a grande espera (psicografia co - espirito euripedes barsanulfo)

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EBOOK ESPÍRITA

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  • A GRANDE ESPERA CORINA NOVELINO EURPEDES BARSANULFO (ESPRITO) MOMENTOS HISTRICOS DOS ESSNIOS E DO CRISTIANISMO DO SCULO I

  • PALAVRAS NOSSAS Em outubro de 1955,. quando iniciamos nosso segundo livro medinico, tnhamos ao lado, no Lar de

    Eurpedes, em Sacramento, MG, extraordinria equipe de sustentao, constituda pelas

    inesquecveis Tia Amlia e Maria da Cruz, que nos ofereciam reconfortante circuito de implementas

    propiciadores de singular integrao espiritual.

    O sewio iniciante produzia em nosso reduzido crculo um clima de paz, de jbilos e de certa

    curiosidade pelo desenvolvimento do tema, que se nos afigurava como os desenhos delicados de uma

    obra de lavor valioso, levando-nos a considerar a responsabilidade do trabalho.

    Tia Amlia mdium clarividente de respeitvel bagagem -mostrava-se encabulada por no

    perceber aEntidade comunicante a no ser pela alva mo sobre o meu brao direito.

    Nosso querido Francisco CndidoXavier, ento domiciliado em Pedro Leopoldo, escrevia-nos com

    freqncia, no devotado empenho de conduzir-nos os vacilantes passos de mdium incipiente, aos

    roteiros da disciplina. At o iluminado Guia Emmanuel, caridosamente, empenhou-se,

    espontaneamente, atra-vs do seu mdium, em nosso favor, com orientaes incentiva-doras.

    Dessa forma, dois meses aps a recepo do primeiro captulo do livro, eis que o abenoado

    mdium de Pedro Leopoldo nos remete uma carta, anunciando que Emmanuel lhe comunicara que

    Eurpedes estava ditando um livro por nosso intermdio.

    Ante o inesperado da notcia, pusemo-nos a chorar de alegria, sentindo a responsabilidade do

    compromisso assumido.

    Decorriam os meses. Cada vez nos sentamos mais empolgadas - pelo trabalho. Quando surgiram

    as primeiras pginas, em que se relacionavam as estruturas sociais e educativas da vida essnia, no

    sul da Judia, o assunto era completamente estranho ao pequeno crculo e de tal sorte

    envofvamo-nos na projeo mental do Autor Espiritual que as paisagens, os locais,as pessoas, tudo,

    tornara-se-nos extremamente familiar.

    As montanhas, o mar, o povoado essnio apareciam aos olhos de todas ns como elementos j

    conhecidos.

    Tia Amlia habituara-se a solicitar-nos, todas as vezes que concluamos os trabalhos medinicos

    da noite: No leia o captulo, antes que eu descreva os quadros e cenas que me foram mostrados."

    As descries de Tia Amlia coincidiam de modo perfeito com as narrativas recebidas por ns.

    Fran cisco Cndido Xavier, aps a leitura da primeira parte do livro, afirmou-nos que Eurpedes

    aparece nestas pginas encarnado num de seus personagens.

    A obra foi concluda em 16 de dezembro de 1956. Entrega- mo-la em 1970 experincia do

    notvel escritor e publicista espritaWallace Leal Rodrigues, que no-la devolveu em 1974 sem as

    correes, que lhe solicitamos. Assinalou o ilustre confrade, em carta, que o livro deveria ser

    divulgado como estava, sem modificaes sofisticadoras, capazes de alterar-lhe a singeleza do

    estilo, vazado em termos didticos facilmente assimilvel a todas as idades, a comear pelas faixas

    etrias infanta-juvenis.

    Evidencia Wallace L. Rodrigues que o livro contm a verdade, por isso tambm deve ser publicado. Desse modo, entregamos A GRANDE ESPERA a voc, leitor amigo, esperando em Jesus, venha o

    livro oferecer modestas sugestes ao seu bom nimo, na jornada santificante do Bem.

    Sacramento, janeiro de 1977.

    Corina Novelino

  • 1 - UMA FAMLIA PATRCIA NA

    SAMARIA Aos poucos, Sebaste tornara-se o centro de atrao dos estrangeiros radicados no sul, norte e

    no centro da Palestina, em razo das excelentes condies de segurana criadas por He- rodes, o

    Grande, que a dotou de imponentes edifcios e de extensas muralhas, tornando-a uma das maiores

    cidades do mundo.

    A reconstruo da cidade destruda por Hircano valera grande fama ao Tetrarca, que j havia

    construdo a fortaleza Antnia, perto do Templo de Jerusalm.

    Alm de construir um castelo em Gabara e outro na Peria fez levantar outro forte no local

    denominado Campo.

    Todo o poderio do rei buscava uma meta central: proporcionar as possveis medidas desegurana

    para suas provncias a fim de evitar quaisquer movimentos de rebeldia popular.

    Sebaste nova era bem o espelho desse pensamento dominante do governo de Herodes, que

    aumentou o permetro da cidade, fortificou-a com muralhas e ergueu a majestosa Torre de

    Estrato. No centro construiu espaosa praa, onde levantou um templo soberbo.

    A antiga Samaria revestira-se de opulncia no brilho de seus mrmores, graas ao carter de

    fora e beleza que o rei lhe imprimira, de vez que Herodes a considerava como monumento da

    grandeza e da magnificncia a alimentar suas ambiciosas pretenses, no obsessivo desiderato de

    imortalizar seu nome, atravs dos sculos.

    Desse modo, Sebaste robusteceu-se com bem organizado contingente de tropas estrangeiras e

    das provncias vizinhas.

    A habilidade do soberano levara-o a dvidir as frteis terras da vizinhana com os habitantes de

    Sebaste a fim de povo- la rapidamente.

    Situada numa colina, a cidade oferecia opulentos quadros panormicos, aliados excelncia do

    clima.

    Tantas razes levaram Copnio, alto mandatrio romano na Judia, a eleger Sebaste como

    domiclio ideal para seus filhos de oito e onze anos, respectivamente, enquanto ele permanecia

    grande parte do tempo em Jerusalm,no cuidado das atividades atinentes ao governo da provncia.

    A bela residncia do Copnio erguia-se na parte sul da cidade. Imponente moldura frontal,

    ostentando arbustos ornamentais, enriquecia o quadro, que a construo de acentuadas

    caractersticas romanas oferecia.

    Grande ptio, marginado por magnficas palmeiras, quase todo o ano em frutescncia, estendia-se

    a perder de vista.

    Ali, divertiam-se os filhos queridos de Copnio, numa das manhs clidas de Sebaste.

    O menor detinha traos remotos dos romanos do norte da Pennsula, sem as marcas de

    severidade e dureza, caractersticas da raa.

    O outro apresentava no rosto claro e expressivo, a vivacidade turbulenta de seu povo.

    Diferentes no temperamento, mostravam sutis traos de dessemelhana no conjunto fisionmico.

    Havia uma hora que os meninos brincavam na alameda saudvel e pitoresca, ensombrada ao sol

    matinal, sob a vigilncia carinhosa de um servo.

    O mais novo estacara de repente, cansado da recreao numa das bigas, que o pai lhes brindara,

    visando iniciar os filhos em exerccios, que os levariam aos jogos futuros da famlia.

    Pensativo, afastara-se recusando o folguedo, que o irmo mais velho amava com entusiasmo.

    Sem sair de sua biga, este adverte ao pequeno, com maus modos:

    - s um moleiro, Marcos! Alguns momentos de jogo bastam para pr-te fora de

  • combate. Imagino s que grande guerreiro seras!...

    - No serei guerreiro, Glauco. No quero matar ningum!

    As palavras de Marcos soaram como uma chibatada aos ouvidos do irmo, que redarguiu:

    - No queres, ? Acaso possuis algum privilgio maior que os meus? Achas que podes

    contrariar os princpios de nosso pai?

    - Papai, bom como , ser o primeiro a no permitir que levemos a morte a semelhantes

    nossos! - retorquiu o menino triste, com os olhos perdidos nas colinas prximas.

    - Como s ignorante, meu irmo! Pois saibas que papai j decidiu sobre nosso futuro.

    Seremos legionrios de Csar, como convm a romanos bem nascidos como ns.

    As expresses de Glauco bem lhe refletiam a vaidade precoce, incrementada de orgulho pela

    linhagem nobre.

    Marcos, porm, j com os olhos derramando lgrimas incontidas, conclui com ingnua firmeza:

    - Falarei com papai. Recuso-me a participar de lutas, nos campos de batalhas...

    - Alm de tudo, s covarde... Tens medo luta, foges aos inimigos!...

    - No tenho inimigos! - reage o doce menino.

    Como no? Os inimigos de Csar so nossos tambm!

    No compreendo tal disparate. Deves estar enganado, Glauco!

    A conversa teria prosseguido se inopinado rumor, vindo da rua, no houvesse despertado a

    ateno dos irmos, que atravessaram a vasta rea recoberta de mosaicos raros, acorrendo ao largo

    porto, artisticamente trabalhado em alabastro.

    Na via, algumas dezenas de filas de homens ainda jovens, mas profundamente abatidos,

    arrastavam carretas cheias de material blico, frente de garbosos legionrios.

    Mulheres e crianas participavam do estranho grupo, exibindo chagas ntimas nos rostos

    carregados da poeira-quem sabe de longos caminhos.

    Glauco apercebeu-se logo da ocorrncia e tratou, maldosamente, de pr o irmozinho a par dos

    fatos.

    Lembrava-se ele de recentes informaes paternas a respeito de importante expedio romana

    aos pases do norte do Mar Grande, quase fronteiros Antioquia, que deveria passar por Sebaste.

    Aps a explicao em pormenores enfticos, Glauco assinala com ares de triunfo:

    - Vs, Marcos? A tens escravos, criaturas vencidas nos combates com os nossos.

    Senomudarestuasidias absurdas, sers um desses infelizes em futuro prximo! .

    Marcos afastara-se at imponente soleira do palcio paterno, onde se sentou, profundamente

    abatido.

    No lhe saa da mente o triste cortejo de seres humanos que marchavam para incerto destino.

    Meditava na estranheza de semelhante tratamento a criaturas, certamente dotadas da faculdade

    de amar e sofrer. Para ele todas eram iguais. Todas as crianas brincavam em jardins bonitos e

    participavam de suculentos banquetes dirios. Todas vestiam linho fino.

    Agora, porm, mostravam-lhe um mundo novo, onde se viam crianas maltrapilhas e abatidas,

    trazidas pelos braos

    cansados de jovens mes, envelhecidas prematuramente. !

    Nesse mundo diferente, apareciam-lhe homens moos e j trpegos, marcados por feridas

    sangrentas e pela fome.

    Como podia ser aquilo?

    E como no pudesse entender os ngulos novos da vida, que lhe surgiam de inopino ante o corao

    sensvel, Marcos aproximou-se do porto novamente, apoiando as mozinhas

    leves e brancas no gradil brilhante, num gesto de dolorido desnimo.

    Dos olhos claros e suaves, brotaram-lhe lgrimas silenciosas.

    O palcio de Copnio envolvera-se em longa e sinuosa nuvem invisvel a olhos comuns, naquela hora

  • matinal batida de sol.

    Era enorme interrogao, que se projetava do corao- zinho alanceado do menino, lanando-se

    no espao vazio!

    Por qu? Por que tantas dores neste mundo to lindo?

    2 AS PRIMEIRAS SOMBRAS Algumas semanas decorreram aps os acontecimentos narrados anteriormente.

    O ptio da casa senhorial de Copnio achava-se deserto e triste.

