Brasil com um conjunto de medidas econômicas, chamado de “neo-desenvolvimentismo”, em referência à política desenvolvimentista de Getúlio Vargas. Em flagrante oposição ao fundamentalismo fiscal do governo de FHC, que privilegiou o combate a inflação com uma terapia fiscal e financeira (taxa de juros, superávit fiscal alto, e meta de inflação apertada), o governo Dilma resolveu estimular a economia do país, num contexto de crise internacional, através do

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financiamento público-estatal de obras de infraestrutura (o PAC e as obras da COPA), o consumo privado das famílias e a venda de automóveis, casas e eletrodomésticos por meio da isenção do IPI. Essa estratégia funcionou durante certo tempo, até atingir sua exaustão com a inadimplência dos consumidores, o fim da redução do IPI, o encarecimento do crédito, o superávit primário alto, o desequilíbrio da balança de pagamentos, a retomada da inflação, o baixo crescimento econômico e o estrangulamento da infraestrutura do país (a crise energética, entre outros pontos do estrangulamento). A estratégia neo-desenvolvimentista esgotou-se no endividamento do país e das famílias. No formidável arrocho das finanças públicas (44 bilhões de reais) para o pagamento do serviço da astronômica dívida interna. No aumento dos preços administrados. Na volta da inflação. O que constitui, naturalmente, o principal obstáculo para a reeleição da presidenta. Nem tanto as denúncias de corrupção na Petrobrás.Em Pernambuco, a situação não foi muito diferente. Quem vai pagar os custos desse “desenvolvimento” são os contribuintes. Beneficiado, como foi, por essas medidas federais, o ex-governador se comportou como um autêntico “salesman”, um vendedor dos ativos do estado de Pernambuco, através de uma farta e generosa renúncia fiscal e liberalização da legislação de proteção socioambiental. O impacto dessa pletora de negócios sobre a população do estado já se faz sentir. Como uma modalidade “espúria” de política neokeynesiana”, ela só copia um lado da moeda, sem se preocupar com os efeitos danosos sobre o meio-ambiente, as comunidades locais afetadas por esses empreendimentos, a alta do custo de vida, os inúmeros constrangimentos infligidos à população, o desrespeito aos mais comezinhos direitos dos mais pobres e a violência empregada contra a oposição. Passada essa quadra (com o fim dos jogos da Copa do Mundo), vamos avaliar se sobreviveremos até as eleições. Aí, teremos um quadro realista das condições socioeconômicas e ambientais do país e do estado, para escolher que modelo de desenvolvimento que queremos para nós. Recife, 29/04/2014.

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ÉPICA POPULAR MALOGRADA

O título desse artigo é uma paráfrase à tese do escritor Ariano Suassuna sobre a Cultura Popular do Nordeste. Como o escritor paraibano (de Taperoá) é muito prestigiado pelo governador Eduardo de Acioly Campos e aliado da presidente Dilma Rousseff, achei apropriado iniciar este comentário sobre o modelo de inclusão social do PT (do novo PT?), com essa paráfrase.Em primeiro lugar, é possível falar em novo PT a partir de uma nova forma de gestão no Brasil, iniciada pela atual presidenta da República, de que seria a mais nova manifestação a eleição do ex-ministro Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo? – É preciso considerar, antes de responder essa questão, os pilares em que se assenta tanto o modelo econômico (virtuoso?), como a natureza (republicana?) das alianças e coligações que sustentam e permitem a eleição de tais candidatos petistas. Vejamos quais são as características desse modelo “redistributivo” do PT posto em prática a partir das sucessivas reduções de IPI e do abundante crédito subsidiado para o consumidor (a nova classe média?). Como considerar virtuoso um modelo de “lesa-federação”, que faz cortesia com o chapéu alheio, ao renunciar unilateralmente a cobrança de impostos, que teriam de ser obrigatoriamente compartilhado como estados e municípios, num contexto de imensas necessidades sociais e de crescentes expectativas dos cidadãos pela prestação público-estatal de bens juridicamente tutelados pelo Estado (educação, saúde, segurança, esgotamento sanitário, habitação popular, transporte público etc.)? Só se for uma redistribuição de cabeça para baixo: tirar de quem não tem, para dar a quem tem muito. Neste sentido, não compreende como o banco de fomento e empréstimo a logo prazo, como o BNDES, empresta R$ 30.000.000,00, e o governo do estado isenta por 7 anos da cobrança de ICMS um grupo econômico privado, cujas atividades se destinam a uma clientela de alto poder aquisitivo? Mais problemática é a torrente de crédito ao consumidor para a aquisição de produtos da chamada “linha branca”, imóveis

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e automóveis, ajudando às “pobres” empresas montadoras multinacionais a “desovar” seus estoques. Disse um analista, comentando os milagres dessa política econômica, que se tratava de uma modalidade de capitalismo de Estado (com semelhança ao da China), destinado a usar o fundo público para alavancar a economia do País (?), enquanto a crise internacional não passava. De quebra, teríamos uma nova classe média (18 milhões de pessoas) disposta a comprar tudo e a votar no governo. E que o resto, seria preconceito da “velha classe média” contra esse fabuloso modelo de inclusão social, via crédito, renúncia fiscal e acesso a bens de consumo duráveis. Faltou dizer que a qualidade dos serviços públicos (e o financiamento das políticas públicas) como forma republicana de inclusão social foi deixada de lado por este autêntico “American way life”. Daí essa caótica e infernal urbanização _ paraíso da especulação imobiliária - vertical, que vem transformando as nossas cidades em reservatório de lixo, calor, barulho e incivilidade. Modelo que celebra festivamente o casamento dos gestores públicos com agentes e promotores do tal “desenvolvimento econômico” sustentável. Seria isso a que chamam “choque de gestão”: privatizar serviços públicos e vender o estado e a cidade a empresários, investidores, turistas e outros? Por essas e por outras, se é para falar do novo PT, do novo modo de governar e de um novo modelo econômico-social no Brasil, só se for através do malogro – mais uma vez – de uma verdadeira épica popular.

Recife, 13/11/2012

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A VOLTA DO MENINO DE OURO

Nunca votei e nem fiz parte da base do ex-deputado e colega da Pós-graduação em Direito, Maurício Rands. Em todos os episódios e situações compartilhados com o referido professor, sempre fiquei com uma sensação desagradável de estar diante de alguém que não mede esforços quando se trata de conseguir o que quer, a despeito de compromissos e lealdades. É aquela velha história: quem pode me oferecer no momento as melhores vantagens – os servidores públicos federais (que bateram à porta do seu escritório de advocacia), o governo Lula e a sua necessidade de taxar os inativos, o governo estadual e seu objetivo de quebrar o PT em Pernambuco? Num lançamento de livro coletivo sobre Josué de Castro, estava ele na fila dos pedintes de autógrafo. Relutei. Disse-lhe que não sabia ou o que podia escrever na dedicatória. Ele mesmo ditou a frase e eu, por educação, acrescentei (“Sic”), para deixar claro que não eram minhas as palavras. Na campanha solidária para indicação de um magistrado federal ao STF, Rands fez uma vingança mesquinha contra o magistrado, porque tinha sido contrariado no tribunal regional num pedido de celeridade para o despacho de uma petição de seu escritório. Enfim, posso até ser “um engenheiro de obras feitas”, como me tratou uma vez, em banca examinadora, mas tenho dificuldades de aceitar uma carreira política como essa. A volta desse cidadão a Pernambuco, depois de estar há muito tempo confortavelmente instalado na Holanda, neste período pré-eleitoral aqui e no Brasil só pode ter um único significado: dar uma modesta contribuiçãozinha ao seu chefe e protetor nas eleições estaduais e federais. Especula-se que seria o nome mais indicado, ao invés do primo do governador, para a chapa majoritária em Pernambuco. Será?- Tudo é possível quando não se tem escrúpulos de “sujar as mãos” na política, para agradar ao poderoso da hora, em troca de benesses e favores. Existem políticos que se candidatam e sempre perdem as

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eleições, mas não mudam de lado. E existem aqueles que vivem mudando de lado (e se dão bem), quando é conveniente. Este parece ser o caso do ex-deputado e professor licenciado da UFPE. Imagino que lições poderia ele dar, em seu magistério, da política e dos políticos aos quais se aliou. Talvez tenha aprendido de Maquiavel o menos importante: como fazer para se manter sempre na situação, mesmo transigindo com as ideias e os companheiros de partido. Ou criando o Partido dos Meus Interesses (PMI).

