a habitação e a arquitectura corrente do norte trasmontano...

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A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 1 A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano em finais da Idade Média * Manuel Sílvio Alves Conde ** Marina Afonso Vieira *** A habitação é, sem dúvida, um dos aspectos mais valiosos para o estudo histórico dos povos. Leroi‐Gourhan 1 . Tal como sucede com os outros animais, o homem procurou sempre encontrar um espaço de abrigo, que o protegesse das agressões da natureza e dos outros homens. Criação humana, realizada pelo homem a partir de materiais encontrados na natureza, a casa tornou‐se essencial no esforço de domínio desta por aquele. Como estrutura protectória, cenário de vivência quotidiana e de reprodução biológica da espécie. Mas logo também como espaço de produção de bens, ali‐ mentares e outros, garantia de sobrevivência e de bem estar. A casa comum, enquanto estrutura do quotidiano, revela profundamente a sociedade que a criou e utiliza 2 . Nem por isso a história da construção comum tem sido, por parte dos nossos investigadores, objecto de particulares cuidados, que bem merecia 3 . É certo que a década de 90 viu surgir um pequeno conjunto de trabalhos sobre esta temática 4 ea construção tem sido considerada, lateralmente, em diversos trabalhos académicos, * Trabalho realizado no âmbito do projecto de investigação, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, POCTI/HAR/35069/99 ‐ "Paisagens rurais e urbanas entre a Idade Média e os Tempos Modernos. Fontes para o seu estudo". ** Universidade dos Açores / Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa. *** Universidade dos Açores. 1 André Leroi‐Gourhan, Evolução e técnicas, vol. II — O meio e as técnicas, Lisboa, 1984, p. 185. 2 Considerem‐se, entre outras, as obras de referência teórica que assinalámos na bibliografia final. 3 Um século atrás, o tema foi aflorado nos estudos pioneiros de Alberto Sampaio e de A. de Sousa e Silva Costa Lobo. Há cerca de 40 anos, a temática da habitação medieval foi abordada, em bases teó‐ ricas e metodológicas inovadoras, por A. H. de Oliveira Marques e suscitou a interessante tese de Vítor Manuel Pavão dos Santos. Cf. bibliografia final. 4 Que compilamos na bibliografia final.

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A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 1

AhabitaçãoeaarquitecturacorrentedoNorteTrasmontanoemfinaisdaIdade

Média*

ManuelSílvioAlvesConde**

MarinaAfonsoVieira***

Ahabitaçãoé,semdúvida,umdosaspectos

maisvaliososparaoestudohistóricodospovos.

Leroi‐Gourhan1.

Tal como sucede com os outros animais, o homem procurou sempreencontrarumespaçodeabrigo,queoprotegessedasagressõesdanaturezaedosoutros homens. Criação humana, realizada pelo homem a partir de materiaisencontradosnanatureza,acasatornou‐seessencialnoesforçodedomíniodestaporaquele.Comoestruturaprotectória,cenáriodevivênciaquotidianaedereproduçãobiológica da espécie. Mas logo também como espaço de produção de bens, ali‐mentares e outros, garantia de sobrevivência e de bem estar. A casa comum,enquantoestruturadoquotidiano,revelaprofundamenteasociedadequeacrioueutiliza2.

Nemporissoahistóriadaconstruçãocomumtemsido,porpartedosnossosinvestigadores, objectodeparticulares cuidados, quebemmerecia3. É certoque adécadade90viusurgirumpequenoconjuntodetrabalhossobreestatemática4eaconstruçãotemsidoconsiderada, lateralmente,emdiversostrabalhosacadémicos,

* Trabalho realizado no âmbito do projecto de investigação, financiado pela Fundação para a

CiênciaeaTecnologia,POCTI/HAR/35069/99‐"PaisagensruraiseurbanasentreaIdadeMédiaeosTemposModernos.Fontesparaoseuestudo".

**UniversidadedosAçores/CentrodeEstudosHistóricosdaUniversidadeNovadeLisboa.***UniversidadedosAçores.1AndréLeroi‐Gourhan,Evoluçãoetécnicas,vol.II—Omeioeastécnicas,Lisboa,1984,p.185.2Considerem‐se,entreoutras,asobrasdereferênciateóricaqueassinalámosnabibliografiafinal.3Umséculoatrás,otemafoiafloradonosestudospioneirosdeAlbertoSampaioedeA.deSousae

SilvaCostaLobo.Hácercade40anos,atemáticadahabitaçãomedievalfoiabordada,embasesteó‐ricas emetodológicas inovadoras, por A. H. de OliveiraMarques e suscitou a interessante tese deVítorManuelPavãodosSantos.Cf.bibliografiafinal.

4Quecompilamosnabibliografiafinal.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 2

relativosa temasdehistóriarurale, sobretudo,dehistóriaurbana, realizadosnosúltimosdoisdecénios5.

Ainformaçãocarreadaeotratamentodamesmanessestrabalhospermitemque hoje possuamos já um razoável conhecimento da casa urbana, sobretudo doEntreDouroeMinho6,ValedoTejoeAlentejo.OPortugal Interior—sobretudootrasmontano, o duriense e o beirão7— permanece, porém, envolto em densa cer‐ração,quemuitotardaemdesvanecer‐se.

Opanoramadainvestigaçãosobreasestruturashabitacionaisurbanasapre‐senta‐se, ainda assim, bastante positivo, importando agora, acima de tudo,preencher os campos mais lacunares, partindo decididamente para as pequenascidades do interior, por um lado, avançando para estudos sectoriais transdis‐ciplinares,comarquitectos,historiadoresdaarte,arqueólogos,etnólogos,geógrafose outros especialistas, por outro. É tambémmuito apreciável o conhecimento dahabitação senhorial, quer fortificada, quer não‐fortificada, mercê do contributoindeclináveldaarqueologiaedahistóriadaarte8.

Omesmo não se pode dizer da casa rural. De facto, sobre habitação cam‐pesina,construçõesadjectivaseequipamentos,“desconhecemosquasetudoeparaquasetodooPaís”9.

Esta situação explica‐se, de algum modo, pela estreiteza dos testemunhosalusivosàcasarural.AtépertodofinaldeQuatrocentos,ostextosrareiamecarac‐terizam‐se pela extrema parcimónia informativa. A partir de então, encontramos,sobretudonostombosdepropriedadesenoscontratosdeemprazamento,umapre‐ciávelacréscimoderiquezadescritiva,aindaqueestasejacondicionadapelapers‐pectivapatrimonial subjacenteà suaelaboração.É imperioso,parao cabal conhe‐cimentodacasacomummedieva,queasinformaçõesfornecidaspelostextossecon‐juguemcomosdadosrecolhidospelaarqueologia.Mastambémaarqueologiarural,

5Àlistagemarroladanonosso“SobreacasaurbanadocentroesuldePortugal,nosfinsdaIdade

Média”,HorizontesdoPortugalmedieval.Estudoshistóricos,Cascais,1999,pp.259‐259,notas4e5,acrescentem‐seos trabalhos recentesde:AnaMariaAfonso,OmosteirodeS. SalvadordeCastrodeAvelãs.UmpatrimóniomonásticonodealbardaIdadeModerna(1500­1538),Cascais,2002,pp.71‐83;JoaquimBastosSerra,AcolegiadadeSantoEstêvãodeAlfamanosfinaisdaIdadeMédia:oshomenseagestãodariquezapatrimonial,Cascais,2003.

6 Graças, sobretudo, aos esforços deMaria da Conceição Falcão Ferreira, cujos trabalhos cons‐tituemreferênciaincontornávelnoestudodasestruturashabitacionaisurbanasaNortedoDouro.

7 Sublinhem‐se, relativamente à Beira Interior, os estudos de: Rita Costa Gomes, A Guardamedieval. Posição, morfologia e sociedade (1200­1500), Lisboa, 1987, pp. 69‐78; Iria Gonçalves,ProençaaVelha, iníciosdo séculoXVI:OsbenseosdireitosdeumaComendadaOrdemdeCristonaBeira Interior, in Ordens Militares: guerra religião, poder e cultura— Actas do III Encontro sobreOrdensMilitares,vol. 2, Lisboa, 1999, pp. 29‐41; idem,A construção corrente na Beira Interior nosfinais da IdadeMédia, comunicação apresentada ao III CongressoHistórico de Guimarães (Actas noprelo); Gilberto CoralejoMoiteiro,Uma comenda daOrdemde Cristo no Sudeste daBeira—PenhaGarcia nos inícios do século XVI, comunicação apresentada ao III Congresso Histórico de Guimarães(Actasnoprelo);idem,Idanha­a­VelhaeIdanha­a­Nova:duascomendasdaOrdemdeCristonosiníciosdoséculoXVI,apublicarinMediaÆtas,n.º5.

8TemosematençãosobretudoostrabalhosdeMárioJorgeBarrocaedeJoséCustódioVieiradaSilva,indicadosnabibliografiafinal.

9IriaGonçalves,AconstruçãocorrentenaBeiraInteriornosfinaisdaIdadeMédia,cit.

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quenoutroshorizontestãobemfrutifica,tardaemfirmar‐seentrenós10.Jádaparteda geografia, da etnologia e da arquitectura, há sólidos contributos para o conhe‐cimentodacasarural11,cujaliçãoterádeserconsideradapelosinvestigadores.Porúltimo,nãodeverásermenosprezadooestudodas fontes figurativas, comadese‐jávelcolaboraçãodoshistoriadoresdaarte.

O estudoqueora apresentamosbaseia‐se sobretudonas informações com‐

piladasemtombosdodealbardeQuinhentos—decomendasdaOrdemdeCristo12edomosteirodeCastrodeAvelãs13—enasrepresentaçõeselaboradasporDuartedeArmas14.

Considera diversos tipos de edifícios, desde a habitação senhorial à casaurbanaeàmoradiacamponesa,abrangeasdependênciasagrícolasediversascons‐truções especializadas (equipamentos produtivos agrícolas e “industriais”,estruturasdearmazenamento,construçõesassistenciaisedeacolhimentodevian‐dantes),masexcluiaarquitecturareligiosa,amilitar15eacivildecarácterpúblico(fontes,chafarizes,banhos,pontes,casasdoconcelho,etc.)16.

A área geográfica abrangida é a doNorte Trasmontano, tal como tem sidodefinidapelosgeógrafos17, incluindooAltoDouro,asmontanhaseosplanaltosde

10Oselementoscarreadosentrenóspelaarqueologiareferem‐sesobretudoaohorizonteislâmico

eaosespaçosurbanos.Relevem‐seosestudosdeJoséMoraisArnaud,JamesBoone,HelenaCatarino,CláudioTorreseSantiagoMacías,constantesdoelencodeStéphaneBoissellier,“Archéologieruraleislamiquedans lesudduPortugal.Recensionbibliographique”,Archéologie islamique,6(1996),pp.169‐192, e de Isabel Cristina Fernandes, “A península de Setúbal em época islâmica”,Arqueologiamedieval,n.º7(2001),pp.185‐196.DocontributodaarqueologiadoPortugalcristão,sublinhem‐seaspáginasconsagradasàcasaruralporCarlosAlbertoFerreiradeAlmeida,ArquitecturaromânicadeEntre­Douro­e­Minho, 1.ª parte — Para uma perspectiva ecológica, económica, social e mental doEntre­Douro­e­MinhonosséculosXIaXIII,dissertaçãodedoutoramento,Porto,1978,pp.51‐78.

11SobretudoosestudosdeJoséLeitedeVasconcelos,OrlandoRibeiro,ErnestoVeigadeOliveira,FernandoGalhanoeBenjamimPereira,bemcomoolevantamentodoSindicatodosArquitectos,queassinalámosnabibliografiafinal.

12OstombosforamelaboradosnoâmbitodasvisitaçõesdecididaspeloCapítuloGeraldaOrdem,reunido em Tomar em 1503, realizadas entre 1504 e 1510. As que utilizámos— as de Reigada,Mogadouro, Longroiva, Meda e Muxagata — realizaram‐se em Outubro e Novembro de 1507 —ArquivoNacionaldaTorredoTombo[A.N.T.T.],OrdemdeCristo/ConventodeTomar[O.C./C.T.],L.º307,fls.40‐163.

13ArquivoDistritaldeBragança,Mitra,cx.ª9,L.º76.PublicadoporAnaMariaAfonsoeAnaMariaS.A.Rodrigues,OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs.1500­1538,Cascais,2002.

14Omanuscritofoipreparadoem1509.DuartedeArmas,LivrodasFortalezas.Fac­símiledoMs.159daCasaFortedoArquivoNacionaldaTorredoTombo,2.ªed.,Lisboa,1997.

15 A exclusão desta levanta dificuldades, visto os castelos, no final da IdadeMédia, associarem,cadavezmais,afunçãoresidencialàmilitar.

16 Sobreestamatéria, remetemosparaa recenteebemdocumentada síntesedeCarlosAlbertoFerreiradeAlmeidaeMárioJorgeBarroca,HistóriadaarteemPortugal,Ogótico,Lisboa,2002,pp.123‐128,143‐156,commuitasreferênciasàarquitecturatrasmontana.

17DeBarrosGomesaHermannLautensach,deAmorimGirãoaOrlandoRibeiro.Cf.portodos,Or‐landoRibeiro,Portugal,oMediterrâneoeoAtlântico.Esboçoderelaçõesgeográficas,4.ªed.,Lisboa,1986. Corresponde também à unidade paisagística que Miguel Torga, Portugal, Coimbra, 1950,definecomo“UmReinoMaravilhoso”equefazabranger“todaavertenteesquerdadoDoiroatéaoscontrafortesdoMontemuro”.Divergentes,esteeaqueles,dedelimitaçõesadministrativasantigas(da1.ª metade do século XVI), como das dos distritos actuais, que convertem o Douro em fronteira,

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Trás‐os‐Montes18 e da Beira Trasmontana. Estes são em tudo semelhantes, sepa‐radosemborapeloentalheexpressivodoDouro,queseprolonganasbaciasdeaba‐timento dos seus principais afluentes. À diferença de altitude, juntam‐se a diver‐gência climática, as chuvas escassas e a moderação dos invernos a introduziremnotasdemeridionalidadequeohomemseencarregariadefortalecer,privilegiandoo cultivo de espécies mediterrânicas19. Marcado por fortes sujeições naturais —irregularidade térmica, extrema secura dos verões, solos pobres, dificuldade decomunicações— os dois espaços trasmontanos não propiciam culturas delicadas,nemseadequamaculturasmaisrentáveis20.Apobrezaderecursoshumanosetec‐nológicos e a largueza espacial impeliram também a que uma agricultura de sub‐sistência se conjugasse comumamploaproveitamentodosmontesemaninhos.Apecuária e a cerealicultura tornaram‐se os elementos decisivos do agrossistematrasmontano,queacolhiaaindaavinhaeolinhar21,bemcomoopomar,ahortaeosouto22.

Este vasto território conheciana IdadeMédiaduas cidades, Lamego eBra‐

gança,àsquaissejuntavamalgumasvilasdefeiçãourbanamaisconsistente,comoVilaReal,ChaveseFreixodeEspada‐à‐Cinta.Algumasoutrasvilas,cabeçasdecon‐celhosrurais,exibiamaindaalgumacapacidadepolarizadorasobreoespaçorural23. fazendodaBeiraTrasmontana“carneadministrativamenteenxertadanumcorpoalheio”,nodizerdopoeta,atentocomopoucosàsnotaçõespaisagísticas.

18 Note‐se que, nas delimitações administrativas vigentes até ao século XVII, o espaço com‐preendidoentreoDouro,oTâmegaeoMarãointegravatambémTrás‐os‐Montes.

19AconstruçãodapaisagemdoAltoDouro,comosgeiosescorrendopelaencostaemescadaria,asustentaremovinhedo,mastambémaoliveiraeaamendoeira,foisobretudoobradosséculosXVIIeseguintes,comodesbravamentosistemáticodosmatagaisquepovoavamasvertentesdoDouro.

MasjánoséculoXIII,pelomenos,eranotóriaaorientaçãodoespaçodurienseparaaviticultura,aproveitando os solos xistosos das encostas, as condições climatéricas e a navegabilidade do rio,garantiadefácilacessoaamplosmercados.Cf.MariaFernandaMaurício,EntreDouroeTâmegaeasinquiriçõesafonsinasedionisianas,Lisboa,1997,pp.119‐128.LuísMiguelDuarte,“OvaledoDouroda ocupação tardo‐romana aos forais manuelinos: as nossas interrogações”, Douro — Estudos edocumentos,n.º2,1996,p.68,observaqueosestudosjárealizadosapartirdasinquiriçõessugerem“umafrequênciasuperioràmédiadepagamentosemvinhonasmargensdoDouro”.

20VergílioTaborda,AltoTrás­os­Montes.Estudogeográfico,Coimbra,1932,pp.101‐103.21Sublinhe‐sequeosrendimentosmaissignificativosdacomendadaOrdemdeCristodoMoga‐

douroprovinhamdacolectadosdízimosdopão,vinho,linhoegados.A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.71v‐72,73,74,83.

22AcapacidadepolarizadoradesdecedoreveladaporLamego,aintensacolonizaçãodeCister—cf.GeraldoCoelhoDiaseLuísMiguelDuarte(coords.),CisternoValedoDouro,Porto,1999,empar‐ticular os textos de José Ignacio de la Torre Rodríguez, “Evolução histórica de Cister no Vale doDouro”,edeRicardoTeixeira, “ArqueologiadosespaçoscisterciensesnoValedoDouro”,app.69‐116e189‐242.respectivamente—eajáreferidaprecoceorientaçãodasvertentesduriensesparaaviticulturadotaramoValedoDourodeumafisionomiaprópriaemmatériadeorganizaçãoespacial.

Os espaçosmais ocidentais, entre o Douro e o Tâmega, onde a influência atlânticamais se fazsentir,divergiamaoesquemaapontado,aproximando‐semaisdoparadigmaminhoto.

23Referimo‐nos,nomeadamente,aMirandadoDouro,Mogadouro,TorredeMoncorvo,S.JoãodaPesqueira,PinheleAlmeida.

Amaioriadasvilasqueapontamosresultarade iniciativasbaixo‐medievasdereorganizaçãodopovoamento,que lograramconstituiruma rededeaglomerados fortificados, sujeitandoumespaçoqueincluíaváriascomunidadesrurais,quasesempreconcentradasemaldeias.Sobreesteprocesso,

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Oartesanatoeosserviçostinhamnestasurbesumapresençaalgoexpressiva.Masaesmagadoramaioriadassuasgenteserarústica,garantiaoseusustentoexplorandoaterra,eassuascasasconcentravam‐seempequenasvilas,aldeiaselugares,queoscultivos envolviam24. Exceptuando as terras de entre o Douro e o Tâmega, a dis‐persãodopovoamentorevelava‐seexcepcional25eosprópriosassentosdoscasaisequintaserguiam‐semuitasvezesemaglomeradosrurais,dissociando‐seassimdasterrasdecultivo26.

1.Acasacomum

A construção corrente das cidades, das vilas, das aldeias e dos casais dis‐persos do território trasmontano, no início de Quinhentos, tal como a podemosvisualizarpelaleituradostombos27oupelaobservaçãodaspanorâmicasdeDuartedeArmas,revelaalgumaconstância.

