a guerra das guerras, a revolução das revoluções, 1917...a guerra das guerras, a revolução das...

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2227 Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 08, N.3, 2017, p. 2227-2255. Raquel Varela DOI: 10.1590/2179-8966/2017/29905| ISSN: 2179-8966 A Guerra das Guerras, a Revolução das Revoluções, 1917 The war of wars, the revolution of revolutions, 1917 Raquel Varela IHC-Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]. Artigo recebido 7/08/2017 e aceito em 31/08/2017.

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.2227-2255.RaquelVarelaDOI:10.1590/2179-8966/2017/29905|ISSN:2179-8966

AGuerra dasGuerras, a RevoluçãodasRevoluções,1917Thewarofwars,therevolutionofrevolutions,1917

RaquelVarela

IHC-Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal. E-mail:[email protected].

Artigorecebido7/08/2017eaceitoem31/08/2017.

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Resumo

ArevoluçãorussasucumbiuaoTermidorEstalinista,masnãosepodemisturar

a revolução – até 1927 – com a contra-revolução, daí então. Este artigo

procura inserir a revolução russa no seu contexto histórico, no quadro do

desenvolvimento desigual e combinado, entre o avanço do atraso russo em

1917eaconsolidaçãodasocialdemocraciaalemãnosanos20.Oartigoinicia-

se debatendo o impacto da I Guerra e da resistência a esta e seguidamente

dialoga com a produção historiográfica realizada nas últimas duas décadas,

comaaberturadosarquivossoviéticos.Argumentaremosaquiqueestavatudo

emabertonosanos20daEuropadoséculoXX,osgermesdaditaduraquese

consolidou, a restauração do capitalismo que lhe seguiu, mas também a

semente de uma sociedade igual e livre – e permanece hoje em aberto, ou

seja,histórico.

Palavras-chave: I Guerra mundial; Revolução russa; Socialismo; Movimento

operário.

Abstract

TheRussianrevolutionsuccumbedtotheStalinistTermidor,buttherevolution

can not be mixed-until 1927-with the counter-revolution thereafter. This

articleattemptstoinserttheRussianrevolutioninitshistoricalcontextinthe

context of theunequal and combineddevelopmentbetween the advanceof

the Russian backwardness in 1917 and the consolidation of German social

democracy in the 1920s. The article begins by debating the impact ofWorld

War I and resistance to it, and then dialogues with the historiographical

productionof the last twodecades,with theopeningof the Soviet archives.

We will argue here that everything was open in the twenties of twentieth-

century Europe, the germs of the dictatorship that was consolidated, the

restoration of capitalism that followed it, but also the seed of an equal and

freesociety-anditremainsopentoday,orHistorical.

Keywords:Firstworldwar;Russianrevolution;Socialism;Labormovement.

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AGuerradasGuerras

Em1870éapresentadonoparlamentoinglês,porordemdesuaMajestade,o

Relatório sobre as Condições das Classes Trabalhadoras dos países

estrangeiros1.Umgrupodeagentesconsularesediplomáticosenviadevárias

partesdomundoumrelatóriodetalhadosobrequecondiçõeslaboraisiriamos

capitalistas ingleses encontrar em cada país, desde Portugal ao Império

Otomano,dosEUAàGrécia.Nelepodemler-seonúmerodealmasdisponíveis

para trabalhar, a sua formação média, tamanho da família, hábitos

alimentares, habitação, higiene, quais os trabalhos que podem ser ocupados

pormulheres,oucrianças.No Impériootomanoháumadescriçãodetalhada

das organizações de artesãos, quanto ganham por categoria; o de Valência,

regiãoespanhola,explica,alémdonúmero,queganhammaisnoverãodoque

noinverno,provavelmenteporescassezdeforçadetrabalhodisponível,jáque

estão a trabalhar nas próprias colheitas. O de Portugal recomenda os

trabalhadores portugueses porque não bebemmuito aoDomingo e por isso

trabalhamà segunda-feira, eporque “se contentamcompouco”.Aquiloque

hoje seria um moderno sistema de gestão de recursos humanos, realizado

provavelmente por um estudo de uma consultora internacional, era já

profundamentedetalhadonaEuropaindustrializadaoitocentista-éavisãodo

continente como um simples mercado de trabalho. Quantos são, quanto

ganham, o que sabem fazer, como é que vivem, quanto se pode pagar? E,

quantonãosepodepagar?

Este movimento - de deslocalização de empresas onde o valor do

saláriodirectoe indirectoémaisbaixo -, temsidoahistóriadaexpansãoda

Europa,dentrodosseuspaíseseentreassuasnações,comexcepçãodosanos

de«ouro»dopós1945até1967:«QuandoarainhaVitóriamorreu,mesmono

começodoséculoXX,umapessoaemcadacincoesperavachegaraofimdesta

maneira: um enterro solitário, saído do asilo, ou do hospício da assistência

pública ou do hospital dos alienados (…) Cerca de um quarto de toda a

1ConditionoftheIndustrialClassesofForeignCountries,Reportsfromhermajesty’sDiplomaticandconsularagentsabroad,HousesoftheParliament,1870;London,HarrisonandSons,1870(InternationalInstituteforSocialHistory,Archives).

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populaçãovivianamiséria(…)»2.SóemLondres,30%dapopulaçãoestavana

miséria ou seja, sem meios para obter a sua manutenção, o salário de

reproduçãobiológica.Em1900naEuropabalcânicaeespanholaaesperança

médiadevidaerade35anos.3

As classes sociais não eram exactamente castas na Europa, mas a

sociedade dividia-se claramente em classes: laboriosas, pobres, camponeses,

uma minoritária classe média e a aristocracia, e a classe alta, financeira-

industrial:«amaioriadoseuropeuspodiaesperaracabaravidaexactamente

namesmaposiçãosocialemquecomeçou».4

Em 1914 a Inglaterra tinha um império 114 vezes o seu tamanho; a

Bélgica80vezes,aHolanda60eaFrança20.Entre1950e1911virtualmenteo

mundotodofoiconquistadopelosimpérioseuropeus.EmAfricasóaLibériae

aEtiópiaficaramdeforadadivisãoaregraeesquadrodaspotênciascentrais–

se os leitores olharem o mapa de África encontrarão fronteiras com longas

linhas direitas, que cruzam assim rios, cortam montanhas, e suprimem o

sustentoapovospastoresouagricultores,queficaramsemacessoaosmeios

deproduçãoporestadivisãorealizadapelapotênciasnocongressodeBerlim

de1895.NaIndochinaenaChinacomeçavaadisputaemesferasdeinfluência,

num regime de protectorado e/ou de conquista5. Nestes anos a “história de

todaahumanidade fluiuporumestreitocanaldesenhadoporpoucospaíses

europeus»6.

AEuropacentralebalcânicaestavasobasbotasdoexpansionismo,a

Europa ocidental na luta pelas colónias emercados. O cenário europeu era,

portanto,explosivo7.OImpérioAustro-HúngarodisputavaàSérviaoespaçoe

pelo caminho esmagava as nacionalidades oprimidas: sérvios, croatas,

eslovenos,tchecos,eslovacos,búlgaros;aFrançatinhaem25anosperdidoa

supremacia populacional para a Alemanha e exigia os territórios férteis da

2PeterLaslett,OMundoquenósPerdemos,Lisboa,EdiçõesCosmos,1975,p.223.3RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.14.4RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.19.5RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.46ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.449.(traduçãonossa)7Osvaldo Coggiola, História do Capitalismo (para publicação)https://raquelcardeiravarela.files.wordpress.com/2014/11/ocogg-histe280a1ria-do-capitalismo1.pdfacessoem12deMaiode2017.

