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A HISTÓRIA DE UM CAMPO ACADÊMICO FEMININO NO BRASIL
Maria de Fátima Lopes1
Professora Associada do Departamento de Ciência Sociais da Universidade Federal de
Viçosa (MG) Brasil.
Resumo
Este texto tenta analisar as relações entre mulheres e ciência através do estudo de caso
da criação da Economia Doméstica no Brasil. Este é um campo que se define como
“uma ciência feita por e dirigida para as mulheres” – uma ciência de e para mulheres;
que permanece feminina em toda sua trajetória; e se construiu como domínio de
mulheres ao dar tratamento científico ao trabalho doméstico.
Acredito que tal análise fornece dados para a crítica feminista à teoria do conhecimento,
uma vez que levanta problemas teóricos sobre a hierarquia dos domínios científicos e da
maneira como o conhecimento é socialmente construído.
As pioneiras da Economia Doméstica acreditavam que elas não apenas abriam as portas
para entrada das mulheres na academia/universidade como aumentavam o respeito para
com as mulheres ao dar estatuto científico ao trabalho doméstico. Mas a trajetória
histórica deste campo seguiu caminho inverso. No processo de consolidação acadêmica
as escolhas teóricas de suas fundadoras desvalorizaram o saber empírico tradicional das
donas-de-casa para valorizar instrumentos teóricos e metodológicos caracterizando
historicamente uma forma androcêntrica de fazer ciência e trabalhar conforme sistemas
de significados da esfera pública ocultando – num processo de cientificismo – as
reflexões acerca da apropriação pela universidade da divisão social sexual do trabalho.
Reforçando dicotomias e a equação mulher é igual ao doméstico.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo elas reforçavam o modelo tradicional de feminilidade
restrita aos valores da casa/lar, do modelo de família nuclear, da divisão de papéis
sexuais. Pensavam sem qualquer crítica, tais modelos como universais, não
problematizando as diferenças históricas e culturais de classe, de grupos étnicos.
A Economia Doméstica é singular permitindo-nos questionar e rejeitar o caráter
natural e fixo da oposição entre domínios masculino e feminino ou entre esferas
domésticas e esferas políticas. Questionar tais oposições nos leva a reconhecer que elas
são historicamente construídas e não fixa, tornando possível inventar e reinventar
perguntas, dar respostas originais sobre tal conhecimento. Inscreve-se nessas reflexões
o potencial político a ser investigado quando se aponta os arbitrários culturais presente
na construção dessas dicotomias.
Palavras-chave: Teoria feminista, Gênero, Campo científico, Economia doméstica
Universidade.
1 Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós Graduação em antropologia Social do Museu
Nacional da UFRJ; Professora Associada do Departamento de ciência sociais da Universidade Federal de
Viçosa.
ABSTRACT
The History of a Feminine Scientific Field in Brazil
This paper intends to analyse the relationship between woman and science
through the case study of the creation of the Home Economics in Brazil. This is a
field defined as “a science made by and direct to women”; which remained
feminine throughout its trajectory; and was built as a woman’s domain by giving a
scientific treatment to the domestic chores.
We believe that such analysis will provide data to the feminist critic to the theory
of knowledge, since it raises theoretic problems about the hierarchy of the
scientific fields and the way as the knowledge is socially built up.
The early home economists thought they were not only opening the university
doors for women, as they could raise women´s respect for giving a scientific
status for housework. But the historical trajectory of this field went to the opposite
way. To consolidate an academical status they choose to devaluate the
housewives´ traditional empirical expertise; to look for theoretic and
methodological instruments which historically characterized an androcentric way
of making science, and working for the public sphere rather than for the domestic
domain.
Paradoxically, at the same time they reinforced the traditional model of
femininity restricted to the values of home, the nuclear model of family, the sex
roles division. All of them thought, without any criticism, as universal, thus
erasing class, ethnic, historical and cultural differences.
Home Economics is singular in allowing us to question and reject the fixed or
natural character of the opposition between male and female domains or between
domestic and political spheres. Questioning such oppositions lead us to recognize
that they are historically built and not fixed, making possible to invent and
reinvent questions, giving original answers about such knowledge. It is also
inscribed here the political potential to be investigated.
Key words: Feminist theory, Gender, Home Economics, Scientific fields,
University.