Traduzia‐seesta,antesdemais,naregularidademorfológica.Assim, a maioria dos edifícios referenciados em meio rural era de piso e

divisãoúnicos,correspondendoàtipologiamaiselementar28.Acasaunicelularseriatambémcomumnosaglomeradosurbanosregionais,masaíaescassezdaamostraeolaconismodasinformaçõesimpede‐nosdeavaliarasuarepresentatividade29.

veja‐sePauloJoséAntunesDordioGomes,ArqueologiadasvilasurbanasdeTrás­os­MontesedoAltoDouro. A reorganização do povoamento e dos territórios naBaixa IdadeMédia (séculos XII­XV), dis‐sertaçãodemestrado,Porto,1993,passim.

24Adistribuiçãodoscultivosemtornodoaglomeradorústicoobedecia,emgeral,aomodeloqueenunciámosemAComendadaOrdemdeCristodoMogadouro,cit.

25Epodemesmoterrecuadono finalda IdadeMédia,comoaventámosnotrabalhoreferidonanotaprecedente.

26Sobrealocalizaçãodosassentosdoscasais,veja‐seAnaMariaAfonso,OmosteirodeS.SalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.97.NaaldeiadeAlfaião(Bragança),ficavaoassentamentodecasasdeumaquinta,comcozinha,celeiro,eira,palheiroecurral—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.57‐59(fls.19v‐20v).

27Referemestespoucomaisdeumacentenadeconstruções,queseerguiamnacidadedeBra‐gança,nasvilasdeMirandadoDouro,TorredeMoncorvo,Bemposta,PenasRóias,Longroiva,MedaePinhel, e em aldeias, casais e quintas dos termos de Bragança, Mogadouro, Britiande, Tarouca,RanhadosePinhel.Destecômputoexcluímosmuitasreferênciasacasas,pardieiros,dependênciaseequipamentosvários,porquelacónicasefugidias,refractáriasaqualquercontextualização.

OsinformesquenossãofornecidospelostombosdaOrdemdeCristocontrastamcomosquenosministram o tombo domosteiro de Castro de Avelãs. Dão os primeiros informações preciosas emrelaçãoàsdimensõesdascasas,matériaqueoúltimonãofaculta.Emcontrapartida,sãomuitomaisricos os elementos que este disponibiliza sobre as dependências agrícolas que integravam osassentosdoscasais.

28 NosassentosdecasaisdoLesteTrasmontano,àsconstruçõesprincipais,correspondentesàstipologias mais elementares, juntavam‐se habitualmente algumas dependências agrícolas. Cf. AnaMariaAfonso,OmosteirodeS.SalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.73‐74.Noutroscasos,porém,aconstruçãoúnicapoderiaalbergarpromiscuamenteasgentes,osanimais,osaprestoseosprodutosdaterra.

29OsesquissosdeDuartedeArmasvisavamumconhecimentotantoquantopossívelrigorosodasfortificaçõesraianas,peloqueasrepresentaçõesdocasariocomumtêmumafeiçãomeramenteilus‐trativa.Porém,tudonoslevaapensarquesãoexpressõesfidedignasdarealidade,noqueserefereatendênciasgerais.Sendoassim,astipologiasmaiselementares—estaeaseguinte—estariamomni‐presentestantonascidadesevilasurbanas,comonosaglomeradosrurais.Cf.DuartedeArmas,LivrodasFortalezas,cit.,fls.73‐102.

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Uma segunda tipologia, também muito simples, manifestava‐se, sobretudonas aldeias30, pela dilatação horizontal do tipo anterior. O processomais comumengendravaacasa térreabicelular,quealgumasvezesse traduznadocumentaçãopelos pares casa/celeiro31, casa/cozinha32. ou cozinha/celeiro 33. Noutros casos,porém,vislumbram‐sesoluçõesmaiselaboradas,pluricelulares34.

Em meios urbanos, a adopção de processos verticalizantes para alargar aáreaútildacasafoibastantepraticada35.Assim,adocumentaçãorevela‐nosalgumascasassobradadas36e,maisraramente,casasdedoissobrados37.Amodalidadepri‐meva da casa sobradada seria decerto bicelular, mas praticavam‐se tambémsoluções mais complexas, pluricelulares. Refiram‐se, entre estas, as casas da ruaDireita de Pinhel: uma casa dianteira meio sobradada e uma casa de dentrosobradada38.

Experimentou‐setambémaaposiçãodeadjacênciassalientesnafachadadosedifícios.Umasvezes,osvãoseramprotegidosporumabalaustradademadeira:a

30 Provavelmente, este tipo seria também costumeiro em meio urbano. Mas o laconismo dos

informesrelativosàscasasterreirasurbanasnãopermiteconfirmá‐lo.31 Comoencontramos, entre outros casos, emVentoselo (Mogadouro), ou emassentosde casal

sitosnasaldeiasdeVilaNovaedeSortes(Bragança)—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.87;OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.77‐79(fls.30‐30v),pp.130‐132(fls.60‐60v).

32NoassentodeumcasaledificadonaaldeiadeNogueira(Bragança)—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.38‐39(fls.10‐10v).

33Noassentamentodecasasdeumaquinta,queseerguianaaldeiadeAlfaião(Bragança),ounosdedoiscasais,sitosnaaldeiadeSortes(Bragança)—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.57‐59(fls.19v‐20v),pp.138‐140(fls.63v‐64),p.140(fl.64v).

34Refira‐seoassentodeumcasal,sitonaaldeiadeBagueixe(Bragança),comumacasadianteira,outracasajuntodestaeumacâmara,paraalémdedependênciasparaogado—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.118.

35VideCarta2–Presençadecasassobradadaseindicaçõesdecoberturadasconstruções.36Porexemplo,emMiranda—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.124v—,ouemBragança,numamo‐

radiadaPraçadaCidade—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.63(fl.22).Duarte de Armas debuxou‐as largamente nas suas panorâmicas de Castelo Rodrigo, Almeida,

FreixodeEspada‐à‐Cinta,Mogadouro,MirandadoDouroeBragança,e,commenorprofusão,nasdeVimioso,Vinhais,MonfortedoRioLivre,ChaveseMontalegre.

37NaMeda,eemBragança,naruadasAdegas—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.97;OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.63(fl.22).DuartedeArmasesquissouduasnasua panorâmica doMogadouro, ao arrabalde e cinco outras em Freixo de Espada‐à‐Cinta, junto àigrejamatriz.

38A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.57v.

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varanda,ouobalcão39.Outras,lançavam‐sesobrearuabalcõesdemadeiraemjeitodecaixa:aadufa40.

Por vezes, a expansão dos edifícios transvasava, ao nível dos sobrados, o

âmbito estrito do lote. Os edifícios ressaltados respeitavam, assim, formalmente, oalinhamentodaviapública, servindo‐se,porém,do“ar”damesma,paraampliaroespaçoútildacasa41.Algunsexemplaresdecasascomandaresvolantessubsistem,aindahoje,emChaves42,Amarante43,VilaReal44eLamego45.

Aoaumentardebalanço,o ressaltoapelariaparaoutras soluçõesdeapoio,surgindo assim a casa sobradada de arcos46. Distinta da casa sobradada comum,construída em moldes tradicionais, esta tipologia foi experimentada em Qua‐trocentos e Quinhentos, em edifícios de prestígio e infra‐estruturas urbanas,mastambém em construções comuns, sobretudo em casas de mercadores e de mes‐teirais.NaPraçadaViladeTorredeMoncorvo,erguia‐seumaconstruçãodestetipo:

39EmBragança,juntoaoPostigodoSol,erguia‐seumagrandecasasobradada,combalcãosobrea

rua—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.61(fl.21v).Nãoémuitovincada,nosdicionaristas,adiferençaentrebalcãoevaranda.Estaédefinidacomo

“obra sacada na dianteira, ou trazeira, ou em todo o ambito das casas, com grades, balaustres, ouparede, de ordinario descoberta, onde se toma o sol, ou fresco”. O balcão, por sua vez, seria uma“especiedevarandadepeitoril, talvezresaltadadeedificios,combalaustrada,ougrades”—RafaelBluteau,Diccionariodalinguaportugueza,Lisboa,1779,t.I,p.160;t.II,p.509.OrecenteDicionáriodalínguaportuguesacontemporâneadaAcademiadasCiênciasdeLisboa,Lisboa,2001,vol.I,p.466[entradabalcão1],dáosdoistermoscomosinónimos.

40 O seu uso seria corrente nos vãos das moradias, tendo chegado aos tempos hodiernos emChaves,VilaRealeBragança—Illustraçãotrasmontana.Archivopitoresco, litterarioescientificodasterrastrasmontanas,Porto,I(1908),pp.27(clichédeA.L.Martins)e44‐45(desenhosdeJoaquimdeVasconcelos);ManuelMonteiro,“Avarandatrasmontana”,Illustraçãotrasmontana,II(1909),pp.1‐5.

41 A edificação de casas de andares ressaltados foi largamente experimentada em muitas dascidadesdoOcidentepeninsular,nofinaldaIdadeMédiaeprimeirametadedeQuinhentos.Entrenós,amenção documental deste género de construções é, todavia, pouco comum.O seu conhecimentoexige,porisso,oestudointegraldosedifíciosdestaespéciequechegaramaténósedasrespectivasestruturas, visando a reconstrução da história do edifício, da sua adequação funcional, das suasremodelaçõesedosreflexosdasmesmasnatransformaçãodoespaço interno:aanálisehistóricaematerialquesóaarqueologiadaarquitecturapossibilita.

42JoséManuelFernandes,CidadesecasasdaMacaronésia.Evoluçãodoterritórioedaarquitecturadomésticanas ilhasatlântidassobinfluênciaportuguesa,quadrohistóricodoséc.XVaoséc.XVIII,2.ªed.,Porto,1996,p.222,fig.117.

43 François Guichard, Amarante. Structures socio­économiques et liens de dépendance dans un“concelho”duNord­Ouestportugais,Lisboa,1980,fotosXIIeXIII.

44JoséManuelFernandes,CidadesecasasdaMacaronésia,cit.,p.222.45JoséManuelFernandes,CidadesecasasdaMacaronésia,cit.,p.220,fig.115.46Acasadearcadas,queentrenósocorresobretudoemQuatrocentoséconhecidaemItália(sob

a designação casa porticata) e noutras áreas europeias, desde os séculos XII‐XIII, em ligação comactividadesprofissionais,mercantiseartesanais.Cf.UgoSoragnieMariaLuigiadeGregorio, “Case,portici emercanti aMarostica nel XV secolo. Documenti edilizi a cinquant’anni dalla refondazione(1370‐1380)”, in:Casee torrimedievali,dir.porElisabettaDeMiniciseEnricoGuidoni,Attidel II.ºConvegnodeStudi,“Lacittàe lecase.Tessutiurbani,domusecase‐torrinell’ItaliaComunale(secc.XI‐XV)”,CittàdellaPieve,11‐12diciembre1992,Roma,1996,pp.9‐21(19).

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 8

umascasassobradadas,"bemrepairadas"ealpendradas,comtrêsvistososarcosdepedraria47.

Àstipologiassimplesdestasmoradiasconvêmdimensõespequenas.Aquelascujasmedidasconhecemos48oscilamquasesempreentreas5eas8varas,delongo,para4a5varas,delargo.Asrationescomprimento/larguraquelhescorrespondemsituam‐se maioritariamente entre 1,1 e 1,4, apontando para um formato poucoalongado49.Asáreasdascasasoscilamentreos10m2(deumpequenodecasa)eos55m2,destacando‐seointervalodos21a30m2.Agregandoasconstruçõesporcon‐juntosdecasas,atinge‐seumvalormédiodeáreadeimplantaçãode58m2.Consi‐derandoaáreaútil,feitoosomatóriodosváriosplanos,amédiasobeparaos72m2,valor,aindaassim,bastantediminuto50.

Este tipo de documentação omite sistematicamente a altura destas cons‐truções e a arqueologia, até agora, não tem lançado luz nestamatéria. Como ele‐mentodereferência,poderemos,parajá,reterovalordeduasvarascraveiras,istoé,2,20metros,porpiso,propostorecentementepor IriaGonçalvescomohipótesedetrabalho51.Masamaioroumenorelevaçãodacasacomumdependia,sobretudo,donúmerodepisosqueacompunham.Asconstruçõesdepisoúnico,oucasaster­reiras, eram esmagadoramente dominantes em vilas, aldeias e casais; em muitos

47A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.79v.Sobreestatipologia,veja‐seMariaAngelaRochaBeirante,ÉvoranaIdadeMédia,Lisboa,1995,pp.

124‐126;ManuelSílvioAlvesConde, "SobreacasaurbanadoCentroeSuldePortugal,nos finsdaIdadeMédia",cit.,p.267.

48Conhecemososcomprimentoselarguras,expressosemvaras,de,apenas,duasdezenasdecon‐juntos habitacionais dos concelhos de Reigada, Pinhel, Meda, Muxagata, Britiande, Torre de Mon‐corvo.Mogadouro,MirandadoDouroeBragança.Emapêndice,compilamososdadosdestapequenaamostra,quenãoautorizagrandesgeneralizações.Paraaconversãoaosistemamétrico,utilizamososfactoresdeconversãopropostosporA.H.deOliveiraMarques,“Pesosemedidas”,in:DicionáriodehistóriadePortugal,dirigidoporJoelSerrão,vol.III,Lisboa,1968,pp.369‐374.

49Note‐se, todavia,quetambémésignificativoogrupodasquesesituamentre1,7e2,ouseja,daquelascujocomprimentoseaproximadodobrodalargura.

50Emtermosmédios,asconstruçõesdoNorteTrasmontanoapresentam‐seumpoucomaisaca‐nhadasdoqueasdosedifíciosbeirõescomuns,estudadosporIriaGonçalves,AconstruçãocorrentenaBeiraInteriornosfinaisdaIdadeMédia,cit.(ondeprevalecemasáreasentre20e40m2,seguidaspelogrupodasqueserepartementreos40eos60m2),eascasasruraisdoBaixoMinhogalego,cf.María del Carmen Sánchez Carrera,El BajoMiño en el siglo XV. El espacio y los hombres, Corunha,1997,p.94(queapontaparavaloresentreos24eos60m2).Sãotambémmaispequenasqueasdaregião de Ávila, em Castela, cf. António Sánchez del Barrio, "Las construcciones popularesmedievales:unejemplocastellanodecomienzosdelXIV",StudiaHistorica,HistoriaMedieval,vol.VII(1989), pp. 139‐142 (predominamaí as de 7 tapias de largo por 2 de comprido, ou seja 14 por 4metros=56m2, seguidaspelasde 4por2epelasde6por2).Ocontrasteacentua‐seaindamaisperanteas casas ruraisdoMédioTejo, ondeovalormédioédeuns91m2, cf.Manuel SílvioAlvesConde,Materialidade e funcionalidade da casa comummedieval. Construções rústicas e urbanas doMédio Tejo nos finais da Idade Média, in: Morar. Tipologia, funções e quotidianos da habitaçãomedieval,MediaÆtas,n.º3/4,PontaDelgada,2000/2001,p.53.

51OvalorsugeridoporIriaGonçalves,AconstruçãocorrentenaBeiraInteriornosfinaisdaIdadeMédia, cit., obtido quer através dos dados relativos ao pé direito do piso térreo de um celeiro daOrdemdeCristoemCasteloBranco,querdeprospecçõesfeitasemhabitaçõestradicionaisdaBeiraInterior,parece‐nospertinenteeestáemconformidadecomoquenósprópriosencontramosparaoutrasregiõesdoPaís,eminvestigaçãoemcurso,queoportunamentedivulgaremos.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 9

povoados,eramúnicas52.Apresençadecasassobradadastinhaalgumavisibilidadenascidadesenumastantasvilas:Almeida,Pinhel,CasteloRodrigo,Meda,FreixodeEspada‐à‐Cinta,Mogadouro,MirandadoDouro,BragançaeChaves53.Aestasháquesomar‐seasmenoscomunsconstruçõescommeiossobrados,quepodiamver‐seemPinheleMirandadoDouro54.Quantoàscasasdedoissobrados,seriammuitoraras;só podemos apontá‐las em Bragança, Meda, Mogadouro e Freixo de Espada‐à‐Cinta55.

Osmateriais construtivosempregueseram,por todaaparte, osmesmos: apedra (granito ou xisto), a terra crua e cozida, a madeira e outros, igualmentevegetais.Ostextosnãocorroboramanoçãodeumacivilizaçãodapedra,apontandoantesparaarquitecturasintegradorasdaquelesmateriais:ascasasquenosmostramtinham paredes de pedra e barro56, são madeiradas e telhadas, ou colmadas.Recorre‐se também à técnica do adobe na construção das paredes57, que outrasvezes eram de pedra seca58, ou insossa59. Em divisórias interiores, utilizou‐se o“repartimentodeparede”60ea“taipa”61—decertootabiquedemadeiranortenho,que não a terra comprimida típica do mundo mediterrânico62—, que também se

52O termo casa terreiraéreiteradamenteempreguen’O tombodomosteirodeSãoSalvadorde

CastrodeAvelãs, cit.ObservandoaspanorâmicasdeDuartedeArmas,constatamosaexclusividadedacasadepisoúnicoemaglomeradosdefeiçãorústica:PenasRóias,Outeiro,PorteloePiconha.Ascasas sobradadas sóexcepcionalmente sevislumbramnosesquissos relativosaVimioso,Vinhais eMontalegre.

53Veja‐se,supra,nota35.Às localidades arroladas deverão adir‐se Lamego e Vila Real, onde subsistem hodiernamente

construçõessobradadasremontandoaofinaldaIdadeMédia,ouaQuinhentos.54A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.57ve125.AdeMirandadoDourodeixaradeterfunçãohabita‐

cional,servindoopisotérreocomoestrebariaeomeiosobradocomopalheiro.55Veja‐se,supra,nota36.Deverãoacrescentar‐seaopequenorolascidadesdeLamegoeChaves,ondeseencontramainda

hojealgumasconstruçõesdestafeiçãoecronologia.56A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.57v,72v,79v,83v,97,118,124v,141,141v.Paredesdecanta‐

riasão‐nosreferidas,apenas,nahabitaçãosenhorial—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.90v.57A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.41.58A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.59.59AssimlhechamaDuartedeArmas,cit.,fl.132,referindo‐seàparededeumabarreira,noPor‐

telo.60A.N.T.T.,O.C./C.T., L.º307, fl.57v.Nãopodemosprecisaraque técnicacorresponderia tal

parede;provavelmente,seriade“pedraebarro”,comoasparedesexterioresdamesmaconstrução.61A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.77v.62 Sobre esta técnica de construção, cf. Manuel Sílvio Alves Conde,Materiais de construção na

arquitectura rural do Médio Tejo nos finais da Idade Média, in: Arqueologia da Idade Média daPenínsula Ibérica, vol. VII das Actas do 3.º Congresso de Arqueologia Peninsular, Porto, 2000, ebibliografialistadananota39.

