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A HISTÓRIA DA INDÚSTRIA DE AGROTÓXICOS NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS NA DÉCADA DE 1940 AOS ANOS 2000 [email protected] Apresentação Oral-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais FÁBIO HENRIQUE BITTES TERRA 1 ; VICTOR PELAEZ 2 . 1.IE/UFU E PPGE/UFRGS, UBERLANDIA - MG - BRASIL; 2.PPGDE/DE/UFPR, CURITIBA - PR - BRASIL. A história da indústria de agrotóxicos no Brasil: das primeiras fábricas na década de 1940 aos anos 2000 Grupo de pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais. Resumo: A indústria de agrotóxicos, em nível mundial, surgiu após a Primeira Guerra Mundial, porém as primeiras unidades produtivas de agrotóxicos no Brasil datam de meados da década de 1940, sendo que a efetiva constituição do parque industrial desses produtos no país ocorreu na segunda metade dos anos 1970, notadamente após 1975 com a instituição do Programa Nacional dos Defensivos Agrícolas, que buscou internalizar a produção de agrotóxicos no Brasil, num instante de industrialização da agricultura nacional e de construção dos chamados Complexos Agroindustriais. Desde então, o país tornou-se um dos principais mercados consumidores de agrotóxicos no mundo sendo o do mercado de agrotóxicos diretamente relacionado ao comportamento da produção agrícola nacional. Não obstante, por serem produtos tóxicos, os agrotóxicos podem ter efeitos deletérios sobre a fitossanidade das culturas agrícolas, sobre a saúde humana, bem como sobre o meio ambiente. Decorre daí a vigência de políticas públicas de regulação dos mesmos, que legislam desde as etapas de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos até o descarte final das embalagens, condicionando assim, as possibilidades de atuação estratégica das empresas no ramo dos agrotóxicos. Neste contexto, o objetivo desse trabalho é contar a história da indústria de agrotóxicos no Brasil, desde as primeiras unidades produtivas nos anos 1940 até 2007, buscando-se sugerir e articular, ainda que brevemente, as relações existentes as esferas econômica e jurídica, presentes na evolução dessa indústria no Brasil. Palavras-chave: Economia Agrícola; História Econômica; Organização Industrial; Agrotóxicos. Abstract: The pesticide global industry was created after World War I, however the first productive units in Brazil dates back to the 1940’s and the effective installation of this industry at Brazil took place after 1975. Notwithstanding, the effective constitution of an industrial pesticide park in Brazil happened in the second half of the 1970’s when was created the “Programa Nacional dos Defensivos Agrícolas” which aimed the internalization of the pesticides’ production in Brazil in a moment characterized by the agriculture’s industrialization and by the construction of the so called “Complexos Agroindustriais”. Since, Brazil has become one of the most important pesticides’ consumers in the world, accompanying the expansive agricultural production of the country. Yet, as pesticides are toxicant products which can be baleful over the agronomical conditions, the human health and over the environment, prevails the existence of regulation’s public policies that controls since the research and development of new products until the reject of the pesticide’s package. The regulation policy conditions the possibilities of strategic action by the firms inside this industry. In this context, this paper tries to describe the history of the pesticide industry in Brazil, since the creation of the first productive units in the 1940’s to the year 2007, in an attempt to suggest and articulate the relations between the economic and legal spheres presents in the evolution of pesticide industry in Brazil. Keywords: Economic History; Industrial Organization; Pesticides.

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Page 1: A história da indústria de agrotóxicos no Brasil: das ...sober.org.br/palestra/13/43.pdf · 2 1. INTRODUÇÃO Embora a indústria de agrotóxicos tenha surgido após a Primeira

A HISTÓRIA DA INDÚSTRIA DE AGROTÓXICOS NO BRASIL: D AS PRIMEIRAS FÁBRICAS NA DÉCADA DE 1940 AOS ANOS 2000

[email protected]

Apresentação Oral-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais

FÁBIO HENRIQUE BITTES TERRA1; VICTOR PELAEZ2. 1.IE/UFU E PPGE/UFRGS, UBERLANDIA - MG - BRASIL; 2.PPGDE/DE/UFPR,

CURITIBA - PR - BRASIL.

A história da indústria de agrotóxicos no Brasil: das primeiras fábricas na década de 1940 aos anos 2000

Grupo de pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais.

Resumo: A indústria de agrotóxicos, em nível mundial, surgiu após a Primeira Guerra Mundial, porém as primeiras unidades produtivas de agrotóxicos no Brasil datam de meados da década de 1940, sendo que a efetiva constituição do parque industrial desses produtos no país ocorreu na segunda metade dos anos 1970, notadamente após 1975 com a instituição do Programa Nacional dos Defensivos Agrícolas, que buscou internalizar a produção de agrotóxicos no Brasil, num instante de industrialização da agricultura nacional e de construção dos chamados Complexos Agroindustriais. Desde então, o país tornou-se um dos principais mercados consumidores de agrotóxicos no mundo sendo o do mercado de agrotóxicos diretamente relacionado ao comportamento da produção agrícola nacional. Não obstante, por serem produtos tóxicos, os agrotóxicos podem ter efeitos deletérios sobre a fitossanidade das culturas agrícolas, sobre a saúde humana, bem como sobre o meio ambiente. Decorre daí a vigência de políticas públicas de regulação dos mesmos, que legislam desde as etapas de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos até o descarte final das embalagens, condicionando assim, as possibilidades de atuação estratégica das empresas no ramo dos agrotóxicos. Neste contexto, o objetivo desse trabalho é contar a história da indústria de agrotóxicos no Brasil, desde as primeiras unidades produtivas nos anos 1940 até 2007, buscando-se sugerir e articular, ainda que brevemente, as relações existentes as esferas econômica e jurídica, presentes na evolução dessa indústria no Brasil. Palavras-chave: Economia Agrícola; História Econômica; Organização Industrial; Agrotóxicos.

Abstract: The pesticide global industry was created after World War I, however the first productive units in Brazil dates back to the 1940’s and the effective installation of this industry at Brazil took place after 1975. Notwithstanding, the effective constitution of an industrial pesticide park in Brazil happened in the second half of the 1970’s when was created the “Programa Nacional dos Defensivos Agrícolas” which aimed the internalization of the pesticides’ production in Brazil in a moment characterized by the agriculture’s industrialization and by the construction of the so called “Complexos Agroindustriais”. Since, Brazil has become one of the most important pesticides’ consumers in the world, accompanying the expansive agricultural production of the country. Yet, as pesticides are toxicant products which can be baleful over the agronomical conditions, the human health and over the environment, prevails the existence of regulation’s public policies that controls since the research and development of new products until the reject of the pesticide’s package. The regulation policy conditions the possibilities of strategic action by the firms inside this industry. In this context, this paper tries to describe the history of the pesticide industry in Brazil, since the creation of the first productive units in the 1940’s to the year 2007, in an attempt to suggest and articulate the relations between the economic and legal spheres presents in the evolution of pesticide industry in Brazil. Keywords: Economic History; Industrial Organization; Pesticides.

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1. INTRODUÇÃO Embora a indústria de agrotóxicos tenha surgido após a Primeira Guerra Mundial,

seu uso foi difundido nos Estados Unidos e na Europa após a Segunda Guerra Mundial, e no Brasil durante o período que ficou conhecido como a modernização da agricultura nacional, situado entre 1945 e 1985. Foi também neste período, notadamente após 1975, que se efetivou a instalação da indústria de agrotóxicos no país, conformada pelas principais empresas fabricantes destes produtos em nível mundial. Construiu-se no Brasil uma estrutura de mercado dos agrotóxicos caracterizada pelo elevado grau de concentração, de formato oligopolista típico, concernte com o que se observa nesta indústria em nível mundial. O mercado brasileiro de agrotóxicos apresentou crescimento significativo: entre 1977 e 2006 o consumo de agrotóxicos expandiu-se, em média, 10% ao ano, de forma que o Brasil esteve, desde meados dos 1970 até 2007, entre os seis maiores consumidores de agrotóxicos do mundo (Terra, 2008).

O notável crescimento do mercado de agrotóxicos no Brasil está diretamente relacionado ao comportamento da produção agrícola nacional. De forma mais específica, variações no consumo de agrotóxicos se correlacionam com as políticas públicas de fomento à produção agrícola e com o contexto macroeconômico a que se vincula a implementação destas diferentes políticas. Não obstante, por serem produtos tóxicos, os agrotóxicos podem ter efeitos deletérios sobre a fitossanidade das lavouras, sobre a saúde humana, bem como sobre o meio ambiente. Então, há a necessidade de instituição de políticas públicas de regulamentação desses produtos, que legislam desde as etapas de pesquisa e desenvolvimento (doravante P&D) de novos produtos até o descarte final das embalagens condicionando, assim, as possibilidades de atuação estratégica das empresas do ramo dos agrotóxicos.