Este trabalho apresenta a criação de um curso acadêmico direcionado para o universo
feminino no Brasil dos anos cinquenta. Trata-se da “Economia Doméstica” implantada
no Brasil em 1948, na Escola Superior de Agronomia de Viçosa, como um requisito
indispensável para a transformação de uma Escola isolada para a condição de
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG, hoje UFV). Dito de outra
forma a Escola Superior de Agronomia adquire estatuto de Universidade com a
institucionalização da Economia Doméstica. Este curso é o primeiro de outros cursos de
Economia Doméstica fundados no Brasil, ou seja desde a ED de Viçosa outros cursos
foram criados. Internamente, no caso da Universidade Federal de Viçosa ele foi o
embrião de cursos como letras, pedagogia e nutrição, campos disciplinares tidos
também como feminino.
Em trabalho anterior analisei a criação desse curso na Escola Superior de Agricultura de
Viçosa vis a vis ao curso de agronomia como campos masculino e feminino
respectivamente. Foi necessário contextualizar socialmente e politicamente essa
implantação para análises. Contudo, esse estudo não analisou os paradigmas ou o
campo epistemológico que estruturaram o conjunto de conhecimentos que compôs a
economia doméstica brasileira. Em função disso, o objetivo principal desta reflexão
apresentada aqui é pensar este curso privilegiando as relações entre mulher e ciência, de
seu modelo, começando de sua institucionalização até os dias de hoje.
A análise anterior apresentou um exame detalhado de sua origem e padrão/modelo nos
Estados Unidos onde este curso foi primeiro criado como curso superior, com estatuto
de universitário para entender as opções feitas quando de sua implantação no Brasil.
Pensa-se dessa forma contribuir com subsídios para uma crítica feminista da teoria do
conhecimento ocidental.
A originalidade desta proposta esta na fusão entre essa reflexão e a análise de um campo
disciplinar que, em sua origem se define como “ciência de e para mulheres”; que
permanece feminino em toda sua trajetória. Trata-se de um campo que se constrói para
ser estudado por mulheres, dando tratamento cientifico aos conhecimentos empíricos de
donas-de-casa, que se divide em áreas de conhecimentos para dar conta do universo
doméstico.
Através da investigação do conteúdo programático deste curso tenciona-se revelar as
opções teóricas que configuram seu campo disciplinar como campo essencialmente
feminino.
Uma grande questão emerge e permanece: Como e porque essa forma peculiar de
“fazer” ciência - partindo do domínio doméstico tem preferido historicamente usar os
instrumentos teóricos-metodológicos legitimados por uma tradição androcêntrica de
“fazer” ciência?
Aquela opção teria, como consequencia, obscurecido/velado/escondido sua
singularidade de construção de uma ciência que parte/se origina de um conhecimento
cotidiano empírico e do universo tradicionalmente feminino? Entretanto,
paradoxalmente a Economia Doméstica se institucionaliza reforçando o ideal de
modelo de feminilidade restrito aos valores do universo doméstico, do modelo nuclear
de família, da divisão de papéis sexuais, que sem qualquer crítica é universalizada,
desconsiderando diferenças históricas e culturais de classes. Dessa forma, reflexões que
incorporam à Economia Doméstica questões acerca das relações entre
gênero/feminismo/teoria da ciência ainda esta por ser feita. Configura-se como o
grande desafio teórico-metodológico que, a partir deste projeto, tento empreender. A
reflexão mais detalhada sobre o lugar do doméstico na academia faz emergir problemas
teóricos sobre a hierarquia de campos científicos bem como a forma como o
conhecimento é socialmente construído. Analisar o campo da Economia Doméstica, sua
constituição e institucionalização no Brasil, à luz da crítica feminista, permite
demonstrar as formas de produção e reprodução do conhecimento que demarcam
lugares do masculino e feminino também na academia.
É sabido que a demanda pela criação deste campo nos Estados unidos, no século
dezenove, emergiu de mulheres que tinham seu acesso negado ao prestígio universitário
em função de seu sexo. As pioneiras da Home Economics idealizaram estabelecer uma
posição relevante na ciência para mulheres, através deste novo campo. Esta aí,
exatamente, a mais importante contribuição em seu país de origem: mulheres que
tentavam seguir uma carreira acadêmica, diante de barreiras que tinham que
enfrentar/confrontar, fizeram dessas dificuldades o acesso a uma carreira tipicamente
feminina; em outras palavras, aplicando a ciência na esfera doméstica2.