Recorde‐seadiferençaessencial, relativamenteà taipa/tâbiya, do tabiquedemadeira, cheiodepedriça e palha, que noNorte do país é comumdesignar‐se “taipa”. Vejam‐se aplicações deste emMariadaConceiçãoFalcãoFerreira,UmaruadeelitenaGuimarãesmedieval(1376­1520),Guimarães,1989, pp. 227‐228; João Ferrão Afonso,A Rua das Flores no século XVI. Elementos para a históriaurbanadoPortoquinhentista, Porto,2000,p. 49. Sobreo tabiquenortenho, cf.MariadaConceiçãoFalcãoFerreira, , “Habitaçãourbanacorrente,noNortedePortugalmedievo”, in:Morar.Tipologia,funções equotidianosdahabitaçãomedieval,MediaÆtas,n.º3/4,p.25,n.57;AnselmoLópezCar‐reira,Acidademedievalgalega,Vigo,1999,pp.149e151;OrlandoRibeiro,“Acivilizaçãodobarrodo

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 10

aplicaria nas paredes exteriores dos andares ressaltados63. O reboco das paredesseria decerto pouco comum64 e não há referências à caiação. A madeira era om‐nipresente65—no travejamentoenaarmaçãodacobertura,nossobrados,napro‐tecção dos vãos, em escadas, no lançamento dos ressaltos; estes, algumas vezes,assentavamsobrearcosdepedraria66.

Acrernostextos,asfenestraçõesseriambemmenoscomunsdoquesugeremas representações deDuarte deArmas. Emmuitas casas, limitavam‐se à porta deentrada67.Aexistênciadeduasportas,oudeváriasjanelas,justificavaumamençãoparticular, decerto por ser pouco habitual68. A escassez e reduzida dimensão dasaberturassalvaguardavamacasadainclemênciadoclima,garantindoumambientemenos frio no Inverno emais fresco noVerão. Implicavam, porém, uma reduzidaventilaçãoeumailuminaçãodeficiente69.

Nas coberturas, é patente a diversidade dosmateriais empregues70. A creremDuartedeArmas,atelhaeraomaterialdepreferênciaemBragançaenasvilasde Almeida, Castelo Rodrigo, Freixo de Espada‐à‐Cinta, Mogadouro, Miranda eChaves71, recorrendo‐se ao colmo no Portelo e Piconha. Soluções mistas, com ocolmoaparda telha, representou‐asnoVimioso,Vinhais eMontalegre; emPenasRóiasenoOuteiro,comasimultaneidadedacortiça72edocolmo73.Adocumentação SuldePortugal(Aspectosesugestões),Geografiaecivilização.Temasportugueses,2.ªed.,Lisboa,s/d,pp. 33‐34, n. 2; ErnestoVeiga deOliveira, FernandoGalhano eBenjamimPereira,Construções pri­mitivas em Portugal, 3.ª ed., Lisboa, 1994, p. 315; Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano,Arquitecturatradicionalportuguesa,Lisboa,1992,pp.280‐281epassim;BernardoJoséFerrão,Pro­jecto e transformaçãourbanadoPortona épocadosAlmadas. 1758/1813.Uma contribuiçãoparaoestudodacidadepombalina,3.ªed.,Porto,1997,pp.147‐148;ManuelCaamañoSuárez,“Arquitecturapopular, I – La casa‐vivienda”, inGalicia, dirigidoporFranciscoRodríguez Iglesias,Antropología, t.XIII,s/l,1985,p.68.

63MárioJorgeBarroca, inCarlosAlbertoFerreiradeAlmeidaeMárioJorgeBarroca,HistóriadaarteemPortugal,Ogótico,cit.,p.89.

64Regista‐se,aindaassim,uma“logea…cafeladadedentro”—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307, fl.106v.

65 As referências às aplicações de madeira são quase sempre genéricas, sendo as casas apre‐sentadas como “madeiradas”, “mal madeiradas”, “igualmente madeiradas”, ou “bem madeiradas”,Algumas vezes, porém, mencionam‐se aplicações específicas: escadas de madeira, chaminés de“madeirabarrada”—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.97e89v.

66A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.79v.67Mençãodeumaportadecastanho—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.106v.68OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.62(fl.22);A.N.T.T.,O.C./C.T.,

L.º307,fl.97.69 Não há quaisquer notícias relativas ao uso de vidraças, nesta região. Nem mesmo as cons‐

truçõesdeprestígiotrasmontanas,desenhadasporDuartedeArmas,aspossuíam,aocontráriodasque aparecem nas panorâmicas de Castelo Branco e Barcelos, onde são visíveis as característicasjanelasdecruzeta,oupinázio,quedeviamonomeàcruzetadepedraquecortavaovãoeserviadeapoioàaplicaçãodevidraça.Sobreeste tipode janela, introduzidoentrenósnoséculoXV,veja‐seMárioJorgeBarroca,inCarlosAlbertoFerreiradeAlmeidaeMárioJorgeBarroca,HistóriadaarteemPortugal,Ogótico,cit.,p.90.

70VideCarta2–Presençadecasassobradadaseindicaçõesdecoberturadasconstruções.71 Em Bragança e Chaves, as casas dos núcleos urbanos são telhadas. Na periferia, Duarte de

Armasrepresenta,contudo,umaououtracasacolmada.72 Recentemente, os esquissos de Duarte de Armas relativos a estes lugares e a Penha Garcia

foraminterpretadosdeformadivergentedesta,porMárioJorgeBarroca, inCarlosAlbertoFerreira

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 11

confirmataisquadrosdealternânciaesimultaneidadedascasastelhadasedascol­madas,palhiças oupalhaças, alargando‐oavilas e lugaresnão representadospelodebuxador74. As figurações deste atestam o predomínio das coberturas de duaságuas.Mas,apardaquelas,tambémsevislumbravamtelhadosdeumaedequatroáguas.

Nãoerahabitualo coroamentodashabitaçõescomunsporchaminés.Alémdasque,comalgumaprofusão,DuartedeArmasesquissouemedifíciosdeprestígio,representou‐as pontualmente na casa urbana comum75. No plano morfológico, odebuxador revela‐nos dois tipos, as de secção quadrada e as cilíndricas, umas eoutras projectando‐se em altura a partir dos telhados76. Porém, nada nos deixaentrever quanto aosmateriais empregues; em edifício de prestígio, na Longroiva,

de Almeida eMário Jorge Barroca,História da arte em Portugal, O gótico, cit., p. 89, como sendoplacasdexisto.Mantemosainterpretação,quehavíamosfeitoemAComendadaOrdemdeCristodoMogadouro, cit., poranalogia comPenhaGarcia, ondeousoda cortiçaestá comprovadodocumen‐talmente (cf. Gilberto CoralejoMoiteiro,Uma comenda da Ordem de Cristo no Sudeste da Beira—PenhaGarcianos iníciosdoséculoXVI, cit.)eperantea tradiçãosuberícola local.Note‐se,poroutrolado, que o recurso ao xisto colocava problemas de resistência de materiais, que as coberturasvegetaisdesconhecem,eaqueasconstruçõesrepresentadasnãoparecematender.

A cobertura de lousa não tem encontrado, entre nós, comprovação documental para época tãorecuada.Conhecemososeuuso,naGalizaquatrocentista,comosituaçãoexcepcional,emresidênciascamponesaseempaçeossenhoriais.Cf.DoloresMariñoVeiras,SeñoriodeSantaMariadeMeira(de1150a1525).Espaciorural,regimendepropiedadyregimendeexplotaciónenlaGaliciamedieval,Co‐runha,1983,p.359,ns.280,283e284.

Importará,portudoisso,quenovosdadossejampresentes,paraesclarecimentodefinitivodestaquestão.

73Ascoberturasdematerialvegetalaindahojesãovisíveisemmuitoescassoslugares(cf.,entreoutros,LuísaJorge,Retratos.Ermelo1196­1996,Ermelo,1996;EuniceSalavessa,AcasadeArnal.Res­tauro e reabilitação, VilaReal, 1997), tinhamumapresençanotória, há algumasdécadas atrás, emvastasáreasdaGalizaedoNorteInteriorportuguês,sobretudonasaldeiasserranasdoMinho,Trás‐os‐Montes e Beira Alta, e em muitas comunidades piscatórias, da Póvoa de Varzim ao SotaventoAlgarvio.Cf.XaquínLorenzo,Acasa,Vigo,1982,pp.41‐42;JoséLeitedeVasconcelos,Etnografiapor­tuguesa,vol.VI,passim;ArquitecturapopularemPortugal,cit.,passim;ErnestoVeigadeOliveira,Fer‐nando Galhano e Benjamim Pereira,Construções primitivas em Portugal, cit., pp. 289‐302; ErnestoVeigadeOliveiraeFernandoGalhano,Arquitecturatradicionalportuguesa,cit.,passim.Oestudodatoponímiarelacionadacomcoberturasdecolmoepalhadeixaentenderumalarguíssimaextensãodoseuusoemépocasmaisrecuadas.

Algunstrabalhos,baseadosnostextosenasfontesfigurativasdofinaldaIdadeMédiaeiníciodosTempos Modernos, têm‐se referido a coberturas de cortiça, giesta, madeira, bunho e, sobretudo,colmo.Cf.,entreoutros,MaríadelCarmenSánchezCarrera,ElBajoMiñoenelsigloXV,cit.,p.93;AnaMariaAfonso,OmosteirodeS.SalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.73;IriaGonçalves,OpatrimóniodomosteirodeAlcobaçanosséculosXIVeXV,Lisboa,1989,p.115;eadem,AconstruçãocorrentenaBeiraInteriornosfinaisdaIdadeMédia,cit.;ManuelSílvioAlvesConde,Materialidadeefuncionalidadedacasacomummedieval, cit.,p.66;VítorManuelPavãodosSantos,AcasanosuldePortugalnatran­siçãodoséculoXVparaoséculoXVI,dissertaçãodelicenciatura,Lisboa,1964,pp.55,67.

74Veja‐seCarta2.75EmChaves,Bragança,MirandadoDouro,Mogadouro,FreixodeEspada‐à‐CintaeAlmeida.76Nãoencontramos,nosdesenhosdeDuartedeArmasrelativosàscasascomunsdasvilastras‐

montanas,chaminésressaltadasdasparedes,ouameadas,comoasreferidas,paraoSuldopaís,porVítorManuelPavãodosSantos,AcasanoSuldePortugalnatransiçãodoséculoXVparaoséculoXVI,cit.,p.57.Chaminésameadassão,todavia,frequentesnosedifíciosdeprestígiofigurados.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 12

usou‐seamadeira“barrada”77,masoutrosmateriais,comoapedraeotijolo,foram,porventura,tambémexperimentados78.

Outros elementos arquitectónicos foram, ainda, traçados pelo debuxador.Uma casa de Portelo, térrea e colmada, apresenta um curioso alpendre, tambémcolmado, assente sobre quatro pilares79. Em Vinhais, o acesso à única casasobradadarepresentadanobairroextramurosfaz‐se,directamenteparaosobrado,por uma escada exterior, mainelada, de madeira. A documentação revela‐nos, naMeda,diferentessoluçõesparaoacessoaossobrados. A“casaalta”dessaviladis‐punha de uma escada exterior de pedra e madeira, que ligava ao primeiro dossobrados,atingindo‐seosegundoporumainterior,lígnea80.

Quase sempre, os materiais empregues provinham das proximidades dolugardeconstrução.Aterraareno‐argilosaeradefácilextracção,emqualquerbar‐reiro,ogranitoeoxistoobtinham‐sequernaspedreiras81,querempequenasesca‐vaçõesnopróprioaglomerado,ouatépelodespedramentodasterrascultivadasoupeloaproveitamentodemateriaisde construçõesderruídas.Osmateriaisvegetaisobtinham‐sefacilmente,dadaaamplidãodosaltus.Quantoàtelha,asuaproduçãoseria significativa, já que encontramosdiversasmenções aos respectivos fornos82.Maspodia‐seaindaproduzi‐lanovulgarfornodelouça.

Aorganizaçãodoespaço internodamoradiacomumderivavadasuaconfi‐guraçãomaterialedasnecessidadesdoagregadofamiliarquedelafruía.Alémdasfunções habitacionais, a casa rural ou urbana tinha que cumprir diversas funçõeseconómicas,relacionadascomaproduçãoagrícola,pecuária,artesanaloucomercial.Todavia,comoveremos,oprincípiodadivisãofuncionalapareceapenasesboçado.

Não se aplicava de todo, obviamente, na casa unicelular, cujo espaço únicoabrigava as pessoas e os bens que importava proteger, incluindo a guarda dosapeiros,oarmazenamentodosprodutosdaterrae,aomenosnalgunscasos,aesta‐bulação do gado. Espaço de sociabilidade, era‐o também de relação familiar e derepousonocturnoepalcodeactividadesrelevantes,desdeaconfecçãodealimentosaostrabalhosdolinhoedalã.Espaçoondeoaconchegoàlareiraeraaúnicanotadeconforto, semoutramargemparaaprivacidadequenão fosseadaobscuridãodoespaçoderepousoconsignadoacadaum;espaçodetodosedetudo:familiaremul‐tifuncional.

77A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.89v.78Cf.VítorManuelPavãodosSantos,AcasanoSuldePortugalnatransiçãodoséculoXVparaosé­

culoXVI,cit.,p.57;MárioJorgeBarroca,inCarlosAlbertoFerreiradeAlmeidaeMárioJorgeBarroca,HistóriadaarteemPortugal,Ogótico,cit.,pp.90‐91.

79Ospilaresreferidosparecemserdemadeira.Aestruturadefineumaárea,protegidadasintem‐péries, fronteira à porta da casa. Abriga, ainda, em parte, um amplo banco de madeira colado àparededacasa.

80A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.97.81Paraaextracçãodapedraedobarro,cf.osregistostoponímicos:Pedreiras,CasaldaPedreira,

BarraisdaGranja,Barreiro,BarrodeOleiros,Barreiros,ChãodoBarreiro—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.97(fl.41v);A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.76,123v,125v,127,127v,144v,157.ReferênciaàextracçãodapedranocoutodeCastrodeAvelãs—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.196(fl.96).

82Veja‐se,adiante,nota170.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 13

Aomeiodacasa,oujuntoaumadasparedes,ofogoerasempreoelementocentral da moradia83, mas, na residência unicelular, era mesmo o único pólo deorganizaçãoespacial,apartirdelesedefinindodeformadifusa—eemlinhacomaporta de entrada, tantas vezes, o único vão existente— sucessivas secções, dedistintautilizaçãoespacial,baseadaemhomólogasoposiçõesentreclaroeobscuro,quenteefrio,secoehúmido,diurnoenocturno,culturaenatureza84.Erravaofumopelo interior da casa, apenas rebatido pelo caniço onde as castanhas pilavam e oporco defumava. À falta de chaminé —rara em construções deste tipo—, o seuescoamentofazia‐sepelosvãose,eventualmente,poralgumburaconacobertura85.

Não eramuito distinta a organização espacial damoradia térrea bicelular.Nos casos mais documentados, uma casa, casa dianteira, ou cozinha, era acom‐panhada por uma outra divisão, tantas vezes denominada celeiro86, excep‐cionalmente denominada câmara87. Esta compartimentação correspondia a umamuito ténuedivisão funcional, pois tanto a cozinha comoo celeiro eram locaisdedormida, independentemente da função primária que competia a cada uma dasdivisões.

Aespecializaçãofuncionalacentuava‐senacasasobradada,mesmonabice‐lular, pois aí as funções económicas atrás enunciadas tendiam a concentrar‐se nopiso térreo, fazendo‐seo recolhimentonocturnonosobrado.Adocumentaçãonãoesclarece onde eram, nestes casos, confeccionados os alimentos. A hipótese maisplausível é a da localização da lareira no piso térreo, escoando‐se os fumos pelaporta,oupelasjanelas,quandoexistiam.

A casa complexa,pluricelular,proporcionavaumamaiorespecializaçãodosseusespaços,umacréscimodeconfortoe,até,algumaintimidade.Detenhamo‐nosumpouconumamoradiadestegénero,adeJoãoMendes,cristão‐novodeMiranda,constituída por casas próprias, provavelmente sobradadas, que se alargavam porduas casas contíguas, emprazadas à comenda da Longroiva. Uma delas erasobradada,eaoutrameiosobradada,nestaservindoopisotérreodeestrebariaeomeiosobradodepalheiro.Ascasasemprazadasabrangiamumaáreacobertadeuns150m2,easprópriastinhamcincovarasdelargo,napartequeconfrontavacomasda comenda. Se atribuirmos a estas a mesma longura das outras, encontraremos

83Muitosetemescritosobreopapelcentraldalareira.Entreoutros,vejam‐se:EmmanuelLeRoy

Ladurie,Montaillou,villageoccitande1294à1324,Paris,2000,pp.69‐70;Jean‐MariePesez,“Lefoyerdelamaisonpaysanne(XIe‐XVesiècles)”,ArchéologieduvillageetdelamaisonruraleauMoyenÂge,Lyon,1999,p.474;IriaGonçalves,AconstruçãocorrentenaBeiraInteriornosfinaisdaIdadeMédia,cit.OlugardofogofoitambémsublinhadoporAquilinoRibeiro,Aldeia.Terra,genteebichos,reed.,Lisboa,1995,pp.10‐11.

84 Sobre a relação entre o fogo e a organização interna da casa, veja‐se Pierre Bourdieu, “Lamaison ou le monde renversé”, Esquisse d’une théorie de la pratique, précédé de trois étudesd’ethnologiekabyle,reed.,Paris,2000,pp.61‐82.

85Jean‐MariePesez,“Lefoyerdelamaisonpaysanne(XIe‐XVesiècles)”,cit.,p.467;IriaGonçalves,AconstruçãocorrentenaBeiraInteriornosfinaisdaIdadeMédia,cit.

86 “ha homosteyro na dicta alldea d allfayamhûa quintaa que tem assentamento de casas col‐madas.scilicet.cuzynhaeçeleyroecurrallehûacasaperapalha”—OtombodomosteirodeSãoSal­vadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.57(fl.19v).

87 Apenas encontramos o par casa dianteira/câmara no assento de casas de um casal sito emBagueixe,noconcelhodeBragança—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.118.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 14

uma área cobertade uns 110 m2, in‐cluído um “peque‐no” cuja dimensãoseconhece88.Afectauma das casas aoabrigo dos animaiseàguardadapalha,João Mendes dispo‐ria de uns 100 m2de lojas e de idên‐tica área de sobra‐do, nas outras duas

casas,paraafectaràsactividadeseconómicas,àsociabilidade,àvivênciadoméstica,àconfecçãodealimentoseaorepouso,decertoorganizandooespaçodesafogadodequedispunhacomvincadaespecialização funcional, emcontraste comamultifun‐cionalidadedacasaqueimperavaemmeiourbanoe,sobretudo,emmeiorural.

Deespaçoslivres,contíguosàscasas,encontrámosaquiealémalgumasmen‐

ções. De um ou outro quintal89, exido, chão90 ou ressio91, de pardieiros em cujoespaço se erguiam nogueiras ou amendoeiras, ou, ainda, de algum terreiro92, ouquintã93.Asuaimportância,notóriaemmeiourbano,eramaisdiminutanouniversorural. Mas, neste ou naquele, tais espaços eram apreciados, pois permitiam seencontrasseaopédaportahortaliçasfrescas,ervasoufrutosmaduros,odoresapra‐zíveis ou uma sombra que temperasse a quentura estival, propiciando a socia‐bilidade94.Daíquemuitosdeles fossemprotegidospormurosdepedra, cercasdemadeiraeentrelaçadosvegetais95.

