a gravura de ilustração no cordel e a gravura de arte no ceará
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A GRAVURA DE ILUSTRAO NO CORDEL E A GRAVURA DE ARTE NO CEAR: DIFERENAS E SIMILARIDADES
Francisco Sebastio de Paula UFMG Maria do Carmo Freitas Veneroso UFMG
RESUMO
Esta uma abordagem sobre a xilogravura de ilustrao no cordel e a xilogravura de arte no Cear, analisando as diferenas e semelhanas entre a produo de Fortaleza e da regio do Cariri. So analisadas as obras de dois artistas cearenses, Mestre Noza, de Juazeiro do Norte, e Francisco de Almeida, de Fortaleza, a partir de um levantamento bibliogrfico, estendendo-se a catlogos e ao site do Museu de Arte da Universidade Federal do Cear. O objeto de estudo faz parte de uma investigao maior em curso no doutorado em Artes na Universidade Federal de Minas Gerais, na qual abordada a trajetria da xilogravura no Cear nos seus diferentes segmentos: de ilustrao, comercial, artstica e no campo ampliado. Palavras chave: xilogravura, ilustrao, arte.
ABSTRACT
This is an approach to the xylograph illustration in cordel and xylograph art in Cear, where the differences and similarities between the production of Fortaleza and the region of Cariri are analyzed. The study uses as a parameter to achieve this purpose, the works of two artists from Cear: Mestre Noza from Juazeiro and Francisco de Almeida from Fortaleza. It began with a literature review, extending to the site and catalogs from the Museum of Art at the Federal University of Cear. This study is part of a larger investigation now in progress, during the Doctorate Course in Arts at the Federal University of Minas Gerais. It investigates the history of engraving in the State of Cear in its different segments: illustration, commercial art and the expanded field. Key words: woodcut, picture, art.
O presente trabalho a gravura de ilustrao no cordel e a gravura de arte
no Cear: diferenas e similaridades um fragmento do estudo em curso no
doutorado em Artes na Universidade Federal de Minas Gerais, cujo objeto de
investigao a trajetria da xilogravura no Cear, nos seus diferentes segmentos:
de ilustrao, comercial, artstica e no campo ampliado.
O trabalho est inserido na categoria de uma investigao sobre arte e de
acordo com a concepo de Sandra Rey (2002), uma pesquisa pode ser assim
denominada quando a mesma desenvolvida, principalmente, por tericos, crticos
1750
e historiadores, tomando como objeto de estudo a obra artstica, efetuando anlises
pontuais e estudos histricos dos meios de circulao e da insero de artistas e
obras no mercado de arte. Iniciou-se com um levantamento bibliogrfico,
estendendo-se a catlogos e ao site do Museu de Arte da Universidade Federal do
Cear.
O recorte limitou-se a analisar as diferenas e semelhanas da produo
realizada para a ilustrao no cordel e a gravura de arte, usando como parmetro a
obra de dois artistas, um da regio do Cariri, Mestre Noza, e outro de Fortaleza,
Francisco de Almeida. O motivo de suas escolhas por tratar-se de duas das mais
significativas produes na rea da xilogravura no Estado Cear: o primeiro
considerado um dos mais importantes artistas de Juazeiro do Norte, e o segundo o
de maior projeo na atualidade, entre os que atuam em Fortaleza. Antes de
analisar as obras dos gravadores citados, se faz necessrio apresentar uma breve
trajetria da xilogravura cearense.
A xilogravura no Cear
A xilogravura foi introduzida no Brasil em 1808. Somente aps quase duas dcadas, que se encontram registros da sua chegada ao Cear, de acordo
com Gilmar de Carvalho (2001), em Fortaleza, por volta de 1824, e na regio do
Cariri em 1855. Veio de Recife junto com a imprensa e o seu uso estava, inicialmente, voltado para ilustraes de papis comerciais, publicidade, pequenos
anncios e vinhetas para jornais e livros.
Na regio do Cariri cearense, a gravura em madeira chegou ligada
ilustrao em peridicos, desde o final do sculo XIX. De acordo com Carvalho
(2001) a xilogravura ganhou grande repercusso no jornal O Rebate, fundado em
1909, no qual eram realizadas de forma incessante, propagandas e mobilizao em
favor da emancipao poltica de Juazeiro do Norte, que nesta poca ainda
pertencia ao Crato.
As primeiras manifestaes foram na forma de charges de acentuada
conotao poltica. No sculo XX surgiu a ilustrao comercial em pequenos
anncios e, a partir da dcada de 1930 a xilogravura passou a predominar nas
capas de folhetos de cordel.