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AlsáciaeaLorena,perdidosnaguerrade1871,aguerrafranco-prussiana,cujo

desfechotinhaimpulsionadoentãooprimeirogovernooperáriodahistória,a

Comuna de Paris8. O capitalismo inglês não podia sobreviver com uma

AlemanhafortequederrotassenocontinenteaFrança;aRússiadisputavaao

ImpérioAustro-húngaroooestedosseusterritórios,osmaisindustrializadose

fonte de impostos para o império cujo Palácio do Hermitage concentrará

simbolicamenteoespaçodaguerraerevolução–neleestãoassalasdepedras

semipreciosas, ouro, parquês de madeiras nobres trabalhados de madeira,

lustros,erguidosem400anosdeservidãoquecolocavam,aindaem1914,40%

dos camponeses sem meios de sobrevivência. Ao lado, liderados pelos

bolcheviques,osoperáriosrussostomamemOutubrode1917opoder,cujas

escadariasda subidadoPaláciode Inverno serão imortalizadaspelo cineasta

Einsenstein.EranaPolónia,Ucrânia,EstadosdoBálticoeFinlândiaqueestava

o grosso da riqueza da disputa àÁustria-Hungria para o Império Russo.Mas

paraaAlemanha,umaRússiaforteeraumaameaça.

Numapalavra,o imperialismo, istoé,a fasedomododeacumulação

capitalistaemqueumcapitalismonãopodiasobreviversemdestruirooutro.9

A 2 de Janeiro de 1916 a revolucionária Rosa Luxemburgo10 escreve:

«Osnegóciosprosperamsobre ruínas.Cidades transformaram-seemmontes

de escombros, aldeias, em cemitérios, regiões inteiras, em desertos,

populações, em montes de mendigos, igrejas, em estábulos; o direito dos

povos, os tratados, as alianças, as palavras mais sagradas, as autoridades

supremas, tudo é feito em farrapos, qualquer soberano pela graça de Deus

trata o primo, no campo adversário, de cretino e velhaco desleal, qualquer

diplomata trata o colega do outro partido de canalha espertalhão, qualquer

governo,vendonooutroumafatalidadeparaoprópriopovo,abandona-oao

8 A França perde os territórios da Alsácia e Lorena em 1871 na sequência da derrota face àAlemanhanaguerrafranco-prussiana.9ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.409.10RosaLuxemburgo (1871-1919)nasceunaPolóniaemorreuassassinadaemBerlim.Líderdasocial-democracia alemã e polaca, fiel ao Internacionalismo dos finais do século XIX, Rosanotabilizou-sepelasuatesesobreomilitarismo,osestudosdeOCapital,epelaliderançacontraa guerra, quando o seu partido apoiou-a. Em 1915 fundou com Karl Liebknecht a LigaSpatarquistaeem1919oPartidoComunistaAlemão.EmboracontraolevantamentodeJaneirode 1919, que se iniciou semo seu conhecimento, Rosa vai assumir a liderança. Será por issoassassinadacomacomplacênciadossociais-democrataspelosFreikorps,milíciasnacionalistas.

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desprezo público; a fome provoca tumultos em Veneza, Lisboa, Moscovo,

Singapura;hápestenaRússia,misériaedesesperoportodaaparte»11.

A I Guerra Mundial começa a 28 de Julho de 1914. Todos falavam

nessemêsde1914deumaguerra rápida: «vai acabarnoNatal!»12, dizia-se.

Foi a mais «popular» das guerras nacionalistas, imperiais. Victor Serge,

intelectual socialista, preso então em França, no início da guerra, escreve:

«Chegavam à prisão veementes MARSELHESAS cantadas por multidões que

acompanhavamosmobilizadosdecomboio.Ouvíamostambém:«ParaBerlim!

Para Berlim!». Este delírio, incompreensível para nós era a consumação do

apogeudacatástrofesocialpermanente.»13.

Sãoporémnecessárias “aspas” napopularidadeda guerra. Pesquisas

recentesmostraramqueossonsdeentusiasmoouvidosporSergeampliavam-

senaprisão,comoumecoquesemultiplica.Ossocialistasfranceseschegaram

acolocarahipótesedeumagrevegeralcontraumaguerraeuropeia,emjulho

de191414;naAlemanhaosgrevistasdasfábricaseramenviadosparaafrente

de guerra como castigo; fontes históricas demonstram que a classe

trabalhadora da poderosa região do Ruhr - ainda hoje a regiãomais forte e

sindicalizada da classe trabalhadora industrial europeia - ficou de fora das

manifestaçõespatrióticas15;dooutroladodoAtlântico–nosEUA-ogoverno

apelaaorecrutamentovoluntáriode1milhãodesoldados–masnasprimeiras

seissemanasdepoisdadeclaraçãodeguerrasó70milsealistam16.

AIGuerraMundialteve,contudo,umrecrutamentomaisfácil,porque

os camponeses viviam isolados em aldeias e porque a experiência de uma

guerra total era até aí desconhecida.Há um isolamento social geográfico no

mundorural,mesmonasindustrializadasInglaterra,AlemanhaeFrança,oque

tornaaresistênciaorganizadamuitodifícildeseconcretizar.Aliás,elestornar-

se-ão camponeses resistentes, desertores, só depois de incorporados numa

organizaçãocoletiva–oexército,eemguerra.11RosaLuxemburgo,TextosEscolhidos,VolumeII(1914-1919),SãoPaulo,EditoraUNESP,2011,p.17.12ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.405.13VictorSerge,OOfíciodeRevolucionário,Lisboa,MoraesEditora,p.62.14WilliamPelz,HistóriadoPovonaEuropaModerna,Lisboa,Objectiva,2016,p.189.15ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.406.VertambémWilliamPelz,HistóriadoPovodaEuropaModerna,Lisboa,Objectiva,2016.16HowardZinn,ThePeoplesHistoryofUnitedStates,NewYork,HarperCollins,2003,p.364.

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O nacionalismo prospera rapidamente como ideologia, escritores

comoHGWells clamavamo“apoioàguerraparapôr fimàguerra”,Anatole

France discursou para os soldados17. Mas o apoio principal veio do seio do

movimentooperárioorganizado.Aguerra foi apoiadapela social-democracia

alemã, austríaca, pelo Partido Trabalhista Inglês, pelos socialistas franceses,

pelos grandes sindicatos, pelo anarquista Kropotkin e pelo pacifista indiano

Gandhi. A “unidade da nação”, a união sagrada, o apelo das burguesias

nacionaisaos líderesdas camadaspopulares, foimagnético.E catastrófico.9

milhões de mortos, outros dados falam hoje em 20 milhões de mortos18.

Contra estiveram poucos: os bolcheviques e os socialistas sérvios. E muitos

heróisindividuais.JeanJaurès,opositoràguerra,lídersocialistadaFrança,foi

assassinadoporumnacionalistafrancêsa31deJulhode1914.

A guerra revolveu as entranhas da sociedade: asmulheres entraram

emmassanomercadodetrabalho.Foiessapassagemdotrabalhodoméstico,

isolado, ao trabalho fabril, concentrado; do trabalho doméstico não pago ao

trabalho assalariado, e a revolução russa – conquistas de direitos sociais

amplos - que permitiu o primeiro sopro de igualdade de género na história

contemporânea. Embora o sufrágio feminino estivesse na agenda desse o

iníciodoséculoXX,conquistadonaAustráliaem1902enaFinlândiaem1906,

porexemplo,sóaIGuerravaiderrubaraprimeiragrandebarreiraàigualdade

de género na Inglaterra e Alemanha19, e no caso da Itália e França, só a

SegundaGuerra.NospaísesdoSul,urbanizadosnadécadade60doséculoXX,

agrandealteraçãonasrelaçõesdegénerodá-sesóarevoluçãoportuguesade

1974e1975.Umcataclismaeconómico-aguerra;eumarevoluçãosocial-a

russa,sãoosfactoresqueimpulsionaramumadasmaisimportantesmudanças

sociaisdoséculoXX–acrescenteigualdadedegéneroeocaminhopaulatino

paraauniãolivre20.

A classe média entra na trincheira do descontentamento com os

Governos;há fome,privação, escassezdeabastecimento,porqueasbaterias

17ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.406-407.18ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999.19RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.22.20WendyGoldman,Mulher,EstadoeRevolução,SãoPaulo,Boitempo,2014.