    L dentro, lgubre aspecto dominava tudo e todos. Escravos iam e vinham, cabisbaixos e

    melanclicos.

    Em dado momento, sara uma jovem de rico aposento, que compunha o crcuo dequartos e salas,

    que circundavam o salo principal, caprichosamente ornamentado por imponentes colunas dricas,

    encimadas por capitis artsticos.

    Era Ruth, escrava trazida da Idumia, desde a infncia arrancada ao carinho dos pais.

    A moa, muito bela, ostentava cabelos negros, presos por tranas, cadas graciosamente aos

    ombros. Traos delicados sublinhavam-lhe as faces morenas.

    Ruth tinhaos olhos negros midos e o rosto entumescido, atestando-lhe a presena de lgrimas

    recentes.

    Mira, escrava judia, j madura, aproximou-se, indagando com ansiedade:

    - Nosso menino melhorou?

    Um gesto negativo da linda cabea de bano fora a resposta melanclica e desesperanada.

    A companheira assevera, chorando em desespero:

    - Que se hdefazer para o restabelecimento dasade de nosso anjinho? Os melhores

    mdicosforam convocados parav- lo e se revezam cabeceirado menino, h trs longas semanas...

    Ruth aduziu, com profundo acento:

    - Nosso amado Marcos caiu de cama desde aquela manh fatdica, quando soldados do

    Imprio entraram na cidade, escoltando a ltima leva de escravos. O menino deixara- se abater,

    impressionado com o quadro cruel, novo para a sua sensibilidade delicada.

    - O fato surpreendeu dolorosamente o corao generoso de nosso menino - confirmou

    Mira.

    - Aqui tomam-se medidas de prudncia notratamento aos escravos a fim de no ferir a

    alma de Marcos. Ordens de nosso amo, que atende assim, preocupao de ver o filho sempre alegre.

    - O que no deixa deser uma grande virtude de Copnio, seno a nica... - intervm Mira,

    reticenciosa.

    A verdade que pessoa alguma reconheceria no homem ambicioso e prepotente, o pai carinhoso e

    amigo, que se tornava prdigo ao lado dos filhos. No lar de Sebaste desaparecia o usurpador

    inescrupuloso de Jerusalm.

    Aps aflitiva pausa, Ruth retoma o fio das confidncias inquietadoras:

    - Quando o menino caiu enfermo, disse ao pai que desejava morrer. Preferia sair do

    mundo a ter um dia de matar alguma pessoa ... O coitadinho pensa que ser obrigado a tornar-se

    guerreiro, conquistador de povos e terras, como o pai...

    - Como belo o corao de nosso amado Marcos! - atalhou Mira, a soluar, enquanto

    Ruth retomava o caminho do aposento do enfermo.

    O quarto muito amplo, forrado de suntuosos tapetes vermelhos, o teta decorado de motivos

    florais de grande efeito.

    Copnio achava-se ao lado do filho, assoando-se ruidosamente para disfarar a emoo penosa.

    Homem quase maduro, de traos predominantemente romanos, trazia vistoso manto prpura com

    motivos bordados a ouro, sobressaindo-se sinetes representativos de muitas vitrias, alcanadas em

    inmeras campanhas.

  • Mesmo naquele momento de apreenses pungitivas, o orgulhoso mandatrio no se dispusera a

    abandonar a aparatosa indumentria oficial, smbolo do alto cargo que ocupava.

    Num dos ngulos mais afastados do aposento, Glauco observava o irmozinho enfermo. O rosto

    calmo no lhe revelava emoes ntimas. A verdade que o filho mais velho de Copnio nunca fora

    apegado ao mano, a quem no perdoava o precoce instinto de covardia... O procurador tomou as mozinhas frias do filho e pediu aflrtivamente:

    - Que queres, meu filho? Tudo farei por devolver-te a sade! Vamos, dize sem receio...

    Os olhos tristonhos de Marcos levantaram-se para o genitor e a boca se lhe abriu para estranho

    pedido:

    - Pai, se queres que eu viva, manda teus escravos de volta a seus lares e consente que

    todos os meninos da cidade sejam iguais a mim...

    - Impossvel, filho - disse Copnio, vacilante entre a tentao de mentir e o horror de

    perder o grande tesouro de sua vida.

    - Por que, pai?

    - Isso que me pedes impraticvel, meu filho. Os escravos desta casa pertencem ao

    Imprio Romano, portanto...

    - Escolhe, paizinho. O Imprio Romano ou teu filho.,. Jamais viveremos em alegria se

    tiver junto a mim criaturas infelizes.

    Os olhos assombrados daquele homem forte, iam dofilho amado s paredes recamadas de signos

    herldicos, evocadores de sua alta descendncia.

    No crebro, rodopiavam-lhe tremendos conflitos. Libertar escravos era to desonroso para um

    romano como sair-se vencido de uma refrega.

    Mas, perder o filho idolatrado era exigncia superior s suas foras...

    - Que resolves, pai? - a voz dbil de Marcos ressoava aos ouvidos do gentor como

    terrvel sentena.

    Copnio jamais enfrentara situao to difcil. As lutas mais rduas tivera na vitoriosa jornada

    pelos campos inimigos. Em todas houvera-se com extraordinria coragem. Agora, porm, achava-se

    frente a uma encruzilhada terrvel. Foroso escolher um roteiro. Que caminho escolher'?

    A mente de Copnio trabalhava num verdadeiro tumulto, avolumando-se-lhe o inquietante dilema.

    O enfermo cerrara os olhos fatigados pelo esforo. Mais parecia um serafim do que um ser

    humano, na contemplao dolorida de Ruth.

    O procurador tocou enternecidamente o rosto do pequeno com a ponta do dedo. Impresso

    angustiosa tomou-lhe o ntimo. Pareceu-lhe sentir o menino sem vida.

    E aquele homem, que nunca chorara, prostrou-se de joelhos cabeceira de Marcos, em soluos

    convulsivos, rogando ansiosamente:

    - No te vs, meu filho! No deixes teu pai!

    O aposento guardava as sombras da angstia, que tomava todos os coraes, ali reunidos em

    dolorosa expectativa.

    Mira penetrara o quarto, como que atrada pela dor pungitiva do amo e de Ruth.

    Completava-se, assim, o quadro das criaturas a quem o menino mais amava, junto de seu leito de

    dor.

    Erguera-se Copnio de inopino e agitando os braos musculosos no espao vazio, bradou,

    dramtico:

    - Glauco! Ruth! Mira! No posso mais!

    E acercando-se de novo do filho enfermo, sussurrou-lhe, quase brandamente:

    - Em nome dos deuses, farei tua vontade, meu filho!

    *

    Cumprira-se a promessa.

  • No dia seguinte, antes do Sol ressurgir nas colinas verdes de Sebaste, os escravos da casa de

    Copnio foram reconduzidos s fronteiras dos respectivos pases, como simples peregrinos ou

    aventureiros.

    O procurador incumbira a Vanius, capito da guarda palaciana, elemento de sua inteira confiana,

    da execuo da delicada tarefa.

    Os olhos de Marcos voltaram a brilhar e as cores da sade vieram-lhe ao rostinho delicado.

    Profundas alegrias perfumaram o corao do bravo Co-

    pomo.

    Mas a velha casa patrcia encontrava-se abalada nas suas bases e comprometidas a fortuna e a

    reputao do preposto de Otvio, nas terras da Judia...

    Era o incio de uma longa estrada de dores.

    3 - SOMBRAS E LUZES. .. Dois anos se passaram daquele acontecimento sem precedentes.

    Uma pessoa na casa senhorial de Copnio no se confor- ma-va com a situao, que se

    anunciavacrtica para a famlia patrcia.

    Era Glauco que, j agora, um adolescente, na faixa dos treze anos, compreendia bem o aflitivo

    estado de coisas a que o "capricho de um toleiro como Marcos, colocara a todos.

    Estava certo de que a qualquer momento a notcia da absurdaalforria de quase duas centenas de

    escravos, chegaria ao conhecimento do imperador. Da, seria fcil prever-se as consequncias. O

    pior- refletia Glauco- que o pa, sempre to seguro de si mesmo, no saa de junto de Marcos,

    parecendo nem ligar importncia devida ao caso.

  • Naquela manh sorridente e luminosa de vero, a encantadora Ruth cantarolava suave melodia da

    terra natal. A moa recusara-se, juntamente a Mira, a acompanhar os conterrneos felizes, no

    regresso ptria.

    Ficara to somente por Marcos, a quem se afeioara, como verdadeira me desde a primeira

    infncia do menino, quando sua genitora havia deixado o mundo para sempre.

    Ruth evocava insistentemente a figura formosa da jovem patrcia, to cedo afastada do convvio

    dos familiares queridos, pela vontade dos deuses - como dizia o esposo.

    Glauco, irreverente e impulsivo, no simpatizava com aquela moa que, segundo suas conjeturas

    injuriosas, andava a pr coisas" nos miolos ingnuos de Marcos.

    . A moa conversava horas a fio com o menino - pensava Glauco - e naturalmente lhe inculcava as

    lendas da ldumia, contendo relatos das crueldades dos invasores herodianos e peninsulares que, no

    contentes em saquear casas, matar velhos e desrespeitar mulheres, ainda traziam prisioneiros os

    vencidos aproveitveis para o trabalho mais pesado, sendo que os mais cultos eram atirados aos

    labores da educao dos odiados algozes...

    Esses pensamentos passavam, como redemoinhos satnicos, pela cabea do rapazinho, quando

    seus olhos deram com Ruth a alguns passos adiante, ultimando a limpeza de riqussimos adornos

    militares, que se alinhavam na majestosa sala circular, ornamentada de colunas.

    - Ruth, queres fazer-me o favor de interromper essa montona cantilena? No suporto esses

    guinchos que bem lembram os idumeus porcos de tua terra!

    A dureza das expresses de Glauco chocaram rudemente o corao da pobre moa, que se calara

    sem uma palavra.

    Procedia sempre assim, frente s exigncias descabidas do menino, receando que alguma palavra

    imprudente oferecesse margem a que o rapazinho levasse ao genitor a sugesto para o afastamento

    dela de junto de Marcos. E por nada, neste mundo, desejava interromper as alegrias que a presena

    do menino lhe proporcionava alma abnegada.

    O corao sensvel da jovem, no entanto, ressentia-se com aquele tratamento rude de todos os

    dias.

    Mas a presena querida de Marcos, sua carinhosa solicitude, emprestava Ruth extraordinria

    resistncia. A vida continuava para ela cheia daquelas intermitncias de sombras e luzes.

    Essas reflexes acompanhavam-lhe o ritmo dos passinhos apressados, em busca do menino, que

    ficara no jardim para distrair-se e banhar-se aos raios vitalizantes do sol matutino.

    J ia a moa atravessando os largos umbrais, quando a voz irritada de Glauco a fez deter-se,

    assustada:

    - Onde vais, idiota? Probo-te de encheres a cabea zonza de Marcos com tuas baboseiras!

    Procura ocupao decente para tuas mos desocupadas e inteis!

    A moa retrocedeu, soluando baixinho e tomou o rumo do interior palaciano.

    Glauco sorriu, malevolamente satisfeito.

    L fora, Marcos sentira o corao alanceado por inesperado dardo, cuja fora pungitiva,

    arrancava-lhe lgrimas quentes dos belos olhos claros.

    Era a dor secreta de Ruth, que vinha ao encontro do doce corao do menino...