2 O MIT só aceita a entrada de Ellen Richards, uma das pioneiras da Home Economics, porque sua
intenção era estudar química aplicada a soluções de poluição do lar. Uma mulher cientista preocupada
coma a higiene do lar poderia ser aceita, e reificava seu papel feminino o conselho de um professor:
No entanto, em sua trajetória, a Economia Doméstica não se preocupou em eleger o
universo privado como objeto de reflexão; e assim se afastou de seus objetivos iniciais
ao eleger o acesso das mulheres ao universo "público" - universidade – como o alvo
mais importante. Não eliminando a equação, ao contrário fortalecendo, mulher =
doméstico, contrariando também o que se procurava inicialmente como um projeto de
uma ciência feminina.
Ciência feminina/ epistemologia feminista
Os estudos que pensam mulheres e ciência podem ser divididos, grosso modo, em dois
grupos. O primeiro tenta fazer a crítica epistemológica de certos campos, apontando a
forma como os arbitrários culturais de gênero informam suas pressuposições3; isso
contribui para a construção de sua própria linguagem científica, de suas metáforas4,
critica o dualismo do pensamento ocidental (cultura x natureza; razão x emoção,
universal x privado). De um lado, estão confrontando ciência, racionalidade,
masculinidade, e de outro, os estudos são não racionais, não científicos e femininos5. A
outra linha de reflexão se detém em análises da exclusão das mulheres em certos
campos, questionando o lugar ocupado pela suposta incapacidade biológica das
mulheres6. A critica feminista rejeita esse determinismo biológico; ela refuta a
neutralidade cientifica e ela enfatiza principalmente o contexto social e histórico do
qual o conhecimento é/foi produzido.7
A feminista Uma Narayan lembra que a epistemologia feminista, quando tem a
intenção de integrar as mulheres no campo da ciência, não pretende apenas ampliar a
participação delas naquele campo, nem alargar a visão delas, ou aumentar novos
detalhes permitindo um quadro muito diferente da ciência. Para a epistemologia
feminista a inclusão de perspectivas das mulheres mudará a própria natureza daquelas
atividades e sua própria compreensão.8
Assim, a categoria Gênero tem seu registro na medida em que se assume como
estrutura de pensar dinâmicamente as relações sexuais e sociais: seus sistemas
econômicos, suas histórias, ideologias.
Para acompanhar a reflexão, hoje, no que diz respeito a mulheres e ciência, tem-se de
encarar um empreendimento teórico que requer entender e explorar assuntos e sujeitos
relativos ao projeto feminista – que pensa a construção cultural das diferenças sexuais
negando radicalmente o determinismo natural/ biológico. Isso requer analisar as
fundações epistemológicas da critica feminista à teoria social - buscando outros
parâmetros de produção do conhecimento que não apenas aqueles considerados como
racional e objetivo, processos de busca da verdade pura e universal. As mulheres
consists that she had by hand everything that needed to darn the teachers' clothes and friends, in the
intervals of the classes. (MATHEWS, 1987: 146) 3 Veja, por exemplo, The Egg and the Sperm of Emily Martin.
4 Por exemplo, metáforas que se constroem desde um vocabulário de Guerra, de máquinas e de produção,
identificadas como masculinas. Conferir em Emily Martin,1989. 5 NARAYAN, Uma p. 277
6 Este tema foi foco recentemente de grande controversa international a partir do discurso de Larry
Summers, Reitor da Universidade de Harvard, que invocou as diferenças intrínsecas entre homens e
mulheres para explicar o baixo número de mulheres nas ciências e nas engenharias. 7 Nós não podemos esquecer também a importância desses contextos bem como de outros marcadores
que se colocam sobre o gênero – grupo étnico, classe social, geração – como fatores que influenciam a
escolha de carreiras, científicas ou não, para homens e mulheres. 8 NARAYAN, Uma p. 276/ 277.
incorporam dimensões de subjetividades – emoção, intuição – no processo de
conhecimento, questionando a divisão corpo/mente, emoção/razão.9 Da mesma forma é
necessário entender a contribuição da teoria social para a construção da teoria feminista,
pois é na disputa pela visibilidade do “sujeito/temas femininos" que o campo de
conhecimento feminista aparece.