Neste contexto, o objetivo deste trabalho é traçar, de forma sintética, um histórico da indústria de agrotóxicos no Brasil, desde a implantação das primeiras unidades produtivas em meados da década de 1940 até o ano de 2007, buscando-se ressaltar as possíveis relações existentes entre as estruturas econômicas e de regulação, presentes na evolução histórica da indústria de agrotóxicos no Brasil. Conformam a estrutura econômica, por um lado, o contexto econômico vigente e o desempenho agrícola nacional e, por outro lado, a própria estrutura do mercado da indústria de agrotóxicos. O conjunto de leis, normas, decretos, decretos-lei que definem o marco regulatório dos agrotóxicos expressa o que se entende por estrutura jurídica.

Para tanto, na seção 2 é apresentado, de forma breve e geral, o referencial analítico utilizado no decorrer deste trabalho e as características estruturais do mercado da indústria de agrotóxicos. As seções que contam a história da indústria de agrotóxicos no Brasil são periodizadas a partir de rupturas estruturais (econômicas e/ou jurídicas) que configuraram novos condicionantes à evolução da indústria de agrotóxicos no Brasil. Assim sendo, a seção 3 exprime o período de instalação da indústria de agrotóxicos no Brasil, entre as décadas de 1940 e 1980, no bojo do processo de industrialização da economia e de modernização da agricultura brasileira. A seção 4 analisa o desempenho da indústria de agrotóxicos no período 1986/2000, face a crise econômica dos anos 1980 e da promulgação da Lei dos Agrotóxicos, em 1989. A seção 5 conta a história recente da indústria de agrotóxicos, entre 2001/2007, mostrando as modificações construídas na estrutura de regulamentação do ramo dos agrotóxicos, motivadas pelo excepcional desempenho da agricultura nacional nesse período. Por fim a seção 6 traz as conclusões do trabalho. 2. A ESTRUTURA DO MERCADO DA INDÚSTRIA DE AGROTÓXIC OS

De acordo com a Lei 7.802/89 os agrotóxicos são definidos como:

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os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. (Art. 2; § 1, item a).

A produção comercial de um agrotóxico envolve a obtenção do ingrediente ativo,

cujo processo de síntese adotado irá determinar seu grau de pureza bem como o teor de impurezas. Esse composto obtido é chamado de produto técnico, que será utilizado para a formulação do produto final. A este são adicionados outros elementos químicos que garantem sobretudo a dispersão e a fixação do produto nas plantas a serem protegidas ou destruídas pelo efeito tóxico específico. O produto final, obtido da mistura do produto técnico com outros produtos químicos auxiliares, corresponde ao chamado produto formulado, que é aplicado nas lavouras.

A classificação dos agrotóxicos, por finalidade de uso, é definida pelo poder de ação do ingrediente ativo sobre organismos-alvo, como: inseticidas, fungicidas, herbicidas, acaricidas, reguladores e inibidores de crescimento, etc. Dentre essas classes, as três principais, que representaram cerca de 95% do consumo mundial de agrotóxicos, em 2007, são os herbicidas (48%) inseticidas (25%) e fungicidas (22%) (Agrow, 2007).

Os agrotóxicos podem também ser classificados em dois tipos, em função do regime de propriedade intelectual vigente: as novas moléculas, ou princípios ativos, passíveis de serem patenteadas garantindo o direito de exclusividade de comercialização às firmas inovadoras, bem como as parcelas mais lucrativas do mercado; e os produtos equivalentes1, cujas patentes já expiraram tornando a tecnologia de produção passível de ser explorada por empresas que não possuem capacidade de investimento em P&D.

Já as empresas fabricantes de agrotóxicos podem ser classificadas em dois tipos: integradas e especializadas. As empresas integradas são subsidiárias dos grandes grupos da indústria química que apresentam um grande dinamismo tecnológico, posicionando-se como líderes nos respectivos segmentos de mercado em que atuam. O termo “integradas” refere-se ao fato de atuarem em todas as etapas da produção de agrotóxicos: da pesquisa e desenvolvimento de novas moléculas químicas, à distribuição e comercialização de produtos (técnicos e formulados). As empresas especializadas concentram-se, por sua vez, na fabricação de produtos técnicos cuja validade das patentes tenha vencido (produtos equivalentes) e também de produtos formulados (Frenkel e Silveira, 1996). Cabe ressaltar que no segmento do mercado de produtos equivalentes as empresas especializadas concorrem diretamente com as integradas que também atuam na comercialização de seus produtos formulados cuja patente tenha expirado. A estimativa da Aenda (2008) é de que as empresa especializadas detenham apenas de 15 a 20% do mercado mundial de produtos equivalentes. Nesse contexto, a hegemonia das empresas integradas se exerce também pelo fato de serem, na maioria das vezes, as fornecedoras dos produtos técnicos às empresas especializadas na fabricação dos produtos formulados.

A caracterização de uma estrutura de mercado pode ser considerada a partir de três elementos fundamentais: o grau de concentração do mercado, em termos do market-share das vendas e do faturamento, as barreiras à entrada que constroem impedimentos à entrada de

1 Usa-se na literatura o termo Agrotóxico Genérico (Silveira, 1993; Martinelli e Waquil, 2002). Todavia essa nomenclatura é inadequada, visto que o termo genérico refere-se a medicamentos, de modo que se adota neste trabalho o termo agrotóxicos equivalentes, conforme expresso pelo decreto 4.074 de 2002. Outras nomenclaturas utilizadas, sem perda de validade analítica são: agrotóxicos com patentes vencidas, com patentes expiradas, sem proteção de patentes, não protegidos por patentes.

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novos competidores, potenciais ou já atuantes no mercado e as formas de concorrência, sejam por preço e/ou qualidade dos produtos e serviços (Possas, 1985).

O mercado da indústria de agrotóxicos como um todo apresenta-se altamente concentrado em nível mundial. Em 2004 cerca de 10 empresas controlavam aproximadamente 98% das vendas nas diferentes regiões do planeta (Terra, 2008). Em 2007, as seis maiores empresas do ramo (Bayer, Syngenta, Basf, Monsanto, Dow, DuPont) controlavam 86% do mercado mundial (McDougall, 2008). No Brasil a participação das oito maiores empresas do ramo foi estimada em cerca de 80% do mercado em 2006 (Neves, 2006).

As barreiras à entrada no ramo de agrotóxicos atuam de forma diferenciada em função da capacidade tecnológica e de investimento dos novos entrantes. Para as grandes empresas, já atuantes no ramo químico, as barreiras à entrada derivam principalmente do sistema de patenteamento e do ritmo de inovação tecnológica. O sistema de patenteamento, ao garantir legalmente a exclusividade de produção e comercialização a uma empresa, estabelece reservas de mercado à detentora do direito de propriedade. Essas empresas aproveitam a exclusividade no fornecimento dos produtos para adotarem estratégias de fidelização do consumidor para com sua marca comercial. Além disso, o patenteamento, ao permitir lucros extraordinários, oferece à empresa a possibilidade de re-inversão desses ganhos superiores em atividades de P&D. A acumulação de competências tecnológicas daí advindas faz com que a empresa possa desenvolver novos produtos a um ritmo superior à capacidade dos novos entrantes, estabelecendo assim barreiras à entrada (Naidin, 1985).

Já para as empresas especializadas as barreiras à entrada no mercado de agrotóxicos são mais numerosas. Um primeiro fator é o acesso dificultado dessas empresas às matérias-primas que elas utilizam em seu processo produtivo. As empresas integradas tendem a controlar o fornecimento de matérias-primas para a produção de agrotóxicos, o que limita as possibilidades de acesso às fontes de insumos industriais e às possibilidades de diversificação de suas atividades nesse mercado (Frenkel e Silveira, 1996).

Um segundo fator que implica em barreiras à entrada no mercado é a capacidade financeira limitada das empresas especializadas, que são em sua maioria, de pequeno e médio porte. A escassa disponibilidade de recursos impede que essas empresas invistam elevados montantes em atividades de P&D, afastando-as de competir pelas parcelas mais lucrativas do mercado, as dos produtos patenteados. Por sua estrutura financeira não permitir manter investimentos em inovação de produtos, as possibilidades de explorar economias de escopo via diferenciação são mais limitadas, o que as torna mais suscetíveis às oscilações na demanda por agrotóxicos, resultantes da imprevisibilidade natural do desempenho das safras e da oscilação do próprio mercado de commodities agrícolas (Martinelli, 2003).

Um terceiro tipo de barreira à entrada às empresas especializadas advém das dificuldades de distribuição e promoção dos produtos no mercado2. Ao operarem com um portfólio menor de produtos, os custos para a distribuição dos mesmos é maior. E, por não trabalharem, via de regra, com produtos patenteados, essas empresas possuem maiores dificuldades em fidelizar o consumidor às suas marcas (Velasco e Capanema, 2006).

Um quarto tipo de barreira às empresas especializadas, principalmente as de menor porte, diz respeito ao financiamento ao produtor rural da compra de agrotóxicos oferecido pelas grandes empresas do ramo, como estratégia de substituição do crédito agrícola concedido pelo governo3 (Defesa Agrícola, 2006). A existência dessa barreira pode ser ilustrada na declaração conjunta das três associações de classe da indústria de agrotóxicos:

A falta de recursos do Governo limitou, em 2004, a apenas 12,5%, as vendas de produtos fitossanitários com recursos do Crédito Rural. Assim, a grande maioria das vendas é

2 Encontram-se dentre as estratégias de promoção e distribuição de produtos atividades como: formas de comercialização, assistência técnica e suporte ao usuário, financiamento aos usuários, etc. (Possas 2006). 3 Sobre a política de crédito rural como incentivo ao mercado de agrotóxicos no Brasil, ver Terra (2008).