Recife, 14/11/2012.

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O VELHO, O NOVO E O RENOVADO

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) fez sua aparição espectral na televisão, apresentando suas caras “novas” ou “renovadas”: o ex-governador do estado, a filha de Jacilda Urquiza, o deputado Raul Henry etc. O que mais chama atenção é o discurso da “renovação”. 0 PMDB de Pernambuco é como o PC do B: velho, mas renovado. De acordo com os desafios da contemporaneidade… dos donos do poder atuais. Este partido, bem como o antigo PFL, tornou-se partidos fóssil na cena política brasileira. Perdeu o rumo. Transformou-se naqueles antigos mastodontes grandes e sem uma função ou identidade definida, a não ser negociar apoio ao governo, em troca de cargos, recursos, nomeações. Disto, uma verdadeira reforma política devia cuidar. Afinal, a causa da ingovernabilidade não é a existência dos pequenos partidos e legendas, mas o fisiologismo, o clientelismo e (em alguns casos) o corporativismo de algumas legendas partidárias. Consumada a chamada “transição democrática” com o governo Sarney e a Constituição de 1988, o histórico desse grande partido mastodôntico – detentor do maior número de cadeiras no Parlamento e de grande capilaridade municipal – é o da falta de unidade nacional, de comando e de ser ma federação de oligarquias estaduais que utilizam a legenda como querem. Um pedaço faz oposição ao governo; outro pedaço adere fisiologicamente ao governo; e um terceiro pedaço fica em cima do muro, vendo a direção dos ventos. De forma que hoje nós temos uma ala representada pelo vice-presidente da República e seus ministros no governo Dilma; uma ala que faz oposição ao governo Dilma, bem representada pelo o ex-governador de Pernambuco e os omissos e oportunistas de sempre, esperando o momento de tirarem proveito da mudança dos ventos. Exemplar é o ajustamento de conduta partidário do PMBD de Pernambuco. Tendo se declarado oposição ao governo federal, desde o começo, aderiu ao palanque do governador do estado, logo que este acenou com a possibilidade de abrir um palanque próprio

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na corrida presidencial. Muita gente deve ter se espantado com a manobra radical do velho partido “autêntico”, em apoiar o adversário político dos últimos anos. Deve ser esta a renovação de que fala a propaganda partidária do PMDB: se aliar ao adversário de ontem, contra o adversário federal. Ou leia-se contra o próprio PMBD governista. E a manobra deve ter rendido alguma coisa ao partido: não só o apoio nas eleições municipais de 2012, indicações de nomes na Comissão da Verdade e da Justiça, cargos na Prefeitura do Recife e promessas de apoio político a parlamentares peemedebistas nas próximas eleições (talvez, a reeleição do próprio se na dor). É nisto em que consiste o “novo”, o “renovado” o “autêntico” PMDB: um partido desfigurado a serviço de interesses e ambições paroquiais de chefes políticos regionais. Em Pernambuco, a aliança preferencial do partido tem sido com legendas de centro-direita, PPS, DEM, PSDB, PV. Uma verdadeira sopa de letrinhas que não significa nada. Uns funcionam com linha auxiliar de outros. O próprio PSDB não passa de um instrumento na mão do seu presidente regional, tal como o PMDB o é nas mãos do ex-governador do estado. O ex-PPS faz o jogo do ex-governador e agora marcha a passos largos para apoiar a candidatura do primeiro mandatário do estado a Presidência da República. E o DEM encontra-se em estado terminal. Sobreviverá se apoiar a candidatura ou de Aécio Neves ou de Eduardo Campos. Só falta caracterizar a postura do “novíssimo” PSB. Que partido é esse? – Poderá ele dizer – como seu aliado da hora – que tem a mesma história e a mesma cara, ao longo de tantos anos?. Durante muito tempo, o partido de João Mangabeira e Evaristo de Moraes gravitou em torno do Partido Comunista Brasileiro. Era uma agremiação de intelectuais que tinham escrúpulos de aceitar o estalinismo do velho PCB. Com a crise ideológica do socialismo real, o “novo” PSB ficou em disponibilidade ideológica e passou a gravitarem torno do PT, de quem foi aliado muitos anos. Pelo visto, a transformação pragmática do PT, liberou outra vez o PSB para assumir novos compromissos partidários. Só que dessa vez com partidos de centro, centro-direita, partidos religiosos, de adesistas de última hora, pós-pós-pós tudo. É com essa trinca de legendas, mais do que de partidos, que o governador pretende afirmar a nova

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identidade do PSB. A cara do nosso “Maquiavel de aldeia”, o nosso socialista, sem socialismo; o nosso republicano, sem república; o nosso nacionalista, sem nação.

Recife, 27/04/2013.

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APÊNDICES

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O MEU ENCONTRO COM MIGUEL ARRAES

Eu tinha treze anos quando o governador de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar foi deposto e preso pelos militares do IV exército em Recife. Naquela época não tinha como entender a gravidade dos acontecimentos políticos, senão através da angústia e expectativas de meus familiares, alimentadas pela histeria anticomunista que tomava conta do país. De lá para cá, muita água correu debaixo da ponte. O ex-governador voltou ao Brasil, foi eleito deputado federal, governador do estado, deputado outra vez e finalmente, governador pela terceira vez.Apesar de sempre ter votado nele fui um duro crítico de sua terceira e última gestão, seja em livros, em artigos, em entrevistas a jornais locais e nacionais. Tive oportunidade de conhecê-lo numa reunião do PSB, onde fui convidado a fazer um balanço das perspectivas do governo Lula em seu início. E gostaria, aqui, de relembrar, o diálogo que então tivemos. Naquela ocasião, o ex-governador – então eleito deputado federal e presidente de seu partido – encontra-se muito gripado e quase não se ouvia a sua voz. Mas foi ele quem abriu o encontro com suas conhecidas opiniões sobre a necessidade de união das esquerdas contra dominação externa e seus aliados no país. Antes, porém, que se retirasse para cumprir outros compromissos políticos, pedi a palavra para cumprimentá-lo e dizer da minha satisfação em conhecê-lo pessoalmente naquele encontro. Mas, na minha única conversa com o ex-governador, disse-lhe que era um dos últimos políticos dotados de espírito público de que o estado e o país tinham conhecimento e que, por isso mesmo, ele deveria ser preservado, como uma espécie de reserva cívica e republicana da política brasileira, ao invés de se expor, em suas múltiplas andanças como dirigente partidário. O velho político ouviu calado a minha saudação e replicou, com um bom humor, que aquilo que o mantinha vivo e (era) a razão de sua sobrevida, era a política e a luta democrática por um país melhor. E que se não fosse por isso não valeria continuar vivo.