O sujeito da ciência no feminino, ou melhor, as alternativas epistemológicas feministas
são parte daquela incursão e elas se tornaram solidas na medida em que cresceram em
processos que deveriam necessariamente dialogar com todo aparato cientifico da
modernidade, mas em estreita proximidade/diálogo com teorias pós-modernas. Aquela
reflexão nos revela a importância da riqueza teórico metodológica para a história do
pensamento social da ciência; ao mesmo tempo nos dá a certeza do tamanho do
empreendimento. Isso envolve elaborar um esboço de idéias crítico do desenvolvimento
do projeto feminista das tradições disciplinares na academia; a critica feminista à
ciência; e enfrentando o debate muito atual em torno da epistemologia feminista: a
empirista, a um dos "ponto de vista" e os pós-modernos.10
Paralelo as discussões acadêmico-teórica, não se pode perder de vista as ausências
propriamente políticas dos sujeitos/temas do feminismo: A pesquisa feminista pode
contribuir para a transformação social? Como pode contribuir para os processos de
entendimento das mulheres e de outras minorias historicamente oprimidas? Essas
questões norteiam e inspiram a produção de novas ancoragens.
Escola superior de ciências domésticas11
A Economia Doméstica é ímpar, singular para pensar e rejeitar o caráter fixo e
permanente da oposição entre o universo masculino versus universo feminino, entre
universo doméstico e universo político.
O problema dessas oposições implica no reconhecimento de que elas são construídas e
não inalteráveis - tornando possível inventar e reinventar sujeitos/questões e respostas
originais concernentes ao local do conhecimento. Registra-se aqui o reconhecimento de
um potencial político a ser investigado.
As implicações desse raciocínio para a história da “Economia Doméstica" são bastante
significativas por permitir: Questionar a polaridade universo masculino universo
feminino e seus correlatos; por desconfiar de sua naturalidade; por revelar processos
históricos de construção e, o que importa, o papel de instâncias diversas e práticas
educativas na construção através da história de continuidade / descontinuidade do curso.
A polaridade é bem exemplificado nas entrevistas realizadas para trabalho anterior. Elas
permitem vislumbrar as representações sobre a Escola de Ciências Doméstica por parte
das pioneiras - ou seja as primeiras estudantes desse curso. Essas representações, são
excelentes para prosseguir no estudo, elas revelam um potencial muito rico para a
análise teórica mais aprofundada através de teorias feministas:
9 É importante observar que saímos do pressuposto de que mente/razão/emoção e sua localização como
atributo de um e outro sexo são construções sociais. Nós não saímos de uma visão essencializada do sexo
feminino mas estamos reconhecendo que é dessa forma que as mulheres estão representadas em nossa
sociedade, e que é o lugar que elas foram ocupando, consequentemente. É importante notar também que
estamos falando de e sobre o universo do conhecimento do mundo ocidental. 10
HARDING,1993 11
Conferir em LOPES, 1995.
- A criação da “Economia Doméstica” é relatada como uma “operação de
enxertia”, a metáfora usada pela mãe Norte Americana fundadora do curso - Miss
Dickson. Nasce em terreno fértil – a ESA – próprio a um produto acadêmico, contra
todas as forças politicamente conservadoras do ponto de vista local.
- O seu objetivo era a formação idealizada de companheiros através da
realização 'do par de opostos - o agrônomo – responsável por seu saber de difundir um
modelo de desenvolvimento para Minas Gerais e o universo agrário nacional; paralela à
normatização de um modelo de desenvolvimento agrícola/agrário difundia-se um
modelo idealizado de família e de divisão do trabalho.
- Uma representação singular chama atenção por remeter fortemente à idéia da
mulher perfeita para o lar. Trata-se da percepção de que o curso era destinado para
formar mulheres como a Palha Moída que conserva intacta a porcelana que é o lar.
- Nasce ampliando significados aparentemente antagônicos: Lar = Santuário ou
Profissão?
- Nasce institucionalizando um ensino para a formação de mães dadivosas, de
mulheres em sua essência; A Fábrica de Fazer "Amélias"12, assegura em entrevista uma
das pioneiros do campo
Em resumo, o contexto de sua criação no Brasil: A década era a de 40, final dos anos
quarenta: O cenário político mundial era do pós-guerra – definindo os contornos da
Guerra Fria – a hegemonia norte-americana se impôs , fundamentalmente, na América
Latina. Contra o comunismo era difundido o modo de vida americano, em um processo
que tinha começado nos anos anteriores.