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financiada com recursos próprios da indústria, com prazos longos de em média 250 dias[...]. Em 2004, a indústria financiou 60% de suas vendas com este prazo médio [...] Esse financiamento é ímpar no mundo. Os outros países praticam vendas à vista ou com financiamentos de curto prazo (Andef, 2005).

Um quinto tipo de barreira à entrada está ligado a fatores jurídicos e político-institucionais de um mercado sujeito à regulamentação como o de agrotóxicos (Possas, 2006). As atividades de regulamentação pública, especialmente no que tange aos critérios para a obtenção de registros para a comercialização de agrotóxicos, podem gerar barreiras à entrada, sobretudo às empresas especializadas de menor porte. Em 1998, a Aenda estimava que os custos para se obter o registro de um produto equivalente (formulado e seu respectivo produto técnico) estariam entre R$ 300 mil e R$ 650 mil (Aenda, 1998). Além disso, o controle de qualidade toxicológica dos agrotóxicos está diretamente ligado à capacidade de investimento em tecnologias de produção. Vale ressaltar que as fábricas modernas dispõem de mecanismos para controlar as impurezas resultantes dos processos de síntese de seus produtos agrotóxicos. No entanto, fábricas com tecnologia obsoleta, que possuem um menor controle sobre o processo de produção, podem gerar produtos com o mesmo ingrediente ativo, mas centenas ou milhares de vezes mais tóxicos que o produto de referência, devido à presença de impurezas de fabricação (Terra, 2008).

No entanto, independente de uma regulamentação mais exigente, a possibilidade de se colocar no mercado um produto com qualidade inferior, tanto do ponto de vista toxicológico quanto de desempenho agronômico, pode gerar custos adicionais, derivados de efeitos adversos à saúde, ao meio ambiente e à produtividade das culturas. Tais custos seriam resultantes tanto de ações penais de responsabilidade quanto de perda de credibilidade das empresas no mercado, reduzindo a sua competitividade.

Para as empresas integradas a principal forma de concorrência é a diferenciação de produtos, Tal forma de competição busca superar a rápida obsolescência dos agrotóxicos, a qual se apresenta como o maior problema enfrentado pelas líderes (Naidin, 1985). O rápido ciclo de vida desses produtos é determinado por dois fatores. O uso intensivo de agrotóxicos tende a gerar a resistência dos organismos-alvo dessas substâncias, reduzindo a sua eficácia. Em paralelo, os efeitos adversos dos agrotóxicos sobre o meio ambiente e a saúde humana estão cada vez mais presentes nas agendas de políticas públicas dos órgãos reguladores, sobretudo nos países desenvolvidos. Ambos os fatores passaram a ser identificados após 1960, duas décadas após o início da utilização dos primeiros agrotóxicos de síntese industrial, ainda hoje utilizados em muitos países (Velasco e Capanema, 2006). Face a isto, as empresas inovadoras buscam desenvolver novas moléculas, tanto com efeitos agrotóxicos específicos quanto de amplo espectro e que apresentem menores efeitos residuais (tempo de permanência no solo e efeitos sobre organismos não-alvos) e baixa toxicidade. Já as empresas especializadas baseiam suas estratégias de concorrência em preços, sendo a diferenciação de produtos uma estratégia mais limitada, o que não descarta estratégias de concorrência baseadas em serviços diferenciados de distribuição e de assistência técnica (Silveira, 1993).

As características estruturais do mercado da indústria de agrotóxicos – elevadas barreiras à entrada, alto grau de concentração do mercado, e concorrência nas parcelas mais lucrativas do mercado não efetivada via preços – denotam uma estrutura de mercado tipicamente oligopolista, seguindo o arcabouço teórico desenvolvido por Possas (1985). 3. A CONSTITUIÇÃO DA INDÚSTRIA DE AGROTÓXICOS NO BR ASIL: DAS DÉCADAS DE 1940 A 1980

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Durante os primeiros quarenta e cinco anos do século XX foram largamente consumidos no Brasil produtos agrotóxicos naturais, produzidos localmente. Após a Segunda Guerra Mundial os agrotóxicos organossintéticos dominaram o mercado mundial e no Brasil não foi diferente. O início da produção de organossintéticos no país data de 1946, quando a empresa Eletroquímica Fluminense iniciou a fabricação de BHC. Em 1948 a Rhodia passou a produzir no país o inseticida Parathion, e em 1950 uma fábrica de armas químicas do exército no Rio de Janeiro começou a fabricar o DDT (Bull e Hathaway, 1986).

A efetiva instalação do parque brasileiro de produção de agrotóxicos adveio nos anos 1970, quando da criação do Programa Nacional de Defensivos Agrícolas, instrumento utilizado para a correção das distorções entre o aumento do consumo e o fraco desempenho da produção nacional de agrotóxicos. Neste contexto, quatro fatores somaram-se para determinar o crescimento do consumo e da produção nacional: a industrialização da economia brasileira, por meio da estratégia de substituição de importações; a modernização da base técnico-produtiva da agricultura nacional; as políticas públicas de financiamento agrícola; e as estratégias de internacionalização produtiva das empresas líderes do mercado de agrotóxicos em nível mundial.

3.1 A estrutura econômica: industrialização da economia e modernização da agricultura

A industrialização da economia brasileira, via substituição de importações, iniciou-se em 1930. Neste particular, vários planos de desenvolvimento foram implementados. Entre estes foi de especial importância para a indústria de agrotóxicos o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND, entre 1975/1979, que, por meio de políticas setoriais, instituiu a indústria de insumos básicos no país. Agraciou-se a produção de agrotóxicos no II PND, com a instalação do Programa Nacional dos Defensivos Agrícolas (doravante PNDA) em 1975 (Naidin, 1985).

O principal objetivo da industrialização da economia brasileira foi a alteração do eixo dinâmico da economia do setor agrícola para o setor industrial. Para tanto, a própria agricultura foi industrializada, por meio do processo de modernização de sua base técnico-produtiva. Segundo Kageyama (1985) a modernização da agricultura nacional, ocorrida entre 1945/1985, baseou-se na imposição do uso de insumos químicos (entre estes os agrotóxicos), biológicos, e no emprego da mecanização na base técnico-produtiva da agricultura. Ou seja, a modernização da agricultura nacional implicou na utilização de insumos de origem industrial no processo produtivo da agricultura. A agricultura passou a ser vista como um mercado consumidor da indústria, no interior de um processo geral de industrialização da economia brasileira.

Mas, as causas da industrialização e da modernização da agricultura não foram espontâneas. Elas derivaram da intenção de alterar a estrutura produtiva do país e tiveram como indutor e fomentador o Estado. No caso específico da agricultura, o Estado utilizou-se inicialmente como política agrícola, incentivos tarifários, cambiais, e subsídios. Este cenário foi alterado em 1965, quando o Estado criou o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), principal elemento que permeou e financiou a modernização da agricultura nacional, viabilizando-a (Coelho, 2001).

Em seus anos iniciais, o SNCR contou com prazos e carências elásticas, além de taxas de juros reais negativas. Outrossim, foi, e continua a ser, separado em três categorias de crédito: de investimento; de custeio; e de comercialização (Kageyama, 1985). E, a produção agrícola nacional, com de modernização de sua base técnico produtiva e com fartos recursos para seu financiamento, apresentou um bom desempenho econômico entre as décadas de 1940 a 1980. Assim também o fez o produto da economia até meados da década de 1980, conforme a tabela 1, abaixo.

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Os anos do período 1955/1976 representaram os de maior expansão nos produtos da agricultura e da economia, e nos recursos concedidos pelo SNCR. Tem-se que, entre 1967/1976 há a maior expansão média do produto agrícola (3,1% entre 1967/1970 e 6,3% entre 1970/1973), e, a isso correlacionando-se, observa-se a maior expansão do volume de recursos fornecidos pelo SNCR (197,3% entre 1967/1970 e 128,2% entre 1970/1973). Como os mecanismos de captação de fundos para o SNCR estão diretamente relacionados ao crescimento econômico do país, observa-se que há uma expansão correlacionada entre os produtos da agricultura e da economia (que cresceu 10% em média no período 1967/1970 e 12,4% entre 1970/1973), e o volume de financiamentos concedidos.

Tabela 1 - Taxa médias de crescimento do produto da agricultura

e da economia, e dos recursos do SNCR, 1986 - 2000 (em %) Período ¹ Produto da Agricultura PIB SNCR

1955/1962 4,5 7,1 (Inexiste o SNCR) 1962/1967 1,7 3,2 25,7 ² 1967/1970 3,1 10 197,3 1970/1973 6,3 12,4 128,2 1973/1976 5,4 8,3 108,7 1976/1980 5 6,4 5,2 1980/1984 2,5 0,8 -65,3

Fonte: Ipeadata (2008) e Coelho (2001); Notas: ¹Inclui os anos limites; ²Refere-se à 1966/1967.