    4 - RUMOS NOVOS

    A manh estava coberta de luzes. A claridade uniforme do sol envolvia a natureza inteira. Tudo

    parecia sorrir ao Astro da Vida, endereando-lhe um Bom Da tecido de gratido e entusiasmo. As rvores das colinas, que circundavam Sebaste, pareciam mais verdes e esplendorosas que

    nunca. O casario de linhas arquitetnicas nitidamente romanas e os monumentos de mrmore

    reluzentes da bela cidade, preferida do grande Herodes, recebiam o beijo luminoso dos raios

  • solares.

    O Garizim emergia, mais imponente que o templo majestoso de Jerusalm, ao contgio carinhoso

    daquelacatadupa de fulgurncias celestes.

    No palcio de Copnio, todavia, avolumavam-se as sombras da inquietao. Abafado movimento de

    coisas arrumadas s pressas revelava algum acontecimento inesperado. As fisionomias abatidas das

    servidoras abnegadas, o rosto apreensivo de Copnio e o ar interrogante de Glauco e Marcos

    anulavam a hiptese otimista de preparativos para uma viagem de recreio.

    Marcos passara a note em claro. No pudera dormir com o barulho cauteloso de arranjos de

    malas, do empilhamento de gneros alimentcios, nas afastadas salas do palcio, sob as ordens do pai.

    O menino aproximara-se do genitor, indagando, ansioso:

    - Pai, por que esses arranjos apressados?

    - Vamos sair em viagem, filho.

    A resposta breve escondia o sentido de mal disfarada amargura.

    - Viajar?! Por que no o disseste antes, pai? Sempre que samos, s o primeiro a

    organizar planos, a promover projetas...

    - A verdade, filho, que no faremos desta vez uma vilegiatura, como antes, mas uma

    mudana talvez definitiva...

    Na voz de Copnio vibrava dolorida emoo, que ele se esforava por esconder.

    - Alguma coisa deve ter acontecido, pai. Por que no me contas tudo?

    - No compreenderias, filho. Es criana ainda - respondeu o genitor, enquanto

    acarinhava a cabecinha loura do filho amado.

    - J no sou to criana... Tenho dez anos e posso entender certos problemas -

    afianou o menino, com grave e ingenua convicao.

    - Sim. Es um homenzinho e sabers tudo, at mesmo aquilo que no posso compreender- aduziu

    Copnio, apoiado nas lembranas dos ltimos e freqentes colquios com o filho, em que este o

    surpreendera com uma profundeza de raciocnio, que o deixava muitas vezes estonteado.

    O procurador arrematou, fingindo uma alegria que estava longe de albergar:

    - No te preocupes, filho. Garanto-te que nada sucedeu de grave. Viajar agora ser bom para tua

    sade...

    Afastou-se o procurador para ultimar ordens. O corao do antigo legionrio tinha o ritmo

    alterado e os olhos estavam congestionados.

    Marcos, cabisbaixo, olhos fixos no soalho, ricamente tapetado de fina pea da Sria, iniciou

    dolorosa srie de conjeturas: Por que seria aquele^ movimento da noite toda? Afinal para onde

    iriam?

    Naquele justo momento, Copnio reunira-se s escravas para combinar planos relacionados ao

    bem-estar e segurana de Marcos:

    - Bem podeis imaginar a tortura de meu corao ante a necessidade de afastar-me do filho

    adorado! Mas, deixo-o nas vossas mos, confiantemente certo de vosso devotamento, em favor da

    sade e educao de meu Marcos...

    As escravas choravam baixinho, com a alma torcida por emoo violenta.

    Pobre senhor! At onde o levaram as arbitrariedades cometidas no mandato administrativo, que

    desempenhou por alguns anos!

    O jovem Otvio tivera olhos fechados para os crimes de espoliao da plebe sacrificada, mas no

    perdoara a libeitao indbita de escravos...

    Em singular resposta aos pensamentos das fiis servidoras, Copnio esclareceu:

    - Reconduzi os escravos desta casa aos lares de origem, acedendo ao pedido extremo

    de meu filho. E no me arrependi, pois jamais tive o corao banhado de emoes boas como as que

    conheci depois disso. Uma coisa, porm, atormenta-me cruelmente: a sade e a sorte de meu

  • Marcos.

    Grande silncio esmagou por momentos aquelas almas.

    Copnio desfez a pausa, prosseguindo:

    - Seguirei para Roma, onde ficarei disposio das leis de meu pas...

    Ruth levantara os olhos negros, em que se liam amargura e ansiedade. Aquele homem sempre a

    distinguira com paternal respeito e, mesmo, parecia-lhe reconhecido dedicao junto ao caulinha

    amado. Dolorosa emootomarao corao da jovem escrava, que indaga ao amo:

    - A situao assim to difcil, senhor? Que fareis agora?

    - Nem mesmo eu sei o que me est reservado. O imperador conhece, afinal, os grandes

    erros em que me envolvi nesses anos. Estou disposto a devolver ao patrimnio imperialtodas as

    parcelas, subtradas ao tesouro no correr de minhas funes. Aprendi muita coisa com a cabecinha

    de ouro de meu Marcos...

    Uma rstia de luz brilhou nos olhos claros do antigo legionrio evocao do nome querido.

    Mira acentuou, com os olhos marejados:

    - Que coisa triste para todos ns, senhor! Estvamos to apegadas vida nesta casa,

    onde vivemos em confiantes alegrias!

    Copnio voltara realidade, da qual havia fugido por breves instantes.

    - O pior para mim separar-me de Marcos. Espero de ambas os maiores desvelos junto

    de meufilho. Posso contar com a abnegao de ambas?

    - Devotamento no se pede, senhor! Sabeis que vosso filho a preocupao maior de

    nossa vida e a Iuz de nosso amor. Podeis partir sossegado...

    Essas palavras de Ruth emocionaram aquele homem at ento insensvel a sentimentos do corao

    a no ser os que o [igavam aos filhos. Os olhos de Copnio sentiram a presena inoportuna de uma

    lgrima, fato que o levou a sair apressadamente, disfarando a emoo incmoda.

    As servas entreolharam-se, dando livre curso s lgrimas, que lhes afluam da alma torturada.

    Retiraram-se, silenciosamente, e foram cuidar dos ltimos preparativos para a viagem prxima.

    L fora, o Sol distribua a magnificncia espetacular de sua potencialidade, como se aquele dia

    anunciasse a aurora daqueles destinos humanos, que se compungiam nas sombras contrastantes da

    desesperana e da aflio.

    Amanh, contudo, ser um novo dia.

    Dia de alegrias ou de tristezas que importa? Mas, um dia novo ...

    5 -AVIAGEM Copnio providenciara tudo, no sentido de conduzir o filho e as duas escravas chcara de antigo

    companheiro de armas, na regio do Hebron.

    A viagem seria relativamente longa e difcil, mas o procurador preferiu afastar Marcos de

    Sebaste, onde mantivera a famlia no curso de sua permanncia na Palestina.

    Na capital judaica, sede oficial das funes do preposto romano, tambm o filho no estaria

    seguro.

    A viagem fora combinada para a madrugada seguinte.

    Quando as ltimas sombras da noite serviam de fundo ao manto bordado de estrelas, a pequena

    comitiva de Copnio pusera-se a caminho.

    Apesar da tristeza que lhe dominava o corao sensvel, Marcos lanava, de momento a momento,

    exclamaes esfuzi- antes ante a beleza nova do cu. Eraaprimeiravezquese sentia em pleno

    deslumbramento, em to avanada hora, na contemplao dos astros distantes.

    Copnio resolvera acompanhar o filho mais novo at Betnia. No dia seguinte, tomaria o rumo

    oeste, bordejando as costas do Mar Grande at o importante porto de Jope, onde embarcaria para

    Roma.

    Assim teria mais algumas horas ao lado de Marcos.

  • Quanto a Glauco, esse o acompanharia capital do Imprio, onde passaria a residir com a velha

    tia Glucia, irm da genitora falecida. A matrona era um desses padres representativos da

    enfermia estrutura social romana, sob tormentosa fase de transio. A velha patrcia personificava

    a mulher da poca: carregada de dinheiro e de vcios.

    A confortvel liteira que conduzia a famlia era demasiado lenta.

    A viagem decorria penosa para todos. Mesmo porque as incertezas do futuro a todos

    acabrunhavam de modo especial.

    As duas escravas, apesar de serenas e naturalmente submissas, revelavam a ntima apreenso,

    atravs da troca de furtivos olhares.

    O Sol brindava regiamente a terra de Jud com revrberos de luz, quando, no dia seguinte, os

    viajantes entraram em Jerusalm, que se mostrava movimentada e alegre quela hora matinal de

    retorno vida.

    Copnio guardava nas grandes mos a destra de Marcos e o olhar intranqilo lhe denunciava a

    preocupao de ganhar logo a estrada de Betnia.

    Marcos tudo pressenta, com a admirvel percucincia dos espritos lcidos que, embora na

    infncia fsica, revelam a maturidade espiritual. A posio tormentosa, em que se situavam os

    coraes amados, envolvia a alma do menino.

    Glauco, sabedor de tudo quanto se passava, mal sopitava a grande raiva, que lhe amarfanhava o

    corao empedernido.

    J haviam transposto as portas bem conservadas do sudoeste. Apenas quinze estdios separavam

    Jerusalm da potica Betnia e no tardou muito para o aparecimento dos campos frteis da

    pequena povoao.

    Era uma regio aprazvel, cujo predominante trao de beleza eram as montanhas, que se

    enfileiravam no rumo sul, oferecendo o portentoso brinde de riqussimo cenrio, pleno de vida e luz,

    particularmente ao viajar egresso dos centros populosos, onde os motivos naturais quase

    desapareceram para darem lugar s realizaes humanas.

    A certa altura do caminho, surgiu um campo bem cuidado. Alegres tarefeiros entregavam-se ao

    trato da terra dadivosa, festejando, com cnticos harmoniosos, a divina graa do trabalho.

    Os olhos de Marcos iluminaram-se com a nota alviareira que se constitua em feliz novidade para

    os viajares cansados e cheios de ntimo acabrunhamento.

    Mira suspirou fundamente na contemplao daquelas terras, demorando o olhar nas plantaes.

    viosas, como se alguma reminiscncia querida lhe brotasse do corao.

    Marcos notara-a e perguntou-lhe, de repente:

    - Eu que pensas, Mira? Parece que belas coisas vieram tua cabea...

    Mira sobressaltou-se ligeiramente ante a acareao carinhosa, mas inesperada. Os cabelos

    prateados davelha escrava, emolduravam adoce suavidade daquele semblante, que guardava traos

    de antiga beleza.

    A bondosa mulher tomou alento e confirmou:

    - Tens razo, querido menino. Este lugar traz-me, realmente, doces e amadas

    lembranas...

    - Verdade, Mira? - acentuou Ruth, timidamente, presa dessa curiosidade to

    caracterstica dos coraes jovens, ao pressentir alguma notcia aventurosa.

    - E verdade, meu bem. Aqui passei a infncia e parte da juventude. Meus pais nasceram

    e se criaram nesta terra bendita de Jeov.

    Este ltimo nome teve o condo de despertar Glauco do mutismo voluntrio em que se fechara,

    desde a vspera:

    - No tens o direito de pronunciar tal palavra junto de teus senhores, que adoram

    outros deuses!

  • A voz do rapazola vibrava, propositalmente, metlica, a fim de ganhar maior influncia naqueles

    coraes simples e humildes.

    - Perdoai-me, senhor. Esqueci-me por instantes de minha posio - disse Mira,

    sinceramente compungida.