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Saí do encontro comovido e repensei as duas críticas que lhe dirigi, em seu último mandato. Miguel Arraes foi um representante de sua geração e jamais se modificaria para se adequar aos ritos da chamada democracia participativa, com suas assembleias, fóruns e conselhos. Mas dentro da moldura terceiro-mundista, nacional popular de seu pensamento, ele nunca abjurou suas convicções ao contrário dos falsos democratas que assumiram o seu governo, depois dele. Gestores autoritários, intolerantes, preocupados acima de tudo em vender o patrimônio público a preço de banana, na bacia das almas. “Salesmen”, como chamava a revista inglesa, uma safra de políticos definitivamente desprovidos de espírito público e generosidade política. O povo de Pernambuco ainda vai ter muita saudade do ex-governador quando descobrir que ficou mais pobre e menos livre. Viva Arraes! Viva o povo brasileiro!Viva o Brasil!

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OS PRIMEIROS 100 DIAS DE EDUARDO CAMPOS

Atendi, no feriado da Páscoa, solicitação de uma repórter do jornal paulistano Folha de São Paulo, por indicação de alguém do Jornal do Comércio, para falar dos 100 dias do governador Eduardo Campos. Como não foi uma entrevista para o glorioso Jornal do Comércio, fiquei na dúvida se fora contatado para falar como “eduardista” ou “eduardólogo”. Não tenho procuração para defender ou atacar o novo governo. Mas como cidadão e interessado na política do meu Estado, julgo ter liberdade de me expressar sobre os atos da administração pública em qualquer nível de governo. Queria a repórter da Folha paulistana ouvir opinião de um cientista político para fechar a matéria, pois tinha entrevistado representante da sociedade civil, de sindicato de servidores públicos e do novo partido Democrático (ex-PFL) sobre as falhas do novo governo de Pernambuco. Tive de explicar, inicialmente, que não faria o papel de advogado do diabo ou franco atirador, mas que iria ponderar expectativas e ansiedades (legitimas por sinal) manifestadas pelos entrevistados.Primeiramente, a constatação que o Pernambuco de hoje é muito diferente daquele que a União por Pernambuco encontrou, há oito anos, depois da política de terra arrasada praticada criminosamente contra o ex-governador Miguel Arraes de Alencar, com a cumplicidade, aliás, do governo federal de então (aliado da oposição, em Pernambuco, ao governador). A realidade socioeconômica do estado, sua capacidade de investimento, a estrutura administrativa do aparelho de governo e os ativos públicos foram profundamente afetados pelas prioridades estratégicas do governo derrotado nas últimas eleições. A transferência das políticas sociais para o chamado terceiro setor, a monstruosa renúncia fiscal, praticada como instrumento de desenvolvimento regional, a concentração da atividade produtiva na região metropolitana, a clamorosa omissão da elaboração de uma política de recursos hídricos e o modelo concentrador de renda, tudo isso legou ao governador uma herança de difícil administração em curto prazo, sobretudo no que

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diz respeito ao atendimento às imensas carências da população mais pobre. Temas como segurança pública, transporte público barato e eficiente, tarifas públicas de bens de consumo coletivo, saúde pública e educação de qualidade foram revestidos de um sentimento de urgência que, no espaço de 100 dias, seriam muito difíceis de contemplar por qualquer governante. O Estado se depara com o paradoxo de ter atraído investimentos públicos e privados, mas com capacidade de investimento próprio limitada. O mesmo se verifica para a sua capacidade de endividamento, sobretudo à Caixa Econômica. Em segundo lugar, há de se considerar a heterogeneidade da equipe de governo, típica da coalizão partidária de permitiu a vitória de Eduardo Campos, inclusive de secretarias que não existiam antes e que, portanto, estão partindo da estaca zero. Até essa equipe se entrosar e tomar pé dos negócios do estado leva tempo. A sociedade civil e a imprensa têm o direito de cobrar e fiscalizar os atos do novo governo (que também se comprometeu em dialogar com a população e receber críticas através de ouvidorias). Mas o sentido de urgência na elaboração e implementação de políticas que materializem as promessas de campanha não pode atropelar o planejamento e a capacitação da gestão para enfrentar os desafios deixados por um estilo e uma retórica de governo que ao tempo de ter falado tanto em mudança e eficiência, concentrou muito os benefícios advindos da administração dos recursos públicos.

Recife, abril de 2007.

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POUCA ANÁLISE E MUITO INCENSO

André de Paula (‘)

O cientista político Michel Zaidan cometeu alguns equívocos que merecem respeito e ponderações no artigo publicado no JC, edição de 07/11/06, intitulado “Vitória de Eduardo ou derrota de Jarbas?” O primeiro equívoco é a solene repetição de obviedades e platitudes em tom dogmático e definitivo sobre a “terceira via”, “tese do andor” como se fosse possível extrair lições definitivas dos embates eleitorais. Só para argumentar, “andor”, ou “puxador de voto”, ou qualquer nome que se dê a um grande eleitor, vão sempre funcionar nas eleições com maior ou menor grau de êxito ou, simplesmente, não funcionar. Foi o que ocorreu em 1986 quando Arraes “carregou” consigo os dois candidatos ao senado Antônio Farias e Mansueto de Lavor (o que não funcionou na eleição do Recife, em 1988, quando Joaquim Francisco venceu o pleito, tampouco em 1994 quando o eleitor Arraes não impediu a vitoria de Carlos Wilson para o senado que integrava a chapa adversária); ainda no plano local, em 1998 e 2002, a vitória de Jarbas deu uma enorme contribuição para a eleição dos candidatos ao senado; a no nível nacional, o “andor” assumiu formas ora de planos econômicos (o Cruzado que assegurou ao PMDB, em 1986, vitória em todos os Estados à exceção de Sergipe e o Real que viabilizou, em 1994, a eleição presidencial de FHC e vários correligionários nos governos estaduais), ora de políticas compensatórias, caso do bolsa-família, fator decisivo para ampliar o peso eleitoral de Lula (e do seu apoio) no recente pleito, em especial, no Nordeste. Curiosamente, o articulista se refere ao eleitor Jarbas em relação a Mendonça como “padrinho político”, detentor de um voto intransferível e, no caso do eleitor Lula em relação a Eduardo, não deixa por menos: é um caso de “sinergia política” que tem por base “a questão federativa”. É a imparcialidade de dois pesos e duas medidas.