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deproduçãoestavamvoltadasparaserviraguerraeaprodução relacionada

comesta.Eporquemuitostrabalhadoresvãodeixarasfábricaseingressarnos

exércitosbeligerantes.NaAlemanhasó2/3dascaloriasnecessáriasparaviver

eramgarantidas,750milterãomorridodefome21.Vienafoiamaisatingida-

«umquartodemilhãodepessoaspermaneciadiariamentenumadas800filas

alimentaresdispersaspelacidade»22.Expande-seomercadonegro,acavaloda

inflação.Estafoialógica,irracional,masprevisível,daprimeiraguerratotalda

história.Aguerranãoacaboupor issonoNatal.Efoidevastadora.Alastrouà

Mesopotâmia,Grécia/TurquiacomodesmembramentodoImpérioOtomano,

nortedeÁfrica.

Apesar do número de cidades com mais de 100 mil habitantes ter

passadonaEuropadonorteeocidentede22para120entre1800e190023,a

massificação da vida urbana no século XX, o crescimento da população

exponencial,éumfenómenoquemodificaaEuropa.Éoséculodoaumentoda

população.AEuropapassoude279milhõesdepessoasem1850para408em

1900e740em2012.Essavaiserumadascaracterísticasmaisimportantesdos

últimos100anos,a consolidação,mesmonospaísesdo sul,dapassagemde

sociedades rurais a urbanas. Esse parto muda radicalmente a vida em

sociedade. A unidade família foi definitivamente arrastada pela

industrialização e pela guerra (mas não deixou de ter um lugar cimeiro até

hoje, emboradiferente).Nascemao ladodelaoutrasduasunidadesquevão

terumpapelcentralnoséculoXXeuropeu–ocolectivopolítico,eamassa24.

Oscamponeses,aosaíremdassuasaldeias–enaalturaescassoerao

contacto com a aldeia do lado, que por via da ausência de estradas,

transportesecomunicaçõespodialevarhorasaseralcançada,maislongínquo

era o contacto com o poder central (a quem só encontravam na forma do

cobradorde impostos)oua“nação”–oscamponesesvivemna tormentada

guerra o primeiro sentido demassa coletiva das suas vidas.Mas aomesmo

tempo vão ser estes camponeses a desertar emmassa em 1917 em grande

parte dos exércitos beligerantes, e, na URSS, a apoiar determinadamente a

21ChrisHarman,APeoples’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.408.22WilliamPelz,HistóriadoPovonaEuropaModerna,Lisboa,Objectiva,2016,p.206.23RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.8.24PeterLaslett,OMundoquenósPerdemos,Lisboa,EdiçõesCosmos,1975.

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revolução.Porquequeriamvoltaàterra,cujasfamíliasnãosubsistiamsemos

seusbraçosparatrabalhar.

Amassaeafábrica.OséculoXXvaiseroséculodofordismo.Oquese

assiste é uma extraordinária ampliação da empresa/fábrica ao longo destes

120anos–incluindoaosectordosserviçosdepoisdaprivatizaçãodasfunções

sociais do Estado a partir da década de 80 do século XX, em que se cria a

“indústria de serviços” e se transfere para os hospitais, escolas e serviços

públicososmétodosde trabalho, controlode tempos, salárioàpeça,etc.da

grandefábrica25.

E do outro lado da “massa” a sociedade anónima26 – cujas origens

remontamaoséculoXVII-nãoporacasoénomeporexcelênciadasociedade

comercialcontemporânea.Masonomenãoéacoisa.Anónimos,osmercados

têm um bilhete de identidade de propriedade, uma conta bancária. Valor

supremo–apropriedade-dassociedadescapitalistaspósrevoluçãofrancesa,

semprelimitadoporém(nãohádireitodepropriedadeilimitado),elemantém-

secomoodireitomaisimportantedossistemasjurídicosocidentais,superiorà

vida,namedidaemqueodireitoaveroscapitaisremuneradossesobrepõe,

em váriosmomentos do século XX, ao direito ao emprego27. Foi o acesso à

propriedade–terras,comunicações,alimentos,fábricas,maquinaria,matérias-

primas-queestevenocentrodosmaisimportantesconflitoseuropeus,desde

sempre. Homens mediados por títulos de ações que ocultam a sua relação

social,quenãoaparececomoumarelaçãodedisputadoqueéproduzidode

essencialedeexcedentárioquepermiteampliaroacumulado,mascomouma

relaçãomediadaporabstractostítulos,emlongínquasbolsasdevalores,desde

aidademoderna.

Otrabalhoaparece(masnãoé)amuitoscomoumaabstracção.Algo

impossívelnassociedadescamponesas,ondeosentidodeproduçãocolectiva

é concreto – “a comida não cai na mesa de ninguém”, vinda de longe. É

produzida ali, em frente a casa. Na vida em aldeia, é impossível não25StewartPlayer,ColinLeys,“Amercantilizaçãodoscuidadosdesaúde:oNHSdoReinoUnidoeo Programa de Centros de Tratamento do Sector Independente”, in Raquel Varela, RenatoGuedes, coord, História do Serviço Nacionla de Saúde em Portugal: A saúde e a Força deTrabalho,doEstadoNovoaosnossosdias,OrdemdosMédicos/UNL,Lisboa,2016,pp.204-223.26PeterLaslett,OMundoquenósPerdemos,Lisboa,EdiçõesCosmos,1975,p.223.27ManuelCouretBranco,EconomiaPolíticadosDireitosHumanos,Lisboa,Sílabo,2012.

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compreenderqueamanutençãodasociedadedependedotrabalhoequese

este não for realizado necessidades vitais não serão asseguradas. Omesmo

nãosepassanacidadeondeanoçãodecentralidadedotrabalhoéofuscada

por uma complexificação de relações sociais em que várias formas de não-

trabalho como rendas, lucros, assistencialismo familiar e estatal (ajuda das

famíliaoudoEstadovia impostos) jogamnassociedadeseuropeiasumpapel

central. Desvalorizado assim, o trabalho só ganha centralidade quando por

força das suas organizações políticas e sindicais se disputa no campo da

consciência política esse condição de que nada é tão importante para

asseguraraexistênciadahumanidadecomootrabalho.Apartirdoqualtudoé

central, tudonasceeperecedotrabalhoenquantoactividadededomíniodo

homem sobre a natureza, de criação. E do trabalho enquanto relação social,

mutávelnecessariamente.

Estaconsciência-dequeostrabalhadorestêmumpapeldeterminante

na história - aconteceu na Europa entre o final do XIX e as primeiras três

décadas do século XX com uma dimensão inusitada. Porém, nem todo o

movimento operário era socialista. Se as revoluções de 1848 tinham já

colocadoemmarchaooperariadodaFrança,Alemanha;seaComunadeParis

tinha mostrado o caminho da possibilidade de uma classe não proprietária

tomar o poder; na aurora do século XX os «trabalhadores (e em menos

proporção)astrabalhadorasfizeramsentirasuapresençanaarenapúblicada

maiorpartedospaíseseuropeus»28:naprimeirarevoluçãorussade1905;na

revolta anarquista espanhola esmagada em Barcelona em 1909 – que ficou

conhecidacomoa“semanatrágica”;na“semanavermelha”deItáliaemJunho

de 1914; na generalização de greves na França, Alemanha e na Inglaterra;

estão registados 500 conflitos no sector industrial na França entre 1900 e

1915;na Inglaterradá-seumaondadegrevessemprecedentesem1911ea

naAlemanha1milhãodetrabalhadoresparticiparamemgrevesem1912.Em

1914ossindicatosinglesesealemãestêmmaisde2milhõesdetrabalhadores,

oquecorresponderiaentãoa30%daforçadetrabalhomasculina29.OPartido

28 Dick Geary, European Labour. Politics From 1900 to the Depression, New Jersey, AtlanticHighlands,1991,p.1.29RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.27.

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Socialista Francês, constituído primeiro como Secção Francesa da

Internacional, destacando o espírito internacionalista do partido, teve, em

1914,1milhãoemeiodevotos.Nasvésperasdaguerrahaviaumabatalhana

Europaentreumasaídareformista,assentenasinstituiçõesparlamentares,ea

via revolucionária, impulsionada por partidos fortemente influenciados pelo

marxismo30.