88A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.124v.O“pequeno”decasa,místicoàscasasemprazadas,rondavaos10m2desuperfície.89A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.124v.90OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.61‐62(fl.21v).91“hûuchaãodecasasquedemujtotempoacaaestaaemRessio”—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,

fl.74v.92A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.97v.93 Porquintã,entenda‐se aqui um terreno vedado, contíguo à casa rural. Esta acepção, distinta

daquela que é amais comum em estudos históricos, não aparece nos dicionários (oDicionário dalíngua portuguesa contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, cit., vol. II, p. 3047, entradaquintã 1 2 e 3, considera apenas, como regionalismo, as de curral, oude estrumeira empátio),massobreviveu até temposhodiernos e é registadaporAquilinoRibeiro,Aldeia, cit., pp. 31, 328.A. deAlmeidaFernandes,Asdez freguesiasdoconcelhodeTarouca(históriaetoponímia),Braga,1995,p.33,refere‐a,nosentidode“pátiocobertoou,asmaisdasvezes,descoberto,anexoaumahabitaçãoedestinadoaarrumações,estrumeiracomdespejo,eatéarejamentodeanimaisestabulados”.

“notermodetaroucatemmaisahordemhûucasalquesechamadobarroncalemquehahûuacasaterreaquetemasparedesdepedraebarrocubertasdecolmo…etemanteaportahûuaquintãaçerquadadeparede.leuaxiijvarasdelongoeviijºdelargo”—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.141v.

94Dadoocarácterpatrimonialdadocumentaçãoconsultada,poucasindicaçõessurgem,relativasàfuncionalidadedestesespaços.Sublinhem‐seasreferênciasàslatadas,àportadascasas,eamençãodasárvoresearbustosnelesplantados.Refiram‐se,entreoutrasespécies,ameixieiras,amendoeiras,

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 15

Ligadas às moradias, erguiam‐se com frequência algumas construções, àsquaiscorrespondiamfunçõesespecíficas.Encontramo‐lasnasvilasealdeias,postoqueapresençaevariedadedestasconstruçõesadjectivasfossemaismanifestanasunidadesdeexploraçãoagrícola.

A granja de S. Salvador, do mosteiro cisterciense de S. João de Tarouca,situadaentreesteeavila,subsisteaindacomounidadeprodutiva,agoradesignadaquintadoGranjão.Ruídaemboranalgunssegmentos,mantémasuacerca,comumperímetrodecercade3000m.Emelevaçãofronteiraàlinhadeáguaquepercorretodaagranja,atédesaguarnorioVarosa,ergue‐seoprimitivocentrodaexploração.Asconstruçõessubsistentes,algumasdasquaisdeorigemmedieval,incluemcasadehabitação, capela, fontes, lagar, eira lajeada de grandes dimensões, edifícios eespaçosdestinados ao armazenamentodeprodutos e apeiros agrícolas, celeiros eestábulos96.

Comparativamente às granjas, eramenor a escala dos casais,mas tambémestesdispunham,amiúde,deconstruçõeseespaçosanexos,emrelaçãocomacerea‐licultura,aviticulturaeapecuária.Conhecem‐sebemasconstruçõesexistentes,noinício do século XVI, em 78 casais pertencentes aomosteiro de Castro de Avelãs.Com muita frequência, os assentos destes incluíam, a par da casa (ou cozinha),celeiroecurrais.Algunspossuíamtambémeira,adega,lagar,palheiroecortes.Masnemsempreestasconstruçõesseerguiamnoassentodocasal.Porvezes,aeiraouopalheiro divergia daquele, sendo instalado em qualquer parcela da unidade deexploração.Omesmosucediacomomoinho,emtodososcasosqueadocumentaçãonosrevela.

castanheiros,cerdeiras,figueiras,macieiras,nogueiras,pereiraseamoreiras,cf.OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.62(fl.21v),70(fl.25),92,(fl.39),93(fls.39ve40),97(fl.41v),103(fl.45),140(fl.64),151(fl.69v),153(fl.70),A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.127,128.Sobreaslatadas,cf.A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.137v,139.

95QueadocumentaçãoregistaeDuartedeArmasfigurou,repetidasvezes.96RicardoTeixeira,“ArqueologiadosespaçoscisterciensesnoValedoDouro”,cit.,pp.238‐239.

Construções de 78 casais trasmontanos no início do séc. XVI

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Adegas

Casas

Celeiros

Cortes

Cozinhas

Currais

Eiras

Lagares

Moinhos

Palheiros

Pardieiros

ParcelasAssento

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 16

2.Ahabitaçãosenhorial

O que conhecemos hoje da habitação senhorial no Norte Trasmontanoencontra‐sedispersoporváriostrabalhos,peloqueprocuraremostraçarumesboçode sistematização que permita uma primeira abordagem à informação existente.Antes de entrarmos numa análise mais detalhada dos diversos grupos – paçosnobres,domusfortisecasasturriformes–,deixamosalgumasnotasintrodutórias.

Em termos genéricos, podemosdizer que as habitações de “tipo senhorial”sobressaíamvulgarmentepelaqualidadedosmateriaisempregues(pedraetelha)epelo facto de serem construções com pelo menos um sobrado. Procuravam umacertaproeminência,porvezessublinhadaporelementosdeaparatomilitar.

Nos finais da IdadeMédia, esses espaços eram cada vezmais providos deconforto,visívelnoexterioratravésdaproliferaçãodechaminésedeaberturascadavez mais rasgadas. O prestígio associa‐se não só à exteriorização do carácterdefensivodaconstrução,mastambémàssuasamenidadesáulicas.Comoodissetãobem Carlos Alberto Ferreira de Almeida, “Um dos fenómenos mais curiosos daarquitecturadoséculoXV,(...),éodamiscigenaçãodoaparatodospaçoscomodoscastelosevice‐versa”97.Eéapenasnestaperspectivaqueabordaremosaquioscas‐telos,ouseja,unicamentenoquedizrespeitoàanálisedosaspectoshabitacionais,peloqueoleitornãoencontraránestetextoqualquerexamedoselementosdasfor‐tificaçõesemsi.

Omundodotrabalhoestavapraticamenteausentedointeriordosmurosdas

residênciasde tiposenhorial, sendoapenas recordadopelapresençadeceleiroseadegas,ligadossobretudoàarmazenagemdosbensqueoscamponesesentregariamao seu senhor98 e não à produção. As casas‐torre99, implantadas em vales férteis,aproximavam‐sedas áreasprodutivas, talvezparaqueapequenanobrezamelhorpudesse controlar as suas fontes de rendimento. A torre poderia mesmo serconstruídacomesseintentodecobrardireitos.Nestescasos,oprópriopisotérreodaconstruçãopoderiafuncionarcomolocaldearmazenamento100.

Relativamente à função defensiva, devemos destacar que, de uma forma

geral,asestruturascastelaresnãoprescindiamdafacetamaisprática,muitoemboraaconcentraçãonastorresdemenagemdegrandenúmerodeelementosdedefesaactivacontribuísse tambémparaasuamonumentalidade,acentuandoasua facetasimbólica.

Quantoàscasas‐torres,sóraramenteteriamdesempenhadoumpapelverda‐deiramentedefensivo101;devemosolharasameias,balcõescommatacãeseseteiras,

97CarlosAlbertoFerreiradeAlmeida,“ArquitecturaGóticaMilitar”,in:CarlosAlbertoFerreiradeAlmeidaeMárioJorgeBarroca,HistóriadaArteemPortugal,Ogótico,cit.,p.86.

98LuísFilipeOliveira,“AsresidênciasdosCoutinhosnaregiãodeLamego(séculosXIV‐XV)”,cit.,p.299.

99Nestetexto,asexpressões“casa‐torre”edomusfortissãousadascomosinónimos.100 Cf.Mário JorgeBarroca, “Arquitectura gótica civil”, in: CarlosAlberto Ferreira deAlmeida e

MárioJorgeBarroca,HistóriadaarteemPortugal,Ogótico,cit.,p.105.101 O que acontece no caso excepcional da torre de Penegate, que manifesta preocupações de

defesanasua implantaçãoecujaconstrução foiautorizadapelomonarca,cfr.Mário JorgeBarroca,

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 17

sobretudo como imitação da linguagem arquitectónica guerreira e formade pres‐tigiaroedifícioeseuspossuidores.

PodemosdividirasresidênciasdetiposenhorialdoNorteTrasmontanoem

três grupos: o dos paços nobres ligados às alcaidarias dos castelos, o das domusfortis emmeios rurais102 e o das casas turriformes que surgemnas povoações103.Saliente‐sequeestadistinçãonãosepretenderígida,devendoserentendidacomomeropontodepartidaparaoestudodestashabitações.

Oprimeirogrupoéoqueestámaisbemrepresentadopelasnossas fontes,sobretudopelosdebuxosdeDuartedeArmas.Caracteriza‐semormentepelaadap‐tação das estruturas defensivas preexistentes, às quais seriam adicionados algunsconfortosresidenciais,semprejuízodasuafunçãoprimeira.Estefenómenoter‐se‐iaacentuado no decurso do século XV104, quando se rasgaram janelas, se ergueramsobradosesealçaramchaminés;oescudeirodeD.Manuelproporciona‐nosvistasdas fortalezas dos inícios do século XVI, aí deixando plasmadas as alterações doséculoanterior.

Da análise das panorâmicas de Duarte de Armas, podemos imediatamenteexcluiras fortalezasquenãotinhamsequeromínimodecondiçõesqueseriamdeesperar num castelo. Era o caso de Portelo, em que as casas eram cobertas depalha105eodebuxadorsesentiunanecessidadedeexplicarqueoscunhaisdatorreeramdecantaria,e tambémdaPiconha, igualmentepobre,comumacoberturadecolmo na torre de menagem106. Por certo, os alcaides‐mores destes castelos nãoresidiamaqui.

Depois, temos casos que implicam uma análisemais pormenorizada, comoFreixo de Espada‐à‐Cinta, onde existe uma torre poligonal107 que ostenta osmaismodernosdispositivosmilitares(machicoulis),eque, inclusive,eramaisaltaqueatorredemenagem.Estastorresnãoapresentavam,todavia,qualquersinaldecon‐forto residencial, como janelas, ou chaminés. Pelo contrário, uma torre qua‐ “Emtornodaresidênciasenhorialfortificada.QuatrotorresmedievaisnaregiãodeAmares”,cit.,pp.9‐61. Acerca dos elementos defensivos usados nas casas‐torres, cfr. Mário Jorge Barroca, “Torres,casas‐torres ou casas‐fortes. A concepçãodo espaço de habitação da pequena emédia nobreza naBaixaIdadeMédia(sécs.XII‐XV)”,cit.,pp.39‐102.

102 Ver definição deMário Jorge Barroca, “Torres, casas‐torres ou casas‐fortes. A concepção doespaçodehabitaçãodapequenaemédianobrezanaBaixaIdadeMédia(sécs.XII‐XV)”,cit.,pp.66‐67.

103 Estas seriam construções que se distinguiam das demais, podendo pertencer a qualquerestrato privilegiado da sociedade. No caso do Porto exceptuava‐se a nobreza: “As casas‐torres doPorto eram construçõesdequalidade, que contrastavamcomamaioriadas casasdoburgo,mere‐cendo por isso designação individualizadora [...].” (Mário Jorge Barroca, “Torres, casas‐torres oucasas‐fortes.AconcepçãodoespaçodehabitaçãodapequenaemédianobrezanaBaixaIdadeMédia(sécs.XII‐XV)”,cit.,pp.57‐58).

104CarlosAlbertoFerreiradeAlmeida,“ArquitecturaGóticaMilitar”,cit.,p.85.105DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.–comentárionaplanta,fl.132.106Paraalémdapobrezaquetestemunha,estáainda“emcompletodesacordocomasmaisele‐

mentares regras da arquitecturamilitar” como sublinhaMário JorgeBarroca, “ArquitecturaGóticaCivil”,cit.,p.89.

107NaplantadeDuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.129,atorreédesenhadacomoocto‐gonal,pequenoerrododesenhador,umavezqueatorre—queestábemconservada—temapenassetelados.Cf.www.monumentos.pt(0404020002,documentaçãográfica,ErnestoJana,1994).

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 18

drangulardamuralha,cobertaportelhadodequatroáguas,tinhaumasériedevãosrasgadosetambémoquepareceserumalatrina108.ConcordamoscomMárioBar‐rocaqueaprimeira torre, tambémconhecidaporTorredoGalo, tenhasidousadacomotorredemenagemapartirdomomentoemquefoiconstruída,pelasuaalturaeconstruçãocuidada(emsilhariadegranitoisódoma,ondesereconhecemmuitassiglas), apesar de Duarte de Armas ter dado essas honras ao torreão que ante‐riormentehaviadesempenhadoessasfunções.Asabóbadasogivaisquecobremospisos são uma nota de requinte construtivo, embora a iluminação destes espaçossejagarantidaapenaspelasestreitasfrestas.Estaobra,quesepodeatribuiraoreiD.Fernando109, obtém o seu prestígio através da sua altura e elegância construtiva,semrecorrerporémaumaclaralinguagemdenobilitaçãodesseespaço,cujosindi‐cadoresconsideramosseremaschaminés,associadasa janelasamplas,simplesouostentandodecoração.Estãoportantoàmargemdestetextoosexemplaresquenãopossuemalgumdesteselementos.

Assoluçõesencontradas,nestecompromissoentreadefesaeoconforto,sãodiversase,normalmente,opaçoextravasavaatorredemenagem,sendocompostoporváriosedifícios,correspondentesadiversasfunções.Nesteâmbito,ainformaçãodotombodeLongroiva110revela‐seexcepcional,umavezquenomeiaedescreveosváriosedifíciosqueseencontravamdentrodorecintocastelar.O“apousentamento”docomendadorencontrava‐se“arredor”datorredemenagemeeracompostoporum “recebimento pequeno” e uma “sala” sobradada à qual se acedia por uma“escada de pedra”111. Esta sala possuía ainda uma “bõoa janella d asentos” e uma“chamjneegrandedemadeirabarrada”.Sabemosqueestasalaera“feitadenouo”equeosportaisearcoseramdecantaria,bemcomoassuasparedes.A“camara”seriaacedidaatravésdasalaeera“outrosinouamentefeitabemmadeiradademadeirade castanho e telhada de telha vãa e tem hûua janella d asentos”. É‐nos tambémreferidoqueasparedeseram“cafelladasdapartededentro”.Umaoutrasala,dita“velha”,tinhaum“portalnovodepedraria”e“ecubertadetelhavaã”,encontrando‐senelauma“escaadademadeiraperquevamaadictatorre”[demenagem]112.Noandarinferior,situava‐seuma“logea(...)queoraservedeadega”.Outrasduascasassão referidas, sem que haja menção da sua função, dizendo‐se apenas que erampequenas. Havia, contudo uma “janella noua de pedraria com seus assentos”. Emfrente da sala, existia uma “casa sobradada”, também nova, que “he casa dosospedes”,com“paredesdecantariabemobrada”eumajanelavoltadaapoente.Um

108Trata‐sedeumpequenobalcãonãoameadoequenãoaparecenaplantadoescudeirodeD.Manuel (cf. Livro das fortalezas, cit., fls. 77 e 129), que assinala cuidadosamente os balcões commatacães.

109Mário JorgeBarroca, “D.Dinis e a arquitecturamilitar portuguesa”,Revista da Faculdade deLetras—História,Porto,2.ªsérie,vol.15(1),1998,p.814,nota31.

110A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.89‐163.TextoquesemencionaentreaspasnadescriçãodeLon‐groivaquesesegue.

111Umaescadaempedraéindicaçãodeumaconstruçãobastantecuidada,aoutraescadaaquesefaz referência, que leva à torre de menagem, é em madeira, provável herança de preocupaçõesdefensivasquerecomendamacessosamovíveisnoúltimoreduto.

112Ajulgarpeladescriçãodotombo,asalaantigaficavanoedifícioadossadoàtorredemenagem,pelo que se pode pensar que teria sido o primitivo acrescento habitacional. Isto é interessante sepensarmosqueéexactamenteesteorumodaprópriadomusfortis.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 19

edifíciotérreoserviadecozinhae“temdentrohûuforno”,possuindocoberturaem“madeira uelha e telhada de telha vaã”; é de supor que esta divisão fosse inde‐pendente para prevenir problemas com o fogo113. O “çeleiro” é um edifício térreocoberto de telha e a “estrebaria” com “suas manjadoiras” está numa casa térreaigualmentecobertadetelha.Dadescriçãodestaca‐seaindaqueatorredemenagemtemuma“boõajanellanouacontraoponente”,que,detodasasremodelaçõesindi‐cadas,éaúnicaquechegouaosnossosdias.Trata‐sededuasjanelasrectangulares,commainelcentralsextavado.Aportada torreéumvãorectangularcomarcodedescargaredondo,obaluarteérematadoporameiasepossuiseteirasemcruz.

Amuralha arruinada—o “murouelhoper parte derybadoque foy jaa emoutro tempo cerqua do dicto castello” —, a par das remodelações a nível habi‐tacional,mostra‐noscomoafunçãodefensivadocasteloperderaimportânciaparaoconfortoeostentação.A torredemenagem já seriamaisumsímbolodoqueumaimportante estruturamilitar. Este fenómenoexplica‐sepelaperdadopapel estra‐tégicoqueLongroivaanteriormentedesempenhara,quandoseencontravanafron‐teira como sul islâmico, tornandoaestruturaobsoletanocontextodanovaorga‐nizaçãoterritorialconcentradanadefesadeumafronteiramaisaoriente.

113 Ao contrário do que transparece da reconstituição do castelo de Longroiva tentada pelo

arquitectoJoséDanielSantaRitanotrabalhodeRitaCostaGomes,CastelosdaRaia,vol.1–Beira,2.ªed.,Lisboa,2001,pp.128‐129,emqueacozinhaapareceadossadaàtorredemenagem.Estarecons‐tituiçãohipotéticalevantaalgunsproblemas,poisatopografiadoterrenonãocomportariaumadis‐tribuiçãodosedifíciostalcomoaíéfeitaeacisterna(queaindahojeexiste)estáerradamenteloca‐lizada. Pessoalmente entendemos que a torre deveria estar um pouco mais desafogada de cons‐truções.AsplantasdoscastelosdeDuartedeArmasdão‐nosaentenderquãovulgareraqueosedi‐fíciosseadossassemàsmuralhas,deixandoumcertoespaçointernolivre;nãovemosporquerazãoaqui tambémnão fosseassim.Hoje,opaçodesapareceuporcompletoeapenasalgumaspedrasdecantarialembramosportaisejanelasdequefalaotombo.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 20

Longroiva114Designação Dimensõessegundootombo Cálculosemmetros Superfície“torredemenagem”

“çinquovarasdelongoetresvarasdelargo”

(5,5x3,3m=18,15m2)x2

36,3

“sallahesobradada” “leuadelongooitovarasequatroemeyadelargo”

(8,8x4,95=43,56m2)x2 87,1

“camera” “leuaçinquovarasdelongoequatrodelargo”

5,5x4,4=24,2m2 24,2

“sallavelha”+“adega” “queleuaseteuarasdelongoeçinquodelargo”

(7,7x5,5=42,35m2)x2 84,7

“casapequenavelha” “leuadelongoseisvarasetresdelargo” 6,6x3,3=21,78m2 21,7“casapequena” “quesenommedioporestarfechada” ‐“casadosospedes” “leuadelongoçinquovarasequatrode

largoehesobradada”(5,5x4,4=24,2m2)x2? 48,4

“cozinha” “leuasetevarasdelongoequatrodelargo”

7,7x4,4=33,88 33,8

“çeLeiro” “leuaseisvarasemeyadelongoeseisescassasdelargo”

7,15x6,6=47,19m2 47,1

“estrebaria” “leuasetevarasdelongoeçinquodelargo”

7,7x5,5=42,35m2 42,3

Totaldoespaçoresidencial“dequalidade”(anegrito) 223,75 TOTAL: 425,6

As váriasmenções a estruturas feitasdenovo e a estruturasditas “velhas”permitem pensar em remodelações e acrescentos feitos um pouco ao sabor danecessidadeequenãorespeitariamumplanoprévio.Houve,contudo,cuidadocomautilizaçãodemateriaisnobres,comoapedraparaasparedesdasala(queseriaoaposento mais importante), portais e janelas, onde se procurou espelhar algumrequinte, e as coberturas em telha, mesmo para os anexos como a cozinha (aquiseria também uma questão prática, para evitar os incêndios), o celeiro e aestrebaria.As remodelaçõesmais recentesparecemdemonstrarumapreocupaçãocom o conforto e a habitabilidade, sobretudo representada pelo rasgar de trêsjanelasdepedracomsuasconversadeirasepelachaminé.Estaúltimaestánasalaondeseconcentramumasériedeoutroselementosdeaparato,comoa“escadadepedracomseumaineloutrosidepedra”esobreaqual“estamhuũsalmariosnouosde castanho”, referência a uma peça demobiliário, que como sabemos era excep‐cionalnaépoca,equenospermitesuporqueestecompartimento–tambémomaisamplocomosseus43,5m2–seriaaaula.