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O segundo equívoco, mas grave do que o primeiro está no cheiro de incenso que exala nas palavras do professor no louvor ao poderoso. Às favas, a análise política que é o que se espera de um mestre em ciência política. O tom é de um panegírico: discurso mais adequado aos áulicos de plantão o que, acredita-se, não é o caso do professor, portador de saberes e da independência acadêmica. Nesta linha, o artigo proclama o seguinte: o candidato vitorioso é adepto de um federalismo cooperativo, harmonioso, distributivo; o outro é defensor do federalismo competitivo, desagregador, predatório; um Mendonça fratricida e concentrador; o outro, Eduardo, republicano e federativo. Menos, professor, menos no seu acesso apologético e na sua fúria acusatória. É compreensível o louvor exaltado quando parte da militância e da famulagem; rebarbativo, todavia, quando é obra de quem exerce a missão de transmitir conhecimentos e formar a consciência crítica dos alunos. É pouca análise e muito incenso. Mais ainda quando maneja conceitos e palavras de forma tão imprecisa e perigosa. Imprecisa no conceito de federalismo que é uma notável obra de engenharia político-jurídica, infelizmente, no caso brasileiro, comprometida pelas práticas centralizadoras e clientelísticas, sempre e agora. As entrelinhas do artigo sugerem relações políticas entre governo estadual e governo federal alicerçadas em muito mais em arranjos pragmáticos e alinhamentos subsubservientes com o poder central do que em reformas profundas que enfrentem, efetivamente, a questão federativa. Perigosa no caso da palavra “republicana”. Aí todo cuidado é pouco ao fazer comparações, tomando por base a etimologia – coisa pública – e o sentido valorativo do atributo republicano que é a virtude de servir a coisa pública, ao interesse comum com austeridade e retidão ética. Ao que parece, o professor não disfarça legítimas preferências por um governo que, nos últimos quatro anos, organizou-se, sob forma de cleptocracia, e confundiu companheiro com comparsa e assessor com assecla. É o que se diz, em alto e bom som, a denúncia do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República. Deixemos em paz o legado dos romanos e do latim – Respublica – que, por aqui, é língua e letra mortas na cartilha do lulo-petismo.

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Em qualquer matéria, especialmente nesta, o governador Mendonça Filho não precisa do seu incenso, professor.(+) O então presidente regional do PFL em Pernambuco. Hoje, na base do governo estadual.

Recife, novembro de 2006.

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TRADIÇÃO OLIGÁRQUICA E MUDANÇA EM PERNAMBUCO

Uma visão panorâmica de Pernambuco no início do século 20 nos levaria a considerar o peso da herança socioeconômica da indústria sucroalcooleira na vida do Estado. A economia dos engenhos e usinas resultou de uma simbiose entre o velho e novo: nos canaviais, ao lado do trabalho assalariado, sobreviviam inúmeras relações de trabalhos remanescentes do cativeiro negro ou a ele associadas. O tom geral que caracteriza a atividade agrícola na Zona da Mata, Agreste e Sertão são determinados pelo velho, pelo anacronismo das relações sociais, transpostas para as cidades, através da influencia política e econômica dos ‘coronéis’, dos usineiros e dos altos comerciantes. Da mesma forma, aquelas relações delimitam o espaço político das cidades sempre no sentido da exclusão do povo. Recife, capital do Estado de Pernambuco, se apresenta como um centro natural de atração para todos aqueles que, no Nordeste, querem se aperfeiçoar nos estudos, para os exilados políticos regionais ou para quem busca simplesmente melhores oportunidades econômicas ou sociais. O velho porto comercial e financeiro da região, a exemplo de outras metrópoles, sobrevive principalmente como escoadouro de toda a produção agrícola exportável (café, açúcar, algodão, mamona, etc.) do Estado e de zonas agrícolas adjacentes. Suas indústrias são escassas, desconcentradas e caracterizadas por formas artesanais de produção (resumem-se a umas poucas fabricas de tecidos e cigarros, além, é obvio, de duas usinas de açúcar), e uma parte substancial de seu proletariado urbano está nos serviços portuário e ferroviário, bem como nos transportes urbanos – os ferrocarris. De sua parte, não é desprezível o contingente de funcionários públicos, sobretudo os médios e baixos. Há também uma grande quantidade de profissionais liberais. O comercio recifense acha-se, em grande parte, nas mãos de ingleses, portugueses, alemães americanos e outros estrangeiros. Só o pequeno comércio encontra-se, de fato, sob o controle de grupos nacionais. Pernambuco ainda não entrou no século 20. Comunga o sonho modernista de um Estado habitado por uma população bela,

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forte e saudável, seguindo os padrões higienistas e sociais da ‘Belle Époque’ europeia. Mas tem que conviver a todo instante com bondes de burro, iluminação a gás, falta de saneamento, epidemias, óbitos e muita sujeira nas ruas. A reforma urbana e sanitária de Otavio de Freitas e Saturnino Braga será obra da década seguinte, bem como a reforma do porto do Recife. O torpor oitocentista do Estado só será com a campanha sucessória estadual de 1911, com a chegada do general Dantas Barreto. É quando o sono dos conselheiros do império será interrompido pelo alarido das massas urbanas, aproximando a praça do palácio e fazendo do Carnaval o estribilho da revolução. Esse episódio – conhecido como ‘salvação’ – foi à porta de entrada de Pernambuco na modernidade, acabando o longo reinado da oligarquia do conselheiro Rosa e Silva e trazendo o povo para o proscênio da política. Depois dele, Pernambuco não seria mais um condomínio de velhos oligarcas. O sonho republicano de Martins Júnior voltaria a se corporificar. Como a França, também tivemos a queda da bastilha e o nosso 1789… O povo não sairia tão cedo das ruas.

II A derrota da oligarquia chefiada pelo conselheiro Rosa e Silva, em 1911, não foi definitiva. E os interesses remanescentes do império só esperavam uma oportunidade para se estabelecerem na cena política do Estado. Essa oportunidade foi criada com a luta entre Dantas Barreto e o futuro governador Manuel Borba, seu aliado de véspera. Borba vai se compor com os correligionários de Rosa e Silva, resultando dessa aliança outro divorcio entre a praça e o palácio. A década de 10 em Pernambuco será palco de imensa agitação política e social. 1914 é a data chave para se entender a criação da federação operaria do nosso Estado. Obra de um incansável militante social pernambucano, o estivador José Elias, enviado especial do 2° Congresso Operário Brasileiro para a reorganização da classe trabalhadora da região. Importante também será o eco da Revolução Russa em nosso Estado e particularmente sua influencia

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sobre as ‘sociedades de resistência’ dos trabalhadores urbanos (estivadores, ferroviários, portuários, condutores de bondes etc.). Associada ao eco da revolução Russa terá, no interior do Estado, uma grave ocorrência política conhecida pelo nome da ‘hecatombe de Garanhuns’: uma violenta briga entre famílias que acaba num banho de sangue, mas que assinala a longa e dolorosa transição do patriciado rural da região para um novo patriciado urbano, ligado ao núcleo agroexportador da economia de Pernambuco. Contudo, o acontecimento de maior repercussão do Estado e mesmo além de suas fronteiras é a greve dos operários da Pernambuco Tramway. Essa grandiosa paralisação, que se iniciou como uma mera disputa corporativa entre a empresa e seus funcionários, terminou assumindo uma dimensão regional, graças à habilidade de um assessor jurídico da federação operaria, e imobilizou a economia do Estado durante vários dias.Mas uma vez, os trabalhadores urbanos de Pernambuco eram chamados a participar da ‘grande política’, através de uma estratégia de remotas raízes na política de nosso Estado: a fusão dos interesses corporativos como uma questão nacional. O resultado dessa inteligente política foi o apoio generalizado ao movimento dos operários contra a avidez de um truste internacional. Essa experiência de mobilização policlassista, na esteira de revoluções passadas, como a Praieira e o Movimento Salvacionista, abririam definitivamente as portas da política de Pernambuco para a participação popular, nem sempre – como veremos – em beneficio do povo.