AResistênciaàGuerra

Apartirde1915,napequenaviladeZimmerwald,naSuíça,reúne-seumgrupo

de dirigentes que opõe-se à guerra e tenta fazer do comunismo um

movimento internacional.Entre5e8deSetembrode1915,36delegadosde

19 países estavam dispostos a lutar pela forma de revolução social contra a

guerra,peladerrotadassuasprópriasnações,contraopacifismo.Cabiamem

4 carros. O manifesto é redigido por Leon Trotsky, e coloca a base da luta

contratodaa«uniãosagrada».Outrodirigentedestacado,ChristianRakovsky,

discursa no fim a favor de uma III Internacional, morta que estava a II

Internacional ao ter levado os partidos o seus países irmãos a pegarem em

armasunscontraosoutros.

Aideiadeumanovainternacionalfoiaoiníciomalrecebida.Rakovsky

vaisercaluniadocomoagentealemão.Mas2anosdepoisasfrentesdeguerra

internacionalizam-secomolevantamentodemotinsemmassanosexércitos.

Do outro lado do Atlântico Eugene Debs, um dos fundadores do mais

igualitário sindicato norte-americano, os Industrial Workers of the World,

conhecidos carinhosamente por Wobblies, mineiros, assalariados agrícolas,

estivadores, marinheiros que fundaram em 1905, no dia 27 de Junho, um

sindicato internacionalista,discursano julgamentocontraaguerra. Édelesa

origem da música “Solidarity Forever”31, a mais conhecida música operária

30RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.28.31Escritoem1915paraosWobblies.Tornou-sefamosanavozdePeteSeeger.

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depoisdaInternacional32.Preso,acusadodetervioladooEspionageAct,que

proibiaqualquermanifestaçãopúblicacontraaguerra,Debsrecusadefender-

se ou ter testemunhas no julgamento: «Fui acusado de obstrução à guerra.

Admito-o.Cavalheiros,euabominoaguerra.Seriacontraelamesmoestivesse

sozinho…Tenhosimpatiapelosquesofreme lutamemtodaaparte.Nãome

interessasobquebandeiraelesnasceram,ouondevivem…»33.

O historiador William Pelz argumenta que mesmo recorrendo à

tecnologiaa IGuerrapodenãotersidoamaismortíferamasoque«poderá

não ter tidopar foioníveldeoposiçãobélicacolectivaaela».34NoNatalde

1914 as tropas francesas e alemães confraternizam nas trincheiras, e são

penalizadas. Mas é só em Abril de 1917 que se dá o primeiro «Adeus às

Armas»35demassasdaIGuerraMundial–68divisões,nadamaisnadamenos

do que metade do exército francês recusam-se a voltar à frente: morte,

agonia, piolhos, tuberculose, os trabalhadores, camponeses, agora soldados,

estavamaenterrar-sevivosnalamaenosanguedastrincheiras.Arespostado

Estado foi esmagadora: 500 sentenças de morte e 49 execuções. Algumas

unidades ergueram-se com a bandeira vermelha a cantar a internacional,

queriammarcharsobreParis,gritavam«VivaaRevolução»,«VivaosRussos!».

CantaramacançãodeCraonne:«ÉemCraonnesobreoplanalto,quedevemos

deixar nossa pele (…),mas acabou, pois os praças Vão todos fazer greve»36.

PertodeBolonha,emÉtaples,umarebeliãode100milsoldadosinglesesdura

5 dias – os oficiais britânicos usaram da política do «pau e da cenoura»:

fizeramconcessõeseexecutaramoslíderes,parapôrfimàrebelião.Depoisdo

desastre militar de Caporetto, a 24 de Outubro de 1917, há uma «greve

militar», soldados italianos amotinaram-se emmassa. A Espanha era neutra

masviveumagrevegeralde15a18deAgostode1917,emqueodirigente

histórico do PSOE, Francisco Largo Caballero, será condenado a prisão

perpétua.NaRússia estava emmarchaum«armistício estabelecidode facto32A letrafoiescritaem1871porEugènePottier,membrodaComunadeParisemusicadaem1888porPierreDeGeyter.33HowardZinn,ThePeoplesHistoryofUnitedStates,NewYork,HarperCollins,2003,p.367-368.34WilliamPelz,HistóriadoPovonaEuropaModerna,Lisboa,Objectiva,2016,p.207.35 Referência ao romance em parte auto biográfico do escritor norte-americano ErnestHemingway,quedesertanaIGuerraMundial,emItália.36PierreBroué,Históriada InternacionalComunista1919-1943,AscençãoeQueda,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.37.

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nofront»37.Arevoluçãorussa– filhadirectadaguerra–tinhacomeçadoem

Fevereirode1917,pelamãodasoperáriastêxteisdeSãoPetersburgoexigindo

«pão». Se é verdade que este foi sobretudo um tempo protagonizado pelo

movimentooperáriomasculinoeindustrial,queeramamaioria,nãodeixade

sersimbólicoqueamaior revoluçãosocialdahistória,eaprimeiravitoriosa,

tenhacomeçadonooperariadofeminino.

Aequação“naçãoéigualaEstadoeEstadoéigualaPovo”,queparao

historiador Eric Hobsbwam foi o centro da constituição do nacionalismo

burguêsdepoisdarevoluçãofrancesa38,vai ruiraqui.Na lutacontraaguerra

dasguerrasergue-searevoluçãodasrevoluções.

A Rússia tinha cerca de 170milhões de habitantes, uma aristocracia

ruraleigrejaemdeclínioequaseausênciadesectoresmédios,oquetornava

o Estado com menos capacidade – elasticidade – de resolver os conflitos

sociais.Essaausênciadesectoresmédiosprovocavaumaseparação–semum

colchãosocialamortecedor–entreosgrandesproprietárioseosoperáriose

camponeses. A indústria,muito concentrada, tinha cerca de trêsmilhões de

operáriosesó5%doscamponeseseramproprietáriosdasuaterra;12%eram

consideradosabastados(oskulak),mas40%nãotinhameiosparasobreviver.

Este caldode contradições transformaráuma revoltademassas camponesas

em luta pelo fim da guerra e pelo acesso à terra na primeira insurreição

proletáriadahistóriaatomaropodernumpaís39.

Asdeserçõesemmassanosexércitosem1916começavamaminara

base nacionalista das direções do movimento operário, forçado por isso a

evoluir para posições pacifistas, e nalguns casos revolucionárias. Os povos

estavam exaustos da guerra – no quadriénio da guerra multiplicam-se as

aparições, a charlatanice, a superstição, a «religião emerge poderosamente

comouminstrumentodeconsolação»40.OcultodeMariavaifazersurgirem

numerosas regiões da Europa aparições em toda a Europa, a mais famosa

Fátima,emPortugal.37 Leon Trotsky,História da Revolução Russa, Tomo II, Parte I e III\, São Paulo, Sundermann,2007,p.1083.38EricHobsbawm,NaçõeseNacionalismosdesde1870,SãoPaulo,PazeTerra,2ºedição,1998,p.32.39AComunadeParisficoucircunscritaaumacidade.40AngeloD’Orsi,1917.OAnoqueMudouoMundo,Lisboa,Bertrand,2017,p.103.