No Brasil dos anos cinqüenta, os longos anos cinqüenta, localizados entre dois
momentos políticos fundamentais - Estado Novo e o Golpe de 64 – não sem resistência,
foram difundidos valores americanos no cinema, na industria cultural, tanto quanto na
economia e na política. Minas Gerais enfrentava a perda de poder da oligarquia rural,
como uma tentativa de manter no poder a elite agrária unida disputando com a elite
urbana emergente. Uma das estratégias foi investir no ensino agrícola. Viçosa como
sede de uma Escola de Agronomia - tornou-se espaço privilegiado para a criação da
Escola de Ciências Domésticas. A tentativa era realizar - 25 anos depois – o modelo
inspirador de ensino agrícola da America do Norte.13
A institucionalização de uma
Escola de agricultura nos anos vinte contribuiu para reforçar a vocação agrícola do
Estado de Minas Gerais e do Brasil, dentro do quadro de dependência de modelos de
ensino de outros países. A criação de uma Escola de Ciências Domésticas na
universidade em fins dos anos quarenta, quando a consolidação do processo de
industrialização esta em curso, surge paradoxalmente como tentativa de permanência
da vocação agrícola o projeto de modernizar os farmers.
A criação, assim como as ênfases dada ao curso não são escolhas casuais ou
idiossincráticas de seus fundadores e herdeiros. A criação da ESCD é um exemplo de
como a institucionalização do conhecimento surge, não como desejo pessoal de um
12
Remete a uma marcha de carnaval bem popular no Brasil e que compara uma mulher exigente a uma
renunciadora “Amélia como mulher de verdade”...aquela que passava fome ao lado do companheiro sem
exigir nada. 13
A ESAV foi criada tendo como modelo os Land-Grant American Colleges que eram caracterizados
pela ênfase na formação técnica , por ser coeducational, onde os cursos de Home Economics eram
ministrados junto às escolas de agricultura.
indivíduo ou de um coletivo individual, mas como resultado de uma conjugação de
esforços que conciliam interesses políticos, acadêmicos e institucionais. Os Estados
Unidos estão consolidando sua hegemonia cultural e as elites agrárias mineiras
encontram, no ensino da agricultura a solução para o problema. A efetivação dos
acordos bilaterais torna possível os interesses não simplesmente porque America do
Norte quer; os Brasileiros demandam e encontram no apelo internacional o significado
para implantação do ensino agrícola no modelos idealizado. Entre as várias opções
internacionais eles escolheram os Estados Unidos, exatamente porque naquele
momento de aumento da influencia americana na Escola Superior de Agricultura há
uma substituição da influencia Européia/Francesa pela Norte Americana. Na
competição entre as potencias internacionais a cooperação com países Latinos através
da implantação de escolas – uma das ligações centrais da política estrangeiras das
grandes potencias – surge pelo fato de que as formas de instituição pela escola tem
contornos mentais duráveis. A competição pelo modelo de ensino se faz presente no
Brasil em várias instituições, em diferentes momentos históricos.14
No caso da Escola
de Viçosa o uso de um modelo Americano é um fato particularmente visível e durável
que deve ser pensado dentro do sistema de poder que os Estados Unidos elaboraram
para a America Latina. Havia um claro interesse Americano em assegurar a difusão de
seus valores através de sistemas educacionais. Não havia nada de natural – embora fosse
relatado como e aceito dessa forma pelos idealizadores nacionais - no acesso a esse
tipo de ensino. Pensar assim contribui para naturalizar uma relação que não aparece
como auto-evidente. Evidente é a reafirmação da dependência.
Finalmente esta pesquisa não se justifica apenas pelas razões elencadas. Margareth
Rago lembra que o debate acerca das epistemologias feministas no Brasil ainda estão de
forma não sistematizada, pelo menos, duas razões básicas. De um lado, nós temos
ignorado as formulações de novas idéias para a incorporação das discussões acerca da
tradução que chegam de países com mais reflexão histórica sobre mulheres e gênero.
Por outro lado, a realidade enfrentada pelas teóricas dos campos do feminismo em um
país com grandes necessidades/urgências sociais exige intervenções de pronto, rápido e
inferências explicativas do social.
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14
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de mineralogia; para a criação da Universidade de São Paulo (USP) faz-se o apelo ao modelo Frances,
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