EmLongroivatemosquaseumparadigmanoquetocaàfuncionalidadedosedifícios das alcaidarias dos castelos, com correspondência noutros ambientessemelhantes desenhados por Duarte de Armas. Nomeadamente: a importância dasalaouaulade“recebimento”,quedeveriaserumespaçoamplo,deiníciolocalizado

114Estepequenoquadroprocurasintetizara informaçãodo tomborelativamenteàsdimensões

doespaçocoberto;asmedidasindicadasparaatorre(asúnicasqueépossívelcontrastarcomosves‐tígiosactualmenteexistentes)correspondemàsparedesinterioreseestãodeacordocomamediçãoactual,oquenospermitesuporquetodasasinformaçõessãominimamentefiáveis.Estefacto,aliadoàindicaçãodequeacasapequena“quesenommedioporestarfechada”,mostra‐nosqueasmedidassãointerioreseportantonosdãoconhecimentodaáreaútildasdivisões.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 21

natorredemenagemequedepoissedeslocariaparaumnovoespaçoanexo115.Acâmara, por vezes contígua ao espaço público da sala, era local mais recolhido,embora a sua privacidade fosse relativa — como, aliás, a de todos os espaçosmediévicosdadaafaltadecorredores—,masaoocuparossobradossuperioresdatorredemenagem,oudeedifícioanexo,acabavaporsetornarmaisíntima.Eravul‐garmente denunciadapela presença de janelas rasgadas combancos afrontados echaminés, o que permitia arejar e aquecer a divisão, proporcionandomaior con‐forto. Os balcões estavam pouco difundidos na área do Norte Trasmontano, masencontravam‐se casos interessantes como o doMogadouro116, onde, nos edifíciossobradados anexos à torre demenagem, no corpo turriforme, surgem duas espa‐çosasjanelascentraiscombalcões,provavelmentelígneos,sobranceirosàvila;nesteconjunto as ameias e as esguias chaminés cilíndricas ameadas redobravamo apa‐rato117.

Os edifícios organizar‐se‐iam em torno do pátio central do castelo, ados‐sando‐se às muralhas, por vezes aproveitando mais do que o apoio, rasgando‐semesmo janelas nessesmuros118, o que traria certamente algum inconveniente dopontodevistadefensivo,provavelmentedenotandoasecundarizaçãodesteaspectofaceaoaparatoprestigiante.

Estruturas como as latrinas, também introdução novel no espaço habi‐tacional,parecemdetectar‐se,porexemplo,emFreixodeEspada‐à‐Cinta(vistasul)e Outeiro119. Trata‐se de estruturas semelhantes aos balcões commatacães, des‐tacadas dos muros, provavelmente em madeira, aparecendo em locais onde nãoserianecessáriocolocaraqueletipodedefesaactiva120.

Énastorresdemenagemdoscastelosfronteiriçosqueencontramosomaiornúmerodesinaisdenobilitaçãodosespaços,oquesedevetantoàsimbologiadessetorreão como ao facto de ser o edifício quemais facilmente se conservou até aosnossos dias. Há ainda o caso de castelos que deixaram de interessar ao podercentral em termos de estratégia (fronteiriça) e que foram renovados pelos seusalcaides numa lógica residencial, neste grupo podemos incluir Longroiva ePenedono.

Do conjunto de edifícios que aqui abordamos, Penedono é o exemplomaisexuberante que chegou até nós da nova arquitectura carregada de “teatralidade

115NocasodeLongroiva,esseprimeiroespaçoanexopareceserdepoisabandonadoemproldosedifíciosconstruídospoucoantesdaescritadotombo,oquenosindicaaexistênciadeváriasfasesdeexpansãodoespaçodestinadoàhabitaçãodoalcaideedosseus.

116DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fls.78v‐80.Dequenãorestaactualmentequalquervestígioarquitectónicoparaalémdaparedeemalvenariadexisto,característicaconstrutivaqueteráfacilitadoasuaruína.

117Épossível contar trêschaminésnesteedifíciovoltadoparaoeste,quepossuiumcorpoqua‐drangularmaiselevadocomumtelhadodequatroáguas,eaindamaisquatronosrestantesvolumestelhadosqueseerguemacimadamuralha,adossadosàtorredemenagemeàtorrepentagonal.

118ComoévisívelnapanorâmicaOestedeOuteiroenocasomaisflagrantedoPaçodocastelodoMogadouro,cfr.DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fls.87e79.

119Nesteúltimocasonãohádúvidas,DuartedeArmasassinalamesmonaplanta: “necesaryas”(Livrodasfortalezas,cit.,fl.130v).

120Asimilitudedasestruturaspermitequeemambassepossamefectuardespejos.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 22

senhorial”121, comassuas torresadelgaçadasencimadasporbalcãoapoiadosobremísulasesobrepujadoporameiaspiramidais.Amonumentalidadedaportafoicon‐seguidaatravésdaconstruçãodeumelegantearcoqueuneasduastorresesguiasqueflanqueiamaentrada,poisaportapropriamenteditaencontra‐sedescentradanomuroeacantariadaportanãodemonstraparticularcuidado122.Orecintoamu‐ralhadoépoucoextenso(70metrosdeperímetro)123,descrevendoumaplantapoli‐gonal, de feição triangular; no seu interior albergaria edifício sobradado de queapenas restam os negativos dos apoios. Largas janelas, com bancos afrontados,rasgamosmurosàalturadosegundopiso,anunciandoosaposentosnobresqueaíexistiam.SegundoRitaCostaGomes,aremodelaçãodocastelodePenedonopoderádever‐seaD.FranciscoCoutinho,condedeMarialvadesde1471,quefoivedordasobrasreaisnaBeiraecujoenlacecomD.MariadeUlloa teriaproporcionadocon‐tacto com partidários castelhanos do rei português. Desta forma teria tido opor‐tunidadedeconhecerarealidadedealémfronteiranoquetocaàsconstruçõesresi‐denciaisnobres,oquepoderiaterinfluenciadoatraçaqueescolheuparaasuaresi‐dênciacomoalcaidedocastelodePenedono124.

Umpercursopelafronteirarevelarácomoaimportânciaestratégicasealiaànova importânciaresidencialdosespaçoscastelares,sendodegranderelevoa ini‐ciativarégia.Iniciemospoisumcurtopériploporessasfortalezas.

No castelo deMontalegre facilmente sobressai a torre demenagemde lin‐

guagemgótica,nãosópelasuaaltura(DuartedeArmas informaquetinhavinteeduasvarasemeia,cercade25m),mastambémpelaelegânciaquelheemprestamosbalcões commatacães, quatro de secção circular nos cantos e dois centrados nasfachadasnorte e sul, todos sobremísulas trilobadas e aindaprovidosdemerlões.Todavia,seexcluirmosasaberturasquedãoacessoaosbalcõesnãoexistemjanelas,apenas sedocumentam frestas.Oacessoàúnicaporta,dearcoquebrado,eraele‐vado,existindoumbalcãopétreocorridoquetalvezrecebesseumaescadaamovível.Portanto,éointeriorquetemmaisinteressedopontodevistadaresidênciadequa‐lidade,umavezque“temdiperacymaquatrovaaosheabobadadaemcyma”125,ouseja, temmais um piso do que é habitual nestas estruturas, sobretudo quando émaciçaatéaoníveldaentrada,eoterceiroassentasobreumaabóbada,saliente‐seaindaqueossobradoseramsuportadosporumaconsolacorridaequeasfrestassealargamairosamenteparaointerioremarcodevoltaperfeita.

A torredemenagemdo castelodeMonfortedeRioLivre tambémescondenassuasparedesausterasalgunsconfortosinteriores.DuartedeArmasdescreve‐acomo tendo “dous vaaos e no fundo dela tem hua cysterna”, informa que “estacoregida toda de nouo e mui bem forada dolivell”126 e desenhou com esmero osparapeitosamatacanados(machicoulis)quecoroamoedifício.

121CarlosAlbertoFerreiradeAlmeida,“Arquitecturagóticamilitar”,cit.,p.85.122Comoaliásérecorrenteemtodaaestrutura,foramusadosblocosgraníticosnãoisódomosede

dimensõespequenas/médias.123RitaCostaGomes,CastelosdaRaia,vol.1–Beira,cit.,p.131.124RitaCostaGomes,CastelosdaRaia,vol.1–Beira,cit.,p.131.125DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.131v.126DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.131.

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Como se compreende, não deu igual atenção ao registo das aberturas,desenhouapenastrêsfrestasnãomuitoestreitas,duasnaparedeexterior(voltadaasul),queseconfirmam,eoutranaparedecuja facedáparao interiordacercadoreduto(voltadaanascente),ondeexisteaportadatorreenenhumaoutraabertura.Não representou duas frestas, uma na parede poente e outra voltada para a vila(paredenorte)sobreaqualexisteaindaumajanelageminadadearcosquebradoseconversadeiras, esta última denunciando o piso nobre que também é coberto porumaabóbadadeberçoquearrancadopisoanterior,apoiando‐seosobradoemcon‐sola.Édesteúltimopisoqueparteumaescadapétreaemcaracol, aproveitandoalarguradomuro.Sobreaportadatorre,umlacrimaleconsolasfazemadivinharumalpendre. É possível que daqui se acedesse ao edifício sobradado que Duarte deArmasdesenhaemplantaadossadoàtorre127,prolongando‐seassimoespaçoresi‐dencial.

Chaves também possui uma torre de menagem que, morfologicamente, ésemelhante aos dois últimos exemplares, mas mais requintada, como seria deesperar.ÉcuriosoqueDuartedeArmasnãorepresenteumaúnicaaberturadesteedifício,emboraemplantanãoseesqueçadedeixarexpressasaportaeosvãosquedãoacessoaosbalcõesdecanto128.Maisumavezéocoroamentodobaluartecombalcões (com matacães) que lhe confere majestade; neste caso, conta oito, umcentrado em cada uma das paredes e mais quatro de canto de secção circular,assentessobremísulastrilobadaserematadosporameias.OescudeirodeD.Manuelinformaaindaqueestatorre“temcynquovaãoscomduasabobodas.s.hûaabobadanoandardomuroeaoutraabobodaemtodocymaesobreestaabobodatrauejadademuitasvigasmujgrosashuasemcymadasoutrasenofundodestatorehuacys‐terna”,portantopossuiquatropisosúteis,o terceirodosquaisé cobertoporumaabóbadadeberço,os restantes sobradosassentariamsobreas consolaspétreas, areferênciaaumsólidovigamentopoderáreportar‐seàestruturaquecobreoúltimopiso que suportaria o telhado de quatro águas visível nas panorâmicas do debu‐xador.

Aocontráriodoqueéhabitual,existemduasportas,umanoprimeiroeoutranosegundopiso,eventualmente indicandoumapreocupaçãocomaseparaçãodosdiferentesespaços,umavezqueaportasuperiorserveasáreasmaisnobres,sendoacedida através de passadiço lígneo que liga dois balcões pétreos assentes sobremísulas, acesso que estaria anexo ao adarve. O arejamento e iluminação sãogarantidosporváriasaberturas;oprimeiropisopossuiapenasumafrestaao ladodaporta,enquantoqueosandaresqueseseguempossuem,paraalémdasestreitasfrestas –quealargamparao interior emarcodevoltaperfeita –, janelas emarcoquebrado geminadas, com conversadeiras internas, voltadas a sul, tal como asportas.Noterceiropiso,oquepossuiaabóbada,háaindaoconfortodeumalareira,estrutura de granito adossada à parede norte que surge no telhado em forma dechaminéquadrangular.NaplantadoescudeirodeD.Manuel,nãoapareceindicado,como é habitual, nenhuma outra construção sobradada para além da torre demenagem, contudo a colocação de escadas parece não servir apenas o acesso ao

127DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.131.128DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fls.95‐96,131v.

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adarve enapanorâmicadeoeste aparecepelomenosumedifício cujo telhadodeduaságuasechaminéseelevamacimadasmuralhas.

Em Bragança, a saliente silhueta da torre de menagem denuncia o seucarácter gótico e pelas suas dimensões é perceptível o seu cunho residencial. Ini‐ciadanosfinaisdoséculoXIV,terásidoconcluídaaindanaprimeirametadedacen‐túriaseguinte129,sendodesenhadapelodebuxadorrealcomoumarequintadatorre,possuindováriasjanelasamplas,umadasquaisprocurareproduzirageminadadearco ogival muito decorada da parede leste, e um coroamento algo singular comquatropequenoscubelosjámuitopróximosdasguaritas.Naplantaesquiçadapelomesmo é colocada a seguinte informação: “tem afora ho apousentamento de todocyma24apousentamentosdeduasvarasdelarguoe2v2pdelongoenofundodaditatorehũacysternaquetem10vdevaão”130.Aespaçosatorrepossuientãomaisde duas dezenas de pequenos compartimentos organizados por quatro pisos emvoltadeumaescadaria central, a que acresceo “apousentamento”mais amplonotopo131, servido por portas de arco quebrado –maiores do que as que permitemaceder aos compartimentos mais pequenos – e bem iluminado por seis folgadasjanelas de arco quebrado, duas das quais profusamente decoradas (uma na facelesteeoutravoltadaasul)132.Nãohádúvidadequesetratadopisonobre.Aesca‐daria central permite um articulado residencial, só possível pelas grandesdimensões do edifício, que possibilita alguma privacidade (apesar de os compar‐timentoscomunicarementresi),algodeexcepcionalparaumaépocaqueaindanãoconheciaousodocorredor.

Em termos gerais, verifica‐se que o aparelho granítico é usado apenas nasapata,noscunhais,rematesuperiorenosvãos133,sendoorecheiodealvenariadexistocomalgumgranito,oquedecertaformaécontrastantecomoaparatodoedi‐fício.Éderealçarqueospequenoscubelosquerematamosângulosdatorrenãosãobalcões,nempossuemasvulgaresaberturasinferioresquepermitemotirovertical,uma vez que assentam sobre um reforço dos cunhais que se elevam ao nível doúltimo piso sobre elegantes mísulas quadrilobadas e conferem à estrutura umcarácter ostentatório. Possui um único balcão com matacães na face norte, des‐centradosobreaportaquedáacessoaobaluarte.

129RitaCostaGomes,CastelosdaRaia,vol.2–Trás­os­Montes,Lisboa,2003,p.151.130DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.130v.Asuperfíciecorresponderiaentãoa5,80m2

(2,20x2,54m),cálculosjáapresentadosporJoãoGouveiaMonteiroemOscastelosportuguesesdosfinaisdaIdadeMédia,Lisboa,1999,p.61.

131Hojeexistemcincocompartimentosnoúltimopisodatorre,ligadosentresieaovãodaescada,trêsdepequenasdimensões,masquaseduasvezesmaioresqueosdospisosinferiores,edoismaisamplos,todoselescomumpédireitoelevado.ÉpossívelqueDuartedeArmassetenhaaelereferidocomoumúnicoaposentopor funcionarcomoaula.Atravésdoalçadoeplantasdisponibilizadosnapágina da DGEMN (www.monumentos.pt) é possível perceber que há mais espaço disponível emdetrimento da espessura dos muros. Talvez essa aligeiramento dos muros tenha levado à conso‐lidaçãodoscunhaisparapermitirsuportaroscubelosnoscantos.

132Asjanelasestãoigualmentedistribuídaspelasfachadas,duasemcada.Háaindaumpequenopostigonafaceoeste,entreasduasjanelas.

133Tambémasportas interioressãoemcantariadegranito, talcomoaactualescadaria internaqueligaosváriospisos.Note‐seaindaqueépossívelidentificarváriassiglasnossilhares.

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AárearesidencialdocastelodeBragançanãoseesgotava,contudo,noedi‐fícioqueseconservouatéaosnossosdias.Seobservarmosafacequesevoltaparaointerior do pátio da dita “torre da princesa”, podemos constatar a existência denumerosasportaseatéoarranquedeumarcoemtijolo,sobremísulagranítica,queseergueriaaoníveldosegundoregisto134.Éprovávelquenãoestejamos longedarealidadeseidentificarmosestatorrecomaquelaaqueDuartedeArmasadossaumedifíciosobradadodecorporectangular,quedesenhaemambasasvistasquededicaaBragança,naqualserasgamváriasjanelas135equesustentaumtelhadodequatroáguaseumachaminécilindrica.Estatorrepoderiafuncionarcomoligaçãoentreosváriospisosdoedifícioqueaelaseadossava136,estedeveriapossuirnopisotérreoumafachadaemarcaria137e,pelomenos,maisdoispisossobradados,noúltimodosquaisseabririamas(sete)janelasqueoescudeirodeD.Manuelnosmostranavistadeleste138.Deacordocomamesmavistaesteedifícioseriacobertoportelhadodeduas águas e possuiria ao centro uma chaminé ameada de secçao rectangular.Segundo a planta de Duarte de Armas existiria outra construção sobradadaencostadaàmuralhapoente.Actualmente,aoobservarmosessemuro,constatamosa existência de uma janela de cantaria de granito que deveria corresponder aosegundo piso desse edifício. Três degraus permitiam chegar às conversadeiras139queflanqueiaaaberturaemarcoredondo.Estamos,portanto,peranteumcomplexoconjunto de edifícios munidos de confortos residenciais voltados para um pátiointerior,ondeexistiaoabrigodeumaarcariaeoacessoaosváriosprédioseadarve,bemcomoaduascisternascobertas.