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Mas o que se revelou central e pôs fim à guerra foi uma revolução e um

Partido,oBolchevique:«DiferentementedaEuropaocidental,existianaRússia

um partido revolucionário organizado, o POSDR “bolchevique”, contrário à

“revolução por etapas” limitada à democracia parlamentar; era também o

únicopartidorussoqueenfrentaraà“uniãosagrada”de1914.Noimpériodos

czares, se o efeito da guerra fora desastroso para a tendência combativa e

revolucionáriadooperariadoreveladanosanosqueaprecederam,apartirdo

finalde1916aprópriaguerrapassouaseconstituiremfactorderadicalização

eaceleraçãodoritmodasgreves.Osindustriaisserecusavamcadavezmaisa

fazer concessões aos trabalhadores, e o governo continuava a responder a

cada greve comuma forte repressão, o que fazia renascer noproletariado a

ideiadeumagrevegeralparadarcabodeumasituaçãosocialcadadiamais

insuportável.Oprocessoderadicalizaçãopolíticadasmassastrabalhadorasse

exprimiademaneiraconvincentepelaestatísticacrescentedasgreves,epela

sua natureza: nos primeiros dois meses de 1917, as greves políticas

compreendiamseisvezesmaisoperáriosdoqueasgreveseconómicas.Rússia

voltava a ser o maior centro europeu e mundial da luta e do activismo

operário, da luta de classes. A maior tormenta revolucionária da era do

capitalismo se anunciavanohorizontedaÁsia, da Europa, domundo.»41 – a

revoluçãorussa,semaqualnãoépossívelcompreenderoséculoXXmundial.

ARevoluçãodasRevoluções

Em Janeiro de 1917 Lenine declarou «Nós, os mais velhos, talvez não

cheguemos a ver as batalhas decisivas da futura revolução»42. No dia 18 de

Fevereiro, 2 meses depois, os operários da mais importante metalúrgica de

Petrogrado–acidadedePedrooGrande–entramemgreve,queumasemana41 Osvaldo Coggiola, História do Capitalismo (para publicação)https://raquelcardeiravarela.files.wordpress.com/2014/11/ocogg-histe280a1ria-do-capitalismo1.pdfacessoem12deMaiode2017,p.836.42VladimirLenine,«Informesobrearevoluçãode1905»,emObrasCompletas,Vol.XXIV,p.274,cit in Arthur Rosenberg,História do Bolchevismo, Belo Horizonte, Oficina dos Livros, 1989, p.121.

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depois já se transformounumagrevegeral.ComonoDomingoSangrentoda

revoluçãode1905–o«ensaiogeral» -oczardáordensparaatirar sobreos

manifestantes mas as tropas recusam-se, pelo contrário, juntam-se aos

manifestantes. A «Rússia vê-se numa situação de dualidade de poderes: o

Governoprovisório, saídodaDumado Império, e osComités deoperários e

soldados (Sovietes) que se formaram durante as greves e a abortada

repressão»43.

Um processo revolucionário tem como característica essencial a

entradadasmassasnacenahistórica;eestaentradanãosefazporum«plano

preestabelecido de transformação social, mas com o amargo sentimento de

não lhes sermais possível tolerar o antigo regime».44 As classes entram em

luta e a explicação da dinâmica revolucionária está na forma comomuda a

consciência das massas, «as rápidas e intensas e apaixonadas mudanças

psicológicasdasclassesconstituídasantesdarevolução»45.

O atraso é o traço essencial da história da Rússia. Ao contrário dos

povos ocidentais, que quando se viram bloqueados nas fronteiras naturais

criaramascidades,pólosdinâmicoseconómicaeculturalmente,ospovosdas

estepes, quando se viram bloqueados emigraram, conquistaram florestas e

estepes. Em vez de comerciantes prósperos, com iniciativa, tornaram-se

sobretudoguardas-fronteirasoucolonos.Adependênciaeconómicaemilitar

daRússiadoOcidentefortaleceuoczarismo,queporseuturnofoiumtravão

aodesenvolvimentodopaís.OfactodesteEstadoabsorverumaquantidadede

riqueza públicamaior do que no Ocidente condenou asmassas populares a

uma miséria maior e retirou pujança às classes privilegiadas, fortemente

burocratizadas46.

43RogerGaraudy,Lembra-te!BreveHistóriadaURSS,Porto,campodasLetras,1995,p.15.44LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.10. É assim que o futuro líder do exército vermelho define uma revolução. A obra maisimportantedahistoriografiadarevoluçãorussaésemdúvidaadoseudirigente,LeonTrotsky,aHistóriadaRevoluçãoRussa.Banidadetantasuniversidadesporserconsiderada«política»,elafiguracomocentralaindahojenosgrandescursosdeHistóriadasmaisimportantesfaculdadesdospaísescentrais,acomeçarpelosEUAondeestánabibliografiadoMIT,porexemplo.45LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.10.46LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007.

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LeonTrotskyexpõeasuaTeoriadoDesenvolvimentoDesigualeCombinado47,

centralemtodaasuaobraequevaiserumadasmaisimportantesinfluências

naTeoriadoSistemaMundodeImmanuelWallestein48,tentandorespondera

estaquestão:Comoéqueoproletariadochegouaopodernumpaísatrasado?

Os países atrasados «assimilam as conquistas materiais e ideológicas dos

países adiantados» e “saltam” etapas. O capitalismo que «realizou a

universalidade do desenvolvimento da humanidade» exclui a repetição das

formas de desenvolvimento nos países atrasados – esta teoria permite

compreender porque é na Rússia atrasada que se forma o primeiro Estado

operário da humanidade, saltando a etapa democrática, dirigida pela

burguesia: «o privilégio de uma situação historicamente atrasada – e este

privilégioexiste–autorizaumpovo,oumaisexactamente,força-oaassimilar

todoorealizado,antesdoprazoprevisto,passandoporcimadeumasériede

etapas intermediárias. Renunciam os selvagens ao arco e à flecha e tomam

imediatamenteo fuzil (…)»49.Masesteprivilégio,assinalaTrotsky,é limitado

pelascondiçõeseconómicaseculturaisdopaís.OHistoriadornorte-americano

George Novack, numa sistematização sobre a teoria do desenvolvimento

desigual e combinado de Trotsky, afirma que o «grande atraso que havia

fortalecido a revolução e impulsionado as massas russas para a cabeça do

resto do mundo, transformou-se então no ponto de arranque da reacção

política e da contra-revolução burocrática»50. Ou seja, na ascensão do

estalinismo. Apesar do esforço da historiografia liberal de igualar Lenine a

Estaline,elenãopassaaprovadosfactos–Leninetemcomoúltimocombate

dasuavidaumalutapolíticadeumanoparatentarafastarEstalinedopoder51.

MaséumfactohojequeoatrasodaRússia–semaconcomitanterevolução

alemã–afezsucumbirnosanos30aumTermidor–umacontrarevolução-

47 Sobre esta Teoria ver Álvaro Bianchi, «O Primado da Política: Revolução Permanente eTransição»inOutubro,nº.5,pp.101-115;eGeorgeNovack,OMarxismoeoDesenvolvimentonaNaturezaenaSociedade,Porto,EdicionesPluma,1974.48ParaalémdateoriadodesenvolvimentodesigualecombinadodeTrostky,ateoriadosistemamundo de Wallerstein vai ser determinada pela teoria da dependência (por exemplo A.Gunterfrank)eBraudell.49LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.19-22.50 George Novack, O Marxismo e o Desenvolvimento na Natureza e na Sociedade, Porto,EdicionesPluma,1974,p.37.51MosheLewin,LeDernierCombatDeLénine,Paris,Syllepse,2015.

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quetemoseuápicenosprocessosdeMoscovoenaimpossibilidadedaURSS

tercontribuídoparaimpediraIIGuerraMundialpelaexpansãodarevoluçãoà

Alemanha,EspanhaeFrançanosanos20e30doséculoXX.

Mas retornemos ao «salto da flecha para o fuzil»: em 1914 as

empresas com mais de mil operários ocupavam 17,8% da totalidade dos

operários nos EUA e 41,4% na Rússia (44,4% em Petrogrado e 57,3% em

Moscovo).Esteoperariado,altamenteconcentrado,vemdocampode forma

brusca, rompendo violentamente com o que existia antes, sem passar uma

fasedepaulatinas transformaçõescomona InglaterraounaFrança–osdois

países a inaugurarem as revoluções burguesas e iniciar a modernização

económicacapitalista, paripassucomapaulatinademocratizaçãodoEstado.