III. As mobilizações policlassistas que marcaram a historia política e sociais de Pernambuco voltaram a ocorrer durante os anos 20, uma época de muitas agitações e transformações importantes: o Tenentismo, a fundação do PCB, o Movimento Regionalista, as reformas do governador Sergio Loreto. Alias, há quem diga que o fim da ‘Republica Velha’ tenha começado em Pernambuco, tal o estado de ebulição social, política e cultural aqui existente na década de 20. Nesse sentido, a década se inicia com duas grandes

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mobilizações populares, capitaneadas pelo professor Joaquim Pimenta. Uma contra o chamado ‘orçamento monstro’ – nome atribuído ao abusivo aumento de impostos decretado pelo então governador José Rufino Bezerra, em 1921, que uniu industriais, comerciantes, donas de casa, operário e o povo em geral. A outra, contra a ameaça de intervenção federal do Estado, ordenada pelo presidente da Republica, o paraibano Epitácio Pessoa. Em ambos os casos, os trabalhadores urbanos, os funcionários públicos e a população foram arregimentados pelo Dr. Pimenta para lutar por questões apresentadas como de ‘interesse geral’ da sociedade. O desfecho dessas agitações será a indicação do juiz Sergio Loreto para o Governo do Estado, pacificando a disputa entre borbistas e dantistas. A assunção de Loreto assinala o inicio de uma gestão modernizadora em Pernambuco, com a reforma do Porto do Recife, a abertura de grandes avenidas, a criação do Departamento de Assistência e Saúde (sob a direção do medico Amaury de Medeiros), a reforma da Escola Normal… O perfil modernizador de Loreto se associava intimamente a um ranço autoritário e conservador, sobretudo no que diz respeito às manifestações sindicais e operarias, a exemplo do que ocorreu com a última grande greve deste período (a dos ferroviários da Tramways), com a prisão e o exílio de lideranças políticas e sindicais. Mas os anos 20 foram o marco de fundação de importantes iniciativas político-culturais: a criação do Centro de Estudos Sociais, embrião da seção local do Partido Comunista; a instalação do Centro Regionalista, em 1924; a coluna do intrépido tenente Cleto Campelo, que deveria se unir à coluna Prestes no Sertão pernambucano; as conspirações da Rua Velha; a criação do Diário da Manhã do futuro interventor Carlos de Lima Cavalcanti e, finalmente, a realização do congresso Regionalista.Os agitados anos 20 haveriam de ser uma época seminal em muitos sentidos politicamente, com a crise das velhas oligarquias e a radicalização ideológica que então se anunciava; administrativamente, com as profundas reformas urbanas, sanitárias e econômicas; com a criação e difusão da ‘regionalismo nordestino’. O alcance e abrangência dessa produção discursiva – à brasilidade

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nordestina’ – dos anos 20 só se explicitará anos mais tarde, com a sobrevida simbólico-cultural da saga de uma oligarquia, deslocada do poder pelos correligionários de 30. O sonho de modernidade alimentado pelo imaginário social da primeira década do século 20 iria se concretizar, ao seu modo, na década de trinta. Anos de profundas instabilidades política e grande radicalização ideológica (a luta entre fascismo e comunismo), a década se anuncia em Pernambuco – como em todo o Brasil – como um período de ruptura com o passado neocolonial do país. Ruptura, contudo, conduzida pelas elites através do que passou a ser conhecido como ‘a via prussiana’ do desenvolvimento capitalista, ou seja, através de uma conciliação entre o velho e o novo. Daí, a fachada de ‘pardieiro político’ com que se revestirão as grandes transformações políticas do Brasil. Dessa forma, quem representará em Pernambuco a legenda da Aliança Liberal será nada menos do que a figura de um tradicional usineiro: Carlos de Lima Cavalcanti, proprietário do jornal Diário da Manhã e antigo aliado de Estácio Coimbra, o Governador de posto pela Revolução de 30 em nosso Estado. Com a vitória do movimento de 30, Carlos de Lima Cavalcante é nomeado o primeiro interventor federal do Estado. A interventoria, que se estende até o golpe de 1937, será caracterizada por um misto de inovação administrativa e repressão política aos movimentos sociais. O contraponto da ação administrativa de Carlos de Lima será a recorrente instabilidade política do período. As organizações trabalhistas se dividirão. De um lado, a Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco colaborará com o Governo; de outro, a União Proletária de Pernambuco a atacará. Os militantes do PC seriam, por sua vez, detidos inúmeras vezes sob a acusação de agitadores sociais e teriam seus mandatos eletivos ‘degolados’ pela justiça eleitoral. Outros eventos que merecem destaque nesse período são a chapa da ‘esquerda Trabalhador’, Ocupa teu Posto, que concorreu às eleições de 34; a revolta do 21 BC contra a interventoria (também conhecida como `a revolta de Pedro Calado’); o Congresso Afro-Brasileiro realizado sob a inspiração de Gilberto Freyre; a Constituinte

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de 1934, com a eleição de Carlos de Lima Cavalcanti para o Governo do Estado; a realização do Congresso Eucarístico no Parque 13 de maio; a leitura do Manifesto Integralista no Recife e, certamente, o levante da Aliança Nacional Libertadora, onde se destacaria a bravura e o patriotismo do então Sargento Gregório Bezerra. Mas o ambiente de intensa radicalização política e ideologicamente existem no País e as indefinições políticas no mundo seriam responsáveis pelo Golpe de Estado de 1937 e a subsequente instalação de um regime ditatorial no Brasil, conhecido pelo nome de Estado Novo. Em Pernambuco, a nova situação política será representada pela figura de Agamenon Magalhães, chamado até pelos amigos de ‘china gordo’, não só em função de seu aspecto físico, mas, sobretudo pelas características de sua ação administrativa.

IV Os agitados anos trinta foram na verdade, a preparação para o advento de uma experiência de Governo no Brasil, e particularmente em Pernambuco, que iria transformar profundamente a sociedade brasileira. Manobrando ora com a direita (o integralismo), ora com a esquerda (a ANL), Getúlio Vargas criaria a oportunidade tão esperada para dar o golpe de Estado, de novembro de 1937, e instalar o chamado Estado Novo, um regime altamente centralizado, autoritário e intervencionista.Nos estados não seria diferente. Uma vez rasgada a constituição (e a ordem jurídica) pactuada em 1934, sobreviria uma onda de intervenções estaduais e municipais patrocinada pelo ditador. Em Pernambuco, o Governo constitucionalmente eleito de Carlos de Lima Cavalcanti começara a perder prestigio depois do levante da Aliança Nacional Libertadora, em 1935. e terminaria por ser deposto por Vargas, após um período de intensas intrigas fomentadas por Agamenon Magalhães, o escolhido pelo ditador para trazer “a emoção do Estado Novo” para Pernambuco. Analisar o que foi essa experiência de Governo entre nós é reconhecer o laboratório político-ideológico e social que se tornou o nosso Estado no âmbito mais geral do regime varguista: não só pelas características biográficas do interventor, mas, sobretudo

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pelas características de sua ação administrativa e os resultados de sua gestão. Agamenon Magalhães era um sertanejo que havia sido seminarista e recebido uma grande influencia da doutrina social-católica (de Leão XIII). Na crise do pensamento liberal do século passado, ainda mais exacerbada pelo conflito entre Nazismo e Comunismo, o social-catolicismo aparecia como uma variante do credo antiliberal, preocupado em assistir os trabalhadores (para evitar a influencia do comunismo), através do reforço da família, da propriedade, da ética do trabalho, do respeito à hierarquia e, sobretudo, à tradição. Dessa forma, o que vamos assistir com à emoção do Estado Novo’ em Pernambuco é à montagem de um regime fortemente centralizado na pessoa do interventor, apoiado num ideário tradicionalista e interveniente nos mínimos detalhes da vida social (inclusive no lazer). A obra administrativa de Magalhães pode ser dividida, primeiro, pela busca desenfreada do ‘consenso máximo’ na sociedade pernambucana, a partir de uma falsa imagem de paz e harmonia social no Estado. Objetivo perseguido através de uma feroz repressão aos adversários, críticos, comunistas, prostitutas, afro-brasileiros, vadios e homossexuais, bem como da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda. Esses foram os instrumentos utilizados por Agamenon, além de seu jornal diário, a Folha da Manhã, para a produção do ‘consenso máximo’ em Pernambuco. É preciso acrescentar que o anticomunismo foi utilizado como matéria-prima de primeira classe para induzir a opinião publica a aceitar as ideias do interventor, a pretexto de se desenvolver o sentimento de brasilidade entre os pernambucanos. Outro aspecto dessa obra que merece atenção é a criação dos Centros Educativos Operários, cujo fim era “educar, regenerar, civilizar e integrar” os trabalhadores no seio da sociedade. A meta principal era fazer um trabalho de saneamento e profilaxia social, afastando os operários da doutrina marxista da luta de classes.Mais um ponto a ser ressaltado foi à campanha contra os mocambos, que assumiu um caráter ressocializador, na medida em que vinculava