1751
Carvalho (2001) destaca a importncia de Jos Bernardo da Silva para o
desenvolvimento e difuso da xilogravura no Nordeste. Ele chegou a Juazeiro do
Norte como romeiro, fixou residncia, passou a trabalhar como vendedor ambulante
e tornou-se editor, publicando poemas populares. A necessidade editorial exigia
pressa nas impresses e nas vendas e o alto custo e a demora na fabricao dos
clichs de metal, que no incio do sculo XX ainda no eram comercializados na
regio do Cariri, tornava necessrio o deslocamento a Recife ou Fortaleza para
adquiri-los. Tendo em vista a dificuldade na obteno de clichs, Jos Bernardo
passou a encomendar xilogravuras a artistas com o objetivo de ilustrar capas de
folhetos de cordel.
O uso das xilogravuras nas capas dos cordis substituindo os clichs
provocou inicialmente uma reao do pblico consumidor, que desaprovou as
mudanas, talvez influenciando diretamente no volume de venda dos folhetos. No
se tratava de uma opo esttica, pois a preferncia do pblico consumidor era
pelas fotografias de artistas de Hollywood, estampadas por meio dos clichs de
metal. Franklin (2007) ressalta que as capas com xilogravuras s despertavam o
interesse de intelectuais e turistas.
Um novo segmento na xilogravura da regio do Cariri surgiu na
dcada de 1960, em consequncia da interveno por parte do Reitor da
Universidade Federal do Cear, no momento em que o cordel entrava em crise. De acordo com Carvalho (1998) as aes foram: a primeira, a garimpagem das
matrizes adquiridas para o Museu de Arte da Universidade Federal do Cear,
atualmente um dos maiores acervos, no Brasil, deste segmento artstico; a segunda,
iniciada a partir da encomenda de vrios lbuns xilogrficos aos artistas da regio,
em 1965. O principal objetivo era de manter os artistas produzindo. Alm disto, esta
atividade poderia assegurar a entrada dos artistas no mercado de arte.
O pioneiro desta novidade foi Mestre Noza, que realizou primeiramente
uma via-sacra, e em seguida um lbum sobre a vida dos apstolos e outro sobre a
vida de Lampio. Alm disto, foi o primeiro artista que produzia exclusivamente para
o mercado da ilustrao em Juazeiro do Norte, assumindo a autoria da sua
produo, ou seja, assinando suas gravuras. A partir desta iniciativa outros
1752
gravadores no Cariri passaram a realizar obras desvinculadas do cordel, e
considera-se que a partir deste momento surge a xilogravura artstica na regio.
Na dcada de 1980 houve uma terceira interveno na xilogravura da
regio do Cariri, desta vez realizada pelo professor Gilmar de Carvalho, que teve
como objeto de estudo no seu mestrado o uso do cordel na publicidade. Deu
continuidade investigao, com uma variao do tema, na tese denominada
Madeira Matriz e durante o desenvolvimento do trabalho encomendou lbuns e vias
sacras. Estas aes incentivaram o retorno dos gravadores produo xilogrfica, j
que a maioria havia abandonado as atividades desestimulados pela falta de
valorizao de suas obras. Os resultados se estenderam alm dos limites da
pesquisa, pois a partir desta produo foram realizadas vrias exposies pelo
pesquisador e por instituies pblicas e privadas.
Desde o incio da trajetria da produo xilogrfica na regio do Cariri at
o final sculo XX, poucas alteraes estticas ocorreram. As mudanas mais
acentuadas comearam a surgir somente na dcada de 2000, com as intervenes
urbanas por meio do estncil, um dos segmentos da gravura no campo ampliado.
Estas manifestaes que tem ocorrido em parceria com grupos artsticos de
Fortaleza.
Em Fortaleza, como ocorreu em outras regies, a xilogravura no seu
princpio se desenvolveu em forma de ilustrao nos peridicos, desde meados do
sculo XIX. As temticas predominantes eram as charges polticas, satirizando
autoridades e personalidades de diversas reas da sociedade cearense. Estas
abordagens provocantes levaram perseguio de muitos de seus ilustradores,
obrigando-os a fugir para outras regies brasileiras.
No h registros de uma produo significativa de gravuras para capas de
cordis em Fortaleza. Do incio a meados do sculo XX, a produo desvinculada
da ilustrao, e considerada artstica, espordica, como pode ser observado no
depoimento de Aldemir Martins de 1988, publicado no livro Gravura: arte brasileira
no sculo XX, editado pelo ITA Cultural em 2000:
Iniciei em 1942, quando ainda estava no Cear. Fazia parte de um grupo que tinha um suplemento literrio no jornal Unitrio, de Fortaleza, que pertencia aos Dirios Associados. Era uma publicao gratuita na qual
1753
cada um de ns gravava sua prpria ilustrao. Tudo era feito de maneira rudimentar com gilete e canivete, no tnhamos nem ideia do que era uma goiva. S com a vinda para o sul que descobri que havia outros gravadores, mas no sabia de que forma se gravava.
De acordo com o depoimento de Aldemir Martins as primeiras produes
de xilogravura em Fortaleza eram realizadas de forma aut