A Rússia tinha o mais atrasado dos regimes políticos. Nas vésperas da sua

queda,oráculos,mágicos,místicosesantosrodeavamocazreczarina,omais

famosodelesRasputine,umcharlatãoquevaiganharestatutodeconselheiro

de Estado até ser assassinado em 1916. Na turbulência da guerra e da

revoluçãoqueoderrubou,Nicolau II tomachá,passeiaapé,andadecavalo,

remaobarcono lago...Nodiário deNicolau II, nas vésperas da aberturada

Duma,pode ler-se: «Passeei.Vestindoblusa fina. Recomecei a remar. Tomei

chá na varanda».Meses depois, quando da dissolução domesmo órgão, os

comentáriosnãodiferem:«9deJulho.Domingo.Onegócioestá liquidado!A

Duma foi hoje dissolvida. Ao almoço, após a missa, notavam-se várias

fisionomiasabatidas.Belotempo.DuranteopasseioencontrámosotioMisha

(…) Trabalhei tranquilamente toda a tarde até à hora de jantar. Passeei de

bote»52.Doladodaczarina,apolíticaparecesermenosfestiva:sãodelafrases

como«ARússiagostadeseracariciadacomchicote–estánanaturezadesta

gente!»53.

Aguerrateveinicialmenteumpapelderetardararevolução,masnum

momentoseguinteela fortaleceuoselementos revolucionários.Entre1903e

1917onúmerodegrevistaspolíticos variavaentre4000em1910e600000

52LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.68.53LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.72.

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em1906mascomdoisgrandespicosde1843000em1905(anodarevolução)

e1059000em1914.

Osoperáriosselançaramnagreve,entreesteseossoldadoscomeçou

a existir confiançamútua nomeio das lutas, a direcção bolchevique andava

aindaa“reboque”dosacontecimentos–eassimsemanteráatéAbrilde1917.

Na primeira semana de Abril, da frente norte e oeste, desertaram 8000

soldados,nasuamaioriamujiquesquequeriamterra…paravivernelaantesde

perecerem na frente de guerra. A força propulsora do processo são os

sovietes. De facto o czar abdica e forma-se umGoverno provisório chefiado

peloPríncipeLevov.Mas…umacoisaéformarGoverno,outraéqueesteseja

respeitado.NaRússiahaviaamemória,osaber,daorganizaçãodecomitésou

conselhos (os sovietes) de 1905. O Soviete de Petrogrado tinha sido

particularmente importante porque os seus líderes tinham participado no

ComitédeIndústriasdeGuerra.OSovietedePetrogrado,depoisdarevolução

democrática de Fevereiro, torna-se um Parlamento real, de base, onde se

debate política toda a noite e recebe-se delegações sem, parar, de toda a

Rússia.QuandosereúneocongressodosSovietesdetodaaRússiaemAbrilde

1917haviadelegadosde138sovieteslocais,7doexército,e26dasunidades

deguerradofront.54

Neste períodomultiplicam-se os sovietes (as bases sãomais radicais

queosprópriosbolcheviques,exigindo,apartirdobairrodeVyborg,asaídada

burguesialiberaldoGovernoProvisório).Vive-seumasituaçãodedualidadede

poderes.ADualidadedePoderesé«umasituaçãonaqualaclassedestinadaa

implantarumnovosistemasocial(…)concentra(…)umaparteimportantedo

poder do Estado, ao passo que o aparelho oficial permanece nas mãos dos

antigospossuidores»55.Estefraccionamentodopodertemumlimitetemporal

quepronunciaaguerracivilouaderrotarevolucionária.

Charles Tilly, relembrando a dificuldade que todos os processos

revolucionários levantam à teorização de uma definição comum a estes

momentos de transformação social e a variabilidade de factores que

54 William Henry Chamberlein, The Russian Revolution, vol 1, New York, 1935, p. 112, cit inRobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.131.55LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.204.

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caracterizam uma situação revolucionária, optou por utilizar como elemento

centraldefinidordasrevoluçõesaexistênciadeduplopoder56.Trotsky,noseu

estudo sobre a revolução russa, destacou três elementos que caracterizam

uma situação como revolucionária: a entrada em cena de milhões de

trabalhadores mobilizados, atracção dos sectores intermédios da sociedade

pelas organizações emétodos de luta das classes trabalhadoras e uma crise

nacional(maistarde,Trotskyacrescentaráaestadefiniçãoaexistênciadeum

partido revolucionário). Em suma, uma situação revolucionária seria um

processo político caracterizado pela entrada em cena de vastos sectores da

população (trabalhadores e classes médias) que altera a relação de forças

entre classes sociais, num quadro de crise (decadência) nacional. Valério

Arcary, na sua investigação sobre as revoluções do século XX, propõe a

distinçãodedois tiposde revoluções, as revoluçõespolíticaseas revoluções

sociais. Nas primeiras, muda o poder político; nas segundas, o poder

económico muda de mãos, ou seja, coloca-se em questão a propriedade

privada. Por analogia com a revolução russa, classifica estas revoluções

políticas de «revoluções de Fevereiro»; e as sociais de «revoluções de

Outubro».Deacordocomestecritério,nasuamaioriaasrevoluçõesdoséculo

XX, o século da história da humanidade emque houvemais revoluções, são

revoluçõespolíticas,objectivamenteanticapitalistasmassubjectivamentenão,

que estacionaramna fase de «Fevereiro», ou seja, não puseremem causa a

propriedadeprivadadosmeiosdeprodução,pelafragilidadedesuasdirecções

políticas.57

LeninevoltaàRússianoiníciodeAbrilde1917.Contraavontadedas

basesdopartido,maisjovenseoperárias,osdirigentes,sobretudoKameneve

Estaline, continuavam a não pôr em causa o Governo Provisório. Lenine

apresenta o documentoque ficou conhecido comoasTeses deAbril, que se

opunhaaoGovernoeàguerra.MasasTesesiammaislonge.Arevoluçãonão

seresumiaàstarefasdemocráticas.A4deAbrilLeninedirigiu-seaoCongresso

doPartidoBolchevique.NasequênciadasTesesdeAbrilLenineétratadopelos

56CharlesTilly,LasRevolucionesEuropeas,1492-1992,Barcelona,Crítica,1995,pp.26-27.57 Valério Arcary,As Esquinas Perigosas daHistória. Situações Revolucionárias emPerspectivaMarxista,SãoPaulo,Xamã,2004,p.98.

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dirigentes bolcheviques, pelo Governo Provisório e pelo Pravda como um

dirigente «desorientado», que estava há muito fora da Rússia e que não

compreendiaquenãoerapossívelirmaisalémdarevoluçãodemocrática.Mas

Lenineacabapor,apoiadosobretudonosectormais jovem,ganharopartido

para a sua política no fim de Abril, na Conferência realizada em Petrogrado

entre 24 e 29 de Abril. De Abril a Julho o Partido Bolchevique cresce com a

radicalizaçãodarevolução:emPetrogrado,emJunho,tem15000membros.

Nodia2deJulhode1917começamváriasmanifestaçõesespontâneas

emPetrogradoquenosdias3e4de Julhochegama reunirmaisde500mil

soldados e operários. O Partido Bolchevique defendia que era cedo demais

paraumainsurreição.Oproblemanãoeratantoodetomaropoder,masode

terfoçasocialparaoconservar.Asmanifestaçõesdaquelesprimeirosdiasde

Julhoforamderrotadas;aelasseguiram-seumasériedemedidasrepressivas

sobre os operários e soldados e sobre o Partido Bolchevique, que embora

inicialmentecontraasmanifestações,quandoelassederam,encabeçou-as.A

redacção do Pravda foi destruída; Lenine, caluniado como agente alemão,

obrigado à clandestinidade, e opróprio Trotsky, que formalmente aindanão

era do Partido Bolchevique, preso. Apesar da derrota, o partido não perdeu

quadroseacabouporfortalecer-se.