    - Ora, vamos, Glauco! Sempre assumes esses modos de desmancha-prazeres! No h

    mal algum em que Mira nos conte seu passado e recorde sua gente ... - advertiu Copnio, gravemente.

    Marcos intervm com terna vivacidade:

    - Estou gostando muito da histria de Mira! Papai, pede bondosa amiga que continue,

    sim?

    - Mira continuar a bela histria. Tambm desejo conhec- la.

    - Se assim o ordenais, senhor, prosseguirei.

    A generosa serva passou a enumerarfatos da vida familiar, queficaram na distncia do tempo,

    mas sempre muito prximos do corao bem formado de Mira. *

    Eramos ao todo cinco irmos e meus pais. Mais tarde, quando moa, veio juntar-se a ns

    encantadora criana. Era um sobrinho de nossa me, rfo, a quem nos afeioramos muito depressa.

    Todas as noites, reunamo-nos volta da singela mesa, onde tomvamos as refeies e orvamos.

    Nosso pai tinha sempre uma crnica bonita para narrar. Recordava, com jbilo especial, a epopia da

    tribo de Benjamim, que hoje esta terra bendita que acabamos de atravessar. A saga que mais me

    enternecia era a de Ester.

    Os olhos de Mira adquiriram estranho brilho ao evocar aqueles seres queridos da longnqua

    infncia.

    Instada novamente por Marcos, aps ligeira pausa, a escrava reiniciou o relato das lembranas

    amadas, sob o melanclico entusiasmo da saudade.

    - Chegamos a decorar a formosa histria de Ester, tantas vezes a ouvimos.

    Quantas vezes - continuou Mira - senti o corao pulsar ao peso das emoes. Chorava

    mansamente, todas as vezes que entrava em contato com as aventuras da rainha mais poderosa do

    Oriente, cuja origem era a humilde casa de Abiail!

    Os olhos nostlgicos de Mira pareciam ver distncia a fabulosa viagem da jovem Ester ao

    encontro do rei Assuero, senhor de cento e vinte e sete provncias, que comeavam na lndia e

    terminavam na Etipia.

    A velha escrava conhecia, fora de ouvir, centenas de vezes, a vida de Ester, na posio

    geogrfica das terras de Efraim, de Manasss, de Issacar e de Zabulon, por onde a jovem teria

    passado antes vezes inmeras.

    Descrevia o porto de Tiro, de onde Ester teria sado pela Fencia, como se seus olhos o

    conhecessem na poca afastada, em que se dera a viagem aventurosa da orfzinha benjamita.

    - O porto era belo, estendia-se em amplas costas de areias, sempre batidas pelo Mar

    Grande, e se alongavam at Sdon. Na frente surgia, fabulosamente larga, a perder-se da viso

    humana, a grande massa de gua. Ali a pequena despedira- se para sempre da ptria querida.

    Mas, longe dos compatriotas, Ester fizera mais pela terra de Jud, que todas as tribos reunidas

    de Israel.

    Marcos aproveitou pequena pausa para exprimir o entusiasmo que o ammava:

    - Mira, tua histria belssima! Por que nunca me falaste de coisas to interessantes?

    A velha escrava atendeu, com simpiicidade:

    - Jamais expus esses fatos, meu menino, porque no me compete despertar vosso

    interesse pelas coisas de minha gente.

    - Doravante, ficas intimada a contar-me tudo o que souberes de tua terra maravilhosa!

    Entendes?

    Foi Glauco que respondera ao entusiasmo do irmo, com uma daquelas duchas to prprias de seu

  • temperamento precocemente atrabilirio:

    - Mira no vai narrar mais essas baboseiras sem p nem cabea, no pai?

    Copnio alongou o olhar na amplido do horizonte, as sobrancelhas arquearam-se-lhe, como para

    despettar-se da abstrao involuntria em que se engolfara.

    O antigo legionrio nada respondera. Havia muito achava-se distante, com o pensamento tomado

    por apreenses angustiantes.

    Naquele justo momento, um cavaleiro alto e forte, envergando alva tnica, a cabea descoberta,

    surgiu ao longo da estrada inopinadamente. Dir-se-ia tivesse tomado invisvel clareira, que

    convergisse para o roteiro principal.

    O certo que, at ento, ningum dera pela presena do viajor estranho.

    O Sol atravessava a linha meridiana do firmamento e o casario velho de pedra de Betnia aparecia

    a pequena distncia, qual convidativo refgio, na tranqilidade de suave bucolismo.

    6 - NOVAS SURPRESAS Os viajantes acomodaram-se na hospedaria singela da cidadezinha, conduzidos pelo cavaleiro

    desconhecido, que acompanhara a comitiva, desde a entrada do lugarejo, onde a encontrara.

    Os olhos percucientes e negros do viajar, alto e trigueiro - pelos efeitos evidentes da cancula

    das paragens sul inas -, revelavam inteligncia viva. N

    A Ruth impressionara fundamente aquele olhardominador, bem como o porte viril do homem ainda

    jovem, que emergira, como por desconhecida arte de encantamento, do mar verde da vegetao

    robusta no caminho de Betnia.

    Na manh seguinte, s primeiras horas, Copnio j se encontrava preparado para a longa viagem

    em demanda do porto de Jope.

    Junto do filho amado, o valente guerreiro de outros tempos tremia, penosamente emocionado,

    ante a contingncia da separaao.

    Marcos representara sempre o encantamento mximo da vida atribulada do genitor. Glauco,

    entretanto, era mais parecido com o pai, no temperamento.

    Mas, o caula irradiava envolvente carinho, que deixava Copnio enlevado e feliz.

    Agora, tudo seria diferente. A vida em Roma no se desenvolveria de molde a dar paz ao

    ex-mandatrio do Imprio. O desterro s colnias distantes da Grcia ou da Glia, seria o resgate

    mais suave que o otimismo mais avanado admitiria.

    Caio Otvio pisara Roma como vencedor de murtas batalhas e trouxera credenciais de justiceiro

    impoluto junto aos vencidos, cujo tratamento humano assegurava com ardor. Isso, porm no se

    evidenciava com os traidores" do Imprio, em cujo nmero ele - Copnio - se enquadrava, em razo

    do passado pouco digno, que o relacionava no registro negro de Csar, como mandatrio em longnqua

    provncia judaica.

    Era notrio que o imperador regulamentava o exerccio de Administrador-Mar do Mundo,

    empunhando o cetra de irrestrita justia. Viveria em paz o cidado que no ferisse os sagrados

    direitos romanos, mas noseiludissem os transgressores de tal cdigo. Ai deles! No haveria

    clemncia para ningum!

    Que lhe reservariam os severssimos tribunais romanos?

    As inceitezas quanto ao prprio destino no doam tanto a Copnio como a separao do filho

    amado.

    Dentro de minutos, encontravam-se todos sada da hospedaria, no momento difcil das

    despedidas.

    Marcos uniu-se ao genitor num abrao longo, em que se condensavam ternura e angstia mtuas.

    O pai falou, com voz embargada:

    - Vai para teu quarto, meu filho! Assim ser melhor para teu pobre pai...

  • O orgulhoso romano abraou as servidoras, num gesto incomum de fraterna generosidade.

    Glauco apertara a mo de todos, quase distrado, e retirou-se antes do pai.

    Ruth reconduziu Marcos ao interior da estalagem. O menino tinha os olhos molhados e a garganta

    oprimida por soluos incontidos.

    Grande manto bege-claro cobria as espduas largas do antigo legionrio, quando este tomara

    assento na carruagem, acompanhado do primognito.

    Marcos ficara sob a assistncia carinhosa das grandes amigas de seu coraozinho.

    - Ruth, por que papai no nos levou? - perguntou o menino, com lgrimas silenciosas a

    lhe correrem pelas faces.

    - Algum motivo justo houve, meu menino. Vosso pai vos quer muito e s vos deixa por

    impedimento intransponvel. Mas, no vos aflijais... Um dia nos reuniremos a ele...

    As ltimas palavras foram proferidas pela boa escrava, como acionadas por fora desconhecida e

    inteligente...

    A alma do menino bebeu-as avidamente, nelas encontrando singular blsamo.

    Alguns dias decorreram na hospedaria. Mira e Ruth empenhavam-se em distrair o menino,

    enquanto aguardavam os dois servidores de Copnio que os levariam propriedade do antigo

    companheiro no sul.

    Numa tarde, Marcos e as dedicadas escravas encontravam-se soleira, quando os emissrios de

    Copnio chegaram, trazendo confortadoras notcias.

    O ex-capito deumadaslegiesdeAugusto, residente em local prximo de Hebron, ficara

    satisfeitssimo com a prxima vinda de um dos filhos de seu mais estimado companheiro de refregas

    gloriosas.

    Marcos recebera a informao com grande jbilo. verdade que jse aborrecia com a espera. Se

    algum objetivo tinham a concretizar, que os fatos viessem logo...

    Esse estado de alma bem lhe definia o carter amante dos fatos positivos.

    As seNidoras expressavam ntima alegria na vivacidade com que se puseram aos arranjos da

    viagem prxima.

    Marcos, embora jubiloso, fizera-se pensativo, brilhando- lhe nos olhosclaros penosas emoes.

    Eram as saudades do pai.

    No caminho - pensava ele - lembrar-se-ia constantemente do paizinho ausente, recordando-lhe o

    carinho naquela viagem de Sebaste Betnia.

    O momento particularmente amargurante da despedida no lhe saa do corao.

    Alm de tudo, algo lhe segredava agora, que nunca mais veria o idolatrado genitor em terras da

    Palestina.

    Na madrugada seguinte, iniciaram a viagem. O roteiro conhecido ia revelando, horas depois,

    aspectos novos de vegetao luxunante, que a proximidade do Jordo se encarregava de conseivar.

    No tardou que surgissem as paisagens pitorescas do caminho, cujas irregularidades do relevo

    mais acentuavam os traos da beleza topogrfica. Numerosos grupos de opulentas rvores

    ofereciam cenrios empolgantes. Acol, o fascnio das elevaes, em cujos flancos avegetao,

    rasteira e cerrada, dava ao ermo da regio contrastante aspecto de vida e alegria.

    O panorama impressionava bem a alma sensvel de Marcos e das companheiras, que se entregavam

    a comentrios entusiastas sobre as belezas daquela zona da Judia, delas to querida.

    A viagem corria, assim, de surpresa em surpresa, sob a guarda silenciosa dos dois servidores,

    quando surgiu, numa salincia do caminho, conhecido cavaleiro. Como da outra vez, montava fogoso

    corcel rabe. Os olhos brilhavam-lhe suaves, atravs das pupilas escuras.

    Era o homem que os conduzira hospedaria de Betnia e cujo nome nem puderam recolher tal a

    ligeireza com que lhes desaparecera da vista.

    Sem saber porqu, Marcos teve um sobressalto agradvel. O corao pulsou-lhe, em incontida

  • vibrao de contentamento e confiana, quando o viajar os abordara alegremente:

    - Ol! Onde ides nessa marcha lenta? Neste deserto o meio de transporte mais rpido

    ainda o cavalo!

    - Chegaremos dentro de trs dias propriedade de Flix, antigo capito de uma das

    legies romanas-disse Mira guisa de informao.

    O cavaleiro ajuntou, com solicitude espontnea:

    - Muito bem! E posso ser-vos til em alguma coisa, pois resido nas vizinhanas da

    chcara de Flix.

    Depois de haver feito rodopiar a alimaria, o moo colocou- se na direo tomada pela pequena

    caravana.