O crescimento do produto da agricultura brasileira foi acompanhado pela expansão

da produtividade da mesma, localizada principalmente na produção de grãos, que expandiu-se 187,5% entre 1965/1985, segundo dados de Coelho (2001). Ainda segundo este autor, culturas como soja, trigo e milho detiveram expansão nas suas produtividades acima de 80%. Para a indústria de agrotóxicos este é um indicador fundamental, visto que as culturas de grãos são seu maior mercado consumidor.

Entretanto, segundo Kageyama, (1985), depois de responder por quase 90% do valor das exportações brasileiras em 1964, a proporção das exportações da agricultura reduziu-se para 52,4% em 1980, conseqüência do processo de industrialização. Conforme dados de Terra (2008), da mesma forma que as exportações, a distribuição setorial do PIB apresentou comportamento desfavorável à agricultura. Com a intensa industrialização nacional, a agricultura participou com 9% do PIB nacional em 1985, contra 24,28% em 1950.

De uma forma geral, a modernização da base técnico-produtiva da agricultura nacional, que levou à utilização maciça de insumos industriais e, dentre estes os agrotóxicos, aliando-se à existência de fartos recursos disponíveis para o financiamento da atividade agrícola e à expansão da economia, criou para as empresas líderes do mercado mundial de agrotóxicos, uma promissora oportunidade de investimento no país. Além disso, o PNDA forneceu incentivos fiscais e financeiros que contribuíram para o aproveitamento desta oportunidade. Não obstante, as empresas de agrotóxicos em nível mundial começavam a enfrentar as dificuldades impostas pela obsolescência de seus produtos, o que as induzia a buscar novos mercados consumidores. A soma destes fatores conduziu à constituição da indústria de agrotóxicos no Brasil.

3.2 A constituição da indústria de agrotóxicos no Brasil

Conforme Naidin (1985), em fins dos anos 1960 e início da década de 1970, o rápido ciclo de vida dos agrotóxicos forçou as empresas a buscar novos mercados, com os quais pudessem postergar os efeitos da obsolescência dos agrotóxicos. A autora aponta então, que a internacionalização produtiva passou a ser a estratégia das firmas líderes na busca por lucros extraordinários. Por sua vez, o rápido aumento no consumo de agrotóxicos provocado pela

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modernização da agricultura nacional fora atendido por importações de produtos das empresas líderes do mercado mundial até meados da década de 1970.

Entre 1930 e 1975 facilitaram-se estas importações pelo estabelecimento de políticas de comércio externo que concediam isenções tarifárias, câmbio favorecido e prioridade nos leilões de divisa, o que permitiu que os produtos das empresas líderes no mercado mundial abastecessem o mercado nacional e criassem uma relação de fidelidade entre o consumidor nacional e as marcas comerciais importadas. Essas políticas foram abandonadas em 1975, com o lançamento do PNDA, ao qual as empresas líderes do mercado mundial, com larga capacidade financeira e cujas marcas comerciais já supriam a demanda nacional, responderam prontamente, efetivando a criação do parque nacional produtor de agrotóxicos (Naidin, 1985).

O programa, que vigorou até 1979, tinha como instrumentos básicos de operacionalização a concessão de incentivos fiscais, de financiamentos para construção de plantas e de benefícios tarifários para a importação de máquinas e equipamentos. Foi privilegiada a construção de plantas industriais para a etapa final de fabricação de agrotóxicos, mas não para a produção de suas matérias-primas4. Neste contexto, dados de Naidin (1985) mostram que, entre 1965/1974 os investimentos para a produção de agrotóxicos no Brasil foram, em média, de US$ 761 mil ao ano, enquanto que entre 1975/1979, período do PNDA, este valor passou a US$ 37.902 milhões ao ano, em média. Ainda de acordo com dados da autora, a produção nacional de agrotóxicos que em 1961 foi de 2.242 toneladas, atingiu 52.430 toneladas em 19805.

Entretanto, embora nos países desenvolvidos essas empresas enfrentassem legislações cada vez mais restritivas sobre os agrotóxicos como um dos fatores principais de determinação da rápida obsolescência de seus produtos, o mesmo não se verificou no Brasil. Mesmo em um cenário de incremento extraordinário no consumo e na produção, o marco regulatório dos agrotóxicos não foi atualizado para acompanhar a realidade que se constituía.

3.3 A estrutura jurídica: o decreto n. 24.114 de 1934, marco regulatório dos agrotóxicos nas décadas de 1940 a 1980:

Deve-se entender o marco regulatório como um conjunto de leis que regem determinada atividade social, seja ela econômica, política, cultural. Os agrotóxicos, como o próprio termo remete, são substâncias tóxicas, podendo sua utilização oferecer riscos ao homem, à fauna e à flora. Assim, a existência de regulação sobre o desenvolvimento, produção, comercialização e uso dos agrotóxicos visa minimizar os riscos e os impactos que podem decorrer de sua utilização.

Quando iniciaram a produção local, as empresas multinacionais tinham como marco regulatório de suas atividades o decreto 24.114 de 1934 da Secretária de Defesa Sanitária Vegetal do Ministério da Agricultura. Tal decreto é anterior ao lançamento em nível mundial do primeiro agrotóxico organossintético e tinha, como mostra Silva (2007), como uma das principais características a centralidade nas mãos da União do poder de legislar sobre os agrotóxicos6. Desta forma, a União estabelecia os requisitos a serem seguidos para o registro do produto e para a liberação da licença de comercialização do agrotóxico no mercado.

4 Naidin (1985) argúe que, assim, o Brasil ficou dependente da importação de matéria-prima de elevado valor agregado para a produção de agrotóxicos o que repercutiu, desde o início dessa indústria no país em déficits comerciais nesse ramo. Dados de Martinelli & Waquill (2002) reforçam a persistência deste argumento. 5 A expansão da produção nacional com o PNDA fez com que, de 81% do mercado local abastecido por importações em 1961, chegasse-se a apenas 26% da demanda local assim satisfeita em 1984 (Naidin, 1985). 6 Estados e municípios apenas realizariam testes para fiscalizar se as características físico-químicas dos produtos eram equivalentes ao que a empresa registrou para a obtenção da licença de venda do produto (Silva, 2007).

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Porém, mesmo sendo um produto tóxico, o decreto não estabeleceu até a portaria 749 de 1978, nenhuma classificação sobre a toxicologia7 dos agrotóxicos. Esta primeira classificação toxicológica dos agrotóxicos durou apenas cinco meses, pois a portaria n. 749 foi revogada ainda em 1978, por decisão do Ministério da Saúde, que alegou a incompetência do Ministério da Agricultura em realizar tal classificação, refletindo um dos problemas da centralidade nas mãos da União do poder de legislar sobre agrotóxicos (Bull e Hathaway, 1986). Em 1980 foi realizada uma nova classificação, por intermédio de duas portarias, ns. 4 e 5, da Divisão Nacional da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Silva, 2007).

Em 1981, pela portaria n. 7 do Ministério da Agricultura, criou-se a necessidade do receituário agronômico para a venda de agrotóxicos em todo território nacional. Diante disto, e da nova classificação adotada em 1980, o receituário agronômico tornou-se obrigatório para o consumo dos agrotóxicos das classes de extrema e alta toxicidade. Já as classes de média e pouca toxicidade podiam ser livremente comercializadas. Diante de fortes contestações por parte das empresas fabricantes, conforme mostram Bull e Hathaway (1986), um mês depois de imposto o receituário agronômico, a Vigilância Sanitária por meio da portaria n. 2/1980 estabeleceu uma nova classificação toxicológica, na qual 80% dos agrotóxicos das classes de extrema e alta toxicidade passaram às classes de média e pouca ficando, portanto, liberados do receituário agronômico. Esta portaria n. 2 de 1981 permaneceu até 1985, quando foi revogada pela portaria n. 10 da própria Vigilância Sanitária, que restabeleceu a validade das portarias n. 4 e 5 de 1980 (Silva, 2007).

Na vigência do decreto n. 24.114, seu texto ultrapassado e sem estrutura de classificação toxicológica e de fiscalização, favoreceu que vários agrotóxicos das empresas líderes mundiais já banidos pela legislação de alguns países desenvolvidos, passassem a ser livremente produzidos no país8. As líderes estenderam assim, o ciclo de vida de seus produtos. Ademais, elas encontraram facilidades no registro e licenciamento de seus produtos, devido aos poucos requisitos necessários para tais concessões. Para as firmas líderes mundiais bastou adaptar seus produtos às condições climáticas e ambientais vigentes no país. Neste cenário, facilitou-se, com o marco regulatório vigente, a instalação de unidades de produção das grandes empresas no Brasil.

O decreto de 1934 perdeu vigor em 1989 com a promulgação da Lei 7.802, que ficou conhecida como Lei de Agrotóxicos. Segundo Silva (2007), a legislação brasileira, em decorrência da nova lei, tornou-se uma das mais avançadas do mundo. Porém, isto ocorreu somente após ter sido instalada no país uma indústria produtora de agrotóxicos com elevado grau de internacionalização e conformadora de um mercado altamente oligopolizado.