Das Jornadas de Julho à Insurreição de Outubro decorrem quase 4

meses.Muito pouco tempo na história se não estivéssemos a falar de uma

revolução.Porquenumprocesso revolucionário4mesesémuito. Éo tempo

de a burguesia preparar a sua última tentativa de suster o processo

revolucionário dirigindo um golpe que tem à frente o general Kornilov,mas

que é derrotado pelos operários e soldados. Novamente, o Partido

Bolchevique sai reforçado desta luta. Os socialistas revolucionários e os

mencheviques vão perdendo terreno. Tentam canalizar a revolução para um

Pré-parlamento.OpartidoBolchevique chegaa aprovarparticiparnestePré-

parlamentomassobpressãodeTrotsky,Lenine,SverdloveopróprioEstaline,

recuam e recusam-se a participar. O Partido Bolchevique tinhamais de 170

000membros;sóemPetrogradohaviamaisde40000militantes.

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A guerra camponesa contra os proprietários, em Setembro e Outubro,

radicaliza-se. As condições para a insurreição estavam reunidas: os

camponesestinhamperdidoaconfiançanossocialistasrevolucionários–que

nomomento da confiscação de terras aos nobres tinham recuado, tentando

restringiromovimentocamponês–;eosbolcheviqueserammaioritáriosnos

sovietes. Há diferenças políticas dentro do próprio Partido Bolchevique

(Kamenev e Zinoviev opõem-se à insurreição); Lenine apela para que a

insurreição seja “agora”; dão-se os preparativos militares da insurreição.

Poucosdiasdepoisdá-seatomadadepoderlideradapelosbolcheviques.

AtomadadepoderficousimbolizadanatomadadoPaláciodeInverno,

umlugarcentral,juntoaoRioNevaemPetrogrado.DooutroladodoRioestá

afortalezaPedroePaulo.Nosemicírculoquehojeservedeentradaamilhões

deturistasparavisitaroMuseuHermitage,alojadonessesumptuosoPalácio,

morreramem1905maisde50trabalhadoresmetralhadospelastropadoczar

no Domingo Sangrento. Uma bomba tinha aí explodido, desta vez num

atentado levado a cabo por ummarceneiro em 1881. Em 1879 o estudante

SolovievatirouaquisobreoczarAlvendre II.Estavaaí,emOutubrode1917,

Kerenskyquandonamadrugadadodia25deOutubrofoiderrubado.

A fábula da teoria do golpe de Estado num processo determinado

pelasmassas,omaisdeterminadopelasmassasqueahistóriaconheceu,58não

sesustenta.PoucosdiasantesdatomadadepoderKerenskyreconhecerá«O

povo russo – disse com amargura - sofre de esgotamento e também de

desilusão no que diz respeito aos Aliados. OMundo pensa que a revolução

atingiuoseufim.Nãoacreditemnisso:aRevoluçãoRussamalcomeçou…»59.

«Assim como a guerra, ninguém faz uma revolução de boa vontade. A

diferença consiste em que, numa guerra, o papel decisivo é o da coacção;

numarevoluçãonãohácoacção.Anãoseradascircunstâncias»60.

58LeonTrotsky,HistóriadaRevoluçãoRussa,TomoI,ParteI,SãoPaulo,Sundermann,2007,p.931.59JohnReed,DezDiasqueAbalaramoMundo,Lisboa,Europa-América,1976,p.48.60p.842VolIII.

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Arevoluçãorussa“deutudodesi”

A revolução russa “deu tudo de si”: «Durante pouco mais de cinco anos,

emergiramna França revolucionária figuraspolíticasdeprojecçãohistóricae

alcancemundial que, em outras épocas, o mundo todo teria demorado um

século ou mais para produzir. Só a Revolução Russa, entre 1917 e 1923,

conseguiuumfeitosemelhante(massemigualá-lo).ARevoluçãodeutudode

si,nascondiçõeshistóricasemqueaconteceu.61».Paz,Pão,Terra–odecreto

dapaz,mesmoperdendo aRússia vastas áreas do território; a terra paraos

camponeses, o decreto sobre o controlo operário a

expropriação/nacionalização da banca e sector financeiro. Pela acção directa

os trabalhadores conquistaram 8 horas de trabalho, demitiram gestores

ligados ao czarismo, persecutórios, durante a férrea ditadura chefiada na

polícia(Okrana),subiramossalários,váriasvezes,econtrolaramaprodução62.

Nenhum dos trabalhos que utilizou os arquivos abertos da URSS, depois da

quedadomuroem1989/1990,sustentaavisãoliberalqueigualaoperíododa

revolução com o estalinismo: «foi a confiança dos trabalhadores e o seu

envolvimento nos locais de trabalho que deu ao regime de fábrica um grau

essencialdelegitimidade»63eofezemmassaaderiraoPartidoBolchevique,os

mesmos trabalhadoresquedepoisde1928desertaramdopartido.OCódigo

daTerraedaFamília,emborafaceàpobrezaextrema,ampliavacomonunca

os direitos dasmulheres; união livre, fim da perseguição aos homossexuais,

cuidadodascriançassocializadocomcreches, lavandariaspúblicas,protecção

àsmãesolteiras,direitoaoaborto64.

Ao talento de Leon Trotsky como general – que a bordo de um

comboioblindadochefiouumexércitoexauridodaIGrandeGuerraederrotou

14exércitosinvasores,as«tropasbrancas»- juntavam-sefactoresobjectivos:

osbrancosnãorealizaramareformaagrárianosterritóriossobasuaalçadae61 Osvaldo Coggiola, História do Capitalismo (para publicação)https://raquelcardeiravarela.files.wordpress.com/2014/11/ocogg-histe280a1ria-do-capitalismo1.pdfacessoem12deMaiode2017,pp.295-296.62KevinMurphy,RevolutionandCounterrevolution,NewYork/Oxford,BerghahnBooks,2007,p.225.63KevinMurphy,RevolutionandCounterrevolution,NewYork/Oxford,BerghahnBooks,2007,p.226.64WendyGoldman,Mulher,EstadoeRevolução,SãoPaulo,Boitempo,2014.

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nãocolocaramemcausaahierarquiadocleroedosvelhosgenerais–tinham

portantoescassoapoioentreoscamponeses,queamparamosbolcheviques.

Porquearevoluçãosocialmaisimportantedahistóriadahumanidade,

quemaisdireitosconquistou,dentroeforadaRússia,terminounosangrento

banho de sangue da colectivização forçada dos anos 30, dos processos de

MoscovoedaaniquilaçãofísicadocomitécentraldoPartidoBolcheviqueeda

emergênciaàescaladecentenasdemilhardotrabalhoforçadonaURSS?

OsestudosdeCharlesTillyderammuitaimportânciaàrelaçãoentreas

revoluções e os factores macroestruturais - este autor defende que a

compreensãodas causas e do desfechodas revoluções não deve ser isolado

«daposição(dopaís)nosistemaderelaçõesentreEstados»65.Oisolamentoda

revolução russa, a solidariedadedospaíses capitalistas ao coordenaremuma

invasãocomumàRússiae,sobretudo,aderrotadarevoluçãoalemãlevaramà

criação de um monstro - o burocratismo, encarnado na figura de Estaline.

Todas as obras de história da revolução russa escritas antes de 1937 foram

retiradas de circulação e o simples facto de se lerem ou as ter em casa era

punível pela lei.66NaURSS«DuranteoXVII Congresso, Kaganovichoferecerá

uma prova inquestionável disso, ao indicar que a fábrica de vagões de

Moscovotem601administradores,dosquais367seencontramdivididosem

catorzeserviçoscentraiseos234restantestrabalhamnasdiferentesoficinas,

tudoissoinerenteaumaempresaqueemprega3.832operários(…)».67

Leninedisse-o,emváriosdiscursos, sobrea revoluçãorussade1917,

que ele próprio liderou: «É umgrande infortúnio que a honra de começar a

primeira revolução socialista tenha cabido ao povo mais atrasado da

Europa».68 Na viragem do século XIX para o século XX a Rússia camponesa

produziaquase1/3amenosqueaagriculturaalemãequase¼amenosquea

agricultura inglesa.69 Escrevendo sobre a guerra civil, um dos dirigentes da

65CharlesTilly,LasRevolucionesEuropeas,1492-1992,Barcelona,Crítica,1995,pp.26-23.66VictorSerge,AnoUmdaRevoluçãoRussa,Lisboa,EdiçõesDelfoes,1975,p.15.67PierreBroué,OPartidoBolchevique,SãoPaulo,Sundermann,2014,p.321.68RosaLuxemburgo,TextosEscolhidos,VolumeII(1914-1919),SãoPaulo,EditoraUnesp,2011,p.17.69RobertO.Paxton,EuropeintheTwentiethCentury,Orlando,Harcourt,1997,p.11.