    Ruth ruborizara-se intensamente ao sentir os olhos negros do desconhecido sobre os dela. Uma

    vibrao de enlevo e alegria intraduzveis tomara-lhe a alma singela.

    O instante fora breve, todavia, como o ligeiro roardas asas de travesso colibri sobre a flor

    formosa das campinas.

    A viagem prosseguia rumo sul. Em cada alma um sentimento novo, misto de esperanas e

    incertezas, medida que se aproximavam do objetivo traado.

    Somente Josaf-o guia de peletostada e olhar penetrante - tinha o corao pleno das luzes

    esplendentes de singulares certezas...

    7 - A GRANDE REVELAAO Algumas semanas na aprazvel propriedade de Flix ofereceram mltiplas oportunidades a

    Marcos e Ruth para pequenos passeios pelos arredores.

    A vivenda confortvel achava-se localizada nas proximidades da orla martima, margem direita

    do Mar Morto, cujas guas profundas guardam os mistrios da morte.

    Esse fato, contudo, emprestava Chcara das Flores - assim se denominava o pitoresco stio - a

    beleza de vegetao opulenta, proporcionando terra a fecundidade dos solos privilegiados.

    Nos arredores da habitao distribuam-se belos cenrios naturais, onde o verdor das paisagens

    se harmonizava com o azulneo do cu, quase sempre lmpido e banhado de soi.

    Certa manh, Marcos sara com Ruth percorrendo alguns estdios da Chcara.

    No roteiro florido, tecido de agreste poesia, o menino conversava com a dedicada ama. Falavam

    da extrema generosidade de Flix e de sua esposa Jlia. Como eram bons! No tinham filhos e

    receberam Marcos com transportes de alegria, como se tomassem o prprio rebento de suacarne

    nos braos carinhosos.

    Ruth notara a diferena do tratamento dispensado pelo generoso casal aos servidores dacasa:

    era inteiramente oposto quele demonstrado por romanos de seu conhecimento.

    O fato causara certa estranheza ao esprito da jovem. Viera preparada para possveis

    humilhaes e tudo sofreria por amor de seu idolatrado menino. Entretanto, ali, era alvo de

    confortadoras atenes.

    Uma pergunta bailava-lhe na mente: Por que Flix e Jlia eram diferentes dos romanos que ela

    conhecia?

    Naturalmente, a moa no exteriorizaria a ntima indagao, pois sabia que Marcos sentiria

    qualquer aluso ao orgulho paterno.

    O Sol da Judia derramava, quela hora matinal, raios de vida e luz sobre o campo bordado de

    florinhas multicores. O menino, encantado, apanhava, aqui e ali, variegadas espcies, correndo de um

    lado para outro e chamando a companheira em alta voz:

    - Ruth! Ruth! Corre at aqui! V que maravilha de florzi- nha... Ela ficar muito bem nos teus

    cabelos negros!

    Ruth, sorrindo; abaixou-se a fim de que Marcos lhe colocasse a flor na cabea de bano.

    A poucos passos, um cavaleiro, alto e trigueiro, observava a cenaencantadora, com visvel

  • interesse. O vesturio branco, semelhante epmide grega, refulgia ao sol, como se fosse tecido de

    fios brilhantes.

    - Bonita cena para um episdio no paraso!

    Aquela voz to conhecida de Ruth e de Marcos, trouxe- lhes as emoes da alegria, no da

    surpresa.

    Josaf habituara os amigos quelas aparies sem annCIO preVIO.

    O corao da moa, alis, sentia a estranha presena de Josaf, no contato da magnificncia

    campestre.

    A alma sensvel da jovem escrava estremecera, jubilosamente, ante a agradvel situao.

    - Josaf, vieste completar nossa alegria, amigo! - exclamou Marcos, com entusiasmo

    confiante.

    - Obrigado, menino! Como bom a gente testemunhar quadro to enternecedor!

    Dir-se-ia que todas as esperanas do encontro maravilhoso que buscamos, concretizam-se neste

    momento! - asseverou o moo em tom profundo, quase solene.

    - Que dizes, Josaf? A que encontro te aludes com to grande entusiasmo? - indagou

    Marcos, fazendo coro secreta curiosidade de Ruth, no mesmo sentido.

    - Ah, meu menino, se soubsseis! A histria muito longa, mas vale a pena ser ouvida!

    Busquemos uma rvore acolhedora para abrigar-nos do sol - acrescentou o moo, caminhando no

    rumo de opulenta figueira brava, a cuja sombra convidativa se sentaram.

    - Conta-nos tua histria, Josaf! Ruth e eu somos todo ouvidos... No somos, Ruth?

    - Sim! Sim! - confirmara a jovem, com mal disfarado interesse.

    No topo do imponente vegetal, uma avezita iniciara melodiosa saudao aos visitantes. Os trs

    ficaram alguns minutos atentos quelas ntulas suaves, que brotavam do pequenino bico de ouro,

    encarapitado em frgil ramo.

    Josaf alongara os olhos na distncia das campinas. Comeou a falar baixinho, como se a narrativa

    que confiava aos coraes amigos fosse segredo inviolvel.

    Ruth pousara o olhar no semblante emocionado do rapaz, como fascinada por aquela

    personalidade singular to distanciada das coisas comuns da vida.

    Quando Josaf falava, parecia moa que as palavras sadas daquela boca eram ungidas de

    certeza inabalvel, de invencvel convico.

    - Muitos estdios alm da Chcara das Flores - esclareceu o moo ante o interesse dos

    amigos-, entre o deserto e o mar, reside um ancio virtuoso, cujo corao vivo espelho de justia e

    bondade. Embora viva segregado do mundo, entregue contemplao e vida ativa, muito

    conhecido em quase toda a Palestina. Todos o procuram para se aconselharem com ele, nos transes

    difceis.

    Pois bem -continuou o rapaz-esse santo homem honra- me com generosa estima e me tem

    confiado belos e edificantes ensinamentos. Tanto me tem falado da vinda de um Grande Esprito ao

    mundo para salvar-nos, que no me restam dvidas de que o Messias jveio, que anda por a, ainda

    criana, como o querido menino...

    - Bela histria nos contas, Josaf! E como se chama o homem a que te referes? -

    indagou Marcos.

    - Chama-se Lisandro. O santurio do ancio uma casa singela e pobre, onde reside

    sozinho, entregue s oraes e aos trabalhos que s ele conhece, juntamente a companheiros de

    seita.

    Quando o conhecerdes-prosseguiu Josaf-comeareis a ver o mundo e as coisas sob o prisma da

    beleza e, acima de tudo, iniciareis a Grande Procura, nas cidades e nos campos. Toda criana, com

    carinha de anjo, ser nova luz de esperana a brilhar-vos no corao! Exatamente como me

    acontece...

  • Josaf fez ligeira pausa, que no foi interrompida e continuou:

    - A Grande Estrela, segundo afirmativas de Lisandro, j veio. Um dia, os Cus no-la colocaro nos

    caminhos da Dor ou da Alegria.

    Marcos fixara o olhar surpreso no interlocutor. Aquilo era a coisa mais extraordinria que ja

    ouvira.

    Ruth compreendera, afinal, a insistncia de Josaf em servi-los, desde Betnia. No era por

    causa ds belos olhos da jovem escrava, mas por amor de um menino desconhecido, cujo paradeiro

    ignorava, que o rapaz aparecia no caminho da formosa servidora da casa de Copnio.

    E os olhos negros da moa traduziam-lhe a ntima decepao.

    Mas a emoo dolorosa fora breve. A bela escrava reagira valentemente, colocando-se na postura

    de ouvinte atenta, realmente interessada em colher as notcias restantes.

    Enquanto Josaf falava das certezas luminosas, que lhe felicitavam a alma, os olhos de Ruth

    postaram-se na amplido da campina verde, como se buscassem algum tesouro de luz, escondido na

    fmbria colorida do vestido de seda de alguma florinha silvestre...

    8 O ANCIAO DO MAR MORTO A Chcara das Flores apresentava aspecto primaveril. Afigurava-se ao observador que a grande

    variedade de arbustos floridos, que enriqueciam os canteiros, haviam sido transplantados sob

    desconhecido processo de adaptao, em face da esplndida ecioso de vida e beleza que ali se

    manifestava.

    Os canteiros bem dispostos, apresentando figuras poligonais de indescritvel bom gosto,

    lembravam os jardins bem cuidados de Roma.

    Todas as tardes, Flix e a esposa desciam quele recanto potico, onde permaneciam horas

    inteiras entregues ao entretenimento, que o cuidado das plantas lhes exigia.

    Os hspedes tomavam parte daquelas horas de cotidiano enlevo espiritual.

    Encontravam-se todos reunidos no jardim. O calor era intenso.

    Em meio conversao, quegirava sobre diversos temas, Marcos interpela a matrona:

    - Senhora, desejaria de vs uma informao a respeito de Lisandro - o ancio -. que

    suponho seja vosso conhecido.

    Jlia sorriu, e atendeu, benevolente:

    - Faze a tua solicitao, meu filho. Conhecemos Lisandro, graas ao Senhor.

    - Desejo saber se a gente pode ir tem com ele...

    O pensamento do menino ficara suspenso, mas Jlia entendeu o restante. Levantou-se, indo ao

    encontro do menino e o acalmou com leve e carinhoso toque nos ombros, asseverando, sorridente:

    - Como no? Iremos todos. Tambm Flix e eu temos necessidade de falar com o santo

    varo...

    Marcos no conteve um movimento de entusiasmo todo infantil. Bateu as mos, num aplauso

    sincero:

    - Que bom! Que bom! No vejo chegar a hora desse encontro!

    - Ser amanh, querido menino! Somos dois apressados em matria de encontros

    agradveis! - interveio alegremente Flix.

    Na manh seguinte, quando Marcos se puseradep, tudo estava preparado para a viagem.

    Animais ajaezados e uma quadriga tirada por quatro cavalos mansos e dceis - lembrando os

    velhos tempos de jogos gloriosos do antigo legionrio - encontravam-se espera dos viajantes.

    Marcos e as mulheres acomodaram-se no veculo, estreitamente apertados no espao exguo.

    Flix e mais dois servidores tomaram as alimrias.

    Puseram-se a caminho, aps o primeiro repasto. Jlia tivera a lembrana de preparar merendas

    substanciosas para as refeies do dia, pois no desejava aborrecer o ancio com tais preocupaes.

    A viagem constituiu-se em sucesso para o corao de Marcos, que se empolgava a cada passo com

  • o cenrio natural, no obstante a aproximao da zona desrtica, que se fazia entrever no longe,

    com suas plancies batidas de sol, parecendo levar ao mar a mensagem da esterilidade.

    A rota era relativamente pequena. Trs horas depois, Jlia anunciou:

    - L est o santurio de Lisandro!

    A dois estdios surgia graciosa morada branca, semelhando-se a uma embarcao, flutuante no

    mar verde de belas rvores copadas.

    Os viajantes divisaram um vulto branco, de p porta estreita e alta. Neletudo era

    imaculadamente branco: os cabelos descidos at as espduas, as barbas longas e a tnica que lhe

    cobria os ps, guardados por sandlias grosseiras de fibras vegetais.

    Marcos sentiu o corao pulsar-lhe mais forte. O encontro com Lisandro era singular

    acontecimento, cujo significado o menino no alcanava de pronto, mas pressentia.

    Chegaram, finalmente.

    Jliae as escravas desceram da carruagem, auxiliadas por Flix e correram a abraar Lisandro,

    que as recebeu com carinhosa efuso.