Depoisdestabreveincursão,podemosdizerqueospaçosnobresligadosàsalcaidarias dos castelos são construções bastante heterogéneas, não existindo ummodelo único,mas sim diversas soluções ligadas a várias condicionantes, nomea‐

134Tambémemtijolosãooslintéiseasombreirasdetrêsdascincoportasquesepodemobervar

nestatorre.Talcomoachaminéquesepodeaíverhoje,dequedesconhecemosacronologia.Nãonosfoipossívelacederaointeriordesteedifício,nemaDGEMNpublicounainternetqualquerplantaoualçadodestatorre,peloqueoseupapelnoarticuladoresidencialéapenasconjectural.

135Trata‐sedeumajaneladearcoredondonavistalesteedetrêsjanelasquadrangulareseduasfrestasnabandadeoeste(cfr.DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fls.89‐90);relativamenteaduasdestasúltimastrêsaberturas,épossívelobservarqueodesenhadorintroduziuopormenordeumreticulado formando9quadradosque talvezcorrespondamàutilizaçãodevidro,quenaépocaerausadoemedifíciosdeexcepção,comoéocaso.

136Oqueépossívelapenasvislumbrarquandoseobservadoexteriorestaestrutura,quenãoestáacessívelaopúblico,atrevemo‐nosasugeri‐loumavezqueRitaCostaGomesoafirmanapágina152dosCastelosdaRaia,vol.2–Trás­os­Montes,cit.

137SeassiminterpretarmosoqueécuidadosamentedesenhadoporDuartedeArmasnaplantadafortaleza com a forma que usualmente destina aos vãos, mas sobrepondo‐lhes semicírculos demaioresdimensões. Sãoprecisamente seis vãosque representarãoportas emais cinco curvasquepoderãocorresponderaosarcos.Acercadafachadaporticadavidesupranota45.RitaCostaGomes,CastelosdaRaia,vol.2–Trás­os­Montes,cit.,p.151,refereaexistênciadeuma“importante«galeria»ou pórtico, suportando os aposentos «sobradados»”,mas não especifica em que se baseou para oinferir.

138Segundoamesmapanorâmica(cfr.DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.90),nestepisoexistiriaaindaumaestruturaqueaparececomoumpequenobalcão,seriamaslatrinas?

139Hojesósubsisteumdessesbancos,masestasestruturaseramsimétricaseapesardainaces‐sibilidadedolocalparece‐nosqueapedracorrespondenteterásidofracturada.

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damenteosespaçoscastelaresondeseimplantam.Édesublinharqueaquiapenasse analisou a componente habitacional dos castelos e que qualquer apreciaçãodaarquitecturamilitarfoisempresubordinadaàcompreensãodoespaçoresidencial.

A domus fortis, que se terá difundido nos séculos XIII e XIV, foi modeloadoptado pelas pequenas linhagens em processo de afirmação de poder140. A suafórmulasimpleséadeumatorre,àmaneiradastorresdemenagemdoscastelos,àqual poderia acrescentar‐se um anexo sobradado. Estas construções surgiram emvalesférteiseestariamligadasaumcontrolodaáreapelalinhagemqueaserguia141.

Infelizmentenão se conhecemmuitosexemplosdestasestruturasnoNorteTrasmontano.Apesardasuaconstruçãocommateriaisnobres,pelomenosnoquerespeitaà torre,muitasvezesdelas só restao topónimo,oquenãonospermiteaidentificação segura do tipo de edifício e muito menos a sua caracterização142. Adocumentação indica‐nos que nos inícios do século XVI alguns exemplares já nãoestariam em uso: numa herdade da comenda da Longroiva, chamada “torre dedomjngosmeendez”,encontrava‐se“hûugrandepardieiroquesedizseerjaatorreemoutrotempoechamaseopaaçodatorre.eabaixodestepardieirovamoutrosmujtosperquesemostraseerjahiemoutrotempograndepouorado”143.NazonadeBragança, estão registados emdocumentaçãodomosteiro de Castro deAvelãsalguns topónimos interessantes: “ho paaço” (Ousilhão)144, “paaço de saauariz” e“paaçodaquintaadessauariz”(Sabariz,Langomar)145,“terradopaaço”(Vinhais)146.Contudo,nãotemosqualquerindicaçãoquantoaotipodeestruturaquedeuonomeaestes locais,apenasadesignaçãoea implantaçãoruralnospermitemsuporquepoderãotercorrespondidoaumedifíciocomoadomusfortis.

A importânciadasmonografias locaisou linhagísticasparao conhecimentodestesedifícioséconfirmadapelostrabalhosdeAlmeidaFernandese,maisrecen‐temente, pelo estudo de Luís Oliveira sobre os Coutinhos147. Este último inves‐tigadorpôsemevidênciaaexistênciadeduasresidênciasdotipodomusfortis,comsua torre e anexo (provavelmente), utilizadas pelos Coutinhos, mas nem sempreobrasua:adeFonteArcada(Sernancelhe)eadeFerreirim(Lamego).

A torre de Ferreirim não suscita dúvidas na sua classificação, pois cor‐respondeàtípicadomusfortis,comentradasobrelevadaerematadaporameias148,

140Cfr.MárioJorgeBarroca,“Arquitecturagóticacivil”,in:CarlosAlbertoFerreiradeAlmeida,His­

tóriadaarteemPortugal–Ogótico,cit.,p.103.141MárioJorgeBarroca,“Torres,casas‐torresoucasas‐fortes.Aconcepçãodoespaçodehabitação

dapequenaemédianobrezanaBaixaIdadeMédia(sécs.XII‐XV)”,cit.,p.68.142Énecessáriofrisarqueficariamuitoparaalémdoslimitesdestetrabalhorecorreratécnicas

arqueológicas para detecção deste tipo de estruturas, mas cremos que uma investigação dessegéneropermitiriaidentificarmaisresidênciasde“tiposenhorial”,aindaquepoucoconservadas.

143A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.94v‐95v.144OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,fls.43v‐44v,pp.101‐102.145OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,fls.54‐54v,pp.119,121.146OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,fl.101,p.202.147LuísFilipeOliveira,“AsresidênciasdosCoutinhosnaregiãodeLamego(séculosXIV‐XVI)”,cit.148Aspectosimbólicoqueseparecerevestirdesumaimportânciaparaaclassificaçãodeumedi‐

fíciocomomilitar,comoépostoemrelevoporMárioJorgeBarrocanoseuartigo,jácitado,“Torres,casas‐torres ou casas‐fortes. A concepçãodo espaço de habitação da pequena emédia nobreza na

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elementoessencialparalheemprestarumaauramilitar,carácterqueésublinhadopordoisbalcõescommatacães149,umsobreaporta,a sul,outrona faceoposta,epelasseteiras,umaemcadaladodatorre,noprimeironível.Opisoresidencialseriao segundo, tendo em conta as janelas geminadas que se abrem nas quatro faces;estas são de arco redondo sublinhadas por chanfradura. Existe ainda uma outraabertura na parede oeste, em arco redondo, descentrada sob as janelas gemi‐nadas150.Umacapela,dedicadaaS.Nicolau,conhecidaapenasporreferênciadocu‐mental, complementariaoconjuntosenhorial151.Osedifícioscultuaispertencentesàstorresdeveriamsermaiscomunsdoqueosvestígiosquechegaramaténósper‐mitemconstatar152.

Apesardetersidoidentificadocomoumaresidênciaturriforme153,oedifíciode Fonte Arcada coloca alguns problemas de leitura, devido às remodelações quesofreu.ACasadoPaçoéhojeumedifíciodeplantarectangular,comumaescadariade acesso à porta no segundo piso154, ladeada por janelas de cruzeta. Ainda nosegundo piso, mas na fachada posterior, existe uma porta de arco quebrado155.Tambémdearcoquebradoéolargoportaldorés‐do‐chão.Asaberturasdosegundopiso corresponderiamauma remodelaçãoposterior (gótico final?), sendonítida aalteraçãodoaparelhopétreoparaasuaintrodução.Umpoucodescaracterizado,nãoépossívelencontrarvestígiosqueindiquemqueesteexemplartenhacorrespondidonopassadoaotipodomusfortis,pois,emborasepossapensarqueeventuaisameias

Baixa Idade Média (sécs. XII‐XV)”. Não sabemos, contudo, se a reconstrução levada a cabo pelosmonumentos nacionais, em que foram colocadas as ditas ameias, se baseou nalgum elemento queprovariaasuaexistência.

149 Estes elementos foram reconstruídos pelosmonumentos nacionais sobremísulas trilobadasquedesconhecemosseeramafórmulaoriginal.

150Deacordocomasfotografiasdosmonumentosnacionais,referidasporLuísOliveiranoartigojá citado, é natural que existissem vestígios de antigas construções adossadas antes do restauro.Restasabersecorrespondiamaanexosresidenciaisdatorreousesetratariadevestígiosdoantigoconvento,dequeaindarestamalgumasparedes.Quandovisitamosolocal,eramvisíveissondagensarqueológicas,daresponsabilidadedoIPPAR,naáreaadjacenteàigrejaeruínasdoantigoconvento,não tendo havido, aparentemente, a preocupação de tentar perceber se terá existido um edifícioadossadoàtorrenasuafacevoltadaanascente.

151LuísFilipeOliveira,“AsresidênciasdosCoutinhosnaregiãodeLamego(séculosXIV‐XVI)”,cit.,pp.300‐301.

152UmdoscasosmaiscompletoséatorredeVasconcelos,Amares,cf.MárioJorgeBarroca,“Emtorno da residência senhorial fortificada. Quatro torres medievais na região de Amares”, cit., e“Torres, casas‐torres ou casas‐fortes. A concepção do espaço de habitação da pequena e médianobrezanaBaixaIdadeMédia(sécs.XII‐XV)”,cit.,p.83.

153LuísFilipeOliveira,“AsresidênciasdosCoutinhosnaregiãodeLamego(séculosXIV‐XVI)”,cit.,p.301.

154Aescadariaempedraéposterioràconstruçãodocorpodoedifício,eépossívelque,antesdasueedificação, tenhasidoutilizadaumaestruturadeacessoemmadeira.Apresençadeestruturaslígneas,quenãosobreviveram,édocumentadapelaexistênciadeconsolasquepercorremafachadadoedifícioameiaaltura, sendopossívelqueestivessemdealguma forma ligadasaodispositivodeacesso ao segundo piso. Como só foi possível analisar a fachada do edifício, é natural que surjamdadosinteressantescomaobservaçãodointerioredafachadaposterior.

155Nãonos foipossívelobservardepertoas traseirasdesteedifício.Deumpontomaisaltoeaalguma distância, é visível esta porta de arco quebrado no segundo piso, nomesmo lado da resi‐dência,quetemaoutraaberturadomesmotipo..

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ou seteiras teriam sido obliteradas ao longo da sua utilização, o portal de arcoquebradonopiso térreodesmenteuma linguagemde torre fortificada, tal comoaplantarectangularquenãoparecetersidoconseguidaatravésdeacrescentosposte‐riores.Dequalquerdasformas,oedifícioactualremete‐nosparaumahabitaçãode“tipo senhorial”, com os seus duzentos e vintemetros quadrados156 e ostentandoumalinguagemdeluxotransmitidapelosmateriaisempregues,pelasjanelasdecui‐dada cantaria, cuja traça está de acordo com o uso das então pouco vulgaresvidraças, e um modilhão em forma de cabeça de “loba” (conforme a designaçãopopular). É possível que este edifício correspondesse a uma organização arqui‐tectónicamaislassa,própriadospaçosdagrandenobreza,atéporquefoipertençadeFernãoSanches,umdosbastardosdeD.Dinis157.

AindaasuldoDouro,emFreixedadoTorrão(FigueiradeCasteloRodrigo),existeumatorredeplantaquadrada,nãomuitoalta,resultandoatéumpoucoatar‐racada, conhecida como “Torre dos Metelos”. A construção é integralmente empedragranítica,comcunhaissólidosconstituídosporsilhares isódomos,enquantoqueasparedesforamerguidascomumaparelhoirregular.Osbalcõescommatacãessobressaemdecadaumdosladosdoedifício,masnãohásinaisdeameias,quepo‐derão eventualmente ter existido em momento anterior. Outro elemento comumneste tipo de torres, as seteiras, não está presente; também não há outrasfenestrações que não sejam os vãos que dão acesso aos balcões já referidos. Afachada norte possui duas portas no piso térreo, uma das quais foi entaipada. Aomesmonível,nafaceoeste,encontramosumaportaencimadaporarcodedescargadevoltaperfeita.Asul,aportafoirasgadaaoníveldoprimeiropisoesobelaépos‐síveldistinguiroque terásidooarranquedeumarcopétreoque ligariaa torreaoutroedifício, talvezumanexoresidencial158.Apesardeumacertarudezadecon‐cepção,morfologicamenteestatorrenãodeverátersidoconstruídaantesdoséculoXV. O aparelho e a abertura de vãos indiciam as muitas remodelações que terásofrido, a colocação da pedra de armas e os pináculos que rematam a coberturamostramqueatorreterásidoalvodealgumaatençãoaindanoséculoXVIIemesmodepois,certamentepelasuasimbologiadepoder.AnortedoDouro,emVilaReal,encontramosatorredeQuintela,referidaemdocu‐mentodaprimeirametadedoséculoXIII,mascujaformaactualacolocajáemqua‐trocentos159.Asuasemelhançacomumatorredemenagemgóticaégarantidapelasuaalturaepelosoitobalcõescommatacãessobremísulastrilobadas,quatrocen‐

156UtilizamosaquiasmedidasreferidasporLuísFilipeOliveira,“AsresidênciasdosCoutinhosnaregiãodeLamego(séculosXIV‐XVI)”,cit.,p.301.

157LuísFilipeOliveira,“AsresidênciasdosCoutinhosnaregiãodeLamego(séculosXIV‐XVI)”,cit.,p.301.

158Oqueexisteactualmente,umsolarseiscentista(MargaridaConceição,www.monumentos.pt,n.º0904090009,1992),nãopossuisinaisdeterrecebidooditoarco,peloqueseriatalvezumafór‐mulaanteriordesseedifícioque justificariaadita ligaçãoaérea.NestaconstruçãodoséculoXVIIépossívelnotarqueserecorreuàreutilizaçãodeblocosgraníticos,talvezremanescentesdaedificaçãomaisantiga.

159 Foi certamente reformulada (cfr. José CustódioVieira da Silva,Paçosmedievais portugueses,Lisboa,1995,p.54‐55)ealgunssilharescolocadosnasapatapoderãopertenceraessaanterioredi‐ficação,jáquecontrastamcomoaparelhomaispequeno,maisregularesigladodatorreactual.

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tradosemcadafaceeosrestantesdeângulo,coroandooedifício160,quepoucodes‐toamdosexemplaresmilitares,quedescrevemosacima,sobretudopelofactodenãose encontrarem todos aomesmo nível. O portal, sobrelevado,mostra um arco devoltaperfeitacomarcodedescargaquebradoedáacessoaoprimeiropisoquenãotem qualquer abertura para além desta. São visíveis consolas neste piso e nosseguintes,que segurariamo sobradoea cobertura.O segundopisoera iluminadoporumafrestaemcadaparede,sendooandarnobreoseguinte,comquatroportas–dearcoabatidointerno–deacessoaosbalcões.

Volumetricamente semelhante à torre de Freixeda do Torrão é o chamadocastelo de Santo Estêvão (Chaves)161, estrutura tipo domus fortis, constituída poruma torre quadrangular, pouco elevada, apenas com dois andares. Sofreumuitasalterações,comoaportaexteriordeacessodirectoaopisotérreo ea inserçãodequatrojanelasdeduplasfrestastrilobadasemcadaumadasfacesdosegundopiso.Estas aberturas, dotadasde conversadeiras sobarcoabatido,denunciamoespaçomaiscómododatorre,quepossuiaindaumachaminéemgranito.Asconsolas,quese observam, irregulares, nas várias faces, denotama existência de estruturas líg‐neas desaparecidas. Todos estes elementos, bem como a ausência de balcõespétreos,conferem‐lheumaspectoalgovetustosecomparadacomasrestantesresi‐dências fortificadas doNorte Transmontano, pelo que deverá ser ainda do séculoXIV.

Apesardetambémseinserirnoutrogrupoarquitectónico,odaspontesforti‐ficadas,nãopodemosdeixardereferiratorredapontedeUcanha(Tarouca),queseencaixa igualmente no conjunto das residências fortificadas. É até um belíssimoexemplo de construção senhorial destinada a fazer valer os direitos de quem aconstruiu,significativamente,numadasentradasdosseusdomínios.Umainscriçãocolocadanasuaparedelestediz‐nosquefoiporiniciativadeD.Fernando,abadedoMosteirodeSalzedas,que foi levantadaem1465162.Em termosmorfológicos,dis‐tingue‐sedasquetratamosacimapelo factode ternasuabaseoarcodeacessoàponte,desenvolvendo‐seoseucorpoquadrangularemmais trêspisos,oprimeiroiluminadoporduas frestase acedidoporportadearcoquebrado rasgadana facesul.Oandarseguintepossuibelasjanelasgóticasgeminadas,anascenteeapoente,em cujos vãos se colocaram conversadeiras. O último piso ostenta balcões commatacãesemtodasasfaces,sendorematadoportelhadodequatroáguas.

Em suma, as “casas‐fortes” do Norte Transmontano163 mostram na suamaioriaumaformatardiadestetipoderesidências,sendonotávelasuasemelhança

160 Desconhecemos se as ameias ostentadas pelos balcões existiriam na construção medieva.

Sobreosbalcõescentraisexistemduaspequenasconsolasquepoderão indiciaraexistênciadeumcobertoemmadeira.

161 Ricardo Teixeira,DeAquæ Flaviæ a Chaves. Povoamento e organização do território entre aAntiguidadeTardiaeaIdadeMédia,dissertaçãodemestrado,Porto,1996,p.41.

162AcercadapontefortificadadeUcanha,veja‐seMárioJorgeBarroca,“ArquitecturaGóticaCivil”,cit., p. 127 e para mais indicações bibliográficas cfr. Madeira Portugal, João Carvalho, MargaridaTavareseMariaFernandes,www.monumentos.pt,n.º1820080001,1992‐1999.

163 Era nossa intenção abordar com pormenor o castelo de Pinhel e os debuxos do castelo deAlmeida, bem como o interessantíssimo edifício que é o Solar dos Távoras, contudo o texto já vai

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 30

comastorresdemenagemqueprocuramemularaoutilizarumalinguagemmilitar,embora usando fórmulas ligeiramente obsoletas na poliorcética. Impera a divisãoem trêspisos, a nobilitaçãodos andaresdo topo e a ausência dedados acercadaexistênciadeanexos.

Oterceirotipo,acasaturriforme,teráplantaquadrangular,oucomtendência

quadrangular,édespojadadeelementosarquitectónicosassociadosàdefesaenor‐malmenteergue‐sealtivasobreocasarioatravésdasuaelevaçãoemdoisoumaissobrados, culminando,muitas vezes, num telhado de quatro águas; a cobertura ésempreemtelha.Oconfortodahabitaçãoéaindasublinhadopelapresençadecha‐minés. A volumetria destas casas poderá ser entendida comouma formade fazersobressairaconstrução,ultrapassandoemalturaumapartedocasarioemvoltaeportantoumsinaldesobranceria,mastambémumaevocaçãodospaçossenhoriaisquehabitualmentesedesenvolvememaltura.