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estreitamente habitação, saúde, integridade física e moral da família, trabalho e cidadania. A campanha de erradicação do mocambo foi objeto de intensas e apaixonadas controvérsias entre sociólogos, antropólogos, engenheiros, sanitaristas e urbanistas. Na verdade, ela escondia uma intenção civilizatória com a qual muitos não concordavam, como Gilberto Freyre, Mario Sette, Manuel Bandeira e outros. A conjunção entre modernidade e autoritarismo, revestida das cores locais do mandonismo sertanejo, foi essencial ao projeto reformador das elites brasileiras nesse período, em consonância, aliás, com as utopias sociais surgidas da crise do liberalismo. A cara feia que ela tomou entre nós não invalida as transformações por ela produzidas. Quando se tornou evidente, depois da entrada do Brasil na guerra, que o regime iria mudar, o interventor deixou o cargo, para ocupar o Ministério da Justiça e preparar a transição política. Mas antes deixou uma herança importante: a potente maquina partidária do PSD, responsável pela reprodução de ‘agamenonismo’ em Pernambuco ate pelo menos a derrota eleitoral de 1958.

V O fim do Estado Novo em Pernambuco, prenunciado com a saída de Agamenon Magalhães para o Ministério da Justiça, não significou o fim do ‘agamenonismo’ na vida política do Estado. O ‘china gordo’ – como ironicamente o apelidara o poeta Manuel Bandeira – legou a seu sucessor, o bacharel Etelvino Lins, a importante tarefa de estruturar, em nível estadual, a potente maquina partidária do Partido Social Democrata (PSD), apoiada numa extensa rede de coronéis do Agreste e do Sertão, que garantiria dali para frente à vitória de todos os candidatos ao Governo do Estado indicados pelo ex-interventor ou seu partido.Dessa maneira, ainda que tivesse de administrar a crise do regime em Pernambuco, e particularmente as tendências oposicionistas do Recife e adjacências, o PSD conseguiria eleger Barbosa Lima Sobrinho, em 47; Agamenon, em 51; Etelvino Lins, em 53, e o marechal Cordeiro Fariam, em 55 – só perdendo as eleições na capital, onde

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seus candidatos sempre obtiveram menos votos do que os partidos de oposição (PCB, PTB, PSB, PST etc). A grande disputa ideológica desses anos, em Pernambuco, seria entre a visão conservadora, agrarista e ruralista do PSD – que, apesar do nome, era identificado com as oligarquias interioranas – e o pensamento nacional-desenvolvimentista definido por uma frente de partidos que congregava industriais, classes médias, militares nacionalistas, comunistas, socialistas, católicos progressistas, trabalhadores, camponeses e estudantes. Essa disputa ocorre no bojo do segundo Governo de Vargas e de seus sucessores, imersos na crise do nacionalismo populista da segunda metade dos anos 50. Como se recorda, o nacional desenvolvimentismo se assentava num pacto político de classes muito diferentes. Quando a ação do governo – ameaçado por pressões externas e por grupos conservadores no Brasil – pendeu para a esquerda, tornou-se difícil a sua manutenção. Dessa forma, assistiríamos em Pernambuco a um afastamento progressivo do PSD da agenda desenvolvimentista. Os anos 50 viram o nascimento de importantes iniciativas políticas, que brotaram graças ao clima de agitação desenvolvimentista da época, a exemplo do Congresso de Salvação do Nordeste, em 1954, que daria origem ao Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) e depois à SUDENE em 1958, pelas mãos do economista Celso Furtado – um importante instrumento do planejamento regional destinado a combater as desigualdades sociais, através de incentivos fiscais para a industrialização e do apoio à introdução de processos regionais do uso e cultivo da terra, bem como pela liberação de lotes para a reforma agrária. Outro evento notável foi a organização do movimento camponês e dos trabalhadores agrícolas, dando origem à formação das ligas e sindicatos rurais. Contudo, mais importante foi a coalização política reformista que foi se formando em reação ao longo domínio do PSB em Pernambuco, para dar à luz o movimento chamado ‘Frente do Recife’, a partir das primeiras vitórias da oposição nas eleições para Prefeitura da capital do Estado. O Congresso de Salvação do Nordeste propiciara uma

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aproximação do Partido Comunista com ala nacionalista de PTB. A corrente desse partido, juntamente com os comunistas e socialistas, formaria o núcleo ideológico da ‘Frente’, dando-lhe a necessária consistência eleitoral para desbancar o ‘pessedismo’. O primeiro grande resultado dessa articulação política foi a vitória do engenheiro e professor Pelópidas Silveira para a Prefeitura do Recife, em janeiro de 1955. Estava lançada, assim, a semente para a derrota eleitoral e política da maquina ‘pessedista’, criada por Agamenon no Estado. Dessa maneira, nas eleições de 1958 para o Governo do Estadual, o embrião da experiência eleitoral de 55 deu forma a uma grande coalizão política, constituída pela PSD, PCB, PSB, e PTB, reunindo industriais, sindicalistas, comunistas e socialistas, num acordo desenvolvimentista para o Estado. A chapa composta pelo industrial e usineiro Cid Sampaio e Pelópidas Silveira derrotou fragorosamente o candidato ‘udenista’ e também usineiro João Cleofas de Oliveira, numa das mais memoráveis campanhas políticas de Pernambuco (talvez só comparável à derrota do Conselheiro Rosa e Silva no começo do século). A partir de então, iniciava-se um novo período de radicalização política no Estado, que vai dar no golpe militar de 1964.