    A matrona apresentou as escravas de Copnio com natural espontaneidade como se lhe fossem do

    prprio nvel social. O ancio anotou intimamente o evento, com sorriso de profunda alegria.

    Marcos ficara para trs, quase anulado por inexplicvel sentimento de inferioridade. Sentia-se

    constrangido diante daquele velho, que mais parecia um grande deus dos que o genitor lhe falava

    sempre.

    Certamente era um representante do Panteon, disfarado em criatura humana, como

    frequentemente se dava com os deuses.

    O menino remoa esses pensamentos na cabecinha atormentada, quando a voz suave e alegre do

    ancio o despertou do enleio:

    - E tu, meu menino, por que no te aproximas? Tenho pressa de apertar-te nos braos

    e acalmar-te o corao!

    Como sabia Lisandro dos movimentos anormais de seu corao? Oh, aquele velho era mesmo um

    deus, peregrinando pelo mundo, sem dvida!

    Marcos aninhara-se nos braos carinhosos do ancio. A impresso de conforto e ternura era to

    envolvente que o menino se mantivera, por longos instantes, agarrado ao amplexo generoso, sem

    poder falar.

    Foi Lisandro quem, mais uma vez, quebrou o grande silncio ntimo do menino, asseverando:

    - O teu corao, menino, possui o calor de grandes conquistas passadas. Mas, as

    vitrias do futuro sero maiores. Sers um dos mais prodigiosos vencedores que estes meus velhos

    olhos j puderam contemplar, navida longa como tem sido a minha...

    - Terei, ento, de lutar? Oh, tenho horror s lutas! No haver um meio de me

    livrardes delas? - perguntou o menino, aterrorizado.

    - As tuas lutas sero diferentes daquelas que temes. Tuas mos jamais sero

    manchadas pelo sangue de teus semelhantes, meu filho. Descansa e prepara-te para combates de

    outro teor. O PaiAitssimotempressadecolocarnatuadestra a lana da Justia e do Amor!

    Marcos fixara os olhos amarelo-dourados de Lisandro, como se neles buscasse resposta capaz de

    esclarecer todo aquele emaranhado, que lhe flutuava na cabecinha inquieta.

    O ancio parecia conhecer todos os pensamentos do menino, porque afirmou com vivacidade:

    - Acalma esse coraozinho atormentado, meu filho. Dia vir em que ters todos os

    esclarecimentos que buscas. Mas, tudo chegar aos poucos, gradativamente, de acordo com as tuas

    novas conquistas...

    - Quando comearei, santo homem? - indagou Marcos, com desusado brilho nos olhos

    claros.

    - Hoje mesmo, meu amado menino. No vieste ao meu encontro para outra coisa.

  • A resposta pronta e incisiva de Lisandro no pareceu surpreender a Flix e a Jlia. As escravas,

    no entanto, entreolharam-se aflitivamente, como buscando uma sada para a situao, que se lhes

    apresentava muto delicada.

    Eram responsveis pelo menino. Que aconteceria se o velho Lisandro pretendesse ficar com

    Marcos?

    O ancio voltou-se para as duas mulheres, como ferido pelos pensamentos angustiosos delas, e

    acalmou-as, generoso:

    - O Pai sabe o que faz. Somos depositrios de Sua Vontade e no instrumentos dos desejos

    frgeis do homem. Anulemos nossas aflies e entreguemos ao Divino Doador da Vida a rota de

    nossos passos, com a confiana luminosa dos que desejam acertar com o caminho legtimo da

    felicidade imortal.

    Ruth abaixara a cabea negra, mal sopitando as emoes e M ira ps-se a chorar sem disfarce,

    tomada de funda impresso.

    Naquela hora memorvel selava-se o compromisso tcito de nova etapa de luzes, na estrada

    daqueles destinos.

    Cumpria-se, assim, a Divina Vontade na humilde submisso de almas devotadas e sinceras.

    9 - A HISTRIA DE JLIA tardinha, no caminho de volta Chcara das Flores, Jlia evocava os surpreendentes

    acontecimentos, que precederam a permanncia de Marcos no Santurio de Lisandro.

    O menino ficara, realmente, na companhia do ancio, a convite deste.

    Havia tanto jbilo na voz de Marcos, quanto se dirigiu s companheiras abnegadas,

    solicitando-lhes permisso para atender ao santo homem, que elas no tiveram dvidas na

    aquiescncia.

    Tudo fora to inesperado que asfiis servidoras de Copnio no tiveram tempo de raciocinar

    sobre a situao difcil em que se colocaram. s almas confrangiam-se-lhes, agora, em profunda

    inquietao.

    Todavia, a matrona encarregara-se de desanuviar o ntimo das abnegadas mulheres com o relato

    dos sucedimentos.

    - Flix e eu sabamos que Marcos ficaria com Lisandro...

    - esclareceu a generosa patrcia.

    - Como?! Sabeis de tudo? Quem vos comunicou o fato?

    - indagou Mira, sem conter o assombro, pois no vira pessoa alguma na propriedade do ex-capito,

    desde a vspera.

    Jlia aquiesceu com ternura fraterna:

    - Oh, minha boa Mira, no compreenderias agora o que se passou! No te achas

    preparada para receber a verdade...

    - assim to terrvel o que se passou? - inteiveio Ruth.

    - Terrvel no bem o termo, querida Ruth! Sublime a significao legtima dos acontecimentos...

    Aps rpida pausa, Jlia prosseguiu:

    - Tentarei explicar-vos com idias que se aproximem da traduo mais clara da

    ocorrncia. Para isso, porm, teremos de recorrer nossa longa histria, a fim de facilitar o

    esclarecimento dos singulares e aparentes mistrios.

    Quando chegamos a esta regio abenoada do Hebron ramos dois desesperanados da

    Misericrdia do Senhor, Flix e eu, mesmo porque nossa formao religiosa no nos permitia a

    crena no Poder nico. Tnhamos a mente deformada por concepes absurdas, baseadas no quadro

    multiforme de divindades de matizes e procedncias diversas...

    O certo que muitos anos de vida ociosa e a fatuidade dos costumes nas cortes do Imprio,

  • inculcavam-nos ao corao amargurante tdio. A falta de um filho corroborava fortemente para o

    caos de nossa vida, em plena opulncia.

    Jamais havamos pensado nos problemas dolorosos da plebe. Nunca empregamos tempo com a

    misria do prximo.

    No tardou, porm, que Flix se saturasse daquela vida sem objetivos, o mesmo acontecendo

    comigo.

    Certo dia, meu esposo veio encontrar-me nos aposentos luxuosos de nosso palacete em Roma,

    lanando-me ao corao o atordoamento dilacerante que oprimia o dele.

    Estvamos ambos enojados daquele tumulto contnuo de reuniesfestivas e banquetes.

    Quebraram-se os derradeiros fios de nossa resistncia. Resolvemos tomar uma deciso capaz de pr

    cobro quela vida tediosa que carregvamos na Capital do mundo.

    Foi nessa ocasio que meu marido caiu gravemente enfermo. Febre tenacssima enfraquecia-lhe,

    aos poucos, a admirvel robustez fsica.

    Todos os recursos foram mobilizados por amigos mais chegados a ns para reconduar Flix aos

    caminhos da antiga sade. Algumas melhoras fizeram-se notar, a princpio, mas a febre no cedera,

    constituindo-se em autntico espantalho frente s nossas esperanas para a recuperao do

    enfermo.

    Decorreram trs meses e o quadro melanclico no se modificava, quando um amigo de nossa casa

    aconselhou--nos deixar a cidade e buscar uma regio campestre, propcia ao tratamento dessas

    febres pertinazes.

    Tudo ficara resolvido da noite para o dia. Lembramo-nos de uma propriedade nossa no sul da

    Judia, que Flix recebera em paga dos muitos servios prestados legio que comandara nas

    expedies Galcia e Pisdia. Escolhemos de comum acordo aquela regio a que Flix sempre se

    refer a com entusiasmo.

    A viagem fora longa e difcil. A embarcao que nos trouxe atravessava o mar alto, movimentada

    ora por ventos fracos, ora pelos braos robustos de trs dezenas de escravos, que nos

    acompanhavam.

    ^ Ao fim de quinze longos dias, a galera chegara s costas da frica oriental, em Tapso, onde

    Flix estivera portas da morte. Alcanamos o porto de Apollonia duas semanas depois.

    Decidimos realizar a ltimaetapa da viagem por terra, mas a tentativa no fora menos feliz que a

    travessia martima; Flix no suportava a lentido dos camelos, no avano da caravana, no deserto

    egpcio.

    Tomamos, a seguir, o porto de Alexandria, rumando ao objetivo final-o que se verificou ao fim de

    quinze dias, quando alcanamos o porto de Gaza, que limita o Egto com a Judia.

    O restante da tormentosa viagem em terras judaicas, seguimos em linha reta at o Hebron.

    Nossa propriedade situava-se ao sul, no muito longe da cidade, o que nos animou a seguir ao cabo

    de duas semanas.

    No compreendamos a origem da estranha fora que sustentara meu esposo naquela travessia

    aflitiva.

    Os primeiros dias aqui foram particularmente dolorosos para mim. Flix piorara aps a chegada

    com abatimento natural naquelas circunstncias. A febre aumentava de intensidade a horas certas.

    J me desesperava quando, certa manh, recebemos a visita de um jovem simptico, que nos

    procurava da parte de santo ancio, segundo ele afirmava, com visvel emoo.

    O primeiro era o nosso Josaf e o homem a que se referia no era outro que no Lisandro.

    Coisas extraordinrias sucederam-se da por diante. O mensageiro trouxera-nos pequeno frasco,

    contendo um lquido vermelho-escuro, com indicao para ser usado por Flix, em horrio

    estabelecido.

    O fato surpreendeu-nos, mas desconhecida fora impulsionou-me, no sentido de atender ao

  • imprevisto oferecimento, sem mais tardana.

    Meu marido tomara o medicamento s primeiras horas da

    tarde.

    Ao cair da noite, na primeira viglia, a febre baixara de modo sensvel e no dia seguinte os

    sintomas febris haviam desaparecido para nunca mais reincidirem.

    Flix estava salvo.

    Jlia tinha os olhos molhados quela evocao. A matrona interrompera o relato por alguns

    momentos, prosseguindo, emocionada, ante o silncio das companheiras:

    - Josaf apareceu mais vezes. Quando meu marido se encontrava totalmente recuperado fomos

    visitar o salvador de nossa felicidade, guiados pelo jovem mensageiro.

    O acontecimento marcara solidamente as alegrias que hoje me perfumam a alma.

    Lisandro era mais extraordinrio ainda que a admirao de Josaf nos havia figurado, sublime na

    simplicidade, grande na bondade infatigvel com que atendia aos infelizes que o buscavam no retro

    abenoado. Velho j, encontramo-lo entregue a grosseiros afazeres manuais para a segurana do

    po- de-cada-dia. Seus olhos jamais nos pareceram cansados para a bela tarefa do estudo constante.

    Nosso conhecimento com Lisandro fora altamente benfico para mim e Flix. Logo aprendemos

    quo distantes do caminho legtimo do aperfeioamento nos encontrvamos.