DuartedeArmasdesenhouumasériedehabitaçõesdestetiponaspovoaçõesdo

Norte Trasmontano e, apesar da sua atenção se centrar nas fortalezas, podemosdizer que não as terá desenhado ao acaso, apenas para preencher o espaço habi‐tacional. EmMiranda do Douro, as duas vistas, noroeste e leste164, coincidem nalocalizaçãodascasascomchaminésetambémaoníveldamorfologiadasprópriasconstruções, o que nos indica um certo cuidado do autor dos debuxos. Sãoretratadas,intra‐muros,trêscasascommaisdeumpisoechaminéeumacasacomtelhadodequatroáguas,chaminécilíndricaequatrofenestraçõesnoúltimopiso.

É natural que o exagero do número de aberturas, notado para a casa comum,também aqui se reflita, mas a concentração de janelas neste tipo de moradiaspoderá estar relacionado com a suamorfologia própria, uma vez que as casas dequalidade tendem a ser copiosas nas fenestrações e na decoração dasmesmas. Énotório que Duarte de Armasmostra uma tendência para traçar nas casas turri‐formes janelas de maiores dimensões, muitas de arco redondo e algumas lado alado,lembrandoaberturasgeminadas,tãoaogostogótico.

Tambémo número de chaminés pode ser fortuito,mas não o será a sua colo‐cação, na esmagadoramaioria das casas do Norte Trasmontano, no tipo de habi‐taçãoquetemosvindoadescrever.Aformadestesdispositivosparaaexaustãodefumospodeserdesecçãorectangular,comoquadrangular,ouaindadesecçãocir‐cular.Tambémaquiodenominadorcomumseriaaemulaçãodemodelosnobresemcujostelhadosproliferavamestassaliências,sinalexteriordaexistênciadelareiras,sinónimodeconforto.

É curioso o caso de Freixo de Espada‐à‐Cinta, onde o desenho da fachada daigrejamatrizevocaexactamenteoedifícioqueaindahojeépossíveladmirar.Nesselargofronteiroàigrejaaparecem,pelamãodeDuartedeArmas165,trêsedifíciosdedoispisoscomsuaschaminés,doisdelescomtelhadosdequatroáguas.Hojeexiste

longoeteráquesedeixarestesexemplosparaumaabordagemmaisalargadaqueseesperaelaborarembreve.

164DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fls.83‐84.165VistasuldeFreixodeEspada‐à‐Cinta,DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.77.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 31

um grande edifício de volumetria turriforme nessemesmo largo,mas trata‐se daIgrejadaMisericórdiaconstruídanoséculoXVI,possivelmenteaindanãocomeçadaquandoodebuxadorpor lá passou. Contudo, duas casas ostentam janelasde can‐tariatrabalhada,que,emborareutilizadas,poderiampertenceràsantigascasasqueseerguiamjuntodolargodamatriz,omesmoparaondesevoltavaoantigoedifíciosobre arcaria, onde funcionava a câmara166. A multiplicação destas janelas deco‐radasdecronologiaincerta,masdenominadas“manuelinas”,encontraumespaçodeexcepcionaldesenvolvimentoemFreixodeEspada‐à‐Cinta,emboraaexistênciadealgumas destas belas fenestrações seja algo frequente nas vilas do Norte Tras‐montano167.Évulgar jánãoestarem in loco, poisaornamentaçãopétrea tendeuaserreaproveitada,eporvezesatéreproduzida,masénaturalqueemmuitoscasosnãoseencontremlongedo localdeorigem.Sóoestudomonográficodestes teste‐munhos permitirá uma aproximaçãomais correcta à sua cronologia emorfologiadascasasqueasostentavam.NocasodeFreixodeEspada‐à‐Cinta,pode‐seavançar,em jeitodehipótesede trabalho,queessesedifícios teriamdoisou trêspisos168evãos em cantaria (o recheiopoderia ser emalvenariade xisto), podendoalgumasportas ser emarco redondo, comonos indicam,por exemplo, duas casas voltadasparaoLargodoVale.

Não há dúvida que as casas que mostravam vãos decorados procuravam aostentação, fica‐nos, porém, a dúvida se algumas destas janelas e portas em arcocorrespondemaedificaçõesdogrupodascasasturriformes.

Segundo as panorâmicas de Duarte de Armas, as casas turriformes estãoausentesdosaglomeradosmaismodestosdaregiãotransmontana,masestãorepre‐sentadas em algumas das suas vilas, quer no interior das cercas, quer no seuexterior.Nãoseráestranhoencontrarmosamaior concentraçãodas figuraçõesdecasas turriformesemBragança,por serumcentrourbano,maselasaparecememmenorescalanasvilasdeChaves,Vimioso,MirandadoDouro,Mogadouro,FreixodeEspada‐à‐Cinta(comojásereferiu)eAlmeida169.

166 Edifício medieval demolido emmeados do século XIX, cfr. Reinaldo dos Santos, “Descrição

breve [de Freixo de Espada‐à‐Cinta]”, in Sant’Anna Dionísio, Guia de Portugal, vol. V, tomo II –Lamego,BragançaeMiranda,3ªed.,Lisboa,1995,p.104,p.1060.

167 Só alguns destes exemplares pertencerão aos finais da Idade Média. O estudo destes vãosreveste‐sedegrande interesse,sobretudosepermitirdeduziralgumascronologias,aindaquerela‐tivas.ParaFreixodeEspada‐à‐Cintaveja‐seoartigodeTeresaPiresdeCarvalho, “ContributoparaumatipificaçãodosvãosdedecoraçãomanuelinadeFreixodeEspadaàCinta”,inCarlosAlbertoFer­reiradeAlmeida ­ InMemoriam, vol. I,Porto,1999,pp.249‐264,queéumprimeiropassonobomsentido,emboranospareçaquenãosedevamisolarasjanelasesuadecoraçãodeumestudodacasa.

168 Hoje curiosamente só se conservam edifícios com dois pisos, contudo Duarte de Armasdesenhoumuitascasascomtrêspisoseépossívelqueaconservaçãodifícildascasastenhalevadoàmanutençãodeapenasumsobrado.NaGuarda,emborajásesituenumaáreadiferentedaquelaqueaqui se aborda, existem pelo menos dois edifícios muito semelhantes aos que se encontram emFreixo de Espada‐à‐Cinta, com duas portas em arco no piso térreo e janelas rectangulares, con‐servando‐seostrêspisoscorrespondentes.

169EmVinhaiseemMonfortedeRioLivre,osúnicosexemplaresquesepoderiamidentificarcomestetipodeconstruçãonãotêmchaminé.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 32

3.ConstruçõesespecializadasNão abundam as notícias relativas às estruturas de armazenamento de

produtosagrícolas.Dasadegas,algumasvezesacompanhadaspor lagares, ficam‐seosinformes

pela referência e localização. Vimo‐las no âmbito dos assentos dos casais, con‐centrando‐senaszonasdemaiorpendorvinícola170.Masasuapresença,comoedi‐fíciosindependentes,verificava‐seatéemmeiourbano171.

Relativamente aos celeiros, vimos já que estes, com frequência, não erammaisdoqueoelementosecundáriodamoradiabicelular,primeiroensaiodeespe‐cializaçãofuncionaldacasa.Outrasvezes,porém,surgiamcomoedifíciodistintodaconstrução principal, podendo, nos centros de exploração senhoriais, atingirgrandes dimensões, pois aí se centralizava e arrecadava o cereal entregue pelosforeiros,ouprovenientedaexploraçãodirectadasterras.Poucosabemosdascarac‐terísticasarquitectónicasdestesedifícios,porventurapróximosdostiposcomunsdeconstrução rural172. Conhecemos as medidas de comprimento e largura de doisceleiros,queaOrdemdeCristopossuíaemMedaeMuxagata.Oprimeirodispunhadeduastulhassobradadas,comrebocointeriorecoberturadetelhavã,abrangendoumaáreade33m2.Osegundonãoeramaisdoqueumacasasobradada—antigoaposentamentodocomendador—adaptadaàfunção.Ocupavaumaáreade30m2,asua loja apresentava‐se rebocada, no interior, e possuía uma porta de castanho,nova173.

Pouconosérevelado, também,sobreasconstruçõesafectasàcriaçãodogado.Oscurraiseascortes,ondeaqueleerarecolhido,eramhabituaisnosassentosdos casais, dado o peso da pecuária na actividade destas explorações. O mesmosucediacomospalheiros,ondeseguardavaapalhaouofenonecessáriosàmanu‐tençãodosanimais,que tambémsedivisavam,porvezes, emqualquerparceladocasal.Outrasdesignações,comocortelhosecurraladas174,referiam‐se,osprimeiros,a pequenos espaços de clausura, para porcos ou para caprinos e ovinos em cria,sendo os segundos grandes espaços vedados, próprios para o gado bovino, quetambémeraapascentadonoslameiros175.

170CasodeBritiande,entreoutros—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.147v.Sobreosespaçoseatecnologiavitícola,cf.ManuelSílvioAlvesConde,Umapaisagemhumanizada.

OMédioTejonosfinaisdaIdadeMédia,Cascais,2000,pp.321‐322e327‐328.171ComoBragança,ondeencontramosadegas,comlagaresassociados,aopostigodoSol,napraça

daCidade,enaruadasAdegas—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.62(fl.21v),63(fl.22).

Sobreosespaçoseatecnologiavitícola,cf.ManuelSílvioAlvesConde,Umapaisagemhumanizada,cit.,pp.321‐322e327‐328.

172Talcomosucedia,aliás,noutrosâmbitosgeográficos,melhordocumentadosnestavertente.Cf.ManuelSílvioAlvesConde,Umapaisagemhumanizada,cit.,p.318.

173A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.97,106v.174OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.93(fl.39v).175AnaMariaAfonso,OmosteirodeCastrodeAvelãs,cit.,p.68.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 33

Emcentrosurbanoserahabitualapresençadeestrebariasepalheiros,pararecolha e sustento das indispensáveis bestas176. Também os currais ocorriam emcidades, comoBragança177, e eram comuns em aldeias. Dois deles, emBagueixe eMorais, apresentavam um aspecto bem distinto. A última era simplesmente umespaço“çercadodaliçeçe”,de39m2deárea.A“casadecurraldegado”deBagueixeera mais ampla (44 m2), tinha paredes de pedra e barro e uma cobertura decolmo178.

Outrasestruturas,ainda,estavamassociadasàcriaçãodeanimais.Referimo‐nosaoscolmeais,queadocumentaçãorevelanasproximidadesdeVilaBoadeTrás‐Monte179eaospombais,presentesnatoponímiamastambémfiguradospelodebu‐xadoremespaçoperiurbanodasuapanorâmicalestedeBragança:umaconstruçãoquadrangular,comumafrestavisívelecoberturatelhadadeumaágua.

Escasseiam, também, os informes relativos às construções de trans­formação, sejam as de carácter "industrial", sejam as respeitantes à produçãoagrícola180.

Sendoopãooalimentobásicodasgentescomuns,asestruturasafectasàsuaprodução comparecemhabitualmentenosdocumentos,postoqueem formaassazsucinta.

A eira, espaço livre de dimensões e morfologia variável, basicamente des‐tinadoàdebulhadoscereais181,estavapresente,comovimos,embomnúmerodoscasaispertencentesaomosteirodeCastrodeAvelãs,oranosassentos,oranaspar‐celas destes182. Mas surge referida noutros contextos183, até em meio urbano184,

176NoMogadouro,ÁlvaroPiresdeTávorainstalaraumaestrebariadentrodocastelodavila,no

antigo aposentodoprior, umespaçoquadrado com25m2de área, entre amuralha e o pátio. EmMirandadoDouro,adaptara‐seàmesmafunçãoopisotérreodeumacasameiosobradada,de34m2,aque jáaludimos,destinando‐seomeiosobradoapalheiro.A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307, fls.80v,124v.

177Juntoàmuralhadacidade,possuíaomosteirodeCastrodeAvelãsunsgrandespardieiroscomcurrais,quelindavamcomoutroscurrais,departiculares—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.62(fl.21v).

178A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.118,125v.179OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.100(fl.43).180VideCarta4–Localizaçãodeconstruçõesdetransformação.181"Ólongodoanodáselleáeiraunusomoivariado,comopoñerasecarcastañas,fabas,cabazos,

froita,etc.,tende‐laroupa,esfolla‐lomillo,etaménbota‐lasredesasecarnacosta."—ManuelCaa‐mañoSuárez,Asconstrucciónsadxectivas,s/l.,1999,p.43.Sobreamorfologiaeafuncionalidadedaseiras,cf.JorgeDias,ErnestoVeigadeOliveiraeFernandoGalhano,Espigueirosportugueses.Sistemasprimitivosdesecagemearmazenagemdeprodutosagrícolas,Lisboa,1994,pp.25‐32.

182 Uma dessas eiras, em Lagomar, no termo de Bragança, apresentava‐se cerrada; outras, emDonai, no termo damesma cidade, haviam sido lavradas, cabendo‐lhes dois alqueires de grão desemeadura—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.125(fl.56v),202(fl.101).Oúltimocasomostraqueaseirasdeterrabatidanemsempreeramfixas,podendomudardelugardeunsanosparaosoutros.Cf.JorgeDias,ErnestoVeigadeOliveiraeFernandoGalhano,Espi­gueirosportugueses,cit.p.216.

183Cf.aseirasdosQuarteiros,naReigada,adoTorrão,nasproximidadesdeTorredeMoncorvo,adePergavea,emMorais(Bragança),asdeMartimAfonsodaTorreedeAfonsoGonçalves,emParadadeInfanções(Bragança),aeiravedradocasaldoBarrocal(Tarouca)—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.72v,77v,126,127,146.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 34

sendotambémdesignadalaje185,estárepresentadanamicrotoponímiaeéreferidacomopalcodaentregadocenteiopelosforeirosemMirandadoDouro186.

Separado da palha, o grão havia de ser triturado, para que se obtivesse afarinha. O processo que intermediava produção cerealífera e panificação decorriasobretudonointeriordecomplexosdotadosdedispositivosmecânicosaccionadospela água:moinhos, de rodízio187, e azenhas188, que, aqui e além, bordejavam oscursosdeáguadaregião189.

A partir da farinha amassada, a formado pão era definida pela cozimento,feito em brazido190, grelhador (fornalha) ou forno de lenha191. Se dos primeiros,empreguesnoâmbitodoméstico,nãoháinformes,temosnotíciasucintadealguns

184Casodas“eyrasdoarcobispo”edas“eyrasda…cidade”,deBragança—Otombodomosteirode São Salvador de Castro de Avelãs, cit., p. 60 (fl. 21). Deverá tratar‐se, no último caso, de umaestruturadefruiçãocolectiva.Sobreaseirascomunitárias,veja‐seoqueéditoporAnaMariaAfonso,OmosteirodeCastrodeAvelãs,cit.,p.74.

185Cf.“a lageaçapateiraquehehûualageahondemalham”,existentenasproximidadesdeLon‐groiva—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.95.

186A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.125.187 Já em1258 se aludia à existência de ummoinho emAdoufe (terra de Panóias), sobre o rio

Cabril—A.N.T.T.,Direitosreais,L.º2,fl.37.NodealbardeQuinhentos,refiram‐seosmuitosexistentesemMiranda,sobreoriodoDouroea

ribeiradeFresno,dequedánotaDuartedeArmas(DuartedeArmas,Livrodasfortalezas,cit.,fl.83).Notem‐seainda,entreoutros,osdaribeiradeCoa(oitonototal,sendopelomenosquatrodeduaspedras),osdeRibaPinhel,eosqueoperavamnos termosdeBragança,TorredeMoncorvoeLon‐groiva, o de S. João do Paço, no termo de Tarouca, o da Rua, em terra de Caria. Nalguns casos, éindicadoonúmerodemós(pedras)queoperavam:umaouduas—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.50‐50v,58,75,92,111v,146,150;AnaMariaAfonso,OmosteirodeCastrodeAvelãs,cit.,pp.81‐83emapa12.

NacomendadaReigadadaOrdemdeCristo,osenhorioimpunhaque“nenhûuapessoanompodefazermoinhona terradadictacomendae todoshamdehirmoeraomoinhodopereiroquehedahordem”—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.54‐54v.

188Introduzidasmaistardiamentequeosmoinhosderodízio,existiamjáantesde1286,datadacartadecompra, feitapeloreiaumPedroDomingues, ferreiro,vizinhodeMogadouro,da terçadeumas"aceynas",quehaviamsidodeJoãoPeresdeUrrós—A.N.T.T.,Estremadura,liv.12,fl.167v.Aceyna,aceniaeazenhaprovêmdoárabesâniah'irrigadora'.FedericoCorriente,Diccionariodeara­bismosyvocesafineseniberromance,Madrid,1999,p.84.

DuartedeArmasregistouapresençademuitasazenhas,apardemoinhos,juntoaMiranda,norioDouroenaribeiradeFresno.

189Ambososengenhosrecorriam,comosedisse,àenergiahidráulica.Divergiam,porém,quantoaoprocessomecânico—osmoinhos,derodahorizontal,ourodízio,easazenhas,derodavertical.

Alémdestes,empregava‐setambémaenergiaeólica.Assim,em1258,émencionadoummolinumventumemEscariz(Adoufe),naTerradePanóias.A.N.T.T.,Direitosreais,L.º2,fl.37.

Além dos processos de farinação referidos, utilizar‐se‐ia também, decerto, a energia muscularhumana (mó de braço) ou animal (atafona), Cf. Manuel Sílvio Alves Conde,Uma paisagem huma­nizada,cit.,pp.322‐326ebibliografiaaícompendiada,nasnotas193a213.

190Assimse faziaodenominadopãode lar,quecozia “sobreapedrada lareirae sobasbrasas(que a fogueira próximapermitia renovar) e a cinza escaldante, depois de convenientemente pro‐tegidaamassaporfolhasdecouveou,depreferência,porfolhasdefigueira,quelhetransmitiamumsabor especial”— JoséMarques, “D.Manuel I e os fornos comunitários transmontanos”, inAmar,sentireviverahistória–EstudosdehomenagemaJoaquimVeríssimoSerrão,Lisboa,1995,p.654.

191Sobreosprocessosdecozeduradopão,cf.JoséMarques,“D.ManuelIeosfornoscomunitáriostransmontanos”, cit., pp. 647‐659;Manuel Sílvio Alves Conde,Uma paisagem humanizada, cit., pp.329‐330ebibliografiaqueaíseelenca,nasnotas232a237.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 35

fornos, individuais e colectivos192. Entre estes, refira‐se o forno da póia que seconstruía ao tempo da elaboração do tombo, na Meda, em espaço relativamenteamplo193,odoconcelhodaMuxagata194,o “fornonovo”daTorredeMoncorvo,naruaquesaíadaPortadaVila195,osconcelhiosdeMósdeMoncorvoededuasaldeiasdoseu termo,CarviçaiseSobrado196,ou,ainda,osdeVilasBoas,Ansiães,Freixiel,Abreiro, Lamas de Orelhão, Mirandela, Frechas e de outros lugares197. Os fornosdeveriamassemelhar‐seaostiposmaiscomunsnoutrosâmbitosgeográficos,queaiconografia tantas vezes reproduz: abobadados, de pedra ou tijolo, porventuraargamassados, inseridos em casas próprias, onde se procedia, também, à amas‐sadura198.