3.4 A evolução da indústria de agrotóxicos no Brasil entre as décadas de 1940 e 1980

Usando-se o aumento do consumo como proxy do crescimento do mercado nacional de agrotóxicos, dados de Silveira (1993) mostram uma expansão de 353% do mercado, entre 1968/1980. Ainda conforme estes dados, no período 1980/1983, com a redução dos montantes fornecidos de crédito rural e a com desaceleração na expansão do PIB da economia e da agricultura, houve uma perda de dinamismo no crescimento do mercado, com uma redução de 42% no consumo no referido período.

De acordo com dados do Ipeadata (2008) e de Silveira (1993), é possível comparar a expansão do mercado nacional de agrotóxicos com o crescimento da agricultura nacional. Assim, vê-se que o período 1968/1980, anos de maior ampliação do mercado nacional de agrotóxicos, coincide com os anos de maior expansão do produto da agricultura nacional:

7 Existem, conforme o poder-letal sobre o ser humano, quatro classes: I – Extremamente tóxica; II – Altamente Tóxica; III – Medianamente tóxica e; IV – Pouco tóxica. Para mais ver: Velasco e Capanema (2006). 8 Bull e Hathaway (1986) descrevem um total de treze agrotóxicos proibidos nos países desenvolvidos, registrados e autorizados a serem comercializados no Brasil em 1985.

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crescimento médio anual de 4,95% da agricultura, contra crescimento médio anual de 27,15% na demanda por agrotóxicos. No período 1961/1968, quando o crescimento do mercado de agrotóxicos foi de, em média 8,75% ao ano, o produto da agricultura nacional cresceu, em média, 1,7% ao ano.

Em termos da concentração das vendas neste mercado em expansão, no período 1970/1983, as cinco maiores empresas foram responsáveis por 47,53%, enquanto que as dez maiores empresas detiveram 64,90% e as vinte maiores empresas responderam por 85,83% das vendas, segundo dados de Naidin (1985). Os dados da autora para os segmentos de mercado dos agrotóxicos expressam que, no período 1981/1983, o mercado de inseticidas apresentou a menor concentração: a empresa líder respondeu por 17,5%, as quatro maiores responderam por 46,65%, enquanto que as oito maiores concentraram 63,35% das vendas desse segmento de mercado. No segmento dos herbicidas, que apresentou maior crescimento no consumo local e no valor das vendas, a concentração média das vendas foi de 18,65% nas mãos da empresa líder, ao passo em que as quatro maiores responderam por 49,30%, e as 8 maiores por 74,60%, no período 1981/1983. Neste período, o segmento dos fungicidas, que mais expandiu a produção local, apresentou a maior concentração, visto que, da totalidade vendida, uma única empresa concentrou 19,75%, enquanto que as quatro maiores responderam por 64,95%, e as oito maiores por 84,70%.

Tabela 2 – Market-share do faturamento das dez maiores empresas do mercado brasileiro de agrotóxicos, 1981 e 1983

EMPRESA ANO

1981 1983 Ciba-Geigy 13,4 16,2 Cyanamid 3 2,4 ICI 2,8 4,4 Bayer 13,7 11,3 Monsanto 5,6 7,9 Du Pont 6,6 5,7 Rodhia Agro 3,9 4,6 Dow Elanco 7 3,7 Shell 3,9 5,8 BASF 4 5,7 FONTE: Silveira (1993)

Tal grau de concentração em nível mais desagregado, refletiu-se em um elevado grau

de concentração em nível agregado, como apresenta a tabela 2. Segundo a tabela, as duas maiores empresas do mercado brasileiro participaram com 27,1% e 27,5% do market-share do faturamento, em 1981 e 1983, respectivamente. Em nível mundial, conforme dados de Silveira (1993) as mesmas duas empresas líderes do mercado nacional, Bayer e Ciba-Geigy, concentraram em 1980, 30,26% e, em 1982, 31,38% do faturamento, valores pouco superiores à concentração do mercado brasileiro. Já as quatro maiores empresas no mercado brasileiro concentraram 40,7% do faturamento em 1981, contra 41,2% em 1983. No mercado mundial estes mesmos valores foram 52%, e 48%, em 1980 e 1982, respectivamente. As oito maiores empresas do mercado brasileiro responderam por 58,1%, e 61,6% do faturamento, em 1981 e 1983. No mercado mundial, este mesmo dado mostra que em 1980 as oito maiores empresas respondiam por 73% do mercado, e em 1982 por 71,39%.

Estes dados ilustram a concentração do mercado da indústria de agrotóxicos constituído no Brasil, expressando sua estrutura oligopolista. As empresas integradas, líderes do mercado nacional, assim como em nível internacional, dominaram grandes parcelas do market-share das vendas e do faturamento. Não presenciou-se, com base no dados da tabela

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2, entre as firmas líderes do mercado qualquer uma de capital nacional, ou qualquer joint-venture, com participação de capital nacional.

Os dados apresentados ao longo desta seção expressam o crescimento acelerado do consumo e da produção dos agrotóxicos no Brasil9 no período 1940/1980. Tal dinamismo foi perdido em meados da década de 1980, com a perda de ritmo de crescimento da economia e da agricultura nacionais e em decorrência do esvaziamento das políticas públicas de industrialização e de fomento financeiro à agricultura. Para a indústria de agrotóxicos, isto, e a alteração da estrutura jurídica com a promulgação da Lei 7.802 em 1989, novo marco regulatório do ramo de agrotóxicos, determinaram, em nível local, um novo cenário para a sua evolução. Em nível internacional, reajustes estruturais também ocorreram, com um intenso processo de fusões, aquisições e formação de joint-ventures. Desta forma, tanto a estrutura econômica, bem como a estrutura jurídica se alteraram, determinando um novo contexto circundante da indústria de agrotóxicos no Brasil.

4. A CRISE DA ECONOMIA E O NOVO MARCO REGULATÓRIO: O PERÍODO DE 1986 A 2000

4.1 A estrutura econômica: a crise da economia brasileira, sua superação, e as políticas agrícolas do período 1986/2000

Os anos 1980 e o início dos 1990 foram marcados pela crise da economia brasileira. As metas das políticas econômicas voltaram-se para a superação dos problemas que assolavam a economia nacional, quais sejam: o elevado endividamento do setor público – tanto externo quanto interno; o desequilíbrio fiscal do Estado; e as elevadas taxas de inflação. As políticas estatais para a promoção da industrialização por substituição de importações foram abandonadas, o que determinou uma quebra da estrutura político-econômica em relação ao período 1930/1985. Assim, as políticas econômicas desde 1986 até 1994 focaram-se na busca do controle da inflação e da realização do ajuste fiscal, o que circunscreveu todas as políticas públicas adotadas no período, fazendo com que os elevados índices de investimento observados nas décadas anteriores não mais sobreviessem (Terra, 2008).

A crise só foi superada após meados de 1994, com o lançamento do Plano Real. Como conseqüência da reforma monetária empreendida pelo Plano, as elevadas taxas de inflação recuaram prontamente. Paralelamente à reforma monetária, e em seu auxílio, duas outras políticas se configuraram importantes no novo contexto econômico do Plano Real: a política fiscal contracionista, que via contenção de gastos públicos almejando a obtenção de superávits primários realizou, notadamente após 1998, o ajuste fiscal que permitiu o equilíbrio das contas públicas; e, conforme Terra (2008) a política de abertura externa da economia brasileira, que expôs o país e, por conseguinte a sua agricultura, a competição externa.

Logo, o desequilíbrio da economia brasileira nos 1980 e início dos 1990 exigiu esforços governamentais para a resolução dos problemas existentes. Assim, as políticas agrícolas sofreram os impactos do contexto macroeconômico. Devido à política fiscal contracionista, houve uma redução dos gastos da União na agricultura, como mostram Gasquez et alii (2006)10. Esta redução dos gastos públicos impactou diretamente sobre o SNCR, instrumento fundamental de política agrícola nos anos 1960/1970. Além de ter seus montantes reduzidos, o SNCR foi reformulado, suas modalidades incorporaram instrumentos que permitiram ao setor público um menor custo para sua operacionalização, e estimularam uma maior presença do setor privado no fornecimento dos seus recursos.

9 Dados de Bull e Hathaway (1986) mostram que entre os anos 1960/1980 a indústria de agrotóxicos no Brasil esteve entre a 3ª e a 5ª posição em termos do valor das vendas mundiais. 10 Segundo Gasquez et alii (2006), o total de recursos públicos desembolsados na agricultura, no total dos gastos públicos federais, reduziu-se de 6,64%, em média anual entre 1980/1988, para 2,17% no período 1991/2001.

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O Plano Real em seus três primeiros anos, continuou com o processo de esvaziamento do crédito rural, e durante todo o período enfatizou novas formas de atuação do Estado no financiamento agrícola. As políticas agrícolas do Plano se direcionaram para processos de renegociação e securitização das dívidas dos produtores rurais. Desta forma, os produtores endividados permaneceriam incluídos no circuito produtivo, contribuindo para evitar problemas na oferta de produtos agrícolas que forçassem aumentos nos preços internos, no bojo de um processo de estabilização monetária (Gasquez et alii, 2006).