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InternacionalComunista,VictorSerge, recordaquenãoeramos14exércitos

estrangeirosquemaisosdesmoralizavam,maso«tifoeafome».70

O capitalismo permitiu, ao derrubar as barreiras do sistema fechado

feudalousemifeudal,introduziraconcorrência,omercadointerno,otrabalho

assalariado, impulsionando o maior salto de desenvolvimento das forças

produtivas de sempre da humanidade. Porém, nos finais do século XIX a

primeiragrandedepressão–1870–davajásinaisdeummotorgripado:«Ao

deixar patente a existência de um excedente absoluto de capital sem

condições objectivas de realimentar o circuito de valorização, a queima de

riqueza tonar-se um imperativo do metabolismo do capital»71, ou seja, a

guerra e a barbárie, a produção para destruição vão ser a principal e mais

catastrófica facto do século XX – duas guerras mundiais mataram 70 a 80

milhõesdepessoas,numprocessopolíticoviolentode«liquidaçãodevalor»,a

«destruiçãoderiquezaimpõe-secomooúnicomeioderestaurarascondições

para a retomada do processo de acumulação»72. Como nos recorda o

historiadorChrisHarman,o imperialismonãoésóumestágiodahistóriaem

quehádisputadascolónias,é«umsistemacujalógicafoiatotalmilitarização

eaguerratotal,apesardadevastaçãosocialqueissoprovocou»73.OséculoXX

seráaindamarcadoportrêsgrandesdepressões:1929,quandoocapitalismo

mundial sucumbiu e foi procurar salvação na II Guerra Mundial, e 2008,

quando a ampliação do Estado salvou os maiores bancos e industrias dos

principaispaísesdomundo,incluindoEUA,Inglaterra,AlemanhaeFrança74.

Esta característica económica domodo de acumulação no século XX

vaisedaraparipassucomasrevoluçõesdemocráticasesociais.OséculoXX

foioséculomaisrevolucionáriodetodaahistóriadahumanidade:revolução

russa 1905, revolução republicana Portugal 1910, revoluçãoMexicana 1910,

revolução irlandesa1916, revolução russa1917, triéniobolcheviqueEspanha

1917-1920; biénio rosso Itália 1919-1920; revolução húngara 1919, alemã

1919, revolução alemã 1923, revolução austríaca 1934, revolução espanhola

70VictorSerge,OfíciodeRevolucionário,RiodeJaneiro,MoraesEditora,p.10871OsvaldoCoggiola,AsGrandesDepressões,SãoPaulo,Alameda,2009,pp.10-11.72OsvaldoCoggiola,AsGrandesDepressões,SãoPaulo,Alameda,2009,pp.10-11.73ChrisHarman,APeople’sHistoryoftheWorld,LondonandSidney,Bookmarks,1999,p.409.74MichaelRoberts,TheLongDepression,Chicago,Haymarketbooks,2016.

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Rev.DireitoePráx.,RiodeJaneiro,Vol.08,N.3,2017,p.2227-2255.RaquelVarelaDOI:10.1590/2179-8966/2017/29905|ISSN:2179-8966

1934-36, Indonésia 1946-49, revolução chinesa 1949, revolução boliviana

1952,levantamentodaDDR1953,revoluçãohúngara1956,revoluçãocubana

1959,todasasrevoluçõesanticoloniais,amais importante,oVietnam;Maio

de 68, Primavera de Praga 1968, Outono quente de 1969 Itália, revolução

portuguesa1974,revoluçãonaNicarágua1979,revoluçãoiraniana1979…

O século XX é o século da luta de classes, do maior número de

revoluções de toda a história da humanidade, tal como Karl Marx tinha

previsto no panfleto que escreveu com Friedrich Engels para a fundação da

Internacional,OManifestodoPartidoComunista75–nuncaumséculoassistiu

a tantas revoluções, democráticas e sociais, como o século XX. O século XX

tevemaisFevereiros–revoluçõesquemudaramosregimespolíticos,doque

Outubros, «revoluções que deslocaram o controlo do Estado burguês»76.

Houvemuitascrisesrevolucionáriasdepoisdos“Fevereiros”quetiveramuma

dimensão semelhante ao Outubro russo, com divisão no seio das forças

armadas, dualidade de poderes com criação de conselhos de trabalhadores,

ocupaçãodefábricaseexpropriações–masnamaioriaostrabalhadoresnão

tomaramopoder.Enospaísesque tomaram,a lutadeclasses retrocedeue

deu lugar anovas formasdehierarquização, ou, emcasos isolados, escassez

incompatível com o socialismo, como foi o exemplo de Cuba. Para o

historiadorValérioArcaryajuda-noscomasseguinteshipóteses:emprimeiro

lugar, «os processos revolucionários que triunfaram e foram até à

expropriação(Jugoslávia,Albânia,China,Coreia,Vietname,Cuba)contrariaram

três prognósticos do marxismo clássico: 1) o proletariado não foi o sujeito

social dirigente, predominaram as revoluções agrárias, com forte

protagonismocamponês;2)aauto-organizaçãopluralouademocraciadirecta

não existiram, predominou a forma de duplo poder territorial, através de

exércitosrevolucionáriosouguerrilhasmilitarmentecentralizadas,edepoisda

conquistadopoder,umaevoluçãouniformenosentidoderegimesditatoriais

departidoúnico;3)aestratégiainternacionalistanãotevemaiorimportância;

75KarlMarx,FriedrichEngels,ManifestodoPartidoComunista,Coimbra,NossoTempo,1974.76 Valério Arcary,As Esquinas Perigosas daHistória. Situações Revolucionárias emPerspectivaMarxista,SãoPaulo,Xamã,2004,p.104.

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ao contrário, predominou um intenso nacionalismo, com excepção da

revoluçãocubananosseusprimeirosanos»77.

Masasrevoluções,prossegueoautor,sãodeterminantesparaexplicar

asreformas:«Somentequandoestiveramameaçadasseriamentepeloperigo

revolucionário – como pela Comuna de Paris e pelas duas vagas

revolucionárias que se seguiram à Revolução de Outubro na Rússia – os

capitalistasaceitaramfazerconcessões(…)Oprojectohistóricodereformado

capitalismotemfracassadorepetidase incontáveisvezes»78.Estaafirmaçãoé

particularmente brutal hoje quando 1% da população tem amesma riqueza

dosrestantes99%.79ArevoluçãorussasucumbiuaoTermidorEstalinista,mas

nãosepodemisturarrevolução–até1927–comcontra-revolução,daíentão.

Estava tudo em aberto nos anos 20 da Europa do século XX, os germes da

ditaduraqueseconsolidou,arestauraçãodocapitalismoquelheseguiu,mas

também a semente de uma sociedade igual e livre – permanece hoje em

aberto,ouseja,histórico.

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77 Valério Arcary,As Esquinas Perigosas daHistória. Situações Revolucionárias emPerspectivaMarxista,SãoPaulo,Xamã,2004,p.98.78ValérioArcary,OEncontrodaRevoluçãocomaHistória,SãoPaulo,Sundermann,2006,p.296.79«1%dapopulaçãoglobaldetémmesmariquezados99%restantes,dizestudo»,InBBCNews,18deJaneirode2016,http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160118_riqueza_estudo_oxfam_fn acessoem29deJulhode2017.

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SobreaautoraRaquelVarelaIHC-Universidade Nova de Lisboa; Professora visitante na Universidade FederalFluminense; International Institute for Social History. E-mail:[email protected]éaúnicaresponsávelpelaredaçãodoartigo.