Mencionamosjá fornosdedistinta funcionalidade:os fornostelheiros,queanossa documentação algumas vezes nos revela199. Outros equipamentos“industriais”afloramnamesma.Referimo‐nos,antesdemais,aostearesempreguespelostecelõesetecedeirasdaMuxagata200.Hámenção,ainda,daindústriadoscur­tumes,oupelames,circunscritaaoribeirodomesmonome,juntodaviladaTorredeMoncorvo201.Aabundânciadeáguasera imprescindívelàmaceraçãodoscouroseerahabitualdeslocar‐seestaactividadeeasnecessáriasestruturasparaaperiferiadosaglomerados,poisassuasescorrênciaseramnauseabundas202.

192Deacordocom JoséMarques, “D.Manuel I eos fornos comunitários transmontanos”,cit., osfornoscolectivos,distintosdosfornosdopovo,existentesemdiversasaldeiasdoBarroso,erampro‐priedadesenhorial,concelhiaourégia,e fontede ingressosparaosrespectivossenhores, jáqueosvizinhosqueaelesrecorriamtinhamdepagarumataxaporfornadacozida:atradicionalpoia(boladepão).

193Acasa,aindaemparedes,tinhaumaáreade39m2,talcomooedifícioqueabrigavao“fornovelho”—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.97v‐98v.

194A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.107.195Adesignaçãopressupõe,obviamente,aexistênciadeumfornovelho.A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º

307,fl.74v.196JoséMarques,“D.ManuelIeosfornoscomunitáriostransmontanos”,cit.,pp.651‐652.Refira‐

sequeo fornoda aldeiade Sobradosnãopertencia ao concelho, queohavia arrendadoaEstêvãoGonçalves,“porquehiinomestavafornodoconcelhofectoperaello”,eomunicípionãoqueriaabrirmãodosseusdireitos.

197PerrineMane,“ImagesdepanificationauMoyenAge,inLapréparationalimentairedescéréa­les.Rapportsprésentés à la table rondeorganiséeàRavello.CentreuniversitaireeuropéendesBiensCulturels,du11au14avril1988,dir.porFrançoisSigauteDominiqueFournier,Estrasburgo,1991,pp.51‐68.

198JoséMarques,“D.ManuelIeosfornoscomunitáriostransmontanos”,cit.,pp.655‐656.Fala‐nos este autor de sentença régia de 1512, visando impedir que os vizinhos de Vilas Boas

tivessemfornosprivativos,oufornalhas,paracozeroseupão,obrigando‐osarecorreraofornodoconcelho,medianteopagamentodapoia,cabendoàCoroaumterçodorendimentoobtido.

199 Conhecem‐se várias referências a fornos telheiros: nas aldeias de Grandais e de Edrosa, notermodeBragança—OtombodomosteirodeSãoSalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,pp.111‐112(fl.50); 142‐144 (fls. 66‐67), naQuintãde Lilela, no termodeChaves, acimadeMendel; no termodeTorredeMoncorvo,nocasaldoBarrocal,termodeTarouca—A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fls.74v,132,142.

200A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.115.201A.N.T.T.,O.C./C.T.,L.º307,fl.75.AnaMariaAfonso,OmosteirodeCastrodeAvelãs,cit.,p.69,

associaàmesmaactividadeotopónimoPeliteira, juntoaumaribeira,emVilaNova,naperiferiadeBragança

202ManuelSílvioAlvesConde,Umapaisagemhumanizada,cit.,p.437.

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Quase nada se sabe sobre as construções assistenciais: albergarias, hos‐pitaisegafarias203.Naverdade,estáporfazeroinventáriodasinúmerasinstituiçõesassistenciais do Portugal medievo e, para o Norte trasmontano, quase tudo seignora. Hospitais e albergarias—que, por vezes,mal se diferenciavam—existiamnascidadesenasprincipaisvilasdaregião,mastambémsedistribuíamporpontosestratégicosdasviasdecomunicação,emapoioaperegrinoseviandantes,aopassoqueasgafariassecircunscreviamàscidadesepoucomais204.

Não se conhecem registos escritos nem terão subsistido elementos arqui‐tectónicos que permitam reconstituir as albergarias e hospitais trasmontanosmedievos. A albergaria de Canaveses fora instituída por D.Mafalda, com vista aoacolhimentodosperegrinos.Paraesseefeito,doaraarainhaoseupaçonaquelavilaeasportagensdaponteaíexistente,determinandoquedeveriaestarsempre“limpoe bem rrepairado de telha emadeira e com bõoas portas fechadas … e serem hicamas bõoas e limpas em que possam bem albergar nove desses peregrinos aosquaesseraamdadasrreçoõesd’emtradaoudesaydaelumeeaguaesallquamtolhefazer meester”205. A albergaria de Torre de Moncorvo fora instituída por parti‐culares, que lhe haviam legado os bens necessários à celebração de duas missassemanaiseaoagasalhodospobresqueademandassem.Para isso,disporiadeumpequeno edifício, onde os carenciados podiam encontrar o conforto de três ouquatrocamas,alémdeágua,sale fogo206.Tudosugereque,tambémaqui,ascons‐truções assistenciais erampequenas e desconfortáveis, facilmente se confundindocomascomunsmoradias207.Nalgunscasos,estavamassociadasaedifíciosdeculto,constituindo pequenos complexos religioso‐benemerentes. Assim sucedia em Vila

203VideCarta5–Localizaçãodeestalagens,albergarias,hospitaisegafarias.204 Existiram albergarias em Amarante, Aregos, Bragança (albergaria de S. Vicente), Campeã,

Canaveses,Cepelos,Chaves(duas),Covelo,Dornelas(Boticas),FozdoCorgo,Gavieiras(Montalegre),Lamas de Orelhão, Lamego (seis),Marão,Mesão Frio,Murça, Parada (Miranda), Poiares, Ponte deMente (Mirandela), PontedoLavradio,TorredeMoncorvo,ValedeTelhas (Valpaços),VilaMarim,albergarias‐hospitaisemMoledo,TorredeMoncorvo,UcanhaeVilaReal(hospitaldeS.Brás),hos‐pitaisemAzinhoso(dois,masculinoefeminino)VilaReal(hospitaldoEspíritoSantoehospitalparameninos enjeitados), gafarias emAregos,Bragança, LamegoeMesãoFrio, de acordo comas infor‐maçõesregistadasporFernandoSilvaCorreia,OrigenseformaçãodasMisericórdiasportuguesas,2.ªed.,Lisboa,1999,pp.383‐384,403,409‐410;CarlosAlbertoFerreiradeAlmeida,“OscaminhoseaassistêncianoNortedePortugal”,ApobrezaeaassistênciaaospobresnaPenínsulaIbéricaduranteaIdadeMédia.Actasdas1.asJornadasluso­espanholasdehistóriamedieval,vol.I,Lisboa,1973,pp.39‐57; JoséMarques,A assistência no Norte de Portugal nos finais da IdadeMédia, sep. deRevista daFaculdadedeLetrasdoPorto­História,IIsérie,vol.VI,Porto,1989,pp.38,39,47,49,50,52;MariaFernandaMaurício,EntreDouroeTâmegaeasinquiriçõesafonsinasedionisianas,cit.,pp.53‐54.

205A.N.T.T.,AlémDouro,L.º2,fls.81v‐82,cit.porMariaJoséPimentaFerroTavares,PobrezaemorteemPortugalnaIdadeMédia,Lisboa,1989,p.128.

206A.N.T.T.,AlémDouro,L.º1,fls.131v‐132.PublicadoporJoséMarques,AassistêncianoNortedePortugalnosfinaisdaIdadeMédia,cit.,pp.92‐93.

207Geralmente,estasconstruçõesintegravam‐senaarquitecturacomum,constituindomeraadap‐tação da vulgar moradia. Cf. José Marques, A assistência no Norte de Portugal nos finais da IdadeMédia,cit.,pp.54‐57;ManuelSílvioAlvesConde,Umapaisagemhumanizada,cit.,pp.291,429;ideme Dionísio José David, "O hospital de Santa Maria de Palhais e a assistência medieval portuguesa(monografiahistórico‐arqueológica)",cit.,pp.299‐319.

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Real,ondeacapeladeS.Bráseohospitaldomesmonome,criadoparaatenderapobreseviandantes,seerguiamemtornodeumterreiro208.

Já as gafarias da região deveriam, como tantas outras do reino, constituirpequenos complexos habitacionais, geralmente murados, reunindo à volta de umterreiroascasinhasdoslázaros,umtemploealgumasestruturasdeapoio209.

Quanto às estalagens, que acomodavam os viandantes e respectivasmon‐tadas, mediante o pagamento de algum dinheiro, eram acarinhadas pelas auto‐ridadeslocais,comoformadeobstaràprestaçãodaslesivasaposentadorias,esur‐giam habitualmente em conexão com a caminharia, sobretudo nos nós viários210.Abundavam nas zonas de Lamego/Alto Douro e Riba Côa, por onde passava umaimportante via de comunicação que se dirigia a Castela211, eram relativamentedensasentreFreixodeEspada‐à‐CintaeMogadouro212,enoespaçoentreoDouroeo Tâmega213,mas esparsas nasmontanhas e planaltos do Alto Trás‐os‐Montes214.Tudoseignora,porém,emrelaçãoàssuascaracterísticasarquitectónicas215.

Emjeitodeconclusão

AarquitecturacorrentetrasmontanadosfinaisdaIdadeMédiamostrava‐seprofundamenteintegradanapaisagemevinculadaaumagrossistemadebaseagro‐pecuária.Osmateriais—apedra,obarro,amadeiraeocolmo—eramextraídosdomeio local e na construção, quer da casa comum, quer das estruturas adjectivas,desenvolviam‐se formas ajustadas ao meio —volumetrias sóbrias e horizon‐talizantes—eumavincadahomocromia,dasparedesàcobertura.Noplanomorfo‐lógico,vislumbra‐seuma forteregularidade,baseadanapreferênciapor tipologias

208Cf.JoséMarques,AassistêncianoNortedePortugalnosfinaisdaIdadeMédia,cit.,pp.49‐50enota159.

209Deveriamassemelhar‐sea tantasoutraspequenasgafarias,dogénerodasdeSantaLuziadeGuimarãeseSantoAndrédeBouças,estudadasporJoséMarques,AassistêncianoNortedePortugalnos finaisda IdadeMédia, cit.,pp.63‐64, situando‐seemescaladistintadadasgrandesgafariasdoreino: Alfena, Coimbra, Lisboa e Santarém. Veja‐se um ensaio de reconstituição desta, in ManuelSílvio Alves Conde, "Subsídios para o estudo dos leprosos no Portugalmedievo. A gafaria de San‐tarémnosséculosXIII‐XV”,HorizontesdoPortugalmedieval,cit.,pp.321‐383.

210 Iria Gonçalves, "Privilégios de estalajadeiros portugueses (séculos XIV e XV)", Imagens domundomedieval,Lisboa,1988,pp.150‐151.

211IriaGonçalves,"Privilégiosdeestalajadeirosportugueses(séculosXIVeXV)",ob.cit.,pp.150‐151, localizanessasáreasasestalagensdeLamego(duas),Lalim,Aljazarim,VárzeadaSerra,CoutodeLeomil,Ucanha(três),Mondim,Armamar,Gogim,SantaCruzdeLumiares,Canelas,Portela,Vilar,MoreiradeTrancoso,Escurquela,FonteArcada,Faia,Granjal,Ferreirim,Figueira,ValedeMadeira,Pinhel, Souro Pires, Cinco Vilas, Vale da Mula, Vilar Torpim (quatro), Vermiosa (duas), Escarigo,Almofala,Escalhão.

212 Encontramo‐las em Azinhoso, Mogadouro (duas), Meirinhos, Vale de Porco, Fornos (três),Torre deMoncorvo (três) e Freixo de Espada à Cinta (três). Iria Gonçalves, "Privilégios de estala‐jadeirosportugueses(séculosXIVeXV)",ob.cit.,pp.150‐151.

213 Existiam em Canaveses (duas), Figueiras e Amarante. Iria Gonçalves, "Privilégios de estala‐jadeirosportugueses(séculosXIVeXV)",ob.cit.,pp.150‐151.

214 Neste amplo espaço, conhecem‐se apenas as de Campeã, Salto, Carrazedo,Mirandela e Bra‐gança.IriaGonçalves,"Privilégiosdeestalajadeirosportugueses(séculosXIVeXV)",ob.cit.,pp.150‐151.

215Paraoutroâmbitogeográfico,veja‐seManuelSílvioAlvesConde,Umapaisagemhumanizada,cit.,p.430.

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elementares.Faziam‐seascasasàmedidadoshomens,dogadoquesecriava,doscultivosqueseexperimentavam:quasesempre,pequenas, “terreiras”epoucoras‐gadas,poishaviaqueatenderaosrigoresdoclima,aocustodereduzidasventilaçãoeiluminação,oudealgumapromiscuidadecomosgados.Olarimpunha‐secomooprincipal, oumesmoúnico, pólodeorganização espacial interno, aopassoquenoexterior,ondeexistiam,oterreiroouexidoarticulavamcomacasa,tantasvezes,asconstruçõesadjectivasqueseiamerguendo,permitindoseesboçassealgumaespe‐cializaçãofuncionaldoespaçodoconjuntoconstruído.

Ascidadesevilasdaregiãoevidenciavamfortestraçosruralizantes,assuascasasobedeciammaioritariamenteàstipologiasdominantesnoespaçorural,eirasecurrais ajustavam‐se, com aquelas, à cerzidura do tecido urbano. Porém, a con‐centração, nasmesmas, de recursos ede funções, emespaço limitado, traduzia‐seemdistintaidentidade,incentivavaapluralidadedesoluçõesconstrutivas,impunhaseatendesseafuncionalidadesoutras,apelandoparaumamaiorespecializaçãofun‐cional,justificandoopçõesverticalizantesetipologiascomplexas,apardeumauti‐lizaçãoquaseexclusivadatelha.

A deterioração dos materiais, que o rigor do clima acentuava, conduzia àdegradação, ou até à ruína, das casas. Situações particulares—de ermamento, oudespovoamento, conflitosarmados,ou tragédiasnaturais—podiamaindaagravar,desúbito,aquelecenário.

Porisso,osregistosescritosnotamamiudadamenteospardieiros—algumasvezesreduzidosjáaosimplesalicerce—ealinhamcasasderribadasapardas“ale‐vantadas”, averbamoqueestá “corregido” eoque jaz “piorado”.Osproprietáriospreocupavam‐secomaconservaçãodascasas,responsabilizandoos foreirospeloscuidadosnecessários,comoimpunhamoscontratos.Nalgunscasos,porqueasobrasquese impunhameramvultuosas,aqueles iamaopontode isentarestesdopaga‐mentodasrendas,duranteumperíododeterminado216.

216Cf.AnaMariaAfonso,OmosteirodeS.SalvadordeCastrodeAvelãs,cit.,p.79,nota161.

A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 39

Habitaçãoearquitecturacorrente

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A habitação e a arquitectura corrente do Norte Trasmontano 42

CasasruraiseurbanasdoNorteTrasmontanoCód. Tipo Local CO/V LA/V Ratio CO/M LA/M Área

parcelarÁreatotal

Áreaútil Fonte:L.º307

1 CT Reigada 5 4 1.25 5.5 4.4 24.2 fl.41 CS 4.5 4 1.13 4.95 4.4 21.78 45.98 67.76 2 CS Reigada 8.5 4.5 1.89 9.35 4.95 46.28 46.28 92.57 fl.413 CDT Pinhel, 5 5 1 5.5 5.5 30.25 fl.57v

mS R.Direita 5 2.5 2 5.5 2.75 15.13 CS 5 4 1.25 5.5 4.4 24.2 54.45 93.78 4 Pard Longroiva 6 6 1 6.6 6.6 43.56 43.56 43.56 fl.925 ApC Meda fls.97‐

CSS 7 3 2.33 7.7 3.3 25.41 25.41 76.23 97v CT 7.5 4.5 1.67 8.25 4.95 40.84 Cl 5.5 5 1.1 6.05 5.5 33.28 Cpeq 4 2 2 4.4 2.2 9.68 Cfo 8 4 2 8.8 4.4 38.72 198.74 198.74 Tro 21 16 1.31 23.1 17.6 406.56 406.56 406.56 6 C Meda 6.5 5 1.3 7.15 5.5 39.33 39.33 39.33 fl.987 CS=Cl Muxagata 5 5 1 5.5 5.5 30.25 30.25 60.5 fl.106v8 Pard Muxagata 5 2 2.5 5.5 2.2 12.1 12.1 12.1 fl.1079 AssC Bagueixe fls.118‐

CD 6 4.5 1.33 6.6 4.95 32.67 118v Cam 4 4 1 4.4 4.4 19.36 C 6 3.5 1.71 6.6 3.85 25.41 77.44 77.44 Cur 9 4 2.25 9.9 4.4 43.56 peqCh 4 3 1.33 4.4 3.3 14.52 58.08 58.08 10 Pard Bagueixe 13.5 6.5 2.08 14.85 7.15 106.18 106.18 106.18 fl.11911 Pard Bagueixe 13.5 4.5 3 14.85 4.95 73.51 73.51 73.51 fl.11912 CT=Estr Miranda 7 4 1.75 7.7 4.4 33.88 fl.124v

mS=Palh 3.5 4 0.88 3.85 4.4 16.94 33.88 50.82 13 CS Miranda 8 5 1.6 8.8 5.5 48.4 48.4 96.8 14 Pard Morais 4 4 1 4.4 4.4 19.36 fl.125v

Pard 5 4 1.25 5.5 4.4 24.2 Cur 8 4 2 8.8 4.4 38.72 82.28 82.28 15 C Quintela(Tarouca) 7.5 5.5 1.36 8.25 6.05 49.91 49.91 49.91 fl.140v16 C Barrocal 8 4.5 1.78 8.8 4.95 43.56 43.56 43.56 fl.141v

Quintã (Tarouca) 13 8 1.63 14.3 8.8 125.84 Pard 10 3 3.33 11 3.3 36.3 162.14 162.14 17 AssC=Par

dCasteloBranco fls.72‐

72v Sala 13 5 2.6 14.3 5.5 78.65 C 13 3 4.33 14.3 3.3 47.19 125.84 125.84 18 CT=Ap CasteloBranco 8 4.5 1.78 8.8 4.95 43.56 43.56 43.56 fl.72v19 Ch TorredeMoncorvo 8 7 1.14 8.8 7.7 67.76 67.76 67.76 fl.74v20 C=Estr Mogadouro 4.5 4.5 1 4.95 4.95 24.5 24.5 24.5 fl.80v21 Ch CasaldaMarquesinha 7 6 1.17 7.7 6.6 50.82 50.82 50.82 fl.8122 Ass PenasRóias fls.83v‐

C 9 5 1.8 9.9 5.5 54.45 54.45 54.45 84 Pard 5.5 6 0.92 6.05 6.6 39.93 Ch 11 10 1.1 12.1 11 133.1 173.03 173.03

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CONVENÇÕES:CO/V–Comprimentoemvaras LA/V–Larguraemvaras Ratio(CO/LA)CO/M–Comprimentoemmetros LA/M–Larguraemmetros Área(emm2)Ap–Aposentamento Cur–Curral Pard–PardieiroAss–Assentamento D–Dianteira peq–PequenoC–Casa Estr–Estrebaria S–SobradoCam–Câmara fo–Forno SS–2sobradosCh–Chão m–Meio T–TérreaCl–Celeiro Palh–Palheiro Tro–Terreiro.