Não obstante a crise que sacudiu a economia brasileira e a míngua de recursos creditícios, a agricultura teve desempenho favorável no período 1986/2000, como mostra a tabela 3, que apresenta os dados do crescimento do produto agrícola vis-à-vis a expansão do produto da economia e a evolução dos recursos do SNCR. Afora o período que vai de 1991 a 1994, no qual o produto da agricultura cresceu 3,81%, embora o volume de recursos fornecidos pelo SNCR tenha decrescido, todos os outros períodos da tabela mostram, a correlação entre o crescimento dos recursos do SNCR e a expansão da agricultura. Com efeito, o período 1998/2000, de maior vigor da expansão da agricultura, é também o com o maior aumento dos recursos concedidos pelo SNCR. A partir deste último período, o crescimento do produto da agricultura passa a superar o crescimento do PIB (1,76%), o que destaca a importância da agricultura para o crescimento da economia brasileira.

O ganho de produtividade, fruto do processo de modernização, contribuiu enormemente para a expansão do produto da agricultura nacional. Segundo dados de Coelho (2001), o ganho de 43,65% na produtividade por hectare plantado fez com que a produção nacional de grãos aumentasse em 54% no período 1986/2000. A cultura da soja foi a que apresentou a maior variação na produção neste período, 127% em relação aos anos 1965/1985.

Tabela 3 - Taxa médias de crescimento do produto da agricultura e

da economia, e dos recursos do SNCR, 1986 - 2000 (em %) Período ¹ Produto da Agricultura PIB SNCR 1986/1990 1,38 1,98 8,67 1991/1994 3,81 2,8 -4,3 1995/1997 3,16 3,4 8,1 1998/2000 4,22 1,76 10,7 FONTE: Ipeadata (2008) Notas: ¹ Inclui os anos limites

As exportações da agropecuária acompanharam o crescimento do produto e da

produtividade, elevando-se durante todo o período 1986/2000. A tendência de expansão do comércio externo da agricultura concentrou-se principalmente no período 1986/1994, com crescimento de 112%. Já no período subseqüente, 1995/2000 acumulou um aumento de 48,77% nas exportações conforme dados de Coelho (2001). A participação da agricultura no PIB brasileiro deteve trajetória oscilante no período 1986/2000. Entre 1986/1993 a agricultura participou com média anual de 7,87% no PIB, enquanto que entre 1994/2000, tal participação – acompanhando o crescimento da produção agrícola – expandiu-se para uma média anual de 8,52%.

O que os dados mostram é que a agricultura nacional, modernizada e aberta à concorrência internacional, ainda que sem o mesmo apoio governamental do período 1945/1985, apresentou desempenho econômico bastante favorável no período 1986/2000. Para a evolução da indústria de agrotóxicos este comportamento da agricultura foi fundamental para que se mantivesse a expansão do mercado nacional, a exemplo do que ocorreu entre as décadas de 1940 e 1980. Não obstante o impulso dado pela expansão da agricultura, outro condicionante para a atuação das empresas no ramo dos agrotóxicos surgiu com a nova regulamentação de 1989. De acordo com Samuels (1989), a definição e

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promulgação de novas legislações têm o efeito de criar ou alterar a estrutura dos mercados e assim reconfigurar as oportunidades produtivas identificadas pelos agentes econômicos.

4.2 A estrutura jurídica: o novo marco regulatório dos agrotóxicos, a Lei n. 7.802 de 1989

Em 11 de julho de 1989 foi aprovada no Congresso Nacional a Lei 7.802, posteriormente regulamentada pelo decreto n. 98.816 de 11 de janeiro de 1990, e ficou conhecida como Lei dos Agrotóxicos. O grande avanço do novo marco regulatório deu-se com o estabelecimento de regras mais rigorosas para a concessão de registro aos agrotóxicos, tanto dos já existentes como dos novos. A nova estrutura de registro dos agrotóxicos passou a ser dividida pelos Ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente11 (Tomita, 2005).

De uma forma geral, a Lei estabeleceu um conjunto mais rigoroso de avaliações fitossanitárias, toxicológicas e ambientais para permitir o licenciamento dos agrotóxicos. As possibilidades de impugnação dos registros concedidos também foram ampliadas. Normas e padrões dos rótulos e das embalagens foram estabelecidos e o receituário agronômico para a venda dos agrotóxicos passou a ser obrigatório, em todo país. Mesmo diante destes avanços que tornaram a legislação nacional uma das mais sensíveis à possibilidade de cassação ou de não permissão do registro dos agrotóxicos, o novo marco regulatório trouxe consigo algumas limitações, conforme argumentam Tomita (2005) e Silva (2007).

As autoras apontam que a Lei dos Agrotóxicos sedimentou nas mãos do Poder Executivo a prescrição dos parâmetros oficiais que deveriam ser cumpridos para as avaliações que concederiam o registro aos agrotóxicos. Os parâmetros seriam criados a partir de decretos ministeriais e, nesse formato, a normatização das avaliações e a posterior classificação dos agrotóxicos não estiveram sujeitos à aprovação do Congresso Nacional. Bull e Hathawat (1986) apontam que assim sendo, a possibilidade dos parâmetros serem alterados ao sabor dos componentes dos Ministérios torna-se algo presente12. Ademais, a centralização impediu que estados, distrito federal e municípios legislassem sobre a permissão ou proibição da utilização de agrotóxicos em seu território, ficando circunscritos ao estabelecimento leis complementares à Lei 7.802 (Silva, 2007).

Segundo a Associação Nacional dos Defensivos Genéricos (1998) (AENDA), a Lei 7.802 representou maiores custo e tempo de espera para a obtenção de registros, assim como maiores gastos com promoção de produtos, em função das exigências de embalagem, rotulagem e receituário agronômico, exigindo maiores investimentos em equipes de venda e assistência técnica. Isso criou barreiras à entrada no mercado para as empresas especializadas, que passaram a ter custos maiores para empreender todos os testes exigidos para a concessão dos registros, colaborando para a manutenção do elevado grau de concentração do mercado.

4.3 A evolução da indústria de agrotóxicos de 1986 a 2000

O aumento da concentração no mercado de agrotóxicos no Brasil não decorreu somente das maiores exigências impostas pela regulamentação, em função de suas avaliações mais rigorosas. Em nível internacional, a indústria de agrotóxicos passou por intensos reajustes estruturais, por meio de um processo de fusões, aquisições e formações de joint-ventures entre as empresas líderes do mercado. Dado o elevado grau de internacionalização dessa indústria no Brasil, tais processos foram replicados internamente, contribuindo no aumento da concentração do mercado local. Segundo Martinelli (2003) as estratégias de fusões e aquisições orientaram-se pelo seguinte: as empresas menos inovadoras procuraram defender-se das mais dinâmicas; busca de sinergias que promovessem o aumento da

11 Ao Ministério da Agricultura coube a avaliação do desempenho agronômico do produto. Ao da Saúde a avaliação toxicológica e ao do Meio Ambiente a avaliação ambiental. (Tomita, 2005). 12 Exemplo: quando da primeira normatização da classificação toxicológica do Ministério da Saúde. O primeiro decreto, 01/1991, não conteve sequer a assinatura dos seus responsáveis. Para mais ver: Bull e Hathaway (1986).

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capacidade inovadora das empresas; organização e concentração dos esforços em pesquisas para o desenvolvimento do novo padrão biotecnológico; e as empresas redirecionaram suas atividades para campos mais promissores tecnologicamente, de maior lucratividade.

O quadro 1 apresenta os principais processos de reajustes estruturais ocorridos no mercado internacional da indústria de agrotóxicos, entre 1989 e 2001. O grupo Syngenta foi formado em 1999 pela fusão da Astra/Zeneca com a Novartis. A Novartis se formou após a fusão da Ciba-Geigy (líder no faturamento mundial em 1988) com a Sandoz, 12ª maior empresa em 1988. A Astra/Zeneca foi formada pela fusão da Astra AB com a Zeneca em 1998. A Zeneca originou-se do desmembramento da ICI em 1993. A Aventis Life-Science fundou-se em 1998, a partir da união da joint-venture Hoescth - Schering, (8ª e 10ª maiores do em 1988) com a empresa Rhône-Poulenc (4ª do mundo em 1988). A Dow-Elanco formou-se com a joint-venture entre a Dow Chemical e a Eli Lilly, em 1989. Esta empresa fundiu-se em 1999 à Union Carbide e adquiriu a Rhom and Haas em 2001. Em 2001 a BASF, (9ª do mundo em 1988) adquiriu a Cianamid (11ª).

Quadro 1 – Principais processos de fusões, aquisições e joint-ventures no mercado mundial

de agrotóxicos, 1989/2001 EMPRESA FUSÕES E AQUISIÇÕES Syngenta Fusão em 1999 da Astra/Zeneca com a Novartis

Astra/Zeneca: formada em 1998 pela fusão da Astra AB com a Zeneca Novartis: formada em 1996 pela fusão da Ciba-Geigy e da Sandoz

Zeneca: formada em 1993 pelo desmembramento da ICI Du Pont 1999: comprou a Pionner Hi-Bread

Adquiriu a Shell USA Monsanto Adquiriu a Pharmacia, principal empresa produtora de sementes com alterações geneticamente

desenvolvidas Aventis Fusão em 1998 da AgrEvo e da Rhône-Poulenc

1994: AgrEvo,joint-venture entre a Hoescht e a Schering Dow Elanco Formada a partir de joint venture entre Dow Chemical Eli Lilly em 1989.