    Lisandro apontou-nos, sem rodeios, a necessidade de volvermos o corao para o Criador Unico de

    nossas almas. Mostrou-nos com paciente generosidade, os diversos roteiros que atestam a

    existncia de um Ser Superior, que o Supremo Doador da Vida: aqui, uma florinha humilde ao lado

    de rvore gigantesca a beber recursos idnticos de vitalidade; ali, o inseto pequenino e o paquiderme

    imponente a usufrurem os privilgios do mesmo quadro garantidor da subsistncia; acol, o mar a

    conduzir mltiplas manifestaes de vida; mais alm, o cu bordado de astros, a oferecer o

    espetculo esplendoroso da luz.

    E bem junto, a criao mais impoitante da Divina Vontade: o homem - com faculdades prprias

    para a auto-subida aos cus da Eterna Vida.

    Quantos anos Lisandro vem conduzindo nossas almas nesse esclarecimento constante, incansvel!

    Mas, um ano de conhecimento e convvio bastou para que o santo homem operasse em nosso ntimo

    prodigiosa mudana.

    Conjurando-nos compreenso dos princpios de Justia, levou-nos a dar liberdade aos escravos

    que trouxramos de Roma.

    Felizmente, compreendemos, a tempo, tantos fatores importantes para a vida sadia e harmoniosa

    dessa centelha que vive e vibra em ns - a nossa alma.

    Quando nossos servidores despediram-se, sada do ptio da Chcara, todos chorvamos. Alguns

    deles ajoelharam- se aos nossos ps, tomando-nos as mos e molhando-as de lgrimas. O jbilo

    daquelas criaturas forato intenso, que se nos refletiu nos coraes quais espadas de luz a

    penetrar-nos a sensibilidade para todo o sempre.

    Compreendemos, ento, praticamente, pela primeira vez, que todo bem que semeamos um tijolo

    colocado no edifcio eterno da felicidade individual.

    As alegrias multiplicaram-se com as freqentes visitas a Lisandro. Coisas extraordinrias fomos

    aprendendo nesses encontros abenoados.

    Jlia fizera novo interregno, que no fora interrompido.

    A bondosa patrcia retomou a palavra, com simplicidade:

    - A oportunidade de ambas soou tambm, queridas amigas. No tardar o momento em

    que todos os coraes sero bafejados pela brisa suave da alegria que no morre, atravs do

    conhecimento salvador...

    Dessa feita, Ruth no pde calar ansiosa indagao:

    -Mas, como conheceis os fatos surpreendentes de hoje, antes mesmo de sua realizao?

  • Ao longe, a Chcara das Flores aparecia, emoldurada por magnficas trepadeiras enflorescidas,

    como salvadora sugesto s pretenses de Jlia, no sentido de transferir para o dia seguinte a

    informao que lhe solicitavam.

    Voltou-se a matrona para a jovem e esclareceu: *

    - Amanh, iniciaremos o dia apanhando o fio da conversao que aqui interrompemos...

    A bela servidora compreendera que, mais uma vez, devia esperar. E, como sempre, abafou

    dolorido gemido de impacincia, mudando a ateno para outro interesse imediato, que surgia na

    curva do caminho. Era o vulto branco de um cavaleiro muito conhecido, que apontava, qual estrela

    nova de luz e esperanas, para o corao da jovem escrava.

    10 - INQUIETAES E JBILOS Ruth passara a noite em claro, no que fora secundada por

    Mira.

    Todavia, impresses muito diversas tomavam aquelas almas. Ruth transferira afunda inquietude

    acerca de Marcos para a lembrana fascinadora de Josaf. Como o rapaz lhe parecera belo na

    montaria soberba, que o conduzia atravs de rotas conhecidas e de lugares ignotos! O moo parecia

    infatigvel nas suas viagens. Grande curiosidade, em torno da vida de Josaf, assenhoreava-se da

    jovem idumia. Via-o sempre na pele de viajar apressado. Dir-se-ia constantemente interessado em

    algum misterioso motivo, pois, a inquietao ntima ele a expressava na mobilidade singular dos olhos

    negros. O moo parecia muito distanciado do meio ambiente, na busca permanente de algo longnquo.

    A moa compreendia, atravs de esquisita intuio, que no era ela o objeto daquela inquietude

    constante, o que lhe trazia importuna dor ao corao.

    Na tarde anterior - refletia a formosa Ruth - Josaf encontrara o pequeno grupo, no regresso do

    Santurio de Lisandro. Ansiava por algumas palavras do rapaz, visto como jamais se lhe dirigira

    diretamente. Mas aqueles olhos s vezes assumiam terna expresso ao encontrarem-se com os dela.

    Era s, porm.

    E Ruth no se contentava com to pouco...

    Esses pensamentos tomaram a cabea dajovem durante as viglias da noite, enquanto Mira

    suspirava, sinceramente atormentada pela sorte de Marcos. Bem sabia que o menino encontrava-se

    em excelente companhia, mas a situao parecia- lhe, agora que podia raciocinar melhor sobre as

    ocorrncias da vspera, estranhamente difcil.

    Pela manh, as duas servas puseram-se de p, entregando-se aos servios que, espontaneamente,

    escolheram, sob a aquiescncia benevolente da dona da casa, desde a chegada de Sebaste.

    Buscavam as abnegadas criaturas absorverem-se noutras preocupaes menos dolorosas para

    suas mentes cansadas da viglia.

    No tardou que Jlia as viesse encontrar, envergando elegante traje sob a fina manta branca de

    l, que a abrigava da aragem fria da manh.

    - Ento, queridas amigas, dormiram? - perguntou a matrona, com um sorriso de

    bondade.

    Foi Mira quem atendeu com sincera afirmativa to de seu feitio leal:

    - No. Pelo menos eu no dormi, senhora! As inquietaes sobre o menino no me

    permitiram repousar.

    O sorriso desaparecera dos lbios de Jlia, como o canto do pssaro, cuja garganta recebesse o

    golpe inesperado de impiedoso caador.

    - Julgava-te tranqila, desde ontem, minha boa Mira.

    - A inquietao voltou a dominar-me, senhora... - asseverou a velha escrava.

    A matrona acercara-se da servidora fiel e, abraando- a ternamente, observou:

    - No h motivos srios para essas preocupaes, querida. Marcos est muito bem na

  • companhia do santo homem que Lisandro.

    A asseverao de Jlia expressava tanta confiana, que a alma da velha escrava comeou a

    desanuviar-se.

    Jlia prosseguiu, com entusistico colorido na voz bem modulada:

    i - Cumpre-me pr-vos a par dos acontecimentos para tranqilidade de ambas. Lisandro to

    extraordinrio que conhece o passado e prev com segurana o futuro das criaturas, como se fossem

    acontecimentos do presente.

    Antes da chegada dos mensageiros de Copnio aqui, j tnhamos conhecimento das ocorrncias

    em Sebaste. Sabamos, ento, que Marcos viria para nossa companhia, o que, alis, nos encheu o

    corao de jbilos. Fomos informados de tudo por Lisandro - continua Jlia.

    - Ele , ento, um profeta!-interveio Ruth com assombro e admirao.

    -Sim. Ele isso precisamente-anuiu a matrona. -Um profeta iluminado pelo estudo das criaturas e

    das coisas. Um intrprete de Deus esclarecido pelo Amor aos seres e ao Criador dos Cus e da Terra.

    Jlia, com os olhos a fulgir de sublime respeito, prosseguiu:

    - No vos assusteis se eu garantir-vos que no existe no glossrio das tradies

    sagradas de todos os povos homem mais santo que Lisandro!

    - Realmente extraordinrio tudo quanto nos dizeis sobre esse ancio, senhora! -

    exclamou Mira, sinceramente impressionada.

    - No vos posso informar acerca de inumerveis coisas extraordinrias sobre o ancio.

    Seria muito para as vossas mentes, por enquanto. Contudo, o tempo e a observao apontam o

    caminho luminoso do entendimento s almas desejosas de aprenderem.

    Mas - continuou Jlia- necessrio saibais que Marcos um Esprito assinalado pelo Supremo

    Poder para grandes cometimentos na jornada entre os homens. O menino como um serafim que, em

    veraneio pelo mundo, aproveitasse o tempo de recreio para servios do Amor, a benefcio de todos.

    - O menino um verdadeiro anjo! - exclamou Ruth, com entusiasmo.

    Jlia completou o pensamento da jovem, acrescentando:

    - Para confirmao do que dizes basta saber que cerca de duas centenas de escravos

    retomaram vo livre, atravs da bondade de Marcos.

    - Como sabeis desse fato, senhora? - indagou Mira, surpresa.

    - Foi Lisandro - respondeu Jlia. O ancio transmitiu-nos que o fato assinalava o marco

    de grandes acontecmentos favorveis a muita gente, inclusive ao prprio Copnio...

    - Nesse pormenor no foi acertada a previso de Lisandro! Nosso pobre amo deve

    comparecer aos tribunas romanos... - acentuou Mira, reticenciosa...

    - Lisandro nunca faz referncias s facilidades do mundo

    como fatores de benefcios. Estes se enquadram sempre nas renncias e sacrifcios. Entendes?

    esclareceu judiciosamente a matrona.

    - Quereis dizer que nosso amo fez-se credor de futuras regalias celestes pelo

    desprendimento e coragem com que se houve na libertao dos escravos?-perguntou Mira,

    interessada.

    - Mais ou menos isso, querida amiga - confirmou a patrcia. - O que Copnio fez

    representa muito, mas no tudo perante a Divina Justia. H muito trabalho a concretizar, muito

    esforo a movimentar-se no mundo sagrado de nossos sentimentos para que a verdadeira luz da

    santificao nos banhe a alma de esplendores novos...

    Jlia deixara o pensamento em suspenso, aguardando a interferncia de uma das interlocutoras

    atentas.

    Mas a deixa ficara em branco. Ambas achavam-se por demais absorvidas na meditao dos

    extraordinrios fatos para se ocuparem em observaes outras. Di r-se-i aque o crebro no lhe

    comportava o volume de outras preocupaes.

  • Mas, Jlia achou prudente completar as informaes, aduzindo:

    - Lisandro enviou-nos Josaf a comunicar-nos a boa nova sobre a ida de Marcos para sua

    companhia, afirmando que as coisas se encandeariam de.tal maneira, que o acontecimento se daria

    em pouco tempo. Esperssemos e o prprio Marcos daria os primeiros passos para a concretizao da

    profecia.

    - Assim aconteceu, realmente - anuiu Mira, assombrada, em cujos olhos brilhavam

    agora centelhas de esperanas e alegrias.

    11 - NOVAS ESPERANAS A convite de Lisandro, Marcos sentava-se todas as tardes soleira da porta modesta, aps os

    trabalhos santificantes do dia.

    Ali conversavam horas inteiras at o final da primeira viglia noturna, quando as estrelas j

    haviam tomado posio, no eterno cortejo de luzes pelo firmamento sem mculas.

    O menino adorava as informaes acerca dos companheiros de ideais do generoso ancio.

    Ficara sabendo que a seita era relativamente nova, havendo surgido depois de outras faces

    religiosas da Judia -a dossaduceus e a dos fariseus - cujos princpios divergiam frontalmente da

    flgida seita de Lisandro.

    O ancio confiara ao pequeno discpulo que o Pai incumbira-os da tarefa do preparo dos coraes

    para o advento da Grande Estrela. Porque as conscincias carregavam-se de pecados e as mentes

    precisam da iluminao pelos conhecimentos espirituais, a fim de que o Viajor Celeste encontre o

    caminho terreno mais arejado, os coraes preparados para o entendimento da Grande Lio

    redentora.