VI A derrota eleitoral da UDN, em 1958, para legenda das Oposições Unidas foi o inicio da desagregação do quadro partidário em Pernambuco e de uma progressiva desinstitucionalização da política no Estado. Com o fim do longo domínio da maquina pessedista sobre a política estadual, nenhum partido deteria mais, sozinho, a hegemonia do sistema partidário. Daí as constantes modificações do jogo político no Estado, produzindo alianças conjunturais onde os aliados de ontem seriam os adversários de hoje, e assim por diante. As alianças entre usineiros, industriais trabalhadores, camponeses, classes médias urbanas e a esquerda – representada pela Frente do Recife – estava fadada a ter uma breve existência no contexto da instabilidade política nacional e das próprias contradições do nacional desenvolvimentismo. Nesse sentido, a crise da aliança se inicia com o alinhamento de Cid Sampaio à

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candidatura de Jânio Quadros à Presidência da Republica, em 1961, recompondo-se com a direção nacional da UDN. Mas aprofundou-se com a repressão movida pelo Governo do Estado ao movimento camponês e com o esvaziamento paulatino da SUDENE enquanto órgão de planejamento e intervenção regional. Pressionado pelas ‘classes conservadoras’ ora pelos aliados da esquerda e movimento popular – que cobravam coerência do governador em relação aos compromissos de campanha – Cid rompe finalmente com seus aliados, em 1962 reaproximando-se do UDN e das velhas oligarquias do Estado. O rompimento da Frente do Recife deu inicio a um processo de radicalização política sem paralelo na vida do Estado. Radicalização produzida pelas ambiguidades e hesitações da própria republica populista desses anos. A renúncia de Jânio jogara o País numa profunda instabilidade política (aliás, ocasionada pelo frágil sistema partidário brasileiro de então). João Goulart, o vice-presidente, assume o poder sobre tutela do Congresso, em razão da emenda parlamentarista votada em 1963. Jango procura mover-se entre dois focos: de um lado, uma frente conservadora – alimentado pelo imperialismo americano através do IBAD – de outro, a frente nacionalista democrática apoiada pelos partidos de esquerda e movimento sindical a UNE e outros. O presidente hesita em tomar mediadas radicais e definidas, para evitar um golpe de direita. É esse ambiente em que a força progressistas vão se reaglutinar no estado para eleger Miguel Arraes de Alencar governador de Pernambuco, em 1963, ao lado do político pessedista Paulo guerra. A coligação política que elegeu Miguel Arraes assinala o fim de um ciclo, não o seu inicio. Ela só foi possível em função da desagregação do sistema partidário estadual e da perda de unidade nos hostes pessedista e pela progressiva desinstitucionalização da política representada pelo pujante movimento dos trabalhadores rurais, dando origem a vários congressos, encontros e organizações. A emergência desse ato político na vida do País desequilibra o precário arranjo da republica populista, que vigorou de 1945 a 1964. Quando a coligação dos partidos de esquerda, católicos progressistas, sindicalistas e independentes se uniram ao movimento camponês

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e passou a contemplar suas reivindicações, estava dada a largada para conspirações civis e militares que derrubariam o Presidente da Republica e Governador de Pernambuco. A saga do ‘Governo popular’ começou a ser criada com eleição de Pelópidas Silveira para prefeitura do Recife, em 1954 foi reforçada pela vitória de Arraes para o Governo municipal, em 1958, quando o ex-governador – em prosseguimento à gestão de Pelópidas, fez uma excelente gestão, inovando a política municipal em vários pontos: educação, abastecimento, segurança publica, desenvolvimento regional/agrário, direitos trabalhistas no campo, etc. Mas foi com o Governo do Estado, em 1963, que Arraes mudou inteiramente as prioridades da administração estadual, elegendo o povo (leia-se os camponeses e trabalhadores rurais) como prioridade número um, nos marcos da legalidade constitucional então vigente. Dois aspectos de sua gestão merecem ser destacadas: a extensão da Legislação Social Trabalhista ao campo e o Movimento de Cultura Popular (MCP). Num contexto de radicalização política, efervescência dos movimentos sociais e profunda instabilidade das instituições políticas, a experiência do ‘Governo popular’ não poderia sobreviver, particularmente diante de uma intensa mobilização ideológica das classes médias urbanas, atemorizadas com o espantalho do comunismo. A derrota do PSD foi também a derrota das precárias instituições da republica populista. A memorável campanha de Frente do Recife em 1958, e depois, de 1963, só poderia ter vingado no quadro de uma nova institucionalidade democrática que contemplasse a participação dos trabalhadores rurais e camponeses no complicado jogo das alianças políticas. Infelizmente, o que se viu foi à gênese de um regime muitas vezes mais autoritário e liberticida do que o que vigorou a partir de 1937 no Brasil.

VII A frágil institucionalização do quadro político brasileiro, face à mobilização anticomunista das classes médias urbanas, conduziu a um golpe bonapartista de direita no Brasil. As características do regime implantado pelos militares uniam a centralização política,

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uma razoável dose de repressão as liberdades civis e um furor desenvolvimentista, que desmentiria facilmente as analisem sobre o caráter regressivo da intervenção militar. Na verdade, o golpe de 1/ de abril de 1964 impôs, pela via do terrorismo de Estado, uma modalidade de capitalista monopolista, que transfiguraria profundamente a sociedade brasileira. Aspecto relevante do centralismo político imposto ao país foi à nomeação de governadores e prefeitos para os estados e capitais. A violação da legalidade constitucional, através da edição de sucessivos atos institucionais, atingiria seu ápice com o famigerado Ai-5, que fechou o congresso, impôs uma drástica censura aos meios de comunicação de massas e desencadeou uma feroz perseguição política aos opositores do Regime Militar.Pernambuco, como um dos pólos regionais de maior agitação política e social do País, não poderia escapar ileso a essas medidas de força, patrocinadas pelos Governos Militares desde a deposição do governador Miguel Arraes de Alencar até as torturas medievais infringidas ao militante comunista Gregório Bezerra, passando pelas perseguições, prisões, assassinatos e maus tratos a lideres estudantis, intelectuais, jornalistas e membros do clero progressista, como o cruel assassinato do Padre Henrique.Caracterizar a vida política de Pernambuco, nesta quadra, não fugiria muito ao padrão centralizador intervencionista dos militares no resto do País. O Estado teve quatro governadores indiretos, além do vice-governador de Miguel Arraes de Alencar, saída do remanejamento dos grupos políticos tradicionais da região, cuja principal marca de atuação foi a subserviência aos militares, a intransparência administrativa e a realização de grandes obras publicas. O Estado – como o resto do país – viveu o clima da euforia desenvolvimentista do Regime Militar, muito auxiliado pela conquista da Copa do Mundo em 1970 pela Seleção Brasileira de Futebol. Euforia baseada num imenso arrocho salarial, na manipulação de índices estatísticos, na repressão aos sindicatos e partidos de esquerda e bastante ajudada pelo brilho platinado da indústria cultural moderna (leia-se Rede Globo de Televisão). O saldo desse regime foi à falta de a renovação da vida política brasileira, no acanhado espaço do

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bipartidarismo oficial, um grau inaudito de internacionalização da economia brasileira e uma sociedade civil complexa e diferenciada, ansiosa por encontrar formas de participação.

VIII O regime implantado pelos militares em 1964 terminaria por engendrar as suas próprias contradições. O processo de uma modernização da economia brasileira, à custa do arrocho salarial, hiperinflação e endividamento externo, despertaria forças e atores sociais difíceis de conter na camisa de força do bipartidarismo oficial. A partir das eleições proporcionais de 1974, quando a oposição ao regime militar venceu em toda linha, o núcleo estratégico do Governo passou a elaborar um plano “que permitisse uma distensão controlada e auto-reforma ou a institucionalização da ditadura militar”. Ocorre que o processo de abertura política foi mais veloz que o projeto dos militares. A complexidade e a diferenciação da sociedade brasileira -suscitada pela modernização conservadora – produziram atores e demandas incompatíveis com acanhado espaço de participação política então existente, ultrapassando as manobras continuístas do regime. A partir dos anos 80, ficou claro que o controle do processo de abertura não estava com os militares e sim com a sociedade civil (OAB, ABI, CNBB), o sindicalismo do ABC, o movimento de intelectuais, de donas de casa, estudantes e entidades comunitárias. É preciso atentar, também, para a evolução da participação institucional da oposição do regime: o MDB, depois PMDB, os sindicatos de trabalhadores urbanos, e os aparelhos privados da sociedade civil. Cada vez mais, o sistema bipartidário criado pela ditadura estava se tornando um instrumento involuntário de canalização da insatisfação social. E muitos parlamentares da esquerda e/ou das correntes de centro esquerdistas passaram a se eleger sob a legenda do MDB. Foi tentada, ainda nos anos 80, uma reforma partidária para conter os avanços eleitorais da oposição. Mas não deu certo. O centro manteve-se unido à esquerda, isolando o partido do Governo nos Estados e, depois, nas capitais.