2001: Dow Chemical adquiriu a Rhom and Haas 1999: Dow Chemical se funde com a Union Carbide

BASF 2000: Adiquiriu a American Cianamid FONTE: Martinelli (2003)

Dois resultados advieram desse intenso processo de fusões e aquisições de capitais

no mercado de agrotóxicos. Primeiramente, como parte significativa deste processo ocorreu entre as firmas líderes do mercado mundial, aumentaram-se as barreiras à entrada. Logo, verificou-se uma concentração maior no mercado internacional da indústria de agrotóxicos (Martinelli, 2003). A título de ilustração, dados deste autor para o mercado mundial de agrotóxicos mostram que em 1990 as duas maiores empresas detiveram 25,16% do market-share do faturamento, enquanto que as quatro maiores empresas dividiram 45,94% deste, e as oito maiores, 76,5%. Em 2000, a parcela de mercado das duas maiores empresas foi de 34,35%; a parcela das quatro maiores empresas equivaleu a 59,5%, e a das oito maiores foi igual a 87,56% do faturamento do mercado.

No mercado brasileiro, o comportamento da concentração do mercado foi similar. A

partir dos dados da tabela 4 é possível analisar-se os dados da concentração do mercado local da indústria de agrotóxicos. Em 1990, as duas maiores empresas do ramo detiveram 18,2%, e as quatro maiores 31,6%, do faturamento do mercado, enquanto as oito maiores responderam por 55,5%. Em 1995, as duas maiores empresas passaram a controlar 21,5% do faturamento do mercado, sendo as quatro maiores responsáveis por 41%, e as oito maiores por 70,5%. Em

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1999, as duas maiores concentraram 25,7% do mercado, as quatro maiores 42,3%, e as oito maiores 71,4%.

Tabela 4 - Market-Share do faturamento das oito maiores empresas do mercado brasileiro de agrotóxicos, 1990/1999 EMPRESA 1990

EMPRESA 1995

EMPRESA 1998

EMPRESA 1999

Ciba-Geigy 11,1% Ciba 11,3% Novartis 12,3% Sygenta 19,6% Cyanamid 7,1% Zeneca 10,2% Zeneca 8,45% Cyanamid 13,3% ICI 6,9% Du Pont 9,9% Makhteshim 8,4% Aventis 12,6% Bayer 6,5% Cyanamid 9,6% Du Pont 8,03% Makhteshim 8,1% Monsanto 6,3% Monsanto 8% Cyanamid 8% Monsanto 7,8% Du Pont 6% Dow Elanco 7,4% Monsanto 7,1% Du Pont 7,3% Rhône-Poulenc 6% Bayer 7,1% Bayer 7% Bayer 6,7% Dow Elanco 5,6% BASF 7% AgrEvo 6% Basf 5,8% FONTE: Elaborado pelo autor baseado em Silveira (1993), Martins (2000) e Martinelli (2003)

A elevação do grau de concentração ocorreu em paralelo ao crescimento do mercado,

medido pela ampliação do consumo nacional de agrotóxicos. No período 1988/1999, conforme dados de Martinelli e Waquil (2002) os três principais segmentos do mercado expandiram-se em aproximadamente 130%. Por sua vez, o consumo total de agrotóxicos elevou-se em 128%, no mesmo período. A partir de dados destes autores e do Ipeadata (2008), vê-se que entre 1986/1990, época de pior desempenho do produto da agricultura, o consumo de agrotóxicos também deteve seu pior crescimento entre 1986/2000, com expansão de apenas 6,1%. Em oposição, os anos entre 1995/2000, de crescimento médio anual de 3,7% no produto da agricultura, guardaram crescimento de 22,1% no consumo de agrotóxicos.

Dentre os diferentes segmentos de mercado, a classe mais consumida foi a de herbicidas, acompanhada pela de inseticidas e pela de fungicidas. Mantendo a tendência de expansão da sua demanda no mercado nacional verificada nos anos 1945/1985, o consumo de herbicidas no período 1988/1999, impulsionado pelo aumento na produção nacional de soja correspondeu a, em média, 53% do consumo nacional; os inseticidas, participaram com 23%, e os fungicidas, com 16,3%.

Frenkel e Silveira (1996) mostram que nos anos 1980 e 1990 intensificou-se a caducidade das patentes que protegiam os primeiros agrotóxicos produzidos no país. Ainda assim, não se presenciou uma desconcentração do mercado nacional em decorrência da maior facilidade de acesso à tecnologia de produção dos agrotóxicos equivalentes. De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (SINDAG), em 1999, dos 1505 registros de agrotóxicos gerados pelo Ministério da Agricultura, 742 (49,3%) foram obtidos pelas líderes. Segundo os mesmos dados, estas empresas comercializaram tanto produtos patenteados quanto equivalentes. Isto permitiu que as dez empresas líderes, concentrassem um faturamento equivalente a R$ 2 bilhões em 1999, 87% do mercado nacional. As cinco maiores empresas especializadas em produtos equivalentes detiveram apenas 248 registros, isto é, 16,4% do total; o faturamento de todas as empresas especializadas em 1999 foi de R$ 300 milhões, equivalente a 13% do mercado nacional.

Assim, mesmo tendo a nova legislação erigido barreiras à entrada em função dos elevados dispêndios financeiros necessários para o cumprimento de todas as exigências requeridas para a concessão do registro aos agrotóxicos, também pode-se inferir que o grau de concentração do mercado de agrotóxicos no Brasil aumentou em decorrência dos processos de fusão, aquisição e formação de joint-ventures ocorridos em nível internacional, replicados internamente. Ademais, os dados da seção indicam que as empresas líderes também atuam no segmento dos produtos equivalentes, garantindo vantagens competitivas e lucros superiores.

Ainda assim, o setor agrícola nacional e a associação que reúne as empresas especializadas na produção de agrotóxicos equivalentes passaram a exercer pressões para a

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substituição do decreto 98.816/90, regulamentador da Lei dos Agrotóxicos. A justificativa de ambos baseou-se no argumento de que os critérios rigorosos para a concessão do registro evitavam a expansão da oferta nacional dos agrotóxicos, o que poderia reduzir o preço desses produtos e os custos de produção da agricultura, além de contribuir para a redução no grau de concentração do mercado. As modificações que se seguiram determinaram uma ruptura da estrutura jurídica em relação aos anos 1986/2000, e serão analisadas na próxima seção.

5. AS MODIFICAÇÕES NOS REGULAMENTOS DA LEI 7.802: O PERÍODO DE 2001 A 2007 5.1 A estrutura econômica: políticas agrícolas modestas e o ótimo desempenho da agricultura

Os anos 2001/2007 foram marcados pela continuidade da política econômica adotada a partir do plano Real em 1994. O contexto macroeconômico permaneceu similar ao estabelecido no período 1994/2000, mantendo-se sobretudo a inflação sob controle e a obtenção de superávits primários. As políticas agrícolas do período 2001/2007 também representaram uma continuidade daquelas implantadas no período pós-Real. Permaneceram como mais importantes as políticas de renegociação das dívidas dos produtores rurais e a busca pelo aumento da participação do setor privado e do BNDES no financiamento da agricultura. Porém, o crédito rural manteve a trajetória iniciada após 1998, de aumento nos recursos disponíveis, expandidos em 128% no período 2001/2005. Ainda que ampliado o crédito rural, a participação da agricultura no total dos gastos federais diminuiu no período 2001/2005 em relação ao período 1991/2001 (Gasquez, et ali, 2006). Segundo o autor, enquanto entre 1991/2001 a agricultura participou com 2,17% de todos os dispêndios da União, entre 2001/2005, a participação da agricultura caiu a 1,36% do total destes gastos. Gráfico 1 - Taxas médias de crescimento do PIB total e setorial, década de 1990 e período 2001/2004

FONTE: Ipeadata (2008)

Mesmo na ausência de políticas agrícolas como as que vigoraram no período da

modernização, o desempenho da agricultura nos anos 2000 foi extremamente positivo, mantendo a tendência iniciada no período 1994/2000. O setor agrícola expandiu-se de forma superior aos outros setores da economia e superou o seu próprio desempenho da década de 1990. O gráfico 1, acima, apresenta os dados do crescimento do produto por setor produtivo. No período 2001/2004 a expansão anual da agricultura alcançou média de 4,64%, contra 2,48% na década de 1990, enquanto que o produto da economia aumentou, em média, 2,66% entre 2001/2004, e 1,73% na década de 1990.

Segundo o Ipeadata (2008), a produção nacional de grãos cresceu 27,7%, e a produtividade das lavouras de grãos cresceu 15,5% entre 2001/2007, com destaque para a cultura do milho. De acordo com esta fonte, as exportações da agricultura brasileira cresceram

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de forma extraordinária, em 352%, e a participação setorial da agricultura no produto da economia brasileira aumentou: nos anos 1994/2000 a participação média da agricultura no PIB foi igual a 8,52%, e no período 2001/2004, essa participação elevou-se a 9,27%.