    Para a concretizao do objetivo sublime aqueles homens vieram de outras terras, reunindo-se

    sob os cus de Israel, cujo solo receberia a graa de ser pisado pelo Messias. Procediam esses

    missionrios da Vontade Divina de vrios pases, tais como: Prsia, Sria, Grcia, Alexandria e outros

    centros avanados do saber humano, trazendo imenso cabedal de experincias cientficas e

    filosficas, que oferecem a quantos desejem receber a ddiva do conhecimento.

    Os olhos de Marcos tornavam-se chamejantes, qual belo par de setas, que ganhassem as alturas

    infinitas dos espaos, a subir sempre em veitiginosa viagem, sem saber at que ponto e distncia a

    fora penetrante do entusiasmo as conduzir.

    O menino sentia-se altamente preocupado em ouvir Lisan- dro. Como a doce voz do ancio lhe

    penetrava o ntimo!

    A tarde do dcimo dia da permanncia de Marcos, na morada singela de Lisandro, fora-lhe

    particularmente inesquecvel.

    Achavam-se sentados soleira humilde eo Sol descambava no horizonte lmpido, semelhando-se a

    gigantesca tocha s mos de prodigioso corredor, a empreender fantstica maratona, pelos

    caminhos conhecidos do campo cefeste. O crepsculo propiciava temperatura ligeiramente amena.

    Os dois companheiros contemplavam a descida do Astro da Vida, com sagrado respeito, sob as

    harmonias do silncio. Muito tempo ficaram no recolhimento esttico, como que receosos de quebrar

    o encantamento daquele divino instante.

    Lisandro observou, em voz baixa:

    - Marcos, meu filho, sentimos a grandeza indefinvel do Poder Divino. Todavia, bem

    pouco conhecemos dessa Potncia, que nos oferece tantas maravilhas...

    Aps ligeira pausa, o ancio concluiu:

    , - Teu corao conhece agora a presena do Pai Divino -

    Unico e Eterno - e no podes duvidar da Sua Onipotncia...

    - Sim, amado mestre, depois que me mostrastes tantos testemunhos do Poder

  • Superior, como duvidar d'Ele? - anuiu o menino, com os olhos postos na linha do horizonte, onde o

    atleta miraculoso penetrava o ltimo marco da corrida espetacular, conduzindo meta final a tocha

    do triunfo...

    - Agora, meu filho, torna-se imprescindvel a tua entrada no terreno prtico do

    aprendizado. Amanh mesmo conduzir-te- ei ao nosso povoado, no longe daqui. Entrars em contato

    com outros meninos de tua idade, aprendizes dos princpios vigentes em nossa seita, segundo os

    quais todo candidato espera da Grande Estrela deve preparar-se para o evento sublime. Todos

    estudam com alegria as cincias fundamentais e penetram o mundo encantador dos sons,

    aprimorando a divina arte musical. Quando o Cordeiro de Deus chegar necessrio encontre os

    pastores, entoando belas melodias nas avenas humildes, enquanto o aprendiz dedica-se tambm

    lavoura, aos trabalhos de tear e da cermica. O lema daquele que aguarda a chegada do Messias

    nesta seita : Mente e mos ocupadas, sob a grande voz do silncio. As timas palavras de Lisandro foram sublinhadas por significativo sorriso.

    Marcos indagou, ansioso:

    - Ficarei l, ento? Oh, sofrerei muito se tiver de deixar-vos!

    Lisandro estremeceu, mas reaprumou-se logo, observando, carinhoso:

    Ser o primeiro sacrifcio, meu filho. Saibas que muitos outros sero exigidos de tua coragem,

    que se fortalecer no devotamento causa da Grande Espera, atravs do trabalho e do estudo. Todavia, amado filho, no nos assiste o direito de violentar-te a vontade. Fars o que a conscincia

    aconselhar-te. O livre arbtrio sagrada faculdade, doada criatura por divina con- cessao...

    Os olhos expressivos de Marcos brilhavam, demorando- se na primeira estreia, que surgira de

    inopino no cu sem nuvens. O olhar molhado semelhava-se-lhe ao oceano: refletia na superfcie

    azulada a profunda agitao interior.

    Como dizer a Lisandro que no desejava, por nada no mundo, sair-lhe do lado?

    Mas sabia que o amigo no aconselhava uma coisa injusta. Tudo que falava era ceito.

    Terrivelmente exato e necessrio... Como foram suaves e bons aqueles dias de convvio com Lisandro!

    Certamente no teria o menino outros semelhantes, nunca mais...

    A essa altura das ilaes silenciosas de Marcos, o ancio obtemperou, indo-fhe, mais uma vez, ao

    encontro dos pensamentos doloridos:

    - Os teus dias, meu filho, sero sempre luminosos. Mesmo quando tiveres de provar o

    clice do sacrifcio supremo. Aquele que espera o Divino Enviado nos trabalhos sublimes da prpria

    santificao, jamais ter tristezas duradouras. Estas sero passageiras como os ventos frios e

    espordicos, que descem do norte e so envolvidas pelas brisas mornas do sul.

    O menino assombrou-se com a singular faculdade do ancio de penetrar-lhe os mais ntimos

    pensamentos, embora houvesse recebido outros atestados, em vrias oportunidades.

    - Como podeis sondar-me os pensamentos mais escondidos, Mestre? - indagou Marcos

    emocionado.

    - Teu corao um livro aberto para o meu. Nele leio como se tivesse diante dos olhos

    a pgina querida de um livro precioso. Porque nos entendemos e nossas almas se entrelaam em

    razes muito antigas, que vitalizam a grande rvore do Amor, dentro do solo dos sculos...

    A reticncia propiciava a deixa, era quase um convite para novas indagaes. Marcos no se fez

    de rogado e aproveitou o ensejo para dessedentar-se naquela fonte de Saber e Bondade, rogando:

    - Explicai-me como pode ser isso! H coisas que no entendo... s vezes no vos

    compreendo!

    Lisandro atendeu, generoso:

    - Queres comear pelo fim, meu filho. No entraste em contata com as lies

    elementares, como entender a ltima pgina da grande cincia da Vida? Por isso mesmo provoquei- te

    o choque, abordando propositafmente o mais alto tema dos conhecimentos essnios. Precisavas ser

  • tocado pela necessidade inadivel do aprendizado, sob o mtodo e as regras de nosso Manual da Disciplina.

    Aps meditar uns momentos sobre as informaes do ancio, Marcos indagou com ingnuo toque

    na voz terna:

    - Aprenderei um dia a lera grande voz do silncio, como sempre fazeis?

    Lisandro abraou o interlocutor querido e esclareceu, sorrindo:

    - Como no? Entrars logo nos primeiros exerccios, se estiveres disposto ao ingresso

    na seita ...

    Marcos acentuou quase alegremente, com os olhos brilhantes:

    - Sempre tendes razo, amado Lisandro! Farei o que me ordenardes.

    O velho apertou o companheirinho sobre o valoroso corao sem uma palavra.

    Se Marcos j conhecesse a sublime cincia de ler os pensamentos, na grande voz do silncio,

    ouviria a alma de Lisandro a enderear ardente prece ao Senhor, assinalando-lhe a gratido pelos

    jbilos daquela hora.

    As estrelas pontilhavam o firmamento e pareciam enviar queles coraes silenciosa mensagem

    de luz e esperana.

    12 NO POVOADO ESSNIO No dia seguinte, Lisandro conduziu o menino ao povoado essnio, a leste de Hebron, a cinco

    dezenas de estdios da morada do ancio.

    Os dois companheiros empreenderam acaminhada a p, sob a frescura trescalante e suave da

    manh.

    De quando em quando interrompiam a marcha, voltando-se a fm de apreciar a magnificncia das

    montanhas, que se situavam na retaguarda e que se constituam na nica nota de vida daqueles ermos.

    A zona ali semelhava-se a pequeno deserto, onde predominava a vegetao rasteira.

    A jornada era longa e algumas horas de caminhada foram gastas no objetivo visado.

    Quando o casario branco surgira pequena distncia, aqum do fundo azulado do mar, o menino

    sentira alvoroo irreprimvel nocorao. No havia aprendido ainda o controle das emoes como

    fazia Lisandro, cuja serenidade proporcionava- lhe uma aurola de paz permanente.

    - Marcos, meu filho, nossa viagem est chegando ao trmino. Pe cobro s batidas mal

    educadas de teu corao. Isto faz mal sade do corpo e desequilibra a mente.

    Lisandro expressara-se com leve sorriso, como o fazia sempre que surpreendia os pensamentos

    do menino.

    Marcos estremecera ligeiramente e sorriu tambm, mas no proferiu uma s palavra.

    As casas muito brancas, vislumbradas a muitos passos frente, pareciam desabitadas. Grande

    silncio banhava aquelas paragens melanclicas.

    O corao do menino confrangera-se dolorosamente idia de que ficaria ali, distante dos entes

    mais queridos de sua alma.

    Lisandro interps-se mais uma vez, s reflexes ntimas do companheiro amado, asseverando-lhe:

    - Muitos coraes chegados ao teu esperam-te aqui, meu

    filho...

    O menino sorriu, francamente. Na verdade, era um perigo pensar junto de Lisandro...

    Haviam atingido o povoado e passavam defronte a dezenas de casas silenciosas, cujas portas e

    janelas achavam-se abertas de par a par.

    Marcos indagou, surpreso:

    - Onde esto os moradores?

    - Os adultos - atendeu o ancio - encontram-se nos campos, prximos davertente oriental das

    montanhas que ficaram para trs e os meninos adolescentes trabalham na cermica, que se localiza a

    poucos estdios daqui, quase s margens do mar.

  • - E as mulheres? - perguntou o menino.

    - As poucas mulheres do povoado so assalariadas e, possivelmente, acham-se

    entregues aos labores do tear ou nos trabalhos domsticos. Contudo, a maior parte dessas casas

    encontram-se vazias, at que os ocupantes cheguem das tarefas diuturnas.

    Marcos arregalou os olhos, na dilatao da surpresa:

    - Como?! Casas totalmente abeitas, sem os donos para garantir-lhes a segurana?

    - Aqui no hnecessidade de vigias, filho. As propneda- des pertencem a todos, os

    vesturios so usados em comum. A divisa social de nossa gente : Todos por um, um por todos. Entendeste? - A vida aqui deve ser extraordinariamente bela! - admitiu Marcos, com entusiasmo.

    - To bela, meu filho, que necessrio ter-se o corao preparado para compreend-la

    e senti-la! Nossa seita conta quase trs sculos de existncia e no possui mais de quatro mil

    adeptos. Embora no seja de nossos princpios a seleo de valores, esta se impe pela fora dos

    prprios fundamentos da organizao.

    Lisandro falava com naturalidade, como se o interlocutor fosse adulto. E Marcos recolhia-lhe as

    informaes preciosas com grave serenidade, em correspondncia aos sentimentos avanados do

    ancio.

    Achavam-se frente de grande construo, quase imponente nas linhasclssicas,

    semelhantessdoestilo com que Fdias marcara o famoso templo de Minerva. O edifcio se destacava

    dos demais pelo tamanho e pela localizao. Era a mais ampla de todas e situava-se no centro da

    povoao.

    Aquela casa rompia alegremente, as alturas e as portas largas, que lhe rasgavam as paredes,

    deixavam a viso livre para o salo de entrada, circundado por colunas jnicas.

    Lisandro explicara que as colunas foram construdas com argila, que as mos hbeis dos artfices

    essnios fabricavam base de areia lavada.

    O corao de Marcos agitava-se num crescendo de entusiasmo e interesse.

    - Comeo a compreender agora quo vazia era minha vida! - exclamou o menino,

    fascinado por tudo quanto recolhera da sabedoria de Lisandro.