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Em Pernambuco, a evolução do bipartidarismo não foi diferente. Criado inicialmente para acolher todas as forças e legendas de oposição ao regime, o MDB tornou-se o autentico partido de oposição, apoiado, inclusive, por setores progressistas da Igreja Católica. A eleição de Marcos Freire ao Senado Federal, em 1974, foi fruto de uma campanha memorável da oposição em Pernambuco. Na política estadual, o MDB também elegeu vários deputados, vereadores e prefeitos. A exemplo de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, o Estado nunca deixou de lado a sua intensa politização. O caráter ideológico do partido – em nível regional – se traduzia por uma linha de centro-esquerda (à qual nunca esteve alheio o Partido Comunista Brasileiro), representada por uma geração de novos políticos como: Marcos Freire, Marcos Cunha, Fernando Vasconcelos Coelho, Cristina Tavares, Roberto Freire e outros.Esse processo de renovação político-partidário em Pernambuco encontraria seus limites na redemocratização e na volta dos exilados políticos ao Brasil. Quando o ex-governador Miguel Arraes de Alencar retorna ao Recife, vem em busca da liderança outrora exercida no conjunto das forças esquerdas no Estado. Mas as suas pretensões encontrarão fortes resistências nos novos políticos do ex-MDB, agora PMDB. Essa disputa, inicialmente com Marcos Freire quando da indicação do candidato para as eleições de 1982 ao Governo do Estado, evoluindo para uma dura e amarga briga pessoal com o hoje governador Jarbas Vasconcelos, que teve seu nome preterido na convenção partidária, em nome do político udenista Cid Sampaio. Nas primeiras eleições para as capitais depois do fim do regime militar, Jarbas Vasconcelos abandona o PMDB para candidatar-se à Prefeitura do Recife por uma coligação partidária arrumada na ultima hora. Em 1990, Jarbas tenta se eleger governador do Estado contra a candidatura do hoje deputado federal Joaquim Francisco, que sai vitorioso. Ele responsabilizaria Miguel Arraes pela sua derrota, o que o leva a buscar uma aliança com o PFL, para derrotar Arraes a qualquer custo. A ruptura aconteceu na segunda gestão de Jarbas Vasconcelos à frente da Prefeitura do Recife. A partir daí, a política

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de Pernambuco sofreria uma nova inflexão, com a volta do PFL ao poder e a derrota da coligação dos partidos de centro-esquerda nas eleições municipais de 1996 e, depois, nas eleições estaduais de 1998. As consequências dessa aliança neoconservadora ainda não são de todos visíveis para o futuro político do Estado, até porque não se sabe ao certo qual será o tempo de duração de tal aliança.

IX Quando, em fins de 1993, cogitou-se pela primeira vez a possibilidade de uma aliança política entre o então prefeito da cidade do Recife, Jarbas Vasconcelos e os próceres do Partido da Frente Liberal contra a candidatura de Miguel Arraes de Alencar ao Governo do estado, houve quem saudasse com entusiasmo aquela aliança, acenando para o surgimento de um fato novo na vida política de Pernambuco. Dizia-se que a aliança era o fim da tradicional polarização política em nosso estado e o inicio da construção de uma terceira via. É dessa época, aliás, a cantilena da terceira via produzida pela junção das palavras ‘socialismo’ e ‘mercado’. Ou seja, a conversão do pensamento da direita ao evangelho social, e o dá esquerda ao credo liberal, criando um pensamento de centro-direita. Nem esquerda, nem direita: neo-social ou social-liberal, como afirmava cinicamente o presidente da Republica, referindo-se aos ingentes esforços de certo senador baiano para aumentar o salário mínimo do trabalhador brasileiro e acabar com as mazelas da administração publica no País. Desde aquela época, já se advertia para o possível malogro dessa terceira via nordestina, em face do caráter eleitoreiro da aliança, fundada de um lado na esperteza política do PFL e, do outro, na obsessão de Jarbas em derrotar Miguel Arraes a qualquer custo. Afirma-se também que as consequências dessa estranha aliança para o quadro partidário de Pernambuco seriam desastrosas (e isso não apenas pela vergonhosa metamorfose de ex-comunistas engajados até o pescoço na administração municipal), mas, sobretudo pelo desequilíbrio e pela desestabilização do poder relativo das demais forças políticas do Estado, produzindo uma ‘reoligarquização’ da esfera publica e reduzindo o já exíguo espaço para novas candidaturas

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ou propostas partidárias. Não demorou muito e os resultados dessa malfada experiência começaram a se manifestar: a implosão do PSDB e sua transformação em legenda de aluguel nas mãos de trânsfugas partidárias; a implosão do PSB com a derrota de Miguel Arraes e a saída de ilustres parlamentares socialistas para outras legendas partidárias; a desmoralização do PMDB, transformada em mero instrumento das pretensões eleitoral de Jarbas; e o estreitamento do campo político da esquerda, reduzido agora ao PPS, PT, PCdoB, PSB e PCB. Mas grave, contudo, foi à promiscuidade que se estabeleceu entre o poder público, o poder econômico e uma parte da mídia, a serviço de interesses nem sempre confessáveis dos parceiros dessa aliança. As inúmeras denúncias de corrupção, favorecimento ilícito de empresas privadas e de abuso do poder econômico puseram a nu o processo de formação dessa nova oligarquia política, traduzida finalmente na ampla e rica coligação eleitoral encabeçada pelo ex-prefeito da cidade do Recife Roberto Magalhães. A agressiva estadualização da campanha com o engajamento explicito da figura do governador em favor de Magalhães, foi, entre outras causas, uma das principais razoes da derrota do ex-prefeito, abrindo um novo capitulo na Historia política do Estado, com o inicio das administrações petistas nos grandes colégios eleitorais de Pernambuco. À aliança neoconservadora do PFL com o PMDB, ora dominante em nosso Estado, contrasta vivamente com o quadro de uma economia diversificada, apoiada em atividades competitivas e diretamente atreladas ao mercado externo, como: a fruticultura; o turismo; os polos tecnológicos metropolitanos; a indústria de lazer e alimentação, etc. economia moderna, mas altamente concentradora de renda, porque baseada na renuncia fiscal e na precarização das relações de trabalho. Na realidade, dada a ausência de um projeto de desenvolvimento regional integrado, que contemple políticas compensatórias para setores e regiões mais pobres ou deprimidas, o Governo de Pernambuco vem aderindo à agenda liberal, adotada por FHC. O que se traduz em inverter o fluxo dos recursos públicos,

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agora, em direção às chamadas atividades competitivas, destinando à filantropia e ao chamado terceiro setor o atendimento das imensas carências sociais de grande parte da população. Os últimos lances da atual administração foram a utilização dos recursos obtidos com a privatização da CELPE na duplicação da BR232 e a posição dúbia assumida em face da extinção da SUDENE, o que só comprova as consequências problemáticas daquela aliança para os verdadeiros interesses do Estado e da região.

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Charge - Miguel Arraes de Alencar, publicada juntamente com o artigo sobre Miguel Arraes, no jornal A Folha de Pernambuco

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