Como a dinâmica favorável da agricultura nos anos 2000 ocorreu sem que existisse um aparato de políticas públicas destinadas a fomentá-la, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) passou a pressionar a estrutura de regulamentação dos agrotóxicos, considerando-a um empecilho a uma maior lucratividade e competitividade da produção agrícola nacional. A legislação pertinente passou a ser vista como um fator de elevação dos custos de produção, dado o rigor para o registro dos agrotóxicos. A CNA demandou novas formas de registro dos agrotóxicos, e suas pressões tiveram êxito, com a realização de alterações nos regulamentos da Lei 7.802.

5.2 A estrutura jurídica: as alterações nos decretos regulamentadores da Lei dos Agrotóxicos

Baseando-se em um trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2007, pode-se afirmar que às pressões da CNA se somaram as exercidas pela AENDA, na busca pela regulamentação do registro de agrotóxicos por equivalência. Neste sentido, o primeiro passo rumo à regulamentação deste formato de registro foi dado em 2002, com o decreto 4.074, que substituiu o decreto 98.816/90 e estabeleceu oficialmente o registro simplificado por equivalência. Em agosto de 2002 foi publicada a Instrução Normativa Interministerial 49, que estabeleceu os parâmetros a serem seguidos para a concessão do registro simplificado por equivalência. Não obstante estas duas alterações, em 2006 foi publicado o decreto 5.981 que simplificou ainda mais o registro dos agrotóxicos, estabelecendo o sistema de registro por fases e determinando que estariam isentos da apresentação de algumas avaliações sobre os resíduos dos produtos, os agrotóxicos que possuíssem similares já registrados com o mesmo princípio ativo, destinados a uma mesma finalidade e com igual forma de aplicação. Como aponta Brasil (2007ª), assim, o sistema de registro foi simplificado e facilitado.

O registro de um agrotóxico por equivalência, instituído pelas alterações produzidas no marco regulatório, processa-se por meio da comparação entre características físico-químicas de um produto já registrado com as do candidato à equivalência. A lógica por trás desse tipo de registro é a de que com padrões físico-químicos equivalentes, o perfil dos efeitos toxicológicos também seria equivalente aos dos produtos já registrados. Com a redução dos estudos necessários, segundo os grupos de pressão, o custo e o tempo para obtenção do registro seriam reduzidos. Em tese, segundo Aenda (1998), isto proporcionaria, com a redução nas barreiras à entrada, uma participação maior das empresas especializadas em agrotóxicos equivalentes com a conseqüente redução da concentração e o aumento da concorrência via preços. Entretanto, é possível inferir, ao analisar-se a evolução da indústria de agrotóxicos nos anos 2000, que os argumentos pró-flexibilização do registro não foram empiricamente corroborados pela evolução recente da indústria de agrotóxicos.

5.3 A evolução da indústria de agrotóxicos no período 2001 a 2007

Ao contrário do que propunha a AENDA e a CNA, a tabela 5, abaixo, mostra que o grau de concentração do faturamento do mercado nacional de agrotóxicos ampliou-se entre 2003/2006. Neste período, as duas maiores empresas responsabilizaram-se por 31,5% a.a., em média, do market-share, enquanto que no grupo das quatro maiores empresas o grau de concentração manteve-se em média em 52,7%. Entre 2003/2006 as oito maiores empresas concentraram 77,2% do mercado.

O mercado brasileiro de agrotóxicos, em paralelo ao aumento no grau de concentração, apresentou elevação no faturamento da indústria. De acordo com o SINDAG, entre 2001/2007, o faturamento cresceu 96%; em 2004, recorde histórico de valor faturado, o Brasil respondeu por 13,53% do faturamento mundial do ramo de agrotóxicos. O crescimento

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no faturamento deveu-se ao extraordinário desempenho da agricultura nacional, que levou o consumo de agrotóxicos no Brasil a também obter níveis recordes, em toda história desta indústria no país. Em 2006, de acordo com o SINDAG, foram consumidas 718.836 toneladas, um aumento de aproximadamente 50% em relação às 479.946 toneladas consumidas em 2000. Dentre os principais segmentos de mercado, os herbicidas foram os produtoos mais consumidos, em média 46,16% a.a., do consumo nacional entre 2001/2005 (Sindag, 2008).

Tabela 5 – Market-Share do faturamento das oito maiores empresas do mercado brasileiro de agrotóxicos, 2003/2006

EMPRESA ANO

2003 2004 2005 2006 Syngenta 15% 14,5% 17,2% 17,6% Bayer 16,6% 17,4% 14% 13,7% Basf 13,4% 14,2% 13,6% 11,2% Monsanto 9,2% 7,3% 7,7% 8,3% Du Pont 7% 5,6% 6,9% 8,1% Dow 8% 6,7% 5,4% 6,1% Makhteshim 5,7% 5,5% 6,4% 6,6% FMC 4,4% 4% 5,2% 6,2% FONTE: Neves (2006) e Velasco e Capanema (2006)

No ano de 2006, conforme dados do SINDAG, os agrotóxicos com patentes

vencidas, incluindo os registrados por equivalência, representaram 81,8% do total de agrotóxicos vendidos, em toneladas. Os produtos patenteados detiveram 18,1% das vendas. Em termos do valor, a mesma fonte mostra que, mesmo englobando a menor parcela das vendas em toneladas do mercado, os produtos protegidos por patentes venderam o equivalente a US$ 1,795 bilhões, 45,8% das vendas em 2006, ao passo em que os produtos com patentes expiradas foram responsáveis por 54,2% da vendas, ou US$ 2,124 bilhões.

Diante dos dados expostos, infere-se que parcela significativa do lucro das empresas líderes é procedente da produção e comercialização de agrotóxicos com patentes expiradas, dado que eles representam a maior parte, tanto em toneladas como em valor, dos agrotóxicos vendidos. Desta forma, conjectura-se que o registro por equivalência dificilmente trará um menor grau de concentração ao mercado, pois esse formato de registro também será utilizado pelas líderes para a obtenção de licenças de operação aos seus produtos.

Logo, as justificativas dos grupos de pressão de que mudanças no marco regulatório proporcionariam um maior acesso de firmas produtoras de agrotóxicos equivalentes e, por conseqüência, uma redução nos preços desses produtos parecem pouco consistentes, em que pese a evolução recente dessa indústria. O que se percebe é que as estratégias de crescimento das grandes empresas líderes também se concentram no segmento de mercado dos produtos equivalentes, no qual elas desfrutam de vantagens competitivas oriundas da maior capacidade tecnológica e financeira e de economias de escala e de escopo que possuem, impossibilitando a redução das barreiras à entrada e refutando os argumentos da CNA e da AENDA.

6. CONCLUSÃO

Entre das décadas de 1940 até fins dos anos 1970 as políticas públicas, notadamente o SNCR e o PNDA, fizeram constituir no Brasil um parque produtor de agrotóxicos com elevado grau de concentração e de internacionalização. No mesmo sentido atuou a estrutura jurídica prevalecente à época, permitindo que as empresas líderes do mercado mundial produzissem localmente produtos já obsoletos no mercado internacional.

Este poder de mercado das empresas líderes expandiu-se no período 1986/2000, dado que o aumento da concentração do mercado internacional da indústria de agrotóxicos foi

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replicado no Brasil. Neste período, a promulgação da Lei dos Agrotóxicos impôs ainda a necessidade de que as empresas do ramo dos agrotóxicos detivessem uma escala de produção mínima que oferecesse viabilidade econômica à atuação no mercado. Neste contexto, as empresas especializadas, de menor porte, encontraram barreiras à atuação. Mesmo com um ritmo mais intenso de caducidade de patentes, o ingresso no mercado de agrotóxicos não foi facilitado, visto que as empresas líderes continuaram a atuar com produtos de patentes expiradas, visando manter suas posições de dominação do mercado.

O mesmo parece valer para os anos 2000, ainda que instituída a possibilidade de registro de agrotóxicos por equivalência, cujo objetivo de implementação foi simplificar o sistema de concessão de licenças aos agrotóxicos, reduzindo assim seus os custos de produção. Embora concentrados em um curto período de tempo (2001/2005), os dados apresentados indicam que as empresas líderes também concentram neste segmento suas estratégias de operação no mercado, dificultando a desconcentração do mesmo.

Além da clara interdependência entre a expansão da agricultura nacional e o aumento no consumo de agrotóxicos, o que se conclui da história apresentada neste trabalho é que as mudanças estruturais identificadas – de caráter institucional, pois relativas às políticas públicas de ajuste econômico e/ou de regulamentação – estiveram em consonância com as estratégias das empresas líderes no mercado brasileiro de agrotóxicos. A estrutura oligopolizada deste mercado se beneficiou dessas políticas públicas, seja porque usufruiu dos subsídios por elas concedidos (SNCR e PNDA), seja porque deteve vantagens competitivas quando a regulação mais rígida de agrotóxicos requereu escalas mínimas de produção, capazes de dar respaldo econômico-financeiro às exigências do controle fitosanitário, de proteção à saúde humana e ao ambiente, seja porque facilitou o sistema de registro, facilitando a atuação das empresas líderes em diferentes segmentos do mercado. Neste particular, a história mostra que ao passo em que inexistir políticas públicas especificamente voltadas à redução da dependência de capital estrangeiro ou ainda, ao emprego de tecnologias alternativas a esse tipo de insumo, o grau de concentração do mercado de agrotóxicos no Brasil permanecerá elevado.

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